Revista TCE

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TCE Revista do

Tribunal

de contas do estado de minas gerais

ENTREVISTA Procurador-Geral de Justiça destaca a importância da interação entre o MP e o TCE e a necessidade da atuação preventiva destes órgãos

PARECERES E DECISÕES Tribunal se manifesta sobre a utilização de recursos do Fundeb para remuneração de professores no período de vedação eleitoral

Carlos Drummond de Andrade “Amar se aprende amando”



Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.

Mãos Dadas, in Sentimento do Mundo, Editora Record. Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond www.carlosdrummond.com.br


FICHA CATALOGRÁFICA ISSN 0102-1052 Publicação do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais Av. Raja Gabaglia, 1.315 — Luxemburgo Belo Horizonte — MG — CEP: 30380-435 Revista: Edifício anexo — (0xx31) 3348-2142 Endereço eletrônico: <revista@tce.mg.gov.br> Site: <www.tce.mg.gov.br> As matérias assinadas são de inteira responsabilidade de seus autores.

Solicita-se permuta. Pidese canje. Man bittet um Austausch.

Exchange is invited. On demande l’échange. Si richiede lo scambio.

FICHA CATALOGRÁFICA

Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Ano 1, n. 1 (dez. 1983- ). Belo Horizonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, 1983 -

Periodicidade irregular Publicação interrompida Periodicidade trimestral

ISSN 0102-1052

1. Tribunal de Contas — Minas Gerais — Periódicos 2. Minas Gerais — Tribunal de Contas — Periódicos.

(1983-87) (1988-92) (1993- )

CDU 336.126.55(815.1)(05)

Projeto gráfico: Alysson Lisboa Neves — MTB/0177-MG — emaildoalysson@gmail.com Capa, contracapa e diagramação: Unika.com Editora Foto da capa: Arquivo — Museu de Literatura Brasileira / Fundação Casa de Rui Barbosa Poema da primeira folha: A Palavra Minas — Carlos Drummond de Andrade Impressão e ac abamento: RONA EDITORA GRÁFICA

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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS

CONSELHO Wanderley Geraldo de Ávila Presidente Antônio Carlos Doorgal de Andrada Vice-Presidente Adriene Barbosa de Faria Andrade Corregedora Eduardo Carone Costa Conselheiro Elmo Braz Soares Conselheiro Sebastião Helvecio Ramos de Castro Conselheiro Gilberto Diniz Conselheiro em exercício

AUDITORIA Edson Antônio Arger Gilberto Diniz Licurgo Joseph Mourão de Oliveira Hamilton Antônio Coelho

Ministério Público de Contas Maria Cecília Mendes Borges Cláudio Couto Terrão Glaydson Santo Soprani Massaria

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COMPOSIÇÃO DO PLENO* Conselheiro Wanderley Geraldo de Ávila — Presidente Conselheiro Antônio Carlos Doorgal de Andrada — Vice-Presidente Conselheira Adriene Barbosa de Faria Andrade — Corregedora Conselheiro Eduardo Carone Costa Conselheiro Elmo Braz Soares Conselheiro Sebastião Helvecio Ramos de Castro Conselheiro em exercício Gilberto Diniz *As reuniões do Tribunal Pleno ocorrem às quartas-feiras, 14h. Diretor da Secretaria-Geral: Marconi Augusto Fernandes de Castro Braga Fones: (31) 3348-2204 [Diretoria] (31) 3348-2128 [Apoio]

COMPOSIÇÃO DA PRIMEIRA CÂMARA* Conselheiro Antônio Carlos Doorgal de Andrada — Presidente Conselheira Adriene Barbosa de Faria Andrade Conselheiro em exercício Gilberto Diniz Auditor Relator Edson Antônio Arger Auditor Relator Licurgo Joseph Mourão de Oliveira *As reuniões da Primeira Câmara ocorrem às terças-feiras, 14h30. Diretora da Secretaria: Joeny Oliveira Souza Furtado Fones: (31) 3348-2585 [Diretoria] (31) 3348-2281 [Apoio]

COMPOSIÇÃO DA SEGUNDA CÂMARA* Conselheiro Eduardo Carone Costa — Presidente Conselheiro Elmo Braz Soares Conselheiro Sebastião Helvecio Ramos de Catsro Auditor Relator Gilberto Diniz Auditor Relator Hamilton Antônio Coelho *As reuniões da Segunda Câmara ocorrem às quintas-feiras, 10h. Diretora da Secretaria: Mônica da Cunha Rodrigues Fones: (31) 3348-2415 [Diretoria] (31) 3348-2189 [Apoio]


TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS

CORPO INSTRUTIVO diretoria-geral DE controle externo Cristina Márcia de Oliveira Mendonça Fone: (31) 3348-2101 diretoria de controle externo do estado Valquíria de Sousa Pinheiro Fone: (31) 3348-2223 DIRETORIA DE ASSUNTOS ESPECIAIS E DE ENGENHARIA E PERÍCIA Cristiana de Lemos Souza Prates Fone: (31) 3348-2516 diretoria de controle externo dos municípios Conceição Aparecida Ramalho França Fone: (31) 3348-2255 diretoria-geral DE ADMINISTRAÇÃO Rodrigo Gatti Silva Fone: (31) 3348-2101 diretoria DE GESTÃO DE PESSOAS Flávia Maria Gontijo da Rocha Fone: (31) 3348-2120 diretoria de PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E finanças Isabel Rainha Guimarães Junqueira Fone: (31) 3348-2220 DIRETORIA ADMINISTRATIVA E DE SERVIÇOS Langlebert Alvim da Silva Fone: (31) 3348-2402 diretoria de tecnologia da informação Armando de Jesus Grandioso Fone: (31) 3348-2390 diretoria da secretaria-geral Marconi Augusto F. Castro Braga Fone: (31) 3348-2204 diretoriA da escola de contas Renata Machado da Silveira Van Damme Fone: (31) 3348-2321 gabinete da presidência Fátima Corrêa de Távora Chefe de Gabinete Fone: (31) 3348-2481 Antônio Rodrigues Alves Júnior Assessor Fone: (31) 3348-2312


Revista do

Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

DIRETOR conselheiro Antônio carlos doorgal de andrada

VICE-DIRETOR auditor Licurgo Joseph mourão de Oliveira

SECRETÁRIA maria tereza valadares costa

EQUIPE TÉCNICA Aline Toledo Silva eliana sanches engler LÍVIA MARIA BARBOSA SALGADO regina cássia nunes da silva

- REVISÃO LEONOR DUARTE FADINI MARIA JOSÉ DE ARAÚJO RIOS MARIA LÚCIA TEIXEIRA DE MELO - PESQUISA hILDEGARD gouvêa COLABORAÇÃO DA COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA E SÚMULA


RAFAEL CARRIERI

CARTA AO LEITOR

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s grandes temas que conformam o arcabouço da teoria do conhecimento no curso da história demonstram uma estreita correlação, nem sempre amistosa, entre natureza e cultura, cultura e natureza. Nesse contexto, a própria ideia de modernidade traz, como diferencial do mundo dos antigos, uma separação irreconciliável entre aquilo que pertence ao mundo do homem que se desvela como ser racional e aquilo que pode ser objeto do conhecimento e dominação desse sujeito iluminado. Esse modelo tem, como ‘‘trágica’’ consequência, a instrumentalização da razão humana, que se afastando da mãe natureza, é incapaz de perceber que esse comportamento, como expõem as teorias desconstrutivistas, vaticina, inclusive, o fim da história. Ora, felizmente, existem aqueles que ainda acreditam no resgate das promessas não cumpridas da modernidade, ainda que tardia, o que, indubitavelmente, não pode prescindir da tentativa de reinserir o homem dentro de um mundo plural que deve ter como pedra de toque a superação desse hiato secular. Assim, modestamente, esta Revista, que agora inaugura novo período, rende tributo a essa necessária continuidade entre o homem e o mundo que o cerca, tendo como pano de fundo compartilhado, as Minas Gerais, que se apresenta tanto como o solo fértil que nos alimenta como a fonte perene do nosso decantado sentido de ser-mineiro. Nesse cenário, se nas quatro edições do ano que findou, buscou-se presentear o leitor com detalhes das riquezas naturais da nossa terra mater — as minas da nossa Minas, esta etapa, agora, homenageia os escritores mineiros como legítimos representantes desse sentimento permanente da mineiridade. Começando já com Carlos Drummond de Andrade, você, leitor, poderá sorver, a cada nova edição, pelo menos parte da importância e da profundidade das obras de reconhecidos autores mineiros. Com isso, esta Revista busca, ao fechar esse ciclo natureza/cultura, exaltar, como mensagem a todos os leitores, a importância do necessário e incindível diálogo entre o homem e o mundo que o cerca.

Conselheiro Antônio Carlos Doorgal de Andrada Diretor da Revista revista@tce.mg.gov.br


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Com Drummond, amar se aprende amando

Tribunal de conTas do esTado de minas ger ais ENTREVISTA Procurador-Gera de Justiça desta l ca a importância da interação entre e o TCE e a neceso MP da atuação prevesidade ntiva destes órgãos

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onTas do esTado de m inas gerais AV. RAJA GABÁ GLIA, 1.315 — LUXEMBUR CEP: 30380-435 GO — BELO HORI ZONTE — MG WWW.TCE.M G.GOV.BR

Olavo Romano

Carlos Drummond de And “Amar se apre

rade

nde amando”

O tímido menino antigo tinha hematita nas veias. Mas comeram seu chão de ferro, levaram tudo de trem, “milhafres de vagões vorazes”, minério encambulhado, como cangalhas e bruacas chiando muito além dos ermos de Minas. O tímido menino antigo, expulso do colégio por insubordinação mental, agora é farmacêutico formado. Pode estabelecer-se como boticário em pacata cidadezinha do interior, dar aulas no ginásio local, compridas tardes de prosa entre injeções, curativos e manipulações. Mas desiste,“para preservar a saúde dos outros”. Prefere a tertúlia do Estrela e da Livraria Alves, a fraterna convivência com Nava, Milton, Abgar, Emílio, Mário, João Alphonsus, Aníbal, Gabriel, Pinheiro Filho. Mário de Andrade, desde o encontro no Grande Hotel — em companhia de Oswald, Tarsila e Blaise Cendras — é influência incomparável. Metódico operário da palavra, faz alquimia com o tempo, desdobrado entre o jornalismo, a que se devota por 64 anos; o serviço público, de onde impulsiona a cultura e pastoreia o patrimônio nacional; e a poesia, compromisso e vocação da vida inteira. O menino gauche acompanha o homem atrás dos óculos e do bigode — sério, simples e forte —, de poucos, raros amigos. Uma pedra no caminho escandaliza, chama atenção. Mas estreia com acanhado meio milheiro de exemplares, saídos do próprio bolso, por editora imaginária. Em era de minguadas tiragens, Brejo das almas tem 200 exemplares; Sentimento do mundo, 150, distribuídos entre os amigos. Só em 1942, doze anos depois do primeiro livro, a José Olympio publica Poesias e Drummond se abriga, finalmente, numa editora de verdade, por onde passaria a escoar quase todo o incessante manancial. Entre a solidão e a busca da comunhão, onde coubesse “a multiplicidade toda que há dentro de cada um”, Drummond cumpriu sua longa e rica jornada. Apresentando-se como “um poeta brasileiro... dos mais expostos à galhofa”, entendia que, depois das mais inimagináveis viagens, restaria ao ser humano a mais difícil: por o pé no chão do seu coração, experimentar, colonizar, civilizar, humanizar o homem”. Viajar pelo próprio quarto, no entanto, requereria “apenas a chama da vela”. 8


A “cidade toda de ferro onde as ferraduras batem como sinos” ecoa nossas muitas Minas, assim como esta rua que começa em Itabira e “vai dar no meu coração”. O sentimento do mundo tornou claro muito enigma, menos o do perplexo José, depois que a missa acabou, festa também. Com a vida passada a limpo veio a lição das coisas tirando impurezas do branco. Fazendeiro do ar no Brejo das Almas, guia boi tempo afora. Em dias lindos, escreve contos de aprendiz, fala com amendoeiras, ouve confissões de Minas. Chegada a hora, segue o caminho da filha Maria Julieta, “a pessoa que mais amei neste mundo”. Desde então, nosso amado Poeta tira ouro do nariz, contempla a rosa do povo e, de vez em quando, ponteia a viola de bolso tantas vezes encordoada. Só não parou de amar, pois amar se aprende amando. Afinal, como ele próprio ensinou, “que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?”


SUMÁRIO Palavra do Presidente

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Entrevista Dr. Alceu José Torres Marques — Procurador-Geral de Justiça

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Notícias Reestruturação da Corte de Contas mineira TCE define relator das contas do governador Lei institui Diário Oficial Eletrônico do TCE Tribunal Pleno aprova três novos enunciados de súmula Tribunal tem nova Instrução Normativa para o envio de dados de admissão de pessoal TCEMG e SEGOV firmam convênio de cooperação técnica Busca de decisões do TCEMG na internet Conselheiro destaca o papel do TCE na fiscalização de concursos públicos

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Doutrina Matriz de risco, seletividade e materialidade: paradigmas qualitativos para a efetividade das Entidades de Fiscalização Superiores Licurgo Joseph Mourão de Oliveira Gélzio Gonçalves Viana Filho 41 Contratação de serviços de segurança privada pela administração pública: uma análise à luz da moderna privatização de poderes administrativos Vinicius Marins 79 Recurso: embaraço ou contributo para a realização da justiça? Marina França Santos 103 Direitos humanos, direito tributário e política fiscal: descrição da experiência dos órgãos das Nações Unidas — reflexões para o Brasil Henrique Napoleão Alves 119 Pareceres e Decisões Impossibilidade de utilização de veículo particular de vereador, no exercício da função, mediante fornecimento de combustível por Câmara Municipal Consulta n. 810.007 Relator: Conselheiro Eduardo Carone Costa 135 Custeio por Município de despesas com alimentação e pernoite de militares do exército Consulta n. 810.915 Relator: Conselheiro Eduardo Carone Costa 138 Impossibilidade de contratação temporária de jovens aprendizes Consulta n. 790.436 Relator: Conselheiro Elmo Braz 143


Irregularidades em edital de concurso público Edital de Concurso Público n. 805.518 Relator: Conselheiro Elmo Braz 148 Utilização de recursos públicos para custeio de tarifa devida por usuários de baixa renda à Copasa Consulta n. 727.090 Relator: Conselheiro Antônio Carlos Andrada 154 Utilização do saldo positivo da reserva do regime próprio de previdência social para abertura de créditos adicionais suplementares. Arquivamento de notas de empenho pela administração pública Consulta n. 809.491 Relator: Conselheiro Antônio Carlos Andrada 160 Definições e limites para as despesas com pessoal do Poder Legislativo municipal Consulta n. 748.042 Relatora: Conselheira Adriene Andrade 166 Utilização de recursos do Fundeb com remuneração de professores no período de vedação eleitoral Consulta n. 751.530 Relatora: Conselheira Adriene Andrade 174 Impossibilidade de utilização de recursos do Fundeb no pagamento da remuneração de assistentes sociais e de utilização de recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino no custeio de ações de serviço social escolar Consulta n. 783.090 Relator: Conselheiro Sebastião Helvecio 180 Devolução antecipada de saldo em caixa do Poder Legislativo ao Poder Executivo municipal Consulta n. 809.485 Relator: Conselheiro Sebastião Helvecio 184 Utilização de recursos do salário-educação para pagamento de despesas com merenda escolar Consulta n. 768.044 Relator: Conselheiro em exercício Gilberto Diniz 186 Concessão de bolsas de estudo para estudantes carentes em instituições privadas de ensino superior Consulta n. 801.069 Relator: Conselheiro em exercício Gilberto Diniz 192 Falecimento do gestor implica extinção de punibilidade Contrato n. 133.611 Relator: Auditor Licurgo Mourão 195 Irregularidades em licitação ensejam aplicação de multa e instauração de Tomada de Contas Especial para apurar eventual dano ao erário Processo Administrativo n. 701.635 Relator: Auditor Hamilton Coelho 201 Irregularidades em Edital de Seleção Pública Procuradora Maria Cecília Mendes Borges 210 Comentando a Jurisprudência

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Estudo Técnico

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Índices Assunto Autor

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Palavra do Presidente

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Palavra do Presidente

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revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais ASSCOM TCEMG

janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

PALAVRA DO PRESIDENTE — CONSELHEIRO Wanderley Ávila —

A

o findar de cada ano, a avaliação do trabalho realizado e do caminho percorrido remete a uma reflexão necessária, com vistas a traçarmos metas para o ano vindouro.

Nos exercícios anteriores, todo o esforço do Colegiado, Auditores, Procuradores e servidores desta Casa foi empreendido na busca de soluções para conferir celeridade à tramitação de processos e efetividade ao controle externo. Como resultado desse trabalho foi aprovado, em 2008, o novo Regimento Interno do Tribunal — instrumento que adequou os procedimentos técnicos às reformas exigidas pelo novo paradigma de controle externo — estabelecido pela Lei Complementar n. 102/2008. Nesse sentido, a modernização de práticas e a racionalização de procedimentos, com o suporte da tecnologia de informação em todas as fases do controle, foram empreendidas visando à efetividade dos resultados almejados. Dentro do rol de medidas tomadas para a implantação de novo paradigma de controle, destaca-se a contratação de consultoria para desenvolver e implantar a metodologia para avaliação do grau de risco de cada órgão e entidade fiscalizada pelo Tribunal. Foram elaboradas duas matrizes de planejamento, uma no âmbito estadual e outra no âmbito municipal, o que permitirá a otimização dos procedimentos de fiscalização e a realização das auditorias de forma mais célere e eficaz. Ainda, com relação ao controle externo, a revisão do Plano Anual de Auditorias e Inspeções resultou na ampliação do atendimento às demandas apresentadas por meio de denúncias e representações, bem como das inspeções extraordinárias. As 73 inspeções realizadas possibilitaram o exame de mais de 8 mil atos de admissão estaduais, mais de 16 mil atos de admissão municipais, além do exame de 406 editais de concursos públicos. Além disso, a análise inicial de 2.457 prestações de contas municipais possibilitou a emissão de 562 pareceres prévios relativos ao exercício de 2008, durante o exercício de 2009. A criação de uma unidade especializada em fiscalização de projetos cofinanciados e de equipe multidisciplinar com conhecimento de métodos e técnicas específicos de auditoria e análise de projetos, em conformidade com os padrões internacionais, trouxeram nova perspectiva no bojo da estrutura desta Corte, havendo uma equipe responsável pelo acompanhamento da execução do contrato de empréstimo firmado entre o Banco Mundial e o Estado de Minas Gerais, no valor de US$976.000.000,00. 15


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Realizou-se, ainda, auditoria operacional no Programa Saúde da Família, com a adoção de metodologia comum aos Tribunais de Contas brasileiros participantes do Promoex. Para tanto, foram realizadas 36 visitas técnicas para avaliar o desempenho das ações do programa. Também foi feito o monitoramento das Parcerias Público-Privadas — PPPs do governo de Minas, relativas ao Sistema Penitenciário e à Rodovia MG-050. O Tribunal atuou intensamente no fortalecimento de parcerias interinstitucionais. Nesse sentido, firmou acordo de cooperação técnica com o Tribunal de Contas da União, objetivando a realização de trabalhos de fiscalização, em conjunto, nos órgãos e entidades estaduais e municipais do Estado de Minas Gerais e o intercâmbio de informações, experiências e cessão de mecanismos de difusão por meio de instrumentos de comunicação corporativos. A celebração do Protocolo de Intenções com o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, o Tribunal de Contas da União e diversos Tribunais de Contas de estados e municípios, para a fiscalização da aplicação dos recursos púbicos nas cidades sedes dos jogos da Copa do Mundo de 2014 estende a atuação desta Casa ao acompanhamento desse projeto em âmbito federal. O Senado Federal divulgará as informações consolidadas pelos Tribunais de Contas dos estados e municípios que sediarão a copa e disponibilizará tais dados no Portal da Copa, já criado. Foram firmados, ainda, outros dois acordos técnicos. O primeiro deles com o Tribunal de Contas do Estado da Bahia para intercâmbio de informações, conhecimentos, metodologias e modernização do sistema de fiscalização; o segundo, com o Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás, com a disponibilização do Sistema de Controle de Contas Municipais — Sicom, instrumento que será adequado às normas e procedimentos deste Tribunal e aprimorará a fiscalização das contas municipais. No exercício de sua função pedagógica, o Tribunal promoveu inúmeras ações de capacitação. Foram realizados 24 eventos dirigidos aos jurisdicionados, à sociedade e aos servidores, dentre os quais se destacam o I Seminário Técnico Interno Construção compartilhada do conhecimento; o treinamento, em parceria com a Assembleia Legislativa, de 1.200 vereadores e servidores das Câmaras Municipais mineiras; o treinamento do novo Sistema de Fiscalização de Atos de Pessoal — Fiscap, que reuniu 817 representantes de jurisdicionados municipais e estaduais; o congresso A Lei 8.666/93 e o TCEMG que orientou 320 jurisdicionados, contando com o empenho da Vice-Presidência do Tribunal. Nessa última ocasião, foi lançado o TCNOTAS — nova ferramenta de pesquisa de julgados no portal deste Tribunal. No decorrer de 2009, realizou-se a melhoria das instalações físicas da Casa, com a modernização dos elevadores; a colocação de forros antichamas em todo o edifíciosede, garantindo-lhe maior segurança; e a readequação das instalações elétricas, proporcionando economia de energia e maior luminosidade aos ambientes. 16


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O Plano Estratégico de Tecnologia de informação — PETI, já aprovado, traçou novas diretrizes. Ele foi elaborado com o auxílio de consultoria contratada, que orientou e sugeriu ações de modernização da tecnologia de informação, desde a aquisição de hardwares até a elaboração de sistemas de controle externo, que já está sendo implementado na Casa. Também foi contratada consultoria para elaborar política de gestão de pessoas, estratégia que envolve diversas ações e que busca valorizar o servidor, criando condições e oportunidades para o seu desenvolvimento pessoal e profissional. No âmbito da comunicação institucional, foi reformulado o portal do Tribunal, implantada a intranet e criado o Diário Oficial Eletrônico, normatizado pela Lei Complementar n. 111, de 13 de janeiro de 2010.

Palavra do Presidente

revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais

E na perspectiva de novos rumos para esta Corte, foi concluído e aprovado pelo Colegiado o Plano Estratégico 2010-2014, fruto de um trabalho conjunto dos Conselheiros, Auditores, Procuradores, Diretores e Coordenadores, bem como aprovada a Resolução n. 12/09, que estabelece a nova estrutura organizacional do TCEMG. Esperam-se, com essa nova estrutura, maior integração entre os setores, aprimoramento e modernização dos processos de trabalho, o que levará, sem dúvida, a resultados mais efetivos tanto para a instituição quanto para os jurisdicionados e a sociedade. Em 2010, muito trabalho ainda há que ser realizado, pois paradigmas estão sendo reavaliados e a necessidade de nos adequarmos aos novos tempos é premente. Caminhamos muito. Tudo isso só foi possível graças ao esforço daqueles que nos antecederam na Presidência desta Casa e, que, não pouparam esforços no sentido de dotar este Tribunal das condições necessárias para que pudéssemos avançar. Se hoje colhemos frutos, é porque antes a terra foi arada e adubada. Há que se reconhecer também o inestimável apoio dos meus Pares, dos Auditores e Procuradores, e o envolvimento, dedicação e comprometimento dos nossos servidores. Novos caminhos se abrem. É o futuro que se descortina, com todos os desafios de uma sociedade cada vez mais ciente de seus direitos e que demanda a prestação de serviços públicos de qualidade. A nossa meta é trabalhar, exercendo o controle externo de forma eficaz, em benefício da sociedade.

Conselheiro Wanderley Ávila Presidente Janeiro/2010 17



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Entrevista



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Entrevista procurador-geral de justiça do estado de minas gerais DR. Alceu José Torres Marques

N

REVISTA DO TCE — Mais de duas décadas após a promulgação da Constituição de 1988, podese dizer que o Ministério Público (MP) é hoje uma instituição consolidada tanto no aparato estatal como na sociedade brasileira. A que V. Exa. credita esse status adquirido pelo MP? Quais as dificuldades ainda enfrentadas?

Alex Lanza/MPMG

osso entrevistado, nesta edição de abertura do ano XXVIII da Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, é o Procurador-Geral de Justiça do Estado, Dr. Alceu José Torres Marques, natural de Belo Horizonte, onde cursou Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. Após sua graduação, ingressou no Ministério Público como Promotor de Justiça e logo foi promovido ao cargo de Procurador de Justiça. Por sua competência e capacidade integrou o Conselho Superior do Ministério Público e a Câmara de Procuradores de Justiça; foi diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional; presidiu a Associação Mineira do Ministério Público e, posteriormente, desempenhou as funções de Procurador-Geral de Justiça Adjunto, Adjunto Institucional e Adjunto Jurídico. Sua brilhante carreira e vasta experiência lhe conferiram chancela para ocupar o mais alto cargo da instituição. Nesta seção, você, leitor, poderá conhecer o pensamento do atual Procurador-Geral de Justiça sobre temas relevantes para nossa sociedade.

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA — O Ministério Público, como a sociedade moderna, é dinâmico e está sempre em transformação e evolução. Ainda assim, mesmo que esteja consolidado como instituição permanente e essencial ao funcionamento da justiça e defensora do regime democrático, não há um só dia em que prerrogativas e garantias institucionais não sejam ameaçadas por setores que se sentem incomodados com a atuação e fiscalização por parte de órgãos do Ministério Público. Esse status, hoje, vem da aceitação popular em torno do trabalho da instituição, que deve primar pela fiscalização isenta, técnica e corajosamente descomprometida com interesses político-partidários. Críticas, haverá sempre, mas insisto em frisar que elas advêm mais de nossos acertos do que efetivamente de nossos erros. Nesse aspecto, também é imprescindível a atuação dos Tribunais de Contas em suas dinâmicas atribuições constitucionais. Como ameaças reais, podemos citar os inúmeros projetos de lei que hoje tramitam no Legislativo federal que visam inibir a atuação ministerial. 21


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REVISTA DO TCE — Quais são os principais projetos da sua gestão à frente do Ministério Público do Estado de Minas Gerais? PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA — Quando emprestei o meu nome à disputa do honroso cargo de Procurador Geral de Justiça, encaminhei a todos os membros da instituição meu projeto de gestão, na área jurídico institucional e administrativa. Em curto espaço de tempo atingimos nosso desiderato, fazendo do Ministério Público protagonista nas políticas sociais por meio da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social do Ministério Público de Minas Gerais — Cimos; elaboramos um plano geral de atuação eficiente, profissional e exequível para delimitar e atender às prioridades reais da instituição para o bom atendimento aos anseios da sociedade; consolidamos o sistema de audiências públicas, visando à interação de forma real entre o Promotor de Justiça e o cidadão; internamente, houve otimização e adequação do funcionamento dos centros de apoio operacional, o fortalecimento dos órgãos de execução e a adequada movimentação na carreira, visando adotar o dinamismo necessário ao crescimento constante das demandas; mantivemos e ampliamos o projeto Sedes Próprias, uma vez que é premente a alocação, de maneira correta, de todas as Promotorias de Justiça no Estado de Minas Gerais; implementamos e fortalecemos parcerias administrativas seja com outros órgãos, seja com a iniciativa privada, como vem acontecendo, por exemplo, no recente acordo com o Banco Mundial — o primeiro dessa instituição financeira com o Ministério Público. São inúmeras outras nossas pretensões, algumas prejudicadas ou retardadas pela crise econômica que assolou o mundo no ano passado e que fez retrair o investimento público e privado, mas que, se Deus quiser, serão retomadas no corrente ano. Demos continuidade aos demais projetos estruturadores do Ministério Público, como a modernização administrativa, com a criação do centro de custos, possibilitando saber, em tempo real, o custo de cada Promotoria e/ou Procuradoria de Justiça do Estado; a implementação do Planejamento Estratégico; o fortalecimento do parque de informática e, é claro, a otimização dos gastos públicos que se tornou cultura ministerial. REVISTA DO TCE — O quadro de promotores e procuradores é suficiente para solucionar a crescente demanda de atuação do MP? Em tempos de escassez orçamentária, como dar respostas adequadas à sociedade? PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA — O quadro de promotores e procuradores nunca será o ideal, uma vez que as demandas e atribuições crescem exponencialmente, enquanto estamos 22

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“Em curto espaço de tempo atingimos nosso desiderato, fazendo do Ministério Público protagonista nas políticas sociais por meio da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Social do Ministério Público de Minas Gerais — CIMOS (...).”


Entrevista

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limitados orçamentariamente. A par disso, não podemos negar à sociedade uma atuação eficaz, segura e rápida. O caminho se faz através da boa gestão orçamentária, alocando recursos humanos e equipamentos nas áreas de maior impacto, como patrimônio público, meio ambiente, defesa do consumidor e outras atinentes aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, bem como a área criminal — historicamente a de maior identificação com o Ministério Público e cuja demanda também cresce assustadoramente —, além de priorizar a racionalização da intervenção ministerial em feitos judiciais, visando atender a todas as necessidades de maneira satisfatória. Com esse objetivo, estamos neste ano de 2010, dando ênfase especial ao planejamento estratégico, que visa não só atender a demanda presente como também pensar o nosso Ministério Público nos próximos vinte anos. A escassez orçamentária deve ser combatida com criatividade e eficiência, seriedade e bom senso, uma vez que somos, antes de mais nada, servidores públicos na acepção lata da expressão. REVISTA DO TCE – Quanto à defesa do meio ambiente — em suas acepções natural, artificial, cultural e do trabalho — há promotorias especializadas? Quais os resultados práticos já alcançados nessa seara? Como vem sendo trabalhada a tutela de direitos difusos pelo órgão? PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA — De forma pioneira, o Ministério Público de Minas Gerais criou Promotorias Regionais de Meio Ambiente Natural, com atuação por bacias hidrográficas. Atualmente, temos regionais de defesa dos rios das Velhas, Paraopeba, Verde Grande, Jequitinhonha, Mucuri, Paracatu, Urucuia, Grande, além do Alto São Francisco, na região da nascente do rio da integração nacional. Além disso, temos duas Coordenadorias que eu chamaria de temáticas, que atuam em todo o Estado, na defesa do patrimônio cultural, histórico e turístico — que, inclusive, recebeu em 2009 o Prêmio Rodrigo de Melo Franco, honraria concedida pelo Governo Federal —, além da chamada Promotoria Metropolitana, com destacada atuação nas áreas de habitação e urbanismo. A rigor, como se vê, estamos atuando articuladamente em defesa do meio ambiente, em suas três acepções. Penso que a implementação desse novo formato permite, hoje, uma atuação do Ministério Público Estadual eminentemente preventiva, inclusive em fase de licenciamento ambiental e, desta forma, os resultados são expressivos.

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“A rigor, como se vê, estamos atuando articuladamente em defesa do meio ambiente, em suas três acepções. Penso que a implementação desse novo formato permite, hoje, uma atuação do Ministério Público Estadual eminentemente preventiva, até mesmo em fase de licenciamento ambiental (...).”

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REVISTA DO TCE — Qual tem sido, de fato, a efetividade do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) utilizado pelo MP, para o deslinde de litígios? PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA — Nossos promotores de Justiça têm se especializado em solucionar as lides extrajudicialmente, utilizando-se da mediação. Aliás, no convênio celebrado com o Banco Mundial há previsão expressa de aplicação de recursos no desenvolvimento de técnicas de mediação, que, em seguida, deverão ser repassadas a todos os membros de nossa instituição. Sinceramente, vejo que esse é o caminho mais célere e eficiente para a solução das lides ambientais. Voltando ao cerne da questão, os órgãos de execução do Ministério Público, quando celebram o TAC, evitam o ajuizamento de ação que faz agravar ainda mais a situação do Judiciário que da mesma forma não possui juízes suficientes a dar conta das demandas que crescem diariamente. Não adianta celebrar o TAC se não houver o efetivo acompanhamento da execução do seu respectivo objeto, mas isso, com excelência, vem realizando o Parquet, dando resposta à sociedade, formando o MP resolutivo, realizando composições por meio do TAC e, como dito, evitando-se o estrangulamento da Justiça. Para se ter uma ideia, o Sistema de Registro Único (SRU) — implantado no MP, pioneiramente no Brasil, concentra todas as informações, em meio eletrônico, dos procedimentos em curso em todas as Promotorias de Justiça do Estado —, revela que, em apenas 15% dos casos judicializamos as demandas. E isso em um universo de cerca de 23 mil procedimentos em curso na seara ambiental, número expressivo que corresponde a 51% de todos os inquéritos civis em curso neste Estado. REVISTA DO TCE — Em dezembro de 2009, foi lançado, na sede da Procuradoria-Geral de Justiça, o Comitê Mineiro de Educação em Direitos Humanos. Quais os objetivos desse comitê? Quais serão as estratégias em relação à educação formal e, especialmente, às escolas públicas localizadas em áreas de altos índices de violência e miséria? PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA — O Comitê Mineiro de Educação em Direitos Humanos — Comedh tem como objetivo primordial colocar em prática o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, mediante a elaboração e concretização de um Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos. O processo de construção e exercício da cidadania requer a formação de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, protagonistas da materialidade das normas e pactos que os protegem, reconhecendo 24 24

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“(...) os órgãos de execução do Ministério Público, quando celebram o TAC, evitam o ajuizamento de ação que faz agravar ainda mais a situação do Judiciário (...).”


Entrevista

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sempre a primazia da dignidade da pessoa humana, como fundamento da República. Esse deve ser o norte de toda a ação do Comitê Mineiro de Educação em Direitos Humanos. Com relação à implementação da educação formal, subdividido dentro do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos em Educação Básica e Educação Superior, é uma das metas do comitê. Estamos trabalhando no sentido de formatarmos um projeto especifico para cada um dos eixos do Plano Nacional (eixos da educação formal, não formal, dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança e mídia), cientes de todas as dificuldades e obstáculos que iremos enfrentar. O Comitê é constituído por mais de 30 entidades da sociedade civil e do poder público, e dentre essas, temos entidades ligadas à educação, que irão colaborar no sentido de chegarmos até as escolas em áreas de risco, aproximando-nos tanto dos alunos, como da comunidade e dos professores, num grande mutirão pela educação, por sua valorização e, principalmente, pela educação em direitos humanos. Devemos nos aproximar ainda mais dessas comunidades, com o objetivo de mostrarmos que são sujeitos de direitos, direitos esses diuturnamente violados. Enfim, devemos olhar para o futuro com esperança de que o Comedh será um espaço aberto para a construção e o exercício da cidadania e da solidariedade, conquistado pela educação em direitos humanos.

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‘‘(...) devemos olhar para o futuro com esperança de que o Comedh será um espaço aberto para a construção e o exercício da cidadania e da solidariedade, conquistado pela educação em direitos humanos.’’

REVISTA DO TCE — Ainda sobre Direitos Humanos, qual a opinião de V. Exa. acerca do Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH 3), também lançado, em dezembro de 2009, pelo governo federal? PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA — Inicialmente, necessário resgatar que o reconhecimento das questões afetas aos direitos humanos no ordenamento político, social e jurídico é resultante de um processo de lutas e conquistas históricas, consolidadas em nosso país na Constituição da República de 1988, bem como, quando da adesão do Brasil a diversos Tratados Internacionais de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos. Nesse sentido, o PNDH 3 é documento norteador da promoção e 25


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proteção dos Direitos Humanos pelo Estado brasileiro, ou seja, uma verdadeira agenda fundamentada nos compromissos internacionais assumidos pelo País e nos objetivos fundamentais da República, conforme explicitado no art. 3° da Constituição. O PNDH 3 enfrenta questões de divergência histórica entre setores da sociedade brasileira, sendo parte importante da construção e da consolidação de uma sociedade plural e democrática. Há de se ressaltar que muitos dos pontos criticados no programa, já eram objetos de projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, como por exemplo, a descriminalização do aborto. Portanto, apesar das críticas ao referido programa, entendo ser ele instrumento legítimo de participação democrática na elaboração de políticas públicas, merecendo de tal forma nosso respeito. REVISTA DO TCE — O Tribunal de Contas e o Ministério Público são instituições que buscam tutelar o interesse público e a guarda do erário, entre outras atribuições. Em 2008, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de MG encaminhou ao Ministério Público Estadual 809 ofícios, englobando também a adoção de medidas legais cabíveis. A quais procedimentos esses ofícios vêm sendo submetidos? Quais resultados têm sido alcançados com esse trabalho conjunto dos dois Ministérios Públicos? PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA — Normalmente a troca de ofícios entre o MPMG e o TCEMG é intensa, uma vez que são atividades conexas e complementares. Os ofícios e determinações oriundos do TCEMG são normalmente recebidos e encaminhados ao setor ou órgão de execução próprio, visando ao atendimento do solicitado ou determinado. Em sua grande maioria, tratam de apurações concernentes às contas de municípios mineiros, que são encaminhadas aos Promotores de Justiça das comarcas a que pertencem esses municípios para a pronta tomada de providências. Os resultados práticos dessa interação são percebidos por maior transparência e fiscalização da Administração Pública, que vem, sem dúvida alguma, crescendo e melhorando a cada dia. Nesse aspecto, gostaria de frisar o excelente atendimento por nós recebido por parte do TCEMG, uma vez que diariamente encaminhamos ofícios requisitórios, a fim de obter as informações necessárias aos Promotores de Justiça para a instrução de procedimentos e inquéritos civis, recebendo do TCEMG, na maioria das vezes, um atendimento célere e pertinente. 26 26

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‘‘O PNDH 3 enfrenta questões de divergência histórica entre setores da sociedade brasileira, sendo parte importante da construção e da consolidação de uma sociedade plural e democrática.’’


Palavra do Entrevista Presidente

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REVISTA DO TCE — Em 2007, foi realizado o primeiro concurso público para Procuradores de Contas do TCEMG. Quais similitudes V.Exa. identifica na atuação desses profissionais com o trabalho do MP? Como deve ser a interação entre MP estadual e MP de Contas? PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA — Para a resposta pretendida, valho-me aqui do escólio de Carlos Siqueira Castro, inserto na Revista do Tribunal de Contas, n. 4, ano 2000, quando assim se expressou: Penso que o Tribunal de Contas deve ser concebido, assim como o Ministério Público com relação ao Poder Judiciário, como uma função essencial ao Legislativo. Tanto assim é que o art. 73 de nossa Carta Política confere-lhe, no que couber, as atribuições previstas no art. 96 do mesmo diploma constitucional, que traduzem as competências privativas dos Tribunais judiciários e que expressam a sua independência e autonomia enquanto um dos Poderes da República. É justo reconhecer, até mesmo, que instituições desse gênero tendem a constituir-se naquilo que Gerard Lebrun e Bertrand du Jouvenel, em prestigiosas obras acerca da institucionalização do poder político, designam de instituições quase-Poder. É o caso notório das funções essenciais à Justiça, a exemplo do Ministério Público, e da função essencial à soberania legislativa, conforme presentemente expressada pelas atribuições constitucionais do Tribunal de Contas. Instituições desse porte, muito embora não tenham se aperfeiçoado como um autêntico Poder orgânico da soberania, perseverando enquanto instituições intra-Poder, passaram a exibir, por exigência da evolução do constitucionalismo democrático, traços que são peculiares aos departamentos funcionais da soberania, ou seja, aos três Poderes do Estado.1

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“(...) se houvesse maior interação, por meio de informações, extraídas de processos sujeitos ao crivo do TC e de outros sujeitos à jurisdição comum, poderiam ser reveladas organizações criminosas com o fito de lesar o erário (...).”

Os papéis desempenhados por um e outro são relevantes e não se confundem. Há similitudes no exercício de suas funções, a exemplo da emissão de pareceres, requisição de diligências, oferecimento de denúncias etc., sendo certo que a interação entre os órgãos é de fundamental importância. Veja-se que, a título de exemplo, se houvesse maior interação, por meio de informações, extraídas de processos sujeitos ao crivo do TC e de outros sujeitos à jurisdição comum, poderiam ser reveladas organizações criminosas com o fito de lesar o erário, e ações comuns entre os Procuradores de Contas e os de Justiça poderiam inibir referidas condutas. 1 Cf. A atuação do Tribunal de Contas em face da separação de Poderes do Estado. Conferência proferida em 22/10/97 por ocasião do XIX Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, realizado no Rio de Janeiro.

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REVISTA DO TCE — Como poderiam ser desenvolvidas parcerias e ações em conjunto de modo que se otimizem as ações de controle entre os dois órgãos?

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA — Bem, como já disse anteriormente, considero que, em muitos aspectos, as atividades do Ministério Público são complementares e correlatas, sendo a interação imprescindível. Grande parte da falta de uma resposta adequada à sociedade advém do tempo haurido tanto pelo Ministério Público como pelo TCEMG na investigação e fiscalização das contas, despesas e procedimentos licitatórios praticados pelo poder público municipal, seja ele Legislativo ou Executivo, uma vez que Minas Gerais conta com mais de 800 municípios e tem uma extensão territorial semelhante à da França. E os prazos prescricionais para a tomada de providências, muitas vezes, encerram-se antes mesmo da conclusão das investigações, sejam elas derivadas da fiscalização por parte do TCEMG ou não. Então, como medida para minorar essa dificuldade, um maior acesso de ambas as partes aos procedimentos, ainda que não concluídos, com troca de informações, subsídios recíprocos e padronização de condutas seria um caminho, o que já vem acontecendo. Cumpre ainda lembrar que é grande a necessidade de uma atividade esclarecedora, didática, preventiva por parte das duas instituições, uma vez que a grande maioria das irregularidades dá-se por erros e desvios de formas e não por má fé dos agentes políticos. Nesse sentido, a Procuradoria Geral vem estreitando sua relação direta com os agentes políticos municipais, por meio da Associação Mineira de Municípios, entidade que congrega tais entes federativos e pode centralizar a orientação das demandas recorrentes, dos erros e irregularidades recidivas e buscar soluções não litigiosas para bem servir à população.

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“Grande parte da falta de uma resposta adequada à sociedade advém do tempo haurido tanto pelo Ministério Público como pelo TCEMG na investigação e fiscalização das contas, despesas e procedimentos licitatórios praticados pelo poder público municipal (...).”

Por: Clarice Costa Calixto, Hildegard Gouvêa e Maria Tereza Valadares Costa

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NotĂ­cias

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Palavra do Presidente


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Reestruturação da Corte de Contas mineira

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TCEMG iniciou o ano de 2010 com a implementação do projeto de reestruturação organizacional. Esse trabalho foi fruto de esforços de servidores dos diversos setores da Casa que se empenharam em debates intensos sobre a mudança e os procedimentos adequados para a consecução da nova estrutura, tendo como parâmetros a realidade de outros Tribunais. O projeto teve por escopo a modernização do organograma para facilitar a interação das diretorias e, consequentemente, a readaptação das instalações físicas do Tribunal às novas demandas. Com isso espera-se alcançar a racionalização, celeridade e eficiência das atividades de controle externo, fiscalização e assessoramento técnico, cujo alvo são os jurisdicionados do TCEMG. Os benefícios advindos dessa mudança se estenderão a todos os envolvidos, além de atingir a sociedade. As principais alterações na estrutura do TCEMG foram a fusão das atividades fim e meio em duas grandes Diretorias Gerais e a criação de Assessorias e Consultorias Técnicas e Jurídicas. A subordinação da área fim a um Diretor Geral de Controle Externo e da área meio a um Diretor Geral de Administração proporcionará uniformização das práticas adotadas e maior conhecimento do universo auditado. A Diretoria Geral de Controle Externo se subdividiu nas três seguintes: Diretoria de

Controle Externo do Estado; Diretoria de Controle Externo dos Municípios; e Diretoria de Assuntos Especiais, Engenharia e Perícia. Já, a Diretoria Geral de Administração se adequou de forma a ampliar a capacidade de suporte aos que executam a atividadefim. As Assessorias e as Consultorias Técnicas e Jurídicas funcionarão como núcleos de geração de saber. A crescente necessidade de orientação, de suporte técnico e de aprofundamento das discussões técnicojurídicas em virtude das frequentes alterações da legislação constitucional e infraconstitucional motivaram sua criação. Para José Geraldo de Carvalho, responsável pelo Núcleo de Planejamento e Desenvolvimento Organizacional do TCEMG, “a mudança fortalecerá a função gerencial e técnica, já que os coordenadores terão autonomia para despachar conclusivamente as informações relativas aos processos de sua competência, conferindo maior responsabilidade ao corpo funcional para efetuar análises e apresentar conclusões”. Carvalho acrescenta que “mais do que estabelecer um novo organograma, o que se pretende é modernizar o modelo de gestão do Tribunal, de forma a promover uma maior interação entre os setores, bem como possibilitar um processo decisório mais racional e célere, que ocasionará uma maior efetividade no atendimento das demandas e expectativas da sociedade.” 31


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TCE define relator das contas do governador cício de 2008, tiveram a relatoria da Conselheira Adriene Andrade e foram aprovadas pela Corte de Contas. Os dados se encontram publicados no portal do Tribunal <www.tce. mg.gov.br>, no ícone Fiscalizando com o TCE. O link permite, de forma clara e transparente, que qualquer cidadão acesse e conheça o resultado das atividades governamentais. ASSCOM TCEMG

O Conselheiro Sebastião Helvecio foi designado relator das contas relativas ao exercício de 2010 do Governador Aécio Neves, na sessão ordinária do Tribunal Pleno de 16/12/2009. Na mesma sessão, o Conselheiro Antônio Carlos Andrada foi nomeado revisor e o Auditor Licurgo Mourão foi indicado para atuar nos trabalhos de análise. Anualmente, o Tribunal de Contas examina as contas do governador e emite parecer prévio no prazo de 60 dias, a contar de seu recebimento. De acordo com o art. 40 da Lei Complementar n. 102/08, a composição das contas deve observar o disposto no Regimento Interno e em atos normativos do Tribunal. O orçamento do Estado para o exercício de 2009 foi estimado em R$ 38,97 bilhões, sendo o relator das contas desse exercício o Conselheiro Elmo Braz. As contas do governador, relativas ao exer-

Conselheiro Relator Sebastião Helvecio

Lei institui Diário Oficial Eletrônico do TCE

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oi publicada, no dia 14 de janeiro, a Lei Complementar n. 111/2010, instituindo o Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas de Minas Gerais, que publicará e divulgará os atos processuais e administrativos da Corte de Contas no portal www.tce.mg.gov.br. Esse novo formato substitui a versão impressa publicada no jornal Minas Gerais — Diário Oficial do Estado. A referida Lei, em seu artigo 2°, assegura que a publicação atenderá aos requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). O mesmo artigo prevê também que o conteúdo das publicações será assinado, digitalmente, com base em documento emitido por autoridade certificadora credenciada e que será considerado como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário Eletrônico. 32


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Tribunal Pleno aprova três novos enunciados de súmula não se aplicam à hipótese de licença para tratamento de saúde, devendo o período de afastamento correspondente àquela licença ser computado para fins de concessão da gratificação de incentivo à docência, em respeito aos princípios da moralidade, da razoabilidade e da proporcionalidade”. Os projetos de enunciado das Súmulas 110, 111 e 112 foram protocolados sob os números 805.475, 809.924 e 807.413, respectivamente, e tiveram respaldo dos estudos técnicos da Comissão de Jurisprudência e Súmula. A decisão do Pleno foi publicada em 05/12/2009, no Diário Oficial de Minas Gerais. A listagem completa dos enunciados de súmula do TCEMG, os quais sintetizam matérias pacificadas na sua jurisprudência, está disponível no portal do TCEMG, pelo link: <http://www.tce.mg.gov.br/IMG/Legislacao/Sumulas_8.pdf>. ASSCOM TCEMG

Na sessão realizada no dia 02 de dezembro de 2009, o Tribunal Pleno do TCEMG aprovou, por unanimidade, três novos enunciados de súmula propostos pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada. A Súmula 110, que versa sobre a obrigatoriedade de os órgãos e entidades públicas possuírem como mecanismos de controle os livros Razão e Diário, foi aceita com a seguinte redação: “os órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Direta e Indireta do Estado e dos Municípios deverão possuir escrituração contábil regularmente assentada nos livros Razão e Diário, observados os princípios e normas contábeis pertinentes aos registros dos atos e fatos de natureza orçamentária, financeira e patrimonial, bem como mantê-los permanentemente arquivados na respectiva sede, sob pena de responsabilização”. O cômputo do tempo ficto de serviço público foi tema da Súmula 111, fixada com o texto: “o tempo ficto de serviço público previsto no art. 1° da Lei n. 5.140/1968, recepcionado pelo art. 43 do ADCT da Constituição Estadual de 1989, será computado exclusivamente para efeito de aposentadoria ou de transferência para a inatividade”. Por sua vez, a Súmula 112 foi aprovada com o seguinte texto: “o art. 2°, § 4°, da Lei n. 8.517/1984 e o art. 8° do Decreto n. 23.559/1984

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Tribunal tem nova Instrução Normativa para o envio de dados de admissão de pessoal

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TCEMG aprovou por unanimidade, em 02/12/2009, a Instrução Normativa n. 08/2009, que versa sobre o encaminhamento dos dados sobre atos de admissão de pessoal. As novas regras vinculam as Administrações Direta e Indireta do Estado e dos Municípios. Dentre as modificações que a Instrução Normativa n. 08/09 traz em relação às que a precedem — INs n. 05/07 e 04/08 — está a obrigação de incluir a denominação atual dos cargos/empregos, de acordo com a legislação vigente, no Quadro Informativo de Pessoal Admitido por Concurso Público — Cargos/Empregos Públicos e Quantitativo de Vagas. As informações acerca da realização de concurso público para admissão de pessoal deverão, a partir da nova instrução, ser encaminhadas após a publicação do edital, por meio eletrônico, com antecedência mínima de 60 dias da data de início das inscrições do concurso, mediante preenchimento do anexo VII da instrução: o Quadro Informativo de Concurso Público. De acordo com o Presidente do TCEMG, Conselheiro Wanderley Ávila, “a reformulação do procedimento de envio de dados quanto aos concursos públicos segue as tendências mais modernas relacionadas ao controle externo. Os processos ganharão celeridade, otimizando o tempo de análise e a resposta à sociedade, e o trabalho dos técnicos terá um maior ganho em qualidade, pois a partir de informações exigidas em instrução normativa é possível avaliar os editais quanto a possível apresentação de irregularidades”. Após definir os editais a serem minuciosamente verificados, o Tribunal poderá requisitar ao órgão/entidade a remessa do edital, do comprovante de sua publicação, da cópia da legislação pertinente, do formulário constante do anexo IV desta instrução, devidamente preenchido, assim como a documentação comprobatória das demais informações constantes do anexo VII, além do parecer conclusivo do órgão de controle interno acerca do ato convocatório. Sendo constatadas ilegalidades, poderá a Corte de Contas determinar a suspensão do certame até que as adequações necessárias sejam realizadas.

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TCEMG e SEGOV firmam convênio de cooperação técnica Transacional relativas à disponibilização espontânea de Recursos Financeiros, assim como convênios e repasses oriundos do Fundo Estadual de Assistência Social e do Fundo Estadual de Saúde para os Fundos Municipais e Entidades Assistenciais. O acesso direto ao Sistema Transacional eliminará a exigência do envio mensal de certos documentos relativos à celebração de convênios pelas entidades da administração direta e indireta ao Tribunal. Agora, o TCEMG poderá obter as informações diretamente através do Sistema. O acompanhamento e a fiscalização do convênio serão realizados pela Diretoria Geral de Controle Externo do TCEMG e pela Subsecretaria de Estado da Casa Civil, por meio da equipe de coordenação do SIGCON-Saída. ASSCOM TCEMG

O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e a Secretaria de Estado de Governo firmaram o convênio de cooperação técnica para a cessão, pela SEGOV ao Tribunal, do direito de acesso ao Sistema Transacional — Sistema de Gestão de Convênios, Módulo Saída — SIGCON-Saída, e ao Armazém de Informações, gerido pela mesma Secretaria. O convênio foi assinado em 10 de dezembro de 2009 pelo Conselheiro Presidente Wanderley Ávila e pelo Secretário de Estado de Governo Danilo de Castro. A cooperação também inclui o treinamento de servidores do Tribunal para a utilização do referido sistema, sendo atribuição deste disponibilizar o local e os recursos didáticos necessários. Acessando o SIGCON-saída, o TCEMG poderá obter informações constantes no Sistema

O Presidente Wanderley Ávila assina convênio com a SEGOV

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Busca de decisões do TCEMG na internet Já está disponível, no portal do TCEMG, o Sistema TCJURIS, uma ferramenta de pesquisa livre de julgados, por meio de expressões e palavras-chave que são digitadas pelo usuário. Além do banco de dados das Consultas, que já estava disponibilizado para buscas na internet, o TCJURIS permite também o acesso a decisões do Tribunal proferidas em denúncias, representações, prestações de contas e outros processos administrativos. Não há limite para o uso de palavras-chave. Porém, quanto mais palavras digitadas, menor o número de documentos localizados, porque o sistema terá que buscar julgados que contenham todas elas. Quando o usuário tiver certeza da palavra ou expressão a ser pesquisada, é importante que ela seja colocada entre aspas, para aumentar a exatidão da busca. Além da possibilidade de se procurar julgados por meio de pesquisa livre, o sistema

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permite também a pesquisa direcionada de decisões, viabilizada por diversos campos, como relator, data da sessão, nome da parte e natureza do feito. O TCJURIS foi desenvolvido pela Diretoria de Tecnologia da Informação do Tribunal, em parceria com a Coordenadoria da Biblioteca, a Coordenadoria de Taquigrafia e a Comissão de Jurisprudência e Súmula. Conforme afirma o Diretor de Tecnologia da Informação, Armando de Jesus Grandioso, “a divulgação das decisões atende ao escopo educacional dos Tribunais de Contas, possibilitando que os jurisdicionados se orientem adequadamente acerca das exigências firmadas à boa gestão de recursos públicos, e subsidiando, também, o desenvolvimento eficiente das atribuições afetas aos órgãos técnicos da própria Corte”. O TCJURIS está disponível no tópico Jurisprudência do menu rápido do portal do TCEMG <www.tce.mg.gov.br>.


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Conselheiro destaca o papel do TCE na fiscalização de concursos públicos

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O Auditor e Conselheiro em exercício do TCEMG, Gilberto Diniz, em seu artigo intitulado Direito e Justiça — Legitimidade para exame de edital de concurso público, enfatiza a legitimidade das Cortes de Contas para examinarem os editais de concurso público a fim de aprimorar as ações de fiscalização com vistas ao efetivo exercício do controle externo, especialmente no que se refere à análise da legalidade das admissões de pessoal. Direito e Justiça — Legitimidade para exame de edital de concurso público O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, ao examinar a legalidade de edital de concurso para provimento de cargos ou empregos públicos, depois de publicado o ato e antes de concluído o certame, dá mais uma demonstração de busca contínua pelo aprimoramento de suas ações de fiscalização.

pela própria Carta Política, nomeações para car-

A legitimidade para o exercício de tão relevante atribuição, se não for textual, é consectário lógico-jurídico da competência que lhe outorga a Constituição da República de 1988, art. 71, III. Chegar a essa conclusão não é como aprender o idioma japonês em braile, expressão cunhada pelo cancioneiro popular para designar o que é difícil ou duvidoso. Basta singela exegese das normas da Lex Mater. Senão vejamos.

de conjunto de atos e procedimentos, entre os

Segundo o indigitado preceptivo constitucional, à Corte de Contas cabe apreciar, para fim de registro, a legalidade das admissões de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão. Comando análogo está inserto no inc. V do art. 76 da Constituição mineira de 1989.

lei de livre nomeação e exoneração.

