Carta à Ministra da Educação

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Exma. Sra. Ministra da Educação Dra. Isabel Alçada Av. 5 de Outubro, 107 1069-018 Lisboa Fax: 217 811 835 E-mail: gme@me.gov.pt

Excelência A publicação do Despacho nº 12 522/2010, no dia 3 de Agosto, que determina a aplicação de condicionamentos na atribuição pelo Ministério da Educação dos apoios financeiros regulados pelo Despacho nº 17 932/2008 de 3 de Julho, na redacção dada pelo Despacho nº 15 897/2009, de 13 de Julho — que estabelece o apoio financeiro à frequência dos cursos básico e secundário de música, em regime articulado, integrado e supletivo, ministrados por estabelecimentos de ensino especializado da música da rede de ensino particular e cooperativo —, para além de inesperada e intempestiva, introduz um quadro de grande instabilidade que vai afectar de forma extremamente gravosa a organização pedagógica, laboral e financeira das escolas, bem como, defraudar as expectativas de milhares de alunos e famílias. Os efeitos desta medida — absolutamente inesperada, discriminatória, intempestiva e imposta sem qualquer discussão prévia

— perdurarão indelevelmente para além do período em que

aparentemente será aplicada (ano lectivo 2010/2011). E perdurarão, fundamentalmente, na memória dos jovens que confiaram num sistema de ensino que lhes proporcionava a possibilidade de optarem, ao ingressarem no 5º ano de escolaridade, pela frequência de um Curso Básico de Música, estruturado nos moldes definidos na Portaria nº 691/2009, de 25 de Junho, e que agora se vêm excluídos, quase irremediavelmente, de o fazerem. Essa é, desde logo, a consequência mais nefasta, porque incide sobre uma dimensão imaterial e, por isso, dificilmente reparável.


De facto, uma vez que o valor da comparticipação financeira a conceder a cada entidade proprietária, em 2010/2011, não poderá exceder o valor efectivamente financiado ao abrigo do contrato de patrocínio celebrado em 2009/2010, e que esse montante será necessariamente afecto, na sua quase totalidade, ao financiamento dos alunos que se encontram já a frequentar os Cursos Básicos de Música, a maioria dos estabelecimentos de ensino especializado da música da rede de ensino particular e cooperativo, não tendo possibilidades de aceder ao financiamento expectável em sede de contrato de patrocínio para a admissão de novos alunos no 5º ano de escolaridade, terá que recusar a respectiva matrícula (a qual, de resto, refira-se já se encontrava devidamente instruída antes da publicação desta medida). Tal significa, para centenas, senão milhares de alunos, a impossibilidade definitiva de poderem aceder à frequência dos Cursos Básicos de Música, uma vez que não sendo admitidos no 5º ano de escolaridade no ano lectivo 2010/2011, muito dificilmente terão possibilidades de aceder à frequência dos referidos cursos nos anos seguintes, atendendo às regras de acesso e progressão aplicáveis em qualquer dos regimes de frequência previstos, sobretudo nas modalidades de ensino integrado ou articulado. Acresce que, encontrando-se as turmas constituídas à data da publicação do Despacho nº 12 522, quer na modalidade de ensino integrado, quer na modalidade de ensino articulado, e não havendo margem para admissão de novos alunos por parte das escolas de ensino especializado, em resultado deste condicionamento financeiro, não se vislumbra como poderão as escolas e as famílias gerir toda esta problemática. Devem os alunos inscritos em regime de ensino integrado procurar inscrever-se numa escola de “ensino regular”, prescindindo assim da frequência de uma opção curricular que lhes é legalmente facultada no quadro do sistema educativo? Devem as escolas do “ensino regular”, no caso das turmas constituídas na modalidade de ensino articulado, rejeitar essas matrículas por não disporem da possibilidade de ministrar a componente especializada do plano de estudos? E para além dos aspectos organizativos, como devem as escolas gerir o descontentamento e a frustração dos alunos e das famílias? Por outro lado, quais as razões que determinam a aplicação desta medida ao ensino especializado da música e não também ao ensino da dança, por exemplo? Que outras medidas, comparáveis com a determinada no Despacho nº 12 522 foram tomadas no quadro do sistema educativo? O invocado “interesse prioritário em assegurar a continuidade pedagógica dos projectos de intervenção objecto de financiamento público (...) a par da consolidação e estabilização da rede de


