Edição nº 257

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acabra

5 DE MARÇO DE 2013 • ANO XXIII • N.º 257 • QUINZENAL GRATUITO DIRETORA ANA DUARTE • EDITORA-EXECUTIVA ANA MORAIS

MICROCONTO

João de Melo “O Cego da Ilha”

JORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

PÁG. 17

RAFAELA CARVALHO

ENTREVISTA: JOÃO QUEIRÓ SECRETÁRIO DE ESTADO DO ENSINO SUPERIOR PÁG.2 E 3

RELATÓRIO E CONTAS AAC

Viviane Reding

VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO EUROPEIA

“O conhecimento adquirido na universidade pode ser posto em prática na criação de uma ‘start-up’” PÁG.12

DANIEL ALVES DA SILVA

Nem o recente mau tempo abalou a beleza e a tranquilidade do Jardim Botânico da UC PÁG.9

Défice nos números em relação a 2011

Os saldos finais do primeiro mandato de Ricardo Morgado foram aprovados na semana passada em Assembleia Magna. No que toca a despesas relevantes tocam-se pontos como a homenagem ao Dr. Luzio Vaz, avaliada em mais de 9 mil euros, a entrega de prémios Salgado Zenha também avultada e o facto de só dois pelouros terem saldo positivo no balanço. Ainda assim, há contas que ficam por explicar e a certeza de que todo o modelo de gestão da casa tem de ser repensado. Face ao ano de 2011, que apresentou um saldo positivo, esta direção apresenta um défice no exercício. PÁG. 5

PRÉMIOS SALGADO ZENHA

Desporto da casa reconhecido

Os prémios Salgado Zenha reconhecem anualmente o que de melhor é feito pelas secções desportivas da academia e este ano não foi exceção. A XVI Gala Francisco Salgado Zenha realizada no dia 25 de fevereiro premiou as melhores secções entre as 26 secções desportivas. Apesar do ânimo que estes galardões pretendem dar ao desporto, as dificuldades financeiras da maioria das secções desportivas é notória. Os bons resultados vão sendo alcançados mas com muito esforço dos seccionistas.

@ PÁG. 10 E 11

Mais informação em

acabra.net

JOEL SARAIVA


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DESTAQUE

“As IES têm tido um dinamismo enorme para captar receitas próprias” Aquando da sua vinda às comemorações dos 500 anos da Biblioteca da Universidade de Coimbra, no dia 22 de fevereiro, o Secretário de Estado do Ensino Superior (ES), João Queiró, partilhou a sua visão sobre o estado do ES, desde o regulamento de atribuição de bolsas até à reforma da rede de ensino. Por Ana Duarte e Daniel Alves da Silva. Fotografias por Rafaela Carvalho

Os últimos dados apontados pelas várias universidades demonstram que um em cada três pedidos de bolsa é recusado. Também referem uma redução do número de alunos. Este paradigma não indica uma necessidade de revisão do regulamento de bolsas? Fizemos, no Ministério [da Educação e Ciência] (MEC), um esforço enorme no campo das bolsas, em vários planos. Um deles foi no próprio dinheiro disponível. A verba orçamentada para bolsas para este ano subiu em relação ao ano anterior. Mas o problema não é só de dinheiro. Como se observou em anos anteriores, um problema quase tão importante é o da velocidade da análise das candidaturas. No ano letivo de 2010/2011, antes de chegar a Secretário [de Estado], o tempo médio de análise era de 106 dias. No primeiro ano letivo que lá estive,

o tempo médio de análise foi de 90 dias. Este ano letivo desceu para 52 dias. Em fevereiro, o número de bolsas aprovadas é de mais de 53 mil. No ano passado, por esta altura, era 38 mil. Qual é aqui a nossa obrigação? A garantia de que os sistemas funcionem o melhor possível. O artigo 32 [do novo Regulamento de Atribuição de Bolsas] permite ao estudante solicitar a revisão do seu processo se a situação económica da família mudar. No que se refere à Ação Social direta, fizemos um grande esforço para esta infraestrutura de apoio a estudantes ser sustentada, garantimos o financiamento europeu para as bolsas deste ano letivo todo e para o próximo. Foi um processo que decorreu na primeira metade do ano passado, na reprogramação estratégica do Quadro de Referência Estratégico Nacional, que termina no fim de 2013.


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DESTAQUE Relativamente aos próprios Serviços de Ação Social (SAS), existe previsão de um reforço financeiro dessas estruturas? Na realidade dos SAS da Universidade de Coimbra, verificamos que algumas cantinas estão fechadas, a lavandaria, as próprias residências não são em número suficiente para todos os bolseiros, e o seu estado físico não é o melhor… Estamos na universidade cujos SAS são maiores. Estes SAS são os “mais ricos do país”. O outro extremo é do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, onde a dotação por estudante é muito baixa. Também tem a ver com o facto de serem os mais antigos [os SASUC], portanto, prestam serviços muito mais amplos e generalizados do que a maior parte dos SAS. Em julho do ano passado, quando se calcularam as dotações seguimos o seguinte princípio: não vamos baixar a dotação, em termos absolutos, de nenhum SAS. Mas os que têm a capitação mais baixa, vamos subir um bocadinho. Subir era impossível para todos. Independentemente do reforço da Ação Social, há várias Instituições de ES (IES) que continuam a sofrer um sufoco financeiro. Não será necessário um aumento efetivo do orçamento para o ES? Agora falamos das dotações globais. Aí, o ES, nos dois orçamentos em que intervim, acompanhou a tendência geral do país. A despesa pública sofreu grandes reduções, e não só pela via das reduções salariais, que são muito substanciais, nem dos aumentos dos encargos. Em 2013 ainda houve uma redução mas já não foi tão pronunciada. E com esses cortes que o ES sofre, que alternativas sugere para o seu financiamento? A estrutura do financiamento das IES portuguesas é muito pouco conhecida. Um dos problemas do ES é a falta de informação que há na sociedade sobre ele. Nas universidades é muito frequente haver um cenário em que a dotação do Orçamento do Estado já só cobre uma parte, que pode às vezes já estar perto dos 50 por cento da despesa total, sendo o resto da despesa assegurado por receitas próprias. Há as propinas, que são uma grande parte, e depois há a investigação. As IES têm tido um dinamismo enorme para captar receitas próprias. Mas que soluções mais imediatas propõe para ajudar as universidades, que não passe pelo aumento da propina? A propina tem o aumento anual pela inflação. A propina no ES público, de primeiro ciclo e mestrado integrado, tem um valor mínimo: 1,3 do salário mínimo nacional, e um máximo que é a propina de 1941, atualizada pela inflação. No orçamento para 2013 houve um aumento de encargos, com a Caixa Geral de Aposentações e com a reintrodução do subsídio de Natal. Esse

aumento acabou por ser equivalente a um corte. Depois de grandes conversações, entre outubro e novembro, corrigiu-se em grande parte, e há menos de uma semana, esse reforço foi feito às universidades. Isto permite aliviar um pouco a pressão orçamental que as universidades atravessam. Sobre a reestruturação da rede de ES, quais são as medidas que estão em cima da mesa para a sua realização? A racionalização da rede, que interpreto como a racionalização da oferta de formação que há no ES, é um processo contínuo. Já fecharam muitos cursos, muitos deles aquando do Processo de Bolonha, onde as universidades tiveram de reorganizar a sua oferta e apresentá-la à Direção-geral do ES (DGES). Aconteceu por todo o país e foi uma coisa espontânea. Depois há o trabalho da Agência de Avaliação e Acreditação do ES, que começou a trabalhar em 2009 e que também já levou ao encerramento de muitos cursos. Outros mecanismos são os despachos anuais sobre vagas. A lei diz que todos os anos, o Governo tem de produzir orientações sobre o número de vagas dos cursos da rede pública. Por exemplo, no despacho deste ano letivo, introduziu-se, pela primeira vez, embora de forma muito ténue, o tema da empregabilidade. Isto é controverso em si. Há pessoas que acham que a questão da empregabilidade não devia desempenhar nenhum papel na questão dos cursos que abrem ou não, há outras que pensam o oposto. Por outro lado, essa indexação do curso à empregabilidade não pode, de alguma maneira, instrumentalizar o ES, uma vez que os estudantes se estarão a formar para ser “técnicos” de uma profissão? Qualquer jovem que queira prosseguir estudos tem interesses, vocação, gostos. E o Estado reconhece isso como um valor. Outro valor: três quartos dos estudos dos estudantes são pagos pelo Estado. Há ainda um terceiro valor: é ou não é da responsabilidade do Estado dar sinais aos jovens sobre a possível utilização dos seus cursos? Não estou a dizer que é uma determinante. O que ficou no despacho foi o resultado de uma ponderação de vários aspetos. O gosto do estudante é um valor que o Estado reconhece. Se a ponderação dada a isso fosse zero, quantos cursos tinham fechado já em Portugal? Muitos. E isso é que é ter uma visão do ES como algo puramente ao serviço da economia num sentido lato. Não foi isso que se passou. O MEC vai criar uma nova oferta para os Institutos Superiores Politécnicos (ISP) com uma duração menor e com o intuito de ser uma forma de atrair mais jovens para este nível de ensino… Esse anúncio tem um dia ou dois. A criação de cursos se calhar já estava

no Processo de Bolonha, os chamados “short courses”, cursos não conferentes de graus. A diferença aqui é que se está a pensar em cursos prélicenciatura. Há um quadro de qualificações que tem vários números: o oito é o doutoramento, o sete é o mestrado, o seis é a licenciatura, o secundário é o três, o quatro são os cursos profissionais. Isto seria para o nível cinco. Se se vier a avançar, será uma coisa parecida com algo que já existe, os cursos de especialização tecnológica. São maneiras de ter formações além do secundário e que aumentam as suas qualificações. Ambas as partes estão com vontade de seguir essa medida? A reunião que houve é muito recente. Creio que ainda é cedo para ver claro quais é que vão ser as reações. Houve uma reação genérica que me pareceu positiva da parte dos politécnicos, na primeira vez que se falou do assunto e agora na reunião. Numa reunião anterior com o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, creio que em janeiro ou fevereiro, falou-se desta informação genericamente. Há um ano afirmou numa entrevista à Associação das Universidades de Língua Portuguesa que “possuir qualificações superiores continua a ser uma vantagem. O salário dos diplomados é mais alto, o tempo de procura de emprego é menor”. Vê, então, a formação superior como algo utilitário do ponto de vista individual para obtenção de rendimentos mais elevados? A vocação e o interesse de um estudante é, em si, um valor que a sociedade considera positivo. Vou citar uma frase que vai ao centro daquilo que estamos a discutir. O segundo presidente dos EUA, finais do século XVIII, escreveu à mulher, no período da Guerra da Independência: “nós estudamos guerra e política para os nossos filhos poderem estudar ciências e engenharias para os nossos netos poderem estudar arte, música e literatura”. Ele vê, como um progresso da sociedade, passar-se de estudar guerra e política para estudar engenharias e coisas aplicadas e acabar a estudar artes. Para países com os recursos suficientes, o que não é exatamente o caso de Portugal neste momento, as sociedades civilizadas veem como um bem que as pessoas sigam os seus interesses e vocações. Ignorar totalmente a questão do retorno seja pessoal ou coletivo também é um bocadinho estranho. Estas perguntas partem de uma perspetiva de branco e preto. Mas não são as visões de branco e de preto que enformam as decisões políticas e sociais. Está-se permanentemente a ponderar valores e recursos, e quando os recursos faltam, ainda é mais grave e mais necessário pensar bem no que se está a fazer.

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Entrevistas na íntegra em

cabra net


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ENSINO SUPERIOR ARQUIVO - STEPHANIE SAYURI PAIXÃO

Subfinanciamento estatal obriga IES a ir buscar verbas à investigação O problema reside em saber em concreto o que é que a universidade faz com as receitas provenientes dos 'overheads'

Os ‘overheads’ já remontam a 2004 na Universidade de Coimbra. Porém, o Ensino Superior subfinanciado faz com que esta forma de gerar receita própria seja determinante Liliana Cunha

“Muitos reitores e diretores de faculdades podem também não gostar da prática, o problema é que a necessidade ao fim de cada mês e a pressão é maior”, deixa no ar o elemento da direção do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNEsup), Romeu Videira. O também docente fala em relação aos custos indiretos decorrentes da execução dos projetos de investigação científica - os chamados ARQUIVO - RAFAELA CARVALHO

‘overheads’. Prática comum a todas as universidades nacionais, os ‘overheads’ correspondem às verbas absorvidas pela universidade aquando do financiamento atribuído a um projeto de investigação. E esta necessidade advém das parcas verbas provindas por parte do Orçamento do Estado: “é a única forma que a universidade encontra para se manter ativa e com qualidade”, explica o representante do terceiro ciclo no Conselho Geral da UC, Nelson Coelho. Para o estudante conselheiro, trata-se de “retirar uma parcela do montante que é atribuído a estes projetos, guardá-la e investi-la a título geral na universidade e na sua qualidade”. Para mais é uma forma de compensar o uso das infraestruturas e equipamentos utilizados pelos investigadores e docentes dos espaços da universidade. O regulamento previsto para esta afetação de verbas por parte da UC

culdade”. No entanto, o problema reside em saber em concreto o que é que a universidade faz com esse dinheiro.

vem desde 2004. A partir disso, “respeitam-se gastos gerais, diretos ou indiretos, resultantes da execução dos trabalhos”. Os valores correspondentes em projetos de investigação científica têm a aplicação de um ‘overhead’ de 20 por cento, e os projetos de prestação de serviços têm ‘overhead’ de 30 por cento. Por gastos gerais entende-se o ressarcimento por “gastos relacionados com a eletricidade, com gás, com água e eventualmente com outros ramos específicos, como a reprografia e equipamentos que necessitem dessas coisas”, atesta Romeu Vicente. A captação desses 30 por cento ficam no saldo da universidade. Como se de um bolo total fossem posteriormente distribúidas pelas unidades orgânicas e de investigação em causa. Nelson Coelho exemplifica: “imaginemos que estamos a falar de cem euros, trinta ficam logo retidos na universidade, os outros setenta vão para a fa-

Os ‘overheads’ alcançam protagonismo nas receitas que as universidades portuguesas conseguem arrecadar. O relevo assume-se, já que as instituições “procuram desdobrarse nos seus mecanismos para aproveitarem as suas receitas próprias”, lembra Romeu Vicente. Para o membro do SNEsup, a via mais facilitada seria aumentar as propinas, mas tal traria “sempre consequências graves e contestação”, atesta o docente. Assim, a outra possibilidade reside em aumentar as receitas próprias provenientes dos projetos, ou seja, dos ‘overheads’. “A UC acaba por captar essa receita porque não tem outra hipótese de se

financiar”, lamenta o estudante conselheiro. O membro da direção do SNEsup alerta para o facto de as Instituições de Ensino Superior já não concederem a principal verba para os programas nos ciclos de estudo: “tudo o que os estudantes gastam é patrocinado pelos docentes dos projetos de investigação financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e esse tipo de instituições”. O escape para esta fonte de financiamento própria reside no cenário de a UC estar entre a “espada e a parede. Ou pede mais dinheiro ao Estado e este não dá, ou pede mais dinheiro aos estudante e ficamos sem eles porque já não têm muito mais dinheiro para dar”, frisa Nelson Coelho. O vice-reitor para a Investigação Científica, Relações com APSFLs e Bibliotecas, Amílcar Falcão, não se quis pronunciar sobre o assunto, adiantando que dará esclarecimentos ainda esta semana.