A admissão de pessoal na Administração Pública, com efeito — observadas as exceções feitas

gos em comissão (art. 37, II) e alguns vitalícios (arts. 73, §§ 1° e 2°; 94; 101 e 104, parágrafos únicos), contratação temporária por excepcional interesse público (art. 37, IX), aproveitamento de ex-combatente (art. 53, I, ADCT) —, resulta quais, o concurso público de provas ou de provas e títulos. Isso ressai com todas as letras, a propósito, do pré-citado inc. II do art. 37 constitucional, que estatui: a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em O concurso público, como cediço, é procedimento administrativo que visa a aferir aptidões pessoais e, por conseguinte, selecionar os melhores candidatos para o provimento de cargos ou empregos públicos. Homenageiam-se, assim, o mérito do candidato e os princípios da legalidade, da competição, da isonomia, da impessoalidade e da moralidade administrativa. Ao conferir aos Tribunais de Contas a aludida competência, a Constituição atribuiu-lhes poder

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para examinar a legalidade de edital de concurso, que compõe, repita-se, o conjunto de procedimentos e atos legalmente exigidos para o provimento de cargos ou empregos públicos, excetuadas aquelas hipóteses previstas na Lei Fundamental.

análise sob comento para atingir o fim colimado pela Constituição, bem assim a legitimidade dos Tribunais de Contas para efetivá-la, ainda mais sendo certo que esses mesmos órgãos podem decidir pela ilegalidade da admissão.

Para José dos Santos Carvalho Filho, quando a lei o exige, a eficácia e validade do ato final estão condicionadas à realização de procedimento regular, que está sujeito à verificação da legalidade em cada uma das fases que o constitui (In: Manual de Direito Administrativo, Lumen Juris: RJ, 13. ed., 2005, p. 120).

Essa forma de atuação, em verdade, objetiva tornar eficiente e eficaz o julgamento sobre a admissão de pessoal. Isso porque se evita, a princípio, a negativa de registro do ato admissional, a posteriori, em virtude de ulterior verificação de ilegalidade insanável na fase interna ou no correspondente edital de convocação do concurso público. Previnem-se, dessa forma, dano ao erário e lesão a direito subjetivo de terceiro.

Ainda a esse respeito, no voto proferido no Mandado de Segurança 24.510-DF, quando citou o célebre caso McCulloch v. Maryland (1819), decidido pela Suprema Corte dos EUA, o Ministro Celso de Mello pontificou que a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos. O exame de edital de concurso público pelos órgãos de controle externo, em rigor, constitui meio essencial e necessário para atingir o desiderato da Constituição. É que, nessa análise, são verificados requisitos intrínsecos ao provimento pretendido, entre os quais, se os cargos postos em disputa foram criados por lei, se a respectiva remuneração foi fixada ou alterada por lei específica, se foram observadas as cautelas de natureza orçamentária e financeira para a admissão de pessoal, por exemplo, aquelas prescritas na CF/88, art. 37, XIII e art. 169, § 1°, e na LC n. 101/00, arts. 16 e 17. Essa aferição não se limita, pois, a checar se as exigências editalícias são legais e razoáveis, de acordo com a natureza e complexidade das funções dos cargos ou empregos públicos, as quais, uma vez publicadas, iniciam a fase externa do certame. Vale dizer, a verificação abarca também aqueles atos, procedimentos e operações que antecedem e culminam na mencionada etapa, os quais são denominados, em contraposição àquela outra, de fase interna do concurso público. Nessa ordem de ideias, e em homenagem aos princípios que regem a Administração Pública, notadamente os da legalidade, da razoabilidade e da eficiência, é inconteste a imprescindibilidade da

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A sociedade moderna, de fato, passa a reconhecer como disfunção do controle manifestação sobre dano ocorrido e identificação dos responsáveis, por caracterizar mera verificação e registro do descontrole. Cobra-se, hodiernamente, fiscalização oportuna, pois o controle externo somente será eficaz e efetivo quando contribuir, a tempo e modo, para a boa gestão dos recursos públicos. Não bastassem tais razões, a legitimidade para a ação de fiscalização em destaque encontra respaldo, ainda, no dever-poder garantido às Cortes de Contas de fixar prazo para que o administrador público sane ilegalidades constatadas na apreciação de atos sujeitos ao crivo do controle externo, podendo, até, sustar a continuidade deles, com vista a assegurar a efetividade de sua decisão, consoante prescrevem os incs. IX e X do art. 71 da vigente Lei Maior da República de 1988, cujas normas correspondentes na Constituição mineira de 1989 estão inseridas nos incs. XVI e XVII do art. 76. O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, portanto, ao examinar a legalidade de edital de concurso público, logo após a publicação do ato e antes de o certame terminar, atua de forma preventiva e pauta seu proceder nas bem demarcadas competências estatuídas na Lex Legum. Com isso, atende o crescente anseio da sociedade, que percebe, cada vez mais, os órgãos de controle externo como instrumentos de exercício da cidadania e salvaguardas do regime democrático.


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Matriz de risco, seletividade e materialidade: paradigmas qualitativos para a efetividade das Entidades de Fiscalização Superiores*

Licurgo Joseph Mourão de Oliveira1 Gélzio Gonçalves Viana Filho2

Resumo: Este trabalho aponta para uma alternativa que visa ao equacionamento do problema dos elevados estoques de processos de prestações de contas nas EFS do Brasil, por meio da ferramenta de auditoria denominada matriz de risco. A utilização de uma matriz de risco irá nortear o gerenciamento dos riscos da entidade, como meio de garantir que o exercício do controle seja efetivo. A consolidação da matriz direcionará os esforços de fiscalização às matérias de maior relevância e aos jurisdicionados com maior movimentação de recursos públicos. Tal metodologia é indicada pelo Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission — COSO. Palavras-chave: Controle. Matriz de risco. Seletividade. Abstract: This study points to an alternative which aims at solving the problem of large amounts of pending accounting cases at SAI in Brazil, by using the auditing tool called “risk matrix”. The use of this risk matrix will guide the management of risks inside the entity, so as to provide a means to safeguard the effectiveness of controlling actions. The consolidation of the risk matrix tool will direct inspection efforts towards more relevant issues and the administration which handle more public funds. This methodology is recommended by the Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission — COSO. * Trabalho agraciado com o 1° lugar no XII Concurso Anual de Investigação “Omar Lynch”, em 2009, promovido pela Organização Latino-Americana e do Caribe de Entidades de Fiscalização Superiores — OLACEFS. O trabalho foi produzido com dados do projeto de otimização das ações referentes à análise e processamento das prestações de contas anuais, estabelecido na gestão do Conselheiro Wanderley Ávila por meio da Resolução TCEMG n. 04/2009. 1 Auditor do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais; palestrante e conferencista; mestre em Direito Econômico; pós-graduado em Contabilidade Pública, Controladoria Governamental e em Direito Administrativo; bacharel em Direito e em Administração de Empresas; ex-advogado; ex-auditor das contas públicas; ex-auditor tributário; ex-professor da Universidade Federal de Pernambuco — UFPE, nas cadeiras de “Orçamento e Finanças Públicas” e “Contabilidade e Auditoria do Setor Público”; professor em cursos de capacitação e de Pós-graduação nas Universidades de Pernambuco — UPE, e Centro Integrado de Ensino superior da Amazônia — CIESA, nas áreas de Direito Administrativo, Financeiro e Econômico, Controle Externo, Responsabilidade Fiscal, Contabilidade Pública, Auditoria Governamental e Controle Gerencial; instrutor da Escola de Administração Fazendária — ESAF do Ministério da Fazenda, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Escola de Contas Públicas; ex-membro do Instituto Transparência Brasil, associado à Transparency International América Latina y Caribe.

Inspetor de Controle Externo do Tribunal de Contas de Minas Gerais e Perito Contábil; pós-graduado em Controle Externo da Gestão Pública Contemporânea pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Minas Gerais — UFMG; Técnico em Contabilidade pelo Instituto Municipal de Administração e Ciências Contábeis de Belo Horizonte — IMACO; ex-contador de empresa líder no mercado nacional em softwares para área contábil e em softwares de gestão Enterprise Resouce Planning — ERP; ex-sócio-gerente de empresa contábil prestadora de serviços a aziendas de diversos segmentos, como indústrias, comércios, prestadoras de serviços, tecnológicas, fundações, associações, sindicatos e OSCIPs; ex-consultor empresarial, fiscal, tributário e em integração ERP de sistemas contábeis e administrativos.

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Keywords: Control. Risk matrix. Selectivity.

1 Introdução A República Federativa do Brasil3 é formada pelo ente federativo central, a União, e pelos demais entes federativos, quais sejam, 26 Estados, o Distrito Federal e cerca de 5.564 Municípios. São poderes estatais independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. O controle externo das contas públicas no Brasil está a cargo do Poder Legislativo, sendo esse controle exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas, que são Entidades de Fiscalização Superiores — EFS —, independentes e autônomas, às quais competem, nos termos do art. 71 da Constituição da República de 1988: — apreciar as contas prestadas anualmente pelo chefe do Poder Executivo, mediante parecer prévio; — julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; — apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; — realizar inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades públicas; — fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social o Poder Público participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; — fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados entre os entes federados mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres; — prestar as informações solicitadas pelo Poder Legislativo sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; — aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; 3 BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm>. Acesso em: 26/jul./2009.

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— assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

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— sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão ao Poder Legislativo; — representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. A Carta Magna brasileira assegura aos membros dos Tribunais de Contas os mesmos direitos, garantias, impedimentos e prerrogativas dos membros do Poder Judiciário, ainda que tais EFS não se situem nesse e em nenhum dos demais Poderes, a exemplo do Ministério Público. No Brasil há, atualmente, 34 Entidades de Fiscalização Superiores, sendo que, dos 26 Estados, 22 deles contam com um Tribunal de Contas que fiscaliza contas do Estado e de seus Municípios, outros 4 Estados possuem um Tribunal de Contas específico para as contas estaduais e outro específico para as contas municipais, o Distrito Federal possui um Tribunal de Contas para as contas distritais; dois únicos Municípios, Rio de Janeiro e São Paulo, possuem seu respectivo Tribunal de Contas, exclusivamente para a fiscalização de suas contas e, por fim, o Tribunal de Contas da União que fiscaliza as aplicações de recursos federais provenientes do governo central, a União. Minas Gerais4 é um dos 26 Estados brasileiros, sendo um dos 22 que possui um único Tribunal de Contas para exercer o controle externo das contas do Estado e dos Municípios. O Estado é o quarto maior em extensão territorial, 586.528 km², semelhante à da França e está localizado na região sudeste do Brasil, tendo por limites, ao sul e sudoeste, o Estado de São Paulo, a oeste, o Estado de Mato Grosso do Sul, a noroeste, o Estado de Goiás, incluindo uma pequena divisa com o Distrito Federal, a leste, o Estado do Espírito Santo, a sudeste, o Estado do Rio de Janeiro e, a norte e nordeste, o Estado da Bahia. O Estado é o segundo mais populoso do Brasil, com mais de 19 milhões de habitantes, aferidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE/2007. Também é o maior Estado brasileiro em número de municípios, 853 no total. Sua capital é a cidade de Belo Horizonte, cuja região metropolitana é a terceira maior do Brasil, abrigando cerca de 5 milhões de habitantes. Quem nasce em Minas Gerais é denominado mineiro. O terceiro maior Produto Interno Bruto — PIB do Brasil é de Minas Gerais, superado apenas pelos Estados de São Paulo e do rio de Janeiro, embora, por um importante indicador de capacidade econômica, a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transportes Interestaduais e Intermunicipais-ICMS, Minas venha superando o Estado do Rio de Janeiro na classificação nacional. Minas é muito importante também sob o aspecto histórico; cidades erguidas durante o ciclo do ouro, no século XVIII, consolidaram a colonização do interior do país e estão espalhadas por todo o Estado. Alguns eventos marcantes da história brasileira, como a Inconfidência Mineira, a Revolução de 1930 e o Golpe Militar de 1964 foram arquitetados em Minas Gerais. 4 WIKIPÉDIA, enciclopédia livre. Minas Gerais. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Minas_Gerais>. Acesso em: 28/ jun./2009.

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No estudo de caso empreendido, a EFS mineira demonstrava um elevado estoque de processos de prestações de contas municipais que ainda não tinham sido objeto de análise inicial pelo órgão técnico. Essa situação, comumente vivenciada pelas Entidades de Fiscalização Superiores do Brasil, é um paradigma negativo que precisa ser combatido de forma ousada e determinada, pois a demora nas análises das contas traz prejuízos irreversíveis para a efetividade do controle esperada pela sociedade que anseia por uma atuação mais eficaz por parte dos órgãos de controle. Ademais, a sensação de impunidade incentiva a disseminação da corrupção na administração pública, notadamente, se em razão da morosidade, ocorre a prescrição de eventual ação de responsabilização dos agentes causadores de danos ao erário por atos ilegais, ilegítimos ou antieconômicos. O presente trabalho apresenta uma alternativa exitosa de solução para esse problema, fundamentada nas normas e princípios de Auditoria Contábil, a partir de dados amostrais e planilhas elaboradas com base na metodologia fundada nos conceitos de matriz de risco, assim entendida como uma ferramenta utilizada em procedimentos de controle interno, com o objetivo de diagnosticar a situação dos processos de contas municipais. Para isso, foram utilizados números levantados no sistema informatizado de apoio à gestão dos processos de contas, informações obtidas do órgão técnico responsável pelos procedimentos de auditoria e informações relativas às deliberações do órgão julgador da EFS no exercício de 2008. O trabalho técnico apresenta os resultados de um esforço concentrado, temporário e racional, como meio de zerar o estoque de processos pendentes de instrução processual, utilizando-se para tanto da otimização da análise, tornando-a mais qualitativa quanto às ocorrências verificadas nos processos de julgamentos e emissões de pareceres prévios de contas municipais.

2 Justificativas 2.1 Em relação às Entidades de Fiscalização Superiores Ultimamente, vem sendo divulgada à sociedade brasileira uma gama de publicidade negativa acerca dos trabalhos das Entidades de Fiscalização Superiores do Brasil, notadamente quanto à morosidade e pouca efetividade de suas decisões. A falta de recursos humanos e de outros insumos na linha de produção do controle exercido impacta os resultados das EFS brasileiras, por mais competentes e eficientes que sejam os técnicos e julgadores envolvidos. Entretanto, tal aspecto estrutural não impede o estabelecimento de uma agenda positiva por parte das EFS, uma vez que há, a despeito de todas as dificuldades, importantes resultados a serem evidenciados, e procedimentos que podem ser otimizados, notadamente aqueles que dizem respeito à celeridade processual.

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2.2 Em relação à sociedade

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No que toca aos órgãos de controle incumbidos desse mister, o que a sociedade brasileira espera é uma maior efetividade. De nada adianta a apreciação de um processo depois de decorridos anos do acontecimento dos fatos sindicados, se os administradores públicos, eventualmente ímprobos, continuarem sendo reeleitos e/ou nomeados para funções estratégicas para as quais não mais deveriam estar habilitados. A atuação tempestiva dos órgãos de controle, principalmente se forem constatados atos que resultaram em prejuízo ao erário, evitaria a ocorrência de tais fatos. Como resposta à sociedade, as entidades de fiscalização superiores devem demonstrar mais eficácia nas análises das contas dos administradores públicos, notadamente das municipais, em razão de seu elevado estoque, analisando-as tempestivamente, para alcançar, tanto quanto possível, o mandato ainda vigente.

3 Definição do problema A EFS mineira possui cerca de 2.150 jurisdicionados que anualmente prestam contas municipais, sendo que, dessas, 853 são contas dos chefes do Poder Executivo municipal, sobre as quais o órgão de controle tem o dever de emitir parecer prévio em 360 dias, conforme disposto no caput do art. 42 da Lei Complementar 102/2008.5 Os 853 prefeitos dos municípios mineiros, conforme o art. 42, § 1º, da citada lei, têm 90 dias, a contar do encerramento do exercício, para apresentar as contas do município, sendo que, de acordo com os dados do sistema informatizado de apoio à gestão dos processos de contas, existiam 2.670 processos de prestações de contas do Executivo municipal aguardando a análise inicial, sendo 847 do exercício de 2008.

4 Hipótese O levantamento estatístico procedido revelou, conforme se constata adiante, que as contas mais recentes tiveram uma participação ínfima na quantidade de processos levados à apreciação em 2008. Tal fato deveu-se ao extenso prazo de tramitação dos processos, desde a instrução inicial, passando pela abertura de vista, pelo reexame, com a manifestação do Ministério Público, até chegarem conclusos ao relator, de modo a serem levados à câmara de julgamento. O relatório anual de atividades6 da EFS mineira demonstra que, no exercício de 2008, foram apreciados 1.061 processos de contas municipais pelas câmaras de julgamento. Dessa forma, os números mais recentes revelam que, para cada dois processos de contas anuais que dão entrada nesse órgão por ano, ocorria apenas uma deliberação (2.150 x 1.061) cujo tempo médio de tramitação girava em torno de 6.921 dias. 5 MINAS GERAIS. Lei Complementar n. 102 de 17 de janeiro de 2008. Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Publicada no Diário Oficial de Minas Gerais de 18/jan./ 2008. 6 TRIBUNAL DE CONTAS DE MINAS GERAIS. Relatório de atividades anual de 2008. Disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br/img/ PrestaContas/RELATORIOS/2008/RAA_2008.PDF>. Acesso em: 19/jul./ 2009.

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Diante desse panorama de delonga da análise das contas mais recentes, constata-se também o atraso nas decisões interlocutórias dos relatores dos processos, como a abertura de vista aos interessados sobre as ocorrências contra eles apuradas e, dessa maneira, também se tornam difíceis os esclarecimentos pelos gestores ou a aplicação de penalidades aos responsáveis, frente às ocorrências apontadas, pois, diversas vezes, devido ao decurso do tempo, a citação postal revela-se frustrada por razões variadas, procedendo-se então à citação ou intimação pessoal ou via edital. Essa situação, na grande maioria dos casos, pode resultar em não manifestação dos interessados, por meio da apresentação de defesa e/ou esclarecimentos sobre as ocorrências, prevalecendo os apontamentos do relatório técnico na sua quase totalidade, com riscos potenciais ao devido processo legal, em razão da posterior configuração, em processo judicial, do cerceamento de defesa, o que deságua na pouca efetividade das decisões das EFS. Tal situação demonstraria um controle externo com pouca eficácia na sua missão institucional.

5 Objetivos É objetivo do presente trabalho fixar uma matriz de risco para as EFS, sendo essa essencial para a verificação dos eventos que geram impactos negativos, positivos ou ambos, em sua efetividade.

5.1 Objetivos gerais Os números levantados na EFS mineira — quase 50% dos processos apreciados em uma das câmaras de julgamento do órgão, no exercício de 2008 — demonstram uma dispersão dos esforços de auditagem empreendidos pelo controle externo, o que se constata diante da sempre crescente elevação do estoque, a despeito da evolução tecnológica, dos esforços dos servidores e das chefias imediatas e da alocação permanente de recursos materiais e humanos. O objetivo geral é a propositura de procedimentos de auditagem otimizados para a instrução inicial dos processos de contas municipais de forma a responsabilizar tempestivamente eventuais administradores públicos ímprobos. Nesse sentido, implica a concentração de esforços nas matérias que influenciam a formação do juízo dos relatores dos processos, gerando, por sua relevância e materialidade, maiores repercussões ao se considerar as contas regulares ou não, ou seja, as que resultam na emissão dos pareceres prévios pela rejeição e nas que resultam no julgamento das contas pela irregularidade. Entretanto, insta salientar que as matérias que frequentemente redundam em simples recomendações ou ensejam a realização de inspeções posteriores para melhor instrução processual não serão ignoradas, devendo ser abordadas em momento processual posterior. Ou seja, a abordagem qualitativa não relegará elementos importantes, embora irrelevantes, em alguns casos, para a formação de juízo de valor por parte dos relatores dos processos. Ao contrário, propiciará uma visão direcionada para aqueles fatos materialmente mais relevantes. 46


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Ressalte-se que essa análise qualitativa, calcada nas normas gerais de auditoria pública da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores — Intosai,7 é tecnicamente admitida, segundo a normatização estabelecida, verbis:

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14. Os postulados básicos de auditoria estipulam que: A EFS deve usar sua própria capacidade de julgamento nas diversas situações que se apresentem no exercício de sua função fiscalizadora. 15. As informações comprobatórias desempenham um papel importante na decisão do auditor quanto à seleção das questões e áreas a serem auditadas, assim como quanto à natureza, cronograma e extensão dos exames e procedimentos de auditoria (grifos nossos).

5.2 Objetivos específicos O objetivo específico é propiciar, com a otimização empreendida, a redução em 50% do tempo médio necessário para a emissão de parecer prévio e de julgamento de contas, alcançando o prazo legal máximo de 360 dias, aí incluídos a instrução inicial (60 dias) e as diversas etapas processuais até a emissão do parecer prévio ou julgamento das contas do gestor (300 dias).

6 Metodologia de investigação utilizada 6.1 Metodologia de abordagem empregada O método de abordagem dedutivo utilizado, baseado em amostragem estatística procedida, revelou-se eficaz no planejamento das ações, devendo ser ampliado e estendido às demais naturezas de processos e não somente às prestações de contas dos chefes do Poder Executivo municipal. As ocorrências registradas na amostragem de 419 processos de contas municipais apreciados pela câmara de julgamento do órgão pesquisado em 2008 evidenciaram três modalidades de contas, ou seja, os pareceres prévios das contas dos prefeitos, os julgamentos das contas dos gestores das Câmaras Municipais e os julgamentos das contas dos gestores das entidades da Administração Indireta Municipal, uma vez que a análise inicial é feita respectivamente pelos órgãos técnicos distintos, dessa forma, a análise foi dividida para essas três categorias de contas.

6.2 Metodologia de procedimento empregada O método de procedimento utilizado foi o estudo de caso, o qual corresponde à observação de determinadas organizações, instituições, indivíduos, entre outros, com o objetivo de obter generalizações e conclusões a partir do segmento pesquisado. O estudo de caso envolveu 419 processos de prestação de contas municipais, apreciados por uma das câmaras de julgamento da EFS mineira em 2008, cujos resultados são expostos no item 9 do presente trabalho.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE ENTIDADES FISCALIZADORAS SUPERIORES — Intosai. Normas de Auditoria do Intosai. Tradução do Tribunal de Contas da União 1. ed. Salvador: Tribunal de Contas do Estado da Bahia, 1995.

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7 Alcance Como pôde ser percebido do estudo de caso levantado, o atual alcance do trabalho de auditagem precisa ser otimizado. A grande maioria das ocorrências são erros formais, cujas consequências são recomendações do órgão de controle externo pesquisado para que os gestores atuais procedam de forma diferente das administrações passadas. Com relação a essas ocorrências, uma vez que se revestem de um caráter geral, o órgão de controle poderia proceder a recomendações a qualquer tempo, até mesmo antes de se analisar as prestações de contas, pois, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal — STF brasileiro, as recomendações dos Tribunais de Contas não possuem caráter impositivo. Eis a decisão do STF, em mandado de segurança8 impetrado pelo Incra: MANDADO DE SEGURANÇA — ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO — SIMPLES RECOMENDAÇÃO — ILEGITIMIDADE PASSIVA — PRECEDENTES. 1. Eis as informações prestadas pelo Gabinete: Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo INCRA contra ato do ÓRGÃO DE CONTROLE EXTERNO da União que recomendou à autarquia federal, no item 9.4.2 do Acórdão n. 1.660/2006, a alteração dos procedimentos de desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, no sentido de que a publicação do decreto presidencial só aconteça após a expedição da licença ambiental prévia relativa ao projeto de assentamento. O julgamento ocorreu em 13.6.2006 (folha 1441 do apenso 7) e o presidente do INCRA alega ter sido notificado da decisão em 24.11.2006 (folha 1446 do apenso 7). No dia 29.12.2006 publicou-se a Resolução CONAMA n. 387/06, alterando a regra anterior, da Resolução CONAMA n. 289/01. Formulou-se recurso, sem efeito suspensivo, ante a superveniência da mudança normativa. Sustenta violação ao direito líquido e certo contido no artigo 225, § 1°, inciso IV, da Constituição da República, no inciso IV do artigo 9° e artigo 10° da Lei n. 6.938/1981, nos artigos 55 a 72 da Lei n. 4.504/1964, e nas Resoluções CONAMA n. 289/01 e n. 387/2006. Assevera que o ato inviabiliza a continuidade da reforma agrária no país, tendo em conta apenas ser permitida a entrada no imóvel de técnicos do INCRA, para a inspeção ambiental, após a publicação do Decreto do Presidente e que alguns Estados não efetuam o licenciamento ambiental enquanto o decreto não assevera que o ato inviabiliza a continuidade da reforma agrária no país, tendo em conta apenas ser permitida a entrada no imóvel de técnicos do INCRA, para a inspeção ambiental, após a publicação do Decreto do Presidente e que alguns Estados não efetuam o licenciamento ambiental enquanto o decreto não for publicado. Alfim, requer a concessão de liminar para suspender o ato. 2. Os precedentes desta Corte são no sentido da inadequação do mandado de segurança contra ato do ÓRGÃO DE CONTROLE EXTERNO da União que não possua caráter impositivo — Mandado de Segurança n. 21.683-2/RJ, relatado pelo ministro Moreira Alves, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 16 de dezembro de 1994, e Mandados de Segurança n. 21.462-7/DF e 21.519-4/PR, para cujos acórdãos foi designado redator o ministro Moreira Alves, os quais foram publicados, respectivamente, no Diário da Justiça de 29 de abril de 1994 e 29 de agosto de 1997. 3. Ante o quadro, nego seguimento ao pedido formulado. 4. Publiquem. Brasília, 2 de maio de 2007. Ministro MARCO AURÉLIO Relator (grifos nossos). 8

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 26.503. Relator: Ministro Marco Aurélio.


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A recomendação a todos os jurisdicionados acerca das ocorrências mais frequentes pode reduzir também essas ocorrências nas futuras prestações de contas e facilitar os trabalhos a cargo do órgão de controle externo.

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Os levantamentos desse trabalho mostram que, além das recomendações decorrentes das ressalvas às prestações de contas municipais, várias ocorrências não puderam ser tipificadas nos processos de prestações de contas, em razão da insuficiente instrução processual. Para a efetividade do controle externo da Entidade de Fiscalização Superior, tais ocorrências teriam que ser verificadas in loco, em um momento mais oportuno. Outras ressalvas demonstram que determinadas ocorrências não deveriam ser tratadas nos processos de emissão de parecer prévio, uma vez que corresponderiam a matérias sujeitas ao julgamento por parte do órgão de controle externo, embora, ressalte-se que atos de gestão do prefeito, sujeitos a julgamento, enquanto ordenador de despesas, podem influenciar a formação de juízo quanto ao parecer prévio a ser emitido. Para maior otimização dos trabalhos, e uma análise mais qualitativa e tempestiva, algumas matérias, de acordo com a técnica de auditoria já exposta, deveriam ser excluídas das amostras relativas aos processos de prestações de contas em estoque, quais sejam: 1. aquelas que sempre acarretam recomendações por parte do órgão de controle; 2. as que devam ser verificadas in loco; 3. e as matérias que sujeitam o julgamento do prefeito, enquanto ordenador de despesas, que estão inseridas nos relatórios técnicos de processos sobre os quais o órgão de controle apenas emite parecer prévio. Dessa maneira, os técnicos de auditoria da EFS mineira responsáveis pelas análises das contas procederiam a um exame otimimizado mais qualitativo, abrangendo, então, as verificações expostas a seguir, diminuindo seu alcance, embora incrementando, sobremaneira, a qualidade da análise.

7.1 Para emissão de parecer prévio De acordo com as decisões do órgão pesquisado em 2008, com relação às matérias mais frequentes e que influenciam na formação do juízo para a emissão do parecer prévio das contas dos chefes dos Poderes Executivos municipais, ficou estabelecida a seguinte delimitação para análise prioritária pelo órgão técnico: 1. abertura de créditos adicionais sem cobertura legal — art. 42 da Lei 4.320/64; 2. repasse para a Câmara Municipal sem observar o limite estabelecido no art. 29-A da CR/88; 3. falta de aplicação do mínimo na saúde — art. 77 dos ADCT; 49


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4. não aplicação do mínimo na manutenção e desenvolvimento do ensino — art. 212 da CR/88.

7.2 Para julgamento das contas dos gestores de Câmaras Conforme revelou a amostra, as matérias mais frequentes e influidoras na formação do juízo para o julgamento das contas anuais dos gestores das Câmaras Municipais devem ser delimitadas para análise pelo órgão técnico na seguinte ordem de prioridade: 1. recebimento a maior pelos vereadores — inciso VI do art. 29 e §§ 6° e 7° do art. 57 da CF/88; 2. diferença nas contas em relação aos demonstrativos anteriores que geraram prejuízo ao erário; 3. despesa com publicidade desacompanhada da matéria veiculada.

7.3 Para julgamento das contas dos gestores das entidades das administrações indiretas municipais As matérias mais frequentes e influidoras na formação do juízo para o julgamento das contas anuais dos gestores das entidades das administrações indiretas municipais, devem ser delimitadas para análise pelo órgão técnico na seguinte ordem de prioridade: 1. abertura de créditos adicionais sem cobertura legal pelo prefeito, o que enseja despesas sem cobertura legal por parte da entidade — art. 42 da Lei 4.320/64; 2. diferenças em contas, em relação aos demonstrativos anteriores, que geraram prejuízo ao erário; 3. depósitos em instituições financeiras não oficiais — § 3° do art. 164 da Constituição da República e art. 43 da LC n. 101/2000; 4. empréstimos concedidos com recursos previdenciários — art. 43, § 2°, II, LC n. 101/2000.

8 Fundamentação teórica Uma ferramenta adequada à persecução dos objetivos de qualquer entidade é, nada mais nada menos, que o controle interno, definido assim pela Intosai:9 Controle interno é um processo integrado, efetuado pela direção e corpo de funcionários, e é estruturado para enfrentar os riscos e fornecer razoável segurança de que na consecução da missão da entidade, os seguintes objetivos 9 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE ENTIDADES FISCALIZADORAS SUPERIORES. Diretrizes para as normas de controle interno do setor público. Tradução de Cristina Maria Cunha Guerreiro, Delanise Costa e Soraia de Oliveira Ruther. Salvador: Tribunal de Contas do Estado da Bahia, 2007, p. 19.

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gerais serão alcançados:

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• execução ordenada, ética, econômica, eficiente e eficaz das operações; • cumprimento das obrigações de accountability; • cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis; • salvaguarda dos recursos para evitar perdas, mau uso e dano. O controle interno é um processo integrado e dinâmico que se adapta continuamente às mudanças enfrentadas pela organização. A direção e o corpo de funcionários, de todos os níveis, devem estar envolvidos nesse processo, para enfrentar os riscos e oferecer razoável segurança do alcance da missão institucional e dos objetivos gerais.

Uma vez que se encontram inseridos na estrutura da Administração Pública, ainda que não se situem em nenhum dos três Poderes dos entes federados, as EFS brasileiras necessitam também manter um sistema de controle interno para assegurar que seus objetivos serão atingidos. Dessa maneira, para alcançar os seus fins institucionais, que nesse caso é o exercício da fiscalização das contas públicas, as EFS devem se valer dos trabalhos realizados pelos sistemas de controles internos de seus jurisdicionados e também de seus próprios sistemas de controle interno como uma ferramenta para minimizar os riscos de sua atuação e atingir, de forma mais eficiente, seus objetivos institucionais. A matriz de risco é uma das ferramentas utilizadas pelos controles internos das corporações e consagrada no gerenciamento desses riscos. Sua aplicabilidade foi mais bem difundida pelo Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission — COSO.10 O Instituto dos Auditores Internos do Brasil — Audibra é ligado ao COSO,11 através do Institute of Internal Auditors, tendo desenvolvido em conjunto com a Pricewaterhouse Coopers, empresa de auditoria e assessoria empresarial, uma ferramenta de gerenciamento e avaliação dos próprios riscos, cujo delineamento foi exposto em 2002, denominada Gerenciamento de Riscos Corporativos — Estrutura Integrada. A referida obra assevera que o período de desenvolvimento da ferramenta de gerenciamento de riscos foi marcado por escândalos e quebras de negócios de grande repercussão, o que gerou prejuízos de grande monta a investidores, empregados e outras partes interessadas. Em consequência, houve reclamos por melhorias nos processos de governança corporativa e de gerenciamento de riscos, mediante a edição de novas leis, de regulamentos e de padrões a serem seguidos. Dentre as repercussões, destaca-se o ato Sarbanes-Oxley, de 2002, nos Estados Unidos, que inspirou outros países a promulgarem legislações semelhantes. De acordo com o COSO, essas legislações ampliam a exigência de que as companhias abertas mantenham sistemas de controle interno, demandem a certificação da administração e contratem os serviços de COMMITTEE OF SPONSORING ORGANIZATIONS OF THE TREADWAY COMMISSION. Gerenciamento de Riscos Corporativos — estrutura integrada. Disponível em: <http://www.coso.org/documenst/COSO_ERM_ExecutiveSummary_Portuguese.pdf>. Acesso em: 28/ jun./2009.

10

O COSO é uma organização privada criada nos EUA em 1985 para prevenir e evitar fraudes nas demonstrações contábeis das empresas. A organização é formada por representantes da American Accounting Association, American Institute of Certified Public Accountants, Financial Executives Internationl, Institute of Managements Accountants e pelo Institute of Internal Auditors.

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auditores independentes para atestar a eficácia dos referidos sistemas. Para um bom gerenciamento de riscos corporativos, o COSO12 assim orienta: A premissa inerente ao gerenciamento de riscos corporativos é que toda organização existe para gerar valor às partes interessadas. Todas as organizações enfrentam incertezas, e o desafio de seus administradores é determinar até que ponto aceitar essa incerteza, assim como definir como essa incerteza pode interferir no esforço para gerar valor às partes interessadas. Incertezas representam riscos e oportunidades, com potencial para destruir ou agregar valor. O gerenciamento de riscos corporativos possibilita aos administradores tratar com eficácia as incertezas, bem como os riscos e as oportunidades a elas associadas, a fim de melhorar a capacidade de gerar valor (...) O valor é maximizado quando a organização estabelece estratégias e objetivos para alcançar o equilíbrio ideal entre as metas de crescimento e de retorno de investimentos e os riscos a elas associados, e para explorar os seus recursos com eficácia e eficiência na busca dos objetivos da organização (...) O gerenciamento de riscos corporativos contribui para assegurar comunicação eficaz e o cumprimento de leis e regulamentos, bem como evitar danos à reputação da organização e suas consequências. Em suma, o gerenciamento de riscos corporativos ajuda a organização a atingir seus objetivos e a evitar os perigos e surpresas em seu percurso (grifos nossos).

De acordo com o COSO, o gerenciamento dos riscos corporativos passa pelos oito componentes básicos a seguir: a) avaliar o ambiente de controle; b) traçar os objetivos; c) identificar os eventos; d) avaliar os riscos; e) observar a resposta e o tratamento aos riscos; f) controlar; g) informar e comunicar; h) monitorar. Por fim, o COSO orienta que esses oito componentes de análise de risco devem ser observados sob uma ótica tridimensional, relacionando entre si, de um lado e de outro, os objetivos da organização e, por fim, integrando também as suas diversas unidades. Esses componentes, adaptados à realidade das EFS são fundamentais para que seus controles internos possam contribuir para uma maior celeridade na análise de processos de contas municipais. Uma vez avaliadas e selecionadas as matérias às quais será dada a prioridade, é preciso criar mecanismos para garantir que a análise não fuja do foco principal, isto é, das matérias mais relevantes na formação do juízo que ensejarão parecer prévio pela rejeição das contas dos chefes do Poder Executivo municipal ou julgamento das contas dos gestores municipais pela irregularidade. Dessa forma é necessário programar a auditoria.

12

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COMMITTEE OF SPONSORING ORGANIZATIONS OF THE TREADWAY COMMISSION. op. cit., p. 3.


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A necessidade de padronização da análise implica a busca do registro dos procedimentos realizados e o acompanhamento da qualidade da auditoria. Sendo assim, necessário é adotar um instrumento no qual todos os serviços efetuados sejam registrados. Com isso, não só se ganharia um modo de medir as diferenças técnicas das equipes como se teria um instrumento que permitiria a troca de experiência entre vários técnicos, de forma otimizada.

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Assim, a função primária dos programas não é, como se pode pensar, instruir o técnico para a execução dos serviços — embora servindo como troca de informações, possibilite alguém se deparar com algo que jamais fez e passe a fazê-lo —, mas sim guiá-lo, uma vez que é permitido a todos trabalharem da forma que planejarem. No entanto, para cada procedimento previsto no programa, e não utilizado, deve ser evidenciado o motivo da não aplicação, assim como deve ser anotado todo e qualquer procedimento adotado que não se encontre previsto no programa. De acordo com Araújo,13 programa de auditoria é o instrumento que fornece ao auditor que irá executar os trabalhos os passos específicos a serem seguidos de acordo com o planejamento efetuado. Deve ser elaborado de forma abrangente sem, contudo, limitar a criatividade, devendo ainda serem definidos os objetivos, a abrangência adotada e os procedimentos a serem seguidos. O programa de auditoria se constitui, pois, de uma documentação que informa, orienta e disciplina o trabalho a ser executado, tornando o trabalho racional, dirigido aos aspectos mais importantes, previamente definidos. A supervisão e execução dos trabalhos deve ser calcada nos elementos nele lançados, tanto na fase de preparação quanto na de aplicação. Os programas de auditoria objetivam portanto: a) orientar a aplicação dos procedimentos; b) registrar os trabalhos de auditoria, evitando a omissão na aplicação de algum procedimento; c) ordenar sistematicamente as técnicas a serem aplicadas; d) evidenciar quem realizou os testes; e) evidenciar quem revisou os trabalhos; f) uniformizar procedimentos; g) racionalizar a execução do serviço, ou seja, estabelecer uma rotina de trabalho econômica e eficiente, direcionando o auditor para aspectos mais importantes, com economia de tempo; h) evitar a omissão de procedimentos necessários; i) servir de histórico do trabalho efetuado e de orientação para as futuras auditorias a serem realizadas na própria entidade, bem como auxiliar a equipe de auditoria a se familiarizar com a natureza do trabalho desenvolvido anteriormente; j) facilitar a revisão dos trabalhos; k) assegurar a adesão aos princípios e normas de auditoria e contabilidade; l) organizar a execução do trabalho, dividindo-o de acordo com as circunstâncias; m) documentar o alcance da auditoria. Os programas de auditoria dividem-se em três tipos básicos: a) checking list: baseado em auditorias conhecidas, apresenta objetividade na aplicação e não detalha o exame a ser executado; 13 ARAÚJO, Inaldo da Paixão Santos. Introdução à auditoria: breves apontamentos de aula — aplicáveis à área governamental e aos programas de concursos públicos. Salvador, 1998, p. 180.

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b) programa detalhado: procedimentos passo a passo, permitindo detalhamento e aplicação racional; c) programa consolidado: visa à verificação do cumprimento dos limites de despesas previstos na legislação vigente — Constituição Federal, Lei de Responsabilidade Fiscal, normas do órgão de controle, leis federais etc. De acordo com a otimização pretendida, os Programas de Auditoria a serem desenvolvidos deverão trazer a estruturação que abaixo se demonstra: a) nos objetivos, encontramos a razão pela qual vamos proceder aos testes de auditoria, bem como o direcionamento dos procedimentos a serem adotados. b) nos procedimentos de auditoria, estão os mecanismos utilizados pelo auditor para obtenção de evidências ou provas de auditoria. Representam o conjunto de técnicas ou métodos que permitem ao auditor obter elementos probatórios, de forma suficiente e adequada para fundamentar seus comentários quando da elaboração de seu relatório. A aplicação dos procedimentos de auditoria deve ser realizada por meio de exames, provas seletivas, testes e amostragens em razão da complexidade e volume das operações de cada entidade auditada, cabendo ao auditor e/ou técnico, com base nos elementos de que dispuser, determinar a extensão dos testes. Toda prova obtida pelo auditor, em fase da aplicação dos procedimentos de auditoria, deve ser evidenciada. Essa evidenciação, segundo Araújo,14 pode ser física, documental, testemunhal ou analítica. O auditor deve atentar para o fato de que o processo de obtenção de evidências em uma auditoria integrada é bastante complexo, o que dificulta, algumas vezes, a identificação das áreas problemáticas e críticas da entidade auditada, sendo necessárias neste momento perspicácia, experiência e determinação do auditor. No programa de auditoria, que é uma sugestão para a otimização dos trabalhos, devem ser consideradas as ocorrências mais freqüentes e de maior impacto que foram apontadas pelos órgãos técnicos nas contas municipais. Não sendo notadamente acadêmico o fundamento da presente proposta, demonstrar-se-á brevemente que seu quadro conceitual teórico apóia-se no princípio da eficiência da administração pública, nas técnicas de auditoria governamental e nos fundamentos da administração gerencial, cujo foco principal é o resultado, de forma a racionalizar e dar celeridade aos trabalhos de análise processual e responsabilizar tempestivamente os gestores que incorreram em atos que geraram danos ao erário. 14

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ARAÚJO, Inaldo da Paixão Santos. op. cit., p. 179-180.


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Com base ainda nas obras relacionadas ao objeto deste estudo, explicitadas no final do presente relatório, verificamos que, ao longo da história, a noção de Estado modificou-se, trazendo reflexos para o Direito Administrativo brasileiro, ramo do Direito que trata das relações jurídicas estabelecidas com o Estado.

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O Direito Administrativo ainda considera a administração pública um bloco monolítico, hierarquizado, unitário, coerente, e sem relações horizontais internas de poder e de mútua influência. Diogo de Figueiredo Moreira Neto15 elucida a questão: Em vez de recusar validade jurídica aos novos instrumentos conceituais da nova gerência pública, da nova governança — ou a qualquer instrumento alternativo aos da burocracia clássica weberiana, inspirada na divisão e organização científica do trabalho de Taylor e Ford — faz-se mister que o direito administrativo se empenhe no diálogo, uma vez que pretenda comunicar às necessidades de eficiência as de controle. Compreender a administração pública como ela realmente funciona não significa legitimar patologias. Trata-se simplesmente de saber como ela pode ser; e desenvolver instrumentos jurídicos que possam aproveitar suas características intrínsecas da melhor maneira possível. Princípios políticos como o da subsidiariedade, cujos desdobramentos sobre o pacto federativo têm tido pouca consideração dos administradores apesar do alcance que poderiam ter para a análise das questões concernentes à desconcentração e às relações entre a administração direta e indireta. Princípios como o da participação popular na administração e prestação de serviços públicos, da coordenação entre Estado e sociedade civil, encontram-se incipientemente tratados do ponto de vista jurídico, além de pouca profundidade (grifos nossos).

As discussões acerca da implantação da chamada administração gerencial nos levam forçosamente a reconhecer a necessidade da evolução estatal brasileira, assim: A evolução do Estado — clássico ao neoliberal — concretiza-se na afirmação dos direitos fundamentais individuais, coletivos e difusos na política governamental contemporânea. A administração pública atual caminha no sentido da participação democrática frente ao autoritarismo estatal, em busca da maior valorização humana e contribuição na atuação do Estado. Contudo, a ideia de um novo modelo estatal tem afligido a sociedade e o governo brasileiro frente às mutações institucionais instauradas com a nova ordem mundial que fomentam a reforma do Estado. Debruçando-se sobre o conceito em tela, trazemos a colação o entendimento de Di Pietro que assinala: A expressão Reforma do Estado designa a tendência, hoje praticamente universal, de reformar o aparelhamento do Estado, em 15

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações no Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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especial, o aparelhamento administrativo, representado pela Administração Pública em sentido amplo, abrangendo todos os órgãos, dos três Poderes, que exercem a função administrativa, bem como as entidades da Administração indireta. No Brasil, os objetivos da reforma ficaram expressos no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado — MARE — e aprovado em 21-9-95 pela Câmara da Reforma do Estado, composta pelos ministros da Administração e Reforma do Estado, do Trabalho, da Fazenda e do Planejamento e Orçamento, e pelo ministro chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Faz-se ali uma distinção entre Reforma do Estado e Reforma do Aparelho do Estado. A primeira “é um projeto amplo que diz respeito às várias áreas do governo e, ainda, ao conjunto da sociedade brasileira”, enquanto a segunda “tem um escopo mais restrito: está orientada para tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania”; é nesse segundo sentido que o assunto é tratado no Plano. E fica expresso que o Plano Diretor focaliza sua atenção na Administração Pública federal, mas muitas de suas diretrizes e propostas podem também ser aplicadas no nível estadual e municipal. Com o advento do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, e com a crise fiscal e social do Estado, editou-se a Emenda Constitucional n. 19, de 04 de junho de 1998, visando à implantação do modelo gerencial na Administração Pública brasileira. A emenda, entre outros, modificou o art. 37, § 8°, da Carta Magna, tendo como objetivo primordial a eficiência da atividade pública, no sentido da produtividade e qualidade, visando maior participação popular e melhor resultado da atuação administrativa16 (grifos nossos).

O modelo de administração gerencial representa mudanças institucionais, concomitantes ao surgimento de novas formas organizacionais, dotadas de um controle externo realizado pela sociedade e Poder Estatal em prol da eficiência dos serviços públicos. A redefinição do papel estatal constituiu-se como medida primordial nos países ocidentais e orientais, levando-se em consideração as mudanças já desenvolvidas em boa parte do mundo, que viabilizaram a reforma administrativa e a implantação de um modelo antagônico ao burocrático, inspirado na gestão das empresas privadas. O modelo gerencial de administração formula uma atuação mais eficiente do Estado, tendo em vista a produção de resultados participativos à ação do cidadão na Administração Pública, entretanto: (...) o modelo gerencial não é por todos aceito, pois há quem o ataque frontalmente, através da contestação de suas características e linhas delimitantes. André Borges de Carvalho, por exemplo, revela o paradoxo encontrado neste modelo flexibilizado, ao mesmo tempo, assegurador dos bens e serviços públicos, para quem a verdadeira intenção da reforma é seguir aos mandamentos do Banco Mundial (referidos no relatório World Development Report de 1997). A MOURÃO DE OLIVEIRA, L. J. Prolegômenos da Atividade Regulatória Brasileira. Revista Prim@ Facie (UFPB). Ano 3, 2005, p.131132.

16

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reforma do aparelho do Estado brasileiro — em destaque — tem ligação direta com os interesses estrangeiros, que visam à abertura da economia e da política, juntamente, a um novo institucionalismo (Estado mínimo), como forma de continuidade da influência nos países em desenvolvimento.17

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Como afirma Carvalho,18 a Emenda Constitucional n. 19/98 introduziu o novo modelo administrativo de gestão. Consoante os preceitos reformistas, a liberdade maior dada ao administrador em face das mudanças constitucionais possibilitou a atuação de acordo com as necessidades do interesse público, livre da rigidez burocrática — protetora dos servidores ineficientes e até improdutivos — permitindo-se, por exemplo, colocar em disponibilidade ou demitir por alguns dos motivos explicitados. Uma vez que a reforma gerencial tem aproximado o modelo de gestão das organizações públicas do modelo de governança corporativa aplicado em empreendimentos privados, nota-se uma mudança de cultura ascendente no cenário nacional, evidenciada na figura dos cidadãos-clientes, que pugnam pela preservação de seus interesses, através da transparência, responsabilização e prestação de contas pela administração pública, sintetizados no termo accountability. O termo governança surgiu na década de 90 na Europa e nos Estados Unidos e culminou com a publicação da Lei Sarbanes-Oxley, em 2002, depois de ficar constatado que as fraudes contábeis não eram práticas incomuns das empresas norte-americanas. A norma ampliou a exigência dos controles internos para tais entidades, como forma de assegurar que os objetivos das aziendas, bem como os interesses dos investidores, fossem preservados. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa — IBGC19 assim define a expressão governança corporativa: o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso ao capital e contribuindo para a sua longevidade (grifos nossos).

Podemos concluir que a busca da eficiência dos serviços da administração pública, de acordo com as teorias que embasam a reforma gerencial do Estado, dependerá da flexibilização das regras, da seletividade das ações em conformidade com o interesse público, da racionalização, otimização das atividades de auditagem a serem empreendidas, da responsabilização e avaliação dos trabalhos técnicos envolvidos e do gerenciamento dos riscos corporativos, como um meio de garantir que os objetivos sejam atingidos. 17

MOURÃO DE OLIVEIRA, L. J. op. cit., p.133.

CARVALHO, André Borges de. As vicissitudes da reforma gerencial no Brasil: uma abordagem analítica. Revista Jurídica Administração Municipal. Salvador: Jurídica, n. 2, fev./1999, p. 08.

18

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Governança Corporativa. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/Secao. aspx?CodSecao=17>. Acesso em: 02/jul./2009.

19

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Por sua vez, as Entidades de Fiscalização Superiores não fogem a essa retórica, pois devem primar para que o interesse coletivo seja preservado, avaliando o custo/benefício da atividade do controle das contas públicas. Nesse mesmo sentido, ensina o professor Jacoby Fernandes:20 A atividade-fim, voltada para inspeções e auditorias, deve obedecer aos princípios pertinentes ao controle, quais sejam: da segregação de funções, da independência funcional-técnica, da qualificação adequada e da aderência a diretrizes e normas, além do princípio da relação custo/benefício (...). Sobre esse último princípio é necessário, porém, obtemperar que a estrutura do controle, seja ele interno ou externo, deve viabilizar o desempenho da função, assegurando a efetividade do princípio da independência funcional. Não há que se falar em controle, quando seus servidores têm que se valer de instrumentos pessoais de trabalho, ou ficar esmolando dotações orçamentárias para garantir a subsistência das despesas correntes (...). É importante notar que o parâmetro da base de cálculo sobre orçamento não pode ser considerado como absoluto, mas não deixa de ser um bom indicador. A tendência é que o controle tenha um custo proporcional maior sobre a comunidade fiscalizada menor, ou seja, o custo não guarda relação proporcional direta crescente. Por isso, em muitas unidades federadas, o custo acaba sendo maior que o consumido pelo TCU, em relação ao orçamento da União.

Na sequência, o professor Jacoby apresenta o gráfico retirado dos estudos de Robert Klitgaard21 (KLITGAARD, Robert, 1994 apud FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby, 2008) acerca do custo para se combater a corrupção, apresentado na figura 1, asseverando que vem daí a importância de desenvolver uma cultura que busque quantificar custos de ação do controle, mentalidade ainda incipiente no Brasil.

Figura 1 — Estudo de Robert Klitgaard no Combate à Corrupção (original em espanhol). Fonte: Jacoby Fernandes — Tribunais de Contas no Brasil — Jurisdição e Competência, pág. 697. FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil-jurisdição e competência. 1. Reimpressão. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 695-697.

20

21 KLITGAARD, Robert. Controlando la corrupción — uma indagación práctica para el gran problema social de fin de siglo. Tradução de Emílio M. Sierra Ochoa. Buenos Aires: Sudamericana, 1994.

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9 Resultados obtidos A técnica de análise seletiva não implica solução definitiva para os problemas de elevados estoques de processos de contas, enfrentados pelas Entidades de Fiscalização Superiores brasileiras. Também não significa que as improbidades administrativas que geraram prejuízo ao erário são aquelas delimitadas na otimização da análise. É claro que algumas matérias suprimidas das análises, ainda que não tenham demonstrado prejuízo na amostra analisada, em um outro momento poderiam significar indícios de danos, que demandariam mais testes para formar o convencimento dos julgadores. Na verdade essa técnica é uma alternativa que poderia ser empregada em um momento crítico, traduzido em morosidade e pouca efetividade das decisões das EFS, pois a intempestividade nas deliberações das contas públicas pode trazer prejuízos que dificilmente serão revertidos. Baseado nos números do sistema gerencial de informações processuais, em 04/05/2009, os processos de prestações de contas aguardando o exame inicial, até aquela data, estavam divididos por coordenadorias (Tabela 1). Tabela 1 — Estoque de processos de prestações de contas aguardando exame ANO 1983 1986 1987 1992 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 TOTAIS

Análise do Executivo 1

Análise da Adm. Indireta

1

27 38 12 51 254 465 455 520 847 2.670

16 43 32 46 173 242 336 414 413 1.716

Análise do Legislativo 1 2 6 4 5 8 12 3 3 3 130 97 383 727 783 833 833 665 4.498

TOTAIS 1 1 2 6 4 6 8 12 3 3 46 211 141 480 1.154 1.490 1.624 1.767 1.925 8.884

Fonte: sistema gerencial de informações processuais em 04/05/2009.

De acordo com a amostragem realizada acerca das prestações de contas que foram levadas a julgamento ou emissão de parecer prévio por uma das câmaras de julgamento em 2008, mais de 90% das contas municipais apreciadas nas câmaras foram relativas aos exercícios de 2000 a 2004 e cerca de 3 % correspondiam aos anos de 2005 e 2006. A abrangência da amostra não 59


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detectou contas de 2007 apreciadas nessa câmara de julgamentos, no exercício de 2008, evidenciando também a dificuldade da emissão do parecer prévio dentro do prazo legal de 360 dias. A partir do diagnóstico do ambiente de controle da EFS mineira, feito por meio do levantamento dos eventos mais frequentes, da identificação dos objetivos e da avaliação, resposta e tratamento dos riscos, formou-se o cerne da técnica utilizada no presente trabalho, definindose o ponto de equilíbrio entre atividade de fiscalização e os riscos inerentes à seletividade da amostra e do espectro da auditagem, levando-se em conta o custo-benefício da atividade do controle no que se refere à sua tempestividade e/ou efetividade. Na etapa de avaliação dos riscos, verifica-se a frequência com que tais riscos ocorrem e de que forma poderiam influenciar nos objetivos. O que se buscou foi a otimização das consequências positivas e a redução das negativas, conforme sua probabilidade de ocorrência ou o impacto de sua afetação. De acordo com as características próprias de cada risco em potencial foram sendo traçadas estratégias, na medida em que as estatísticas revelaram a necessidade de tratamento ou mesmo de aceitação do risco. Os números levantados na amostra foram extraídos das deliberações da câmara de julgamento da EFS mineira, sendo a amostra dividida de acordo com a natureza dos processos, conforme se demonstra na tabela 2. Tabela 2 — Amostragem das contas municipais julgadas em 2008 Natureza

Quantidade

%

Pareceres prévios — contas do Prefeito

274

65,39

Câmaras municipais

42

10,02

Serviços autônomos de água e esgoto

50

11,93

Instituto de previdência municipal

8

1,91

Outros órgãos e entidades municipais

45

10,74

TOTAL DA AMOSTRA

419

100,00

Fonte:Tabela elaborada pelos autores.

O que se depreendeu da análise da amostra é que a EFS mineira tem dado prioridade às contas dos prefeitos, situação esta que entendemos ser correta e que deva ser mantida, pois o controle no Brasil deve buscar o cumprimento dos prazos descritos na Constituição, além do fato de aquelas contas do chefe do Executivo envolverem o maior volume de execução orçamentária. O estudo de caso revelou que dos 274 pareceres prévios emitidos sobre as contas dos chefes dos Poderes Executivos municipais analisados na amostragem, 169 foram pela aprovação com ressalvas, 104 pela rejeição e apenas 1 pela aprovação em sua totalidade. Quanto às Câmaras Municipais, o estudo de caso revelou que do universo pesquisado de 42 julgamentos de contas, 25 foram pela irregularidade, 10 pela regularidade com ressalvas e 7 pela regularidade na sua totalidade. Por fim, o universo pesquisado das 103 contas anuais de entidades da administração indireta 60


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municipal revelou que 16 foram consideradas irregulares, 82 regulares com ressalvas e 5 regulares na sua totalidade.