oferta de ensino especializado da música, no quadro do actual contexto de contenção orçamental e redução da despesa pública”, que aparentemente serve de fundamento a este intempestivo e inesperado despacho, justifica que uma medida deste tipo apenas tenha sido dirigida e aplicada ao ensino especializado da música? Não será esta medida discriminatória? Por outro lado ainda, como é do conhecimento de V. Exa., os estabelecimentos de ensino especializado da música da rede do ensino particular e cooperativo asseguram, desde há muitos anos, a cobertura de grande parte do território nacional, suprindo assim as necessidades de formação e de oferta pública nesta área, tendo sabido corresponder, com resultados de reconhecido mérito, às opções de planeamento que o Ministério da Educação visou implementar. No entanto, apesar de cumprirem um serviço de inegável interesse público, anulando as insuficiências da rede pública e assegurando, na medida do possível, condições de universalidade de acesso dos alunos aos estudos musicais, o que se resulta desta medida, com a iminência de ser vedada a matrícula a milhares de alunos, é o ressurgimento de um fosso, em termos de igualdade de acesso, entre os alunos que beneficiam da possibilidade de frequentar uma escola pública de ensino especializado da música e aqueles que, por razões de natureza diversa, nomeadamente geográfica, não o podem fazer. De facto, às escolas públicas, escassas como se sabe, nenhuma restrição foi imposta, apesar do contexto orçamental e de redução da despesa pública ser transversal a toda a sociedade portuguesa. Também por esta via, não será esta medida discriminatória? Certo é que o Despacho nº 12 522 não acautela minimamente, relativamente aos alunos, mas também relativamente às escolas, como veremos de seguida, os efeitos decorrentes da medida que foi tomada. E não deveria fazê-lo? Não deveria um acto desta natureza reflectir sobre as consequências que acarreta? Vejamos então, relativamente aos estabelecimentos de ensino especializado da música, da designada rede de ensino particular e cooperativo, quais os efeitos decorrentes do Despacho nº 12 522/2010. Centremo-nos na data de 31 de Julho de 2010, data limite para apresentação de candidaturas de financiamento para celebração do contrato de patrocínio: as escolas recepcionaram as matrículas nos prazos legais, realizaram as provas de admissão de novos alunos, iniciaram a preparação do próximo ano lectivo em função do número de alunos e turmas, iniciaram ou formalizaram a contratação de novos docentes, previram e acautelaram as suas necessidades de investimento, colaboraram com as escolas do “ensino regular” na organização das novas turmas de alunos em regime articulado, discutiram e elaboraram os seus planos de actividades, assumiram


compromissos com alunos, encarregados de educação, docentes, escolas e funcionários, enfim, prepararam responsavelmente toda a sua organização, no respeito pelo quadro legal aplicável, para que o ano lectivo de 2010/2011 pudesse ser iniciado e conduzido sem sobressaltos. É certo que as escolas de ensino especializado da música prepararam toda a organização do próximo ano lectivo, pode argumentar-se, apenas como detentoras de uma mera expectativa de que os contratos de patrocínio viessem a ser aprovados pelo Ministério da Educação e celebrados no mês de Setembro conforme se encontra estipulado. No entanto, partindo do pressuposto que todas essas escolas cumpriram escrupulosamente os procedimentos que os normativos aplicáveis exigem, o acesso ao financiamento legalmente previsto não se reconduz a uma mera expectativa, configurando antes, objectivamente, uma obrigação que incumbe ao Ministério da Educação satisfazer perante as famílias e os alunos e um instrumento de gestão ao dispor das escolas. Com a publicação do Despacho nº 12 522 , no dia 3 de Agosto, os alunos, as famílias, as escolas e todos os que directamente são afectados pelas medidas constantes do mesmo, viram ruir instantaneamente todo o planeamento que, em devido tempo e de acordo com o quadro legal aplicável, tinham realizado, vendo-se agora imersas num cenário de grande incerteza e instabilidade. Uma das consequências mais relevantes para os estabelecimentos de ensino, uma vez que aos alunos já anteriormente nos referimos, reside no facto de, praticamente, não poderem admitir novos alunos, sobretudo os que pretendem iniciar a frequência de um Curso Básico de Música no 5º ano de escolaridade, o que vai provocar uma descontinuidade pedagógica susceptível de afectar o equilíbrio no funcionamento das escolas e um descrédito relativamente a esta oferta formativa, fundamentalmente por parte dos alunos e das escolas do “ensino regular” que oferecem a modalidade de ensino articulado, que será dificilmente recuperável nos anos vindouros. Refira-se, a propósito desse iminente descrédito, que não é possível ignorar que a desejada democratização do acesso ao ensino da música, que constituiu uma meritória aposta do próprio Ministério da Educação, não poderia ter sido bem sucedida sem o apoio desta rede de ensino de iniciativa particular e cooperativa, que soube, ao longo dos anos, com elevado investimento em meios e dedicação, conferir qualidade e credibilidade ao ensino e gerar a confiança de alunos e famílias.