“natural funcionamento das atividades da UC” e também a mobilização dos caloiros e novatos dentro do horário letivo. Tal deve-se, segundo o Dux Veteranorum, João Luís Jesus, à “falta de bom senso em algumas situações da aplicação da praxe desde há alguns anos para cá”. A última revisão ao código fez-se em 2008. Na revisão deste ano, tentam-se combater algumas das mais graves violações à integridade física e psicológica do caloiro. Relembre-se a exemplo a suspensão da praxe desencadeada pela agressão a duas caloiras no ano letivo passado. “Fez-se dois em um: corrigir e regulamentar praxes que, apesar do espírito já estar presente no código,

não estavam explícitas”, explica o Dux Veteranorum do Conselho de Veteranos (CV). A fiscalização certificar-se-á com a delegação de cônsules que estarão pelos vários polos e departamentos a verificar se os preceitos académicos são devidamente cumpridos: “o sistema de funcionamento do Senadus Praxis foi alterado e é competência dessas pessoas eleitas em CV estarem atentas e tomarem as ações necessárias para as impedir”, sustenta João Luís Jesus. Do outro lado da questão está o chefe da maior tertúlia e comissão de praxe da Escola Superior de Comunicação Social (ESEC), Amílcar Neves. O também denominado Mocho Real acrescenta que se tra-

tam de “medidas tardias e insuficientes”. Na ESEC, as presentes alterações – proibição de pinturas, mobilização no horário letivo e evitar que o caloiro seja ofendido -, já estão em prática há alguns anos, segundo Amílcar Neves. Quanto a incidentes, estes já estão protegidos pelo diálogo esporádico com as pessoas – “sabem que andamos a averiguar se cumprem ou não o código da praxe”, atesta Amílcar Neves João Luís Jesus garante que a praxe da UC deve, a par das normas, estar principalmente protegida pela não perturbação das atividades. Resta saber se desta forma não se voltam a repetir os incidentes do ano passado.

O modelo que já não é experimental

Mais fiscalização na praxe coimbrã A prática de mobilizar caloiros na UC está mais vigiada. Com novas alterações, o CV clarifica as proibições e tenta evitar atropelos à integridade dos praxados

Liliana Cunha

As proibições estão agora regulamentadas. O código de praxe da Universidade de Coimbra (UC) prevê para este segundo semestre alterações tais como a proibição da praxe em situações que perturbem o


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ENSINO SUPERIOR

Ficam valores por explicar no relatório

Uma análise ao relatório da DG/AAC 2012 conta com prejuízo em relação ao ano anterior e com despesas que ainda geram confusão por não estarem discriminadas. Conta-se, ainda, um Fórum AAC que teima em não ser em Coimbra e valores relativos às comunicações da casa que continuam por explicar. Por Liliana Cunha

N

a base do Relatório e Contas da Direção-geral da Associação Académica de Coimbra 2012 (DG/AAC) estão vários montantes aos quais ainda não foi dada a última justificação possível. Para isso, conta detetar as verbas de certo modo avultadas para cada pelouro em questão. O termo da análise ao relatório relativo ao primeiro mandato de Ricardo Morgado terá de ser feito comparativamente ao do seu antecessor – Eduardo Melo. O primeiro valor a destacar será o diferencial do resultado do exercício. Enquanto no ano de 2011 este foi positivo – no valor de quase 105 mil euros, no ano de Ricardo Morgado o exercício foi negativo deu um prejuízo, e de 163 mil euros negativos. Depois de muito se falar da tardia chegada dos números finais relativos a 2012, o destaque vem em grande parte no que toca à administração. Sendo usual o setor dar saldo positivo - o que se verificou de novo – existem despesas que chamam mais à atenção. Todavia, ainda antes disso, chega a polémica verba de 9728, 92 euros, relacionada com o busto e o torneio em homenagem ao Dr. Luzio Vaz, que remonta à decisão de Eduardo Melo mas que entrou já nas contas de 2012. “Não me vou pronunciar se foi certo ou errado. Não fui eu que tomei essa decisão, mas a verdade é que o busto não está totalmente feito, falta a fundição”, explica o presidente da DG/AAC. Ricardo Morgado afirma que se suspendeu a conclusão do busto porque não se dão as condições para dar o dinheiro que resta – “não há hipótese”, certifica. Para com a administração, vem a verba de 1228,35 euros só com um anúncio nas Páginas Amarelas, a conta de telemóveis em cerca de 29 mil euros, uma conta de telefones em que ficam 13 mil euros por explicar e os trabalhos especializados em 65 mil euros que, mais uma vez, não são descriminados e explicados na totalidade.

Um edifício “mesmo muito velho”

Reportam-se, segundo Ricardo Morgado, nos trabalhos especializados, “custos para a manutenção do edificio, eletricidade. Da mais pequena obra, como a reparação de um arrombamento de porta, às obras nas caleiras do telhado até às casas de banho”. O tesoureiro do mandato anterior, Ricardo BemHaja, reforça a justificação, mas nada mais adianta a não ser evidenciar que o “edifício é mesmo muito velho, requer manutenção casas de banho, gabinetes, tudo re-

ANA MORAIS

O Relatório e Contas de 2012 foi aprovado com 83 votos a favor, 33 abstenções e 25 contra. quer despesas”. Na verdade, o edifício número 1 da Padre António Vieira apenas tem cerca de 50 anos, como afirmou Ricardo Morgado na última Assembleia Magna (AM). “Este ano o valor foi mais elevado pelas obras da requalificação da fachada que obrigaram a intervenções que não se estava à espera, como a questão de chover

“A verdade é que o busto não está totalmente feito, falta a fundição”, frisa Ricardo Morgado no piso dois”, enuncia o presidente da DG/AAC. No entanto, a verba disponibilizada para a requalificação é inferior em dez mil euros à manutenção do edifício. Ricardo Morgado é o primeiro a declarar que “para se perceber, era necessário que esses valores estivessem discriminados”. O valor relativo às comunicações da casa também gera incerteza. Atribui-se uma verba à utilização de telefones fixos de cerca de 16

mil euros e no que toca à receita, as secções apenas pagam pouco mais de 3 mil euros à DG/AAC. Sobra uma fatia de 13 mil euros que nem o tesoureiro nem o presidente sabem explicar: “isso é o que o centro de custos me dá. A maior parte das secções paga-nos, mas não é a totalidade”, tenta explicar o tesoureiro. Já Ricardo Morgado não sabe justificar o diferencial. Pondera apenas que “ou não foram despesas cobradas ou dizem respeito à DG/AAC – o que era impossível, ninguém usa os telefones exaustivamente e ainda mais que a casa toda”. Pese embora só o Pelouro da Ação Social e o das Relações Externas apresentarem um resultado positivo, persistem as despesas inexplicáveis, à primeira vista, em outros departamentos da DG/AAC. Torna-se interessante constatar que no Pelouro da Comunicação e Imagem, no ano de 2011, foram gastos dez euros. Em 2012, mais de seis mil euros. Entram o site da AAC e gastos com publicidade e propaganda. Ricardo Morgado refere que desta feita foram canalizados para os quase cinco mil euros em publicidade “sobretudo meios de divulga-

ção transversais à DG/AAC, como ‘roll-ups’, ‘outdoors’, ‘merchandising’ e outros”. O site, questão antiga, voltou a dar despesa de 1800 euros. O presidente afirma que este está feito, mas que houve problemas com a migração de servidores. “Irá para o ar logo que as coisas estiverem afinadas. Vamos encontrar a altura certa para o lançar”, justifica.

“O edifício é mesmo muito velho, requer manutenção, casas de banho, gabinetes, despesas” Fórum AAC e prémios Salgado Zenha

A realização do Fórum AAC em Gouveia, pela segunda vez, gera estranheza pelo facto de rumar a outro local quando toda a estrutura associativa está em Coimbra. Ricardo Morgado atesta que é uma forma de ninguém se dispersar, mas os cerca de 2500 euros gastos em alojamento dão que pensar. “Admitiu-se pensar numa redução

e num formato que seja em Coimbra, se bem que acho que não terá os mesmos resultados”, justifica o presidente da DG/AAC. Quanto à tomada de posse - não inscrita no relatório -, chega mais de dois mil euros. Os prémios Salgado Zenha merecem um último destaque. Afinal, o valor inscrito no relatório não é o custo final da entrega dos prémios (9250 euros). É o dobro. “ O acordo que tinha sido feito era de 50/50 – Conselho Desportivo (CD/AAC) e DG/AAC. Acho que não temos de fazer grandes jantares e grandes galas. Foi o dobro do dinheiro”. Ricardo Morgado adianta que o modelo a seguir não será o mesmo - “Os Salgado Zenha que eu realmente realizei são de 2013, que vai ser sem custos porque é o CD/AAC que cobre tudo”. Restarão sempre incertezas a certos valores, mas por certo todos os sócios têm a possibilidade de confirmar os dados com a tesouraria. Ricardo Morgado acredita que seria “interessante uma auditoria à AAC”. Porém, para o presidente da DG/AAC, o grande desafio não é o de procurar o “que correu mal e pagar um grande custo por isso”. É “procurar soluções”.


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CULTURA

Secções culturais reativadas: cá balanço até à data

cultura por 6

MAR

RODRIGO AMADO/GABRIEL FERRANDINI + GO SUCK A FUCK Música

salão Brazil 22h00 5€

6e7 MAR

"O TEATRO MAIS PEQUENO DO MUNDO"

7

TeaTro TaGV - exTerior Vários horários • 1€

MAR

NICE WEATHER FOR DUCKS Música oMT 22h00 5€

8 MAR

"CONCERTO COIMBRA SOLIDÁRIA 2013"

9

Música TaGV 21h30 10€

MAR

CANZANA Música ciTac 22h00 5€

11 MAR

"BARBARA"

cineMa TaGV 21h30

4€ c/DesconTos

13 MAR

CRYPTOMETRIA JAPONICA cineMa casa Das calDeiras 18h30 e 21h30 enTraDa liVre

14 MAR

"GONGER"

TeaTro TaGV 23h30 3€

15 MAR

Música casa-Museu Bissaya BarreTo 22h00 5€ c/DesconTos

A Associação Académica de Coimbra apresenta neste momento as suas 16 secções culturais a funcionar. O GE/AAC, a SESLA e a SG/AAC já têm atividades Daniel Alves da Silva

O Grupo Ecológico (GE/AAC), presidido por Miguel Barreira, realizou uma atividade de sensibilização sobre o corte de pinheiros, em dezembro. O presidente do GE/AAC refere algumas atividades “planeadas para fazer” em conjunto com a Queima das Fitas, com o intuito de dinamizar a secção junto da comunidade estudantil, sendo realizados alguns concursos que podem, por exemplo, envolver reciclagem de materiais e cujos prémios serão bilhetes para as noites do Parque. Miguel Barreira explica também que será realizada uma ação para sensibilizar as pessoas a não utilizar papel nos tabuleiros das cantinas, que considera ser “completamente desnecessário”. “Conseguimos falar com uma corticeira que nos forneceu gratuitamente painéis de cortiça”, acrescentando que serão pirogravadas mensagens nesses painéis, posteriormente espalhados pelas cantinas da Universidade de Coimbra. A presidente da Secção de Escrita e Leitura (SESLA), Sara Vitorino, sublinha que “a secção tem atraído bastantes pessoas”. Refere os ‘workshops’ de “Como escrever uma tese”, inicialmente pensados como uma “atividade simbólica, um pequeno workshop” para assinalar o arranque da secção, mas que continuaram e vão agora na sétima turma. E algumas dessas pes-