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9.1 Pareceres prévios pela rejeição (irregularidades e ressalvas) Dos 274 pareceres prévios analisados, 104 pareceres prévios das contas dos prefeitos evidenciaram 138 irregularidades, em 10 tópicos de abordagem, que ensejaram a emissão de parecer prévio pela rejeição, conforme se demonstra na tabela 3. Tabela 3 — Irregularidades nas contas dos chefes dos Poderes Executivos municipais que ensejaram a rejeição em 2008 Resumo das irregularidades que levaram à emissão de parecer prévio pela rejeição

Tópico de abordagem

Quantidade de ocorrências

1

40

2

34

3

30

4

13

5

12

Não aplicação do mínimo na manutenção e desenvolvimento do ensino — art. 212, CR/88;

8,70

6

3

Restos a pagar sem disponibilidade financeira no final do mandato — art. 42, LC 101/2000;

2,17

7

2

Não obediência aos limites mínimos do FUNDEF — Lei n. 9.424/96;

1,45

8

2

Não observação do limite da despesa com pessoal — arts. 19 e 20 da LRF;

1,45

9

1

Erro na transposição dos saldos contábeis do exercício anterior para a prestação de contas do exercício seguinte;

0,72

10 TOTAIS

1 138

Abertura de créditos adicionais sem cobertura legal — art. 42, Lei 4.320/64; Repasse para a Câmara Municipal sem observar o limite do art. 29-A da CR/88; Falta de aplicação do mínimo da saúde — art. 77, ADCTCR/88; Elevação de gastos com pessoal sem observar o art. 71, LC n. 101/2000;

Problemas na consolidação das contas do Município.

% 28,99 24,64 21,74 9,42

0,72 100,00

Fonte: Tabela elaborada pelos autores.

Nesse caso, as ocorrências mais frequentes que ensejaram a rejeição das contas foram referentes a: a) abertura de créditos adicionais sem a devida cobertura legal (29%); b) repasse para a Câmara Municipal sem observar o limite estabelecido no art. 29-A da Constituição da República (25%); c) falta de aplicação do mínimo da saúde — art. 77 do ADCT da Constituição da República (22%); d) elevação de gastos com pessoal sem observar o art. 71 da LC n. 101/2000 (9%);

61


revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

e) não aplicação do mínimo na manutenção e desenvolvimento do ensino em desacordo com o art. 212 da Constituição da República (9%); f) restos a pagar sem disponibilidade financeira no final do mandato — art. 42 da LC n. 101/2000 (3%). Por sua vez, esses 104 pareceres prévios pela rejeição das contas dos Prefeitos evidenciaram 224 ressalvas, em 12 tópicos de abordagem, conforme apresentado na tabela 4: Tabela 4 — Ressalvas nas contas dos chefes dos Poderes Executivos municipais rejeitadas em 2008 Quantidade de ocorrências

Resumo das ressalvas feitas nos pareceres prévios sobre as contas rejeitadas

%

1

71

Inconsistências contábeis que necessitam de ajustes aos demonstrativos: erros de lançamentos; demonstrativos não preenchidos ou com preenchimento incorreto e falta de conciliação das contas, todas considerados falhas formais;

31,70

2

39

Divergências entre a prestação de contas e relatórios da LC n. 101/2000;

17,41

3

31

Falta de órgão de controle interno, falhas e/ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno — art. 74 da CR/88 e instruções normativas do órgão de controle;

13,84

4

21

Depósitos em instituições financeiras não oficiais — § 3º do art. 164 da CR/88 e art. 43 da LC n. 101/2000;

9,38

5

19

Inobservância dos limites para contratação dos serviços de terceiros — art. 72, LC n. 101/2000;

8,48

6

18

Restos a pagar sem disponibilidade financeira - Art. 42 LC 101/2000;

8,04

7

9

Não obediência aos limites mínimos do FUNDEF — Lei n. 9.424/96;

4,02

8

6

Inconsistência nas receitas de multa de trânsito, CIDE e alienação de bens;

2,68

9

4

Divergências no demonstrativo das contribuições previdenciárias;

1,79

10

2

Cobrança da dívida ativa — art. 1°, § 1°, da Lei Complementar n. 101/00;

0,89

11

2

Elevação de gastos com pessoal — art. 71 da LC n.101/2000;

0,89

12

2

Falta de observação do princípio de segregação de funções — 11.2.5.5, alínea d, das Normas Brasileiras de Contabilidade, c/c o disposto no art. 74, II e IV da CR/88.

0,89

TOTAIS

224

Tópico de abordagem

Fonte: Tabela elaborada pelos autores.

62

100,0


janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

Dessa forma, as ressalvas mais frequentes nas contas rejeitadas foram as seguintes:

Doutrina

revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais

a) inconsistências contábeis que demandam ajustes aos demonstrativos, decorrentes de erros nos lançamentos, demonstrativos não preenchidos ou preenchidos incorretamente e falta de conciliação das contas (32%); b) divergências entre a prestação de contas e relatórios da Lei de Responsabilidade Fiscal (17%); c) falta de órgão de controle interno, falhas e ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno em desacordo com o art. 74 da Constituição da República e instruções normativas do órgão de controle (14%); d) depósitos em instituições financeiras não oficiais, contrários ao § 3º do art. 164 da Constituição da República e ao art. 43 da LRF (9%); e) inobservância dos limites das despesas com serviços de terceiros a que se refere o art. 72 da LRF (8%).

9.2 Pareceres prévios pela aprovação com ressalva Do universo estudado de 274 pareceres prévios sobre as contas de prefeitos, 169 pareceres foram pela aprovação com ressalvas, as quais tiveram a seguinte distribuição de frequência: 479 ressalvas reveladas em 22 tópicos de abordagem, como mostra a tabela 5. Os pareceres prévios estudados apresentaram como ressalvas mais frequentes: a) inconsistências contábeis que necessitam de ajustes aos demonstrativos, decorrentes de erros nos lançamentos, demonstrativos não preenchidos ou com preenchimento incorreto e falta de conciliação das contas (21%); b) divergências entre a prestação de contas e relatórios exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (17%); c) falta de órgão de controle interno, falhas e/ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno em desacordo com o art. 74 da Constituição da República e instruções normativas do órgão de controle (13%); d) inobservância dos limites das despesas com serviços de terceiros a que se refere o art. 72 da LRF (10%); e) depósitos em instituições financeiras não oficiais, contrários ao § 3º do art. 164 da Constituição da República e ao art. 43 da LRF (9%); f) elevação de gastos com pessoal em desacordo com o art. 71 da LRF (9%). 63


revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

Tabela 5 — Ressalvas nas contas dos chefes dos Poderes Executivos municipais aprovadas em 2008 Tópico de abordagem

Quantidade de ocorrências

Ressalvas feitas nos pareceres prévios sobre as contas aprovadas

1

104

Inconsistências contábeis que necessitam de ajustes aos demonstrativos: erros de lançamentos; demonstrativos não preenchidos ou com preenchimento incorreto e falta de conciliação das contas, todas consideradas falhas formais;

2

83

Divergências entre a prestação de contas e relatórios exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal;

17,33

3

62

Falta de órgão de controle interno, falhas e/ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno — art. 74 da CR/88 e instruções normativas do órgão de controle;

12,94

4

52

Inobservâncias dos limites das despesas com serviços de terceiros — art. 72 LC n. 101/2000;

10,86

5

46

Depósitos em instituições financeiras não oficiais — § 3° do art. 164 da Constituição da República e art. 43 da LC n. 101/2000;

9,60

6 7

44 24

Elevação de gastos com pessoal — art. 71 da LC n. 101/2000; Não aplicação do limite mínimo do FUNDEF — Lei 9.424/96;

9,19 5,01

8

21

Restos a pagar sem disponibilidade financeira — art. 42 da LC n. 101/2000;

4,38

9

12

Divergência nos demonstrativos da contribuição previdenciária;

2,51

10

8

Inconsistência nas receitas de multa trânsito/CIDE/alienação de bens;

1,67

11

5

12

3

13

3

Inobservância do princípio de segregação de funções — 11.2.5.5, alínea d, das Normas Brasileiras de Contabilidade, c/c o disposto no art. 74, II e IV da CF/88;

0,63

14

2

Inobservâncias do limite de despesa com pessoal — arts. 19 e 20 da LRF;

0,42

15

2

Divergências apuradas na gestão dos regimes previdenciários;

0,42

16

2

Inobservância dos limites de repasse para a Câmara Muicipal — art. 29-A, I, da CR/88;

0,42

17

1

18 19

1 1

20

1

Não aplicação do mínimo na manutenção e desenvolvimento do ensino — art. 212 da CR/88

0,21

21

1

Falta de aplicação do mínimo na saúde — art. 77 ADCT-CR/88;

0,21

22

1

Remanejamento de créditos orçamentários sem autorização legislativa – art. 167, VI, da CR/88.

0,21

TOTAL

479

Erro na transposição dos saldos do exercício anterior para o seguinte; Abertura de créditos adicionais sem cobertura legal — art. 42 da Lei n. 4.320/64;

Mau dimensionamento das estimativas da receita — art. 12 da Lei n. 101/2000; Problemas nas consolidações das contas municipais Documentos faltantes na prestação

Fonte: Tabela elaborada pelos autores.

64

%

21,71

1,04 0,63

0,21 0,21 0,21

100,00


janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

9.3 Julgamento pela irregularidade das contas de gestores de câmaras municipais

Doutrina

revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais

Com relação às 42 contas dos gestores das Câmaras de Vereadores, 25 delas foram consideradas irregulares, em razão de 34 ocorrências em seis tópicos de abordagem, conforme demonstrado na tabela 6: Tabela 6 — Irregularidades nas contas dos gestores dos Poderes Legislativos municipais em 2008 Tópico de abordagem

Quantidade de ocorrências

Ocorrências que levaram ao julgamento pela irregularidade das contas das Câmaras Municipais

1

27

Recebimento a maior pelos vereadores — inciso VI, do art. 29 e §§ 6° e 7° do art. 57 da CF/88;

79,41

2

2

Diferença nas contas em relação aos demonstrativos anteriores que geraram prejuízo ao erário;

5,88

3

2

Despesa com publicidade desacompanhada da matéria veiculada;

5,88

4

1

Abertura de créditos adicionais sem cobertura legal — art. 42 da Lei n. 4.320/64;

2,94

5

1

Elevação dos gastos com a folha de pagamento — art. 29-A da CR/88;

2,94

6

1

TOTAIS

34

Aquisição de bens imóveis sem prévia autorização legislativa.

%

2,94 100,00

Fonte: Tabela elaborada pelos autores.

As ocorrências mais frequentes que ensejaram o julgamento pela irregularidade das contas dos gestores das câmaras municipais foram: a) recebimento a maior pelos vereadores, contrário ao disposto nos §§ 6° e 7° do art. 57 da Constituição da República de 1988 (79%); b) diferenças nas transposições dos saldos de exercícios anteriores, configurando lesão ao erário (6%); c) despesa com publicidade desacompanhada da matéria veiculada (6%). Essas 25 contas de gestores de Câmaras Municipais consideradas irregulares evidenciaram, também, 32 ressalvas, em 6 tópicos de abordagem, conforme apontado na tabela 7, sendo que foram mais frequentes as seguintes: a) falta de órgão de controle interno, falhas e/ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno em desacordo com o art. 74 da Constituição da República e instruções normativas do órgão de controle (44%); 65


revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

b) inconsistências contábeis, que demandam ajustes nos demonstrativos decorrentes de erros nos lançamentos: demonstrativos não preenchidos ou com preenchimento incorreto e falta de conciliação das contas (41%); c) restos a pagar sem disponibilidade financeira — art. 42 da LC n. 101/2000 (6%); d) falta de observação do princípio de segregação de funções — 11.2.5.5, alínea d, das Normas Brasileiras de Contabilidade, c/c o disposto no art. 74, II e IV da CR/88 (6%). Tabela 7 — Ressalvas nas contas dos gestores dos Poderes Legislativos municipais julgadas irregulares em 2008 Tópico de abordagem

1

Quantidade de ocorrências 14

2

13

3

2

4

2

5

1

TOTAIS

32

Ressalvas nas contas julgadas irregulares de Câmaras Municipais Falta de órgão de controle interno, falhas e/ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno — art. 74 da CR/88 e instruções normativas do órgão de controle; Inconsistências contábeis que necessitam de ajustes aos demonstrativos: erros de lançamentos; preenchimentos de demonstrativos e falta de conciliação, todas consideradas falhas formais; Restos a pagar sem disponibilidade financeira — art. 42 da LC n. 101/2000; Inobservância do princípio de segregação de funções — 11.2.5.5, alínea d, das Normas Brasileiras de Contabilidade, c/c o disposto no art. 74, II e IV, da CR/88; Inobservância dos limites de despesas com serviços de terceiros — art. 72 da LC n. 101/2000.

%

43,75

40,63

6,25

6,25

3,13 100,00

Fonte: Tabela elaborada pelos autores.

9.4 Julgamento de contas de gestores de Câmaras Municipais pela regularidade com ressalva As 10 contas dos gestores das Câmaras de Vereadores julgadas regulares com ressalva evidenciaram 12 ocorrências, em três tópicos de abordagem, conforme demonstrado na tabela 8. Dessa forma, as ocorrências mais frequentes que ensejaram ressalvas às prestações de contas regulares de gestores de Câmara Municipal foram: a) falta de observação do princípio de segregação de funções — 11.2.5.5, alínea d, das Normas Brasileiras de Contabilidade, c/c o disposto no art. 74, II e IV da CF/88 (50%); b) falta de órgão de controle interno, falhas e/ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno em desacordo com o art. 74 da Constituição da República e instruções normativas do órgão de controle (42%). 66


janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

Tabela 8 — Ressalvas nas contas dos gestores dos Poderes Legislativos municipais julgadas regulares em 2008 Tópico de abordagem

Quantidade de ocorrências

1

6

2

5

3 TOTAIS

1 12

Ressalvas nas contas de Câmaras Municipais julgadas regulares Inobservância do princípio de segregação de funções — 11.2.5.5, alínea d, das NBCT, c/c o disposto no art. 74, II e IV, da CR/88; Falta de órgão de controle interno, falhas e/ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno; Divergências nas contribuições previdenciárias.

Doutrina

revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais

%

50,00 41,67 8,33 100,00

Fonte: Tabela elaborada pelos autores.

9.5 Julgamento das contas de gestores da Administração Indireta Municipal pela irregularidade Do universo de 103 contas analisadas de gestores de entidades da Administração Indireta Municipal, 16 foram consideradas irregulares em razão das seguintes ocorrências demonstradas na tabela 9, sendo que, as mais frequentes foram: a) abertura de créditos adicionais sem cobertura legal — art. 42 da Lei n. 4.320/64 (56%); b) diferença nas contas, em relação aos demonstrativos anteriores, que geraram prejuízo ao erário (13%); c) depósitos em instituições financeiras não oficiais — § 3° do art. 164 da Constituição da República/88 e art. 43 da LC n. 101/2000 (13%); d) empréstimos de recursos previdenciários — art. 43, § 2°, II, LC 101/2000 (13%). As mesmas 16 contas das entidades da administração indireta municipal julgadas irregulares apresentaram 22 ressalvas, em 8 tópicos de abordagem, conforme se demonstra na tabela 10, sendo as mais frequentes: a) inconsistências contábeis que demandam ajustes nos demonstrativos, decorrentes de erros nos lançamentos, demonstrativos não preenchidos ou com preenchimento incorreto e falta de conciliação das contas (32%); b) falta de órgão de controle interno, falhas e/ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno em desacordo com o art. 74 da Constituição da República e instruções normativas do órgão de controle (23%); c) falhas na emissão do Parecer do Conselho Fiscal ou ausência desse parecer (9%); d) restos a pagar sem disponibilidade financeira — art. 42 da LC n. 101/2000 (9%).

67


revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

Tabela 9 — Ocorrências nas contas dos gestores das Administrações Indiretas Municipais que levaram ao julgamento pela irregularidade Tópico de abordagem

Quantidade de ocorrências

Ocorrências que levaram ao julgamento pela irregularidade das contas das entidades das Administrações Indiretas Municipais

%

1

9

Abertura de créditos adicionais pelo prefeito sem cobertura legal — art. 42 da Lei n. 4.320/64, o que faz gerar despesas ilegais na entidade;

56,25

2

2

Diferenças nas contas, em relação aos demonstrativos anteriores, que geraram prejuízo ao erário;

12,50

3

2

Depósitos em instituições financeiras não oficiais — § 3° do art. 164 da Constituição da República e art. 43 da LC n. 101/2000;

12,50

4

2

Empréstimos de recursos previdenciários (*) — art. 43, § 2°, II, LC n. 101/2000;

12,50

5

1

TOTAIS

16

Falta de observação do princípio de segregação de funções — 11.2.5.5, alínea d, das Normas Brasileiras de Contabilidade, c/c o disposto no art. 74, II e IV, da CR/88;

6,25 100,00

Fonte: Tabela elaborada pelos autores. (*) Essa ocorrência refere-se apenas às entidades gestoras dos regimes próprios de previdência dos municípios. A análise demonstrou que duas entidades gestoras de fundo de previdência municipal, do universo de 10, foram consideradas irregulares.

Tabela 10 — Ressalvas nas contas dos gestores das Administrações Indiretas Municipais julgadas irregulares em 2008 Tópico de abordagem

Quantidade de ocorrências

Ressalvas nas contas julgadas irregulares de entidades das administrações indiretas municipais

1

7

Inconsistências contábeis que necessitam de ajustes aos demonstrativos: erros de lançamentos, de preenchimentos de demonstrativos e falta de conciliação das contas, todas consideradas falhas formais;

2

5

Falta de órgão de controle interno, falhas e/ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno — art. 74 da CR e instruções normativas do órgão de controle;

22,73

3

2

Falhas na emissão do Parecer do Conselho Fiscal, ou ausência desse parecer;

9,09

4

2

Restos a pagar sem disponibilidade financeira — art. 42 da LC n. 101/2000;

9,09

5

2

Inobservância do princípio de segregação de funções — 11.2.5.5, alínea d, das Normas Brasileiras de Contabilidade, c/c o disposto no art. 74, II e IV, da CF/88.

9,09

6

2

Depósitos em instituições financeiras não oficiais — § 3° do art. 164 da Constituição da República e art. 43 da LC n. 101/2000.

9,09

7

1

Falta ou inconsistência dos inventários dos bens — art. 96 da Lei n. 4.320/64;

4,55

8

1

TOTAIS

22

Ausência de Livros Contábeis obrigatórios.

Fonte: Tabela elaborada pelos autores.

68

%

31,82

4,55 100,00


janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

9.6 Julgamento das contas de gestores das entidades da Administração Indireta Municipal pela regularidade com ressalvas

Doutrina

revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais

Com relação às 82 contas das entidades da administração indireta municipal julgadas regulares com ressalva, a análise evidenciou 152 ocorrências, em 14 tópicos de abordagem, conforme a tabela 11. Tabela 11 — Ressalvas nas contas dos gestores das entidades da Administração Indireta Municipal julgadas regulares em 2008 Tópico de abordagem

Quantidade de ocorrências

Ressalvas nas contas julgadas regulares das entidades da administração indireta municipal

%

1

38

Inconsistências contábeis que necessitam de ajustes aos demonstrativos: erros de lançamentos, de preenchimentos de demonstrativos e falta de conciliação das contas, todas consideradas falhas formais;

2

33

Falta de órgão de controle interno, falhas e/ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno;

21,71

3

29

Depósitos em instituições financeiras não oficiais — § 3° do art. 164 da Constituição da República e art. 43 da LC 101/2000;

19,08

4

15

Inobservância do princípio de segregação de funções — 11.2.5.5, alínea d, das Normas Brasileiras de Contabilidade, c/c o disposto no art. 74, II e IV, da CF/88;

9,87

5

10

Falhas na emissão do Parecer do Conselho Fiscal, ou ausência desse parecer;

6,58

6

8

Restos a pagar sem disponibilidade financeira — art. 42 da LC n. 101/2000;

5,26

7

5

Abertura de créditos adicionais sem cobertura legal — art. 42 da Lei n. 4.320/64;

3,29

8

4

Mau dimensionamento das estimativas da receita — art. 12 da Lei n. 101/2000;

2,63

9

3

Falta ou inconsistências dos inventários dos bens — art. 96 da Lei n. 4.320/64;

1,97

10

2

Cancelamento de restos a pagar de exercícios anteriores;

1,32

11

2

Descumprimento da lei de proteção das bacias hidrográficas — SAAE (*);

1,32

12

1

Divergências nas contribuições previdenciárias;

0,66

13

1

Irregularidades no regime próprio de previdência ;

0,66

14

1

Remanejamento de créditos orçamentários sem autorização legislativa – art. 167, VI,da CR/88.

0,66

TOTAIS

152

25,00

100,00

Fonte: Tabela elaborada pelos autores. (*) Essa ocorrência refere-se apenas aos serviços autônomos de água e esgoto municipal. A análise demonstrou 2 ocorrências nas 50 prestações de contas dos serviços autônomos de água e esgoto.

69


revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

As ressalvas mais frequentes das contas da administração indireta municipal julgadas regulares foram as seguintes: a) inconsistências contábeis que necessitam ajustes aos demonstrativos, decorrentes de erros nos lançamentos, demonstrativos não preenchidos ou preenchidos incorretamente e falta de conciliação das contas (25%); b) falta de órgão de controle interno, falhas e/ou falta de preenchimento dos relatórios de controle interno em desacordo com o art. 74 da Constituição da República e instruções normativas do órgão de controle(22%); c) depósitos em instituições financeiras não oficiais - contrários ao § 3º do art. 164 da Constituição da República e ao art. 43 da LC n. 101/2000 (19%); d) falta de observação do princípio de segregação de funções, conforme disposto na Norma Brasileira de Contabilidade — NBCT, 11.2.5.5, alínea d, c/c o disposto no art. 74, II e IV, da CF/88 (10%); e) falhas nos preenchimentos do parecer do conselho fiscal ou ausência desse parecer (7%); f) restos a pagar sem disponibilidade financeira — art. 42 da LC n. 101/2000 (5%); g) abertura de créditos adicionais sem cobertura legal — art. 42 da Lei n. 4.320/64 (3%); h) falta de dimensionamento das estimativas da receita — art. 12 da Lei n. 101/2000 (3%).

9.7 Reflexões acerca do estudo de caso empreendido A análise amostral realizada revelou, com relação às ocorrências que ensejaram a emissão do parecer prévio pela rejeição das contas dos prefeitos municipais, que os seis tópicos mais frequentes corresponderam a 97% do total das irregularidades mais graves que resultaram em rejeição dessas contas. Da mesma forma, os três tópicos mais frequentes que levaram ao julgamento pela irregularidade das contas dos gestores das Câmaras Municipais corresponderam a 91% das irregularidades mais graves nas contas prestadas. Quanto às contas dos dirigentes dos órgãos e entidades das administrações indiretas municipais julgadas irregulares, os quatro tópicos mais frequentes corresponderam a 95% das irregularidades mais graves. Portanto, a concentração de esforços nessas matérias traria mais efetividade à análise das prestações de contas dos chefes dos Poderes Executivos municipais, dos gestores das Câmaras Municipais e dos dirigentes dos órgãos e entidades das administrações indiretas municipais. Quanto às ocorrências mais frequentes que, por si só, não ensejariam a emissão do parecer prévio pela rejeição das contas dos prefeitos municipais ou julgamento pela irregularidade nas contas dos gestores das câmaras municipais e dos dirigentes dos órgãos e entidades das Admi70


janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

nistrações Indiretas Municipais, merecem destaque as ocorrências relativas às inconsistências contábeis nos demonstrativos informados das prestações de contas, as divergências entre as informações dos sistemas de prestação de contas e os sistemas dos relatórios da Lei de Responsabilidade Fiscal. Tais ocorrências nos preenchimentos dos demonstrativos dos sistemas, em confronto com a escrituração contábil, confirmaram tratar-se de erros formais que por si só não resultaram em danos ao erário.

Doutrina

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Essas, bem como outras ocorrências, devido ao decurso do tempo, foram consideradas falhas formais e, por vezes, já haviam sido sanadas antes mesmo da análise intempestiva das contas municipais. As consequências predominantes da análise instrutória dessas ocorrências foram recomendações, nas deliberações da Entidade de Fiscalização Superior pesquisada, de que gestores atuais agissem com devido cuidado e zelo para evitar incorrer no mesmo erro de administrações passadas. Esse tipo de deliberação deixa claro a falta de efetividade e a dispersão dos esforços para análise de matérias que, devido ao longo tempo decorrido, desde a instrução inicial, até a deliberação final, não mais fariam sentido, no que se refere ao resultado que a sociedade espera dos órgãos de controle. Observou-se ainda, quanto às ocorrências mais frequentes nas contas municipais que não levaram à emissão de parecer prévio pela rejeição ou ao julgamento pela rejeição de contas municipais que, por vezes, algumas ocorrências só poderiam ser comprovadas in loco, tal como os depósitos em instituições financeiras não oficiais e os restos a pagar sem disponibilidade financeira, pois não existiam, nos processos de contas anuais, meios suficientes para corroborar que as irregularidades ocorreram ou se persistiam. Nesse caso, a análise dessas matérias nos processos de contas sem a prévia verificação em inspeção documental também se mostrou ineficiente. No caso das falhas correspondentes aos controles internos e ao princípio da segregação de funções, essas ocorrências, ainda que, por si só, não resultassem em deliberações pela rejeição ou irregularidade, as normas de auditoria22 recomendam que se apliquem os testes de observância, com vistas a obter razoável segurança de que os controles internos estão em bom funcionamento e sendo cumpridos e de que o princípio da segregação de funções está sendo observado, pois esses fatores aumentam o grau de confiabilidade na análise das contas, uma vez que diminuem os riscos de ocorrência de erros e fraudes permanentes.23 Diante dessas constatações, verificou-se que o alcance a efetividade do controle externo, tendo em vista o ressarcimento por danos causados ao erário e a responsabilização dos maus gestores, dependerá da combinação das modernas técnicas de auditoria governamental, buscando suporte no controle interno das entidades analisadas nos processos de contas e também no próprio controle interno do órgão de controle externo, orientado pelos procedimentos de governança corporativa, como um meio de enfrentar os riscos de forma ousada, porém, racional para o alcance dos objetivos institucionais. COSIF. Normas de auditoria independente das demonstrações contábeis. Disponível em: <http://www.cosif.com.br/mostra. asp?arquivo=rescf820nbct11>. Acesso em: 26/jul./2009.

22

23

COSIF. op. cit.

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Atualmente, a EFS mineira tem obtido bons resultados por meio da análise otimizada das prestações de contas dos chefes dos Poderes Executivos municipais. As informações obtidas indicaram que se tem conseguido reduzir os prazos de instrução e tramitação das prestações de contas anuais para a emissão do parecer prévio. A partir do estudo das ocorrências mais frequentes e de maior impacto nas contas, foram concebidas as normatizações, publicadas no final de maio de 2009, com o objetivo de dar celeridade à análise dos processos. No final do mês de julho de 2009, foram levados para deliberação das câmaras de julgamentos 151 processos de contas municipais, sendo 62 prestações de contas dos chefes dos Poderes Executivos municipais relativas ao exercício de 2008, já instruídos com a nova técnica. Levando em consideração que a tramitação dos processos se inicia com a análise do órgão técnico, passa pela abertura de vista para a manifestação da defesa, depois retorna ao órgão técnico para o exame das defesas apresentadas, vai ao Ministério Público de contas para emissão de seu parecer, até chegarem conclusos ao relator que, entendendo serem suficientes as informações dos autos, inclui em pauta para deliberação, infere-se que um número maior que 62 prestações de contas do Executivo Municipal do exercício de 2008 já passaram pela análise inicial do órgão técnico. Fica claro que houve melhora na análise das contas se compararmos os números de processos de contas municipais que tiveram deliberação em julho de 2009 com os de 2008. Os números mostrados no sistema gerencial de informações, no 1° semestre de 2009, revelam que foram levados 374 novos processos de contas municipais para deliberação das câmaras de julgamento. Ou seja, somados esses processos do 1° semestre de 2009, com os 1.061 processos indicados no Relatório de Atividades Anual de 2008, a média mensal foi, nesses 18 meses, de 80 processos deliberados, isso considerando todas as naturezas de contas municipais. Portanto, constata-se uma melhora de 90% na celeridade processual, em relação à média dos últimos 18 meses. A figura 2, adiante, ilustra a melhora na tempestividade das conclusões nas contas municipais. Levando-se em conta que são submetidos às câmaras de deliberação tanto os processos que tiveram a análise otimizada, quanto os processos já instruídos anteriormente, sem a utilização dessa técnica, pode-se afirmar que os números tendem a melhorar, pois a vazão dos processos instruídos pela análise seletiva é notadamente maior, como demonstra o gráfico da figura 2, tendo esses alcançado o objetivo em dois meses, enquanto aqueles que não tiveram o mesmo tratamento, levaram anos para chegar a esse patamar. É também evidente que os processos que foram intempestivamente instruídos tendem a diminuir, dando lugar aos novos processos racionalizados, o que demonstrará uma eficiência ainda maior no tocante à celeridade processual.

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Figura 2 — Comparativo da celeridade nos processos de contas municipais Fontes de Informações: Sistema gerencial de informações processuais.

10 Aplicação e utilidade no campo do controle governamental Como visto, após avaliar os riscos, busca-se observar quais medidas a serem adotadas para que eles não afetem os objetivos, sendo que o tratamento dependerá da probabilidade e do impacto com que esses riscos podem influenciar na missão da organização e da oportunidade quanto ao momento certo de lidar com determinado risco. Nessa etapa, deve ser decidido se valeria a pena o envolvimento com o tratamento do risco, dada a relação custo-benefício, o impacto, a oportunidade e o grau de resposta ao risco, conforme a seguinte escala: — aceitar, sem tomar medidas para reduzir os impactos do risco ou a frequência de sua ocorrência, podendo talvez, dada a oportunidade, deixar para que sejam tratados em um momento mais propício; — compartilhar, isto é, transferir parcela do risco como ocorre, por exemplo, no caso de terceirizações, ou quando se delegam responsabilidades; — reduzir, mediante de decisões acertadas os impactos dos riscos e a probabilidade de suas ocorrências; — evitar, através de medidas drásticas de interrupção, as atividades geradoras dos riscos. Conforme o estudo de caso demonstrou, as EFS podem otimizar o controle governamental por meio da técnica de amostragem que, em muito, contribuirá para a maior efetividade de suas ações. Por ocasião do planejamento das atividades a serem desenvolvidas na execução da análise seletiva, deverá a EFS estabelecer a obrigatoriedade de observância dos procedimentos e dos critérios técnicos ao planejar e selecionar amostra de itens a serem examinados pelo executores das auditorias. 73


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De acordo com as Normas Brasileiras de Contabilidade, notadamente a Norma de Auditoria Independente das Demonstrações Contábeis — NBCT 11.11 — Amostragem, 24 verbis: 11.11.1.2. Ao determinar a extensão de um teste de auditoria ou método de seleção de itens a testar, o auditor pode empregar técnicas de amostragem. 11.11.1.3. Amostragem é a utilização de um processo para obtenção de dados aplicáveis a um conjunto, denominado universo ou população, por meio do exame de uma parte deste conjunto denominada amostra. 11.11.1.4. Amostragem estatística é aquela em que a amostra é selecionada cientificamente com a finalidade de que os resultados obtidos possam ser estendidos ao conjunto de acordo com a teoria da probabilidade ou as regras estatísticas. O emprego de amostragem estatística é recomendável quando os itens da população apresentam características homogêneas. 11.11.1.5. Amostragem não estatística (por julgamento) é aquela em que a amostra é determinada pelo auditor utilizando sua experiência, critério e conhecimento da entidade (grifos nossos).

Um dos procedimentos mais usuais em auditoria é o dos exames parciais, também chamado de prova seletiva ou de amostragem. Segundo essa técnica, a amostra tem que ser representativa da população. Para uma amostra ser representativa, cada item da população deve ter a mesma chance de ser selecionado, ou seja, de ser incluído na amostra. Impende também ressaltar que a seleção da amostra não deve ter preconceito ou tendência. Deve ser sempre imparcial não só no sentido do objetivo final a ser alcançado, como também no sentido de não facilitar demais o trabalho a ser realizado pelo auditor, o que é em si uma parcialidade. De acordo com a normatização da Secretaria de Controle Interno do Senado Federal brasileiro, a amostragem probabilística permite, além da estimação pontual e do controle do erro, a estimativa por intervalo, ao qual se associa um grau de confiança desejável, ou seja, uma probabilidade de o verdadeiro valor do parâmetro a estimar estar nele compreendido. É vantajosa a sua utilização, quando o objetivo é a obtenção de estimativas para a população (média, total, proporção e número de ocorrência), permitindo trabalhar com amostras de tamanho reduzido, em níveis de significância e confiabilidade adequados para assegurar a precisão desejada. Ressalta ainda aquela normatização que se o objetivo é o exame de casos sem o interesse na obtenção de inferências sobre a população, ou quando o tamanho da amostra é muito pequeno (inferior a 10 casos), o auditor pode valer-se da amostragem não probabilística. CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução CFC n. 1.012/05, aprova a NBCT 11.11 — amostragem. Disponível em: <http:// www.cfc.org.br/conteudo.aspx?codMenu=116>. Acesso em: 26/jun./2009.

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Claro está que, adotando as Entidades de Fiscalização Superiores a amostragem estatística para a otimização de sua instrução processual, estarão consentâneas com as mais modernas técnicas de auditoria, permitindo uma atuação mais qualitativa. De acordo, mais uma vez, com a normatização da Secretaria de Controle Interno do Senado Federal Brasileiro,25 conceitua-se a técnica de amostragem estatística, verbis:

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1.Amostragem Estatística. Baseando-se em fundamentos matemáticos, este tipo de amostragem exige que a amostra selecionada apresente um comportamento mensurável em termos das leis e probabilidade, para que se possa analisá-la e formar uma opinião sobre a população. Assim sendo, quando um teste de auditoria é nela baseado, seu resultado pode ser representativo da situação da população, da qual foi extraída a amostra, dentro de um grau de confiança estipulado. A aplicação da amostragem não elimina ou substitui o julgamento do Auditor, pois embora existam tabelas específicas para o tamanho do teste, há que se definir a mais aceitável para cada caso específico, a partir dos graus de confiança e precisão definidos inicialmente (grifos nossos).

Ainda de acordo com Hilário Franco e Ernesto Marra,26 a auditoria por testes ou por amostragem compreende o exame de determinada porcentagem dos registros, dos documentos ou dos controles, considerada suficiente para que o auditor faça seu juízo sobre a exatidão e a legitimidade dos elementos examinados, verbis: (...) A profundidade da auditoria é determinada pelo próprio auditor, segundo os fins a que se destina a auditoria e o grau de confiança que merecem os controles internos. Ele fixará a quantidade de testes que julgar necessária e suficiente para formar seu juízo a respeito dos elementos objetivados pelo exame. (...) No julgamento da profundidade com que deve ser realizado o exame, o auditor deve levar em conta os seguintes fatores: a) a “relevância” do fato ou elemento examinado e seu valor e influência em relação ao objetivo do exame, às demonstrações contábeis ou ao parecer do auditor; b) o “risco provável”, que pode emergir da carência ou da deficiência na comprovação de fatos ou elementos prováveis.

Por sua vez, Bernardo Cherman27 assevera que: (...) hoje mais do que nunca, podemos afirmar que a auditoria é a arte de administrar o risco. Com o aumento da complexidade e do volume das operações o auditor não tem mais possibilidade de emitir um parecer com 100% de certeza. Diante dessa impossibilidade deve administrar o erro, aceitando o risco (grifos nossos). SENADO FEDERAL. Controles internos. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/SENADO/scint/insti/controles_internos_08_ amostragem.asp>. Acesso em: 14/jul./2009.

25

26

FRANCO, Hilário; MARRA, Ernesto. Auditoria contábil. São Paulo: Atlas, 2001, p. 208-209.

27

CHERMAN, Bernardo. Auditoria externa, interna e governamental. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2005, p. 153.

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11 Considerações finais De acordo com a breve revisão da literatura empreendida e com o estudo de caso exposto, vêse que a adoção da matriz de risco propicia às EFS uma análise otimizada e qualitativa, útil e relevante para a formação de juízo dos relatores, exposta nos testes de observância realizados. Contudo, há de se ressaltar que tal escopo de auditoria seletivo não seria razoável caso fosse aplicado em todos os municípios, tendo em vista que uma minoria deles detém a maior parte da arrecadação das receitas públicas. Dessa maneira, ainda como tratamento aos riscos, é preciso proceder à análise diferenciada nas contas dos municípios de maior arrecadação, em consonância com o Princípio Constitucional da Isonomia, disposto no caput do art. 5° da Constituição da República brasileira de 1988, dando tratamento desigual aos desiguais que se encontram em situação semelhante. A tabela 12 demonstra que a fiscalização em 8% dos municípios sob a jurisdição da EFS mineira, os quais detém a maior arrecadação de receitas públicas, proporcionaria uma abrangência de 61% do total de recursos públicos municipais. Os dados foram extraídos do sítio da Secretaria do Tesouro Nacional — STN brasileiro, que é a responsável pela consolidação das contas nacionais. Tabela 12 — Municípios por critério de arrecadação (Dados de 2007) Municípios com arrecadação superior a R$ 50 Milhões

65

8%

13.352.933.814,67

61%

Municípios com arrecadação inferior a R$ 50 Milhões

760

92%

8.363.706.560,16

39%

TOTAL

825

100%

21.716.640.374,83

100%

(1)

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional — STN (1) 28 municípios mineiros não informaram seus dados à STN.

Por fim, a matriz de risco será decisiva para direcionar a forma como serão planejadas as instruções dos processos de contas municipais, tendo em vista que esses são presididos pelos relatores que têm a prerrogativa de decidir quais meios e provas serão suficientes para a formação de seu juízo, tal escopo pode ser ampliado em cada caso concreto.

Referências ARAÚJO, Inaldo da Paixão Santos. Introdução à auditoria: breves apontamentos de aula — aplicáveis à área governamental e aos programas de concursos públicos. Salvador, 1998. BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso: 26/jul./2009. CARVALHO, André Borges de. As vicissitudes da reforma gerencial no Brasil: uma abordagem analítica. Revista Jurídica Administração Municipal. Ano IV, n. 2, Salvador: Jurídica, fev./1999. 76


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CHERMAN, Bernardo. Auditoria externa, interna e governamental. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2005.

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MOURÃO DE OLIVEIRA, L. J. Prolegômenos da atividade regulatória brasileira. Revista Prim@ Facie (UFPB). Ano 3, 2005. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE ENTIDADES FISCALIZADORAS SUPERIORES — INTOSAI. Normas de auditoria do Intosai. Trad. do Tribunal de Contas da União. 1. ed. Salvador: Tribunal de Contas do Estado da Bahia, 1995. ______ Diretrizes para as normas de controle interno do setor público. Organización Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores. Tradução de Cristina Maria Cunha Guerreiro, Delanise Costa e Soraia de Oliveira Ruther. Salvador: Tribunal de Contas do Estado da Bahia, 2007. SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Dados contábeis dos municípios. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br>. Acesso em: 26/jun./2009. SENADO FEDERAL. Controles internos. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/SENADO/ scint/insti/controles_internos_08_amostragem.asp>. Acesso em: 14/jul./2009. TRIBUNAL DE CONTAS DE MINAS GERAIS. Relatório de atividades anual de 2008. Disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br/img/PrestaContas/RELATORIOS/2008/ RAA_2008.pdf>. Acesso em: 19/jul./2009. WIKIPÉDIA, enciclopédia livre. Minas Gerais. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Minas_Gerais>. Acesso em: 28/jun./2009.

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Contratação de serviços de segurança privada pela administração pública: uma análise à luz da moderna privatização de poderes administrativos

Vinicius Marins Mestre em Direito Econômico e Doutorando em Direito Administrativo — Faculdade de Direito da UFMG. Pesquisador-visitante na Rühr-Universität/Bochum — Alemanha. Professor da Faculdade de Direito da UFMG e da Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte (graduação). Professor da PucMinas e da Faculdade Milton Campos (pós-graduação). Professor de Direito Administrativo do Curso Aprobatum/Anamages. Empreendedor Público do Governo de Minas Gerais. Advogado em Belo Horizonte/MG e Brasília/DF.

Resumo: O artigo aborda, sob a ótica de algumas tendências contemporâneas do Direito Administrativo, o fenômeno da privatização da autoridade e de algumas prerrogativas reputadas, segundo a análise mais tradicional, como exclusivas do Estado. Avalia, de modo especial, o problema da contratação, pelo Poder Público, de serviços de segurança privada, atividade que, apesar de integrar o mercado privado e materializar o uso da força entre particulares, agrega inúmeras sinergias com as tarefas de segurança pública, cujos contornos estão delimitados pelo Texto Constitucional. Palavras-chave: Privatização. Autoridade. Soberania. Segurança. Policiamento. Delegação. Abstract: The article discusses, based on contemporary trends of Administrative Law, the phenomenon of privatization of the authority and prerrogatives of some reputable, according to the more traditional analysis, such as exclusive of public power. It ratings, especially, the problem of recruitment by the Government, the private security services, an activity that, despite containing the private market and realize the use of force between individuals, brings many synergies with the work of public security, whose contours are defined by the constitutional text. Keywords: Privatization. Authority. Sovereignty. Security. Policing. Delegation.

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1 Introdução É antiga a afirmação de que o Direito Administrativo desloca-se, tal como um pêndulo, entre Estado e sociedade. De natureza recente, no entanto, é a percepção de que esse movimento segue um curso de certo modo heterodoxo, por meio do qual expansão e redução do espaço público sucedem-se em velocidades, direções e perspectivas inesperadas e descontínuas. Interessa-nos, de modo especial, um recorte específico desse ciclo pendular, no âmbito do qual a Administração transfere ao mercado funções reputadas, segundo a tradição da filosofia política, fundamentais à própria estrutura do Estado moderno. Fala-se, nesse sentido, em privatização da autoridade, delegação de hard core functions, “atomização” da esfera pública e contratualização do poder administrativo. São todos fenômenos plurais, heterogêneos, e que não podem ser incluídos sob um mesmo gênero, fazendo-se imperativa a adoção de um parâmetro norteador da realidade, revelado na forma de sistematizações, classificações e formulações conceituais de interesse prático e científico. A tarefa, decerto, não é das mais simples. O presente estudo objetiva, a partir de uma apresentação contextual da moderna descentralização da potestade administrativa, compreender aspecto singular desse fenômeno, qual seja, a contratação de serviços de segurança privada pelo Poder Público, num processo que envolve a materialização de poderes privados, exercidos no âmbito do mercado de segurança, em colaboração com a execução de fins públicos e atividades tipicamente estatais. Seria legítimo o recurso do Estado a tais formas privadas de colaboração? Em quais circunstâncias? No afã de responder a tal questionamento, desenvolve-se o artigo em três partes. No primeiro capítulo são apresentadas as principais questões relativas à delegação e contratualização de potestades administrativas, introduzindo-se o problema da privatização funcional de atividades públicas, no âmbito do qual serão incluídas as questões atinentes à contratação do mercado de vigilância particular pelo Estado. Na segunda parte são discutidos os fundamentos do setor de segurança privada, a fonte dos poderes de força eventualmente executados entre particulares, bem como a sua legitimidade diante dos organismos estatais de segurança pública. Finalmente, no derradeiro item, apresentam-se as linhas diretrizes para a identificação da legítima utilização das funções de segurança privada pela Administração Pública. O assunto suscita dificuldades naturais, decorrentes da escassa bibliografia e da reduzida atenção que lhe fora outorgada pela doutrina nacional. O recurso ao direito estrangeiro, diante de tais circunstâncias, faz-se pela necessidade de um norte aplicativo, sempre considerando, como recomenda a prudência metodológica, as vicissitudes e peculiaridades das representações assumidas como paradigmáticas.

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2 Direito Administrativo, poder e autoridade: reflexões sobre o fenômeno da privatização

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2.1 A privatização da autoridade no centro da discussão Em conhecida sentença de 1923, Otto Mayer, um dos mais notáveis publicistas alemães, defendeu a perenidade do Direito Administrativo diante das mutações do processo constitucional (Verfassunsrecht vergeht, verwaltungsrecht bestehtl).1 Como se sabe, tal pretensão de permanência viu-se, mais à frente, infirmada por uma série de eventos históricos e desdobramentos teórico-conceituais, revelando a complexidade da construção epistemológica em Direito Administrativo, sustentada por elementos em constante tensão ou inerente contradição. É assim que, a despeito do surgimento recente, desenvolve-se de modo rápido e continuado; apresenta-se, simultaneamente, como instrumento de autoridade e de liberdade; opera como meio de tutela de interesses públicos e privados; caminha em consonância com o Direito Constitucional, para em seguida ultrapassá-lo; vive em um mundo separado e distinto do Direito Civil, para depois invadi-lo e ser invadido.2 Os administrativistas, por sua vez, ainda estão muito longe da esperada aderência à complexidade de seu campo de estudo. O discurso doutrinário hegemônico permanece vinculado a um paradigma positivista que, equivocadamente, culmina com a centralidade do legalismo estatal. Insiste, ainda, na noção de estatalidade do seu objeto, muito embora já se fale em um espaço administrativo global, cada vez mais sujeito a regulações não estatais.3 Persiste em fundar-se, por sua vez, na dicotomia autoridade/liberdade, apesar de apenas uma parcela das relações administrativas ainda restar vinculada a tal dialética. Permanece, em suma, preso a temas tradicionais e paradigmas limitados, cerrando a vista para as inúmeras conexões e desdobramentos que novas circunstâncias históricas, econômicas e sociais poderiam suscitar. Processo que não passou despercebido, ao menos em parte, foi o de mudança estrutural do papel do Poder Público nos últimos trinta anos. Um Estado provedor, muitas vezes hipertrofiado, viu-se substituído pelo chamado Estado regulador. Serviços públicos de especial relevância sócio-econômica foram lançados ao mundo dessacralizado da concorrência, num fenômeno indicado pelo léxico privatização, de simbologia peculiar não só pelo seu significado político e econômico, mas pela amplitude de ideias que abarca. A necessidade de viabilizar investimentos em infraestrutura, além da imperativa modernização na prestação de serviços públicos econô1 “O Direito Constitucional passa, o Direito Administrativo fica”. Sobre as discussões entre Mayer e Werner, opositor notório da construção, vale consultar a obra de Norbert Achterberg (Allgemeines Verwaltungsrecht. Heidelberg: C. F. Müller, 1982, p. 63). 2 Problemas analisados com profundidade por Sabino Cassese, em texto recente no qual discute as contradições do Direito Administrativo (Le droit tout puissant et unique de la société. Paradossi del diritto amministrativo. Rivista trimestrale di diritto pubblico, n. 4, 2009, p. 46). 3 Sabino Cassese radicaliza ao afirmar que o Direito Administrativo atual é um direito da humanidade: (...) suoi istituti si trovano applicati in ambiti non statali. Il diritto amministrativo, una volta proprio della zona chiusa nelle mura dello Stato, si applica ora anche tra gli Stati e al di là degli Stati. E un vero diritto dell’umanità (CASSESE, cit, p. 68). Analisando de modo percuciente o mesmo tema, Luisa Torchia refere-se a um direito desencarnado de seu substrato material, que seria a personalidade pública do Estado (Diritto amministrativo, potere pubblico e società nel terzo millennio o della legitimmazione inversa. In: BATTISTI, Stefano et. al. Il diritto amministrativo oltre i confini. Omaggio degli allievi a Sabino Cassese. Milano: Giuffrè, 2008. p. 50 et seq.).

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micos até então legados ao fornecimento monopolístico, associadas à onda dominante no contexto internacional, tornaram inexorável o processo, a despeito de seus inúmeros críticos. O desenvolvimento do tema no Brasil, contudo, persistiu, ainda depois de duas décadas, em um limbo de obsolescência. Estudado em outros ordenamentos jurídicos há pelo menos setenta anos, o problema das relações entre Estado e particulares no campo da execução de tarefas públicas carece de uma abordagem mais aprofundada, cingindo-se, na imensa maioria das vezes, a uma avaliação a respeito de seus impactos na prestação dos serviços públicos e em algumas poucas atividades jurídicas (como é o caso dos tabelionatos, cartórios e serventias de Justiça), e ignorando possibilidades operacionais que extrapolam esse âmbito, podendo recair, por exemplo, sobre atividades carcerárias, de defesa social e proteção da ordem pública,4 de determinação de standards e normas de caráter técnico, além de tarefas de certificação e controle oficial. Um dos exemplos mais recentes e controversos do fenômeno encontra-se nas chamadas private military companies,5 contratadas para o desempenho de inúmeras operações bélicas, incluindo atividades logísticas das forças armadas e treinamento de pessoal militar. Novas coalizões que vão colocando em xeque o senso tradicional a respeito de algumas das noções mais caras à dogmática jurídica, ao mesmo tempo em que suscitam uma necessária confluência de propósitos e de fins entre os setores público e privado, que não mais podem ser analisados de maneira estanque. Não se requer muito esforço para concluir que a chamada privatização das funções de autoridade — conhecidas alhures como core functions ou noyau irréductible d’Etat — é tema propulsor de debates ardorosos. É assim, por exemplo, que se vai falar na desestatização do Direito Administrativo,6 uma espécie de nova Administração indireta do Estado por meio de pessoas privadas. Nessa mesma trilha propõe-se a discussão a respeito do refluxo ou atenuação do caráter derrogatório do Direito Administrativo, diante da exasperação das referências axiológicas e normativas que traduziam a singularidade do público.7

4 Para se ter a dimensão do processo em um sistema jurídico liberal como o norte-americano, em 2001, segundo dados fornecidos por Gillian Metzger (Privatization as delegation. Columbia Law Review (103), 2003, p. 1.893), cerca de 13% dos prisioneiros federais e 6% dos estaduais (um universo de 92. 000 internos) encontravam-se sob a gestão de prisões privadas. 5 Nos EUA, o Departamento de Defesa é, de longe, o que possui o maior orçamento e realiza as mais vultosas contratações no âmbito da Administração Federal. Em função da Guerra no Iraque, o tema da transferência de atividades militares ganhou inéditas proporções, considerando as delegações para empresas privadas do suporte de funções de inteligência e, até mesmo, para a realização de interrogatórios. O abuso contra prisioneiros em Abu Ghraib, nos arredores de Bagdad, trouxe à tona as novidades gerenciais do DoD para o debate internacional. Emergiam, em sequência, dados sobre a utilização de milícias privadas na guerra em Serra Leoa e, até mesmo, empresas contratadas para o exercício de funções diplomáticas. A grande preocupação dos estudiosos do Direito Administrativo norte-americano, diante de tais inovações, está na preservação dos chamados public values, em especial o controle (accountability), sobre esses private actors. O ápice da discussão veio com a contratação da empresa Blackwater, império da segurança privada (ou mega-corporação de mercenários, como preferem os seus críticos) no suporte das atividades de segurança em Nova Orleans após o furacão Katrina, em 2005, e no confronto bélico em território iraquiano. Vale consultar, a respeito do tema: DICKINSON, Laura. Public Law Values in a Privatized World. The Yale Journal of International Law, n. 36, 2006; FREEMAN, Jody. Private Parties, Public Functions and the New Administrative Law. Administrative Law Review, n. 52, 2000 e; VERKUIL, Paul R. Public Law Limitations on Privatization of Government Functions. North Carolina Law Review, n. 84, jan./2006. 6 A doutrina italiana, já na década de 1940, faz menção aos chamados órgãos indiretos ou impróprios (ZANOBINI, Guido. Corso di Diritto Amministrativo. v.3 Milano: Giuffrè, 1946, p. 301). Um exemplo conhecido de direito administrativo aplicado entre particulares estaria no caso dos estabelecimentos privados de ensino, que praticam atos de certificação quanto a avaliações de alunos, traduzindo cada um desses provimentos, a aplicação do ato administrativo que lhes deferiu o funcionamento (v. em OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2007, p. 829). Notese que tais atos particulares são, a posteriori, de reconhecimento obrigatório pelas autoridades públicas, além de gozarem de uma presunção de veracidade e legalidade idêntica àquela que emerge dos atos emanados pelas instituições públicas de ensino. 7

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CHEVALLIER, Jacques. O Estado pós-moderno. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 94.


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Indubitavelmente, o pressuposto que esse novo processo em curso na dogmática jurídico-administrativa propõe é o da insubsistência de um Estado alçado, valorativa e originariamente, à condição de representante exclusivo e prioritário do interesse público:8 a atual governança — utilizando terminologia em voga — baseia-se num modelo de mixed administration,9 propondo uma nova ordenação das funções governamentais. Reformula-se, por sua vez, o desempenho da iniciativa privada: o particular, nesse novo cenário, não é mais súdito (papel que ocupa durante o Estado Gendarme), ou sujeito socialmente descompromissado (tal como no Estado Liberal), nem tampouco mero utente de serviços (o que caracteriza tipologicamente o Estado Social); pelo contrário, assume o papel de ator, partilhando com o Poder Público responsabilidades na realização do interesse público.10 Tal assunção, na grande maioria dos casos, finda por publicizar aspectos diversificados de seu regime jurídico.

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Muitas outras questões também exsurgem, gerando perplexidades em todos os lugares onde o tema foi eleito como merecedor de maior aprofundamento: que critérios devem permear a opção pela delegação do exercício de funções públicas aos particulares? Quem poderia tomar tais decisões? Seria possível definir um limite, intrínseco ou extrínseco, para as chamadas funções indelegáveis,11 atividades reputadas exclusivas de Estado? Alguns paradoxos relativos à propalada redução da esfera pública também são inevitáveis: ao mesmo tempo em que o Estado vê abreviado seu papel na execução de uma determinada função pública, crescem-lhe as atribuições de controle ou, até mesmo, os encargos de financiamento da atividade desestatizada (veja-se o caso das parcerias público-privadas envolvendo a construção e a gestão de estabelecimentos prisionais). Não se haveria de reconhecer aqui um avanço, e não um recuo do Estado? Por outro lado, até mesmo nas atividades relacionadas à gestão militar, a opção por um determinado modelo compartilhado não partiria de uma decisão soberana tomada pelo Estado? Como falar em erosão da soberania, nesses casos, quando dados estatísticos revelam um incremento constante do public law framework? A complexidade das questões, naturalmente, é ensejo para inúmeras discussões merecedoras de tratamento mais detido e aprofundado; sua enumeração, contudo, é indicativa do terreno arenoso que se quer perscrutar.12 8 Posição historicamente defendida no Brasil por, dentre outros, Celso Antônio Bandeira de Mello (Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: RT, 1968, p. 93). 9 FREEMAN, cit. Contemporary governance might be described then, as a regime of mixed administration in wich private and public actors share responsibility for both regulation and service provision. P. 826. 10

GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos. Coimbra: Almedina, 2005, p. 150.