As repercussões desta medida vão obrigar também à revisão do planeamento feito pelos estabelecimentos de ensino, o que poderá acarretar a necessidade de cancelar compromissos assumidos, rever as necessidades em termos de quadros de docentes e reformular toda a organização do próximo ano lectivo, com as consequências que daí poderão advir para a empregabilidade no sector e eventuais sanções de natureza indemnizatória para as escolas. Por fim, deve fazer-se notar que, em consequência da reformulação dos planos de estudos operada pela Portaria nº 691/2009, de 25 de Junho, no âmbito da reforma curricular do ensino básico, que no ano lectivo 2010/2011 passará a aplicar-se do 5º ao 8º ano de escolaridade, os estabelecimentos de ensino especializado da música se viram obrigados a aplicar as regras de organização do serviço lectivo dos docentes de acordo com a estruturação das cargas horárias em blocos de 90, ou períodos de 45 minutos, o que representa um agravamento dos custos com professores na ordem dos 20 a 30%, custo esse que não é minimamente considerado no contrato de patrocínio, não podendo ser repercutido nos alunos, o que, por consequência, se traduzirá num custo efectivo não financiado que agravará ainda mais as condições de funcionamento das escolas. Excelentíssima Senhora Ministra da Educação, Os estabelecimentos de ensino especializado da música, da designada rede do ensino particular e cooperativo, estão conscientes do esforço de contenção orçamental e da necessidade actual de redução da despesa pública, estando dispostos a colaborar para que os objectivos nacionais nesse contexto possam ser bem sucedidos. No entanto, esse esforço conjunto, como compreenderá, deve ser partilhado com base no diálogo e na análise séria e informada das questões, de forma a que as opções que venham a ser tomadas não sejam discriminatórias, não comprometam gravemente o futuro dos alunos, das escolas, e de todos os que, de uma forma ou de outra, dedicam a sua vida profissional a este sector. Estamos convictos que será possível alcançar, dentro do quadro legal vigente, soluções excepcionais e de natureza transitória que satisfaçam os objectivos que inerem à decisão constante do Despacho nº 12 522, de 3 de Agosto, sem que, de forma abrupta, sejam postas em causa, como é o caso, as opções a que os alunos têm direito e as condições de funcionamento dos estabelecimentos de ensino destinatários desta medida.


Estamos também convictos que urge discutir algumas problemáticas do sector, de cuja resolução poderá depender, no futuro, a sustentabilidade financeira do mesmo, designadamente, entre outras, as que respeitam à definição de uma efectiva rede de ensino da música, articulada e devidamente estruturada, e as que respeitam a uma séria avaliação decorrente da implementação dos novos planos de estudos constantes da Portaria nº 691/2009, de 23 de Junho. Estamos certos que Vossa Excelência será sensível à reflexão que as escolas signatárias deste documento, de forma independente e sem ambição de representarem qualquer organização estruturada do sector, entenderam por bem partilhar e submeter à sua superior consideração, acreditando que a medida tomada será objecto de reapreciação. Manifestando-nos ao inteiro dispor de Vossa Excelência, prevalecemo-nos da oportunidade para apresentar os melhores cumprimentos. 9 de Agosto de 2010 Os signatários [Escola], [nome do representante legal], [cargo] [Escola], [nome do representante legal], [cargo] [Escola], [nome do representante legal], [cargo] [Escola], [nome do representante legal], [cargo] [Escola], [nome do representante legal], [cargo] [Escola], [nome do representante legal], [cargo] [Escola], [nome do representante legal], [cargo] [Escola], [nome do representante legal], [cargo] ........


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