18 MAR

"A ÚLTIMA VEZ QUE VI MACAU"

cineMa TaGV 21h30

4€ c/DesconTos

Por Daniel Alves da Silva

As secções reativadas procuram, apesar de alguns problemas, retomar atividades

soas vão entrando para a secção. Sara Vitorino indica ainda a realização de parcerias, “com entidades de Coimbra com o mesmo âmbito” da SESLA, como a Casa da Escrita ou a editora Alma Azul, acrescentando que “as pessoas têm muitas ideias” de cada vez que uma entidade é contactada. Existem planos para ter um “clube de leitura”, a surgir em março, bem como aulas de conversação em inglês e português, “a um preço acessível e de uma forma informal”. “Estamos num bom caminho”, resume a presidente da secção. A Secção de Gastronomia (SG/AAC), é também procurada por estudantes ERASMUS, pois “é uma

porta para conhecer mais um bocadinho daquilo que é a cultura portuguesa”, elucida o seu presidente, Gustavo Rocha. A SG/AAC tem uma direção composta, maioritariamente, por ex-membros da Comissão da Queima das Fitas, assevera o presidente, Gustavo Rocha. Considerando que a SG/AAC ainda está “numa fase de criar estruturas”, aponta como objetivos “tentar criar condições para que os sócios, no futuro e as próximas direcções, consigam fazer atividades”. Apesar disso, aponta a participação na Gala dos 125 Anos da AAC, com um “show cooking” e o jantar ‘lowcost’, no Natal, como atividades que mostram o trabalho da secção ao pú-

blico. Já existem “projetos na calha”, como um ‘workshop’ de comida saudável a baixo custo e um exercício chamado “Degustação histórica”, prevista para abril, que, como explica o presidente, pretende “mostrar à cidade como era a degustação greco-latina”, onde será recriado “o ambiente dessa época”. Gustavo Rocha refere a ausência de uma sala com um fator que dificulta a captação de novos sócios, para além daqueles que surgem das recomendações “boca-a-boca”. Apesar do problema estar a ser corrigido, graças à cedência de uma sala, pelo Centro de Informática da AAC, a quem o presidente da SG/AAC agradece.

grupo “Vozes da Rádio”. Um evento que também se encontra incluído na programação da XV Semana Cultural da Universidade de Coimbra (UC). A primeira noite do encontro inicia-se com a atuação do CMUC, que dará depois lugar ao Collegium Musicum da Universidade de Bona, oriundo da Alemanha. No dia seguinte é o Coro Clássico do Orfeão Universitário do Porto, que antecede a atuação do Kyiv Student Choir, da Universidade Técnica da Ucrânia. No dia 15 será a vez da atuação do coro eCOROmia, da Faculdade da Economia do Porto, bem como o brasileiro Grupo Vocal Luiz de Queiróz, da Universidade de São Paulo. O primeiro Encontro Internacional de Coros Universitários realizou-se em 1986, aquando do 30º

aniversário do CMUC. Como explica a atual presidente do CMUC, Filipa Oliveira, “sentiu-se a necessidade de levar a cabo uma iniciativa destinada a colmatar uma lacuna existente na área da música coral”, apontando também a vontade de “combater a indiferença pelo trabalho realizado pelos coros universitários”. Foram vários os coros universitários que passaram por Coimbra, desde a primeira edição do evento que já se tornou uma marca registada do CMUC. Desde o Ave Vita, da Lituânia, o inglês Choir of the Queen’s College, de Oxford e o Coro Académico da Universidade de Varsóvia, polaco, bem como coros húngaros, italianos, espanhóis e checos. Para a presidente do CMUC, este género de eventos é “importante

para a troca de experiências musicais e culturais entre os participantes”. Filipa Oliveira ressalva também a relevância de “levar o nome de Coimbra e da UC além fronteiras”, conseguida através da participação dos coros internacionais. “Serve, igualmente, para mostrar várias das atividades da academia”, refere ainda a presidente, acrescentando que durante os vários dias do evento se fazem “pequenas demonstrações do trabalho de outros grupos ligados à AAC”. O concerto de encerramento, no TAGV, tem preços entre os 9 e os 12 euros, enquanto que os restantes concertos são de entrada livre. Esses espetáculos deverão decorrer no Seminário Menor de Coimbra, em Celas, segundo informação referida pela presidente do CMUC.

O reencontro das tradições corais em Coimbra

O CMUC volta a organizar o E.I.C.U., cuja décima terceira edição se realiza entre os dias 13 e 16 de março. O último encontro decorreu há três anos

Daniel Alves da Silva

TIAGO SOUSA

DANIEL ALVES DA SILVA

A décima terceira edição do Encontro Internacional de Coros Universitários (E.I.C.U.), marcada de 13 a 16 de março, conta com a participação de grupos corais universitários portugueses e internacionais. O concerto de encerramento decorrerá no Teatro Académico de Gil Vicente, que unirá o Coro Misto da Universidade de Coimbra (CMUC) ao


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DESPORTO

AAC alcança triunfo na prova coletiva CORTA-MATO NACIONAL 2012/2013

RAFAELA CARVALHO

Realizada, no passado dia 2, no Parque da Canção, a prova contou com a presença de mais de 1000 pessoas de várias instituições escolares e de Ensino Superior

João Valadão

Organizado pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares - Direção de Serviços da Região Centro, o Corta-Mato Nacional assume-se como uma das principais provas do calendário desportivo anual do Programa do Desporto Escolar. Realizada nas margens do Mondego, a atividade trouxe delegações desportivas das mais diversas partes do país ao Parque da Canção. Com a presença de mais de 80 atletas do campo universitário, foram vários os que representaram a Secção de Atletismo da Associação Académica de Coimbra (SA/AAC) nas diversas provas individuais e coletivas. O triunfo deu-se na prova coletiva masculina, com os estudantes de Coimbra a chegarem ao primeiro lugar do pódio. O Coordenador-Geral do Desporto da AAC, Hugo Rodrigues, afirma que a vitória no título coletivo mostra que a AAC é “muito forte a nível do desporto e muito forte a nível do atletismo”. Ainda que a expetativa a nível individual fosse maior, houve uma queda da primeira posição do ano passado para a quinta. Hugo Rodrigues realça que foi cumprida a marca traçada para a competição coletiva. Também o atleta da SA/AAC, João Bernardo, nota a importância da conquista do título coletivo. O atleta, que se mostra orgulhoso por representar a instituição pelo segundo ano consecutivo, confessa

Os atletas da AAC conquistaram o primeiro lugar do pódio na prova coletiva de masculinos

que a prova surge na fase final de uma época de inverno, depois de algum desgaste. João Bernardo reconhece que a nível universitário a competição foi mais forte, o que tornou a prova “muito mais exigente”. Ambos os representantes da SA/AAC apostam na conquista do pódio em provas individuais e coletivas nas próximas competições de pista ao ar livre.

O Corta-Mato Nacional, no conjunto de várias instituições escolares e universitários, juntou um total de mais de 1100 alunos e professores de diversos pontos de Portugal continental e ilhas.

A importância do espaço

O diretor desportivo da Federação Académica do Desporto Universitário (FADU), Paulo Oliveira, valoriza

a oportunidade de organizar o evento juntamente com o desporto escolar e com a Federação Portuguesa de Atletismo. “Estarmos associados a um grande evento dá-nos uma logística que não éramos capazes de ter sozinhos”, acrescenta Paulo Oliveira. O diretor desportivo da FADU comenta também as vantagens e desvantagens da utilização do espaço

do Parque da Canção. Para Paulo Oliveira, o Corta-Mato realizou-se num “sítio emblemático, com um enquadramento muito interessante”. O realce dá-se também pela importância da cidade como polo universitário, que tem especial importância para a comunidade universitária que participa na competição. Paulo Oliveira reconhece também as facilidades oferecidas a nível de infraestruturas, que afirma não serem comuns neste tipo de eventos. No lado negativo prende-se a regularidade do terreno, que pela falta de elevações não apresentou dificuldades que seriam ideais para a realização deste tipo de prática desportiva. No que toca aos resultados, o panorama apresenta-se diferente do ano anterior, ainda que Paulo Oliveira considere que não tenha havido grandes surpresas. A prova individual feminina contou com a revalidação do título da atleta da Universidade do Porto, Carla Salomé Rocha. Já na prova individual masculina, o atleta da SA/AAC, Daniel Gregório, não chegou além do quinto lugar, não tendo conseguido revalidar o título conquistado na época passada. O primeiro lugar do pódio coube assim ao atleta da Associação de Estudantes do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, João Nuno Brás. A nível coletivo, para além da vitória da AAC na competição masculina, coube à Universidade do Porto a vitória na divisão feminina. A apuração para a prova resultou ainda da realização de duas provas anterior: a Fase Escola e a Fase CLDE, que envolveu cerca de 300 000 alunos a nível nacional. A prova contou também com o apoio da Câmara Municipal de Coimbra, da Federação Portuguesa de Atletismo e da Associação Distrital de Atletismo de Coimbra, entre outros, que contribuíram para a organização do evento.

RAFAELA CARVALHO


8 | a cabra | 5 de março de 2013 | Terça-feira

CIDADE

Na sombra de um futuro amargo

LARANJAIS DO MONDEGO

Todos os invernos, o ciclo repete-se. Colher o fruto e vender. As margens verdes dos rios Ceira e Mondego pautam-se do cor-de-laranja dos citrinos da época. Das bermas da estrada às bancas do mercado repete-se a tradição de uma venda que já conheceu dias mais soalheiros. Por Rafaela Carvalho e Ana Morais

“I

sto não é para futuro, é para não deixar estragar, e vem para a ajuda das sardinhas”, conta a vendedora Maria Corália Grande. A princípio, a banca parece abandonada, mas assim que sentem uma presença estranha os cães começam a ladrar e ouve-se o portão a ranger um pouco antes de se ver Corália a subir lentamente a pequena rua que separa a sua casa da estrada. É durante os meses de inverno que nas bermas da Estrada da Beira se encontram as vendedoras de laranjas. São cerca de onze quilómetros entre a ponte da Portela e a aldeia de Segade que pintam de cor-de-laranja as geralmente verdes margens do Rio Ceira. A lábia de vendedor contrasta com o desânimo de quem já faz isto há muitos anos, mas vê o negócio a definhar. “Antes era melhor do que agora, éramos muitos a vender mas tudo vendia”, relembra Corália. Também Silvina Santos Lopes invoca a crise para justificar o estado do negócio. “Há semanas que nem para ninguém”, desabafa. Depois de se reformar, montou banca à porta de casa para vender as próprias laranjas e laranjeiras. “Como estou em casa vendo eu o meu produto”, sustenta. Nem dois metros ao lado está a sua mãe, Maria da Conceição Santos, com a mestria de uma vida. “Se a minha reforma estivesse melhor não estava aqui”, partilha a vendedora entre lágrimas. Até porque para quem vende à beira da estrada, as fragilidades são constantes. Aliado ao frio dos meses de inverno, o perigo inerente de assaltos está cada vez mais presente. “Se algum dia me assaltarem que dêem cabo de mim de uma vez”, deixa escapar Conceição, com desespero.

ANA MORAIS

Quem vende pelo Mercado

ANA MORAIS

ANA MORAIS

ANA MORAIS

Quando questionada sobre a possibilidade de vender no mercado, Silvina é perentória ao afirmar: “a minha idade também já não dá”. Por sua vez, Albertina de Jesus, desafiando os conselhos do próprio filho, ruma de Lordemão ao Mercado Municipal Dom Pedro V, em Coimbra, para vender as suas laranjas. “Venho pouco agora. Não querem que eu venha”, partilha. Albertina conta mesmo que no verão, o seu filho não lavra as terras para que ela não trabalhe. Algumas bancas mais à frente, num mercado preenchido, encontra-se José Luís. Vindo de Sobral de Ceira, onde é proprietário há mais de 12 anos de cerca de sessenta laranjeiras, o vendedor não mostra muita motivação. “Fica bonito e gosto de ver. Mas não é que me compense muito”, confessa. Albertina de Jesus encontra na qualidade das terras da bacia hidrográfica do Rio Mondego a justificação para a qualidade das laranjas. Opinião partilhada por José Luís: “os laranjais do Mondego tinham fama”. Mas, o vendedor não se inibe de críticas e vai mais longe. “A zona até à ponte da Portela podia estar melhor do que está, cheia de acácias que não dão nada. Podia dar laranjas”, desabafa ao acrescentar que “ninguém liga, só querem a fruta do Algarve”.

“Uns vão outros vêm”

Sem tratamentos artificiais

Como a maioria da produção agrícola portuguesa, a cultura da laranja não escapou impune ao temporal que se abateu sobre território nacional no passado mês de janeiro. Maria Corália explica que “cada vez que vem uma cheia muito grande dá prejuízo às árvores”, o que tem sido constante nos últimos meses. “E se vier a geada acaba com o resto”, teme a proprietária apontando para o quintal adjacente à sua residência. No entanto, nem oito nem oitenta. Se em alguns anos o problema é o excesso de chuva, nos

Grande, cujo marido zela pelas terras e pelos laranjais uma vez que não há mais ninguém para o fazer: “já não há quem trate”.

outros é a falta dela. As laranjeiras de Silvina, em São Frutuoso, na encosta do Ceira, não têm sistema de regas, nem outros artifícios. “Só bebem a água que Deus Nosso Senhor manda. Quando

não chove ficam torcidinhas”, explica. Porém, apesar das dificuldades, as três vendedoras nunca procuraram o apoio do Estado para cobrir prejuízos ou alavancar o

negócio. “Se fossemos viveiristas já tinha posto os pés a caminho e já tinha pedido a alguém que me ajudasse”, refere Silvina Lopes. Todo o trabalho é feito por “conta própria” explica Corália

Albertina de Jesus, Conceição Santos, Corália Grande, José Luís e Silvina Lopes, com idades entre os quarenta e os oitenta, herdaram dos pais esta prática. Todavia, mostram-se apreensivos. A falta de continuidade para o negócio da venda da laranja é encarada por todos como algo sem futuro. Ainda assim, José Luís, do fulgor dos seus 44 anos, acalenta a esperança de algum dia encontrar alguém que abrace a tarefa. “Uns vão outros vêm”, enfatiza acrescentando que “pode ser que alguém mais tarde queira continuar”. Por sua vez, apoiado na bengala o marido de Silvana, ao espreitar as vendas da mulher já não sorri ao olhar o futuro cada vez mais curto: “depois de eu morrer é pegar fogo àquilo tudo!”