O Office of Management and Budget’s — OMB do governo norte-americano editou a conhecida e controvertida Circular A-76, tratando de estabelecer critérios objetivos para as hipóteses de transferência ou não de uma determinada atividade ao mercado. O texto preocupa-se em determinar as chamadas atividades que seriam inerentemente governamentais, valendo-se de técnica legislativa aberta e termos indeterminados que, segundo nos parece, transferem o criticismo do problema para o exegeta ou aplicador do direito, ao invés de estipular parâmetros objetivos de decisão: An inherently governmental activity involves: (1) Binding the United States to take or not to take some action by contract, policy, regulation, authorization, order, or otherwise; (2) Determining, protecting, and advancing economic, political, territorial, property, or other interests by military or diplomatic action, civil or criminal judicial proceedings, contract management, or otherwise; (3) Significantly affecting the life, liberty, or property of private persons; or (4) Exerting ultimate control over the acquisition, use, or disposition of United States property (real or personal, tangible or intangible), including establishing policies or procedures for the collection, control, or disbursement of appropriated and other federal funds. 11

Concordamos com Phillipe Cossalter, que afirma ser vã qualquer tentativa de encontrar atividades indelegáveis a partir de uma suposta natureza intrínseca: Historiquement l’armée, la justice et la police ont été exercées par des personnes privées, notamment à travers les concessions coloniales, et le recouvrement des impôts à travers les fermes fiscales. Il semble pourtant impossible de vouloir systématiser une règle concernant l’indélégabilité des activités publiques sans se référer aux fonctions indélégables par nature (COSSALTER, Philippe. Le droit de l’externalisation des activités publiques dans les principaux systèmes européens. Disponível em: <http://chairemadp.sciences-po.fr/pdf/seminaires/2007/rapport_Cossalter.pdf>. Acesso em: 05/12/2009).

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Levantamos a hipótese de que existem dois fatores determinantes para tal estado de arrefecimento do debate sobre o tema. O primeiro diz respeito à natureza intrínseca das atividades delegadas, que muitas vezes afetam a própria razão de ser da moderna Administração Pública; a autoridade do Estado, locus primeiro do poder político, sofre pressões inevitáveis, que dificultam uma abordagem neutra ou objetiva. Outro tema, não menos complexo, está associado a uma característica muito peculiar do Direito Administrativo, que aqui chamaremos de tripolaridade (incorrendo em neologismo); trata-se de um conflito temático latente, que muitas vezes pode obliterar a visão do estudioso.

2.2 Novos elementos de tensão para um Direito Administrativo tripolar? O Direito Administrativo opera entre três pólos complementares, porém em permanente tensão, o que se reflete de modo inevitável no estudo sobre o exercício não estatal de poderes e funções de autoridade. Para Sabino Cassese, tal característica desenvolve-se em razão da peculiar evolução histórica do Direito Administrativo: tendo nascido no século XIX como instrumental do poder, este haure, posteriormente, no liberalismo e no socialismo, contribuições decisivas para o seu desenvolvimento e consolidação do perfil atual.13 O eixo originário e tradicional é aquele constituído pelos poderes públicos. Aqui se manifesta a feição derrogatória, especial, unilateral e privilegiada do Direito Administrativo,14 que é ponta de lança de toda a construção teórica a respeito das especiais prerrogativas inerentes ao Estado. Na lição de Enterría e Fernandez, o conceito de poder (no sentido de potestade administrativa) emana de um confronto dialético com o de direito subjetivo, eis que ambos consubstanciariam faculdades de querer conferidas pelo ordenamento aos sujeitos.15 O poder, no entanto, deflui diretamente do ordenamento jurídico, ao contrário dos direitos subjetivos, que resultam de uma relação jurídica; é, por sua vez, genérico, tendo como norte uma atuação estipulada por meio de direções não específicas, consistindo numa possibilidade abstrata de produção de efeitos jurídicos, sujeitando ou submetendo outros atores a posições vantajosas, desvantajosas (conforme se extraia daí um gravame ou um benefício), ou até mesmo neutras. Tais prerrogativas, na sua feição mais conhecida, implicam uma atuação de interferência na esfera da liberdade dos administrados ou na decisão de requerimentos em assuntos da administração social ou do funcionalismo público, de forma unilateral, vinculativa e reguladora,16 O liberalismo é decisivo, na seara legislativa, para o desenvolvimento de uma legislação que buscou proteger o cidadão no confronto com o Poder Público, submetendo-o à lei e ao direito. O socialismo, por sua vez, demanda da administração uma postura voltada à promoção da igualdade, gerando um grande número de normas e institutos de regulação da vida social (CASSESE, cit., p. 51).

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O direito administrativo foi concebido como direito essencialmente desigual — o caráter derrogatório de suas regras relativamente àquelas do direito comum fundava-se sob a ideia de uma diferença irredutível de situações entre a administração, detentora do monopólio da coerção, e o administrado; as prerrogativas reconhecidas à administração, como as sujeições que lhe eram impostas, não seriam senão a tradução tangível dessa desigualdade. (CHEVALLIER, cit., p. 91)

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ENTERRÍA, Eduardo Garcia de; FERNANDEZ, Tomás-Ramon. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 377. Ainda segundo os autores espanhóis, a potestade é sempre uma derivação de um status legal, pelo qual resulta inescusável uma norma prévia que, além de configurá-la, a atribua em concreto. Como consequência dessa origem legal os poderes são inalienáveis, intransmissíveis e irrenunciáveis, justamente porque são indisponíveis pelo sujeito enquanto criação do Direito objetivo supraordenado. (cit., p. 379).

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WOLLF; BACHOF; STOBER. Direito Administrativo. Vol. I. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006, p. 320.


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daí derivando algumas manifestações típicas, tais como: a potestade normativa (criação de regras de observância obrigatória para terceiros); o poder de constituição e determinação de efeitos inovadores sobre a esfera jurídica do destinatário; o poder de polícia; o poder de certificação ou produção de atos dotados de certeza pública ou força probatória peculiar; o poder de execução coercitiva e coação; o poder de produção de títulos executivos, dentre inúmeros outros.

Doutrina

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A existência de uma Administração dotada de potestades autoritárias, segundo uma visão que podemos chamar de tradicional, seria desdobramento ou manifestação do monopólio estatal do uso da violência (Gewalt), condição vital ao Poder Público para a adequada realização de suas competências reguladoras tradicionais, além de propulsora de um natural (e essencial) desnivelamento entre Estado e particulares.17 No curso deste estudo buscam-se alguns elementos para infirmar ou, ao menos, problematizar tal premissa. Acreditamos que o poder administrativo, sob o ponto de vista formal, não se expressa de modo distinto de outros poderes que o ordenamento jurídico confere aos particulares, embora, naturalmente, variem em seu conteúdo material concreto. De outra parte, seria simplista pretender que todas as potestades públicas impliquem uma superioridade política da Administração, sendo absolutamente trivial que do exercício de poderes públicos defluam situações benéficas e ampliativas para os seus destinatários.18 Um aspecto da potestade administrativa, contudo, é inegável em todas as construções modernas: a sua conatural latência, potência (Macht), imperatividade e funcionalização (aderência a uma finalidade pública, externa ao agente que a exerce). O segundo vetor característico do Direito Administrativo seria aquele de marcante influência socialista. No curso de sua evolução, os mesmos instrumentos potestativos seriam utilizados não apenas para a afirmação de uma supremacia geral do Estado frente à sociedade, mas para permitir à sociedade a realização de seus interesses coletivos, com uma dimensão que também poderia ser reputada como pública. Desloca-se o condão do poder administrativo: de defesa do soberano para a defesa de interesses públicos.19 Ainda na visão de Cassese, uma terceira vertente do nosso campo de estudo operaria ex parte civis, figurando como elemento regulador das chamadas lutas contra as imunidades do poder, tornando viável a estipulação de limites ao exercício do poder e obrigando a Administração Pú17 É uma ideia extremamente cara, ainda, à própria formação do Direito Administrativo. Segundo lição de Pedro Gonçalves, a exigência de constituir um direito especificamente público, desvinculado dos pressupostos do direito privado, impera entre os administrativistas desde o Estado-Polícia, indicando a necessidade de uma construção dogmática do ato administrativo influenciada por postulados autoritários e de comando. Na doutrina alemã, especialmente a partir de Otto Mayer, tal concepção autoritária é revisitada, considerando a ausência de uma correlação entre o ato administrativo e o poder de comando ou ablação. Defende-se que, em muitos casos, aliás, o exercício do poder depende da manifestação do destinatário; sua autoridade persiste, todavia, porquanto a Administração teria a faculdade de, por si só, verificar a compatibilidade da pretensão com o interesse por ela tutelado (GONÇALVES, cit., p. 610). 18 ENTERRÍA; FERNANDEZ, cit., p. 381. Concordamos com Pedro Gonçalves quando afirma que o poder e autoridade, generalizados no direito público, são fenômenos apenas pontuais nas relações de direito privado (cit., p. 615).

O Direito Administrativo, especialmente no Brasil — onde recebe influência massiva de institutos já cunhados e desenvolvidos no âmbito do direito europeu —, costuma ser estudado sem uma devida percepção do condicionamento histórico de seus institutos. Há, no campo do exercício dos poderes públicos, uma notória ilusão garantista (não na gênese, como apregoado por ilustre professor lusitano, mas no exercício exclusivamente estatal) que demanda uma revisão à luz do marco constitucional. A construção das prerrogativas da puissance publique, assim como sua essencial relação com a persona estatal (publicatio), são manifestações históricas de uma componente autoritária do Direito Administrativo, nada obstante a sua vinculação ao Estado de Direito, que nasce, como é cediço, como Estado Administrativo (ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado. Coimbra: Almedina, 1999, esp. capítulo 01).

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blica a respeitar o princípio da transparência, motivando suas decisões. Trata-se, aqui, de uma nítida influência da componente histórica liberal.20 O desenvolvimento dessas três matrizes históricas não segue a linearidade comum às construções reducionistas; o movimento corrente é o da oscilação (e não o da sucessão), aproximandose o Direito Administrativo ora de instâncias autoritárias, ora de abordagens coletivistas, ora de enfoques liberais. Nesses processos entremeiam-se aspectos de concentração, assistencialismo e defesa do cidadão frente ao Poder Público. Não negamos a relevância da análise tradicional, que ainda é permeada, de maneira muitas vezes monolítica, por algum dos enfoques acima destacados. O movimento que está em curso, no entanto, suscita a necessidade de agregar um fator de tensão novo, em contexto já bastante problemático: a entrega do exercício de funções de autoridade aos particulares tem como corolários imediatos tanto a incorporação de novas formas de ação administrativa, pautadas por uma subjetividade privada, como a criação de núcleos destacados no exercício da autoridade. A ausência de um aprofundamento, doutrinário e legislativo, a respeito do tema, traz sério risco de deixar o cidadão à mercê de um novo autoritarismo, gerando regimes jurídicos semelhantes aos das anacrônicas relações especiais de poder, como nomes referenciais da doutrina nacional já abordam em seus trabalhos mais recentes.21 Nossa contribuição ao aprofundamento do tema apresenta-se, neste estudo, por meio de uma análise problematizante das formas de privatização da autoridade modernamente estudadas. É o que se buscará empreender no próximo item.

2.3 Poderes administrativos: privatização funcional e privatização material Classificações são sempre contingentes, e não faltam esforços, no campo da metodologia da Ciência do Direito, para reforçar essa importante premissa de construção do raciocínio jurídico. No estudo do exercício privado de poderes de autoridade — matéria que, como ressaltamos, reúne categorias díspares e heterogêneas — o esforço classificatório deve ser utilizado de maneira bifronte, atentando-se, concomitantemente, para o seu caráter relativo e para a sua importância na ordenação/ conhecimento de uma realidade que, muitas vezes, apresenta-se caótica ao pesquisador. No direito comparado, como já se observou nas linhas anteriores, a dificuldade de sistematização do assunto é assinalada por todos que o estudam. A tradição jurídica norteamericana, por exemplo, adverte sobre os perigos de inclusão, sob uma mesma rubrica (contracting-out, outsourcing), de fenômenos diversos como a contratualização dos serviços de saúde, do sistema previdenciário e de complexos prisionais. 22 No direito italiano, a expressão esternalizzazioni, apesar de em voga no meio jurídico, é envolta por uma série de dúvidas, a começar pela ausência de um marco legal e pela falta de definição de contornos quanto aos procedimentos utilizados para a contratação do agente privado encar-

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20

CASSESE, cit., p. 57.

21

Cf., especialmente, BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26. ed., 2009, p. 817 et seq.

22

METZGER, cit., p. 1.394.


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regado da execução da tarefa pública distribuída. 23 No ordenamento germânico, onde o tema parece ter sido objeto de maior aprofundamento teórico, há uma nítida preferência pela expressão privatização (privatisierung), à qual se atribui amplo espectro.24

Doutrina

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Consideramos útil — até porque utilizada entre os administrativistas brasileiros, ainda que de modo assistemático — a proposta classificatória que desdobra o exercício da autoridade entre a mera contribuição auxiliar (prática de atos materiais, acessórios ou instrumentais) e a transferência efetiva de responsabilidades. É partindo de tal premissa, constatada na realidade, que Martin Burgi, professor da Rühr-Universität, formulou um norte interessante para sistematização do tema25 ao definir a necessidade de desdobramento entre as formas de exercício compartilhado de funções públicas: i) a privatização funcional, que corresponde a uma mera contribuição dos particulares, com sua capacidade e competência, para a execução de uma função pública pela própria Administração e; ii) a privatização orgânica, na qual uma entidade privada é investida do exercício de um poder público, figurando como depositária da responsabilidade pela execução de uma tarefa que a lei confiou à Administração Pública. Dois níveis de participação podem ser identificados: nesta última, o particular fica investido da execução da tarefa pública — com nítidas projeções em relação ao perfil subjetivo da função administrativa — ao passo que, na privatização funcional, os particulares simplesmente colaboram ou contribuem para a realização dos objetivos estatais. A dicotomia é relevante porque afeta diretamente o conjunto de formalidades relativas ao ato de delegação ou ao contrato em causa, bem como o regime jurídico aplicável ao particular durante a execução do poder ou da função que lhe é atribuída. Pode-se dizer que a privatização funcional de poderes administrativos não tem projeção no seio da organização administrativa e que o regime jurídico aplicável ao delegatário, inclusive no que houver de exorbitante em relação ao direito privado, é decorrência de uma vinculação contratual. Já na privatização orgânica, a entidade privada vê-se investida da tarefa pública, cabendo-lhe assumir, com autonomia, a direção da função que lhe foi incumbida. Haveria aqui um processo de compartilhamento de responsabilidades, com 23 D’ALTERIO, Elisa. L’esternalizzazione delle funzioni di ordine: il caso delle carceri. Rivista trimestrale di diritto pubblico, n. 4, 2008, p. 963.

Die, Privatisierung der Verwaltung kann unter verschiedenen Aspekten betrachtet und diskutiert werden. Sie betrifft den Bereich und die Erledigung von Verwaltungsaufgaben, grundlegende Verfassungs — und Verwaltungsrechtsgrundsätze (demokratische Legitimation, Rechtstaatprinzip, Sozialstaatprinzip), die Rechtsformen des Verwaltungshandelns, das Verwaltungsverfahren und Verwaltungsorganisation” (MAURER, Hartmut. Allgemeines Verwaltungsrechts, p. 614). Na edição mais recente de seu famoso manual (Munique, 2009), o professor alemão propõe uma nova classificação das formas de privatização da Administração Pública. Temos, assim: (i) privatização organizacional ou formal (organisationsprivatisierung oder formelle Privatisierung), por meio da qual o Estado institui pessoas privadas, crias pessoas mistas, ou associa-se a organizações já existentes, valendo-se da flexibilidade gerencial do Direito Privado (algo próximo ao que temos aqui com os entes de direito privado da administração indireta); (ii) privatização funcional (funktionale Privatisierung), por meio da qual o Estado encarrega o particular da execução de algumas tarefas, na condição lata de assistente administrativo (Verwaltungshelfer), valendo-se de suas específicas habilidades e competências e entregando-lhe as principais responsabilidades pela execução da tarefa; (iii) privatização material (materielle Privatisierung), por meio da qual o Estado entrega a total responsabilidade de uma tarefa aos particulares, assumindo funções de resguardo, supletivas e subsidiárias e; (iv) alienação de ativos (Vermögensprivatisierung), modalidade em que o Estado se desfaz de seu patrimônio, bens e ativos (incluindo ações de sociedades e outros títulos), entregando-os à iniciativa privada (cit., p. 616). Importante ainda, no direito alemão, a distinção entre o concessionário (Beliehene) e o assistente administrativo (Verwaltungshelfer), considerando que este último funciona como um mero instrumento de realização de funções de autoridade, persistindo o poder decisório com o Poder Público.

24

BURGI, Martin. Funktionale Privatisierung und Verwaltungshilfe. Tübingen: Mohr Siebeck, 1999. O autor considera que no âmbito da privatização orgânica se inclui a criação de entes de direito privado pela Administração. Observe-se, portanto, que não há coincidência com a terminologia utilizada por Hartmut Maurer, especialmente no que tange à chamada privatização funcional e ao enquadramento conceitual dos colaboradores administrativos.

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um regime jurídico mais rigoroso envolvendo a reserva da legalidade e outros temperamentos no regime jurídico de Direito Público (vinculações jurídico-públicas, ou aplicação do chamado Direito Privado Administrativo), eventualmente estipulados em lei ou contrato. Existem, como facilmente se pode concluir, limites intrínsecos e extrínsecos ao uso de tal modalidade de privatização, cujos contornos não serão discutidos nesta sede. Considerando o interesse específico do trabalho, importa concluir que a investidura do particular em poderes administrativos, bem como a sua concreta extensão, são elementos indispensáveis para identificar a responsabilidade na gestão de uma determinada atividade e, portanto, em qual das modalidades de privatização se está a incorrer.26 A figura da privatização orgânica envolvendo a atribuição de poderes de autoridade a entidades privadas é, sem dúvida, a que desperta o maior número de problematizações. Não se deve minimizar o confronto, uma vez que, nesse campo, existe uma tensão interna inerente: o particular tem o corpo no Estado, mas seu espírito pertence à Sociedade.27 Num intento de sistematização, pode-se afirmar que a privatização orgânica resulta de três circunstâncias básicas: a) contratualização — de que é exemplo mais comum a concessão (Beleihung) —, abdicando o Poder Público das prerrogativas quanto ao exercício imediato de uma determinada tarefa; b) delegação legislativa específica e; c) criação de uma entidade administrativa formalmente privada (de que seria exemplo mais típico, no caso brasileiro, a empresa estatal). Para a expressão dominante na doutrina nacional, as hipóteses aqui identificadas como de privatização orgânica da autoridade derivam de excepcionalidades legislativas ou de desvios quanto ao uso de determinado instrumental ou instituto do Direito Administrativo. É assim, por exemplo, que se vai reconhecer e enquadrar as inúmeras funções de autoridade exercidas pelos capitães de navio e comandantes de aeronave,28 ou das atribuições de efetivação do processo

Esclarecedor é o caso dos radares, citado por Burgi (cit., p. 145). Nos anos 90, as autoridades administrativas alemãs com atribuições de fiscalização de trânsito contratavam empresas para a instalação de aparelhos de medição de velocidade dos veículos. Diante de tais contratos, entendiam os tribunais administrativos que a mera instalação de radares constituía auxílio administrativo (Verwaltungshilfe). O que transcendesse tal atuação, como no caso da verificação e medição da velocidade, bem como a documentação das infrações, deveria ser considerado delegação de responsabilidade (ocorrendo, portanto, por meio da Beleihung). A posição restritiva da jurisprudência foi criticada de modo contundente pela doutrina, o que gerou uma revisão do posicionamento.

26

27

GONÇALVES, cit., p. 395.

Os atos jurídicos expressivos de poder público, de autoridade pública, e, portanto, os de polícia administrativa, certamente não poderiam, ao menos em princípio e salvo circunstâncias excepcionais ou hipóteses muito específicas (caso, e.g., dos poderes reconhecidos aos capitães de navio), ser delegados a particulares (BANDEIRA DE MELLO, Curso..., p. 832). O eminente professor, infelizmente, não menciona que circunstâncias poderiam autorizar tais atribuições excepcionais de poder pelo legislador, o que faz lançar o esforço explicativo de um tema tão relevante, como é o do exercício das potestades administrativas, na seara do casuísmo ou das justificativas amparadas por um viés pragmático. Nos termos do Código de Aeronáutica em vigor (Lei n. 7.565/86), a saber, a autoridade do comandante de aeronave é exercida durante todo o vôo sobre as pessoas e coisas que se encontrem a bordo, podendo ainda: I — desembarcar qualquer delas, desde que comprometa a boa ordem, a disciplina, ponha em risco a segurança da aeronave ou das pessoas e dos bens; II — tomar as medidas necessárias à proteção da aeronave e das pessoas ou bens transportados; III — alijar a carga ou parte dela, quando indispensável à segurança do vôo (arts. 165 a 168). Reputamos dispendioso, desnecessário e irracional que a Administração Pública escale um imenso contingente de funcionários seus para cumprir todas as funções enumeradas. O que não se pode, todavia, é admitir, de modo irrefletido, que um pressuposto fático ou utilitário sirva ao enquadramento de apenas uma parcela dos problemas jurídicos, tornando inacessível o objeto de estudo, ao invés de simplificar a sua compreensão. Do outro lado do oceano, no direito italiano, o comandante de navio figura como um dos mais antigos exemplos de exercício privado de poderes públicos de comando e disciplina sobre a gente di mare (ZANOBINI, cit., p. 411). 28

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expropriatório por meio de concessionários de serviços públicos29 e, ainda, a atribuição de competências fiscalizatórias a entidades administrativas regidas pelo Direito Privado.30 Em regra, a abordagem é casuística e parte de falsos supostos, relegando-se o assunto à seara do ostracismo ou da abordagem turvada por preconceitos injustificáveis.

Doutrina

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Por sua vez, a chamada privatização funcional, a despeito de nunca ter sido objeto de um tratamento sistematizado, não é alvo de maiores preocupações, tendo em vista que, aprioristicamente, é inócua sob o ponto de vista da responsabilidade do Estado no cumprimento de suas tarefas institucionais, considerando que as atividades privadas são de mera colaboração ou execução. Reputamos necessário, todavia, um esforço compreensivo mais detido a respeito da categoria, bem como de suas implicações reais e virtuais.

2.4 A privatização funcional entre a cooperação e a cooptação No âmbito da privatização funcional, especialmente no que tange ao exercício de poderes públicos, o setor privado atua como mero colaborador, auxiliar ou assistente da Administração Pública. Usando de terminologia mais corrente, podemos afirmar que há, nesses casos, terceirização, o que vale dizer, o recurso aos serviços e meios de terceiros numa área que se mantém sob a responsabilidade do Poder Público. Para que ocorra, é fundamental que a contribuição dos particulares se dê no âmbito do Direito Privado, sem participação direta no exercício de uma função pública. O peculiar formato da figura suscita um questionamento reiterado: haveria, nesta hipótese, uma verdadeira privatização? A despeito de figurar com sentido diverso daquele que, tradicionalmente, é o mais conhecido (especialmente como venda de ativos com transferência de titularidade de empresas, em sentido que popularizou a expressão no Brasil durante a década de 90), na privatização funcional a Administração Pública prescinde da utilização de seus próprios meios, preferindo o recurso a um instrumental externo, que contribui para a execução de uma atividade típica à função administrativa. Nesse campo, os particulares podem contribuir na preparação (atividade antecedente) e na execução/efetivação (atividade subsequente) de uma determinada atividade administrativa. Tal hipótese, na qual particulares contribuem para a preparação de uma determinada decisão ou atividade pública, é tratada com naturalidade pela doutrina nacional. Na seara do poder de polícia, partindo-se da premissa axiomática que propõe a sua indelegabilidade, é admitida a transferência das chamadas atividades instrumentais, de natureza técnica ou material, Decreto-lei n. 3.365/41, art. 3°: Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas do poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato.

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30 O Superior Tribunal de Justiça, em recente acórdão (STJ, 2a Turma, REsp 817.534/MG, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, p. em 10/12/2009), em que se discutia a regularidade do exercício de competências fiscalizatórias de trânsito pela BHTrans (sociedade de economia mista municipal), desenvolveu argumentação superficial e rasteira a partir da qual conclui que: No que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por particulares estaria, inclusive, comprometido pela busca do lucro — aplicação de multas para aumentar a arrecadação. Na doutrina acompanham este entendimento, dentre outros, Diógenes Gasparini (Polícia de trânsito. Competência e indelegabilidade. Revista da PGE de São Paulo, n. 36, p. 1.262 et seq.) e Álvaro Lazzarini (Estudos de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: RT, 1999). Em sentido contrário: José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006) e Carlos Ari Sundfeld (Empresa estatal pode exercer o poder de polícia. Boletim de Direito Administrativo, n. 2. São Paulo: NDJ, 1993).

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visando à produção de uma decisão policial pelo Estado. Tais misteres privados geralmente se desencadeiam por meio do chamado credenciamento.31 Burgi acentua, na hipótese, a necessidade de uma clara delimitação conceitual, sob o risco de uma delegação fática da autoridade (faktische Beleihung).32 Afirma, ainda, que a Administração recorre a organismos externos por não deter competências técnicas nem recursos e, naturalmente, não disporá de condições para efetuar uma recepção crítica dos resultados que aqueles apresentam, para eventualmente corrigi-los ou descartá-los, se for caso. O recurso a colaboradores pode, assim, provocar a privatização de fato de um poder administrativo de decisão, uma vez que as bases do juízo ficam, na prática, nas mãos das entidades privadas, que atuam segundo o direito privado e segundo suas motivações privadas.33 A proposta por soluções de enquadramento de tais particulares em um chamado regime jurídico-administrativo mínimo é medida de caráter impositivo, sobretudo, em vista dos inúmeros contratos que o Poder Público celebra em busca de manifestações técnicas de particulares com base em inexigibilidade inominada de licitação (art. 25 da Lei n. 8.666/93). A regulação do tema poderia tangenciar, por exemplo, alguns aspectos que permitam à Administração, se não uma recepção crítica, ao menos uma avaliação quanto à idoneidade da colaboração, que deve remontar aos critérios de escolha do Verwaltungshelfer, assim como à observância de balizas mínimas do regime jurídico-administrativo, revelando-se, por exemplo, em diretrizes de objetividade e imparcialidade na produção da atividade de apoio à tomada de decisão. De outro lado, é possível, também, a privatização funcional no campo da execução de uma determinada decisão administrativa ou na efetivação de uma função estatal típica, o que ocorre, em regra, por meio de operações materiais34 realizadas pelo particular. Interessa-nos, diretamente, esta forma de privatização no âmbito da contratação, pelo Poder Público, de empresas de segurança privada, contexto no qual são flagrantes as dúvidas a respeito da posição jurídica encampada pelos particulares contratados. A segurança, como se sabe, é uma das áreas nucleares da autoridade estatal. Como realizar, pois, o enquadramento jurídico da contratação dos serviços de segurança privada pela Administração? Atuariam tais particulares como meros auxiliares, regidos pelo Direito DALLARI, Adilson. Credenciamento. In: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Estudos de direito administrativo em homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 191. Também na obra de Bandeira de Mello é possível colher lição semelhante: É certo que particulares podem ser contratados para a prática de certos atos que se encartam no bojo da atividade de polícia, pelo menos nas seguintes hipóteses: (...) para atividades materiais que precedam a expedição de ato jurídico de polícia a ser emitido pelo Poder Público, quando se tratar de mera constatação instrumental à produção dele e efetuada por equipamento tecnológico que proporcione averiguação objetiva, precisa, independentemente da interferência de elemento volitivo para reconhecimento e identificação do que se tenha de apurar (BANDEIRA DE MELLO. Serviço público e poder polícia: concessão e delegação. Revista trimestral de Direito Público, n. 20. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 27).

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BURGI, cit., p. 163.

A seguir um critério de coerência, o mais correto, na hipótese, seria a exigência de lei para a contratação de colaboradores, por reconhecer que na hipótese se deflagra um exercício efetivo da autoridade. Parece não ser essa, contudo, a melhor solução, considerando a sua pouca aderência à realidade.

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Na lição de Bandeira de Mello (Curso..., p. 379), são atos materiais atividades como o ministério de uma aula, uma operação cirúrgica realizada por médico no exercício da atividade como funcionário, a pavimentação de uma rua etc. Por não serem sequer atos jurídicos, também não há interesse em qualificá-los como atos administrativos. Esses comportamentos puramente materiais da Administração denominam-se “fatos administrativos”.

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Privado? Ou seriam agentes investidos de funções públicas, tal como se deflagra na esfera da privatização orgânica? Eis o tema a ser desenvolvido nos itens seguintes.

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3 O perfil da atividade de segurança privada: fundamentos jurídicoconstitucionais e confronto com a função de segurança pública 3.1 A dimensão política do problema da segurança privada A questão da segurança privada figura no rol, já perigosamente amplo, dos temas menoscabados pela tradição jurídica brasileira. É na ciência política e na sociologia que encontramos, especialmente a partir da década de 1990, o escólio crítico capaz de estear uma análise mais fundamentada sobre o assunto. Tal se deve, como é próprio do campo de investigação daquelas ciências, à percepção clara de um fato social tornado, por sua peculiar natureza, um problema político e sociológico: o incremento exponencial das contratações de serviços de segurança privada nas sociedades capitalistas ocidentais. Para se ter uma dimensão do fenômeno, os últimos dados a respeito do desenvolvimento do setor no Brasil (2005) contabilizam 557,5 mil vigilantes efetivamente em atuação, excluídos desse contingente aqueles que atuam fora do âmbito da regulação formal, bem como os que, a despeito de devidamente registrados, estariam desempregados. A título de comparação, em 2003, de acordo com o Ministério da Justiça, o contingente de forças públicas de segurança pública somadas atingia 506,4 mil pessoas, considerando policiais civis (115.960) e militares (390.451).35 O diagnóstico mais corriqueiro, a partir de tais dados, apregoa que a sociedade moderna estaria se movendo conforme um paradigma da insegurança:36 não sair à noite, evitar lugares determinados, ou manter certos padrões estáveis de comportamento diante do amedrontamento passaram a ser fatos corriqueiros. Muitos haurem vantagens com essa cultura (agentes imobiliários, meios de comunicação e empresas de entrega em domicílio, por exemplo), ao mesmo tempo em que se cria uma nova configuração dos vínculos sociais e dos sistemas de crenças mais elementares a partir de um sentimento socialmente construído. Desde uma perspectiva política, jurídica e institucional, o recurso crescente às formas de segurança privada poderia denotar certo anacronismo do Estado moderno, eis que, como de universal conhecimento, este reservou para si o monopólio do uso da violência e da força, proibindo os particulares de recorrerem à vingança privada, a despeito de seus impulsos muitas vezes Os dados são fornecidos por trabalho de tomo de André Zanetic, (Segurança privada: características do setor e impacto sobre o policiamento. Revista Brasileira de Segurança Pública, n. 4. São Paulo, março/abril de 2009, p. 137). Considerando o contingente formalmente registrado, o número ao final de 2005, segundo informações do Departamento de Polícia Federal, chega a 1,28 milhão de vigilantes.

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É análise que faz Fréderic Ocqueteau a partir da evolução do setor de segurança privada na França. Segundo o pesquisador, três são as razões decisivas para o seu incremento: a) uma crise de eficácia na regulação clássica da repressão estatal; b) dificuldades de ordem sócio-histórica para regular a violência urbana; e c) lobby eficaz da parte dos profissionais da segurança privada. (A expansão da segurança privada na França: privatização submissa da ação policial ou melhor gestão da segurança coletiva? Tempo Social: Revista de Sociologia da USP n. 09. São Paulo, maio de 1997, p. 187). Em trabalho que é referência obrigatória sobre o tema, Teresa Caldeira, professora do departamento de antropologia da Universidade da Califórnia, afirma que a segurança privada tornou-se um elemento central do novo e já muito difundido padrão de segurança urbana baseada em enclaves fortificados (Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34/Edusp, 2000, p. 190).

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assim o desejarem.37 Analistas mais céticos vão afirmar que tal reserva parece cada vez menos aderente às sociedades contemporâneas, considerando uma suposta atomização do Estado, associada à revisitação de alguns padrões de governabilidade; por sua vez, a mudança estrutural da esfera pública e o compartilhamento de funções estatais em um ambiente transnacional reforçariam o mesmo diagnóstico.38 Discordamos de um enfoque assim alarmista. Parece comum a todos os ordenamentos jurídicos mais civilizados que certas situações-limite, nas quais não haja possibilidade de recurso útil à segurança pública, sejam perfeitamente admissíveis sem que se considerem perturbados, com isso, os termos do contrato social. O direito de resistência, o estado de necessidade, a legítima defesa, o desforço imediato na defesa da posse e a prisão em flagrante por qualquer indivíduo corroboram a hipótese de que a força privada é reconhecida. O que se deve empreender, no caso, é uma percepção quanto à mudança de fundamento do monopólio da violência estatal, que constitui, na atualidade, uma garantia de segurança e liberdade dos cidadãos, e não mais um mero instrumento de engrandecimento do poder político, tal como representara no início da Idade Moderna.39 No caso da segurança privada, o seu fundamento jurídico-político reside, exatamente, na compreensão de que a autodefesa pelos particulares, dentro dos limites constitucionais, é tolerada: o Estado permanece com o monopólio do uso da força, mas não possui o monopólio para a satisfação das necessidades coletivas de segurança. Tal premissa é claramente adotada pelo Texto Constitucional em vigor, quando afirma, em seu art. 144, que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos.40 É evidente que o reconhecimento dos serviços de segurança privada comporta alguns riscos, como, por exemplo, o de perpetuação e reforço dos mecanismos de desigualdade social, a violação aos direitos humanos, além do estímulo ao desenvolvimento de milícias privadas que se

37 O Gewaltmonopol seria um verdadeiro princípio constitutivo do Estado, assentado diretamente na filosofia política (cf. verbete violência em BOBBIO, Norberto et. al. Dicionário de Política. Vol. 2. Brasília: Ed. UnB, 2000). O recurso aos clássicos do pensamento político nos demonstra a intrínseca associação do monopólio da força com o nascimento das monarquias absolutistas. Thomas Hobbes, por exemplo, afirma em seu trabalho mais conhecido que: se não for instituído um poder suficientemente grande para a sua segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar apenas, na sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros (Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 157). Séculos depois, em Max Weber, o postulado seria reformulado sociologicamente como fundamento de legitimação do Estado, definido como aquela comunidade humana que, no interior de um determinado território (...) reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima. Porque o específico da atualidade é que às demais associações ou pessoas individuais somente seja concedido o direito à coação física na medida em que o Estado o permita. Este se considera, portanto, a única fonte do direito de coação (Economia e Sociedade. Brasília, Ed.UnB, 2004, p. 526).

WIERVORKA, Michel. O novo paradigma da violência. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, n. 09. São Paulo, maio/1997, p. 19. A análise de Jacques Chevallier (cit., p. 67) caminha em sentido inverso: a ameaça terrorista e as novas formas de delinquência confeririam ao Estado responsabilidades acrescidas, permanecendo como regulador de um sistema tornado complexo por processos de substituição, delegação e externalização. Já Klaus Günther, em texto recente, afirma que a sociedade ocidental contemporânea caminha, perigosamente, para uma opção pela segurança em detrimento da liberdade; em paralelo, o Estado se transforma em agência de segurança que compete e coopera com outros provedores de serviços de segurança (Os cidadãos mundiais entre a liberdade e a segurança. Novos Estudos CEBRAP, n. 83. São Paulo, mar./2009, p. 15).

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ADORNO, Sérgio. Monopólio estatal da violência na sociedade brasileira contemporânea. In: MICELI, S. e outros (org.). O que ler na ciência social brasileira (1970-2002). São Paulo: Sumaré, 2002.

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Curioso observar que o surgimento oficial dos serviços de segurança privada no Brasil ocorreu sob determinação legal do Poder Público, pelo Decreto Federal n. 1.034/69, para atuação das empresas de segurança nas instituições financeiras. A imposição perdura até os dias de hoje, tendo se estendido, por força do art. 1° da Lei n. 7.102/83, a todo estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentação de numerário.

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valem de espaços carentes de estatalidade,41 compondo uma espécie de neofeudalismo. Fazse mister, portanto, destacar que, a despeito de legítimos, os serviços de segurança privada ocupam lugar próprio, especialmente quando contrastados frente à competência de órgãos e serviços de segurança do Estado. A definição de tais contornos e limites é tarefa indispensável à compreensão do seu regime jurídico.

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3.2 Regime jurídico da atividade de segurança privada e exercício subsidiário da força entre particulares Como assentado no tópico anterior, não temos dúvida de que a segurança privada é um componente indispensável ao sistema de segurança interna, revelando-se como um dos elementos da intrincada teia de controle social.42 Trata-se de atividade privada,43 desenvolvida na maioria dos casos com o escopo de lucro, no âmbito de um mercado de segurança regulado legal e administrativamente. Antes de examinar o tratamento outorgado pelo direito positivo à matéria, convém ressaltar que a atividade de segurança privada está submetida a um limite teleológico e funcional: a segurança privada só pode ter por objeto a segurança interna, nunca a segurança externa do Estado, aqui compreendida a segurança externa como atividade de salvaguarda da independência nacional e da integridade do território.44 As linhas diretrizes de tal regulação foram estabelecidas no direito brasileiro pela Lei n. 7.102, de 20 de junho de 1983. No diploma, a segurança privada é apresentada como subsidiária e complementar à segurança pública, estando suas atividades sujeitas à regulação, controle e fiscalização pelo Departamento de Polícia Federal, ligado ao Ministério da Justiça. A atividade de segurança, por sua vez, desdobra-se entre os segmentos de: a) vigilância patrimonial (preservação de bens e patrimônio e prevenção de riscos decorrentes de ações crimiNa verdade, a expansão do setor de segurança privada apresenta para a organização do policiamento em qualquer lugar, a ponto de analistas em países desenvolvidos argumentarem que ele ‘tem profundas implicações para a vida pública (...) a vitalidade dos direitos civis e o caráter do governo democrático. Se isso é verdade em democracias bem consolidadas, pode-se imaginar as consequências no contexto brasileiro, com a deslegitimação das instituições de ordem e dos abusos policiais (CALDEIRA, cit., p. 199). Continua afirmando que com a difusão da segurança privada, a discriminação contra os pobres pelas forças de “segurança” é dobrada. Por um lado, eles continuam a sofrer os abusos da polícia. Por outro, como os ricos optam por viver, trabalhar e consumir em enclaves fortificados usando os novos serviços de segurança privada para manter os pobres e todos os indesejáveis de fora, os pobres tornam-se vítimas de novas formas de vigilância, controle, desrespeito e humilhação (cit., p. 204). Cf. tb o pioneiro ensaio de Antônio Paixão sobre as implicações do exercício da segurança privada relativamente aos direitos humanos (Segurança privada, direitos humanos e democracia. Notas preliminares sobre novos dilemas políticos. Novos Estudos CEBRAP, n. 31. São Paulo, 1991). 41

O conceito de controle social refere-se, virtualmente, a todas as atividades que, de alguma forma, contribuem para a ordem social de uma da comunidade, o que inclui parentes, escolas, mídias, igrejas e entidades correlatas (ZANETIC, cit., p. 135).

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O enquadramento da atividade de segurança privada como mercancia não amealha adesões tranquilas. Nossa consulta ao direito espanhol permitiu verificar uma preferência especial pela inserção do tema na seara da segurança pública, como ressalta Manuel Carrasco em monografia sobre o tema: (...) no cabe duda de que lo relativo a los servicios de seguridad privada forma parte de la matéria “seguridad pública” por los siguientes motivos: en primer lugar, porque estos servicios tienen como objeto la protección de personas y bienes, y lo que es aún más importante, tienen un carácter instrumental (complementaried y subordinación) de cara a las actividades proprias de las Fuerzas y Cuerpos de Seguridad; y en segundo lugar, porque estos servicios, al mismo tiempo, constituyen un grave riesgo para el proprio mantenimiento de tranquilidad y el orden público (La seguridad privada: régimen jurídico-administrativo. Valladolid: Lex Nova, 2004, p. 44). Parece-nos perigosa tal posição, uma vez que aproxima a atividade de segurança privada, de maneira desautorizada, do âmbito da segurança pública, favorecendo, a médio prazo, o surgimento de exércitos privados. 43

Atividade que parece ter sido reservada constitucionalmente às Forças Armadas, por conta do preceituado pelo seu art. 142, além da regulamentação constante na Lei Complementar n. 97/99.

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nosas); b) segurança orgânica (empresas que, ao invés de contratar serviços especializados das empresas de proteção constituem seus próprios organismos de segurança); c) segurança pessoal (acompanhamento e proteção de empresários, políticos, executivos etc.); d) curso de formação (treinamento e qualificação de vigilantes); e) escolta armada (acompanhamento motorizado armado) e; f) transporte de valores. Dentre tais atividades, sem dúvidas, as que suscitam maior interesse, em função de sua utilização intensiva, são as duas primeiras. Segundo a Portaria n. 387/2006, do Departamento de Polícia Federal, os serviços de vigilância patrimonial deverão ser exercidos dentro dos limites dos estabelecimentos, urbanos e rurais, públicos ou privados, com a finalidade de garantir a incolumidade física das pessoas e a integridade do patrimônio no local, ou nos eventos locais (art. 1°, § 3°, I). Com relação à atividade desempenhada por esse segmento, esta somente poderá ser exercida dentro dos limites dos imóveis vigilados (sic) e, nos casos de atuação em eventos sociais, como show, carnaval, futebol, devem se ater ao espaço privado objeto do contrato (art. 13). Por sua vez, as empresas possuidoras de serviços orgânicos de segurança também estão limitadas quanto ao âmbito de sua atividade, que (...) somente poderá ser exercida dentro dos limites dos estabelecimentos da empresa com serviço orgânico de segurança, assim como das residências de seus sócios ou administradores, com a finalidade de garantir a incolumidade física das pessoas e a integridade do patrimônio no local, ou nos eventos sociais (art. 60).

Com relação à abrangência territorial dos serviços de segurança privada, uma delimitação essencial sobre a atuação do setor diz respeito à impossibilidade de se fazer o policiamento em áreas públicas, atividade constitucionalmente reservada às polícias militares.45 Ressalvadas, assim, as hipóteses de transporte de valores, escolta armada a transporte de cargas e proteção de pessoas (segurança pessoal), os vigilantes46 estão juridicamente circunscritos a policiarem áreas restritas aos estabelecimentos privados. A partir da análise do marco legal, ainda que perfunctória, é possível extrair alguns postulados gerais para o desenvolvimento da atividade de segurança privada no Brasil: a) subsidiariedade, que pressupõe a primazia das forças e instituições de segurança pública, cuja competência é expressamente instituída no Texto Constitucional, devendo a segurança privada intervir em setores periféricos da vida social ou âmbitos que não podem ser garantidos por uma atuação estatal; b) tipicidade, que resulta de sua enumeração expressa, figurando como consectário do caráter supletivo do mercado de segurança; c) não usurpação de poderes públicos, que se Art. 144. (…) § 5°. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

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Os agentes autorizados a atuar de modo oficial no mercado de segurança privada são designados vigilantes, profissionais capacitados pelos cursos de formação, empregados das empresas especializadas, e das que possuem serviço orgânico de segurança, registrados no Departamento da Polícia Federal — DPF, responsáveis pela execução das atividades de segurança privada (Portaria 387/2006 — DG/DPF, art. 2°, III). De acordo com o mesmo ato normativo, os vigilantes que atuam em nome de empresas de vigilância patrimonial, quando em serviço, podem portar revólver calibre 32 ou 38, além de cassetete (de madeira ou borracha) e algemas. Fora esses instrumentos, veda-se o uso de qualquer outro objeto não autorizado pela Coordenação Geral de Controle de Segurança Privada. Outras armas, de natureza não letal (borrifadores de gás pimenta e arma de choque elétrico, por exemplo), são permitidas nas atividades de vigilância, havendo treinamento e capacitação para o uso desses instrumentos.

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concretiza na proibição da prática de atos cuja competência tenha sido outorgada, legal ou constitucionalmente, a alguma autoridade pública (especialmente as policiais e as judiciárias); d) preventividade, o que realça a vocação preventiva da atividade de segurança privada, especialmente quando mobilizada para a regulação e controle do acesso e; e) proporcionalidade, mensurada em suas perspectivas de necessidade e adequação quanto às medidas encetadas.

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A natureza subsidiária da atividade de segurança privada figura, incontestavelmente, como uma importante linha divisora frente aos encargos de segurança pública assumidos pelo Estado. A segurança pública tem por finalidade a proteção da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (cf. precitado art. 144 da CRFB), além de expressar, como assinalado, o exercício da autoridade pública no campo do poder de polícia — figurando como uma das principais vertentes da polícia administrativa, denominada por Hely Lopes Meirelles como polícia de manutenção da ordem pública.47 São suas características principais: a) a garantia do valor da convivência pacífica e harmoniosa, que exclui a violência das relações sociais; b) a pertença (ou pertinência) originária ao Estado, a quem o Texto Constitucional e a tradição política ocidental entregaram o monopólio do uso da força na sociedade e; c) a garantia da ordem pública, contra a ação de seus perturbadores, por meio do exercício do poder de polícia pela Administração.48 Já os serviços de segurança privada têm o seu escopo jungido à proteção de direitos eminentemente subjetivos e particulares, tais como a vida, a liberdade, o patrimônio e a incolumidade física, constituindo-se como manifestação organizada da autotutela de direitos fundamentais. Nesses casos, é encargo inafastável do Estado-legislador, no seio de seu monopólio de regulação do emprego da força — monopólio com caráter taxativo e absoluto — definir os termos efetivos e concretos em que tal exercício privado da força se desdobrará. Nossa conclusão fundamental, ao menos por ora, é a de que a segurança privada, assim como todas as atividades que lhe são correlatas, não implica um exercício de competências públicas transferidas, delegadas, contratadas ou capturadas pelo agente privado; revelam-se, antes, como legítimo emprego da força nas relações entre particulares, em caráter de excepcionalidade. Não se cuida, pois, de uma atuação em nome do Estado, da lei, ou da segurança pública, mas sim de um desdobramento de direitos fundamentais (especialmente o de propriedade), no âmbito da autonomia ética inerente a cada indivíduo.

4 A contratação de serviços de segurança privada pelo estado: entre a privatização funcional e a delegação irregular de potestades administrativas A atividade de segurança privada, como assinalado no tópico anterior, lança problemas relevantes a respeito do papel estatal na provisão de funções eminentemente públicas,49 como ocorre no caso da preservação e defesa da ordem. Resulta paradoxal, para dizer o mínimo, descobrir que fora a própria Administração Pública uma das principais responsáveis pelo incremento da 47 MEIRELLES, Hely Lopes. Polícia de manutenção da ordem pública e suas atribuições. In: CRETELLA JR., José (org.). Direito Administrativo da Ordem Pública. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 91. 48

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Administrativo da segurança pública. In: CRETELLA JR., José (org), cit., p. 76.

Em texto já clássico, Fernando Sainz Moreno encabeça o discurso quase uníssono de que: garantizar la seguridad ciudadana es uma función pública y fundamentalmente encomendada a órganos públicos. (Ejercicio privado de funciones públicas. Revista de Administración Pública, n. 100, p. 1.775). 49

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atividade de segurança privada, tanto no exterior como por aqui. Ao contrário da impressão deixada por um juízo corrente, de que a procura pela atividade de vigilância patrimonial estaria concentrada nos condomínios e nas grandes residências, números da pesquisa mais recente sobre o setor, provenientes da Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transportes de Valores — Fenavist, apontam o Poder Público como maior contratante do mercado (utilizando cerca de 40% dos vigilantes).50 A utilização de empresas de segurança privada pela Administração também suscita, como não poderia deixar de ser, debates complexos que derivam das dificuldades pragmáticas para uma delimitação rigorosa do terreno da segurança privada em face à da segurança pública. Como vimos no capítulo anterior, na prestação dos serviços de segurança as empresas oficialmente autorizadas atuam no âmbito do direito privado, exercendo poderes privados que podem, como ultima ratio, materializar o uso da força e da coação física pelos vigilantes. Tais agentes, como atuam na esfera privada, exercem os poderes de uso da força pertencentes a todos (ex.: legítima defesa, prisão em flagrante), podendo, ainda, receber autorização para a manifestação de poderes derivados de seu eventual contratante, nos quais se incluem a defesa da posse e o poder de decidir sobre quem pode entrar e permanecer em um determinado local, ainda que por meio do uso da força. É tranquila a correlação do tema com a privatização funcional, na medida em que esta pressupõe que o serviço adquirido pela Administração configure-se como atividade privada, promovendo-se a troca de uma atuação pública por uma manifestação particular de mesmo conteúdo. Nem tão serena, todavia, é a conclusão a que se chega quanto aos danos potencialmente ocasionados por tal atividade, uma vez que suscita o risco de uma privatização inconstitucional da segurança pública, além de uma nefasta instrumentalização de poderes privados para a realização de fins públicos. Por promoverem desdobramentos diferentes, reputamos relevante a separação, ao considerar as hipóteses de segurança privada contratada pelo Poder Público, quando o objeto da proteção for um bem público de uso especial ou um bem público de uso comum do povo, aberto a todos e de livre circulação.51

4.1 Segurança e vigilância privada em bens públicos de uso especial Segundo conceito de Floriano de Azevedo Marques Neto, são bens de uso especial aqueles que se prestam a suportar o exercício de funções públicas, porém em caráter instrumental; neles a função pública não é exercida pela mera disponibilidade do bem ao uso geral e incondicionado de todos os administrados, mas sim pela reserva do bem a um uso por parte de um grupo específico de cidadãos que, mediante este uso, satisfazem necessidades da coletividade.52 O bem Dados colhidos por ZANETIC, cit., p. 138 et seq.. Há também, na mesma pesquisa, a informação de que a Administração Pública responde por 49% das contratações de vigilantes na segurança orgânica. No direito espanhol, segundo análise de Zigorraga, o fenômeno é similar: (...) no nos queda sino adverar que la línea de progresion y estímulo de la Seguridad Privada a partir de los datos expuestos, no sólo se halla impulsada por la economia privada, sino, por paradójico que pueda resultar, es también la Administración la que, sintiéndose impotente para autoprotegerse con fuerza pública, recurre en gran medida al fomento y expansión de la Seguridad Privada (Perfiles e problemática de la seguridad privada en el ordenamiento jurídico español. Revista de Administración Pública, n. 118, 1989, p. 133).

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51 Não vislumbramos maiores problemas quanto à utilização da segurança privada para a proteção de bens dominicais, considerando que sobre eles a Administração exerce poderes de disposição que são típicos do dominus privado. 52 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Bens públicos: função social e exploração econômica: o regime jurídico das utilidades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 214. Segundo o art. 99, II, do Código Civil Brasileiro, são bens públicos de uso especial os edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias.

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de uso especial é consagrado a um serviço ou um estabelecimento público, e quem figura como seu usuário direto é o Poder Público, ainda que o faça para disponibilizar serviços ou utilidades aos administrados.

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O professor paulista lembra ainda que a utilização de um bem de uso especial não se pauta, geralmente, pela generalidade, embora se deva ter em mente o fato de que, de algum modo, a coletividade haverá de se beneficiar, ainda que indiretamente, de tal uso. O acesso ao bem pode ser livre, condicionado (sujeito a autorização), limitado (por exemplo, aos usuários inscritos de uma biblioteca) ou vedado ao público. Destaquemos primeiramente a hipótese de edifícios fechados ao público. Na medida em que esteja em causa a sua proteção, a contratação de serviços de segurança privada parece não oferecer maior dificuldade, uma vez que a entidade pública responsável pelo edifício tem o dever de protegê-lo, como qualquer outro particular em relação ao bem imóvel de que seja proprietário. Como nenhum particular possui direito subjetivo de acesso ao bem ou ao serviço que eventualmente venha a se instalar ali, não se coloca qualquer problema de direito público na questão. Assim, não parece haver obstáculos à privatização funcional de que decorra a contratação de empresas de segurança para a operação de edifícios fechados ao público. Diferenças surgem, no entanto, quando se discute o controle de entrada, saída e presença de pessoas em edifícios abertos ao público. O problema fundamental não está no campo das atividades mecânicas e rotineiras (como, por exemplo, a solicitação de identificação do cidadão que pretende entrar em local de acesso restrito), mas na possibilidade de uso da força (bem como de outras medidas de natureza grave), pelos vigilantes, em circunstâncias nas quais estes se veem confrontados com situações atípicas (como ocorre, a título exemplificativo, na hipótese de pessoa embriagada que provoca tumulto em edifício público de acesso livre). Situações de tal ordem poderiam suscitar medidas de expulsão ou proibição da entrada, inseridas no campo material da segurança privada? Como aduzimos na primeira parte do trabalho, o âmbito da privatização funcional está delimitado pela possibilidade de se substituir uma atuação do Poder Público por outra dos particulares, sendo necessário e imperativo, para tanto, que o sujeito privado se limite a colaborar com a execução de um mister administrativo. É de se concluir, a partir dos termos anteriormente expostos, que o Verwaltungshelfer perde tal natureza quando investido do poder de tomar decisões com relevo sobre a esfera de terceiros, vale dizer, decisões dotadas de imperatividade, típicas ao exercício da potestade estatal.53 Somente a Administração Pública, ou entidade privada investida de poderes públicos por decorrência de lei ou contrato (privatização orgânica), poderia exercer tal atividade que, empiricamente, materializa-se na forma de um ato administrativo. Considerando a hipótese atípica mencionada, é fundamental que o agente de segurança privada, diante de situações excepcionais, que demandem uma decisão gravosa com impacto direto/ Não altera nossas conclusões, vale ressaltar, a circunstância de a Administração definir, de maneira rigorosa, os critérios por meio dos quais determinada decisão deverá ser tomada pelos seus auxiliares. A interpretação, elemento essencial e conatural à aplicação do direito, continua a existir na hipótese, caracterizando a atuação como eminentemente pública.

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imediato sobre a esfera jurídica do cidadão, solicite a presença de um responsável pelo estabelecimento, ou demande a intervenção das forças de segurança pública — legitimados que estão, ambos, à prática de atos administrativos com feições de autoridade.

4.2 Segurança e vigilância privada em bens públicos de uso comum Os bens públicos de uso comum do povo são aqueles postos à disposição dos administrados de maneira indistinta, independentemente do cumprimento de qualquer condição prévia, ressalvada a observância das regras de ordenação prévia do próprio uso do bem. Na lição de Marques Neto, no uso comum não há necessidade de legitimação subjetiva específica habilitadora do uso, já que existe uma legitimação geral decorrente da própria legitimação do bem.54 A questão que se coloca nesse campo é a mesma do item anterior: pode a Administração Pública garantir a segurança de espaços públicos abertos e de livre circulação valendo-se de empresas que prestam serviços privados de segurança? É o caso típico de ocupação das áreas públicas de aeroportos ou terminais de transportes. No que concerne à possibilidade de operações de mera vigilância e presença nos locais referidos, não se vislumbra, a partir das premissas instituídas, maiores obstáculos. Nas hipóteses que dizem respeito à utilização de medidas agressivas diante de fatos inesperados, poder-se-ia questionar se o vigilante contratado não estaria, na sua condição de usuário legitimado à fruição do bem em razão de sua peculiar natureza (uso comum), autorizado a uma intervenção em nome da coletividade e, até mesmo, em legítima defesa própria. Expressiva parcela da doutrina germânica identifica a hipótese como de ilícita fuga para o direito privado: a contratação de empresas de segurança adulteraria a lógica da subsidiariedade do emprego da força entre particulares, tredestinando, de maneira inadmissível, o instituto da legítima defesa,55 e promovendo conversão de direitos privados ocasionais e excepcionais (relativos ao uso da força) em competências ordinárias e formas organizadas de garantir a segurança em espaços públicos. Cabe, todavia, antes de se concluir pela impossibilidade absoluta da contratação de serviços de segurança privada na vigilância de espaços públicos de uso comum, aduzir um último elemento de discussão, também apresentado por Martin Burgi:56 não haveria tal impedimento sempre que a entidade da Administração contratante não dispusesse de competências públicas de polícia e, portanto, não pudesse outorgar o exercício da autoridade por meio de processos regulares de 54

MARQUES NETO, cit., p. 203.

A legítima defesa estaria vinculada, segundo BURGI (cit., p. 189), a uma reação imediata, ocasional e desorganizada. Admitir a situação aventada seria transformar a legítima defesa em um meio normal de defesa, exercido no contexto de uma atividade planejada e organizada (GONÇALVES, cit., p. 389).

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Die Zurechnung zum Staat bewirkt die Maβgeblichkeit des Regimes der Staatsaufgaben. Das bedeutet sub specie des Einsatzes physischer Gewalt, daβ die (materiell-staatliche) private Gewalt rechtsstaatlich nur akzeptabel erschiene nach einer ,,Übertragung“ der staatlichen Gewaltbefugnisse auf die betroffenen Privaten, die dadurch zu Beliehenen würden. Die gerade nicht auf eine Beleihung, sondern auf Verwaltungshilfe zielende funktionale Privatisierung wäre im Umfang des intendierten Gewalteinsatzes ausgeschlossen und verlöre bei gewaltgeneigten Aufgaben somit erheblich na Attraktivität. Das rechtsstaatliche Gewaltmonopol bildete nach all dem eine unübersteigbare, d. h. nicht einmal durch die ausnahmsweise Berufung auf Gewaltermächtigungen überwindbare Schranke gerade gegenüber der funktionalen Privatisierung (BURGI, cit., p. 191).

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privatização orgânica. Nessa hipótese, e somente aí, o agente contratado poderia exercer os direitos privados de uso da força inerentes a todos (especialmente a legítima defesa, própria e de terceiro). Estando, contrariamente, investida a Administração contratante de tais competências, o recurso ao mercado de segurança teria escopo limitado à mera vigilância, vale dizer, à mera colaboração ou auxílio administrativo.

Doutrina

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Considerações finais 1. Nos últimos anos vem se observando uma contração na esfera estatal, normalmente acompanhada da privatização de algumas atividades administrativas, expandindo-se em vários domínios as formas de colaboração tradicional de particulares na execução de incumbências que, tradicionalmente, mantiveram-se na titularidade do Poder Público. Os vários modelos ou esquemas de Parcerias Público-Privadas — permitindo, inclusive, o acesso do mercado em esferas paradigmáticas, como é o caso da gestão de prisões — deram curso a novo processo de compartilhamento de papéis na realização de interesses públicos. 2. A participação de particulares em tarefas estatais é vislumbrada sob um olhar condicionado que restringe sua atuação ao domínio gestão de serviços públicos, cada vez mais especializada graças à multiplicidade de instrumentos normativos engendrados, especialmente na última década, com o objetivo de empresarializar a exploração dessas atividades econômicas de titularidade do Estado. Não se pode deixar de imputar muitas destas lacunas às dificuldades que o assunto suscita. A externalização de poderes administrativos delineia-se sobre uma divergência entre a natureza de uma entidade (eventualmente não estatal) e natureza dos poderes em que será investida. Há, aqui, uma tensão interna entre o estatuto privado e a função pública, marcando uma duplicidade sui generis na posição do particular que se vê investido de tais poderes. 3. Para fins deste trabalho, entende-se como poder de autoridade (ou poder administrativo), todo poder funcionalizado, atribuído em nome da realização de um interesse que é exterior ao agente executor, estabelecido por norma de direito público e conferido a um sujeito administrativo para que, por ato unilateral, peculiar à função administrativa, edite regras jurídicas (poder normativo), provoque a produção de efeitos com repercussão imediata na esfera jurídica de terceiros (poder extroverso), produza declarações dotadas de especial força jurídica ou, ainda, empregue meios de coação sobre pessoas e coisas (poder sancionatório), além do genérico poder de condicionamento da propriedade e da liberdade do particular em nome do interesse público (poder de polícia). 4. O professor alemão Martin Burgi (1999) formulou um norte interessante para sistematização do tema, e que pode ser aproveitado no ordenamento brasileiro. Para o jurista, toda a forma de exercício privado de funções públicas é uma privatização. É preciso, todavia, diferenciar duas modalidades desse fenômeno: i) a privatização funcional, que corresponde a uma mera contribuição dos particulares, com sua capacidade e competência, para a execução de uma função pública pela própria Administração e; ii) a privatização orgânica, na qual uma entidade privada é investida do exercício de um poder público, figurando como depositária da responsa99


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bilidade pela execução de uma tarefa que a lei confiou à Administração Pública. São, como se percebe, dois níveis de participação: nesta última, o particular fica investido da execução da tarefa pública, ao passo que na privatização funcional os particulares simplesmente colaboram ou contribuem para a concretização dos objetivos estatais. A atividade de segurança privada pode ser enquadrada no primeiro tipo, enquanto auxílio administrativo para a implementação de uma tarefa pública. 5. A atividade de segurança privada não afronta o postulado do monopólio estatal da violência. Seu fundamento jurídico-político reside na compreensão de que a autodefesa pelos particulares, dentro dos limites constitucionais, é tolerada: o Estado permanece com o monopólio do uso da força, mas não possui o monopólio para a satisfação das necessidades coletivas de segurança. Tal premissa é claramente adotada pelo Texto Constitucional em vigor, quando afirma, em seu art. 144, que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos. 6. Ao contratar serviços de segurança privada deve o Estado obstar seja o vigilante investido do poder de tomar decisões com relevo sobre a esfera de terceiros, vale dizer, decisões dotadas de imperatividade, típicas ao exercício da potestade estatal. Somente a Administração Pública, ou entidade privada investida de poderes públicos por decorrência de lei ou contrato (privatização orgânica), poderia exercer tal atividade que, empiricamente, materializa-se na forma de um ato administrativo.

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Recurso: embaraço ou contributo para a realização da justiça?

Marina França Santos Procuradora do Município de Belo Horizonte. Mestranda em Direito Processual Civil na Universidade Federal de Minas Gerais. Pelo número de meios de impugnação e por outras causas estruturais, a ideia de recursos — seu custo, sua duração, suas incertezas — provoca, nalguns litigantes, calafrio. (MILHOMES, 1991, p. 18)

Resumo: Em um momento de forte pressão por uma justiça célere e efetiva e de aprofundamento estrondoso do fenômeno do acesso à justiça, o sistema recursal tem sido, frequentemente, erigido à condição de vilão de novos e caros valores à processualística moderna. Em razão desse panorama, o presente artigo propõe a realização de uma investigação histórica, política e sociológica dos fundamentos do direito ao recurso, de forma a identificar suas raízes e ensejar uma reconstrução de seus escopos, viabilizando, assim, uma nova visão do seu papel no sistema processual em que se insere. Parte-se, daí, a uma análise dogmática da conformação desse direito no ordenamento jurídico brasileiro, de modo a responder à indagação se o direito ao recurso foi consagrado como direito fundamental no sistema jurídico pátrio e, por conseguinte, reconhecido como instituto essencial à realização da justiça no processo. Investiga-se, portanto, a opinião dos doutrinadores e a posição da jurisprudência nacional sobre o tema, que se apresenta majoritariamente voltada para a não aceitação do duplo grau de jurisdição como direito fundamental, para então demonstrar, argumento a argumento, a insustentabilidade da referida tese. Palavras-chave: Direito Público. Processo Civil. Efetividade. Sistema Recursal. Direito Fundamental. Abstract: In a time of intense pressure for a speedy and effective justice and also in the deepening of a huge phenomenon of access to justice, the appeal system has often been raised to the condition of the villain of the new and rich processualistic modern values. Given this background, this paper proposes to conduct historical, political and sociological research of foundations of the right to appeal in order to identify its roots and foment a reconstruction of 103


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its scope, making possible a new conception of its role in the procedural system. Later, it presents a dogmatic analysis of the conformation of this right in the Brazilian legal system in order to answer whether the right to appeal was enshrined as a fundamental right and, therefore, recognized as an essential institute to achieve justice in the process. It is investigated, therefore, the opinion of scholars and the position of national jurisprudence on the subject, which has mostly focused on the rejection of the right to appeal as a fundamental right. In the end, it is shown, argument to argument, the unsustainability of that thesis. Keywords: Public Law. Civil Procedural. Effectiveness. Jurisdiction. Appeal System. Fundamental Right.

1 Introdução Em um universo de entraves estruturais e dilemas multidisciplinares, estímulo certo para todo tipo de panacéias e soluções milagrosas, deve-se partir do pressuposto de que a crítica sem o profundo conhecimento do objeto criticado, não só se faz leviana e, por conseguinte, inútil, como pode ser nociva. Nesse sentido, qualquer estudo que se proponha a realizar uma adequada análise sobre um instituto requer o acompanhamento de uma investigação das suas raízes e de sua justificação no sistema em que se insere para, só então, permitir-se declarar seu estado obsoleto ou viciado de forma lúcida e, não, inconsequente. O sistema recursal, erigido, por alguns, à condição de grande vilão da justiça célere e efetiva, apresenta, nesse aspecto, um insidioso desafio. Consta dos Indicadores Estatísticos do Judiciário, levantados pelo Supremo Tribunal Federal de setembro de 2003 a outubro de 2004,1 que o tempo gasto para se obter a decisão de um recurso no STF é, em média, de 289 dias, no caso de decisões monocráticas, e 475 dias, para as colegiadas. Uma média geral de mais de um ano apenas para se alcançar uma resposta da última instância de interposição de recursos no ordenamento jurídico brasileiro. Já a tramitação completa de uma ação até a Corte Suprema, é estimada em 70 meses, isto é, quase seis anos para se chegar, enfim, ao termo de um litígio. E mais: afastando-se o aspecto estrito do tempo e voltando-se para o conteúdo da tutela jurisdicional provida, calcula-se que o cidadão lesado que recorre à Justiça para obter uma reparação pecuniária está sujeito a uma perda de até 70% da quantia realmente devida — isso considerando que a decisão final foi de total provimento do pedido e que, obviamente, todos os valores sofrem correção monetária. Ante tal cenário, conforme avalia o ex-Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, como o valor estatuído em uma decisão judicial prolongada no tempo não sofre a mesma valorização do ren1

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Disponível em: <www.stf.gov.br>.


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dimento do mercado, torna-se verdadeiramente vantajoso para o devedor estender ao máximo seus processos, chancelado por um sistema que permite interposições subsequentes de até 47 recursos (VASCONCELOS, 2005, p. 1).

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Escárnio, chicana, ou mesmo mera adaptação da vida às intempéries da realidade, fato é que a problemática da frágil legitimação social do recurso como meio para garantir — e não afastar — a realização dos direitos é evidente. Encontra-se o fenômeno, aliás, em tal estado de decomposição, que já existe até referência expressa em respeitados dicionários da língua portuguesa do termo “recurso protelatório” como espécie linguística e individuada: artimanha usada por uma das partes e que procura, por meio de um recurso sem fundamento jurídico, retardar a solução definitiva. (HOUAISS; VILLAR 2001, p. 2.406). Daí justificar-se a frase de Jônatas Milhomes em epígrafe, a qual, por sua vez, vem simbolizar as razões da investigação proposta neste artigo de esclarecer e fundamentar o direito ao recurso.

2 Breve escorço da história do fenômeno recursal Um olhar histórico sobre a evolução do fenômeno recursal, proporcionado pelos estudos de Eduardo Couture (1946, p. 271), torna impositivo principiar por um momento em que o direito de recorrer prescinde de qualquer significado e, mesmo, causa estranheza aos ouvidos dos operadores do direito das próprias partes. Trata-se de época marcada por um direito configurado como mero reflexo, no mundo terreno, dos altivos desígnios do Criador, como exemplo do direito germânico primitivo, em que a decisão judicial, entendida como expressão plena da verdade, era considerada, por coerência, inerentemente infalível (SILVA; GOMES, 2002, p. 60). Assim, torna-se compreensível que, ante decisão de tal monta, de caráter apenas formalmente humano, restaria ao jurisdicionado, tão-somente, o agradecimento ou a resignação, razão pela qual não se observa a existência do instituto dos recursos nesse primeiro momento da história do Direito. É, portanto, justamente com o processo de laicização do direito,2 que surge a noção de controle das decisões judiciais, que já não poderiam ser, em si, consideradas infalíveis. Admitido o Direito como um construto exclusivamente humano, o recurso saiu da posição de postura herege inadmissível para ganhar um status de grande relevância: a garantia dos homens contra o erro dos próprios homens. O antigo processo espanhol expressava, sob esse aspecto, uma desconfiança exacerbada. A coisa julgada passou a ser figura tão temida e de estrutura intencionalmente débil que havia, sempre, a possibilidade de um novo recurso, a aperfeiçoar a decisão imperfeita dos pares. Sua 2 Carlos Silveira Noronha, baseado em estudos históricos de Chiovenda, recorda que já no Direito Romano havia a noção de recurso, que se resumia, basicamente, à apelação, uma vez que as decisões interlocutórias não sofriam preclusão. Já no Direito Português generalizou-se o instituto da apelação que, até meados do século XIII, incidia até mesmo contra as decisões interlocutórias (NORONHA, 1976, p. 24).

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fórmula consistia em um postulado simples: a qualquer tempo, basta a aparição de um elemento decisivo capaz de alterar a convicção anteriormente firmada para se permitir, novamente, a rediscussão do processo. No direito colonial, o recurso de apelação contra as sentenças proferidas no Vice-Reinado do Rio da Prata podia interpor-se até um ano depois da decisão, e isso, não em razão da distância que separava um tribunal do outro, mas antes porque não se admitia nenhuma medida que, tendendo a acelerar a justiça, maculasse sua legitimidade. Desse regime — concluiu Eduardo Couture — emanou todo o direito vigente na América e, ainda hoje, ressoa, como herança, a estruturação hierárquica das três instâncias e o recurso extraordinário no sistema romano germânico. Não demorou muito, entretanto, para a sede ilimitada de justiça de períodos anteriores verificar-se inaplicável e a hoje tão propalada exigência de celeridade tomar conta dos espaços sociais. O recurso passa, então, de remédio contra a falibilidade do homem a obstáculo na realização dos seus anseios de segurança e estabilidade jurídica. É certo, e aqui se faz a devida ressalva, que os fatos históricos nunca são tão fluidos e logicamente concatenados, quando da sua ocorrência, como são quando recontados, cabendo aos estudiosos a delicada tarefa de criar o devido liame relacional entre eles e, ao apreciá-los, neles inserir racionalidade. Assim que, na França, avalia-se que o desprezo ao recurso não tenha decorrido da simples constatação de sua ofensa à estabilidade das relações, mas, sim, de uma reação e, mesmo de uma repulsa, dos novos detentores de poder, pós-revolução francesa, aos resquícios da ordem jurídica recém-suplantada. Consoante lição de Nelson Nery Júnior: (...) foi nesse clima que, imediatamente após a revolução francesa, os então novos detentores do poder viam no recurso forma elitista, onde os juízes dos tribunais superiores seriam uma espécie de casta com poderes de mando sobre os magistrados de primeiro grau (NERY JÚNIOR, 1990, p. 122).

De todo modo, à medida que o Estado foi assumindo de forma mais intensa o controle da atividade da justiça, o que se registrou foi a ocorrência, em um e outro canto, de uma gradual restrição das possibilidades de recurso, numa tentativa insistente de se aumentar os poderes do julgador e reduzir a atuação ilimitada das partes. Certo é, no entanto, que o fenômeno recursal não foi abolido de nenhum sistema processual moderno, apresentando-se, na atualidade, de forma generalizada nos ordenamentos jurídicos,3 apesar de todas as pechas de malfazejo a que foi imputado em seu devir histórico. Cumpre examinar, por conseguinte, aquilo que, na opinião da doutrina mais vasta, justifica a existência de um mecanismo que obsta a formação da coisa julgada para permitir uma nova 3 Segundo Sérgio Bermudes, atualmente, todas as legislações o adotam. Apresentava-se a Turquia como exceção, porém os parcos elementos disponíveis sobre a legislação daquele país já apontam no sentido contrário (BERMUDES, 2001, p. 245-248).

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apreciação das decisões e, desse modo, esclarecer a razão basilar da presença, de forma universal, desse instituto nos ordenamentos jurídicos da atualidade.

Doutrina

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3 Justificativa do direito de recorrer Do ponto de vista do homem, fator mínimo a que se pode fracionar o Direito, o recurso costuma ser explicado como instrumento dado a responder a certa insatisfação nata provocada pela negativa diante do almejado. Nesse aspecto solipsista, o recurso seria uma forma desejável por racionalizar a revolta instintiva do ser humano, correspondendo, psicologicamente, como sintetiza Gabriel Rezende Filho (1959, p. 75), a uma irresistível tendência humana. Assim que, em um viés puramente subjetivo, talvez esse natural impulso do homem seja bastante para explicar a essencialidade da previsão do recurso, uma vez que, como acentua, com sutileza, Milhomes (1991, p. 15), só excepcionalmente, um vencido se convence de não estar amparado pelo direito e pela razão. De todo modo, certo é que tal justificação, meramente homologatória de um, sem dúvidas, refreável impulso humano, não é suficiente para sustentar a existência de todo um sistema e contraditar suas críticas. Afinal de contas, o Direito não existe para curar quaisquer insatisfações humanas, mas, tão-somente, aquelas consideradas legítimas pelo corpo social. Ao fundamento psicológico, consequentemente, deve se juntar outro, mais abrangente e objetivo, esse, sim, de importância central para a análise da teoria dos recursos. Trata-se da possibilidade real de cometimento de desacertos pelos órgãos julgadores, sujeitos que são, naturalmente, nas palavras de Antônio José de Souza Levenhagen, a erros e corrupções (1977, p. 10). De fato, se é incontestável a suscetibilidade a falhas da atividade judicante, é igualmente certo ser sua completa extirpação tentativa manifestamente impossível, especialmente em virtude da incontrolável multiplicidade de suas origens. São frutos ora de simples desatenção, de verdadeiras lacunas de conhecimento, de análise superficial do caso concreto, e, até mesmo, de impublicáveis desígnios escusos do magistrado. Os juízes, argumenta Affonso Fraga, se fossem inacessíveis ao erro, e impermeáveis ao interesse próprio, ao partidarismo, à pressão dos governantes e às seduções da amizade e do poder, não profeririam sentenças sujeitas a recursos. Traduzindo sempre in concretu os ideais eternos da justiça, convenceriam os litigantes de sua legitimidade e, portanto, da necessidade de cumpri-las como leis indefectíveis da ordem moral e jurídica (FRAGA, 1941, p. 10). Do convencimento dos litigantes, a intrínseca irresignação do ser humano, atingido em suas pretensões, suscita razões para dúvida. Mas, certamente, é possível concordar que a real possibilidade de alcance da perfeição (traduzida pela chamada verdade real) e a total imparcialidade no julgamento dos litígios arruinariam por completo o fundamento mais objetivo para a existência dos recursos. 107


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A realidade, infelizmente, reclama ponderações: (...) os juízes são criaturas humanas e, portanto, falíveis, suscetíveis de erros e injunções, razão bastante para os ordenamentos processuais de todos os povos, com o propósito de assegurar justiça o quanto possível perfeita, propiciarem a possibilidade de reexame e reforma de suas decisões por outros juízes, ou mesmo pelos próprios juízes que as proferiram (SANTOS, 1985, p. 103).

É esse, portanto, o incontornável motivo pelo qual sanar os defeitos graves e a injustiça da decisão, corrigir a má apreciação da prova, dos fatos e das circunstâncias e elucidar o entendimento das pretensões das partes são fins indisponíveis a que se destina o recurso. É essa também a razão de estatuir Barbosa Moreira que a realização de dois ou mais exames sucessivos da mesma matéria tem o propósito de assegurar, na medida do possível, a justiça das decisões (BARBOSA MOREIRA, 2002, p. 113). Mas a pesquisa da justificativa para a existência dos recursos exige que se aponte, também, um alicerce de ordem política, já que o ensejo à corrigenda de injustiças fatalmente praticadas — seja por erros, seja por intenções oblíquas — está igualmente associado à tentativa de sustentação do prestígio do Poder Judiciário (Levenhagen, 1977, p. 10). Uma justificativa extremamente pragmática, mas, sem dúvidas, indiscutível: o contínuo proferimento de decisões falhas incorrigíveis não geraria senão uma inevitável e acentuada queda na confiança social depositada na Jurisdição (sim, a queda poderia ser ainda mais incisiva — pasmem), pelo que, essa também não deixa de ser uma relevante razão justificadora da existência do recurso. Frederico Marques ressalta, ainda, a existência de uma certa pressão positiva sobre a atividade do juiz de primeiro grau: o sistema de recursos possui ação catalítica e preventiva, porquanto obriga o juiz de primeiro grau a maior cuidado e exação na sua tarefa julgadora (MARQUES, 1999, p. 4). Francisco Morato, no mesmo ponto, é mais cáustico: (...) e o zelo de não ver patenteada a própria ignorância ou negligência desperta o desejo de acertar e forçar os juizes inferiores a maior circunspeção e estudo, tornando a justiça mais segura, mantendo mais uniforme as interpretações e preparando as bases para a constituição da jurisprudência (MORATO, 1923, p. 11 apud. MARQUES, 1999, p. 4).

Na verdade, independente de se provar se os tribunais são constituídos de magistrados com maior experiência ou não, ou verificar se os juízes de primeira instância realmente ficam compelidos a melhor decidir, ao saberem-se passíveis de reforma, o que não se pode ignorar é que, em um Estado de Direito, o Poder Público deve, necessariamente, estar sujeito à revisão de seus atos, de forma a garantir a legalidade e legitimidade das decisões estatais, e de tal regra não deve escapar o Judiciário. 108


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Esse é, aliás, segundo Ada Pellegrini Grinover (GRINOVER et alli, 2006, p. 81), o principal fundamento para a defesa dos recursos, uma vez que, pelo princípio da separação dos poderes, são eles os únicos meios capazes de exercer o controle intrínseco à democracia quando as decisões partirem do próprio órgão responsável pela jurisdição.

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Ao final, pode-se dizer que o fenômeno recursal se sustenta e se justifica na necessidade de atender dois legítimos interesses: o dos sujeitos envolvidos, como instrumento capaz de ser mobilizado contra um prejuízo que entendem ilegal e inadmissível, e o da coletividade, empenhado que deve estar o Estado na maior aproximação possível da realização plena dos direitos e, por conseguinte, da justiça.

4 O duplo grau de jurisdição no ordenamento jurídico brasileiro Se o recurso pode ser considerado, ante o panorama traçado, como um direito inerente à ideia de processo e da realização dos seus fins, insta verificar em que medida ele foi acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro. Em outras palavras, para avaliar a conexão entre a existência do recurso e a realização da justiça, impende investigar-se, igualmente, qual status jurídico do duplo grau de jurisdição no sistema normativo pátrio. Em linhas gerais, se se entende que um determinado sistema processual abriga constitucionalmente tal princípio, o ato de requerer um novo julgamento para um caso levado a juízo passa a pertencer à esfera de direito subjetivo dos litigantes, devendo tal instrumento ser preservado como garantia fundamental. De outro modo, se o princípio não encontra guarida constitucional, a previsão dos recursos pode ser indiferentemente suprimida, sem que com isso seja provocada uma ruptura na coerência e legitimidade do sistema. Este o posicionamento de Guilherme Marinoni, que se mostra resoluto: a Constituição Federal não garante o duplo grau de jurisdição (MARINONI, 2007b, p. 493). Para o autor, a previsão constitucional de instâncias recursais, se garante o direito ao recurso nas causas previstas, evidentemente, não garante ao litigante o direito ao recurso contra toda e qualquer decisão que venha a ser proferida pelo juiz de primeiro grau. No entendimento do pesquisador, prever a possibilidade de interposição de recursos aos tribunais superiores não é o mesmo que garantir o duplo grau. Tal entendimento é acompanhado por Arruda Alvim (2007, p. 07), citando De La Oliva, Almagro e Bujosa Vadell, para quem o direito ao recurso deve ser entendido, não como direito a que as leis prevejam recursos, senão como direito aos recursos que as leis preveem. Vale inserir aqui, também, o testemunho de Mauro Cappelletti, para quem a concepção de que a apelação e o duplo grau de jurisdição são uma garantia processual, uma garantia de liberdade ou até mesmo algo absoluto e insuprimível não resiste a uma crítica séria e sem preconceitos. Segundo o jurista italiano, 109


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(...) nenhum ordenamento, nem na Itália nem em qualquer outro país — tanto menos na França, onde a ideia do duplo grau de jurisdição parece sem embargo estar particularmente arraigada — considera o duplo grau de jurisdição como uma garantia constitucional, ou seja protegida como uma garantia fundamental e inderrogável (CAPPELLETTI, 1974, p. 279).

Nesse sentido, ainda, o posicionamento firmado, por maioria, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, em Habeas Corpus de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, com o qual se estabeleceu que a Constituição, quando não o repila ela mesma, não garante às partes o duplo grau de jurisdição. Transcreve-se, aqui, parte da extensa ementa que justifica o esposado: 1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado a órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio — sem concessões que o desnaturem — não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art. 8°, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de “toda pessoa acusada de delito”, durante o processo, “de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”. 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação.4

Por sua vez, manifestando-se quanto a pedido de liminar neste mesmo habeas corpus, o Ministro Fernando Gonçalves (STJ) assinalou em sua decisão que a Constituição Federal consagrou os julgamentos em única instância, não havendo, por isso mesmo, se falar em violação do duplo grau de jurisdição, e muito menos malferimento a Tratado Internacional de Direitos Humanos. Essa, por fim, igualmente é a linha de raciocínio transparecida em parecer do então Subprocurador-Geral da República Cláudio Fonteles, lavrado nos seguintes termos: (...) as ações penais originárias, aliás com expressa previsão constitucional, não ferem o duplo grau de jurisdição: razão de ser do chamado duplo grau de jurisdição — evitar a decisão única e final de índole monocrática — não comprometida com o julgamento originário, que é sempre colegiado. 4

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RHC 79785/RJ. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Sepúlveda Pertence. Julgamento: 29/03/2000.


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Sem embargo do peso das argumentações transcritas e não obstante a autoridade de quem as utiliza, não parece que a tese sustentada seja a mais coerente, diante dos princípios e regras abarcadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

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Com efeito, a única Constituição no Brasil a prever, explicitamente, um acesso absoluto ao duplo grau de jurisdição, foi a do Império de 1824, determinando que as causas fossem reapreciadas, sempre que as partes o quisessem, pelo então Tribunal da Relação (que veio a ser Tribunal de Apelação e, hoje, de Justiça).5 O dispositivo teve vigência até o advento da República, com a Constituição de 1891, quando a previsão foi abolida e, daí, até os dias de hoje, passaram as constituições a adotar a técnica de mencionar a existência de tribunais e conferir-lhes competência recursal. Este, o modelo da vigente Constituição da República, que estabelece expressamente, em relação ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça, ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Tribunal Regional Federal, a competência para julgar causas originárias e em grau de recurso (arts. 102, II e III; 105, II e III; e 108, II), nada mencionando, de forma igualmente expressa, quanto à competência recursal dos outros tribunais ou do princípio do duplo grau propriamente dito. Eis, portanto, o fundamento da celeuma que faz divergir os mais destacados doutrinadores e, de fato, fez pender a balança no sentido contrário do que aqui se defende: a mera previsão constitucional da existência de tribunais denota a intenção do constituinte de adotar o princípio do duplo grau de jurisdição no ordenamento jurídico? A resposta peremptoriamente negativa está alicerçada no entendimento de que, se contrário fosse o desígnio dos constituintes, o princípio do duplo grau se encontraria expresso no texto constitucional, prescindindo de qualquer esforço hermenêutico para sua identificação. Sem dúvidas, por mais que se vasculhe o catálogo dos direitos fundamentais da Constituição da República de 1988, e até mesmo o restante de seu texto, não é possível encontrar, entre os numerosos dispositivos, qualquer menção expressa a princípio de acesso ao duplo grau de jurisdição ou a qualquer tipo de direito de recurso das decisões judiciais para uma superior instância. Trata-se de constatação tranquila. Todavia, daí a se entender que a não previsão da norma em texto explícito comprova sua inexistência, significa ignorar por completo a benfazeja superação do positivismo normativista e da hermenêutica jurídica tradicional, bem como negar toda a sistemática constitucional, permeada que é pelos postulados da unidade da Constituição, do seu efeito integrador e da conformidade funcional.6 5 BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil. Art. 158. Para julgar as Causas em segunda, e última instância haverá nas Províncias do Império as Relações, que forem necessárias para comodidade dos Povos. 25/mar./1824. 6 Tais postulados, unanimemente reconhecidos pelos mais renomados constitucionalistas (CANOTILHO, Luís Roberto Barroso, Paulo Bonavides, entre outros), podem ser sintetizados na atuação no sentido de harmonizar as contradições existentes entre os dispositivos constitucionais, na prevalência dos critérios que favoreçam a integração política e social e na preservação da repartição de funções constitucionalmente estabelecidas (CANOTILHO, 2000, p. 1187-1188).

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Extrapolando o plano teorético, é, aliás, texto literal da Constituição de 1988 a admissão dos princípios implícitos e de todas as garantias que se acham em conformidade com o sistema (o art. 5°, § 2°, dispõe: os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (...)). Não seria por demais rememorar a existência de princípios outros basilares do ordenamento jurídico brasileiro, que, não obstante não se encontrem expressos no texto constitucional, não têm sofrido, por tal razão, impugnação do seu status constitucional. É o caso, por exemplo, da supremacia do interesse público sobre o privado, da razoabilidade, e mesmo da, especificamente interessante para o assunto ora abordado, segurança jurídica. É certo que, para uma interpretação constitucional substantiva e atual dos institutos jurídicos, faz-se necessário partir de uma perspectiva comprometida com o resgate das potencialidades do direito e com a valorização do seu núcleo axiológico, comprometendo-se, assim, com a efetividade de todo o sistema. Não é por outra razão que, preocupado com uma hermenêutica constitucional que ultrapassasse o mero texto da norma, sem, no entanto, resvalar para o decisionismo, estatuiu Müller, com eloquência: o teor literal de uma prescrição juspositiva é apenas a ponta do iceberg (Müller, 2000, p. 53). Essa, também, a lição de José Afonso da Silva ao anotar que a expressão direito fundamental, (...) além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas (Silva, 1999, p. 176).

Eis a noção de normatividade indispensável à análise dos institutos constitucionais sem a qual, por certo, torna-se impraticável a análise do tema proposto. O duplo grau de jurisdição é elemento fundamental à garantia do acesso à justiça, estatuída na Constituição da República, art. 5°, XXXV, o qual permite ao jurisdicionado provocar a revisão, pela Justiça, de quaisquer atos lesivos ou ameaças a direitos perpetrados por particulares e agentes públicos. Desse modo, uma vez que tal lesão ou ameaça ao direito pode advir de ato do próprio Judiciário e ressalva não há, é de se entender que tal garantia fundamental pode e deve ser exercida também contra ato dos magistrados, garantindo-se, por conseguinte, também a possibilidade de sua revisão (SARLET, 1996, p. 2). Esse é, com efeito, conforme já tratado na seção anterior, um dos fortes fundamentos para a existência e a preservação do direito ao recurso no cenário do Estado Democrático do Direito. Assim sintetiza Ada Pellegrini Grinover: 112


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Mas o principal fundamento para a manutenção do princípio do duplo grau é de natureza política: nenhum ato estatal pode ficar imune aos necessários controles. O Poder Judiciário, principalmente onde seus membros não são sufragados pelo povo, é, dentre todos, o de menor representatividade. Não o legitimaram as urnas, sendo o controle popular sobre o exercício da função jurisdicional ainda incipiente em muitos ordenamentos, como o nosso. É preciso, portanto, que se exerça ao menos o controle interno sobre a legalidade e a justiça das decisões judiciárias. Eis a conotação política do princípio do duplo grau de jurisdição (ADA PELLEGRINI et alli, 2006, p. 81).

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Avançando mais na análise, deve-se notar, ainda, que o duplo grau de jurisdição é fator basilar de realização do princípio da segurança jurídica, já que os órgãos colegiados revisores constituem polos de centralização das decisões e, por conseguinte, de uniformização dos julgados. Incoerente, desse modo, a crítica levantada por parte da doutrina, e registrada por Ada Pellegrini Grinover, de que a decisão que reforma a sentença da jurisdição inferior é nociva, pois aponta uma divergência de interpretação que dá margem a dúvidas quanto à correta aplicação do direito, produzindo a incerteza nas relações jurídicas e o desprestígio do Poder Judiciário (GRINOVER, 2006, p. 81). O que se verifica, na verdade, é exatamente o contrário, uma vez que o foco de análise não deve ser do indivíduo em relação a si mesmo, mas sim, ante os demais destinatários do Direito. Explica-se: o jurisdicionado só terá dúvidas quanto à legitimidade da jurisdição quando seu caso, idêntico ao de outro jurisdicionado, for, não obstante, decidido diferentemente ou, quiçá, de forma oposta. Tal demonstra ser a segurança jurídica e, por conseguinte, a isonomia, outro relevante fundamento do sistema recursal, o que se apreende da rica análise feita por Tércio Sampaio Ferraz Júnior sobre o tema: Segurança significa a clara determinação e proteção do direito contra o nãodireito, para todos. Na determinação do jurídico e, pois, na obtenção da segurança, a certeza, é um elemento primordial. Por certeza, entende-se a determinação permanente dos efeitos que o ordenamento jurídico atribui a um dado comportamento, de modo que o cidadão saiba ou possa saber de antemão a consequência das suas próprias ações (...) A tipificação, nesse sentido, é garantia da certeza que é base da segurança. Mas a segurança só se obtém se, além da regulação de uma ação tipo esta, valer para todos igualmente. A igualdade é um atributo da segurança que diz respeito não ao conteúdo, mas ao destinatário das normas, garantindo segurança à norma que obedece ao princípio da isonomia (FERRAZ Júnior, 2007, p. 51-56 apud. CARVALHO, 2001, p. 74).

O duplo grau de jurisdição apresenta-se, desse modo, como instrumento de proteção contra violações do direito, fator de controle e garantia de realização da igualdade de todos perante a lei. 113


E não só. Apresenta-se o duplo grau como conditio sine qua non para a concretização do devido processo legal e da ampla defesa. Realmente, a possibilidade de se ter reexaminada uma decisão considerada falha ou injusta harmoniza-se não só com autênticos interesses de ordem subjetiva mas também com preocupações na órbita do direito público, consistente, principalmente, na garantia de participação dos jurisdicionados na formação das decisões judiciais, como fator legitimador do próprio exercício da jurisdição. A Constituição é, nesse sentido, expressa: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5°, LV). Ora, este é o texto constitucional expresso: a ampla defesa é assegurada com os recursos a ela inerentes. A palavra recurso aqui, que, à primeira vista, suscita dúvidas, não pode dizer respeito a qualquer coisa senão ao recurso em sentido técnico, e, portanto, direito à revisão dos atos judiciais. Por certo, em língua portuguesa, é o termo recurso dotado de extensa gama de significados: 1) meios pecuniários 2) ato de invocar auxílio 3) instrumento para vencer dificuldade 4) forma de defesa empregada pelo litigante em processo judicial 5) meio de reexame das decisões judiciais, inserido na mesma relação processual em curso. Ora, ademais das definições que, por óbvio, não foram objetivadas pelo texto constitucional, não é possível que a intenção do constituinte tenha sido tão-somente circunscrever ao dispositivo a noção genérica de defesa, sob pena de ter sido tautológico, ou, no mínimo, prolixo, ao mencionar também a possibilidade do litigante se valer de meios inerentes. É a lição do mestre: (...) o intérprete há de considerar que o vocábulo, destinado a exprimir um conceito especializado, profissional ou técnico, foi empregado neste sentido específico. O legislador guarda a presunção de sabedoria, e esta é incompatível com a existência de expressões inúteis (PEREIRA, 2005, p. 192).

Assim que a Constituição, ao prever meios e recursos inerentes, está se referindo, explicitamente, ao direito às provas capazes de demonstrar o direito alegado (traduzindo: os meios, ou recursos em sentido ordinário) e ao direito aos instrumentos necessários para impugnar eventuais erros in judicando ou in procedendo (ou seja, os recursos, em sentido processual), concedendo, portanto, mais um sinal de seu acolhimento do duplo grau de jurisdição. Não bastassem tantas considerações, salta aos olhos, ainda, a disciplina constitucional do Poder Judiciário, que lhe torna ínsita uma organização hierarquizada, formada, necessariamente, por órgãos colegiados com competência recursal. 114


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Nesse sentido, Fernando Jayme: Diferentemente de outros ordenamentos constitucionais, não procedem as afirmações de que, na ordem constitucional brasileira, a garantia do duplo grau de jurisdição não encontra guarida na Constituição da República. Esse princípio encontra-se explicitamente previsto no texto constitucional, particularmente, no art. 108, inc. II, que atribui aos Tribunais Regionais Federais competência para, “julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição”, princípio que se reproduz no âmbito da jurisdição estadual comum, por imposição do art. 125 da Constituição da República (JAYME, 2008).

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Desse modo, só podemos concluir que a Constituição bem delineou seus propósitos: a existência de normas estabelecendo, como parte integrante do Poder Judiciário, tribunais com competência recursal, ressalta, fundamentalmente, a garantia ao jurisdicionado do reexame das suas pretensões pelas instâncias superiores. Por fim, impende anotar, ainda, o fato de ser a matéria regida, nesse aspecto, também por norma de direito internacional, o que, aliás, foi solenemente afastado por Sepúlveda Pertence, no leading case aqui reproduzido. Trata-se da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), incorporado ao Direito Brasileiro pelo Decreto n. 678, de 06 de novembro de 1992, que, no seu art. 8°, inserido no capítulo dos direitos civis e políticos, dispõe sobre as garantias judiciais e assegura: (...) 2. toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...) h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.

A primeira consideração a ser feita diz respeito à interpretação restritiva que se faz do dispositivo, por meio da qual se entende que a expressão pessoa acusada de um delito restringiu a garantia do duplo grau ao processo penal. Tal restrição terminológica tanto não se sustenta que a própria jurisprudência nacional já se posicionou, em diversas situações, encontrando na palavra delito, tanto questões de natureza penal quanto cíveis. 7 Ademais, a análise sistemática do diploma não se harmonizaria com referida restrição, já que se trata de norma aplicável indiferentemente nos processos civis e penais, além do que estipulada, de forma neutra, como garantia judi7 Nesse sentido, ver a interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça ao Código de processo Civil, art. 100, parágrafo único. AgRg no REsp 631218/MG, REsp 681007/DF, REsp 56867/MG, REsp 612758/MG.

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cial, e inserida, também sem qualquer restrição, no capítulo dos direitos civis e políticos. Deve-se ressaltar que, em razão dos preceitos expostos nos §§ 2° e 3° do art. 5° da Constituição, se esta não acolhe os dispositivos da Convenção Americana no mesmo nível das regras constitucionais, a eles são atribuídos, pelo menos, nível supralegal (GRINOVER et alli, 2001, p. 23-24), sob pena de se transformar em passatempo pueril os compromissos celebrados na seara do Direito Internacional. Com tais considerações, concluímos que o direito de recorrer, reconhecido pelo Pacto de São José da Costa Rica e acolhido pela Constituição da República de 1988, mostra-se inteiramente contemplado pelo ordenamento jurídico brasileiro, apresentando-se como garantia essencial do acesso à justiça, da ampla defesa, do devido processo legal e do controle dos atos do Poder Público. Viciadas, por conseguinte, devem ser consideradas todas as soluções que visam aboli-lo do sistema ou taxá-lo como causa de sua inefetividade, como parece vir fazendo a jurisprudência defensiva que, sorrateiramente, toma conta dos tribunais na atualidade. Tal postura, diga-se de passagem, afasta largamente da correta discussão dos limites do direito ao recurso, condizente com o relevante postulado da convivência das liberdades públicas, já que nenhum princípio, direito ou garantia constitucional tem caráter absoluto, sob pena de inviabilizar todos os demais e a própria vida em sociedade (SILVA, 1999). Como se vê, o duplo grau de jurisdição constitui, no Estado Democrático de Direito, garantia de status constitucional que se traduz como ponto de partida — e não obstáculo — à necessária superação dos gargalos processuais, atuando, desse modo, como contributo indispensável à realização da justiça.

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Direitos humanos, direito tributário e política fiscal: descrição da experiência dos órgãos das Nações Unidas — reflexões para o Brasil Henrique Napoleão Alves Graduado em Direito pela UFMG. Pesquisador visitante na Universidade do Texas. Mestrando em Direito pela UFMG. Advogado.

Resumo: Tendo em vista a centralidade que os direitos humanos expressos em tratados internacionais ocupam no ordenamento jurídico brasileiro, o presente trabalho busca suprir uma lacuna na literatura jurídica especializada sobre as relações entre questões fiscais e direitos humanos. Para tanto, foi realizada pesquisa sobre como os órgãos de direitos humanos da ONU têm interpretado essas relações nos diferentes países, a partir de pesquisa na base de dados Universal Human Rights Index. Em um primeiro momento, são sistematizados e descritos os resultados obtidos. Em um segundo momento, os resultados são compreendidos a partir do contexto brasileiro, sendo apontadas algumas das possibilidades de interseção entre direitos humanos e questões fiscais no nosso ordenamento jurídico que podem servir aos estudiosos da área em pesquisas vindouras. Palavras-chave: Direitos Humanos. Tratados Internacionais. ONU. Direito Tributário. Política Fiscal. Abstract: Bearing in mind the central role which international human rights law has in the Brazilian juridical system, in this article I sought to fulfill a significant gap in Brazilian juridical literature concerning tax related issues and human rights norms. In order to do that, I conducted an investigation on how UN human rights organs have dealt with the subject, which was done through a comprehensive research at the Universal Human Rights Index database. Initially, I describe the obtained results of such research. After that, I seek to reinterpret them in light of the Brazilian context, pointing out some possibilities of intersection between human rights norms and tax related issues which might provide new objects for future specific researches for scholars in the field. Keywords: Human Rights. International Treaties. United Nations. Tax Law. Tax Policy.

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1 Introdução: colocação do tema-problema, justificativa e metodologia utilizada O Brasil ratificou os principais tratados internacionais de direitos humanos que compõem o núcleo jurídico do chamado Sistema da ONU de Proteção Internacional dos Direitos Humanos.1 É possível entendê-los como condicionantes objetivos da atuação estatal por, no mínimo, quatro razões principais. A primeira diz respeito às obrigações de implementação das normas que os próprios tratados impõem ao Estado que os ratifica, como, e.g., a adoção de revisões legislativas, prestações positivas etc.2 A segunda razão é a inserção dessas normas no rol de direitos e garantias fundamentais — que são notórios condicionantes da ação estatal — partindo-se do pressuposto de que elas sejam materialmente constitucionais.3 É verdade que tal pressuposto foi e é contestado por alguns, e que a introdução do §3° ao art. 5° da Constituição pela Emenda Constitucional n. 45,4 longe de resolver os questionamentos sobre o status legal dos tratados de direitos humanos, agravou ainda mais a questão. No entanto, o Pleno do STF já decidiu que esses tratados têm, pelo menos, status supralegal, i.e., estão abaixo da Constituição e acima dos demais diplomas legais.5 Isso nos leva à terceira razão pela qual os tratados de direitos humanos conformam a atuação estatal: ainda que não sejam tidos como constitucionais, seu status supralegal coloca suas normas de maneira integrada no rol de direitos e garantias fundamentais, funcionando como grau de concreção das normas formalmente constitucionais do art. 5° e demais.6 Por último, o Estado brasileiro, ao incorporar recentemente ao seu direito interno a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT),7 internalizou um novo diploma legal que reforça a tarefa do Estado de tornar efetivas as normas de tratados internacionais na esfera interna — o que pode envolver até mesmo reformas legislativas. 1 Cf. Convenção internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial — CEDR, incorporada pelo Decreto n. 65.810/69; Pacto internacional sobre Direitos Civis e Políticos — PIDCP, incorporado pelo Decreto n. 592/92; Pacto internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais — PIDESC, incorporado pelo Decreto n. 591/92; Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres — CEDM, incorporada pelo Decreto n. 4.377/02; Convenção Contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes — CCT, incorporada pelo Decreto n. 40/91. 2

Neste sentido, e.g., as obrigações advindas do art. 2°, § 1°, do PIDESC.

Pressuposto que, à guisa da atual jurisprudência dominante do STF, tem fulcro constitucional no § 2° do art. 5°: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, e que é defendido, e.g., por: CANÇADO TRINDADE, 2005, p.XIV; GALINDO, 2002; LOUREIRO, 2005; MAZZUOLI, 2002; PIOVESAN, 2000; etc.

3

4 BRASIL. Art. 5°: (...) § 3° Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. 5

Cf. RE 349703/RS, Tribunal Pleno, Ministro Relator Carlos Britto, DJe-104, publ. 05/06/2009.

Para um estudo lógico-dogmático muito bem feito sobre concreção de direitos fundamentais de comandos gerais a comandos específicos a partir do ordenamento jurídico alemão, ver o clássico: ALEXY, 2008. 6

7

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Decreto Legislativo n. 496, de 17 de julho de 2009.


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Nesse sentido, a CVDT prevê, por exemplo, que, uma vez ratificado um tratado, o Estado é obrigado a abster-se da prática de atos que frustrariam o objeto e a finalidade de um tratado (art. 18) e a cumprir o tratado de boa-fé (art. 26), não podendo invocar disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento do mesmo (art. 27).8

Doutrina

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No entanto, à míngua do protagonismo exercido pelas normas de direitos humanos no Direito brasileiro, os tratados são pouco ou nada examinados nos cursos jurídicos pelo país, e, na mesma direção, há uma lacuna enorme na doutrina ou literatura jurídica especializada9 nacional acerca da hermenêutica desses direitos e da sua relação com as demais normas e instrumentos que compõem o direito brasileiro. Isso naturalmente se reflete no direito tributário, carente que é de estudos a respeito da influência das normas de direitos humanos sobre a tributação e a destinação da arrecadação estatal.10 Dentro do contexto apresentado, buscamos contribuir para a supressão dessa lacuna, através de estudo que lograsse responder como se dão as relações entre as normas dos tratados de direitos humanos da ONU e o direito tributário e a política fiscal dos Estados que os ratificaram.11 Dada a escassez de trabalhos sobre as relações entre tratados de direitos humanos e questões fiscais, procuramos resposta ao tema-problema nos documentos da ONU que evidenciam o trabalho de interpretação da realidade dos diferentes Estados à luz das normas desses tratados. Para tanto, foi realizada pesquisa simples e booleana na base de dados Universal Human Rights Index12 a partir de alguns termos-chaves (como, e.g., tax). Dentre os 39 resultados, selecionamos aqueles diretamente relacionados ao direito tributário ou à política fiscal, num total de 26 documentos. Os documentos foram analisados, resumidos e reagrupados em dois eixos temáticos principais — Tributação e direitos sociais e Tributação 8 A CVDT aplica-se retroativamente aos tratados que foram incorporados ao direito interno brasileiro antes de sua ratificação, porquanto é interpretativa, amplia o sistema protetivo de direitos, e, mais, é expressão de uma norma de direito internacional consuetudinário reconhecida pelo Brasil em décadas de prática internacional. 9 Preferimos termos como — literatura especializada — ou — literatura jurídica — em vez de — doutrina —, por duas razões principais. Em primeiro lugar, ao fazer uso do termo — literatura —, aproximamos as ciências jurídicas das demais ciências, que correntemente usam esse termo. Em segundo lugar, — doutrina — é um termo que carrega uma carga semântica inapropriada, pois, ao mesmo tempo em que se refere à opinião particular que sustentam um ou vários jurisconsultos a respeito de um ponto controvertido de direito, também tem um sentido religioso de princípio, crença, ou conjunto de princípios ou crenças que tem um valor de verdade absoluta (HOUAISS).

De uma forma geral, a literatura jurídico-tributária pátria, quando menciona direitos fundamentais ou direitos humanos, o faz sem mencionar os diplomas internacionais ratificados pelo Brasil. Além disso, normalmente a literatura trata do tema apenas sob a égide dos direitos negativos de não interferência do Estado Fiscal — ou seja, limita-se à dicotomia contribuinte vs Fisco, ou, em outras palavras, indivíduo vs Estado, o que não condiz com a ideologia — liberal-social — da nossa Constituição.

10

Aqui o objeto foi limitado ao Sistema da ONU de Proteção Internacional dos Direitos Humanos, sem prejuízo da importância de outros instrumentos bilaterais e multilaterais assumidos pelo Brasil, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, por uma razão metodológica e por uma razão teórica, respectivamente: (i) é preciso restringir o objeto da pesquisa para que seu exame seja factível no período (e espaço) determinado para a mesma; (ii) o sistema da ONU é o sistema internacional com maior amplidão de normas.

11

O Universal Human Rights Index (UHRI) é uma base de dados construída através de um projeto que combinou os esforços do Instituto de Direito Público da Universidade de Bern (Suíça), do LexUM — laboratório tecnológico de sistemas jurídicos da Universidade de Montreal (Canadá) —, e da própria ONU. O objetivo do projeto foi o de facilitar o acesso aos documentos relativos a direitos humanos emitidos pelos diversos órgãos e setores da Nações Unidas. Mais de 1.000 documentos já foram indexados, e, para os interesses da presente pesquisa, a base conta com todas as observações conclusivas dos comitês relativos aos tratados de direitos humanos desde o ano 2000, além dos relatórios relativos aos procedimentos especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Relatores especiais, representantes do Secretário-Geral, expertos independentes, grupos de trabalho etc.) desde 2006.

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e grupos vulneráveis —, cada qual com suas respectivas subdivisões. Dentro delas, os resumos descritivos dos documentos são apresentados cronologicamente.13 O presente artigo serve ao propósito de divulgação da pesquisa mencionada. Primeiramente, cuidaremos de descrever, de maneira sistematizada, o conteúdo dos documentos analisados. Em um segundo momento, buscaremos compreender os resultados da pesquisa a partir de alguns dos seus possíveis impactos no contexto jurídico e social do nosso país, de modo a enfrentar o problema proposto.

2 Resultados Conforme informado, reorganizamos os resultados em diferentes eixos temáticos, o que não significa que possa haver uma divisão estanque de direitos em matéria de direitos humanos, uma vez que, como se sabe, os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes.14 Todos os documentos descritos a seguir demonstram a experiência dos diferentes órgãos da ONU na interpretação das ações do Estado — tanto executivas quanto legislativas — na esfera fiscal, e suas relações com a efetivação de diferentes normas de direitos humanos. Tratado Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial (CEDR)

Comitê Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial (CtDR)

Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (CEDM) Convenção Contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (CCT)

Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CtDESC)

Convenção sobre os Direitos das Crianças (CDC) Convenção Internacional sobre a proteção dos direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e de suas famílias (CTM)

Comitê dos Direitos da Criança (CtDC)

Comitê de Direitos Humanos (CtDH) Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CtDM) Comitê Contra a Tortura (CtCT)

Comitê dos Trabalhadores Migrantes (CtTM)

Tabela 1: Tratados, comitês respectivos e siglas

Não caberia nos propósitos deste trabalho uma descrição esmiuçadora do funcionamento do Sistema da ONU de Direitos Humanos.15 No entanto, cientes da carência de conteúdos que tratem desse sistema na formação dos nossos juristas, e para melhor apreciação dos resultados, reproduzimos abaixo uma tabela que retrata as diferentes normas ou direitos que, em resumo, podem ser encontrados nos tratados interpretados pelos diferentes órgãos. Poderiam sê-lo tendo em vista critério diverso do cronológico; as subdivisões temáticas que importam já foram feitas até um grau de minúcia suficientemente didático.

13

Cf. CANÇADO TRINDADE, 1995. Tal indivisibilidade é unânime no plano internacional desde a 1a Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Teerã, em 1968. UNITED NATIONS, 1968.

14

15

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Para uma brevíssima introdução, ver: BUERGENTHAL et al, 2002; GODINHO, 2006.


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Convenção internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial16

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A parte material está focada nos deveres do Estado de combater todas as formas de discriminação racial ao seu alcance (ver os arts. 1-7). A ênfase está principalmente na possibilidade de todos exercerem direitos e liberdades que estão também afirmados nos demais tratados de direitos humanos elencados a seguir, além da condenação do apartheid e da proibição de propagandas e apologias a qualquer tipo de discriminação. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos Resumidamente, nesse tratado estão presentes os seguintes direitos: direito à autodeterminação, direito à vida; proibição de tortura e penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; proibição de escravidão e servidão; direito à liberdade e à segurança pessoais; direito a tratamento digno quando privado de liberdade; proibição da prisão civil; direito de livre circulação e residência; proibição de expulsão de estrangeiros sem motivo legalmente justificado; direito à presunção de inocência e garantias mínimas no processo penal; anterioridade da lei penal; direito ao reconhecimento da personalidade jurídica; direito à proteção da lei contra ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência; direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; direito à liberdade de expressão; proibição legal de propaganda em favor da guerra ou apologia ao ódio nacional, racial ou religioso, que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência; direito de reunião pacífica; direito de livre associação; direito à família; direito à proteção da infância; direito à participação política; igualdade perante a lei; direitos das minorias. Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Os seguintes são direitos tutelados pelo PIDESC (arts. 1, 6-15): direito à autodeterminação; direito de ganhar a vida mediante trabalho livremente escolhido; direito de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis; direito de fundar sindicatos e de filiar-se ao sindicato de sua escolha; direito de greve; direito à previdência social, inclusive ao seguro social; dever do Estado de dar às famílias a mais ampla proteção e assistência possíveis; direito a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família; direito de desfrutar o mais elevado nível de saúde física e mental; direito à educação; dever do Estado de garantir educação primária gratuita e obrigatória para todos; direito de participar da vida cultural; direito de desfrutar do progresso científico e suas aplicações. Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher Assim como na CEDR,aqui a parte material também tem como pontos principais o combate de todas as formas de discriminação contra a mulher, os deveres do Estado de promoção da igualdade de gênero e a correlação entre discriminação e exercício dos demais direitos humanos por parte das mulheres.Ademais, a convenção cuidou de expressar direitos específicos — releituras e desdobramentos de outros direitos humanos no contexto da mulher —, como o direito de escolher livremente o cônjuge e de contrair matrimônio somente com o livre e pleno consentimento, igualdade do homem e da mulher perante a lei, direitos da mulher nas zonas rurais etc. (ver arts. 1-16). Convenção Contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes A parte material desse tratado (arts. 1-16) foca deveres do Estado, tais como: tomar medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição; não extraditar pessoa para determinado Estado quando houver razões substanciais para se crer que ela corre perigo de ali ser submetida a tortura; assegurar que todos os atos de tortura sejam considerados crimes segundo a sua legislação penal; investigar e, quando necessário, deter ou mesmo extraditar suspeitos de terem cometido tortura em qualquer outro lugar; reconhecer o direito dos suspeitos a um tratamento justo; divulgar a proibição de tortura no treinamento civil e militar daqueles envolvidos com o tratamento de pessoas submetidas a alguma forma de privação de liberdade; garantir uma investigação imparcial de crimes de tortura; garantir o direito da vítima à reparação e à indenização justa e adequada, incluídos os meios necessários à mais completa reabilitação possível etc. Além disso, destacam-se a universalização da jurisdição para crimes de tortura e a invalidade de qualquer prova obtida por meio de tortura.