5 de março de 2013 | Terça-feira | a

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA JARDIM BOTÂNICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Pela história dos trilhos naturais

Assolado pelo último temporal, o Jardim Botânico não perdeu a sua identidade. Caracterizado como um dos mais emblemáticos espaços verdes da cidade, o jardim apresenta a sua essência na panóplia de espécies vindas de todo mundo e que os demais podem contemplar. Por Ana Morais e Joel Saraiva

S

ituado numa das principais e mais movimentadas artérias da cidade, na Alameda Júlio Henriques, está o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (UC). Embora a circulação de veículos seja constante por aqui, quem entra para o jardim sente e respira, de imediato, a calma e a pureza típica de um ambiente onde a natureza prevalece. No quadrado central, um dos espaços mais característicos do jardim, a atmosfera é envolvente: há pessoas que se estendem pelos bancos a ler, outras apenas como forma de escapar à rotina do dia-a-dia, e há também românticos a namorar. O quadrado central, o “berço” do jardim, não teve sempre a disposição que hoje conhecemos. Apesar de a

data de formação ser considerada pela própria equipa do jardim como “dúbia”, os primeiros registos datam de 1772. Ao início, este espaço estava ao dispor do estudo da ciência e da medicina. Ainda hoje, o Jardim mantém uma parceria para estudos medicinais com a Faculdade de Farmácia da UC. Contudo, a beleza do jardim começou por atrair pessoas, que utilizavam este espaço também para lazer. Com esta mudança, o quadrado foi sujeito a uma nova remodelação de forma totalmente geométrica. Um lado é exatamente simétrico ao outro, apesar de cada um dos lados representar espécies vindas do este e do oeste do planeta. Uma exceção à regra é o caso da Leguminosae, que conta com

JOEL SARAIVA

mais de 200 anos. A árvore centenária tem a particularidade de ser oca, no entanto, permanece viva e dá flor. Ainda assim, a Metasequoia glyptostroboides e o Liriodendro são as espécies mais conhecidas do jardim. A primeira necessita de espaço e de água, o seu enorme porte faz com que as raízes cresçam a partir da copa da árvore para fixar o seu colossal tronco. As suas raízes expandem-se na horizontal e quando contactam outras árvores “abraçamnas” até à sua asfixia total. Relativamente ao Liriodendro, esta floresce em maio, altura do ano antes marcada pela época de exames. É, assim, conhecida por árvore de ponto, sinal

que o estudo deveria começar, já que os exames estavam próximos.

O temporal

Também o Jardim sofreu com o mau tempo que assolou o país no final de janeiro. 12 árvores foram derrubadas e uma das principais zonas afetadas foi o Jardim Garcia da Horta, com espécies de todo o mundo, vindas da Expo 98. O jardim foi mesmo encerrado ao público durante duas semanas para trabalhos de limpeza e intervenção. Entretanto já reabriu ao público ainda com duas áreas interditas. Para mostrar a envolvência de quem por cá trabalha, uma história JOEL SARAIVA

de emoções. Um dos jardineiros mais antigos do jardim ficou devastado com os estragos. A equipa constituída por cinco homens não tem qualquer formação específica de espécies exóticas (patentes nas estufas), ainda assim a mestria com que mexem nestas terras demonstram um conhecimento profundo do espaço.

Metas a atingir

Segundo o diretor do Jardim Botânico, Paulo Trincão, o espaço será submetido a uma nova reorganização de um conjunto de estruturas criadas anteriormente, apostando numa maior dinamização e divulgação. “Estamos a dar o contributo para que se atraia mais investigação científica feita sobre plantas do jardim”, esclarece o diretor como sendo um dos principais objetivos. “Transformar o conhecimento científico de forma a poder ser entendido pelas pessoas de uma maneira geral” é uma das metas a atingir, explica Paulo Trincão. Outra componente que está a ser estudada é a de cariz turística, visto que atualmente o Jardim não faz parte do circuito turístico da universidade. O que pode contribuir para uma melhor divulgação do jardim, bem como a mediação de atividades promovidas pelos agentes culturais da cidade. Por fim, o jardim está a ser financiado por um Quadro de Referência Estratégico Nacional com o fim da reabilitação das estufas, mobiliário urbano, reabilitação sinalética e ainda monitorização do CO2 e o H2O no Jardim. O diretor do espaço conta que em 2014 estas mudanças “estarão claramente visíveis”. Os trilhos naturais chegam ao fim, mas a paz e a tranquilidade de quem respira um espaço verde bem no centro da cidade permanecem para quem o visite.


10 | a cabra | 5 de março de 2013 | Terça-feira

PRÉMIOS DESPORTO SECÇÃO DE JUDO

SECÇÃO DE ATLETISMO “Este prémio vem no seguimento de vários outros que têm sido atribuídos ao longo dos anos e é mais um que entra no espólio da secção”, refere com orgulho o presidente da Secção de Atletismo, Mário Rui. A secção contemplada com o troféu de Prémio Dedicação pelo trabalho do atleta António José Oliveira, não foge ao padrão. E apesar dos bons resultados competitivos, os esforços partem dos atletas e dirigentes devido à escassez de apoios externos. “A nível financeiro, neste momento, poderá considerar-se uma autêntica desgraça”, afirma sem medo Mário Rui, ao explicar que são os próprios diretores, atualmente, a financiar as deslocações, refeições e alojamentos dos atletas. “Os nossos êxitos não se devem à AAC propriamente dita, devem-se aos dirigentes,

aos atletas. E quando isto entra nesta situação está muito mal”, enfatiza o presidente. Ainda assim, os resultados competitivos estão a ser alcançados quer a nível individual quer a nível coletivo. Dedicado à academia há cerca de 25 anos, o atleta António José Oliveira, vê no prémio conquistado o reconhecimento de “muitos anos de trabalho, não só em termos de treino e dedicação, mas também na relação com os atletas e no desenvolvimento da secção”. Ainda assim, o atleta não deixa de evocar a falta de financiamento. “Devia dar-se mais atenção às secções que estão a passar por um mau momento”, partilha. Por sua vez, Mário Rui mostra-se cauteloso em relação ao futuro: “estou preocupado com o desenrolar da época”.

A estagiar na Alemanha para se preparar para as próximas competições está Ana Sousa. A judoca da Secção de Judo foi contemplada com o Prémio Melhor Atleta e é com “grande orgulho” que encara este reconhecimento sem esquecer o papel que as restantes secções ocupam no desporto nacional e internacional. Vendo a secção como “um contributo para a formação como atleta”, Ana Sousa não esquece o outro troféu dado à secção: Prémio Melhor Equipa Seniores Feminina, que contempla o esforço coletivo. “O prémio de equipa foi muito importante, alem

de histórico”, ressalva. O presidente da secção, Rui Fonseca, explica que “a secção de judo está a ser reconhecida pelo trabalho que tem feito”. Ainda assim, relembra a situação pouco estável que ultrapassa a nível de financiamento: “temos dificuldades e temos de fazer uma grande racionalização das verbas”. Contudo, o presidente mostra a vontade que os seccionistas têm de ultrapassar o problema ao mostrar os esforços que têm sido feitos: “muitas vezes os próprios atletas têm de pagar as deslocações e estamos a falar de idas ao estrangeiro”.

SECÇÃO DE BASQUETEBOL Não tanto para contemplar o atual momento da Secção de Basquetebol mas sim para enfatizar a história e o percurso feito por quem lá passou foi o galardão de Prémio Prestígio atribuído ao reconhecido atleta e treinador Carlos Portugal. O presidente da secção, Carlos Gonçalves, vê no prémio ganho “um motivo de satisfação pelo passado e pelo presente que Carlos Portugal não só como atleta mas também como treinador”. O contributo do atleta para a modalidade é ainda hoje reconhecido por

muitos. Considerando a época atual como “muito positiva”, Carlos Gonçalves, ressalva o facto de este ano terem conseguido vários atletas nas seleções distritais e nacionais. Ainda assim, mais uma vez os contratempos financeiros evidenciam as dificuldades. “Situação muito difícil”, é desta forma que o presidente classifica o atual estado financeiro da secção. Ainda assim, Carlos Gonçalves evidencia os esforços que têm sido feitos para “levar a secção a bom porto”.

Apesar SECÇÃO DE GINÁSTICA

SECÇÃO DE BADMINTON Sem contar com qualquer prémio estava a Secção de Badminton. O presidente, Elso Baía, explica que foi com alguma surpresa que receberam o Prémio Melhor Treinador para o seccionista Délio Gonçalves. “Somos considerados uns dos melhores a nível nacional. Nos vinte primeiros lugares, a nível nacional, temos dez atletas”, reitera Elso Baía, para evidenciar os recentes feitos alcançados pelos atletas desta secção. Integrado na secção há 12 anos, Délio Gonçalves co-

meçou como atleta e acabou por ficar como treinador ao mesmo tempo que é jogador. “Treinamos todos os dias e é um premio para o trabalho feito ao longo de vários anos”, refere o treinador. Apesar de os resultados competitivos serem dos mais prósperos da academia, os aspetos financeiros parecem não ajudar. “As secções, em termos financeiros, estão todas em baixa, os próprios atletas é que estão a pagar as saídas e o nosso treinador não recebe um tostão”, faz questão de frisar Elso Baía.

Os dois prémios que contemplaram a Secção de Ginástica são encarados pela presidente da secção, Ana Bastos, como “importante, apesar de remeterem ao ano passado e é o resultado do trabalho desenvolvido pela secção e uma mensagem à direção anterior”. A presidente considera o Eurogym do passado julho, em Coimbra, como o evento que permitiu o Prémio Secção.

Na Secção de Ginástica desde os sete anos, o ginasta Nuno Silvano foi galardoado com o Prémio Melhor Atleta Formação. “A secção sempre me apoiou e tem ajudado imenso no suporte de gastos”, reitera o jovem atleta. Contudo a presidente, mostra como esta secção não foge à regra, ao referir que tenta “ter uma gestão o mais organizada possível”, apesar das dificuldades.


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PRÉMIOS DESPORTO SECÇÃO DE PATINAGEM A secção contemplada com dois prémios Salgado Zenha mostra, à semelhança das restantes secções, algumas dificuldades financeiras devido a incumprimentos de terceiros. “Se recebêssemos o dinheiro que nos estão a dever, teríamos uma situação equilibrada”, explicita o presidente da secção, Rui Freire. Dificuldades com a obtenção de patrocínios, os apoios escassos da AAC e as dificuldades com o financiamento da CMC são apontadas por Rui Freire como as principais razões para o estado atual da Secção de Patinagem. Contudo, o cenário competitivo é mais motivador. “A nível desportivo, as coisas estão bem, temos mais de 180 atletas”, conta o presidente. Os bons resultados conseguidos pelas várias equipas da secção são enumerados com orgulho por Rui Freire, que evidencia a vontade de atrair mais atletas:

“temos conseguido cativar muitos miúdos para virem para o nosso desporto.” Ligado à AAC desde 1965 está Jorge Carvalho, o contemplado com o Prémio Carreira. Apesar de rever neste prémio o esforço coletivo, o desportista não deixa de lembrar como tudo começou. “É um prémio com significado para mim, individualmente, mas também para as duas secções”, reitera. Na Secção de Patinagem há cerca de seis anos está João Rodrigues, galardoado com o Prémio Melhor Dirigente. “Os últimos três anos foram bastante complicados, foi necessário um grande esforço”, desabafa o dirigente. Ainda assim, deixa a ressalva: “o reconhecimento que foi feito é um grande orgulho e tem ainda mais valor quando se trabalha no seio de uma associação que é tão rica em bons dirigentes”.