Nos documentos analisados, não há menção direta a este tratado. No entanto, o autor acha por bem registrar aqui o resumo do direito material por ele compreendido, uma vez que seu conteúdo interessa a questões tributárias tanto quanto o dos demais tratados. Ademais, trata-se de um dos tratados nucleares de direitos humanos, que influenciou sobremaneira na feitura de outras normas internacionais aqui referendadas, como a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher.**

16

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Convenção sobre os Direitos das Crianças

Este tratado é, talvez, o mais extenso em termos materiais, abrangendo, em seus arts. 1-41, as principais questões relativas à proteção das crianças: direitos civis e políticos (e.g. direitos das crianças de serem ouvidas em procedimentos administrativos e judiciais; direitos à privacidade, família, inviolabilidade do lar e da correspondência; liberdades de pensamento e crença, de expressão, de livre associação etc.); direitos econômicos, sociais e culturais (direitos ao bem-estar, à saúde, à formação educacional, à previdência social etc.); proibição de todo e qualquer tipo de discriminação e de todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração; direitos e deveres dos pais; respeito aos costumes locais; direitos das mães à assistência pré-natal e pós-natal; outros temas, como adoção, crianças portadoras de deficiências físicas ou mentais, crianças de minorias étnicas e indígenas, crianças-soldado ou afetadas por conflitos militares (refugiadas etc.), e muitos outros. Tabela 2: Síntese dos direitos expressos nos tratados de direitos humanos em epígrafe17

Antes de adentrarmos no mérito da pesquisa, cabe uma ressalva: diferentemente de outros documentos da ONU (como, e.g., algumas das resoluções do Conselho de Segurança), os documentos descritos nos resultados não vinculam os Estados, o que explica a própria linguagem usada pelos órgãos em relação aos Estados (por vezes elogiosa, outras tantas crítica, ou simplesmente recomendatória). No entanto, a ausência de comandos não deve ludibriar o leitor que não esteja familiarizado com os direitos humanos internacionais, já que, se as interpretações dos comitês não vinculam per si, as normas interpretadas o fazem. Além do mais, as interpretações dos comitês e suas recomendações não podem ser enquadradas como simples parte da literatura especializada — o que já daria a elas certa relevância jurídica — mas, muito mais do que isso, devem ser tidas como expressões de órgãos aos quais foi atribuída por diplomas legais (os tratados em comento) a competência de monitoramento e implementação dos direitos humanos.

2.1 Tributação e Direitos sociais 2.1.1 Normas tributárias, política fiscal e a questão da pobreza Em fevereiro de 2004, o Comitê sobre os Direitos das Crianças da ONU (CtDC) fez críticas em relação aos óbices ao direito a um padrão adequado de vida, em particular quanto à prevalência da pobreza em um número considerável de famílias alemãs, mas registrou os esforços do Estado alemão, como o aumento de benefícios fiscais visando a auxiliar as famílias que tenham filhos.1816 Em maio de 2005, o Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CtDESC) elogiou a determinação do Estado chinês em retirar impostos sobre pecuária e agricultura para favorecer o combate à pobreza nas comunidades rurais.1917 Em janeiro de 2008, o Relator Especial sobre o direito à alimentação, Sr. Jean Ziegler, em

124

17

Inicialmente veiculada em: ALVES, 2009b.

18

UNITED NATIONS, 2004a, § 50.

19

UNITED NATIONS, 2005, § 8°.


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missão na Bolívia, descreveu a passagem histórica do governo Mesa para o governo do Sr. Evo Morales Ayma, e as mudanças na tributação da exploração de hidrocarbonetos no país, aumentando, assim, a arrecadação do Estado, de US$220 milhões em 2003 para US$1,3 bilhão em 2006, permitindo à Presidência reverter a espiral de déficit público, reduzir a dívida pública e criar condições para maiores investimentos no combate à fome e à pobreza.2018

Doutrina

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2.1.2 Tributação, regulamentação de mercadorias e serviços e direitos sociais Em setembro de 2000, ao analisar relatório submetido pela Austrália, o CtDESC ressaltou como aspecto positivo a instauração de um imposto sobre mercadorias e serviços como forma de racionalizar a regulamentação das empresas e de reduzir o imposto de renda cobrado da maior parte dos trabalhadores australianos (working Australians).2119

2.1.3 Normas tributárias, política fiscal e a questão do trabalho Em agosto de 2007, o Comitê para Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CtDM) recomendou ao Estado brasileiro que monitorasse e avaliasse os impactos da Lei n. 11.324/2006 — que concedeu ao(a) empregador(a) de trabalhador(a) doméstico(a) o direito de deduzir do seu próprio imposto de renda a contribuição patronal paga à Previdência Social, incidente sobre o valor da remuneração do empregado —, de modo a determinar se essa lei realmente contribuiu para a formalização do trabalho doméstico.2220 Em janeiro de 2008, o CtDESC recomendou à Bélgica que tomasse medidas para reduzir as taxas de desemprego de jovens, pessoas acima de 55 anos e estrangeiros residentes no país por meio de medidas específicas, dentre elas, incentivos fiscais (tax incentives) às empresas que contratem pessoas que se enquadram em quaisquer dos grupos apontados.2321 Em janeiro de 2008, o CtDESC recomendou a San Marino que aumentasse os gastos financiados diretamente pelo imposto de renda, em especial o valor da aposentadoria, de modo a garantir aos pensionistas um padrão decente de vida consoante o art. 9 do PIDESC.2422 Em junho de 2008, ao examinar o relatório francês, o CtDESC recomendou àquele Estado que intensificasse seus esforços na promoção de oportunidades de emprego para os jovens por meio de medidas específicas e, dentre elas, incentivos fiscais para as empresas que os contratassem.2523

UNITED NATIONS, 2008c, §§ 20-24. Ziegler assinalou ainda que o aumento maciço da arrecadação do Estado permitirá à Bolívia, que foi tradicionalmente dependente de ajuda internacional para o seu desenvolvimento, finalmente tomar as rédeas do seu destino e oferecer esperança aos milhões de bolivianos pobres e indígenas continuamente e por tanto tempo excluídos da riqueza da Bolívia. Id., § 24.

20

21

UNITED NATIONS, 2000b, § 5°.

22

UNITED NATIONS, 2007a, § 28.

23

UNITED NATIONS, 2008a, § 30.

24

UNITED NATIONS, 2008b, § 26.

25

UNITED NATIONS, 2008g, § 35.

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2.1.4 Incentivos fiscais e habitação Em fevereiro de 2008, o Relator Especial sobre moradia adequada, o Sr. Miloon Kothari, em missão na Espanha, criticou o impacto negativo das políticas públicas espanholas — dentre elas sua política fiscal — que incentivaram um modelo de habitação privada em detrimento de, e.g., regimes de aluguel para setores de baixa renda. Sem embargo, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas espanhol, em 2001, 82% das famílias não tinham casa própria, e, relativamente às políticas fiscais, salientou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (Organisation for Economic Co-operation and Development — OECD) que, não fossem as reduções de imposto (tax deductions), os preços dos imóveis residenciais cairiam entre 15 e 30%. Isso porque os incentivos fiscais estavam sendo amplamente capitalizados nos preços.2624

2.1.5 Incentivos fiscais e educação Em fevereiro de 2008, o CtDC apregoou a necessidade de a Lituânia tomar medidas para encorajar a produção de programas e livros para crianças, sem deixar de registrar as ações do Estado para incentivar publicações e vendas de livros por meio de redução de impostos (tax reductions).2725

2.1.6 Arrecadação e destinação da arrecadação Em junho de 2000, o CtDC mencionou que, embora os gastos sociais tivessem sido prejudicados com a crise econômica e as agitações políticas internas, eles não estavam condizentes com o art. 4° da CDC, e, de fato, o Estado da Georgia não estava destinando orçamento para implementação da convenção na extensão máxima dos seus recursos disponíveis. O comitê expressou ainda sua preocupação com a sonegação fiscal (tax evasion) e corrupção, tidas como fatores para a parca alocação de recursos destinados pelo Estado para a implementação da CDC.2826 Contra isso, recomendou o comitê que o Estado tomasse medidas especiais para implementar o art. 4° da CDC na sua integralidade, alocando recursos na extensão máxima de sua disponibilidade e buscando, se necessário, cooperação internacional para a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais das crianças, devendo, ainda, tomar todas as medidas apropriadas para melhorar seu sistema de arrecadação de tributos e erradicar a corrupção.2927 Em maio de 2001, o CtDESC concluiu que as políticas econômicas implementadas, em Hong Kong, de manutenção de impostos baixos e redução dos gastos do governo com o provimento de serviços essenciais, baseadas na filosofia do não-intervencionismo positivo,30028tiveram um impacto negativo na implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais, deveras exacerbado pela globalização.3129 26

UNITED NATIONS, 2008d, p.2 e §§ 9, 12, 25, 48, 92.

27

UNITED NATIONS, 2001a, §§ 27, 28.

28

UNITED NATIONS, 2000a, § 18.

29

Id., § 19.

Tais políticas têm como fulcro o art. 5° da Lei Básica (Basic Law) de Hong Kong, que normatiza a iniciativa privada e um regime de impostos baixos (low tax regime) por pelo menos 50 anos. UNITED NATIONS, 2001b, § 14. 30

31

126

Id., ibid.


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Em outubro de 2003, o CtDC manifestou sua preocupação com a parca alocação de recursos destinados pelo Estado da Geórgia (USA) para a implementação da CDC, bem como a constante redução de gastos com saúde e educação apesar do nível razoavelmente alto de crescimento econômico vivido pelo país no ano anterior (5,2 % em 2002). O comitê criticou ainda a insuficiência do sistema de arrecadação de tributos do Estado e a corrupção generalizada na coleta e uso dos recursos públicos, recomendando ao Estado ações para aplacar ambos os problemas, aumentar os gastos e garantir transparência no uso do dinheiro público para a implementação dos direitos expressos na convenção, principalmente nas áreas de saúde e educação.3230

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Em agosto de 2004, ao examinar o relatório submetido pela Guiné Equatorial, o Comitê de Direitos Humanos da ONU (CtDH) recomendou fossem adotados programas de proteção da criança devido à situação de fragilidade das crianças locais ou oriundas de países vizinhos quanto à saúde, ao trabalho e à educação. Interessante notar que o comitê atribuiu o problema da educação ao baixo gasto fiscal por criança empreendido pelo Estado (low tax expenditure per pupil).3331

2.2 Tributação e grupos vulneráveis 2.2.1 Questões de gênero Em agosto de 2001, o CtDH, ao examinar relatório submetido pela Nova Zelândia, observou como aspecto positivo as alterações legislativas feitas nas leis que regulam o imposto de renda (Country Ordinances on Income Tax e Country Ordinances on Wages and Salaries Tax), de modo a torná-lo mais equânime com relação às mulheres casadas e, assim, retirar das leis seu elemento discriminatório contra mulheres.3432 Em janeiro de 2006, a Sra. Yakin Erturk, Relatora Especial sobre violência contra a mulher, suas causas e consequências, em missão à Rússia, criticou a ausência de incentivos estatais para organizações da sociedade civil envolvidas em frentes de luta por direitos das mulheres, recomendando ao Estado russo que alterasse seu direito tributário de modo a aumentar a capacidade das ONGs de direitos das mulheres de contribuir efetivamente para a erradicação da violência contra a mulher.3533 Em fevereiro de 2006, o CtDM elogiou Mali por ter adotado incentivo fiscal aos entes federados, proporcional ao número de representantes mulheres em cargos públicos eletivos.3634 Em agosto de 2007, o CtDM elogiou os esforços da Nova Zelândia de implementar programas e 32

UNITED NATIONS, 2003a, §§ 13, 14.

33

UNITED NATIONS, 2004b, § 10.

34

UNITED NATIONS, 2001c, § 15°.

35

UNITED NATIONS, 2006a, § 50 e p.26.

36

UNITED NATIONS, 2006b, § 6°.

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serviços de apoio à participação da mulher no mercado de trabalho e na vida familiar de forma equilibrada, em especial o programa ‘‘Trabalhando para as Famílias’’ (Working for Families), um pacote de serviços que inclui subsídios e créditos tributários (tax credits) para auxiliar as famílias a arcar com os custos de creche para os seus filhos.3735 Em abril de 2008, o CtDM recomendou ao Líbano que adotasse medidas para eliminar a discriminação sofrida pelas mulheres na área tributária, uma vez que as mulheres casadas não recebiam o abatimento de imposto (tax allowance) dado aos homens casados e aos chefes de família.3836 Em abril de 2008, o CtDM expressou sua preocupação com a persistência de discriminação contra a mulher na Suécia, sobretudo no âmbito dos postos de trabalho e disparidades salariais. Contudo, não deixou de consignar as iniciativas daquele Estado de incentivo à participação das mulheres no mercado de trabalho e à conciliação disso com a vida familiar, como, v.g., a introdução de créditos tributários específicos de imposto de renda e para contratação de serviços domésticos, e de um bônus do seguro-maternidade.3937 Em novembro de 2008, o CtDM elogiou uma série de medidas tomadas e alterações legislativas feitas por Portugal para avançar a questão da igualdade de gênero, incluindo emendas legislativas na área do direito tributário.4038

2.2.2 Outros grupos vulneráveis Em outubro de 2003, o Comitê sobre o Direito das Crianças (CtDC) elogiou as medidas tomadas pelo governo canadense para aumentar as reduções de impostos (tax deductions) para os povos aborígenes.4139 Em dezembro de 2003, ao analisar o relatório enviado pela Rússia, o CtDESC demonstrou sua preocupação com a diminuição significativa do emprego de deficientes físicos, e repreendeu a decisão do Estado de retirar duas importantes deduções de impostos (tax benefits) que serviam como incentivo para a contratação de deficientes, e que haviam sido recomendadas pelo próprio Comitê em suas observações conclusivas anteriores.4240

3 Conclusões Com base nos resultados apresentados e tendo em mente o Direito brasileiro, uma primeira constatação é a de que, a priori, as interpretações feitas pelos órgãos da ONU em relação a outros países são compatíveis com os valores positivados na nossa ordem constitucional. 37

UNITED NATIONS, 2007b, § 7°.

38

UNITED NATIONS, 2008e, §§ 32, 33.

39

UNITED NATIONS, 2008f, § 26.

40

UNITED NATIONS, 2008h. § 6°.

41

UNITED NATIONS, 2003b, § 38°.

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UNITED NATIONS, 2003c, § 16°.


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A partir disso, é possível perceber a contribuição dos diferentes exemplos colocados para as especificidades da realidade brasileira. Em respeito à complexidade de cada uma das questões suscitadas e sem prejuízo do objeto do presente artigo, poderíamos mencionar, por amostragem, algumas lições criativas que os resultados apontam para problemas também afetos à nossa sociedade. Por exemplo, o uso de mecanismos tributários na premiação de entes de uma federação pelo avanço no número de mulheres eleitas para cargos políticos; no aumento da acessibilidade à moradia; no incentivo aos pequenos e médios produtores rurais como meio de diminuição da pobreza; no aumento da progressividade do imposto de renda das pessoas físicas como estratégia de redução das desigualdades etc. Estas e outras questões suscitadas pelos trabalhos dos órgãos da ONU são evidentemente caras ao Brasil, e cada uma delas suscitaria pesquisas próprias de grande envergadura teórica e relevância social.

Doutrina

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O exposto nos auxilia a compreender o que, na nossa visão, seria a principal contribuição do estudo ora apresentado. É que, ao evidenciar algumas das formas por meio das quais as normas de direitos humanos se relacionaram com a tributação e a destinação dos recursos arrecadados em diferentes Estados, fica mais clara nossa obrigação de levar em conta os direitos humanos em todos os debates que envolvam ações (ou omissões) estatais, não somente por simples razões éticas, mas por motivos jurídicos, uma vez que o próprio ordenamento impõe que tenhamos em conta o direito posto em sua totalidade. Assumir a centralidade dos direitos humanos nas reflexões sobre o Estado como pressuposto jurídico-teórico — e a pesquisa dogmática que realizamos não nos permite outro posicionamento — significa abrir ao estudioso do Direito inúmeras possibilidades para a releitura de velhas pesquisas e para a realização de novos estudos em qualquer área que envolva a interferência do Estado, marcadamente nos casos pertencentes à seara tributária e fiscal. A partir de tudo isso, inúmeros temas de pesquisa podem surgir. Apontamos apenas alguns que nos parecem urgentes e essenciais para o país, tais como: o papel do sistema tributário como um todo na efetivação de direitos sociais presentes, por exemplo, no Pidesc; 4341 a construção de uma proposta de seletividade na tributação sobre o consumo que desonere os bens necessários à sobrevivência das pessoas e tribute severamente produtos de luxo; ainda em relação à seletividade do consumo, a possibilidade de a decisão sobre a essencialidade dos produtos ser tomada em fóruns participativos, com fundamento no direito à autodeterminação; 4442 a revisão crítica do ITR para colocá-lo como instrumento extrafiscal de promoção da reforma agrária, agindo, assim, como meio de redução da pobreza e de implementação do art. 11, § 1°, do Pidesc; a instituição de um adicional de IR a ser pago por pessoas jurídicas que exerçam atividades de significativo impacto ambiental negativo, como forma mesma de resguardar os chamados direitos humanos de terceira dimensão; etc.

Ou a ausência de efetivação de direitos sociais resultante da regressividade do sistema tributário brasileiro. Já indicamos esta questão anteriormente, sem, contudo, esmiuçá-la por completo em: ALVES, 2009a.

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O direito à autodeterminação, presente no art. 1° de ambos PIDCP e Pidesc, determina ao Estado a obrigação de democratizar a tomada de decisões.

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Com tudo isso, renova-se — assim esperamos — a importância da tarefa de repensarmos o papel do sistema tributário e das ações do Estado que envolvam direta ou indiretamente a arrecadação/destinação de recursos tendo em vista todas as obrigações de efetivação de direitos humanos vigentes no nosso ordenamento jurídico, que, caso não estejam sendo devidamente cumpridas pelo Estado, podem ensejar responsabilização do mesmo em foros nacionais e internacionais.

Referências

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais (Theorie der gundrechte). Trad. da 5 ed. alemã por Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. ALVES, Henrique Napoleão. Tributação está na contramão dos Direitos Humanos. Revista Consultor Jurídico, 25 de agosto de 2009a. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-ago25/tributacao-regressiva-contramao-direitos-humanos>. Acesso em: 25/08/2009). _________. Uma introdução ao Sistema da ONU de solução de controvérsias em direitos humanos (no prelo). Revista do CAAP, n. XVI, 2009b. BUERGENTHAL, Thomas; et al. International Human Rights Law in a nutshell. 3. ed. Londres: West Publishing Company, 2002. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto; et al. Desenvolvimento econômico e intervenção do estado na ordem constitucional: estudos jurídicos em homenagem ao Professor Washington Peluso Albino de Souza. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995. _________. Prefácio. In: LOUREIRO, Sílvia Maria da Silveira. Tratados internacionais sobre direitos humanos na constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Tratados internacionais de direitos humanos e Constituição brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. GODINHO, Fabiana de Oliveira. A proteção internacional dos direitos humanos. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. LOUREIRO, Sílvia Maria da Silveira. Tratados internacionais sobre direitos humanos na Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2000. UNITED NATIONS. U.N. final act of the international conference on human rights. UN Doc. A CONF.32/41, 1968.

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_________. Committee on the rights of the child. Consideration of reports submitted by states parties under article 44 of the covenant: concluding observations: Georgia. UN Doc. CRC/C/15/ Add.124, 28/jun./ 2000a.

Doutrina

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_________. Committee on economic, social and cultural rights. Consideration of reports submitted by states parties under articles 16 and 17 of the covenant: concluding observations: Australia. UN Doc. E/C.12/1/ADD.50, 11/set./2000b. _________. Committee on the rights of the child. Consideration of reports submitted by states parties under article 44 of the covenant: concluding observations: Lithuania. UN Doc. CRC/ C/15/Add.146, 21/fev./2001a. _________. Committee on economic, social and cultural rights. Consideration of reports submitted by states parties under articles 16 and 17 of the covenant: concluding observations: Hong Kong Special Administrative Region (HKSAR). UN Doc. E/C.12/1/Add.58, 21/mai./2001b. _________. Human Rights Committee. Consideration of reports submitted by states parties under article 40 of the covenant: concluding observations: Netherlands. UN Doc. CCPR/CO/72/ NET, 27/ago./2001c. _________. Committee on the rights of the child. Consideration of reports submitted by states parties under article 44 of the covenant: concluding observations: Georgia. UN Doc. CRC/C/15/ Add.222, 27/out./2003a. _________. Committee on the rights of the child. Consideration of reports submitted by states parties under article 44 of the covenant: concluding observations: Canada. UN Doc. CRC/C/15/ Add.215, 27/out./2003b. _________. Committee on economic, social and cultural rights. Consideration of reports submitted by states parties under articles 16 and 17 of the covenant: concluding observations: Russian Federation. UN Doc. E/C.12/1/Add.94, 12/dez./2003c. _________. Committee on the rights of the child. Consideration of reports submitted by states parties under article 44 of the covenant: concluding observations: Germany. UN Doc. CRC/ C/15/Add.226, 26/fev./2004a. _________. Human rights committee. Consideration of reports submitted by states parties under article 40 of the covenant: concluding observations: Equatorial Guinea. UN Doc. CCPR/ CO/79/GNQ, 13/ago./2004b. _________. Committee on economic, social and cultural rights. Consideration of reports submitted by states parties under articles 16 and 17 of the covenant: concluding observations: People’s Republic of China. UN Doc. E/C.12/1/Add.107, 13/mai./2005a. _________. Economic and social council. Report of the special rapporteur on violence against women, its causes and consequences, Yakin Erturk. Addendum: Mission to the Russian Federation. UN Doc. E/CN.4/2006/61/Add.2, 26/jan./2006a. _________. Committee on the elimination of discrimination agains women. Concluding comments of the Committee on the elimination of discrimination against women: Mali. UN Doc. CEDAW/C/MLI/CO/5, 3/fev./2006b. 131


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_________. Committee on the elimination of discrimination against women. Draft concluding comments of the Committee on the elimination of discrimination against women: Brazil. UN Doc. CEDAW/C/BRA/CO/6, 10/ago./2007a. _________. Committee on the elimination of discrimination against women. Concluding comments of the Committee on the Elimination of Discrimination against Women: New Zealand. UN Doc. CEDAW/C/NZL/CO/6, 10/ago./2007b. _________. Committee on economic, social and cultural rights. Consideration of reports submitted by States parties under articles 16 and 17 of the covenant: Concluding observations: Belgium. UN Doc. E/C.12/BEL/CO/3, 4/jan./2008a. _________. Committee on economic, social and cultural rights. Consideration of reports submitted by States parties under articles 16 and 17 of the covenant: Concluding observations: San Marino. UN Doc. E/C.12/SMR/CO/4, 4/jan./2008b. _________. Human rights council. Report of the special rapporteur on the right to food, Jean Ziegler. Addendum: Mission to Bolivia. UN Doc. A/HRC/7/5/Add.2, 30/jan./2008c. _________. Human rights council. Report of the special rapporteur on adequate housing as a component of the right to an adequate standard of living, Miloon Kothari. Addendum: Mission to Spain. UN Doc. A/HRC/7/16/Add.2, 7/fev./2008d. _________. Committee on the elimination of discrimination against women. Concluding comments of the Committee on the elimination of discrimination against women: Lebanon. UN Doc. CEDAW/C/LBN/CO/3, 8/abr./2008e. _________. Committee on the elimination of discrimination against women. Concluding comments of the Committee on the elimination of discrimination against women Sweden. UN Doc. CEDAW/C/SWE/CO/7, 8/abr./2008f. _________. Committee on economic, social and cultural rights. Consideration of reports submitted by States parties under articles 16 and 17 of the covenant: Concluding observations: France. UN Doc. E/C.12/FRA/CO/3, 9/jun./2008g. _________. Committee on the elimination of discrimination against women. Draft Concluding comments of the Committee on the elimination of discrimination against women: Portugal. UN Doc. CEDAW/C/PRT/CO/7, 7/nov./2008h.

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Doutrina

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Pareceres e Decisões

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Impossibilidade de utilização de veículo particular de vereador, no exercício da função, mediante fornecimento de combustível por Câmara Municipal CONSULTA N. 810.007

EMENTA: Consulta — Câmara Municipal — Utilização de veículo particular de vereador, mediante fornecimento de combustível por Câmara Municipal, para eventuais trabalhos do Legislativo — Impossibilidade — Afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade — Configuração de contrato de locação — Confusão patrimonial — Difícil mensuração do quantum indenizatório — Possibilidade de uso de carro oficial para cumprimento das incumbências parlamentares — Possibilidade de adoção do sistema de diárias de viagem regrado em ato legislativo. (...) a situação descrita pelo consulente configura verdadeiro contrato de locação de fato, eis que, ainda que o veículo não seja permanentemente posto à disposição do órgão, a sua eventual utilização em serviço de interesse da Administração, mediante contraprestação (abastecimento), constituirá contrato de locação próprio da Câmara. Ademais, o uso intercalado do veículo — ora em caráter particular, ora a serviço — tornaria bastante difícil a mensuração do quantum a ser indenizado, o que redundaria em confusão patrimonial envolvendo o agente público e o órgão contratante. RELATOR: CONSELHEIRO EDUARDO CARONE COSTA

RELATÓRIO Cuidam os autos de consulta subscrita pelo Sr. Amarin Israel da Silva, por meio da qual, em linhas gerais, indaga a esta egrégia Corte de Contas o seguinte: Pode o presidente da Câmara Municipal abastecer seu veículo particular com recursos da Câmara para eventuais trabalhos do Legislativo? É necessário algum ato da Câmara como resolução, portaria ou mesmo projeto de lei para regulamentar o gasto de combustível para o presidente?

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Do exame dos pressupostos de conhecimento da presente Consulta, ressai que a autoridade consulente tem legitimidade para apresentá-la, consoante as disposições do art. 210, inciso I, da Resolução TC n. 12, de 19/12/2008 (RITCEMG). A consulta foi instruída com parecer da douta Auditoria a fls. 9-14, com fulcro nas disposições constantes no art. 54, inciso V, do Regimento Interno, aprovado pela Resolução TC n. 12/2008, o qual consigna conclusão no sentido de que a questão tem precedentes decisórios deste Tribunal, materializados nas Consultas de n. 465.192; 43.273; 703.949 e 710.548 esta última respondida à unanimidade, na Sessão de 31/05/06, de relatoria do então Conselheiro Moura e Castro devendo, assim, a presente consulta, no plano da análise abstrata, ser respondida no sentido da ilicitude da utilização de veículos de propriedade particular de vereador pela Câmara mediante fornecimento, pelo Órgão, de combustível, eis que afronta os princípios da moralidade e da impessoalidade. É o relatório.

PRELIMINAR Ratifico o despacho de admissibilidade por mim proferido a fls. 5-6, e submeto a matéria aos meus pares. Admito a consulta.

MÉRITO

Vencida a preliminar arguida, relativamente à questão formulada em tese deve ser respondida nos seguintes termos: A indagação subscrita pelo consulente é acerca da possibilidade ou não de o vereador de Ibitiúra de Minas abastecer seu veículo particular com recursos da Câmara Municipal para eventuais trabalhos do Legislativo e se há necessidade de algum ato da Câmara para regulamentar o referido gasto. Como bem salientou a douta Auditoria em seu pronunciamento a fls. 10, a situação descrita pelo consulente configura verdadeiro contrato de locação de fato, eis que, ainda que o veículo não seja permanentemente posto à disposição do órgão, a sua eventual utilização em serviço de interesse da Administração, mediante contraprestação (abastecimento), constituirá contrato de locação próprio da Câmara. Ademais, o uso intercalado do veículo — ora em caráter particular, ora a serviço — tornaria bastante difícil a mensuração do quantum a ser indenizado, o que redundaria em confusão patrimonial envolvendo o agente público e o órgão contratante. Já a alternativa de pagamento de quota mensal, desvinculada da efetiva utilização conferiria caráter remuneratório ao valor pago, hipótese que deve ser de plano 136


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rechaçada por contrariar o disposto no art. 37, inciso XI, da CR/88. Saliente-se, por oportuno, que o presente questionamento já foi enfrentado, em diversas oportunidades, por esta Corte de Contas, consoante se depreende das Consultas n. 676.645; 677.255; 694.113 e 702.848. Cumpre ressaltar que na hipótese de efetiva necessidade de deslocamento do vereador para outros municípios, recomendável se faz a adoção do sistema de diárias de viagem, devidamente regrado em ato legislativo local. Tema também já enfrentado, em outras oportunidades, por esta Corte de Contas nas consultas n. 740.569 e n. 748.370, sendo que, esta última, da lavra do Conselheiro Antônio Carlos Andrada, o pleno deste Tribunal firmou o entendimento segundo o qual:

Pareceres e Decisões

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a indenização de despesas de viagem de servidor público ou de agente político estadual ou municipal deve se dar, preferencialmente, mediante o pagamento de diárias de viagem, previstas em lei e regulamentadas em ato normativo próprio do respectivo Poder, com prestação de contas simplificada e empenho prévio ordinário.

Saliente-se, ainda, que havendo conveniência de ordem pública e obedecidos os critérios e limites estabelecidos pela legislação que regulamenta o uso do veículo oficial, poderá a Câmara Municipal, por deliberação de seus membros, permitir aos edis o uso do carro oficial, em caráter exclusivo ou não, para o cumprimento de suas incumbências parlamentares. Vale dizer, o uso do carro oficial é disciplinado por lei e normas administrativas, não caracterizando regalia, mas necessidade e segurança da autoridade pública em seus deslocamentos, destinando-se exclusivamente aos agentes públicos que tenham a obrigação de representação oficial, pela natureza do cargo ou função. Nesse sentido, respondo à indagação do consulente no sentido da ilicitude da utilização de veículo de propriedade particular de vereador pela Câmara Municipal mediante fornecimento pelo Legislativo municipal de combustível, por contrariar os princípios da moralidade e impessoalidade. Em sendo aprovado, deverá ter cópia encaminhada à Biblioteca desta Corte, responsável pelo gerenciamento do banco de dados que disponibiliza a pesquisa das Consultas, para as providências cabíveis.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 03/02/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheiro substituto Licurgo Mourão, Conselheiro Sebastião Helvecio e Conselheiro em exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Eduardo Carone Costa. 137


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Custeio, por Município, de despesas com alimentação e pernoite de militares do exército CONSULTA N. 810.915

EMENTA: Consulta — Município — Utilização de recursos municipais no custeio de alimentação e pernoite de agentes do exército — Possibilidade — Autonomia política, administrativa e financeira do Município — Necessidade de demonstração de interesse público local — Art. 62 da LC n. 101/00 — Estabelecimento de relação jurídica por meio de acordo, ajuste ou instrumento congênere — Bilateralidade de direitos e obrigações — Previsão na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual. (...) No tocante ao instrumento jurídico mais apropriado para a hipótese em questão, como bem salientou a douta Auditoria, o Convênio não seria o mais adequado. Como já destacado, o convênio tem por objeto relações cooperativas. No caso em tela, as atividades a serem custeadas pelo Município são de interesse exclusivo das Forças Armadas, que visitarão a localidade com o fim de admitir novos efetivos. Nesse sentido, ainda que se leve em conta que os exames beneficiarão os munícipes interessados, é evidente que os aprovados servirão em instalações localizadas em outras cidades, sem que o Exército mantenha atividades de caráter duradouro no Município que arca com as despesas. RELATOR: CONSELHEIRO EDUARDO CARONE COSTA

RELATÓRIO Trata-se de consulta formulada pela Sra. Valdirene Brandão da Silva, Chefe do Controle Interno da Prefeitura Municipal de Borda da Mata, indagando e solicitando, in verbis: Se é permitido aos municípios pagarem despesas de alimentação e pernoite para militares do Exército Brasileiro por ocasião dos exames anuais de seleção de recrutas, para prestação de serviço Militar.

A consulta foi instruída com parecer da douta Auditoria, a fls. 07-09, com fulcro nas disposições constantes no art. 54, inciso V, do Regimento Interno, aprovado pela Resolução TC n. 12/2008, o qual consigna conclusão no sentido de que a questão tem 138


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precedentes decisórios deste Tribunal, materializados nas Consultas n. 451.419, 453.684 e 661.715, esta última respondida à unanimidade, na sessão de 19/06/02, de relatoria do então Conselheiro Simão Pedro Toledo, devendo, assim, a presente consulta, no plano da análise abstrata, ser respondida no sentido de que as despesas dessa espécie só poderão ser custeadas pelo Município se previstas na lei de diretrizes orçamentárias, na lei orçamentária anual e por meio de instrumento jurídico apropriado à espécie, tais como acordo, ajuste e congênere. É o relatório.

PRELIMINAR

Pareceres e Decisões

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Pelo exame dos pressupostos de conhecimento da presente consulta, infere-se a legitimidade da autoridade consulente, consoante preceituado no inciso XI do art. 210 da Resolução de 19/12/2008 (RITCEMG). Por sua vez, no tocante ao objeto, embora numa análise preliminar possa ser extraído que se trata de caso concreto, consubstanciado em pedido de consultoria jurídica, a meu sentir, a elucidação do questionamento formulado pelo consulente é de relevante importância para o cotidiano de diversos municípios mineiros, além de adequar-se ao disposto no artigo 76, inciso IX, da Constituição do Estado de Minas Gerais, segundo o qual compete à Corte de Contas emitir parecer em consulta sobre matéria que tenha repercussão financeira, contábil, orçamentária, operacional e patrimonial. Destarte, considero que, em tese, é de todo pertinente que esta egrégia Corte esclareça as dúvidas elaboradas pelos jurisdicionados e estabeleça as diretrizes que poderão auxiliá-los na condução das medidas e ações oriundas da gestão administrativa, viabilizando o cumprimento da missão pedagógica afeta aos Tribunais de Contas. Desse modo, presentes os requisitos de admissibilidade estipulados nas disposições regimentais em vigor, recebo a presente consulta e o faço estribado na dicção do artigo 211 do RITCEMG.

MÉRITO Vencida a preliminar arguida, relativamente à questão formulada, em tese, deve ser respondida nos seguintes termos: A indagação subscrita pelo consulente é acerca da possibilidade ou não do Município pagar despesas de alimentação e pernoite para militares do Exército brasileiro por ocasião dos exames anuais de seleção de recrutas, para prestação de serviço militar. 139


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Cumpre ressaltar, por oportuno, que a questão aventada pelo consulente tem precedentes decisórios deste Tribunal, materializados nas consultas n. 451.419, 453.684 e 661.715. A Consulta n. 661.715, acolhida por unanimidade, na sessão de 19/06/02, cuja relatoria coube ao então Conselheiro Simão Pedro, foi respondida nos seguintes termos: O Município deverá celebrar convênio com o atual Ministério da Defesa, mediante prévia autorização legislativa e, desde que haja dotação orçamentária específica para acobertar as despesas advindas da instalação e manutenção dos Tiros de Guerra, poderá ser incluído no instrumento correlato o ônus com o aluguel das residências destinadas à moradia dos militares.

A douta Auditoria ressalta, em seu pronunciamento a fls. 07-10, que, na hipótese suscitada pelo consulente, ao contrário do que se observa na instalação de tiro de guerra — questionado na mencionada Consulta n. 661.715 e respondida por esta Casa —, as atividades a serem custeadas são de interesse exclusivo das Forças Armadas, que visitarão a localidade com o fim de admitir novos efetivos. Assim, ainda que se leve em conta que os exames beneficiarão os munícipes interessados, é evidente que os aprovados servirão em instalações localizadas em outras cidades, sem que o Exército mantenha atividades de caráter duradouro no Município que arca com as despesas. Nesse sentido, como o convênio tem por objeto relações cooperativas, não seria o instrumento mais apropriado, devendo-se optar por outro instrumento jurídico. Inicialmente, destaco que a Lei Magna federal, ao mesmo tempo em que definiu as competências de cada ente federativo — União, Estados, Distrito Federal e Municípios —, estabeleceu normas acerca da divisão de receitas entre tais entes. Dessa feita, em regra, cabe a cada ente político, valendo-se da autonomia política, administrativa e financeira asseguradas constitucionalmente, nos termos do art. 18 da CR/88, tomar as medidas necessárias a fim de viabilizar o satisfatório exercício das atribuições a ele impostas. Assim, para o deslinde da questão ora examinada, embora a presente indagação verse sobre despesa pontual e esporádica, que não constitui início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual (art. 176, I, da Constituição da República) verifica-se que os requisitos para a licitude dos gastos com hospedagem e alimentação de agentes do Exército brasileiro, órgão da União, são comparáveis aos perfilados nas consultas supracitadas, por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, que assim estabelece: Art. 62. Os municípios só contribuirão para o custeio de despesas de competência de outros entes da Federação se houver: I — autorização na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual; II — convênio, acordo, ajuste ou congênere, conforme sua legislação.

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É de se ressaltar que o inciso II permite que os dispêndios sejam estipulados em simples ajuste, observada a legislação do ente político. Por outro lado, o inciso I consigna exigência ainda mais estrita, impondo a previsão dos gastos também na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Este dispositivo, fundamentado na preocupação com a responsabilidade na gestão fiscal, limita a possibilidade de os municípios assumirem despesas de outros entes da Federação, visando a coibir eventual desequilíbrio nas contas de tais entidades políticas. Neste sentido, para que eles possam contribuir para o custeio de despesas cuja competência não lhes pertence, exige-se a autorização na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, bem como o estabelecimento de uma relação jurídica por meio de convênio, acordo, ajuste ou congênere.

Pareceres e Decisões

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Nessa esteira, vale destacar a pertinente ponderação de Pedro Lino1 ao discorrer sobre o mencionado dispositivo, in verbis: Tem sido muito comum os municípios realizarem grande quantidade de despesas de atribuição constitucional de outros entes (...). Isso porque a qualidade — e, por vezes, a própria prestação dos serviços depende dessa benesse, que, por outro lado, em muito compromete as finanças municipais. A LC n. 101, portanto, vai diretamente enfrentar tal prática, dando inclusive instrumental, para que os Prefeitos possam reagir aos abusos oriundos de agentes pedintes, ao impor condições prévias para a realização de despesas que tais, a saber: “I — autorização na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual; II — convênio, acordo, ajuste ou congênere, conforme sua legislação.” Dessa forma, além da expressa autorização legislativa que há de ser dupla (tanto na LDO) quanto na LOA, ou seja, somente após o prévio e integral controle político da sociedade, a despesa deve ter uma base obrigacional consubstanciada num convênio ou instrumento similar. Com isso, busca o legislador evitar a assunção, pelo erário municipal, de obrigação à qual, a rigor, não deveria estar obrigado, ao menos no curso do exercício (grifos nossos).

No tocante ao instrumento jurídico mais apropriado para a hipótese em questão, como bem salientou a douta Auditoria, o convênio não seria o mais adequado. Como já destacado, o convênio tem por objeto relações cooperativas. No caso em tela, as atividades a serem custeadas pelo Município são de interesse exclusivo das Forças Armadas, que visitarão a localidade com o fim de admitir novos efetivos. Nesse 1

LINO, Pedro. Comentários à lei de responsabilidade fiscal. Lei Complementar n. 101/2000. São Paulo: Atlas, 2001, p. 196.

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sentido, ainda que se leve em conta que os exames beneficiarão os munícipes interessados, é evidente que os aprovados servirão em instalações localizadas em outras cidades, sem que o Exército mantenha atividades de caráter duradouro no Município que arca com as despesas. Em face de todo o exposto, no plano da análise abstrata, respondo ao consulente nos seguintes termos: É possível que o gestor municipal assuma o custeio de alimentação e pernoite de agentes do Exército, devendo esse ato ser formalizado mediante acordo, ajuste ou instrumento congênere, desde que presentes a conveniência, a oportunidade, o interesse público local, a existência de dotação orçamentária, o estabelecimento da bilateralidade de direitos e obrigações e presentes os requisitos do artigo 62 da Lei Complementar n. 101/00. Nestes termos, entendo como sanadas as dúvidas aventadas na inicial. Na oportunidade, conforme art. 216 do Regimento Interno deste Tribunal, friso que esse entendimento, foi firmado no mesmo sentido das Consultas n. 451.419, 453.684 e 661.715. É este meu voto.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 25/11/09 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro em exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Eduardo Carone Costa. Impedido o Conselheiro substituto Hamilton Coelho.

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Impossibilidade de contratação temporária de jovens aprendizes EMENTA: Consulta — Fundação Municipal Promenor — Contratação temporária de jovens aprendizes — Atendimento de fins sociais e de interesse público — Impossibilidade — Ausência de requisitos indispensáveis: transitoriedade e necessidade temporária de excepcional interesse público — Art. 37, IX, da CR/88.

ASSCOM TCEMG

CONSULTA N. 790.436

(...) parece-me correto sustentar que a ordem constitucional não tolera tal tipo de contratação temporária fora daquelas circunstâncias ditas excepcionais, nas quais o atendimento ao interesse público reclama ação imediata da Administração de modo a evitar o dano à ordem social. RELATOR: CONSELHEIRO ELMO BRAZ

RELATÓRIO Tratam os autos da consulta formulada pela presidente da Fundação Pousoalegrense Pró-Valorização do Menor — Promenor, sobre a possibilidade de a Fundação valerse do instituto da contratação temporária, a que se refere o inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal, para contratar jovens, com idade entre 16 e 24 anos, mediante processo seletivo simplificado, nos moldes do contrato de aprendizagem regulamentado pelo Decreto Federal n. 5.598, de 1° de dezembro de 2005, para atendimento da finalidade social da instituição e do interesse público. Atendendo à solicitação deste relator, a Auditoria, por meio do Dr. Gilberto Diniz, emitiu o parecer, a fls. 52-57. É o relatório.

PRELIMINAR A autoridade consulente tem legitimidade para formular consulta a este egrégio Tribunal de Contas e as questões por ela aventadas versam matéria da competência desta Casa, nos termos do artigo 212 da Resolução n. 12/2008. 143


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MÉRITO No mérito, Sr. Presidente, respondo à presente consulta nos termos do bem lançado parecer da douta Auditoria, assim elaborado: A consulente indaga, in verbis (fl. 01): Pode a Fundação Promenor valer-se do instituto preconizado no art. 37, inciso IX, da Constituição Federal para contratar jovens, com idade entre 16 e 24 anos, nos moldes do Contrato de Aprendizagem (Decreto n. 5.598/05), com vistas ao atendimento da finalidade social da instituição e com base no interesse público? A análise da indagação formulada indica que a pretensão da consulente é contratar jovens na faixa etária de 16 a 24 anos, como aprendizes, utilizando-se para tanto do instituto da contratação destinada a atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. A ordem constitucional vigente acolheu como princípio a realização de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público, admitindo como únicas exceções as nomeações para cargo em comissão e a contratação para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Precisamente sobre essa última hipótese, assim prescreve a Carta Magna: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) IX — a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; (...)” O transcrito preceptivo constitucional, como se vê, já define certos limites jurídicos para aplicação dessa norma de natureza exceptiva, quais sejam: necessidade de lei, contratação por tempo ou prazo determinado e atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. É dizer, a condição básica ou o requisito indispensável para essa modalidade de contratação excepcional é a temporalidade, tanto da necessidade administrativa — adjetivada de excepcional interesse público — como da contratação. E mais: a Constituição deixou a tarefa de estabelecer quais serão os casos considerados para esse fim à lei ordinária, que aqui deve ser entendida como

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a de cada ente federado, pois a matéria se refere à própria organização da Administração e de seus serviços. Nesse particular, o Prof. Florivaldo Dutra de Araújo, ao criticar o casuísmo legislativo verificado no âmbito federal sobre a matéria, defende a ideia de que tais leis devam trazer previsões de contratação mediante conceitos abertos, a serem aplicados pelo administrador, em cada caso, pela emissão de atos administrativos motivados. (In: Servidor público: estudos em homenagem ao Professor Pedro Paulo de Almeida Dutra, p. 125-126). O citado autor, louvando-se na lição de Gustavo Magalhães, entende que o rol de hipóteses estabelecido em legislação específica que utilize conceitos mais fechados deve ser interpretado como exemplificativo.

Pareceres e Decisões

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E, concluindo, o Prof. Florivaldo Dutra diz comungar do entendimento de Bandeira de Mello de que a omissão legislativa não pode obstar a continuidade e eficiência da ação administrativa. Ou seja, existindo efetiva necessidade temporária excepcional está o administrador autorizado a, mediante decisão motivada, admitir servidores temporários, pelo estrito tempo de duração dessa excepcionalidade. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, os contratados sob essa modalidade exercem funções públicas, não como integrantes de quadro de pessoal permanente, mas em caráter transitório e excepcional. (In: Direito Administrativo. SP: Atlas, p. 421). Por essas razões, parece-me correto sustentar que a ordem constitucional não tolera tal tipo de contratação temporária fora daquelas circunstâncias ditas excepcionais, nas quais o atendimento ao interesse público reclama ação imediata da Administração de modo a evitar o dano à ordem social. Ressalta-se, ainda, que, sendo a temporalidade ao mesmo tempo condição sine qua non e característica dessas circunstâncias, não se afigura razoável compreender como excepcionais quaisquer outras permanentes e previsíveis, como parece ser a que estaria justificando a pretensão aduzida pela consulente. Isso porque a contratação de menores pela consulente não se caracteriza pela transitoriedade exigida pela Constituição. Ao contrário, apresenta conteúdo perene, traduzindo necessidade contínua consubstanciada na urgência em assistir aos jovens em idade laboral. Nessa acepção, o que é excepcional não pode ser, por boa lógica, permanente. Bandeira de Mello, ao examinar a expressão “excepcional interesse público”, procura demonstrar esse caráter transitório, frisa-se, fixado pela Constituição, ao pontificar que: “desde logo, não se coadunaria com sua índole (da expressão), contratar pessoal senão para evitar o declínio do serviço ou para

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restaurar-lhe o padrão indispensável mínimo seriamente deteriorado pela falta de servidores”. (In: Regime constitucional dos servidores da Administração Direta e Indireta. SP. RT, 1991, p. 82-83). O referido mestre, em outra obra, mas tratando do mesmo tema, preleciona que: “A Constituição prevê que a lei (entende-se, federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Trata-se aí de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissão apenas provisórias, de demandas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime geral de concursos).” (In: Curso de Direito Administrativo. SP: Malheiros, 1994, p. 136). Vê-se, portanto, que não há como invocar no caso presente a “hipótese excepcional do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal” (...) dado que esse tipo de contratação tem caráter temporário “eminentemente precário e passageiro”. (Celso Ribeiro Bastos, In: Curso de Direito Administrativo. SP: Saraiva, 1996, p. 277). Ademais, e com fundamento nos argumentos expendidos, não se pode olvidar que o dispositivo constitucional sob comento autoriza a contratação temporária, desde que atendidas as condições já examinadas, para a prestação de serviço à Administração contratante, para atender necessidade excepcional de interesse público. Ora, isso não equivale a dizer que se possa realizar contratação a esse título com o fim de repassar os contratados a outras entidades públicas ou privadas, por meio de convênios, como, a propósito, é a intenção da consulente, consoante se verifica na documentação que instrui a consulta. Somado a isso, in casu, não se pode deixar de considerar que a contratação de aprendizes por órgãos da Administração Direta, Autarquia e Fundação somente pode se efetivar mediante, e nas condições previstas em regulamento específico, consoante estatui o Decreto Federal n. 5.598, de 1°/12/05. Outra questão básica que não pode ser descurada, os entes federados não podem constituir entidades, mesmo fundações, com a finalidade precípua de dar emprego ou ocupação a qualquer cidadão. Com efeito, apenas esses fatores bastam para profligar a pretensão da consulente, embora imbuída de intenção louvável e nobre. Por todas as razões expedidas, entendo não ser possível à consulente va-

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ler-se do instituto preconizado no inciso IX do art. 37 da Carta Federal de 1988 para contratar jovens como aprendizes, sobretudo para a finalidade que se propõe.

Na oportunidade, o relator, Conselheiro Elmo Braz, apresentou o seguinte requerimento que restou acolhido pelos demais Conselheiros. Sr. Presidente, tenho uma proposta à parte, com referência a esse assunto.

Requeiro seja procedida uma inspeção in loco na Fundação Promenor, em caráter de urgência, a fim de se verificar a legalidade das contratações já realizadas por ela, bem como se a finalidade assistencial descrita no estatuto da entidade autoriza que os contratados prestem serviços a outras entidades (públicas ou privadas), assumindo a Fundação o ônus trabalhista desses ajustes.

Pareceres e Decisões

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A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 25/11/09 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro substituto Hamilton Coelho, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Elmo Braz. Impedido o Conselheiro em exercício Gilberto Diniz.

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Irregularidades em edital de concurso público EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO N. 805.518

EMENTA: Edital de concurso público — Município — Irregularidades — Ausência de indicação das leis que dispõem sobre as condições do concurso — Violação ao princípio da segurança jurídica — Não apresentação da lei municipal que regulamenta admissão de estrangeiro — Falta de previsão do regime jurídico a que será submetido o servidor — Ausência de especificação das situações que determinarão a anulação da inscrição e os direitos dela decorrentes — Falta de garantia à ampla publicidade e acessibilidade aos candidatos — Exigência indevida de preenchimento de condições no ato da inscrição e não no momento da posse — Ausência de previsão de que a anulação de questões resultará em benefício de todos os candidatos — Número de vagas oferecidas abaixo do quantitativo disponível — Não estabelecimento do número de vagas reservadas aos portadores de deficiência para cada cargo oferecido — Suspensão cautelar. Quanto à reserva de vagas para portadores de deficiência, é importante salientar que o entendimento deste Tribunal vem se consolidando no sentido de aplicar a tese da máxima efetividade da norma constitucional e, em função disso, determinar que haja reserva sempre que houver o oferecimento no certame de pelo menos duas vagas. RELATOR: CONSELHEIRO ELMO BRAZ

RELATÓRIO Trago para deliberação deste colegiado os presentes autos que tratam do Edital de Concurso Público n. 01/2009, a ser realizado pela Prefeitura Municipal de Carmo da Cachoeira. Após examinar o instrumento convocatório, constatei a existência de irregularidades que comprometem a legalidade do certame, pelo que determinei sua suspensão, conforme despacho que agora trago para referendum. Tratam os autos do Edital de Concurso Público n. 01/2009 a ser realizado pela Prefeitura Municipal de Sardoá, remetido tempestivamente a este Tribunal, por meio do sistema informatizado de análise de atos de admissão, Fiscali-

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zação dos Atos de Admissão — FISCAD, em cumprimento ao disposto no art. 5° da Instrução Normativa n. 05/2007, alterado pela Instrução Normativa n. 04/2008. O concurso público destina-se ao provimento de cargos vagos do quadro permanente da prefeitura e à criação de cadastro de reserva. A Diretoria Técnica, ao proceder ao exame dos autos, a fls. 80-87, verificou as seguintes ocorrências: — o disposto no subitem 3.3.7 só será válido se for acrescida a observação: “somente se as falhas ocorridas não forem de sua responsabilidade”;

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— o subitem 13.1 deverá informar quais as “leis em vigor” que dispõem sobre as demais condições do concurso público, além das que se acham estabelecidas no edital ou excluir tal expressão, em cumprimento ao princípio da segurança jurídica; — não foi encaminhada a lei municipal que regulamenta a admissão de estrangeiro no quadro de pessoal da prefeitura conforme previsto no inciso I do item 2 do instrumento convocatório; — não foi informado, de forma expressa, o regime jurídico a que será submetido o servidor; — o subitem 13.13 deverá ser retificado, tendo em vista que o exame sobre a regularidade do pedido de inscrição deve ser efetuado no momento em que o candidato solicita a sua inclusão no certame e a irregularidade de algum documento apresentado ou a ocorrência de uma informação inexata, mas passível de correção, não justifica a eliminação do candidato; — o Anexo I do edital não estabelece o número de vagas reservadas aos portadores de deficiência em coluna própria para cada cargo oferecido; — os subitens 10.1 e 13.21 devem se adequar ao subitem 13.26, retirando-se a expressão “para efeito meramente informativo” e “em caráter meramente informativo”, incluindo o rol de instrumentos de divulgação estabelecido no subitem 13.26; — os incisos III, V, VI, VIII, IX e X do item 2 estabelecem condições para posse e não para inscrição, as quais não podem constituir óbice ao direito de o candidato se inscrever no concurso, assim, deverão constar de item específico que estabeleça as condições para posse; — as restrições previstas nos incisos II e VII do item 2 só poderão constar do

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edital se estiverem previstas em lei municipal, caso contrário, deverá ser feita a supressão dos incisos; — o texto do subitem 13.6, apresenta um erro material, fazendo-se necessário que a expressão “ou emprego” seja retirada do texto do edital. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, em parecer a fls. 90-108, opinou pela intimação do Prefeito Municipal de Sardoá para enviar a prova da publicação do edital e para que promova as alterações abaixo no edital: — alteração do item 2 para determinar que as condições ali relacionadas sejam demonstradas no momento da posse; — exclusão das exigências previstas no item 5.1, alínea h; — inclusão de cláusula que “caso haja nomeação e posse conjunta de todos os aprovados, a cada 19/20 de candidatos sem deficiência, o último vigésimo será nomeado oriundo da lista de candidatos com deficiência aprovados, independentemente de sua classificação geral, respeitando-se a ordem de classificação da lista dos candidatos aprovados com deficiência”; — alteração do item 3.3.7, para especificar que inexistirá responsabilidade da organizadora pelo não recebimento das inscrições somente quando os motivos de ordem técnica não sejam a ela imputáveis; — especificação de que a anulação de qualquer questão do certame, seja por recurso administrativo ou por decisão judicial, resultará em benefício de todos os candidatos, ainda que estes não tenham recorrido ou ingressado em juízo; — alteração do item 12.2 para determinar que a contagem do prazo recursal seja efetuada em dias úteis, com início no dia seguinte ao da publicação dos eventos; — modificação do item 13.8, para constar que “todos os cargos oferecidos neste edital serão obrigatoriamente preenchidos dentro do prazo de validade do concurso”; — exclusão do subitem I do item 2, caso reste evidenciada a ausência de lei municipal que regulamente o direito de acesso ao cargo público por estrangeiro; — especificação, no item 13.13, de que somente as informações falsas ou inexatas que comprometem a lisura do certame determinarão a anulação da inscrição e direitos dela decorrentes; — inserção de cláusula que informe o regime jurídico a que se submeterão os candidatos aprovados;

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— reformulação do Anexo I do edital, a fim de que seja incluída em coluna própria a quantidade de vagas reservadas aos portadores de deficiência, sempre que o número de vagas oferecidas comporte a aludida reserva, sem resultar fração inferior a um. É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO Após o exame do instrumento convocatório e da legislação encaminhada e, considerando o relatório do Órgão Técnico e o parecer do Ministério Público, foram constatadas as seguintes falhas:

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1. não consta no subitem 3.3.7 que inexistirá responsabilidade da organizadora pelo não recebimento das inscrições somente quando os motivos de ordem técnica não sejam a ela imputáveis; 2. no subitem 13.1, não foram relacionadas quais as “leis em vigor” que dispõem sobre as demais condições do concurso público, além das que se acham estabelecidas no edital, contrariando o princípio da segurança jurídica; 3. há previsão no edital de cadastro de reserva para diversos cargos, conforme Anexo I; 4. não foi encaminhada a lei municipal que regulamenta a admissão de estrangeiro no quadro de pessoal da Prefeitura, conforme previsto no inciso I do item 2 do instrumento convocatório; 5. não foi informado no edital, de forma expressa, o regime jurídico a que será submetido o servidor; 6. no subitem 13.13, não está especificado que somente as informações falsas ou inexatas que podem comprometer a lisura do certame determinarão a anulação da inscrição e os direitos dela decorrentes; 7. os subitens 10.1 e 13.21, não estão garantindo a ampla publicidade e acessibilidade aos candidatos que foi garantida no item 13.26; 8. os incisos III, V, VI, VIII, IX e X do item 2 estabelecem condições para posse e não para inscrição, as quais não podem constituir óbice ao direito do candidato de inscrever-se no concurso; 9. as restrições previstas nos incisos II e VII do item 2 somente poderão constar no edital se estiverem previstas em lei municipal; 10. o texto do subitem 13.6 apresenta um erro material, uma vez que o presen-

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te edital oferece cargos públicos, fazendo-se necessário que a expressão “ou emprego” seja retirada do texto do edital; 11. exclusão das exigências previstas no subitem 5.1, alínea h, tendo em vista que não há respaldo legal para apresentação dos citados documentos; 12. ausência de cláusula que estabeleça que a anulação de qualquer questão do certame, seja por recurso administrativo ou por decisão judicial, resultará em benefício de todos os candidatos, ainda que estes não tenham recorrido ou ingressado em juízo; 13. o número de vagas oferecidas no edital para vários cargos não atinge o quantitativo disponível informado no Anexo IV da Instrução Normativa; 14. o Anexo I do edital não estabelece o número de vagas reservadas aos portadores de deficiência em coluna própria para cada cargo oferecido. Quanto à reserva de vagas para os portadores de deficiência, é importante salientar que o entendimento deste Tribunal vem se consolidando no sentido de aplicar a tese da máxima efetividade da norma constitucional e, em função disso, determinar que haja reserva sempre que houver o oferecimento no certame de pelo menos duas vagas. Ressalta-se que deverá ser considerado o percentual editalício, sem prejuízo de garantir a devida concretização do comando constitucional insculpido no art. 37, VIII, da Constituição Federal/88. No presente caso, o edital prevê que serão reservadas 5% do total de vagas existentes no Anexo I para os candidatos portadores de deficiência. Assim, deverá a Administração: — reservar uma vaga em todos os casos em que o número de vagas oferecidas para o cargo estiver entre 02 e 19; — aplicar o percentual de 5% em todos os casos em que o número de vagas oferecidas para o cargo for igual ou superior a 20. Caso a aplicação do referido percentual resulte em fração, esta deverá ser desprezada, tendo em vista que não há previsão de arredondamento na lei municipal; — o número de vagas reservadas aos portadores de deficiência deverá ser relacionado no Anexo I do edital em coluna própria para cada cargo oferecido; — incluir uma cláusula que disponha: “caso surjam novas vagas no decorrer do prazo de validade do concurso público, 5% delas serão, igualmente, reservadas para candidatos portadores de deficiência”.