SECÇÃO DE VOLEIBOL “Premeia o esforço de uma época e é isso que motiva as pessoas para continuarem.” É desta forma que o vice-presidente da Secção de Voleibol, Manuel Leal encara o galardão de Prémio Professor Alfredo Robalo atribuído a esta secção. Este prémio que contempla o desporto universitário foi atribuído à equipa masculina universitária de voleibol. Quando questionado sobre a situação financeira atual, Manuel Leal é perentório: “a secção está falida como a maioria das secções da AAC. Não nos deram qualquer apoio esta época”. Apesar de lamentar a falta de apoios não atribui culpas e invoca os feitos competitivos das equi-

pas da secção: “temos feito aquilo que nos é possível com os objetivos que delineámos no início da época, a manutenção das equipas seniores masculina e feminina”. Contudo, não deixa de lamentar: “não podemos fazer mais porque não temos capacidade para fazer”. O então capitão da equipa universitária, João Oliveira, evidencia a formação de excelência que obteve na Secção de Voleibol, apesar de muitas vezes não ter qualquer treinador a orientá-lo. Todavia, o espírito de equipa permitia a conquista de bons resultados: “já nos conhecíamos e era mais fácil para nos organizarmos dentro e fora do campo”.

r das dificuldades os Salgado Zenha são um alento para o desporto O desporto sempre foi um marco da Associação Académica de Coimbra (AAC) e os tempos atuais não são exceção. O mérito e os resultados alcançados pelos que praticam desporto com a camisola da academia foram mais uma vez premiados. A XVI Gala Francisco Salgado Zenha reconheceu várias secções desportivas da casa, que apesar das dificuldades, sobretudo económicas, veem nestes prémios algum ânimo para continuar. Por Ana Morais

E

ntre as 26 secções desportivas da AAC, as 30 modalidades praticadas na academia e os mais de cinco mil atletas a vestir a camisola preta e branca estão os melhores do desporto. A premiá-lo está a XVI Gala Francisco Salgado Zenha, dando o nome do líder e dirigente histórico Salgado Zenha aos prémios para o desporto da academia. Em ceri-

mónia solene no passado dia 25 de fevereiro, o Conselho Desportivo (CD) atribuiu 11 prémios às melhores secções da casa como forma de motivar mais conquistas. Todavia, o panorama de contrariedades é geral. Todas as secções da AAC parecem passar por várias dificuldades, sobretudo financeiras. Alguns atletas e seccionistas têm mesmo que pagar do próprio

bolso para poderem competir. As culpas nunca são diretamente atribuídas, mas as falhas da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), as controvérsias da distribuição de verbas do CD, e ainda a falta de patrocínios são as razões mais invocadas. Mas são as conquistas que estas secções proporcionam à academia que servem de reconhecimento e

motivo de prémio. Assim, os Salgado Zenha são um alento para o desporto. Desta forma, é dada voz às secções premiadas. De ressalvar, ainda, um prémio, a título póstumo, atribuído a Jorge Costa. Esta homenagem a um dos presidentes da Secção de Natação foi o considerado um dos mais emotivos, ao ser atribuído como Prémio Conselho Desportivo.


12 | a cabra | 5 de março de 2013 | Terça-feira

PAÍS

“As pessoas devem saber que as coisas estão a ir na direção certa” VIVIANE REDING • VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO EUROPEIA

Camilo Soldado João Valadão

De visita a Portugal para um debate com os cidadãos, a vice-presidente da Comissão Europeia, Viviane Reding, traz uma mensagem de esperança para os próximos tempos e fala de uma nova maneira de fazer política, que fortaleça a ligação existente entre o cidadão e o indivíduo político. Em entrevista ao Jornal A Cabra, a também comissária da Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania comenta a importância da educação e do Ensino Superior no crescimento económico e da sua ligação ao setor empresarial. No relatório “Education and Training Monitor 2012”, é dito que a educação é parte da solução para ultrapassar o impacto da crise, mas apenas se o investimento for eficiente. Em Portugal, as instituições de Ensino Superior (ES) têm sofrido sucessivos cortes no financiamento. O governo português está a por em risco a estrutura educacional do país? Portugal tem universidades muito boas e a de Coimbra é um exemplo. Mas também tem uma enorme crise e toda a gente está a sofrer. Nós es-

tamos a fazer tudo para que este período não dure muito tempo e estamos convencidos que uma boa formação é a base para que se possam construir as suas estruturas económicas de forma independente.

Mas, de acordo com este relatório, apenas Portugal e a Roménia baixaram o investimento no ES. Não conheço esse relatório, mas sei que vários países estão sobre pressão económica. O sistema educacional está também a sofrer. Sempre disse que, se não houver dinheiro, deve-se sempre investir dinheiro em três coisas: educação, educação e educação. A educação é um investimento no futuro e, se não fizermos esse investimento, temos um verdadeiro problema. Nos objetivos da estratégia Europa 2020, pretende-se que a percentagem de indivíduos entre os 30 e os 34 anos com formação superior suba para 40. Em 2001, em Portugal, essa percentagem chegava apenas aos 26,1, sendo que o abandono escolar no ES tem subido devido aos problemas financeiros das famílias. Ainda é realista apontar para esse número? É uma meta e, quaisquer que sejam os problemas, nunca se devem esquecer esses objetivos. Talvez não atinjam as metas de uma vez, mas isso não quer dizer que não seja para

onde Portugal deve ir. Registamos muitos abandonos no nosso sistema educacional. Isto é muito prejudicial. Há muitos elementos que os ministros da Educação têm que ver para que sejam alcançados melhores resultados, porque isso será a base para o futuro desenvolvimento do país.

Na Europa, o desemprego jovem atinge uma taxa de 23 por cento. Ouvimos políticos a falar sobre a urgência e a necessidade de resolver esta questão mas, especificamente, o que é que não tem sido feito convenientemente? É extraordinariamente negativo para as pessoas, para a sociedade e para a economia que as pessoas comecem a sua vida adulta sem serem precisas. Os jovens devem sentir-se necessários, valiosos, cativados. No fundo, quem cria empregos não é a legislação mas sim as indústrias, as companhias. Temos que ajudar essas companhias a ter capacidade de criar postos de trabalho. No último ano, a comissão fez um projeto piloto em oito estados membros, inclusive em Portugal, partindo de fundos que não tinham sido utilizados, para investir 7,5 biliões de euros e criar 460 600 postos de trabalho. O Conselho Europeu tomou a decisão de criar um programa específico, o que dá uma garantia aos jovens. Um jovem com menos de 25 anos que esteja por um mínimo de quatro meses desempregado e que não esteja a estudar rece-

berá educação suplementar, formação ou ocupação, algo para fazer.

Mas esses programas funcionam? O programa piloto tem funcionado desde o ano passado. Criou 460 000 postos de trabalho em oito países. O outro foi aprovado e deve, no decurso deste ano, ser posto em prática. Falando em indústria, pensa que o futuro dos jovens passa

“Será preciso chegarmos a 2014 para que os portugueses sintam realmente a sua vida a melhorar”

DANIEL ALVES DA SILVA

por uma maior conexão entre as universidades e as empresas? Julgo que a Universidade de Coimbra mostrou que criar uma incubadora é o modo correto de proceder. Isso significa que o conhecimento que é adquirido na universidade pode ser posto em prática na criação de uma ‘start-up’ e dar uma oportunidade aos jovens de utilizar esse conhecimento e talento. Há muitas universidades que têm criado esta capacidade de desenvolver ‘startups’, dando-lhes uma casa para que possam fazer experiências – talvez funcione, talvez não – mas é muito importante esta ligação entre universidade e capacidade de criação.

No Porto disse que “as pessoas neste país sentem que as coisas estão a ir na direção certa”. Mesmo com o regresso aos mercados, se a economia não cresce, com a recessão, as taxas de desemprego estão mais altas que nunca, como é suposto que as pessoas sintam que as “coisas estão a ir na direção certa”? As pessoas neste país estão a sofrer, é verdade. Mas devem saber que as coisas estão a ir realmente na direção certa. O simples facto de que Portugal tenha voltado aos mercados significa que já não depende mais da solidariedade para receber fundos, e conquistou a confiança dos investidores, é importante. Nos próximos meses, os ministros das Finanças do Eurogrupo terão uma sessão especial dedicada a Portugal e à Irlanda, para analisar o panorama e para que possam sair dos programas. Os investimentos ainda não estão a regressar tanto ao país, mas as exportações estão a crescer. Será preciso chegarmos a 2014 para que os portugueses sintam realmente a sua vida a melhorar. Passaram quase cinco anos desde o início da crise. Mesmo com os programas de austeridade implementados em vários países, os governos e a União Europeia parecem falhar em superar os problemas financeiros. De que forma é que estes encontros com os cidadãos podem ajudar a arranjar uma solução? Não é para arranjar uma solução que estou a sentar-me com os cidadãos, mas para os ouvir. Os políticos normalmente fazem um grande discurso e vão-se embora. É muito importante o diálogo entre o político e o cidadão. É importante saber no que acreditam os cidadãos, o que é que eles pensam, quais são os seus sonhos para o futuro. Também é importante que os jovens falam sobre as suas aspirações.


5 de março de 2013 | Terça-feira | a

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MUNDO

FOTOMONTAGEM POR CAMILO SOLDADO

Direitos de autor não protegem o utilizador

O Direito de Propriedade Intelectual protege o responsável da criação intelectual. A realidade de hoje evidencia as dificuldades em proteger esses direitos e a fazer frente às redes de partilha mundiais. Novas formas de licenciamento surgiram, sem resolver o problema. Por António Cardoso

O

estabelecimento das grandes redes informáticas universais sobressai como veículo. Este tem uma profunda repercussão no conjunto de prerrogativas que visam a proteção do autor e de todos os que com ele são responsáveis pela criação da obra. O fenómeno é visível: um número considerável de obras protegidas encontram-se hoje disponíveis na internet, pondo em causa a propriedade intelectual de uma obra. A realidade atual está a ter repercussões na forma de pensar o licenciamento das criações intelectuais. “Uma das primeiras mudanças foi, sem dúvida, a adoção, por parte de projetos comerciais, do modelo de licenciamento aberto”, afirma a advogada especialista em propriedade intelectual, Teresa Nobre, que aponta a organização de licenciamento

“A internet elimina a necessidade de existir um intermediário entre o autor da obra e o utilizador” Creative Commons como “um dos exemplos em que se tenta resolver o problema da partilha de ficheiros a um nível global“. As novas licenças de uso mundial como General Public Licence ou Creative Commons surgem “devido à natureza não rival da informação e ao aumento, para muitos julgado como excessivo, da proteção intelectual”, confirma o professor catedrático de Teoria da Informação e dos Sistemas, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, António Machuco Rosa. Estas formas de licenciamentos são representantes de uma nova oportunidade para o acesso e partilha do conhecimento que, segundo Teresa Nobre, estão a formar “novos conceitos como: a cultura ou publicações científicas de acesso livre (open access) e os movimentos como o acesso a dados governamentais (open government)”.

Bem público versus exploração comercial

O conflito entre aqueles que veem a criação intelectual como um bem

público destinado a ser partilhado e aqueles que o encaram do ponto de vista comercial é outra das grandes problemáticas em torno do protecionismo autoral. A suposta proteção dos direitos do autor obriga muita das vezes a “custos administrativos de gestão coletiva com um caráter tão grande que acaba por não compensar devidamente os autores”, e essa é, de certa forma, nas palavras de Teresa Nobre, “motivo descontentamento face a estas sociedades e ao seu modelo de gestão de direito autoral pouco transparente”. “A internet elimina a necessidade de existir um intermediário entre o autor da obra e o utilizador, proporcionando aos artistas publicidade de forma gratuita”, reitera o fundador do movimento do Partido Pirata Português, André Rosa. O movimento, à semelhança dos seus congéneres noutros países, afirma ser “um defensor intrínseco do direito ao anonimato, da legalização da partilha de ficheiros para fins não comerciais, da redução dos direitos de autor para fins comerciais, da abolição do sistema de patentes e defensores de políticas transparentes em relação a todos os assuntos da atividade governativa”. “A falta de profissionais na área das Tecnologias da Informação na elaboração das leis” é um dos motivos apontados pelo ativista que acredita que essa é uma das grandes razões para a desadequação das leis em termos globais. A vigência dos Códigos de Direito Autor e das Leis da Cópia Privada em vários países, como Portugal, preveem efetivamente que se possa fazer uma utilização privada da obra, mas quando se trata de um ambiente público - “público” não significa “comercial”. No entanto, a jurista especializada em propriedade intelectual tem dúvidas “em termos de fins não comerciais, o direito de autor não devia ser tão restrito”.

A baía dos piratas

O expoente máximo da controvérsia dos direitos de autor a nível mundial tem sido o Pirate Bay, o maior site de partilha de ficheiros do mundo tem há muito sido alvo de várias tentativas de encerramento. O site tem sofrido pesados reveses por parte dos gigantes da indústria do entretenimento, que

tem conseguido através campanhas antipirataria e de processos judiciais em vários países dificultar a atividade do site. Em 2006, os servidores localizados na Suécia foram apreendidos, mas o site continuou a existir. Em 2009, os fundadores do serviço foram condenados por violar os direitos de autor. No entanto, o site tem conseguido manter-se operacional. O professor catedrático, Machuco Rosa, diz ser incapaz de negar as vicissitudes da internet, no acesso livre à informação mas considera que “deveria existir um sistema de remuneração” e acredita que “a preços razoáveis, a maioria das pessoas, pagaria.” O também professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto assevera que “sítios como o Pirate Bay exploram comercialmente as obras através da publicidade. Isso é em certa medida inaceitável”.