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É importante salientar que não há necessidade da modificação do item 13.8 sugerida pelo Ministério Público, tendo em vista que no subitem 13.16 do edital consta que “o candidato aprovado dentro do limite de vagas previstas, durante o prazo de validade do certame, tem direito subjetivo a nomeação para o cargo a que concorreu e foi habilitado”. CONCLUSÃO Diante do exposto e considerando que as irregularidades constatadas podem comprometer a legalidade do certame, determino a suspensão cautelar do Concurso Público, Edital n. 01/2009, promovido pela Prefeitura Municipal de Sardoá, com fulcro no inciso XXXI do artigo 3° c/c artigo 95 e inciso III do artigo 96 da Lei Complementar n. 102/2008.

Pareceres e Decisões

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Intime-se, com urgência, o responsável, por e-mail, fac-símile e AR, para que suspenda o certame na fase em que se encontra, encaminhando a esta Corte, no prazo de 05 dias, cópia da publicação da suspensão ora determinada, devendo o ofício conter a advertência de que o descumprimento desta decisão importará na aplicação de multa, nos termos do art. 85, da Lei Complementar n. 102/2008. Fixo o prazo de 10 dias para que o Prefeito Municipal de Sardoá preste esclarecimentos quanto ao fato do quantitativo de vagas oferecidas no edital não atingir o número de vagas disponíveis para diversos cargos e quanto à formação de cadastro de reserva para vários cargos, e, ainda, para que encaminhe a legislação municipal faltosa e a minuta retificatória do presente edital com as devidas correções. Havendo manifestação da prefeitura, junte-se a documentação apresentada e remeta-se ao Departamento de Análise de Atos de Admissão — DEAA, para reexame no prazo de 07 dias. Em seguida, sejam os autos encaminhados ao Ministério Público junto ao Tribunal para sua manifestação, também no prazo de 07 dias. Determino à Secretaria da Segunda Câmara que distribua cópia desta decisão aos demais Conselheiros integrantes do colegiado, bem como ao Ministério Público junto ao Tribunal, uma vez que será apreciado na próxima sessão, como matéria extrapauta.

Esta é a decisão monocrática que submeto à consideração dos Srs. Conselheiros.

O edital de concurso público em epígrafe foi apreciado pela Segunda Câmara na sessão do dia 05/11/09; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa e o Conselheiro Sebastião Helvecio, que referendaram a decisão monocrática exarada pelo relator, Conselheiro Elmo Braz. 153


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Utilização de recursos públicos para custeio de tarifa devida por usuários de baixa renda à Copasa CONSULTA N. 727.090

ASSCOM TCEMG

EMENTA: Consulta — Município — I. Concessão de serviços públicos de esgotamento sanitário para a Copasa. Possibilidade. Gestão associada de serviços públicos. Federalismo compartilhado. Celebração de contrato de programa. Desnecessidade de licitação. II. Utilização de recursos públicos para pagamento das tarifas de esgoto devidas por usuários de baixa renda à Copasa. Possibilidade. Autonomia municipal. Universalização do acesso. Estabelecimento de política pública disciplinada por lei municipal. Previsão orçamentária e disponibilidade de recursos financeiros para suportar o subsídio. Observância aos ditames da LC n. 101/00. (...) o princípio da universalização do acesso coaduna-se, certamente, com o estabelecimento de uma política pública, disciplinada em lei municipal, que autorize o ente governamental a arcar com o pagamento da tarifa de esgoto de determinados usuários, identificados por critérios como renda per capita e/ou quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço por residência, respeitado o princípio da impessoalidade. RELATOR: CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA

RELATÓRIO Cuidam os autos de consulta encaminhada a este Tribunal de Contas pelo Sr. Sílvio Gonçalves Ribeiro Dias, Prefeito Municipal de Guaranésia à época, cujo questionamento envolve, em última análise, a concessão dos serviços públicos municipais de esgotamento sanitário para a Companhia de Saneamento de Minas Gerais — Copasa. Após um breve relato sobre a situação da municipalidade no que toca à prestação de serviços de esgotamento sanitário, o consulente indaga sobre a possibilidade de lei municipal autorizar o Município a arcar com o pagamento da tarifa devida por 154


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usuários de baixa renda à Copasa, sociedade de economia mista integrante da administração indireta do Estado de Minas Gerais. É, em síntese, o relatório.

PRELIMINAR Verifico, nos termos constantes da petição inicial, que o consulente é parte legítima para formular a presente consulta e o seu objeto refere-se a matéria de competência desta Corte, apresentada por meio de indagação em tese, nos termos do art. 210 do RITCEMG — Resolução n. 12/08.

Pareceres e Decisões

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Portanto, conheço desta consulta.

MÉRITO Inicialmente, cumpre registrar que o Código Político de 1988 trata da gestão associada de serviços públicos pelos entes da Federação em seu art. 241, in verbis: Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

No campo específico dos serviços de saneamento básico, a Constituição da República também prevê o seguinte: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) IX — promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; (...)

Sobre essa comunhão de interesses dos entes federados na regular e eficiente prestação de serviços públicos, importante trazer à baila a lição do doutrinador Luciano Ferraz, que nos ensina que o interesse local do Município a tracejar sua competência de execução de serviço público não é de molde a afastar o interesse — nessa execução — também do

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Estado e da União, porquanto o princípio do federalismo cooperativo deixa ver a comunidade de interesses de ambos — predominando o interesse do Município — na adequada prestação desse serviço à população da comuna.1

Nesse ínterim, vislumbramos, claramente, a legitimidade da delegação de serviços públicos de competência municipal para entidade da administração indireta estadual, sem a necessidade de prévio procedimento licitatório, tendo em vista o interesse do respectivo Estado-membro no oferecimento desses serviços à comunidade. Trata-se da materialização do princípio do federalismo cooperativo, que fundamenta a gestão associada de serviços públicos pelos entes da Federação. Após essa breve digressão, no que concerne especificamente à concessão dos serviços públicos municipais de saneamento básico para a Copasa, esclareço que o tema foi objeto da Consulta n. 751.717, da relatoria do Conselheiro Eduardo Carone Costa, na sessão do dia 08/10/2008, em resposta a questionamento formulado pelo Sr. Márcio Augusto Vasconcelos Nunes, Diretor-Presidente da referida empresa estatal. Naquela oportunidade, foi discutida a questão do novo modelo de gestão associada de serviços públicos, fundamentado no sistema de federalismo compartilhado, bem como os aspectos mais importantes dos modernos preceitos disciplinadores da política nacional de saneamento básico. Em síntese, assentou-se a possibilidade da delegação dos serviços municipais de abastecimento de água e de esgotamento sanitário para a Copasa, sem a necessidade de prévio procedimento licitatório, mediante a celebração de contrato de programa, no âmbito da prestação de serviços públicos por meio de cooperação federativa. Nesse particular, a gestão associada de serviços públicos, que depende da autorização legislativa dos entes federados envolvidos, formaliza-se por meio de consórcio público ou convênio de cooperação. Por ser pertinente, peço vênia para reproduzir trecho constante da referida consulta: Em relação à natureza do vínculo que disciplinará a forma de prestação do serviço público, tem-se que a Lei Geral de Saneamento Básico admite a celebração de contrato de concessão de serviço público, devendo, neste caso, ser instaurado procedimento licitatório, em observância ao comando previsto no art. 175 da CR/88.

1 FERRAZ, Luciano. Parceria Público-Público: contrato de programa e execução de serviços públicos municipais por entidade da administração indireta estadual. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico — REDAE, Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 10, mai./jun./jul., 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp>. Acesso em: 02/mar./2009.

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De outro lado, aceita-se, também, a implantação da gestão associada dos serviços por meio da constituição do consórcio público ou da formalização do convênio de cooperação entre os entes públicos federados, dos quais poderão resultar contratos de programa a serem pactuados com entidade da administração pública indireta. Neste caso, depreende-se do disposto no art. 24, XXVI, da Lei n. 8.666/93, que se trata de hipótese de dispensa de licitação, tendo em vista que seu desiderato é fortalecer os laços do federalismo compartilhado.

Assim sendo, oportuno salientar que, devidamente formalizado o consórcio público ou o convênio de cooperação, uma entidade da administração pública indireta de um dos entes federativos consorciados poderá ser contratada para a execução dos serviços públicos sem a necessidade de prévio procedimento licitatório, nos termos do inciso XXVI do art. 24 da Lei de Licitações, mediante a celebração de contrato de programa.

Pareceres e Decisões

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Sobre a matéria, a Lei n. 11.107/05, regulamentada pelo Decreto n. 6.017/07, dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos, enquanto a Lei n. 11.445/07 estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico. No âmbito do Estado de Minas Gerais, a Lei n. 18.036/2009 dispõe sobre a constituição de consórcios públicos entre os diversos entes da Federação para a realização de objetivos de interesse comum. Sugiro, pois, que seja encaminhada ao Prefeito Municipal de Guaranésia cópia da Consulta n. 751.717, uma vez que o parecer da lavra do Conselheiro Eduardo Carone Costa trabalhou, de forma brilhante e bastante esclarecedora, os novos modelos previstos no ordenamento jurídico para a gestão associada de serviços públicos entre os entes da Federação, inclusive sua administração indireta, como é o caso da Copasa, sociedade de economia mista estadual. Vencida a questão da possibilidade da concessão, de forma direta, dos serviços públicos municipais de esgotamento sanitário para a Copasa, passo à análise da indagação do consulente sobre a viabilidade de lei municipal autorizar o Município a arcar com o pagamento da tarifa2 de esgoto devida por usuários de baixa renda. Neste ponto, o principal aspecto a ser ressaltado é a competência constitucional atribuída aos municípios para organizar e prestar os serviços públicos de saneamento básico, identificados como de interesse local, o que se encontra pacificado na doutrina. 2 Utiliza-se, aqui, o entendimento do STF e do STJ no sentido de que os valores cobrados pela concessionária de serviço público pela coleta de esgoto têm natureza tarifária. Precedentes: RE-ED 447,536/SC, Relator: Ministro Carlos Velloso, j. 28/06/2005, DJ 26/08/2005, RE 503759/MS, Relatora: Ministra Carmen Lúcia, j. 02/10/2007, DJ 25/10/2007 e REsp 1.027.916/MS.

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O jurista Carlos Ari Sundfeld assinala que, tradicionalmente, a distribuição de água e a coleta de esgotos foram consideradas como de interesse local, de competência municipal. Isso não mudou na Constituição de 1988, cujo art. 30, V, atribuiu aos municípios a tarefa de organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local3.

O professor Caio Tácito, por sua vez, leciona que os serviços de água e esgoto, bem como suas relações com os usuários, são próprios do âmbito municipal e sua disciplina direta se coloca no âmbito da autonomia dos municípios aos quais incumbe organizar e prestar os serviços públicos de interesse local (Constituição Federal, art. 30, V)4.

Do exposto, percebemos que os municípios possuem autonomia para organizar a prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. A Lei n. 11.445/07, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, por sua vez, prevê, em seu art. 9°, que o titular dos serviços formulará a respectiva política pública de saneamento básico. Além disso, cumpre ressaltar que o aludido diploma legal consagra, em seu art. 2°, I, a universalização do acesso como um dos princípios que norteiam a prestação dos serviços públicos de saneamento básico. Assevera-se, ainda, que a mesma lei, em seu art. 3°, VII, define subsídios como instrumento econômico de política social para garantir a universalização do acesso ao saneamento básico, especialmente para populações e localidades de baixa renda. Podemos concluir, assim, que o ordenamento jurídico pátrio impõe aos municípios, titulares dos serviços públicos de saneamento básico, o dever de garantir o acesso da população a esses serviços. Por outro lado, entendo que a concessão de subsídios constitui instrumento idôneo para a efetivação desse dever legal. Diante disso, verifica-se que o princípio da universalização do acesso coaduna-se, certamente, com o estabelecimento de uma política pública, disciplinada em lei municipal, que autorize o ente governamental a arcar com o pagamento da tarifa de 3 SUNDFELD, Carlos Ari. O saneamento básico e sua execução por empresa estadual. Revista Diálogo Jurídico. Salvador: Centro de Atualização Jurídica — CAJ, v. I, n. 5, ago./2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 05/mar./2009. 4

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TÁCITO, Caio. Temas de Direito Público: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 141.


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esgoto de determinados usuários, identificados por critérios como renda per capita e/ou quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço por residência, respeitado o princípio da impessoalidade. O Município deverá observar, tão-somente, a previsão orçamentária e a disponibilidade de recursos financeiros que suportem o custo oriundo da concessão de subsídios na tarifa de esgoto, bem como as demais regras da Lei de Responsabilidade Fiscal — LRF, Lei Complementar n. 101/2000, que tratam do aumento da despesa decorrente de ação governamental. A circunstância dos serviços serem prestados por uma entidade da administração indireta estadual, como a Copasa, não interfere na competência do Município de estabelecer uma política pública para arcar com o pagamento da tarifa de esgoto de determinada parcela da população, consoante autorização outorgada pelo Legislativo municipal.

Pareceres e Decisões

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Conclusão: pelas razões elencadas acima, respondo a esta consulta, em suma, nos seguintes termos: O Município pode arcar com o pagamento da tarifa de esgoto devida por usuários de baixa renda à Copasa, mediante autorização constante de lei municipal, observada a previsão orçamentária e a disponibilidade de recursos financeiros, bem como as demais regras da LRF que tratam do aumento da despesa decorrente de ação governamental. É o parecer que submeto à consideração dos Srs. Conselheiros.

Na oportunidade, manifestou-se a Conselheira Adriene Andrade. Eu acompanho o relator, mas, restando pacificado o entendimento de que os serviços de água e esgoto são remunerados por tarifa e não por taxa, nos termos do art. 216 do Regimento Interno desta Corte de Contas. As consultas respondidas por este Tribunal que classificam como taxa o serviço de água e esgoto devem ser revogadas, mormente as Consultas n. 659.881 e 642.574, porque divergem do nosso posicionamento.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 25/11/09 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheira Adriene Andrade, Conselheiro substituto Hamilton Coelho e Conselheiro em exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, com a propositura da Conselheira Adriene Andrade.

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Utilização do saldo positivo da reserva do regime próprio de previdência social para abertura de créditos adicionais suplementares. Arquivamento de notas de empenho pela administração pública CONSULTA N. 809.491

EMENTA: Consulta — Município. I. Saldo positivo da reserva do regime próprio de previdência social. Utilização como fonte de recursos para abertura de créditos adicionais suplementares. Possibilidade somente se destinado à finalidade previdenciária do regime próprio ou à cobertura de suas respectivas despesas administrativas. Observância aos limites e vedações legais. II. Notas de empenho. Quantidade de vias arquivadas pela administração. Matéria disciplinada pelo próprio Município. Número suficiente ao regular funcionamento dos serviços de contabilidade, do controle interno e à fiscalização do Tribunal de Contas. (...) a partir de uma interpretação sistemática dos dispositivos legais mencionados e do entendimento doutrinário, entendo que o saldo orçamentário da reserva do regime próprio de previdência municipal só poderá ser utilizado para a abertura de créditos adicionais suplementares, se tais créditos forem destinados especificamente às despesas afetas às finalidades do regime (art. 13, parágrafo único, e art. 15, caput e inciso III, da Portaria MPS n. 402, de 10 de dezembro de 2008), bem como às suas despesas administrativas, observados os limites e vedações legais. RELATOR: CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA

RELATÓRIO Tratam os presentes autos de consulta formulada pelo Sr. Lázaro Roberto Silva, Prefeito do Município de Campanha, por meio da qual elabora os seguintes questionamentos, in verbis: 1 — (...) Pergunta-se: Caso o poder Executivo Municipal necessite abrir um crédito adicional suplementar por redução orçamentária no final do ano (ou em qualquer outra época) e não tenha de onde reduzir, ele poderá utilizar este

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saldo orçamentário da reserva do regime próprio de previdência social como fonte de redução? Em caso afirmativo qual será o procedimento a ser adotado quando da Prestação de Contas Anual (PCA) desta autarquia? 2 — Existe alguma legislação específica que determina o número de vias de empenho que deverão permanecer arquivadas pela administração? (...)

É o relatório, em síntese.

PRELIMINAR

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Verifico, nos termos constantes da petição inicial, a fls. 01, que o consulente é parte legítima para formular a presente consulta, e que o seu objeto refere-se a matéria de competência desta Corte, nos termos dos arts. 210 e 213 do RITCEMG. Portanto, conheço desta consulta.

MÉRITO Em primeiro lugar, o consulente pergunta se há possibilidade de abrir crédito adicional suplementar utilizando como fonte de recurso o saldo orçamentário da reserva do regime próprio de previdência social. Para responder à indagação, são necessárias algumas considerações sobre a regulamentação do regime próprio de previdência social. A Lei Federal n. 9.717 de 27 de novembro de 1998 dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social, inclusive em âmbito municipal. O art. 1° da referida lei fixa uma série de critérios, que incluem o registro contábil individualizado das contribuições de cada servidor e dos entes estatais (inciso VII) e a identificação e consolidação em demonstrativos financeiros e orçamentários de todas as despesas fixas e variáveis com pessoal inativo civil, militar e pensionistas, bem como dos encargos incidentes sobre os proventos e pensões pagos (inciso VIII).

Mais especificamente, a Portaria do Ministério da Previdência Social (MPS) n. 402, de 10 de dezembro de 2008, disciplina parâmetros e diretrizes gerais para organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos entes públicos, inclusive dos municípios. Em seus arts. 13 a 15, a referida portaria dispõe sobre a utilização dos recursos previdenciários, estabelecendo limites e vedações. A norma restringe a utilização dos recursos ao pagamento de benefícios previdenciários e da taxa de administração, conforme dicção do parágrafo único do art. 13, in verbis: 161


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Art. 13. (...) Parágrafo único. Os recursos de que trata este artigo serão utilizados apenas para o pagamento de benefícios previdenciários e para a Taxa de Administração do respectivo regime conforme critérios estabelecidos no art. 15. (...) Art. 15. Para cobertura das despesas do RPPS, poderá ser estabelecida, em lei, Taxa de Administração de até dois pontos percentuais do valor total das remunerações, proventos e pensões dos segurados vinculados ao RPPS, relativo ao exercício financeiro anterior, observando-se que: I — será destinada exclusivamente ao custeio das despesas correntes e de capital necessárias à organização e ao funcionamento da unidade gestora do RPPS, inclusive para a conservação de seu patrimônio; (...) III — o RPPS poderá constituir reserva com as sobras do custeio das despesas do exercício, cujos valores serão utilizados para os fins a que se destina a Taxa de Administração; IV — para utilizar-se da faculdade prevista no inciso III, o percentual da Taxa de Administração deverá ser definido expressamente em texto legal; (...) § 4° O descumprimento dos critérios fixados neste artigo para a Taxa de Administração do RPPS significará utilização indevida dos recursos previdenciários e exigirá o ressarcimento dos valores correspondentes (grifos meus).

No mesmo sentido, o analista do seguro social, Sr. Edson Dias Pinheiro1 respondeu, em 21/10/2009, a questionamento feito em meio eletrônico por técnico desta Corte: (...) O superávit orçamentário — balanço orçamentário (ou superávit financeiro, apurado no balanço patrimonial: ativo financeiro menos o passivo financeiro, artigo 43/4320 — 64) (...) deverá ser utilizado para abertura de crédito suplementar considerando objetivos dos regimes próprios, ou seja, pagamento de benefícios. A exceção dada à afirmativa anterior refere-se somente ao limite de gasto (recursos da taxa de administração) que pode ser utilizado no exercício seguinte com a abertura de crédito suplementar para complemento das despesas administrativas do regime próprio.

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Identificação: CGAAI/SPS/MPS, 061. 2021.5776.


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(...) Veja no livro dedicado aos assuntos contábeis dos regimes próprios, disponível na página do MPS no seguinte endereço, mais especificamente na página 36. http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/4_091005 -183916-638.pdf (grifos meus).

Sobre o livro acima referenciado pelo analista do seguro social, julgo relevante para responder ao questionamento do consulente o seguinte trecho (p. 38-39): (...) A parcela dos ingressos previstos, que ultrapassar as despesas fixadas, irá compor um orçamentário inicial, denominado de Reserva do RPPS, destinado a garantir desembolsos futuros do RPPS do ente respectivo. Este representará a fração de ingressos que serão recebidos sem a expectativa de realização da despesa no ano corrente, que se constituirá reserva orçamentária do exercício para suportar déficits futuros, em que as receitas previstas serão menores que as despesas em cada exercício.

Pareceres e Decisões

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O tratamento da reserva orçamentária do RPPS segue os mesmos fundamentos da reserva administrativa, ou seja, para que se torne possível seu uso ao longo dos anos, deverá ser observado o equilíbrio orçamentário e financeiro entre as receitas e despesas do RPPS no exercício financeiro. Também não se trata de uma reserva contábil, já que esses valores passam a constituir a carteira de investimentos dos RPPS, que acolhe os recursos previdenciários não utilizados no exercício financeiro. Caso se concretize a reserva orçamentária do RPPS (receitas previdenciárias maiores que despesas previdenciárias), a elaboração do orçamento anual deverá trazer, no rol das receitas, o resultado do financeiro “previdenciário” do exercício anterior, para justificar o suporte financeiro a uma parcela dos créditos adicionais, quando estes se fizerem necessários (despesas previdenciárias maiores que receitas previdenciárias). (...) O objetivo da reserva do RPPS é garantir o pagamento dos benefícios previdenciários futuros. Já a reserva administrativa tem como objetivo estruturar a unidade gestora, que deverá utilizar esses recursos ao longo dos anos, sob as mesmas condições colocadas para o uso da taxa de administração do exercício (grifos meus).

A tais considerações sobre o regime próprio de previdência dos municípios acrescento as disposições normativas sobre a abertura de créditos suplementares. Conforme determinação expressa no art. 43 da Lei n. 4.320/64, são recursos para a abertura de créditos suplementares e especiais, desde que não comprometidos: a) o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior; b) os provenientes de excesso de arrecadação; c) os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais; e d) o produto de operações de crédito autorizadas.

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Ainda sobre a abertura de créditos suplementares, e também sobre o remanejamento de dotações orçamentárias e sobre a utilização de recursos da seguridade social (que compreende a previdência, de acordo com o art. 194 da CF 88), a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece algumas regras, em seu art. 167, dentre as quais destaco a vedação sobre a utilização, sem autorização legislativa específica, de recursos dos orçamentos fiscal e da seguridade social para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas, fundações e fundos (...) (inciso VIII). Em síntese, a partir de uma interpretação sistemática dos dispositivos legais mencionados e do entendimento doutrinário, entendo que o saldo orçamentário da reserva do regime próprio de previdência municipal só poderá ser utilizado para a abertura de créditos adicionais suplementares, se tais créditos forem destinados especificamente às despesas afetas às finalidades do regime (art. 13, parágrafo único, e art. 15, caput e inciso III, da Portaria MPS n. 402, de 10 de dezembro de 2008), bem como às suas despesas administrativas, observados os limites e vedações legais. É necessário acrescentar, ainda, que a LRF determina a obrigatoriedade de apresentação das receitas e despesas previdenciárias em demonstrativos financeiros e orçamentários específicos (art. 50, IV), bem como estabelece a imperatividade do equilíbrio atuarial e financeiro do regime próprio de previdência social (art. 69), princípio também previsto nos atos normativos específicos sobre regime próprio de previdência social. Sobre o segundo questionamento, a questão já foi tratada por esta Corte na Consulta n. 622.248, sessão de 12/04/2000, de relatoria do Conselheiro Simão Pedro, da qual ressalto o seguinte trecho: (...) Apesar de não prevista na Lei Federal n. 4.320, de 17.03.64 (...), no meu entendimento, a nota de empenho deverá ser emitida em tantas vias quantas sejam necessárias ao regular funcionamento dos serviços de contabilidade, conforme dispõe o art. 85 da referida lei, ao adequado funcionamento do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Municipal e ao pronto atendimento à fiscalização do Município, exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, com o auxílio do Tribunal de Contas (grifos meus).

VOTO Diante do exposto, respondo sinteticamente ao consulente que o saldo positivo da reserva do regime próprio de previdência social só poderá ser usado como fonte de recursos para abertura de créditos adicionais suplementares se destinado à finalidade previdenciária do regime próprio, ou à cobertura de suas respectivas 164


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despesas administrativas, observados os limites e vedações legais. Sobre o número de vias de empenho que deverão permanecer arquivadas pela administração, esse deverá ser disciplinado pelo próprio Município, observada a quantidade suficiente para permitir o regular funcionamento dos serviços de contabilidade e controle interno do ente e a fiscalização por parte desta Corte de Contas. É o meu parecer, que submeto à consideração dos Srs. Conselheiros.

No que tange à terceira indagação formulada, qual seja, o funcionário concursado que foi efetivado em uma função e está exercendo função diferente a que fora concursado (sic), poderá este receber uma gratificação sobre o salário efetivo a fim de compensá-lo?, os Conselheiros presentes responderam negativamente, considerando que haveria desvio de função e que é ilegal a concessão de gratificação de função sem previsão em lei específica.

Pareceres e Decisões

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A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 11/11/09 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheira Adriene Andrade, Conselheiro Sebastião Helvecio e Conselheiro em exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Antônio Carlos Andrada.

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Definições e limites para despesas com pessoal do Poder Legislativo CONSULTA N. 748.042

A presente consulta remete-nos ao (...) art. 169 da CR/88 e arts. 18 a 20 da Lei n. 101/2000 (...). Essas normas foram editadas com o objetivo de propiciar uma gestão responsável e transparente, cumpridora de metas e mantenedora de um equilíbrio das contas por meio do controle dos gastos públicos, de forma a evitar o comprometimento de toda a receita de um órgão ou ente a uma área específica, sacrificando os recursos destinados ao investimento e à implantação de políticas públicas.

ASSCOM TCEMG

EMENTA: Consulta — Câmara Municipal — Despesas com pessoal do Poder Legislativo — Limites e definições — Observância do disposto no art. 29-A, § 1°, da CR/88, arts. 18 a 20 da LC n. 101/00 e INs do TCEMG n. 01/01 e 05/01.

RELATORA: CONSELHEIRA ADRIENE ANDRADE

RELATÓRIO Trata-se de consulta protocolizada em 08/04/2008, formulada pelo Sr. Romildo de Santi, Presidente da Câmara Municipal de Conquista, na qual solicita maior aclaramento sobre definições e limites para as despesas com pessoal do Poder Legislativo, esclarecendo o que é considerado como despesas com pessoal e outras despesas de pessoal. A consulta foi distribuída à minha relatoria, conforme despacho presidencial a fls. 03, tendo o Auditor Licurgo Mourão, a fls. 07-23, emitido substancioso parecer, no qual opina pela observância — no que se refere às definições, limites e detalhamentos das despesas com pessoal das esferas de governo — das Instruções Normativas n. 01/01, 05/01, 12/08 e da versão 8.3 do manual de preenchimento do SIACE/LRF do TCEMG, bem como das orientações para preenchimento do Anexo I da 7a edição do Manual dos Demonstrativos do Anexo de Riscos Fiscais e Relatório Resumido da Execução Orçamentária, elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional.

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É o relatório, em síntese.

PRELIMINAR Preliminarmente, tomo conhecimento da consulta, por ser formulada por autoridade competente e por ser a matéria afeta à competência desta Corte, nos termos do inciso XI do art. 3° e do art. 210 do RITCEMG, passando a respondê-la em tese.

MÉRITO Acolhida a preliminar, passo ao exame dos quesitos formulados.

Pareceres e Decisões

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A presente consulta remete-nos ao que dispõem o art. 169 da CR/88 e os arts. 18 a 20 da Lei Complementar n. 101/2000, comumente conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal. Essas normas foram editadas com o objetivo de propiciar uma gestão responsável e transparente, cumpridora de metas e mantenedora de um equilíbrio das contas mediante o controle dos gastos públicos, de forma a evitar o comprometimento de toda a receita de um órgão ou ente a uma área específica, sacrificando os recursos destinados ao investimento e à implantação de políticas públicas. Com relação às despesas públicas — conjunto do dispêndio de um ente ou órgão e parte integrante de seu orçamento —, estabelece o art. 15 da LC n. 101/00 as condições para sua realização, devendo elas, para serem consideradas regulares, obediência aos comandos dos arts. 16 e 17 do referido diploma legal. Nessa seara, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em seus arts. 18 a 20, define e impõe limites de gastos com pessoal às três esferas de governo, restringindo a discricionariedade do gestor quando da administração do orçamento público. Assim, o art. 18 classifica como despesa total com pessoal tudo aquilo que se vincula ao pagamento de pessoal pelo ente público, também o pagamento de aposentadorias, pensões e valores de contrato de terceirização de mão de obra, classificados como Outras Despesas de Pessoal. Observe-se a redação do dispositivo, in verbis: Art. 18. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como despesa total com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.

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§ 1° Os valores dos contratos de terceirização de mão de obra que se referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como “Outras Despesas de Pessoal”.

Todas essas despesas estão inseridas no art. 19 da Lei de Responsabilidade Fiscal, norma que estabelece o limite máximo de gastos do ente público com o seu pessoal. Nos municípios, esse valor não poderá exceder 60% de sua receita corrente líquida, entendida esta, nos termos do art. 2°, inciso IV, alínea c da Lei Complementar n. 101/00, como o somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzida, nos municípios, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira citada no § 9° do art. 201 da Constituição. Por sua vez, o art. 20 da Lei Complementar n. 101/00 estabelece que a repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os percentuais de: I — na esfera federal: a) 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 40,9% (quarenta inteiros e nove décimos por cento) para o Executivo, destacando-se 3% (três por cento) para as despesas com pessoal decorrentes do que dispõem os incisos XIII e XIV do art. 21 da Constituição e o art. 31 da Emenda Constitucional n. 19, repartidos de forma proporcional à média das despesas relativas a cada um destes dispositivos, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar; d) 0,6% (seis décimos por cento) para o Ministério Público da União; II — na esfera estadual: a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo; d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados; III — na esfera municipal:

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a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver; b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo.

Caso haja descumprimento desses limites, o órgão sofrerá diversas restrições conforme especificado pelos arts. 22 e 23 da citada lei, dentre elas, a vedação de reajustes salariais, recebimento de transferências voluntárias e contratação de operações de crédito. Para auxiliar os órgãos públicos a especificarem de forma correta suas despesas no Relatório de Gestão Fiscal, previsto no art. 55, inciso I, da Lei Complementar n. 101/00, a Secretaria do Tesouro Nacional editou o Manual de Demonstrativos Fiscais, disponível no endereço eletrônico <www.tesouro.fazenda.gov.br> e aprovado pela Portaria STN n. 462/2009, que orienta e explica o que são despesas com pessoal e quais delas serão desconsideradas para fins de cálculo dos limites legais estabelecidos nos arts. 19 e 20 daquele diploma normativo. Nos termos desse ma nual, in verbis:

Pareceres e Decisões

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(...) as informações de pessoal deverão ser consideradas pelo valor total do grupo de natureza de despesa 1 — Pessoal e Encargos Sociais, abrangendo as despesas com ativos, inativos, pensionistas e outras despesas de pessoal decorrentes de contratos de terceirização e pelo valor de alguns elementos do grupo de natureza da despesa Outras Despesas Correntes. As outras Despesas de Pessoal, decorrentes de contratos de terceirização, são as relativas à mão de obra, constantes dos contratos de terceirização que, ou esteja empregada em atividade-fim da instituição, ou seja inerente a categorias funcionais abrangidas pelo respectivo plano de cargos e salários do quadro de pessoal classificáveis no grupo de despesa 1 — Pessoal e Encargos Sociais, elemento de despesa 34 — Outras Despesas de Pessoal decorrentes de contratos de terceirização, excluídas, em ambos os casos, as que não caracterizem relação direta de emprego. (...) O conceito de despesa com pessoal não depende da natureza do vínculo empregatício. Assim, as despesas com servidores, independentemente do regime de trabalho a que estejam submetidos, integram a despesa total com pessoal e compõem o cálculo do limite de gasto com pessoal. Assim, consideram-se incluídos tanto servidores efetivos como cargos em comissão, celetistas, empregados públicos e agentes políticos. Esse também é o caso dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias, quer tenham sido contratos por meio de processo seletivo público ou não (grifos acrescidos).

Esse documento também esmiúça o que deve ser considerado como despesa bruta com pessoal. Observe-se: O conceito de despesa bruta com pessoal tem caráter exemplificativo, e incluiu “quaisquer espécies remuneratórias” , inclusive “vantagens pessoais de qualquer natureza” atribuídas a ativos, inativos e pensionistas, além de ou-

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tras despesas de pessoal decorrentes de contratos de terceirização. (...) O conceito de despesa bruta com pessoal incluiu também despesas de natureza previdenciária, tais como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência. As despesas com a contribuição patronal ao RPPS deverão ser segregadas, por Poder ou órgão, em pessoal ativo, inativo e pensionistas, para efeito de cálculo do limite. (...) O conceito de despesa bruta com pessoal incluiu despesas de natureza assistencial, salário-família, sentenças judiciais e despesas de exercícios anteriores, que serão registradas em Pessoal Ativo ou em Pessoal Inativo e Pensionistas, conforme o caso. São exemplos de despesas de natureza assistencial, o auxílio-funeral, o auxílio-natalidade, o auxílio-creche ou a assistência pré-escolar, o auxílio-invalidez, o abono de permanência do servidor ativo, entre outros benefícios assemelhados da assistência social, definidos na legislação própria de cada ente da Federação, que devem ser registrados no Grupo de Natureza de Despesa 1 — Pessoal e Encargos Sociais; elemento de despesa 8 — Outros Benefícios Assistenciais. Não devem ser consideradas, no cálculo da despesa bruta com pessoal, as espécies indenizatórias, tais como ajuda de custo, diárias, auxílio-transporte, auxílio-moradia e auxílioalimentação. As despesas indenizatórias são aquelas cujo recebimento possui caráter eventual e transitório, em que o Poder Público é obrigado a oferecer contraprestação por despesas extraordinárias não abrangidas pela remuneração mensal e realizadas no interesse do serviço, razão pela qual as indenizações não se incorporam ao vencimento ou provento para qualquer efeito.

Por fim, definindo o que seriam “Outras Despesas de Pessoal decorrentes de contratos de terceirização” — expressão contida no art. 18, § 1°, da Lei Complementar n. 101/00 — o Manual de Demonstrativo Fiscal estabelece que essas são: (...) os valores das outras despesas de pessoal, dos últimos doze meses, incluído o mês de referência, relativas à mão de obra constante dos contratos de terceirização que esteja empregada em atividades-fim da instituição, ou seja atividades inerentes a categorias funcionais abrangidas pelo respectivo plano de cargos e salários do quadro de pessoal, classificáveis no grupo de natureza de despesa 1 — Pessoal e Encargos Sociais, elemento de despesa 34 — Outras Despesas de Pessoal decorrentes de contratos de terceirização, excluídas, em ambos os casos, as que não caracterizem relação direta de emprego. A LRF não faz referência a toda terceirização, mas apenas àquela que se relaciona à substituição de servidor ou empregado público. Assim, não são consideradas no bojo das despesas com pessoal as terceirizações que se destinem à execução indireta de atividades que, simultaneamente: a) sejam acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade (atividades-meio), na forma de regulamento, tais como: conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática — quando esta não for atividade-fim do órgão ou entidade — copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações;

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b) não sejam inerentes a categorias funcionais abrangidas por plano de cargos do quadro de pessoal do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário, ou seja relativas a cargo ou categoria extintos, total ou parcialmente; e c) não caracterizem relação direta de emprego, como, por exemplo, estagiários.

O regime de prestação de serviço de limpeza urbana deve ser definido pela legislação local, atendidas as determinações constitucionais e legais. Se o regime de prestação de serviço for direto, as despesas de pessoal correspondentes deverão ser registradas nas linhas Pessoal Ativo ou Pessoal Inativo e Pensionistas, conforme o caso. Se o ente, indevidamente, realizar contrato de prestação de serviços para substituir a execução direta, fica caracterizada a terceirização que substitui servidor ou empregado público e a despesa com pessoal deve ser registrada na linha Outras Despesas de Pessoal, decorrentes de contratos de terceirização (§ 1° do art. 18 da LRF). Se o regime de prestação de serviço for de concessão ou permissão, a concessionária ou permissionária arcará com as despesas com pessoal, que não integrarão a despesa com pessoal do ente.

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As despesas com empresas de consultoria devem ser, em geral, classificadas no grupo de natureza da despesa Outras Despesas Correntes, no elemento de despesa 35 — Serviços de Consultorias, portanto, não integrante das despesas com pessoal. No entanto, deve-se atentar para possíveis equívocos referentes à contratação de empresas de consultoria que embutem a contratação de pessoal que substitui servidor ou empregado público. Nesses casos, tal despesa deverá compor a despesa bruta com pessoal e ser regularmente registrada no elemento de despesa 34 — Outras Despesas de Pessoal decorrentes de Contratos de Terceirização. Diante da especificação dos elementos de despesas do ente público, não se pode olvidar que os dispêndios listados no art. 19, § 1°, da Lei de Responsabilidade Fiscal não serão computados no cálculo do limite de gastos estabelecido no caput desse artigo. Portanto, não são computadas as despesas realizadas: a) com indenizações por demissão e com programas de incentivos à demissão voluntária; b) em decorrência de decisão judicial, de competência de período anterior ao da apuração da despesa total com pessoal; c) com inativos, considerando-se, também, pensionistas, ainda que por intermédio de fundo específico, custeadas com recursos vinculados, ou seja, provenientes da arrecadação de contribuições dos segurados e das demais receitas diretamente arrecadadas por fundo vinculado a tal finalidade, inclusive o pro-

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duto da alienação de bens, direitos e ativos, bem como a compensação entre os regimes de previdência, aportes para cobertura de déficit atuarial não definido por alíquotas de contribuição e o superávit financeiro.

Cabe destacar, também, o entendimento desta Corte no sentido de que os gastos com inativos e pensionistas, conquanto integrem as despesas de pessoal, não são computados para efeito dos limites previstos no art. 20 da Lei Complementar n. 101/00. A Instrução Normativa n. 05/2001, dando nova redação aos arts. 3°, 5°, 6° e 7° da Instrução Normativa n. 01/2001, dispôs o seguinte: Art. 3° No limite global de despesas de pessoal do Estado e dos municípios, correspondente a 60% (sessenta por cento) da receita corrente líquida, não se incluem, por não poderem ser contingenciados pelos administradores, os gastos com aposentadorias e pensões dos Poderes e instituições a que se refere o artigo 20 da Lei Complementar n. 101/2000, incluídos os fundos, órgãos da administração direta e indireta, fundações instituídas e/ou mantidas pelo poder público e empresas estatais. Art. 5° As pensões pagas aos servidores de quaisquer dos Poderes e instituições do Estado são de responsabilidade do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais — Ipsemg e do Instituto de Previdência dos Servidores Militares — IPSM conforme o caso, e, nos municípios onde houver instituto de previdência próprio, do respectivo órgão previdenciário e tais dispêndios não compõem o limite de gastos com pessoal do Poder Executivo. Art. 6° As pensões pagas pelo Instituto de Previdência do Legislativo do Estado de Minas Gerais — Iplemg, autarquia integrante da Administração Indireta do Poder Legislativo, não compõem o montante de gasto com pessoal desse mesmo Poder. Art. 7° O prazo para que o Estado e os municípios se adequem ao limite de gasto com pessoal, constante do artigo 19 da Lei Complementar n. 101 de 4 de maio de 2000, corresponde aos exercícios financeiros de 2001 e 2002.

Dessa forma, serão computados como gastos totais com pessoal do Poder Legislativo — que se submete ao limite de 6% da receita corrente líquida do Município — as despesas que a Câmara despende para a quitação de todas as suas atividades-fim, incluídas aí o subsídio de vereadores e excluídos os gastos com os pagamentos de aposentadorias e pensões de seus servidores. As despesas decorrentes dos encargos sociais e patronais também serão inseridas no cálculo da despesa total com pessoal do Poder Legislativo, embora não sejam computadas para a aferição do limite previsto no § 1° do art. 29-A da CR/88, consoante a Súmula n. 100 desta Casa. Conclusão: as definições e limites para as despesas com pessoal do Poder Legislativo estão especificadas no art. 29-A, § 1°, da CR/88, nos arts. 18 a 20 da Lei Complementar n. 101/00 e nas Instruções Normativas do TCEMG n. 01/2001 e 05/2001, devendo o consulente verificar todos os dispositivos e orientações legais, a fim de evitar o comprometimento dos gastos públicos além dos limites fixados. 172


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É o parecer que submeto à consideração dos Senhores Conselheiros.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 16/12/09 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheiro Sebastião Helvecio e Conselheiro em exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pela relatora, Conselheira Adriene Andrade.

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Utilização de recursos do Fundeb para remuneração de professores no período de vedação eleitoral CONSULTA N. 751.530

EMENTA: Consulta — Município — Fundeb — Parcela de 60% dos recursos — I. Utilização para majoração de vencimento dos professores do ensino fundamental nos 180 dias anteriores às eleições até a posse dos eleitos. Impossibilidade. Período de vedação eleitoral. Elevação de custos a serem cumpridos pelo próximo administrador. Comprometimento das receitas do exercício seguinte. Possibilidade apenas para recomposição salarial. II. Utilização para concessão de abono ou gratificação aos professores da educação básica no período de vedação eleitoral. Possibilidade. Caráter provisório e excepcional. Cumprimento da meta constitucional de aplicação dos recursos do Fundeb. Previsão orçamentária e autorização por lei específica aprovada 180 dias antes das eleições. Observância dos limites de gastos com pessoal previstos na LC N. 101/00. Conforme determina a legislação eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal, é proibido ao administrador elevar os vencimentos de seus servidores no período compreendido entre os 180 dias anteriores às eleições e a posse dos eleitos, ressalvados os casos de simples reajustes e recomposições salariais, os quais apenas promovem a adequação dos vencimentos dos servidores frente à desvalorização da moeda. RELATORA: CONSELHEIRA ADRIENE ANDRADE

RELATÓRIO Tratam os autos de consulta protocolizada em 28/05/2008, formulada pelo Sr. Waldiney Gonçalves dos Santos, Prefeito Municipal de Rio Acima, nos seguintes termos: 1 — Ao gestor municipal é lícito efetuar majoração de remuneração dos professores do ensino fundamental de forma a aplicar 60% das verbas repassadas pelo Fundeb, mesmo se nos 180 dias anteriores às eleições e até a posse dos eleitos? 2 — Na hipótese de ser ilegal a majoração geral dos professores do ensino fundamental, pode o gestor conferir abono ou gratificação para esses profissionais com a verba do Fundeb, visando atingir o mesmo objetivo?

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A consulta foi distribuída à minha relatoria, conforme despacho presidencial, a fls. 02 e 03, tendo o Auditor Licurgo Mourão se pronunciado no sentido de que é permitida a concessão de abono, em caráter excepcional, para fins de remuneração dos profissionais do magistério, mediante a aplicação de recursos do Fundeb. É o relatório, em síntese.

PRELIMINAR Preliminarmente, tomo conhecimento da consulta, por ser formulada por autoridade competente e por ser a matéria, em parte, afeta à competência desta Corte, nos termos do inciso XI do art. 3° e do art. 210 do RITCEMG, passando a respondê-la em tese. Isso porque cabe à Justiça Eleitoral dirimir dúvidas em questões que envolvam interpretação da legislação eleitoral, competência alheia a esta Corte. Entretanto, em face da relevância da questão e de sua estreita ligação com a Lei de Responsabilidade Fiscal, torna-se necessário responder à indagação acerca da legalidade de se majorar a remuneração dos professores, de forma a aplicar 60% das verbas repassadas pelo Fundeb no período compreendido entre os 180 dias anteriores às eleições e à posse dos eleitos, notadamente dentro do universo da conveniência desta Corte.

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MÉRITO Acolhida a preliminar, passo ao exame dos quesitos formulados. A presente consulta remete-nos à Lei n. 11.494/2007, que trata da regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação — Fundeb, especialmente ao seu art. 22, que determina a obrigatoriedade de aplicação do percentual de 60% dos recursos anuais totais do fundo, previsto no art. 212 da CR/88, na remuneração dos profissionais do magistério da educação básica que estejam em efetivo exercício na rede pública, encontrando-se a matéria também regulada pelo art. 60, inciso XII, do Ato das Dis posições Constitucionais Transitórias. O art. 73 da Lei n. 9.504/97 enumera as condutas proibidas aos agentes públicos durante o período eleitoral, com o fim de preservar a igualdade de oportunidades entre os candidatos no pleito e o uso indevido da máquina pública para a promoção de campanhas pessoais. Dentre as vedações, destaca-se a contida no inciso VIII do referido dispositivo, in litteris: Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...)

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VIII — fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

O prazo estabelecido no art. 7°, acima citado, é de 180 dias, tempo de que os partidos políticos dispõem para estabelecer os critérios de escolha e de substituição de seus candidatos e para a formação de coligações, conforme expressão do próprio texto: Art. 7º As normas para a escolha e substituição dos candidatos e para a formação de coligações serão estabelecidas no estatuto do partido, observadas as disposições desta Lei. § 1º Em caso de omissão do estatuto, caberá ao órgão de direção nacional do partido estabelecer as normas a que se refere este artigo, publicando-as no Diário Oficial da União até cento e oitenta dias antes das eleições (grifos acrescidos).

Em sentido semelhante, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 21, parágrafo único, restringe o crescimento de despesa com pessoal nos 180 dias que precedem o final do mandato do agente, a fim de se evitar custos a serem cumpridos pelo próximo administrador, bem como o comprometimento das receitas do exercício seguinte. No contexto dos dispositivos legais citados, parece haver, prima facie, um conflito de normas no âmbito constitucional, eleitoral e de responsabilidade fiscal. Enquanto o art. 60, inciso XII, do ADCT impõe o gasto mínimo de 60% dos recursos do Fundeb com o pagamento do magistério da educação básica, sob pena de responsabilização do gestor público, o art. 73 da Lei n. 9.504/97 e o art. 21 da Lei Complementar n. 101/00 — em interpretação sistemática — vedam a concessão de aumento de remuneração que importe acréscimo na rubrica de pessoal durante os 180 dias anteriores à eleição e até a posse dos eleitos. O aparente conflito, nesse caso, restaria solucionado mediante a interpretação constitucional conforme, preservando-se os dispositivos infraconstitucionais e possibilitando a aplicação conjunta das normas. O art. 60, inciso XII, do ADCT e o art. 22 da Lei n. 11.494/07 buscam privilegiar o desenvolvimento do ensino básico em nosso País, com a necessária valorização dos profissionais do magistério, pretendendo assegurar o direito fundamental à educação e sua efetiva concretização. Por isso, procuram bem remunerar esses profissionais, garantindo a aplicação mínina de 60% dos recursos do Fundeb para esse fim.

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Se professores estão sendo remunerados abaixo desse percentual, o Poder Público competente deve elevar seus vencimentos, adequando-os aos limites míninos legais. Entretanto, essa majoração possui prazo para se efetivar. Conforme determina a legislação eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal, é proibido ao administrador elevar os vencimentos de seus servidores no período compreendido entre os 180 dias anteriores às eleições e a posse dos eleitos, ressalvados os casos de simples reajustes e recomposições salariais, os quais apenas promovem a adequação dos vencimentos dos servidores frente à desvalorização da moeda. Para conceder aumento aos servidores, com a consequente elevação da despesa com pessoal, é necessário que o Poder Público observe o prazo de 180 dias estabelecido pela lei eleitoral. Ressalte-se que tanto a revisão geral anual quanto a elevação dos vencimentos dos servidores, bem como as despesas do Fundeb, devem estar previstas nas leis orçamentárias — PPA, LDO e LOA —, conforme preceituado no art. 169, § 1°, incisos I e II da CR/88, devendo o projeto de lei que determina o aumento real, efetivo, dos vencimentos dos servidores públicos — e não apenas o reajuste — ser aprovado em período anterior aos 180 dias do pleito eleitoral.

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Nesse sentido, as precisas observações do Conselheiro Eduardo Carone, quando da apreciação da Consulta n. 652.796, em 12/12/2001, da relatoria do Conselheiro Sylo Costa: (...) é de todos sabido que o escopo do art. 21, § 1°, é evitar que as administrações realizem despesas que serão depois amortizadas ou absorvidas pelas administrações posteriores. É um dispositivo de cunho eminentemente moral. Agora, na interpretação dessa regra moral, recomenda-se não se fazer uma interpretação literal. O que se veda ao legislador é assunção de despesa nova. E um conceito de despesa nova para esse fim não pode alcançar aqueles atos que são praticados em decorrência de autorização preexistente aos 180 dias finais do mandato. (...) O que se impede é que um aumento concedido nos 180 dias restantes da administração, que não foi previsto num plano anterior de reestruturação de salário, quer dizer, uma despesa absolutamente nova, seja imposta para ser cumprida pelo administrador posterior. Essa é a restrição. Portanto, toda e qualquer despesa que foi previamente prevista, nomeação para cargos vagos, cargos que já existiam, é absolutamente regular (grifos acrescidos).

Também as respostas às Consultas de n. 660.552 e 758.478, da lavra do Conselheiro Eduardo Carone, convergem em semelhante sentido. Assim, caso haja necessidade de revisão geral da remuneração dos servidores, que acarrete acréscimo de despesa com pessoal, esta deve ser realizada 180 dias antes das eleições, prazo estabelecido em lei, mediante interpretação sistêmica dos dispositivos constitucionais, legais e eleitorais.

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Com relação ao segundo questionamento, acerca da possibilidade de se conferir abono ou gratificação para os professores do ensino fundamental com a verba destinada ao Fundeb, na hipótese de ser considerada ilegal a majoração geral, pondero, primeiramente, que os abonos e gratificações são vantagens pecuniárias que possuem caráter excepcional, podendo ser incluídos na remuneração dos professores, se o valor total anual gasto com tal remuneração estiver inferior ao percentual mínimo destinado ao pagamento desses profissionais, que não deve ficar abaixo dos 60% dos recursos do Fundo, conforme determinação dos arts. 22 da Lei do Fundeb e 60, inciso XII, do ADCT, já citados. Para complementar esse assunto, colaciono estudo feito pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação — FNDE — em que se ratifica a possibilidade de pagamento de abono aos professores da educação básica, de forma a atingir o percentual mínimo exigido em lei. Eis a íntegra: O abono é uma forma de pagamento que tem sido utilizada, sobretudo pelos municípios, quando o total da remuneração do conjunto dos profissionais do magistério da educação básica não alcança o mínimo exigido de 60% do Fundeb. Portanto, esse tipo de pagamento deve ser adotado em caráter provisório e excepcional, apenas nessas situações especiais e eventuais, não devendo ser adotado em caráter permanente1 (grifos acrescidos).

Frise-se que o correto seria a estruturação do cargo de magistério segundo um plano de carreira adequado, instituído mediante lei específica e condizente com os preceitos constitucionais e com os ditames na Lei n. 11.494/2007, no qual ficaria estabelecida a remuneração apropriada para o profissional da educação, sem a necessidade de se recorrer aos abonos. E essa estruturação na tabela de salário dos servidores deverá ser realizada até 180 dias antes do pleito eleitoral, de forma a preservar e garantir a igualdade e a lisura na escolha dos candidatos. Apenas excepcionalmente, e em caráter transitório, o abono pode ser concedido, ou seja, desembolsado pela Administração, dentro do período de vedação legal, em respeito ao cumprimento do mandamento constitucional de se destinar, no mínimo, 60% dos recursos do Fundeb para a remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública de ensino. Mesmo em tal caso, deve a despesa conter previsão orçamentária e ter sido autorizada por lei específica, aprovada antes de 180 dias das eleições, observando-se, também, os limites de gastos com pessoal contidos na Lei de Responsabilidade Fiscal, consoante disposto no art. 169, § 1°, incisos I e II, da CR/88. Assim, por todo o exposto, entendo ser lícita, em ano eleitoral, a efetivação da concessão de abono aos profissionais do magistério da educação básica em efeti1

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Disponível em: <www.fnde.gov.br/web/fundeb/remuneracao_do_magisterio.pdf>. Acesso em: 10/09/2009.