“É chocante que o fornecedor do serviço seja responsabilizado crimanal e não civilmente” Diferente opinião tem Teresa Nobre, que, conhecendo pessoalmente um dos fundadores do Pirate Bay, Peter Sunde, partilha de alguma das suas ideias em matéria de reequilíbrio de direitos de autor. “É chocante que o fornecedor de um serviço seja responsabilizado criminal e não civilmente, por esse serviço ter utilizado, ilegalmente, obras protegidas por direitos de autor.” A proteção legal das obras é relegada para a proteção do artista ou criador intelectual da obra, sem que a maioria das vezes previna os abusos e raramente é contemplada a proteção dos utilizadores no acesso aos bens que são protegidos por esses direitos. “Há muitas instituições a nível internacional a tentar equilibrar este paradigma, por isso, de certa forma, tenho esperança. Mas abolir por completo o Direito de Propriedade Intelectual não acho que venha a acontecer, pois continua a ser indispensável”, são estas as convicções da jurista especializada em propriedade intelectual. com Pedro Martins


14 | a cabra | 5 de março de 2013 | Terça-feira

CINEMA

ARTES

“ Argo ”

B

DE BEN AFFLECK COM BEN AFFLECK JOHN GOODMAN BRYAN CRANSTON 2012

Missão (quase) impossível

VER

CRÍTICA DE BÁRBARA RODRIGUES

S

ão sete dias na morte de Nasser-Ali (Mathieu Amalric). Uma semana em que este violinista frustrado pela perda do seu melhor amigo – o violino substituto de um amor impossível – se encerra num mundo de sonhos esperando que a morte tenha piedade da sua autocomiseração. Para quem viu e gostou do anterior “Persepolis” da dupla de realizadores Marjane Satrapi & Vicent Paronnaud, “Galinha com Ameixas” não enche as medidas. A dimensão política, que fez do primeiro o filme de culto que é hoje, é relegada para uma ínfima parte do argumento nesta segunda longa-metragem. Na verdade,

en Affleck sempre teve uma carreira de altos e baixos. Como ator, sempre recordaremos os falhanços de “Gigli”, “Jersey Girl” ou mesmo “Surviving Christmas”. Apesar de já ter passado quase uma década após esses filmes, notouse sempre a ambição de Ben Affleck, de se fazer querer notar e deixar de lado a aparência. Temos “Good Will Hunting”, onde inclusive foi laureado com o Óscar de Melhor Argumento Original, “State of Play” ou “The Town”. Todos estes filmes estão separados por um grande hiato temporal, por isso o percurso de Affleck não é constante. Nem a sua atuação/realização – não querendo com isto dizer que é boa ou má. É, apenas, inconstante. “Argo” é um filme político, e bem sabemos que a Academia tem especial atenção a isso. Exemplo disso foi o premiado “Milk”, de Gus Van Sant (2009) e as estatuetas para “The Hurt Locker”, de Kathryn Bigelow, em 2010. Filmes que abordam temas dis-

tintos (“Milk” fala sobre Harvey Milk, o primeiro homossexual eleito para um cargo público norte-americano, e “The Hurt Locker” é um filme que tem como fundo a Guerra do Iraque) mas que, de alguma forma, perpetuam a história dos EUA e as suas ações. Assim é “Argo” que ganhou agora o óscar de Melhor Filme. Ben Affleck agarrou no livro de Tony Mendez, ex-agente da CIA, “The Master of Disguise: My Secret Life in the CIA” e retratou-o na tela. Affleck é precisamente Tony Mendez, o agente da CIA que, na década de 80, comanda uma missão para retirar reféns norte-americanos do Irão, durante a revolução. Perante as pressões do mundo ocidental, nomeadamente dos EUA, os iranianos começam uma verdadeira “caça às bruxas” aos norte-americanos que lá se encontram, levando os funcionários da embaixada dos EUA a refugiarem-se junto do embaixador canadiano. “Argo” é o nome da missão: a simulação de um filme de fic-

ção científica com esse nome fez com que Tony Mendez tivesse sucesso, ao conseguir fazer passar os seis reféns por ‘staff’ de produção e realização cinematográficos, com a desculpa de filmar em terras iranianas. Não há uma característica que defina o trabalho de Ben Affleck, não há uma marca de direção que lhe associemos. Mas há um trabalho limpo e cuidado, há a preocupação em dar ao público uma história bem contada e retratada. E num filme destes isso basta. O elenco faz jus a cada personagem – temos John Goodman e Alan Arkin a mostrar o que ainda valem (e fazem-no muito bem) e temos Ben Affleck, eterna faceta de ‘bad boy’ que aqui saiu bem. Prémios à parte (porque a discussão sobre a vitória de “Argo” não é consensual), este é um filme que faz os EUA olharem para trás (assim como “Django Unchained”, por razões diferentes, claramente, e que também estava nomeado). É preciso mais disto.

Galinha com Ameixas” não é mais do que um mero acessório de contextualização já que a narração tem como pano de fundo Teerão nos anos 1950. “Galinha com Ameixas” é uma história cómica, com o intuito simples de aligeirar a desgraça alheia, muito ao jeito do Fabuloso Destino de Amélie Poulain de Jean-Pierre Jeunet. Uma história que gira à volta do embaraço de um homem fracassado que desistiu de uma vida de más escolhas, nem sempre tomadas por si. E já que - como nos dizem a certa altura - “o aborrecimento é o melhor fertilizante para os pensamentos absurdos”, Satrapi e Paronnaud levam à letra a premissa e apresentam-nos uma

versão extraordinariamente teatral deste drama: peitos gigantes, simulações de morte, fantasmas e até Azrael, o Anjo da Morte. E toda esta teatralidade vê o seu auge em cenas como a acesa briga entre o casal Nasser-Ali e Faringuisse (Maria de Medeiros – a coqueluche portuguesa do cinema francês) ou uma enervante viagem de autocarro com um catraio extremamente incomodativo. Infelizmente, todas elas ainda antes da primeira meia hora de filme. Não é uma obra de arte como se poderia chamar a “Persepolis”, mas é entretenimento saudável como nos tem habituado o bom cinema francês. Daquele que não faz mal à inteligência. RAFAELA CARVALHO

FILME

DE MARJANE SATRAPI VICENT PARONNAUD EDITORA

MIDAS 2012

Artigo disponível na:

Crónica de uma morte desejada


5 de março de 2013 | Terça-feira | a

cabra | 15

FEITAS

OUVIR

LER

C

Anything in Return”

hazwick Bundick está mais velho – é esta a conclusão que Maturação Sentida se retira principal ao fim da primeira audição de “Anything in Return”. Em seis anos desde que se estreou neste meio da criação musical, o produtor por detrás do projecto Toro Y Moi parece ter deixado a pressão da ideia chillwave e abraçou definitivamente o seu verdadeiro eu para criar um dos álbuns mais completos de 2013. Expliquemos então. Entre 2009 e 2010, Bundick andou agarrado a uma das concepções mais fracas do milénio, a chillwave. O resultado andou sempre DE entre o bom e o sofrível, com hoTORO Y MOI menagens e abordagens interessantes à samplagem a 33 rpm EDITORA (“Causers of This”), a que se seCARPARK guiu “Underneath the Pine”, uma electrónica a meio gás, de 2013 pouco interesse e divertimento. Espanta, por isso, que “Anything in Return” funcione como a verdadeira afirmação de conforto de Toro Y Moi – e ainda bem que assim é. Numa ponte perfeita entre os anos 80 e os 00, Bundick revela-se ao mundo, sem vergonha de recorrer aos tons dançáveis da disco-soul para criar música policromática (“Say That” é o melhor single de 2013), que sustenta o seu balanço na estética da electrónica mais pura (vide “High Living”). Basta, aliás, um relance da capa para reparar no mais brilhante e descarado piscar de olho aos Chick de Giorgio Moroder. Foi, de resto, o disco de Bundick que levou mais tempo a produzir e gravar (dois anos ao todo), o que explica a cerebralidade aparentemente aplicada durante o processo de descoberta pessoal e musical de Bundick. O resultado é uma produção orgânica, com uma produção tão quente que já soa a intemporal. Acima de tudo, Bundick parece saber aquilo que quer: divertir-se e fazer os outros divertirem-se, ainda que as suas letras cantem histórias de amor dúbias ou relatem a história de um coração humildemente partido. O importante, como nos anos 80, é poder e saber dançar independentemente do mundo que nos rodeia. ANTÓNIO MATOS SILVA

A vida sem campo

DE ÁLVARO DOMINGUES EDITORA DAFNE EDITORA 2012

as palavras vêm enquadrar aquilo que está para lá do enquadramento fotográfico e de que a fotografia não nos pode falar. Propõe-nos também um novo modo de ler. Podemos dizer que uma imagem vale mais do que mil palavras, mas também que a este conhecido provérbio falta acrescentar a pergunta: mas que palavras? Essas palavras surgem no livro de Álvaro Domingues de inúmeras formas: ou como legenda da fotografia, ou como poema, ou como citação de diversas obras que vêm ajudar a ilustrar melhor o corpo da reflexão central do livro, cuja força advém de ser um texto que nos ajuda a pensar e não a lamentar. Como sucede com os bons livros, este livro é também uma viagem. Aqui, os lugares por onde viajamos são-nos familiares. Todos nós já vimos estes lugares, estas construções grotescas algures: um “arado voador” aqui, um complexo industrial abandonado ali, uma autoestrada deserta a cruzar uma quinta, uma rotunda no meio do nada, em suma, estamos habituados a esta paisagem. Mas o que nos propõe o autor é que aprendamos a ler a paisagem, pede-nos para abandonar os nossos hábitos e convidanos a segui-lo. Ao terminar lemos: “é difícil, sobretudo, controlar as emoções acerca do que acontece. Estamos a um passo de uma crise total de sentido.” Resta-nos acolher esta obra como um precioso guia no meio da escuridão. BRUNO CABRAL

JOGAR

Um mundo pleno num breve instante

GUERRA DAS CABRAS A evitar

Fraco

Podia ser pior

Vale a pena

A Cabra aconselha A Cabra d’Ouro

Artigos disponíveis na:

M

uitas pessoas queixam-se de que os livros estão cheios de palavras, de frases, enfim, queixam-se de que os livros exigem o esforço de ser lidos. Pois bem, eis um livro diferente. Desde logo, ao pegarmos no livro, salta-nos à vista a eloquente fotografia da capa: cabras a pastar num caminho rural que vai dar a um gigantesco bloco de betão, que logo reconhecemos como sendo uma barragem. É esta fotografia que vai dar o mote a “Vida no Campo”, nas palavras do seu autor, “uma metáfora sobre a perda do Portugal rural e um antídoto contra o mau viver pelo despovoamento e abandono, ou, noutro registo, pela profunda metamorfose que vai lavrando pelo país dos (ex)agricultores com o desaparecimento das suas práticas ancestrais, modos de vida, território e paisagens. Paisagens de lamentações...” É de perda, de destruição, de transformação que nos fala este belo livro de Álvaro Domingues. É de nostalgia, também, a dor do regresso a um lugar que nunca existiu como o imaginávamos, mas esteve sempre lá à nossa espera. É essa a sensação que temos quando nos pomos a olhar para as fotografias que ilustram esta viagem ao Portugal rural, numa maravilhosa edição da editora Dafne, especializada em arquitectura e contando já com um catálogo admirável. O autor deste livro constrói uma obra múltipla e original, seguindo os passos do seu anterior “Rua da Estrada”, onde a imagem ocupa o lugar central mas onde

Vida no campo”

PLATAFORMA DISPONÍVEIS PS3, XBOX 360, PC EDITORA CRYTEK/EA 2012

“C

rysis 3” poderia ser o jogo perfeito para aquele agregado doentio de jogadores inveterados, que, da clausura a que se obrigam, apenas conhecem a forma do sol por algum pixel efémero. Numa Nova Iorque que se arrastou uns 20 anos sobre o penúltimo capítulo da série, a paisagem distópica de uma selva urbana abandonada deu lugar a uma amálgama de betão e verde, que mais se assemelha a uma qualquer descrição de Richard Matheson (onde não faltam os veados, e demais fauna, a correr por entre a desmesurada erva verde). Valeria por si só, esta possibilidade de se poder aventurar pela expansão de um cenário onde todos os detalhes, a precisão de cada movimento, o jogo de planos e de cores e cada efeito sonoro resulta numa imediacia transparente, na inconsciência de estarmos perante um ecrã. “Crysis 3” poderia ser o jogo perfeito para esta gente. Mas “Crysis 3” consegue passar mais depressa do que a fila de espera para a Secretaria Geral. A narrativa enfadonha e barata conjugada com uma jogabilidade para lá do fácil, uma inteligência artificial que deve esse nome a uma convenção semântica (a certo momento, torna-se

Crysis 3 - Xbox360” mais fácil disparar sobre um inimigo do que tirar uma foto com um pseudofamoso no Bairro Alto) e a multifuncionalidade de um fato, que por pouco não joga o jogo por nós, confluem numa experiência breve e suscetível de cair rapidamente no esquecimento. Mas onde o modo de jogo individual falha redondamente, o modo ‘multiplayer’ consegue tirar a melhor. Tudo aquilo que nos faria odiar o formato de campanha é argumento de defesa do modo coletivo. Aqui o fato biónico, a marca da trilogia, impera em toda a linha, através das funções de escudo e invisibilidade. A parafernália de óculos tecnológicos exponenciam a experiência de jogo. Até a interação com os vários elementos fixos do mapa conferem uma plenitude acima de qualquer ‘first-person shooter’ futurista. E depois há escolha de arsenal. Um sem fim de armas e combinações, capaz de calar o adepto mais entusiasta de “Borderlands 2”, onde qualquer escolha e alteração não depende de um menu treteiro que interrompe a ação. Tudo acontece no momento. No final sobra a ideia de um desfecho diegético simpático, mas a certeza de que uma série como “Crysis” mereceria uma conclusão mais digna. JOÃO MIRANDA


16 | a cabra | 5 de março de 2013 | Terça-feira

SOLTAS AMEAÇA EM MOVIMENTO

CRITIC’ARTE

UMA IDEIA PARA O ENSINO SUPERIOR HELENA FREITAS • VICE-REITORA PARA AS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Num espetáculo tão curto (apenas 40 minutos), de nome “Um gesto que não passa de uma ameaça”, no passado dia 20 de fevereiro, Sofia Dias e Vitor Roriz produzem uma miscelânea de ações distintas, com apenas um fundo verde floral, que nos faz lembrar uma floresta tropical, juntamente com uma mesa e duas cadeiras. Neste cenário minimal, conjugando a fala, o canto e o movimento físico, a dupla consegue captar a atenção do espetador, apesar da simplicidade da ‘performance’, que acaba por torná-la especial e única. Com jogos de palavras, em que as palavras são como um corpo, e numa espécie de desconstrução e degeneração das mesmas, através do som de cada uma, os ‘performers’ repetem as palavras, muitas vezes, em várias línguas. De uma forma exaustiva, saltando, pouco depois, para outras, de som semelhante, recorrendo, em alguns casos, ao canto, conferindo-lhes o poder. Não há propriamente um sentido na forma como as palavras vão mudando o seu significado “não importa”, até porque acaba por “se perder”. Só a sua sonoridade e flexibilidade importam, a forma como se relacionam com a fisicalidade, com todo o seu processo de formação, que acaba por ser um pouco caótica e despojada de sentido. Mais tarde, começa a decomposição dos movimentos de cada um dos dois, que os fragmentam, de forma robótica, passo a passo, avançando um pouco, de cada vez, e voltando sempre “à estaca zero”. Acompanha-os, neste momento, uma música de fundo, de estilo minimal, que acaba por ser uma continuidade de toda a índole do espetáculo “Mês da Dança”, no Teatro Académico de Gil Vicente. Fazendo parte do mês da dança, este espetáculo tem uma capacidade evolutiva, desde o momento em que se entra na sala, até que se sai, marcando-se pelo seu carácter singular.

Por Beatriz Barroca

D.R.

No momento difícil que o país vive, o desafio que me colocaram – “Uma ideia para o ensino superior” - é especialmente complexo. Um olhar sobre o ensino superior, leva-me a equacionar muitos e diversos problemas, evidenciando a pouca capacidade que temos revelado para a reflexão que os tempos exigem. Decidi destacar alguns desses problemas, arriscando identificar o que, do meu ponto de vista, poderia ser prioritário na perspectiva de análise e reforma do ensino superior. Faço este exercício reconhecendo antecipadamente que podem ser outras as prioridades, em função do ângulo e dos pressupostos da análise. É evidente que a evolução demográfica do país coloca uma forte pressão sobre toda a rede de ensino superior, em especial sobre as instituições universitárias localizadas em territórios mais afectados pela perda de população jovem, mas outras situações, como a dificuldade económica das famílias ou a insuficiência de resposta do mercado de trabalho, representam uma evidente adversidade para a procura universitária. Por outro lado, o próprio ensino enfrenta desafios importantes, que obrigam a reconfigurar permanentemente a metodologia de ensino, e a capacidade das universidades para atraírem estudantes. Quando as grandes universidades do mundo apostam de forma

agressiva nos conteúdos lectivos digitais e no ensino à distância, temos que perceber como nos ajustaremos de forma competitiva a esta mudança profunda do próprio paradigma de ensino. Este desafio é especialmente importante para as universidades portuguesas, se estas pretenderem ter algum protagonismo no universo lusófono. Mas distinguir as prioridades para a renovação do ensino superior português, não pode deixar de contemplar um modelo de apoio inequívoco ao mérito, e aos estudantes que querem pro-

gredir na sua formação académica, mas que não têm meios, nem pode esquecer a responsabilidade no apoio efectivo ao desenvolvimento económico, através do conhecimento e inovação, que são hoje ferramentas essenciais para tornar competitivo o tecido produtivo nacional. Esta reflexão tem ainda que abranger a rede de instituições de ensino superior, e ajustar a oferta à procura, sem desprezar na equação a coesão territorial e social. Precisamos de todas as instituições universitárias de igual forma? Devemos manter ou patrocinar a profusão de cursos e instituições lectivas no ensino superior público? E se decidirmos e assumirmos que há excesso, devemos compor a oferta ou simplesmente eliminar o que é redundante? Vale a pena manter instituições que têm um papel impulsionador do conhecimento e da cultura nos territórios mais despovoados e mais frágeis do país? Deixo naturalmente estas questões em aberto, mas estou preparada para assumir as minhas respostas, e receptiva a uma mudança que é urgente.

D.R.

AAC

A REFORMA DO ENSINO SUPERIOR

“COMO É QUE UM POVO PODE SOFRER TANTO E CALAR ASSIM?”

Testemunhos e outras curiosas histórias de Francisco Linhares

Lembro-me do massacre de Santa Cruz, em Timor-Leste. A comunidade de timorenses aqui era espetacular, todos pequenininhos, como são todos, mas todos ali a chorar no jardim, porque queriam saber notícias da família. E quem tinha telemóvel ajudava. Havia um espírito de solidariedade entre as secções, toda a gente estava preocupada com o que estava a acontecer lá. Os timorenses estavam preocupados com as famílias, com o que estava a acontecer. Morreram familiares de estudantes aqui de Coimbra. Nós temos cá estudantes que estavam lá nesse dia. Eles não nos eram nada, eram “compatriotas” do outro lado do mundo, mas era como se estivesse a acontecer aqui em baixo e nós não pudéssemos lá chegar. Notava-se espírito de solidariedade entre toda a gente, entre os estudantes e a Direção-geral, os organismos, estavam todos preocupados, iam conversar com eles para ver como é que estavam. Quem tinha telemóveis melhores tentava contactar a Austrália, foram momentos bonitos. Alguns dos meus melhores amigos aqui em Coimbra, que mais gostam de mim, são timorenses. Porque eu pressenti as dificuldades deles e estava sempre disposto a ajudá-los. (…) Antes pedia sempre férias na semana da Queima das Fitas, pois davam-me a possibilidade de meter férias aqui e ir para lá trabalhar. Ia lá ganhar uns trocos extra. Quando era hora de contratar procurava dar sempre prioridade a dois ou três, pois sabia que tinham dificuldades, dizia-lhes: “Olha, as inscrições já estão abertas, vai-te lá inscrever!”. Eles ficavamme sempre muitos gratos, mais ninguém aqui se preocupava. Antes não havia zona VIP, mas já havia um ‘backstage’, a Direção-geral tinha um espaço reservado a convidados. Então, os timorenses não tinham dinheiro para ir à festa e o pouco que tinham dava para entrar lá dentro um dia, mas depois não tinham nada para beber. Aí, punha-me à porta do ‘backstage’ e quando passavam os timorenses pegava neles e metia-os lá, às vezes metia uns 10 ou 15. Fazia isto para que eles também pudessem disfrutar da festa e beber à borla. Nunca me disseram nada sobre isso, mas se dissessem entrava por aqui e saía por acolá. Não é por isso que alguma vez deixo de ajudar alguém, não admito isso a ninguém. Talvez tenha havido, num momento ou outro, alguma “piçada” de algum menino. Foi graças a essas atitudes solidárias que sei que se for a Timor não morro à fome, porque há de haver alguém que me vai dar uma casa e comida. É uma comunidade completamente diferente das outras, se estão em grupo falam em tom moderado. Isto porque eles lá não podiam “espingardar” nenhuma, senão levavam nas orelhas dos indonésios. Eles sofriam em silêncio. Nunca vi nenhum timorense a ser espalhafatoso, são um povo muito tranquilo. Como é que um povo pode sofrer tanto e calar assim? Entrevista por João Valadão


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SOLTAS

O CEGO DA ILHA

O

MICRO-CONTO

Por João de Melo

cego era um vagabundo de fora da cidade e a quem ninguém conhecia casa nem família. Entrava ao acender-se a luz do dia, ia-se antes de os caminhos se tornarem solitários e perigosos. Não existia outro em toda a ilha. Vivia ao acaso da noite e do dia, morando algures, para além das últimas casas da avenida - após a curva que abria e fechava a entrada e a saída da cidade. Dormia onde calhasse, comendo do que lhe dessem: bocados de pão duro e algum conduto que guardava numa saca de lona. Vestia roupas que deixavam de servir, aceitava uma ou outra moeda. Quando nada lhe davam, comia do que encontrasse nos vazadouros dos quintais ou na lixeira a céu aberto da cidade. Um dia alguém teve a ideia de mandar uma brigada ver o que se passava com os pobres da ilha: um padrezinho de gestos suaves chamado Amadeu, a médica Florinda, a assistente social, o psicólogo, o técnico do município. Foi quando se detiveram à beira de um fojo: uma criatura, presa da sua incrível desumanidade, sentava-se no chão, ao lado de um cão que tremia de frio. Ora, o particular deste cego estava no facto de o não parecer. Possuía uns olhos perfeitos, embora descrentes como os seus ombros descaídos. Olhos que escutavam o mundo e lhe devolviam o desencanto. A brigada ocupou-se do cego, levando-o ao hospital, onde foi desparasitado. Num exame sumário, a médica verificou que a cegueira parecia de somenos: uma cirurgia a raios laser, e recuperaria o que perdera na infância: a luz, as cores, a beleza e a fealdade das pessoas que até aí eram vozes que o saudavam à pressa; e a visão das ruas

por onde os seus passos se orientavam pelo tato e pela memória. Internaram o cego e guardaram o cão. Operaram-no. Ao retirarem-lhe a venda e os pensos, notou ele que o mundo se alargava em volta: os médicos e as enfermeiras já não eram vozes que se moviam, mas vultos iluminados ao passarem perto da janela, ao alcance da luz. Tudo nele se tornou grato a Deus e à cirurgiã. Nenhuma gratidão lhe parecia bastante para agradecer à sua redentora: pensou, lembrou-se do seu amigo, ofereceu-o à médica. Tratava-se de um belo animal: o guia perfeito, a doçura obediente à voz do dono. Ela levou-o para casa, passou-o aos cuidados do marido (que, cheio de ternura pelos olhos do animal, deu-lhe um banho quente, alimentou-o, comprou-lhe uma alcofa para ele dormir e pôs-lhe um nome a preceito: «Noël» - em homenagem ao espírito do Natal). O cego recuperou a visão. Recolheram-no numa instituição de caridade, exibiram-no a quem o quis ver para que acreditassem no milagre. Encorajaram-no a ir pelas ruas, a passear, para que o povo visse essa obra de Deus e os prodígios da Medicina. Mas o cego verificou que não lhe era possível orientar-se numa cidade que ele só conhecia com os dedos, com o olfato, com a pele. Perdera a capacidade de “ver” à sua maneira: apalpando as esquinas para saber onde devia virar, contando os passos nos percursos rotineiros de outrora. Sentia-se num mundo estranho que o deprimia: um país estrangeiro para a sua linguagem, uma realidade irreal que desconhecia. Imaginou uma maneira de se salvar dessa perdição. Fingir-se outra vez de cego! Foi a casa da médica,

armou o seu banzé, exigiu-lhe que lhe devolvesse o cão. Havia em si um conflito de duas pessoas na penumbra em que a luz se fundia com a sombra, a alegria com o desespero e a fé com a descrença. Deprimido, deixou de comer e de dormir. Vieram as doenças. A mente parecia corroída por um sentimento de culpa que assumia o remorso como vontade de perdão. O pior é que o cego experimentou algo que sempre lhe fora desconhecido: a solidão. Não obstante a cegueira, nunca se sentira um sozinho na vida nem na cidade. Agora,

ILUSTRAÇÃO POR JOÃO PEDRO FONSECA

D

Por Bacharel Jorge Gabriel saber, o que é certo é que me parece que este globo contraiu e acelerou, esfarela agora a toda a velocidade no seu frenesim pósmoderno. Os maias enganam-se, o Papa demite-se, a primeira dama americana roça a bunda em comediantes, andamos todos a comer cavalo. Se mais provas fossem necessárias, anda meio mundo a ver outro meio ter ataques epilépticos acompanhados de ecléctica banda sonora, evocando simultaneamente o bairro de Harlem, a comunidade latina americana e uns genéricos terroristas. Não há nada mais frenético nem mais pós-moderno que isto. Neste rectângulo à beira mar plantado, não passámos ao lado desta estranha efervescência. Tanto se ouve o doutor Relvas trautear alegremente temas que, a todos os níveis, desconhece, como se ouve um tal de Gaspar, este não fantasma, não por isso menos brincalhão, exaltar a he-

JOÃO DE MELO 64 ANOS Natural da Achadinha, nos Açores, João de Melo é um homem multifacetado. Aos 18 anos, já tinha publicado o seu primeiro conto, no Diário Popular e por volta dessa altura, ruma a Lisboa para prosseguir os seus estudos. Esses são, mais tarde, interrompidos pela malfadada Guerra Colonial, onde serve como furriel enfermeiro, tendo estado mobilizado em Angola, entre 1971 e 1974.Essa experiência marca fortemente o escritor em termos pessoais e literários, sendo tema de vários dos seus livros. Regressa a Portugal e retoma os estudos, terminando a licenciatura em Filologia Românica, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Sucede-lhe uma carreira como professor do ensino secundário, mas não só – editor e crítico literário. Depois de retornado da Guerra, em 1975, publica a sua primeira obra (“Histórias da Resistência”). Entretanto, continuou com a publicação, não só de ficção, mas também ensaios e crónicas. “Gente Feliz Com Lágrimas” foi a obra que lhe trouxe o reconhecimento e que lhe valeu vários galardões, entre eles o Prémio Eça de Queirós da Cidade de Lisboa. Ana Duarte

DO DESCONCERTO DO MUNDO A VÓS OUTROS QUE BUSCAIS REPOUSO CERTO

ENTRE A ARREGAÇA E O CALHABÉ

e há uns tempos a esta parte, o nosso Mundo vem girando, tu não me digas uma coisa dessas ó xicoaecheperto, pensarão acertadamente os caros leitores, descontado eu a pouca eloquência da vossa hipotética interjeição. Com efeito, e tanto quanto sabemos, o mundo gira há já um tempo considerável, pelo menos desde dos tempos do Cavaco, garante-me a minha vizinha, gente sempre bem informada, que acrescenta: “até acho que houve um programa disso feito com o dinheiro dos camones, mais ou menos no tempo das ipês”. Que o Mundo sempre girou, já sabemos. Contudo, e agora vem a premissa que se pretende estabelecer, depois de um primeiro parágrafo absolutamente desnecessário e desta frase perfeitamente condescendente, parece que agora gira mais rápido. Bem sei que será só impressão, tonturas de tensão baixa, um cisco na vista, vá-se lá

descia de patamar em patamar dentro de si e afundava-se na melancolia. Decidiu pois voltar ao princípio. Passou a andar de olhos fechados. De cada vez que encontra um obstáculo, voltava a cerrar os olhos e recorria ao tato para se orientar no mundo antigo que lhe pertencia. Voltou-lhe a alegria. Limitava-se a seguir a voz interior que antigamente o levava para a frente de todos os perigos e aventuras e superava na sua alma cada obstáculo, cada novo desafio da cegueira. Não há melhor cego do que aquele que não quer ver.

D.R.

rança marítima do povo português. Gaspar fala-nos de barcos, diz que a crise é tempestade, aguentaremos a meteorologia, afirma, porque “somos um povo de marinheiros, capaz de superar as piores tormentas”. E notável foi este último episó-

dio, pelo inusitado calor vindo das palavras do senhor ministro das Finanças. Quase se coloriu o negro das olheiras, quase se esvaziaram os inflados papos, quase se escapulia um sorriso e surgia uma comovente faísca bailando na íris. Gaspar revelou-se: poeta

enclausurado na fria aparência, aprisionado nos áridos terrenos das finanças, entre toda aquela chapa fria de ‘robot’ bate um quente coração, compassado pelas redondilhas de Camões, e cantando ele espalharia por toda a parte, não fosse o destino guardar-lhe outros planos. Quis o destino que o poeta fosse soterrado em números e fórmulas, talvez por isso os versos gasparianos sejam anedóticos, precisa de praticar este ministro poeta, de se dedicar a tempo inteiro às odes, de deixar a sua enfadonha ligação com as finanças do país, essa atribulada relação que, como um qualquer casamento sem chama, os destrói mutuamente. E que nos destrói a nós, habitantes do tal Mundo em frenesim, gerido por poetas em ‘part-time’, cegos a tempo-inteiro. *Por escolha do autor este texto não segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.


18 | a cabra | 5 de março de 2013 | Terça-feira

OPINIÃO

BREVES

SIDA Médicos atestaram a cura do vírus VIH num bebé. Apelidam-na de “cura funcional” numa criança que tem cerca de dois anos. A mãe que a deu à luz não sabia que estava infectada, descobrindo-o apenas quando procedeu às análises básicas na criança. A equipa que fez o tratamento acredita que tudo se deveu ao facto de o rastreio se ter iniciado tão cedo. O caso foi revelado anteontem, na Conferência sobre Retrovírus e Infeções Oportunistas, a decorrer em Atlanta, nos Estados Unidos.DN Euro O ministro francês da Indústria acusa Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, de estar inerte em rela-

ção à crise e à forma como os cidadãos europeus estão a ser afetados. Propôs por isso uma desvalorização da moeda se se quiser “crescer”. Arnaud Montebourg defende que o BCE não se preocupa com o crescimento e não liga aos desempregados. Diário Económico

Espanha Uma sondagem realizada pelo diário EL PAÍS dá por certo que mais de 80 por cento dos espanhóis pensam que Luis Barcenas, ex-tesoureiro do Partido Popular, está a chantagear o primeiro-ministro espanhol. Mariano Rajoy é suspeito de estar envolvido na corrupção dentro do partido onde se branqueava dinheiro e circulavam montantes

extraordinários em contas suiças. Jornal de Negócios

Atletismo A atleta portuguesa Sara Moreira sagrou-se campeã europeia de 3000 mil metros em pista coberta, numa prova realizada, no passado domingo, em Gotemburgo, na Suécia. A portuguesa conseguiu manter a vantagem ao longo da prova, afastando-se das concorrentes nas duas últimas voltas com vários metros de distância e com o tempo de 8m58,50s. A atleta, que já tinha ganho uma medalha de prata em 2009 em Turim, à qual junta agora uma medalha de ouro. Público Suiça Os suíços aprovaram, este

fim-de-semana, em refendo, medidas legislativas que limitam os altos salários de grandes executivos. A iniciativa, proposta por Thomas Minder, presidente de uma companhia de pasta de dentes, teve a adesão de 68 por cento dos votantes, segundo projeções da SF1. A proposta garante também o direito aos helvéticos de votarem anualmente na renumeração paga à gestão e prevê o cumprimento de uma pena de prisão até três anos para quem violar as regras. Expresso

Venezuela Centenas de pessoas contra Hugo Chávez manifestaram-se em Caracas para exigirem “a verdade” sobre a condição de saúde do chefe de Estado, que

luta há três meses contra um cancro. Cerca de cinquenta jovens apresentaram-se acorrentados para pedirem a demissão do líder. Apesar das poucas aparições públicas de Hugo Chávez, o vicepresidente Nicolas Maduro garantiu que o presidente está com “a moral elevado”. Diário de Notícias Igreja Católica Envolvido num escândalo sexual, o escocês Keith O’Brien, que se demitiu do cargo de arcebispo, admitiu ter tido um “comportamento sexual” inapropriado. O caso resulta do facto de duas acusações contra o cardeal se terem tornado públicas. Keith O’Brien é acusado de, nos anos 80, ter molestado três padres e um ex-padre. Apesar de inicialmente ter negado as acusações, o religioso pediu a demissão e renunciou também à participação no conclave para eleger o próximo Papa. TSF Por Liliana Cunha e João Valadão A Cabra errou: Na edição nº 256, no artigo referente à prática de capoeira na Escola de Artes Marciais – Coimbra MMA -, foi omisso, por lapso, o nome da companhia que administra os treinos - “Farol da Ilha”. Aos visados, o nosso pedido de desculpas. Na edição nº256, na rubrica Portaria AAC - Testemunhos e outras curiosas histórias de Francisco Linhares, a ex-presidente da Associação Académica de Coimbra Zita Henriques foi, erradamente, mencionada como Zita Seabra. Aos visados, o nosso pedido de desculpas. Cartas à diretora podem ser enviadas para

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5 de março de 2013 | Terça-feira | a

cabra | 19

OPINIÃO EDITORIAL O INSUSTENTÁVEL PESO DA INCERTEZA

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No passado dia 22 de fevereiro, o Secretário de Estado do Ensino Superior (ES), João Queiró, esteve em Coimbra para as comemorações dos 500 anos da Biblioteca da Universidade de Coimbra (UC). Uma visita sem grande impacto, um pouco ofuscada pela presença da vice-presidente da Comissão Europeia, Viviane Reding, numa cerimónia que se deu na Sala dos Capelos, na parte da manhã. Alguns estudantes marcaram presença para mostrar indignação, esquecendo-se de um pormenor: é João Queiró, e não Viviane Reding, que assegura uma pasta que diretamente os afeta. Voltemos ao assunto. Em entrevista ao Jornal Universitário de Coimbra – A CABRA, o Secretário de Estado do Ensino Superior promove as ações do Ministério da Educação e Ciência (MEC) no que toca à não descida das dotações

depende da perspetiva. No meio de tanta incerteza financeira, os estudantes, e as universidades, precisam de orientação: com que é que podem contar? Como? Quando? São precisas respostas, da parte do MEC. Para já. Essas dúvidas que os estudantes e as suas famílias enfrentam a cada dia que passa começam a tornar-se insustentáveis. Nas comemorações dos 723 anos da Universidade de Coimbra, João Gabriel Silva tentou dar o seu melhor para responder àquelas questões. Analisa o corte de quatro mil milhões de euros que se abateu no país e aponta duras críticas ao Estado, aliciando também a sociedade a fiscalizar os custos financeiros. Está provado que o reitor está “do nosso lado”. É preciso que também estejamos do lado dele. Numa cerimónia matutina, contavam-se pelos dedos os

No meio de tanta incerteza financeira, os estudantes, e as universidades, precisam de orientação: com que é que podem contar? Como? Quando?

para os Serviços de Ação Social das Instituições de ES (IES). Subiram as dos SAS mais fracos, para aproximar da média. Até aqui, tudo bem. Mas, quando questionado sobre medidas, a curto prazo, para a situação de sufoco financeiro das IES, João Queiró não conseguiu responder, “esquivando-se” à pergunta. Contudo, afirma: “a estrutura do financiamento das IES portuguesas é muito pouco conhecida”. Se calhar não há mesmo e as universidades têm de continuar a arranjar formas alternativas de autofinanciamento – como os afamados ‘overheads’. Contudo, Queiró congratula as IES pelo seu dinamismo. Por outro lado, poderá ser visto como “último recurso”. Tudo

estudantes presentes.Quanto aos membros da Direção-geral da Associação Académica de Coimbra, não se encontrava nenhum. Não basta apregoar que se pertence “à melhor universidade de Coimbra” e “Coimbra é nossa e há de ser”. É inútil fazer barulho à porta da reitoria, de tempos a tempos, quando o reitor apela ao bom senso da sociedade, mais concretamente à dita “massa crítica do país”, e ela não está lá para o ouvir. Ainda para mais, quando João Gabriel Silva se mostrou tão frontal quanto sincero, sem hesitar nas palavras. Se calhar era demasiado cedo, já que a sexta-feira sucede à afamada “quinta-feira académica”. Ana Duarte

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Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA Depósito Legal nº183245/02 Registo ICS nº116759 Diretora Ana Duarte Editora-Executiva Ana Morais Editores Rafaela Carvalho (Fotografia), Liliana Cunha (Ensino Superior), Daniel Alves da Silva (Cultura), João Valadão (Cidade), António Cardoso (País & Mundo) Paginação António Cardoso, Ian Ezerin, Rafaela Carvalho Redação Ana Marques Francisco, Beatriz Barroca, Daniela Proença, Ian Ezerin, João Martins, Joel Saraiva, Luís Azevedo, Pedro Martins, Tiago Rodrigues Fotografia Stephanie Sayuri Paixão, Ana Morais, Daniel Alves da Silva, Joel Saraiva, Rafaela Carvalho Ilustração Carolina Campos, Joana Cunha, João Pedro Fonseca, Tiago Dinis Colaboradores permanentes António Matos Silva, Bruno Cabral, Bárbara Rodrigues, Camila Borges, Camilo Soldado, Carlos Braz, Catarina Gomes, Fábio Rodrigues, Filipe Furtado, Inês Amado da Silva, Inês Balreira, João Gaspar, João Miranda, João Ribeiro, João Terêncio, José Miguel Pereira, José Miguel Silva, Luís Luzio, Lourenço Carvalho, Manuel Robim, Ricardo Matos, Rui Craveirinha, Tiago Mota, Torcato Santos Publicidade António Cardoso - 914647047 Impressão FIG - Indústrias Gráficas, S.A.; Telefone. 239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: fig@fig.pt Tiragem 4000 exemplares Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Propriedade Associação Académica de Coimbra Agradecimentos Helena Freitas, João de Melo, Francisco Linhares


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JORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

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Secção de Altetismo

A Secção de Altletismo da Associação Académica de Coimbra conquistou o primeiro lugar coletivo de masculinos no Corta-Mato Nacional de 2012/2013, realizado, no passado dia 2, no Parque da Canção. A vitória representa uma conquista importante para o desporto no seio da AAC, numa altura em que as secções desportivas passam por várias dificuldades financeiras. No final da época de inverno, os objetivos, a nível do atletismo, passam agora pela conquista futura de lugares do pódio nas várias competições individuais e coletivas em que os estudantes competem, nomeadamente em provas de pista ao ar PÁG. 7 livre. J.V.

Universidade de Coimbra

Gerar receitas próprias é cada vez mais necessário por parte das Instituições de Ensino Superior. No entanto, as verbas captadas em relação aos projetos de investigação ou os chamados ´overheads´ estão a subir. A Universidade de Coimbra prepara-se para afetar cerca de trinta por cento do financiamento prestado por cada projeto. Há um subfinanciamento do ensino e obriga-se a universidade a administrar uma margem de manobra cada vez mais estreita. Não se verificou ainda se a verba estará a ser devidamente canalizada para melhorar o ensino ou se apenas serve para tapar o buraco financeiro que o Orçamento não cobre. L.C. PÁG. 4

Secretaria de Estado do ES

João Queiró passou por Coimbra no dia 22 do mês passado e passou despercebido. A massa estudantil parece que não se apercebeu que o Secretário de Estado do ES, para seu bem. Também foi discreto no discurso das comemorações dos 500 anos da Biblioteca da UC. Ainda que se tenha centrado nela, poderia ter dado uma palavra acerca do estado atual do ES. Diz que as universidades têm sido dinâmicas. Mas onde estão as soluções concretas para resolver o problema do subfinanciamento? Para já parece não haver. Entretanto subiram as dotações para a Ação Social das instituições que mais sofriam. Já não é PÁG. 2 mau. A.D.

UM PAÍS DE RUAS DE PERNAS PARA O AR POR LOURENÇO CARVALHO

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Não causa grande admiração percorrer as ruas de qualquer cidade portuguesa e ser obrigado a pisar lama e pedras soltas. Ou até contornar máquinas, buracos ou cercas de alumínio. Nunca se sabe muito bem se se deve agradecer pela constante manutenção do espaço público ou se rogar pragas aos milhares de engenheiros que irão discutir - para desespero dos operários se o passeio há de ter dois, três ou quatro metros. Ou até se as tampas de saneamento devem levar com uma carrada de asfalto para cima, impossibilitando os serviços especializados de acederem a elas. Ainda bem que, lá muito de vez em quando, alguém nos brinda com o seu humor aguçado e se desculpa por desgraças alheias.


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