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vo exercício na rede pública de ensino, aplicando-se o percentual mínimo de 60% dos recursos do Fundeb exigido constitucionalmente, desde que feito em caráter excepcional e transitório. Saliente-se, para tanto, ser imprescindível previsão orçamentária e, principalmente, autorização em lei específica aprovada 180 dias antes do pleito eleitoral, observando-se, também, o limite de gastos com pessoal estabelecido na Lei Complementar n. 101/00. Conclusão: respondo negativamente ao primeiro quesito formulado, sendo indevido o aumento real da remuneração dos professores do ensino fundamental, de forma a aplicar 60% das verbas repassadas pelo Fundeb, se realizado no período de vedação eleitoral, qual seja, nos 180 dias anteriores às eleições até a posse dos eleitos. Em caso de simples reajuste de remuneração, realizado apenas para efetivar a recomposição de perda salarial ocasionada pela desvalorização de moeda, entendo não haver tal impedimento.

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Com relação ao segundo quesito, considero ser possível, em caráter excepcional, a concessão de abono ou gratificação aos professores do ensino básico da rede pública, para o cumprimento da meta constitucionalmente estabelecida, de aplicação dos recursos do Fundeb, desde que autorizado por lei aprovada 180 dias antes das eleições, sendo imprescindível sua previsão orçamentária e observância aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. É o parecer que submeto à consideração dos Srs. Conselheiros.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 25/11/09 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheiro substituto Hamilton Coelho e Conselheiro em exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pela relatora, Conselheira Adriene Andrade.

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Impossibilidade de utilização de recursos do Fundeb no pagamento da remuneração de assistentes sociais e de utilização de recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino no custeio de ações de serviço social escolar CONSULTA N. 783.090

EMENTA: Consulta — Município — I. Despesas com remuneração de assistentes sociais escolares. Utilização de recursos do Fundeb. Impossibilidade. Observância do art. 23, I, da Lei n. 11.494/2007, art. 71 da Lei n. 9.394/96 e art. 6°, V, da IN TCEMG 13/08. II. Despesas com ações de serviço social escolar. Custeio com recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino. Impossibilidade. Não enquadramento nas hipóteses do art. 70 da Lei n. 9.394/96. ASSCOM TCEMG

O inciso V do art. 6° da Instrução Normativa TCEMG 13/2008, (...) expressamente reconhece como excluídas das despesas consideradas de manutenção e desenvolvimento do ensino os serviços de ‘assistência médicoodontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social, os quais são financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários, conforme previsto no art. 212, § 4°, da Constituição Federal’. RELATOR: CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO

RELATÓRIO Trata-se de consulta protocolada neste Tribunal em 27/03/2009, formulada pelo Secretário Municipal de Educação e Esporte de Formiga — MG, Geraldo Reginaldo de Oliveira, na qual questiona — com relação à Lei Estadual n. 16.683/2007, que auto180


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riza o Poder Executivo a desenvolver ações de acompanhamento social nas escolas da rede pública de ensino do Estado — o seguinte: Tendo em vista a implantação do serviço social escolar na Secretaria Municipal de Educação de Formiga, apresentamos os seguintes questionamentos para análise: 1. O profissional habilitado para o serviço social escolar com atuação em escolas públicas poderá ser remunerado com os recursos do Fundeb? 2. As ações realizadas pelo mesmo profissional poderão ser custeadas com os recursos destinados ao ensino, sejam de arrecadação própria, dentro dos limites constitucionais ou os oriundos de transferências?

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Em atendimento ao art. 214 do Regimento Interno, anoto que não foi localizada nos arquivos deste Tribunal nenhuma deliberação desse egrégio Plenário sobre as questões formuladas.

PRELIMINAR O consulente, Secretário Municipal de Educação e Esportes de Formiga — MG, é legitimado à formulação de consulta a este Tribunal, nos termos do inciso VI do art. 210 do Regimento Interno, e os questionamentos apresentados preenchem, ainda, os requisitos de admissibilidade do seu art. 212. Presentes os pressupostos, voto pela admissão da consulta.

MÉRITO O consulente indaga se os profissionais legalmente habilitados ao desempenho do serviço social escolar junto à rede municipal de ensino, ou seja, assistentes sociais, podem ser remunerados com recursos do Fundeb e, ainda, se as ações realizadas por esse serviço podem ser custeadas com os recursos destinados ao ensino, sejam oriundos de arrecadação própria ou de transferências. O inciso I do art. 23 da Lei n. 11.494/2007 veda a utilização dos recursos do Fundeb no financiamento das despesas não consideradas como de manutenção e desenvolvimento da educação básica, conforme o art. 71 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. O art. 71 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), por sua vez, determina que Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com:

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(...) IV — programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social; (...)

O inciso V do art. 6° da Instrução Normativa TCEMG 13/2008 contém normas a serem observadas pelo Estado e pelos municípios para o cumprimento do art. 212 da Constituição Federal, do art. 201 da Constituição Estadual, do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, da Emenda Constitucional n. 53 de 19 de dezembro de 2006 e das Leis Federais n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, 10.845, de 05 de março de 2004, e 11.494, de 20 de junho de 2007, regulamentada pelos Decretos Federais n. 6.253, de 13 de novembro de 2007, e 6.278, de 29 de novembro de 2007.

Tal dispositivo expressamente reconhece como excluídas das despesas consideradas de manutenção e desenvolvimento do ensino os serviços de assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social, os quais são financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários, conforme previsto no art. 212, § 4°, da Constituição Federal.

Assim, diante das determinações contidas nos normativos transcritos, resta evidente que os profissionais assistentes sociais incumbidos de executarem ações de serviço social escolar não poderão ser remunerados com recursos previstos para o Fundeb. Quanto ao segundo questionamento, do mesmo modo, as ações realizadas por assistentes sociais no desempenho das atividades de serviço social escolar não podem ser consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino, para efeito de cumprimento dos percentuais de aplicação de receita na educação, determinados no art. 212 da Constituição Federal. A LDB define, nos arts. 70 e 71, respectivamente, quais as despesas que correspondem e as que não correspondem à manutenção e ao desenvolvimento do ensino; as ações de serviço social escolar previstas no art. 2° da Lei Estadual n. 16.683/2007 não se enquadram em nenhuma das alíneas do art. 70 da LDB. Ao contrário, as despesas em questão se enquadram, a toda evidência, nos programas suplementares previstos no inc. IV do art. 71 da LDB, não se relacionando diretamente com a política educacional prevista no art. 212 da CR/88. 182


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As ações referidas não se classificam como de manutenção e de desenvolvimento do ensino, não podendo ser inseridas nas que compõem o percentual constitucional de aplicação na educação. Conclusão: diante do exposto, concluo pela impossibilidade de remuneração dos profissionais que desempenham serviço social escolar com recursos do Fundeb, bem como pela impossibilidade de se custearem as despesas decorrentes desse serviço com recursos destinados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 16/12/09 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro em exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Sebastião Helvecio.

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revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais janeiro | fevereiro | março 2010 | v. 74 — n. 1 — ano XXVIII

Devolução antecipada de saldo em caixa do Poder Legislativo ao Poder Executivo municipal CONSULTA N. 809.485

EMENTA: Consulta — Câmara Municipal — Devolução antecipada de saldo em caixa à tesouraria do executivo municipal — Possibilidade — Autonomia financeira do Poder Legislativo — Observância às exigências legais da Contabilidade Pública — Conveniência e razoabilidade da devolução — Respeito ao equilíbrio da execução orçamentária e às obrigações da edilidade já assumidas ao longo do exercício financeiro. Esta Corte já tem consolidado o entendimento no sentido de que não existe impedimento à devolução do saldo de Caixa e Bancos, pelo Poder Legislativo, ao Caixa único, antes do fim do exercício, desde que o faça em observância às exigências legais da Contabilidade Pública e verifique adequadamente a conveniência de fazê-lo, tendo em vista suas obrigações financeiras até o fim do período. RELATOR: CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO

RELATÓRIO Trata-se de consulta formulada pelo Sr. José de Fátima Aparecida Chaves, Presidente da Câmara Municipal de Coronel Xavier Chaves, a qual indaga sobre a possibilidade de o Legislativo municipal devolver, antecipadamente, parte do saldo em caixa à tesouraria do Executivo municipal antes do final do exercício. Em atendimento ao art. 214, registro que esta Corte já se manifestou sobre o tema, nos autos das Consultas n. 618.952, relator Conselheiro Eduardo Carone, sessão de 09/05/01; 713.085, relator Conselheiro Wanderley Ávila, sessão de 09/08/06; e, 748.002, relator Conselheiro Antônio Carlos Andrada, sessão do dia 21/05/08.

PRELIMINAR A consulta é proposta por autoridade legítima, versando sobre caso abstrato cuja matéria se insere na competência deste Tribunal de Contas, razão por que dela conheço, nos termos do art. 212 do Regimento Interno (Resolução n. 12/2008). 184


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MÉRITO Esta Corte já tem consolidado o entendimento no sentido de que não existe impedimento à devolução do saldo de Caixa e Bancos, pelo Poder Legislativo, ao Caixa único, antes do fim do exercício, desde que o faça em observância às exigências legais da Contabilidade Pública e verifique adequadamente a conveniência de fazêlo, tendo em vista suas obrigações financeiras até o fim do período. Neste sentido, vale transcrever excerto da citada Consulta n. 713.085, relatada pelo nobre Conselheiro Wanderley Ávila, na sessão de 09/08/06, em que disse: (...) entendo que, caso o Legislativo queira efetuar a devolução ao Caixa único do saldo mensal de Caixa e Bancos, poderá fazê-lo, observando as exigências legais da Contabilidade Pública. Ressalto, porém, que a Mesa da Câmara deve verificar a conveniência e razoabilidade da devolução mensal do saldo de Caixa e Bancos à contabilidade central, considerando as obrigações da Edilidade já assumidas e compromissadas a pagar, ao longo do exercício financeiro, as despesas de caráter continuado e outras provisões de despesas que possam ocorrer, zelando pelo equilíbrio de sua execução orçamentária, de modo a evitar o indevido procedimento de deixar restos a serem pagos no exercício seguinte, diante da inexistência de disponibilidade financeira para despesas processadas e não pagas durante o exercício.

Pareceres e Decisões

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Percebe-se, portanto, que o caso em tela pressupõe a harmonização da autonomia financeira do Poder Legislativo — como consectária do princípio da separação dos poderes, consagrado no art. 2° da Constituição da República —, com os princípios da unidade e universalidade do orçamento, intimamente ligados à competência orçamentária e arrecadatória do Poder Executivo. A ponderação dos mencionados princípios foi feita nos autos da Consulta n. 618.952, relator o Conselheiro Eduardo Carone, sessão de 09/05/2001: (...) no contexto orçamentário, em realidade, embora o Poder Legislativo detenha autonomia e possa gerir os recursos financeiros que lhe são garantidos e repassados mensalmente, a Câmara de Vereadores é unidade orçamentária ou unidade gestora do orçamento da Administração Pública Municipal.

Conclusão: em suma, conclui-se que não há óbice legal à devolução antecipada do saldo em caixa da Câmara Municipal ao respectivo Poder Executivo, desde que respeitados os princípios da contabilidade pública, e, evidentemente, os princípios da Administração. A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 16/12/09 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro em exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Sebastião Helvecio. 185


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Utilização de recursos do salário-educação para pagamento de despesas com merenda escolar CONSULTA N. 768.044

De toda sorte, permanece inalterada a essência da norma, a qual prescreve que a educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, o que leva à conclusão de que a quota municipal do salárioeducação se destina exatamente a financiar os programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde, previstos no inciso VII do art. 208 da Lei Maior da República. RELATOR: CONSELHEIRO EM EXERCÍCIO GILBERTO DINIZ

RELATÓRIO Trata-se de consulta subscrita pelo Sr. Marcelo Jerônimo Gonçalves, Prefeito Municipal de Pedro Leopoldo, que faz a este Tribunal a seguinte indagação, verbis: Poderá o Município utilizar recursos financeiros do salário-educação para efetuar pagamentos de despesas com merenda escolar, em função das alterações legais propostas na MP 339/06, e que não foram acatadas pelo Congresso Nacional, quando da conversão da citada MP na Lei federal n. 11.494, de 20 de junho de 2007?

A dúvida do consulente justifica-se porque a redação do art. 9° da mencionada medida provisória vedava expressamente a utilização dos recursos do salário-educação para o pagamento de alimentação escolar, proibição que não restou mantida no texto do diploma oriundo da conversão desse ato do Executivo federal na Lei n. 11.494/07. 186

ASSCOM TCEMG

EMENTA: Consulta — Prefeitura Municipal — Utilização dos recursos do salário-educação para pagamento de alimentação escolar — Possibilidade — Inteligência do art. 208, VII, da CR/88; art. 2°, II, da Lei n. 13.458/00 e art. 6°, V, da IN TCEMG n. 13/08.


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Recebida por despacho do Conselheiro-Presidente, a consulta foi autuada e distribuída à relatoria do Conselheiro Moura e Castro, vindo-me os autos, em seguida, conclusos. Em razão da relevância da matéria e da repercussão para os municípios jurisdicionados, encaminhei o processo, consoante faculta o inciso I do art. 213 do Regimento Interno, à Diretoria Técnica que se manifestou a fls. 13-14. A Diretoria de Análise Formal de Contas — DAC informou que as alterações na redação dos arts. 7°, 8° e 9° da Lei n. 9.766, de 18/12/98, promovidas pelo art. 43 da Medida Provisória n. 339, que tiveram vigência entre a publicação, em 28/12/06, e a conversão na Lei Federal n. 11.494, em 20/6/07, não subsistiram na mencionada lei, ficando preservada a redação original dos citados dispositivos.

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Com isso, concluiu a Diretoria Técnica que a contribuição social do salário-educação é fonte adicional da educação básica pública e será destinada ao financiamento de programas, projetos e ações voltados para essa finalidade, no entanto, atenderá somente o ensino fundamental público quando instituir programas suplementares de alimentação e no caso da educação especial, ficando vedada a sua destinação ao pagamento de pessoal.

Em síntese, é o relatório.

PRELIMINAR Preliminarmente, voto pelo conhecimento da consulta, por ser legítima a parte e a matéria nela versada de competência do Tribunal nos termos do inciso I do art. 210 da Resolução n. 12/08.

MÉRITO No mérito, para melhor entendimento da questão trazida ao debate, é necessário fazer um pequeno retrospecto acerca do salário-educação de modo a elucidar a dúvida do consulente. Instituído pela Lei n. 4.440, de 27/10/64, o salário-educação foi inicialmente criado para que as empresas contribuíssem para o custeio da educação primária dos filhos de seus empregados. Posteriormente, foi incluído na Constituição de 1967, mediante o art. 178 e regulado pelo Decreto-Lei n. 1.422, de 23/10/75, cujas disposições asseguravam ao Poder Executivo a função de alterar a alíquota da contribuição de acordo com a variação do custo do ensino de primeiro grau. Naquela época, o salário-educação não tinha natureza tributária, tendo sido modificado pela Constituição da República de 1988, que o transformou em contribuição 187


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social, consoante prescreve o § 5° do art. 212, e, por força do inciso I do art. 48, passou a ser matéria de competência do Congresso Nacional, com a fixação do prazo de 180 dias para a sua regulamentação, ex vi do disposto no art. 25 do ADCT. O Congresso Nacional, contudo, somente regulamentou tal contribuição em dezembro de 1996, com a aprovação da Lei n. 9.424 de 24/12/96, que instituiu, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério — Fundef. Atualmente, o salário-educação encontra-se regulamentado pela sobredita lei, parcialmente revogada pela Lei n. 11.494/07, que disciplina o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação — Fundeb, pela Lei n. 9.766 de 18/12/98, que alterou a legislação que rege o salário-educação, e pelo Decreto n. 6.003, de 28/12/06, o qual regulamenta a arrecadação, a fiscalização e a cobrança da contribuição, revogador do Decreto n. 3.142 de 16/8/99. A mencionada Lei n. 9.766/98, além de vedar, nos termos do art. 7°, a aplicação dos recursos provenientes do salário-educação para pagamento de pessoal, estabelecia, mediante o disposto no art. 8°, que os recursos dessa contribuição poderiam ser aplicados na educação especial, desde que vinculada ao ensino fundamental público. Com a conversão da Medida Provisória n. 339/06 na Lei n. 11.494/07, as alterações que haviam sido promovidas nos referidos artigos, assim como no art. 9°, foram rejeitadas, restaurando-se a vigência do texto original destes dispositivos da Lei n. 9.766/98. Segundo previsão do Decreto n. 3.142/99 e, posteriormente do Decreto n. 6.003/06, a receita dessa contribuição é repartida entre os entes da Federação, em sistema de quotas, e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação — FNDE, encarregado de distribuir o montante arrecadado que tem como destinação o financiamento de programas, projetos e ações voltados para o financiamento da educação básica pública. Cumpre esclarecer que o Decreto n. 3.142/99 previa, no parágrafo único do art. 12, que o produto da aplicação financeira da contribuição social em comento poderia atender despesas na educação desde que estivessem previstas no Orçamento Geral da União, vedando a destinação a despesas com pessoal e encargos e a programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica e outras formas de assistência social. Esse regulamento, contudo, estava restrito ao âmbito da União, não alcançando, pois, a aplicação dos recursos provenientes do salário-educação na esfera do Município. Com a sua revogação pelo Decreto n. 6.003/06, a questão encontra-se disciplinada, conforme abaixo, não havendo mais referência expressa quanto às mencionadas vedações: 188


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Art. 9° O montante recebido na forma do art. 8° será distribuído pelo FNDE, observada, em noventa por cento de seu valor, a arrecadação realizada em cada Estado e no Distrito Federal, em quotas, da seguinte forma: I — quota federal, correspondente a um terço do montante dos recursos, será destinada ao FNDE e aplicada no financiamento de programas e projetos voltados para a universalização da educação básica, de forma a propiciar a redução dos desníveis socioeducacionais existentes entre Municípios, Estados, Distrito Federal e regiões brasileiras; II — quota estadual e municipal, correspondente a dois terços do montante dos recursos, será creditada mensal e automaticamente em favor das Secretarias de Educação dos Estados, do Distrito Federal e em favor dos municípios para financiamento de programas, projetos e ações voltadas para a educação básica.

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(...) § 4° Os dez por cento restantes do montante da arrecadação do salário-educação serão aplicados pelo FNDE em programas, projetos e ações voltadas para a universalização da educação básica, nos termos do § 5° do art. 212 da Constituição.

Ressalta-se, todavia, que a possibilidade de aplicação, pelo Município, da parcela do salário-educação repassada em programa de alimentação escolar não decorre do fato de ter sido excluída a vedação inserta na norma em comento, qual seja, da Medida Provisória n. 339/06 pela conversão na Lei n. 11.494/07. Em verdade, e isso deve ficar bem claro, é o próprio texto constitucional que dá a exata medida da interpretação necessária ao entendimento da matéria. Senão vejamos. O § 4° do art. 212 da Carta Republicana, ao dispor que Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários, está-se referindo às contribuições sociais de modo genérico. E, como se sabe, as contribuições sociais são instituídas exclusivamente pela União e, apesar de terem natureza tributária, não são, em geral, partilhadas entre os demais entes da Federação, não tendo a redação desse dispositivo sofrido qualquer alteração ao longo dos mais de 20 anos de vigência da Carta Política de 1988. A interpretação que faço, por conseguinte, desse dispositivo, é que ele autoriza destinar as receitas das contribuições sociais, in generum, ao custeio dos programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no inciso VII do art. 208 da Constituição da República. Nesse passo, importa observar que as alterações promovidas no § 5° do art. 212 da Carta Republicana não o modificaram de forma substancial. A Emenda Constitucio189


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nal n. 14, de 12/09/96, excluiu a possibilidade de o empregador deduzir da contribuição social do salário-educação as aplicações realizadas no ensino fundamental de seus empregados e dependentes. Posteriormente, a Emenda Constitucional n. 53, de 19/12/06, apenas alterou a redação do dispositivo, substituindo a expressão “o ensino fundamental público” por “a educação básica pública” em razão da modificação, pela mesma Emenda, do art. 60 do ADCT, que alterou o Fundef para Fundeb. De toda sorte, permanece inalterada a essência da norma, a qual prescreve que a educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, o que leva à conclusão de que a quota municipal do salário-educação se destina exatamente a financiar os programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde, previstos no inciso VII do art. 208 da Lei Maior da República. Evidentemente, a quota do salário-educação repassada ao Município não pode ser lançada à conta do percentual de despesas com aplicação na manutenção e desenvolvimento da educação básica porque expressamente vedado pelo inciso V do art. 60 do ADCT, dispositivo incluído pela Emenda Constitucional n. 53/06, além do que não se trata de receita proveniente de imposto. A norma de regência, no âmbito do Estado de Minas Gerais, acerca da matéria, também se harmoniza com esse entendimento. A regulamentação da aplicação da quota estadual do salário-educação entre o Estado e os municípios mineiros está tratada na Lei n. 13.458 de 12/01/00, que prevê, in verbis: Art. 2° Os recursos da Quota Estadual do Salário-Educação serão aplicados em programas, projetos e ações do ensino fundamental, regular e supletivo e da educação especial, destinando-se: I — a melhorar a qualidade do ensino fundamental; II — a assegurar a permanência do aluno na escola e garantir-lhe melhor aproveitamento escolar; III — ao aperfeiçoamento dos profissionais do ensino fundamental; IV — à construção, conservação e reforma de prédios escolares; V — à aquisição e manutenção de equipamentos escolares; VI — à produção de material didático destinado ao ensino fundamental;

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VII — à aquisição de material didático e de consumo para uso de alunos e professores e da escola; VIII — à manutenção de programas de transporte escolar; IX — a estudos, levantamentos e pesquisas que visem ao aprimoramento da qualidade do ensino fundamental público.

Por conseguinte, o atendimento ao educando, almejado no inciso VII do art. 208 da Carta da República, que inclui os programas de alimentação escolar, está inserido no contexto do inciso II do transcrito artigo da lei mineira que busca assegurar a permanência do aluno na escola, garantindo-lhe melhor aproveitamento nos estudos.

Pareceres e Decisões

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Cumpre, por fim, observar que o inciso V do art. 6° da Instrução Normativa n. 06/07 deste Tribunal já previa que os programas suplementares de alimentação, como a merenda escolar, os quais são financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários, conforme prescrito no § 4° do art. 212 da Constituição, não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino. Esta norma foi integralmente mantida no inciso V do art. 6° da Instrução Normativa n. 13/08 atualmente em vigor. Conclusão: pelo exposto, Senhor Presidente, entendo que a vedação prevista no art. 9° da Medida Provisória n. 339/06, independentemente de não ter sido mantida pelo Congresso Nacional na conversão para a Lei Federal n. 11.494/07, não impede a utilização dos recursos provenientes da contribuição social do salário-educação em programa de alimentação escolar do ensino fundamental, atual educação básica, mesmo durante o período de vigência do texto original, uma vez que contrário ao comando da norma contida no inciso VII do art. 208 da Carta da República de 1988. Tenho, assim, por respondida a consulta.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 13/05/09 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro substituto Hamilton Coelho, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro em exercício Licurgo Mourão, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro em exercício Gilberto Diniz.

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Concessão de bolsas de estudo para estudantes carentes em instituições privadas de ensino superior CONSULTA N. 801.069

EMENTA: Consulta — Prefeitura Municipal — Concessão de bolsa de estudos para estudantes carentes em instituições privadas de ensino superior — Ausência de cursos regulares da rede pública na localidade — Possibilidade — Impossibilidade de inclusão dos valores no percentual constitucional para manutenção e desenvolvimento do ensino — Necessidade de existência de dotação orçamentária e autorização legislativa — Estabelecimento de critérios e condições para a concessão baseados em parâmetros socioeconômicos — Criação de cadastro de inscrição dos pretendentes — Observância aos princípios da moralidade e da impessoalidade. (...) se impõe a regulamentação da matéria, em atenção aos princípios da moralidade e da impessoalidade, com estabelecimento de critérios e condições para a concessão de bolsas de estudo e para fazer jus ao benefício, baseados em parâmetros socioeconômicos, criando, ainda, cadastro de inscrição de pretendentes. RELATOR: CONSELHEIRO EM EXERCÍCIO GILBERTO DINIZ

RELATÓRIO Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Rodolpho Lima Neto, Prefeito Municipal de Santa Maria do Suaçuí, por meio da qual informa que no Município não existe instituição de ensino superior, o que leva os jovens munícipes a emigrarem para outras localidades. Em razão desse fato, o consulente indaga a esta Corte de Contas sobre a legalidade da concessão de bolsas de estudo para estudantes carentes em instituições de ensino superior privadas. Autuada e distribuída por determinação do Presidente deste Tribunal, a fls. 02, a consulta recaiu sob minha relatoria, vindo-me os autos conclusos em 30/07/2009. Em apertada síntese, é o relatório. 192


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PRELIMINAR Preliminarmente, constato o atendimento aos requisitos de admissibilidade, previstos nos incisos I a IV do art. 212 do Regimento Interno, tendo sido a consulta formulada por autoridade legitimada, por tratar-se de matéria de competência desta Corte com repercussão financeira, contábil, orçamentária e não se referir a caso concreto. Nessas condições, conheço da consulta para respondê-la em tese.

MÉRITO

Pareceres e Decisões

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Quanto ao mérito, observo que a matéria já foi examinada por esta Corte em diversas oportunidades, como na sessão de 29/06/05 em que o Conselheiro Elmo Braz relatou a Consulta n. 694.594, formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de São Sebastião do Paraíso, emitindo parecer que se embasou nas respostas às Consultas n. 53.163-4/92, 154.612-1/94 e 678.641/03, da relatoria dos Conselheiros Maurício Aleixo, Luiz Baccarini e Eduardo Carone Costa, nas sessões de 26/05/92, 20/04/94 e 06/08/03, respectivamente, tendo ficado assentado que: A Prefeitura pode subsidiar o ensino, inclusive o superior, através da concessão de bolsas de estudo para os que demonstrarem falta de recursos, quando houver falta de vagas e de cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, sendo o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.

Os mencionados precedentes desta Corte também sedimentaram entendimento de que os valores gastos com a concessão de bolsas de estudos não podem ser incluídos no percentual de 25% do art. 212 da Constituição Federal, além de depender da existência de dotação orçamentária adequada, autorização legislativa e observar os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade. Logo, independentemente de não haver no Município instituições de ensino superior pública, conforme afirma o consulente, a possibilidade de conceder tal subvenção não pode, em hipótese alguma, justificar quaisquer prejuízos aos investimentos obrigatórios na área de atuação prioritária municipal relativa à manutenção e desenvolvimento do ensino. Vale, ainda, acrescentar que se impõe a regulamentação da matéria, em atenção aos princípios da moralidade e da impessoalidade, com estabelecimento de critérios e condições para a concessão de bolsas de estudo e para fazer jus ao benefício, baseados em parâmetros socioeconômicos, criando, ainda, cadastro de inscrição de pretendentes. 193


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Conclusão: com essas considerações, respondo à consulta e proponho que as notas taquigráficas das consultas mencionadas sejam encaminhadas ao consulente.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 11/11/09 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro Sebastião Helvecio, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro em exercício Gilberto Diniz.

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Falecimento do gestor implica extinção de punibilidade CONTRATO N. 133.611 ASSCOM TCEMG

EMENTA: Contrato — Empresa pública estadual — Captação e venda de espaços publicitários a terceiros — Irregularidade — Ausência de processo licitatório — Não comprovação de dano ao erário — Irregularidade passível tão somente de aplicação de multa — Sanção de natureza personalíssima — Falecimento do gestor — Extinta a punibilidade — Extinção do processo sem resolução do mérito.

(...) deve-se ressaltar que a pena de multa constitui sanção pecuniária de natureza personalíssima, não podendo passar da pessoa do agente, o que inviabilizaria sua eventual aplicação no processo em tela. RELATOR: AUDITOR LICURGO MOURÃO

RELATÓRIO Tratam os autos do contrato firmado entre a Empresa Agropecuária de Minas Gerais — Epamig, representada por seu Presidente, Sr. Guy Torres, e o Sr. Décio Corrêa Silva Júnior, em 1° de setembro de 1995, tendo como objeto a captação e venda de espaços publicitários a terceiros para as revistas e periódicos regularmente publicados pela referida entidade. Em cumprimento às disposições da Lei Complementar n. 102/08, os presentes autos foram redistribuídos a esta relatoria em 26/02/2008. Mediante tal avença, o contratado receberia o percentual de 20% do valor líquido percebido pela Epamig, conforme cláusula segunda, a fls. 4. Em análise técnica inicial, a fls. 8 e 9, o órgão técnico apontou a irregularidade referente à ausência de processo licitatório ou de ato formal de dispensa ou inexi195


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gibilidade de licitação, salientando que o contrato era, ao mesmo tempo, gerador de despesa e de receita para a entidade. Diante de tal parecer, em 14/02/97, o então conselheiro relator determinou a intimação do Presidente da Epamig à época, bem como do responsável pela contratação, Sr. Guy Torres, a fim de que fosse anexada aos autos a documentação instrutória do processo licitatório realizado ou o ato formal de dispensa ou inexigibilidade de licitação, consoante despacho a fls.14. Por meio do ofício de fls. 19, o Sr. Guy Torres aduziu que o contrato em exame não foi precedido de licitação em virtude de não haver previsão de dispêndio de recursos públicos, ou seja, o contratado, se obtivesse êxito na prestação a que se obrigou, receberia o percentual de 20% do valor arrecadado com a captação ou venda de espaços publicitários para as revistas e periódicos publicados pela Epamig. Diante da resposta do responsável, o órgão técnico, a fls. 22 e 23, manifestou-se no sentido de que fosse determinada a juntada aos autos de documento hábil à comprovação da utilização, a título de comissão do contratado, do percentual de 20% do valor líquido recebido pela entidade, visando ao esclarecimento da não obrigatoriedade de licitar. Em atenção ao despacho, a fls. 29, no qual o então conselheiro relator determinou a conversão dos autos em diligência para que a Entidade enviasse a documentação solicitada pelo órgão técnico, o Sr. Márcio Amaral, Presidente da Epamig à época, asseverou, às fls. 36 e 37, que o percentual de 20% pago ao contratado corresponderia à comissão usualmente observada em relação aos serviços avençados de publicidade, conforme pode ser comprovado por meio dos documentos a fls. 38 a 43. Em seguida, no exame das alegações e da documentação colacionadas aos autos, o órgão técnico elaborou o estudo, a fls. 52 a 54, no qual se manifestou pela irregularidade da contratação em questão, tendo em vista a ausência de processo licitatório, e, por conseguinte, pela aplicação de multa. A fls. 57, a Auditoria, em razão da falta de procedimento licitatório e em consonância ao direito de ampla defesa, manifestou-se pela abertura de vista ao responsável para a apresentação de alegações que entendesse convenientes. Já o Ministério Público de Contas, a fls. 58, em parecer da lavra da Procuradora Juliana Campos Horta de Andrade, opinou pela irregularidade da contratação por ausência de procedimento licitatório, sem prejuízo da aplicação das sanções previstas no Regimento Interno. 196


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Em 05/11/04, de acordo com o despacho a fls. 61, foi determinada a abertura de vista ao responsável, para que se manifestasse sobre a irregularidade apontada no presente processo. Em 20/01/05, a Secretaria da Segunda Câmara desta Corte expediu certidão, a fls. 65, na qual informou que a EBCT devolveu o Ofício n. 237/2005 — SEC/2a CÂMARA — ARMP —133611, com o registro do falecimento do Sr. Guy Torres. Em face de tal registro, não obstante o voto do parecer coletivo ter sido elaborado e encartado a fls. 70 a 75, mas cujo julgamento não se efetivou, determinei a juntada da certidão de óbito e a manifestação do Ministério Público de Contas.

Pareceres e Decisões

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Dessa feita, em parecer ministerial do Procurador Cláudio Couto Terrão, a fls. 84 a 85, o MPTC assinalou que não há nos autos elementos indiciários sobre eventual dano material ao erário e, ao final, opinou, em preliminar, pela extinção do processo com resolução de mérito, com fulcro na ocorrência da prescrição inicial quinquenal e, se ultrapassada a preliminar, no mérito, pela regularidade do presente contrato. É o relatório, em síntese.

FUNDAMENTAÇÃO Cumpre ressaltar, de início, não obstante o bem lançado parecer ministerial, no qual o ilustre Procurador Cláudio Couto Terrão defende a tese da prescrição quinquenal para o exercício da função de controle externo pelos Tribunais de Contas, entendo, com a devida vênia, que tal discussão se revelaria estéril neste processo, em face do falecimento do responsável. Assim, sem adentrar na discussão de tão tormentoso tema, pois despiciendo para a solução da questão posta nos autos, prossigo na análise do mérito. Feita essa consideração, insta destacar que, da análise detida dos autos, depreende-se que as ocorrências apontadas pelos órgãos técnicos desta Casa não comprovam a existência de dano ao erário. Também não se pode olvidar que o responsável faleceu em 05/08/99, conforme certidão acostada a fls. 81 e que o despacho determinando a citação é datado de 05/11/04, consoante documento a fls. 61. Dessa feita, caso se entendesse pela irregularidade da contratação efetuada, em virtude da apontada ausência de processo licitatório ou de ato formal de dispensa ou inexigibilidade de licitação, tal decisão ensejaria apenas a aplicação da pena de multa ao responsável.

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A propósito, deve-se ressaltar que a pena de multa constitui sanção pecuniária de natureza personalíssima, não podendo passar da pessoa do agente, o que inviabilizaria sua eventual aplicação no processo em tela. Nesse sentido, vale realçar precedente desta Corte de Cortas referente à decisão adotada pela Primeira Câmara no Processo Administrativo n. 690.958, em sessão de 24/03/09, de relatoria do Conselheiro Antônio Carlos Andrada, na qual restou consignado, in verbis: Conforme se infere dos apontamentos constantes dos itens 2 e 3, as irregularidades constatadas são passíveis de aplicação de multa ao gestor, e daqueles elencados no item 1, tão somente de advertência. Contudo, a Certidão de Óbito de fl. 90 comprova que o responsável pela realização das contratações em análise faleceu no dia 1°/01/2003. É sabido que a morte, como fato jurídico que é, acarreta conseqüências na esfera do Direito e, nesses termos, a dimensão sancionatória extingue-se com a morte do gestor, visto que o cumprimento da sanção é personalíssimo, não ultrapassando a pessoa do condenado. (...) Em face do exposto, considerando o fato das irregularidades apuradas serem passíveis tão somente de advertência e aplicação de multa, determino o arquivamento dos autos sem julgamento de mérito, de conformidade com o art. 267, inciso IX do CPC, em virtude do falecimento do gestor devidamente comprovado nos autos (grifos nossos).

Reforçando esse entendimento, destacam-se as seguintes decisões do Tribunal de Contas da União, in verbis: Enfim, observo que o comunicado da Sra. Edith Hering, dando conta do falecimento do Sr. Fred Hering, revela a impossibilidade da persecução da multa imposta ao responsável falecido. Eis que o art. 5°, XLV, da CF/88 estatui o princípio da pessoalidade da pena, impondo prestação negativa ao Estado, de modo a impedir que a penalidade possa passar da pessoa do condenado. Nesse diapasão, verifico que a multa não deve ser estendida aos sucessores, até porque, no meu sentir, a natureza da penalidade não se transmuda em mera dívida de valor, após a prolação do acórdão condenatório, já que o título executivo extrajudicial não é abstrato, mas, sim, título causal fundado nos motivos originais da aplicação da pena, nos termos do art. 71, § 3°, da CF/88 c/c os artigos 583 e 585, VII, do Código de Processo Civil brasileiro. Entendo, portanto, que o TCU pode conhecer do recurso, mas, no mérito, deve negar-lhe provimento, mantendo os exatos termos da deliberação vergastada, sem prejuízo de tornar sem efeito a multa aplicada ao responsável

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falecido, diante do princípio da pessoalidade da pena (grifos nossos). (AC 1281/2005 — Primeira Câmara — Relator: Ministro Guilherme Palmeira — Julgamento: 28/06/2005). Tendo em vista as irregularidades retrocitadas, entendemos pertinente aplicação de multa ao responsável em decorrência de infração a diversas cláusulas do convênio celebrado e artigos da IN 03/93 da STN, assim como, ter gerido antieconomicamente com os recursos do convênio 161/93, com amparo nos incisos I e II do art. 58 da Lei n. 8.443/92 c/c incisos I e II do art. 220 do Regimento Interno. 21 — Ocorre que, a retrocitada punibilidade é intransferível e tem caráter personalíssimo, além do mais, a responsabilidade questionada é de natureza não-patrimonial ante o descumprimento de normas na gestão da coisa pública, devendo ser suportada por aquele que geriu a coisa pública. Tendo em vista o óbito do responsável, sustentamos que não podem os herdeiros suportar tal gravame, ficando impossibilitada a aplicação de multa, não descaracterizando a irregularidade da gestão dos recursos do convênio e pertinentes determinações.

Pareceres e Decisões

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(...) Assim, ante a notícia de falecimento do responsável, entendo restar prejudicada a necessária audiência. Nestes casos, verifico que o Tribunal tem decidido tanto pelo julgamento das contas pela regularidade com ressalva como pelo arquivamento sem julgamento de mérito, ante a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Entretanto, tenho convicção de que o melhor desfecho seria o julgamento pela regularidade com ressalva uma vez que no presente caso caberia apenas multa, caso o responsável fosse ouvido em audiência. E como a multa tem caráter personalíssimo, não caberia a sua aplicação aos herdeiros do responsável (grifos nossos). (AC 45/2002 — Primeira Câmara — Relator: Ministro Iram Saraiva — Julgamento: 19/02/2002).

PROPOSTA DE VOTO Considerando que não há nos autos elementos indiciários sobre eventual dano material ao erário; Considerando que as irregularidades constatadas são passíveis tão somente somente de aplicação de multa ao gestor; Considerando que em virtude do falecimento do gestor, ocorrido em 05/08/1999, 199


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portanto, no curso do processo, restou extinta a punibilidade, porquanto a aplicação da pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado, a teor do disposto no art. 5°, inciso XLV, da Constituição da República; Considerando, ainda, que a dimensão sancionatória do processo é a única que se extingue com a morte do gestor, uma vez que o cumprimento da sanção é personalíssimo, o que impossibilita, por conseguinte, estendê-la a seus sucessores; Em face do exposto, adoto o entendimento pela extinção do processo e pelo arquivamento dos autos sem julgamento do mérito, em consonância com o art. 176, III, do RITCEMG e o art. 267, inciso IX, do CPC, em virtude do falecimento do gestor devidamente comprovado nos autos, com espeque ainda no § 3° do art. 196 do RITCEMG, pela ausência de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo.

O contrato em epígrafe foi apreciado pela Primeira Câmara na sessão do dia 20/10/09 presidida pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada; presentes a Conselheira Adriene Andrade e o Conselheiro substituto Hamilton Coelho, que acolheram a proposta de voto exarada pelo relator, Auditor Licurgo Mourão.

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Irregularidades em licitação ensejam aplicação de multa e instauração de Tomada de Contas Especial para apurar eventual dano ao erário PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 701.635

(...) a Administração Pública efetuou procedimento licitatório sem observar requisitos fundamentais, a destacar-se a realização de planejamento que possibilitasse estimar o valor real da contratação e que produzisse um estudo pormenorizado, fundamentando a necessidade de contratação, a economicidade, a relação entre a demanda prevista e a quantidade de serviço a ser contratado.

ASSCOM TCEMG

EMENTA: Processo administrativo — Prefeitura Municipal — Licitação — Contratação de empresa para o gerenciamento, operacionalização e abastecimento dos setores da Secretaria Municipal de Saúde — Irregularidades — Inclusão de dois objetos distintos — Restrição à competitividade e igualdade — Omissão de orçamento detalhado em planilhas de custos — Ausência de previsão do volume de mão de obra a ser contratada — Inclusão das cotações dos serviços com data posterior à abertura do procedimento licitatório — Ausência de estimativa do impacto orçamentário financeiro nos exercícios posteriores — Não comprovação da solicitação dos serviços e da justificativa para contratação de mão de obra — Contratação de serviços relacionados a atividades típicas e permanentes da Administração Pública — Prorrogação contratual em desacordo com os limites e condições legais — Aplicação de multa — Determinação da imediata rescisão do contrato — Instauração de Tomada de Contas Especial.

RELATOR: AUDITOR HAMILTON COELHO

RELATÓRIO Cuidam os autos de processo administrativo decorrente de inspeção realizada na Prefeitura Municipal de Uberlândia, objetivando apurar os fatos denunciados pelos vereadores à Câmara Municipal de Uberlândia, na contratação da empresa Home Care Medical Ltda., vencedora da Concorrência n. 288/2003. 201


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No relatório a fls. 1.648-1.663, e documentos, a fls. 1.664-4.230, a equipe técnica apontou as ocorrências havidas no período inspecionado. O relator determinou a citação do Sr. Zaire Rezende, então Prefeito Municipal, e do Sr. Flávio Alberto de Andrade Goulart, Secretário Municipal de Saúde à época, para o exercício do direito do contraditório, conforme despacho, a fls. 4.234. Os interessados apresentaram defesa conjunta, a fls. 4.244-4.247. O órgão técnico procedeu ao reexame, a fls. 4.251-4.259, e, a seu turno, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, a fls. 4.263-4.264, opinou pela irregularidade dos fatos elencados e sugeriu a aplicação das sanções previstas no Regimento Interno desta Corte, sem prejuízo de posterior retorno dos autos para adoção das medidas legais cabíveis e remessa de cópias do acórdão e das notas taquigráficas ao Ministério Público Estadual, a fim de viabilizar o exercício de suas competências constitucionais na verificação de possíveis ilícitos civis e criminais.

FUNDAMENTAÇÃO 1. Concorrência n. 288/03, realizada sem observância de formalidades legais, — fls. 1.651-1.653 De acordo com os denunciantes, o Município teria utilizado mal o dinheiro público na compra de remédios ao promover a Concorrência n. 288/03, que teve como única licitante a Home Care Medical Ltda. A equipe técnica constatou que a Prefeitura, visando à contratação de empresa para o gerenciamento, operacionalização e abastecimento dos setores de suprimentos de almoxarifado e farmácia da Secretaria Municipal de Saúde, envolvendo a aquisição de medicamentos, materiais médico-hospitalares e odontológicos, formalizou processo licitatório na modalidade concorrência, tipo técnica e preço, sob o regime de execução indireta e empreitada por preço global. O certame foi realizado com um único licitante habilitado, tendo oito empresas adquirido o edital e apenas duas apresentado proposta. A empresa Home Care Medical Ltda. foi inabilitada por descumprimento de exigências do edital relativas à apresentação de documentos, conforme ata de 05/08/03, a fls. 231-232. A Home Care Medical Ltda. foi declarada vencedora com a proposta de R$1.833.023,99, conforme ata de julgamento de 26/08/03 e atos de adjudicação e homologação datados de 11/09/03, a fls. 1.598-1.599. Nos termos da Requisição n. 7.968/03, a fls. 115, a contratação foi estimada em R$2.500.000,00. No entanto, não foram discriminados em separado os custos relativos à aquisição dos produtos e aos serviços de gerenciamento. 202


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Verificou-se também que as cotações dos serviços licitados (24/07 e 25/07/03) constantes nas propostas comerciais, a fls. 31-111, foram posteriores à abertura do procedimento licitatório, datado de 11/06/03, consoante aviso/edital de licitação, a fls. 116, o que evidenciou a inclusão posterior de documentos, vedada pelo art. 43, § 3°, da Lei n. 8.666/93. Quanto ao edital, Anexo II — Memorial Técnico, a fls. 143-144, constatou-se a ausência de orçamento detalhado em planilhas que expressassem a composição de todos os custos e a não apresentação, de forma detalhada, da quantidade de mão de obra necessária para promover a distribuição dos medicamentos, em desacordo com o disposto no art. 7°, § 2°, II, e § 4°, da Lei Nacional de Licitações e Contratos.

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A equipe de inspeção apontou também que não foi comprovada a solicitação dos serviços e a justificativa para a contratação da mão de obra referente ao gerenciamento e operacionalização do objeto licitado, que poderiam ter sido executados por servidores municipais. Destacou-se, ainda, que não foi formalizada a estimativa do impacto orçamentário-financeiro nos exercícios de 2003 e 2004, tampouco a declaração do ordenador de que os gastos tinham adequação e compatibilidade com o Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual, em desacordo com o disposto no art. 16, I e II, e § 4°, I, da Lei Complementar n. 101/00. Em suas razões de defesa, a fls. 4.244-4.247, os defendentes sustentaram que a estimativa do valor a ser despendido foi cuidadosamente elaborada, a partir de dados do sistema de compras, das notas fiscais, de médias mensais de consumo e preços pagos em licitações anteriores. Asseveraram também que as cotações de preços com datas posteriores ao certame foram colhidas por cautela, a fim de verificar a existência de possíveis discrepâncias de preços, e que a prática conferiu mais transparência ao processo. Os defendentes alegaram que o art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal somente exige a estimativa de impacto para a criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa, enquanto a dotação correspondente às despesas glosadas já estava consignada no orçamento municipal. Assim, concluem, o impacto financeiro do ajuste seria nulo, tendo em vista a previsão das despesas no orçamento e sua execução desde 1994. Quanto à omissão de planilha de custos, aduziram que toda a informação exigida foi prestada às licitantes, seja pessoalmente, durante visitas in loco, seja por escrito, por ocasião da elucidação de dúvidas por parte da Comissão Permanente de Licitação. Após análise minuciosa da defesa apresentada, a unidade técnica ratificou todas as irregularidades, tendo em vista que os interessados não trouxeram aos autos elementos probatórios capazes de elidir as falhas apontadas. Destacaram que as alegações da defesa não foram corroboradas por documentos e que a Lei de Responsabilidade Fiscal considera aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado (art. 17, § 7°). Rechaçaram a alegação de que as cotações jun203


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tadas extemporaneamente aos autos tinham cunho meramente informativo, ponderando que tais documentos detêm caráter vinculatório e são partes integrantes do processo. Compulsando os autos, observo que as justificativas aduzidas pelos defendentes não se sustentam, pois a Administração Pública efetuou procedimento licitatório sem observar requisitos fundamentais, a destacar-se a realização de planejamento que possibilitasse estimar o valor real da contratação e que produzisse um estudo pormenorizado, fundamentando a necessidade de contratação, a economicidade, a relação entre a demanda prevista e a quantidade de serviço a ser contratado. Tais omissões macularam o procedimento, vez que o valor aposto no edital não correspondia à realidade fática, podendo ter afastado incontáveis concorrentes. A realização do certame incluindo dois objetos distintos — prestação de serviços e aquisição de medicamentos — também limitou a participação, pois são poucos os que detêm as características que possibilitam a realização dos dois objetos em conjunto. Os apontamentos retrocitados evidenciam ausência de planejamento das ações de aquisição e distribuição de medicamentos pela Administração Municipal de Uberlândia. Desse modo, restando caracterizado que a Concorrência n. 288/03, no valor de R$1.833.023,99, homologada à empresa Home Care Medical Ltda., foi realizada em desconformidade com as normas licitatórias, aplico ao Sr. Zaire Rezende, então Prefeito Municipal, multa no valor de R$35.000,00.

2. Do contrato decorrente da Concorrência n. 288/03 — fls. 1.653-1.657 De acordo com a denúncia, o contrato decorrente da Concorrência n. 288/03 apresentava prazo de validade indeterminado, com cláusula permitindo sua prorrogação, o que implicaria negócios no valor de até R$7.300.000,00. Conforme pronunciamento técnico, em 12/09/03, foi celebrado o Contrato n. 470/03, a fls. 1.614-1.619, entre o Município e a empresa Home Care Medical Ltda., no valor de R$1.833.023,99. O contrato sofreu quatro aditamentos, conforme se vê a fls. 1.688-1.700. O primeiro acresceu, com recursos do Governo Federal, o valor de até R$350.000,00, e o segundo prorrogou o acordo até 31/12/04. O terceiro aditamento, assinado em 23/01/04, alterou a cláusula primeira do contrato, incluindo no objeto a distribuição, o fornecimento e a dispensação, além de estimar o valor mensal do abastecimento de medicamentos, materiais médicohospitalares e odontológicos em R$313.614,38. O quarto termo aumentou o valor mensal de fornecimento de medicamentos para R$658.138,63, que correspondem a 110% do valor inicial do contrato. 204


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A equipe técnica apontou que a cláusula segunda do Contrato n. 470/03 fixava prazo de execução a partir da data da assinatura, 12/09/03, até 31/12/03, podendo o ajuste ser prorrogado a critério da Administração, nos termos da legislação vigente, a fls. 1.614. Tal prorrogação também foi prevista na cláusula primeira do edital da Concorrência n. 288/03, a fls. 118. Assim, restou afastada a hipótese de acordo com prazo de execução indeterminado. Conforme destacado, a Administração Municipal prorrogou o prazo de vigência até 31/12/04, com amparo nas disposições do art. 57, II, c/c §§ 2° e 4° da Lei n. 8.666/93, por meio do segundo termo aditivo, a fls. 1.692-1.693. A equipe técnica constatou que, na execução do referido ajuste, foram realizados pagamentos no total de R$8.039.855,83 à empresa Home Care Medical Ltda., no período de novembro/03 a novembro/04, conforme quadro a fls. 1.655. Desse montante, R$1.091.386,92 corresponderam a serviços de gerenciamento e, R$6.948.468,91, à compra de remédios, equivalentes, respectivamente, a 13,57% e 86,43% dos pagamentos efetuados à empresa.

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Ao final, concluiu que o objeto do certame era, portanto, a compra e a distribuição de medicamentos, sendo o lucro da empresa proveniente de compras em grande escala, bem como das negociações com fornecedores; e que a Administração promoveu a terceirização de atividades-fim, típicas e exclusivas do próprio aparato estatal. Nas razões de defesa, os interessados justificaram o acréscimo de 110% do valor inicial do contrato, alegando que o fornecimento de medicamentos ficou prejudicado em decorrência da morosidade dos processos licitatórios, do aumento da demanda de remédios a serem doados pela rede municipal e, principalmente, da falta de repasses da União e do Estado no período de setembro/03 a julho/04. Afirmaram também que ordens judiciais de fornecimento de novas drogas implicaram aumento de 16% nos gastos da rubrica, e que foram inauguradas duas unidades de atendimento em dezembro de 2003, medida que redundou em aumento da demanda de mão de obra. Sobre a terceirização de mão de obra, os defendentes consideraram desnecessário apresentar justificativa, alegando que já existia desde 1994 e que foi auditada diversas vezes pelo Tribunal de Contas durante todos esses anos, e nunca questionada pelo mesmo. Afirmaram também que, embora considerada atribuição estatal, a prestação de serviços na área de saúde pode ser complementada pela iniciativa privada, nos termos da Lei n. 8.080/90, quando os recursos do SUS forem insuficientes, situação supostamente observada no Município, que teria sido forçado a adquirir medicamentos normalmente custeados pela União ou pelo governo do Estado. Em sede de reexame, a Diretoria Técnica observou que o suposto aumento de demanda não foi corroborado por levantamento dos custos que suportassem as justificativas elencadas. Acrescentaram que não consta dos autos do certame 205


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estudos ou justificativa da necessidade dos serviços e correlata economicidade, a relação entre a demanda prevista e a quantidade de serviço a ser contratado e o demonstrativo dos resultados a serem alcançados do melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros.

Refutaram a alegação de que contratações da mesma espécie nunca teriam sido glosadas pelo Tribunal, ponderando que a suposta omissão não elide a ausência da justificativa da contratação, conforme a fls. 4.254. Assinalou-se também que as ordens judiciais para fornecimento de medicamentos alheios à lista-padrão e a defasagem dos repasses pela União e pelo Estado não foram corroboradas por documentos. O reexame destacou que a prorrogação do contrato em análise não se subsume às hipóteses consignadas no art. 57 da lei de regência, e que seu objeto configura atividade-fim da Administração, portanto, impassível de terceirização. Apontou que a Lei n. 8.080/90, que disciplina o Sistema Único de Saúde — SUS, estabelece que o Estado somente recorrerá aos serviços oferecidos pela iniciativa privada quando os recursos públicos forem insuficientes para atender à população de determinada área. A Lei Orgânica Municipal de Uberlândia, prossegue, ao regulamentar as ações de saúde, dispôs sobre a participação da iniciativa privada prevista no art. 8° da Lei n. 8.080/90, e também determina que a participação privada nas ações e serviços de saúde apenas se dê de forma complementar. Acorde com o órgão técnico em sede de reexame, entendo que as razões de defesa são improcedentes. Não restou demonstrado incremento de demanda que justificasse o aumento glosado, que, aliás, extrapolou o coeficiente autorizado no art. 65, § 1°, da Lei n. 8.666/93, in litteris: Art. 65 (...) (...) § 1° O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.

No tocante à duração dos acordos, ressalta-se que a Lei Nacional de Licitações e Contratos trata do assunto em seu art. 57, caput, e incisos, dispondo o inciso II especificamente sobre contratos de prestação de serviços de natureza contínua, in verbis: Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:

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(...) II — à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses.

Assim, podem ser registradas exceções à anualidade dos contratos em situações nas quais o Poder Público não disponha dos meios necessários ou adequados para a execução de serviços específicos, desde que o objeto contratado não se inclua entre as atividades de sua competência exclusiva. Todavia, essa previsão não autoriza à Administração a utilização do artifício da renovação contínua dos ajustes.

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O art. 6°, II, da Lei n. 8.666/93 define serviço como toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, elencando taxativamente os de demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais, estes últimos estabelecidos no art. 13 da referida lei. Dessa forma, a compra de remédios não pode ser considerada serviço e, portanto, não se enquadra em nenhuma das hipóteses de exceção para prorrogação contratual (art. 57, II). A prorrogação de contrato de prestação de serviços somente é viável quando tem por objeto atividades contínuas e se encontra lastreada em dotação orçamentária suficiente para fazer frente às despesas adicionais. Com efeito, a aquisição e distribuição de medicamentos contratada com a empresa Home Care Medical Ltda. é de competência exclusiva do Poder Executivo, por intermédio da Secretaria Municipal de Saúde, não podendo ser delegada a outrem, nem mesmo por meio de procedimento licitatório. A terceirização, convém não olvidar, é lícita enquanto só alcança atividades-meio, ou seja, aqueles serviços complementares da Administração Pública, exempli gratia, as atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia etc. Logo, não pode o Município passar para terceiros os serviços que envolvam atribuições próprias típicas e permanentes. O fato de que não tenham os ajustes ilegais, confessadamente celebrados desde 1994, sido anteriormente glosados pelo Tribunal jamais convalidaria as suas irregularidades, como quer o defendente. A Administração detém, inclusive, a prerrogativa de anular os próprios atos que, a qualquer tempo, descubra eivados de vício. Ante os fatos, considero irregular o Contrato n. 470/03 e respectivos termos aditivos firmados com a empresa Home Care Medical Ltda. para aquisição, armazenamento e controle de medicamentos, no total de R$8.039.855,83, por inconformidade com 207


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a Constituição da República, Leis n. 8.666/93, 8.080/90 e com a Lei Orgânica Municipal. Verifiquei, ainda, que o extrato do primeiro termo aditivo, assinado em 10/11/03, foi publicado na imprensa oficial em 06/01/04, portanto, fora do prazo previsto no art. 61, parágrafo único, da Lei Nacional de Licitações e Contratos, a fls. 1.704. Manifesto-me pela determinação de inspeção in loco para que se verifique se contratos com as características do aqui examinado persistem em execução no âmbito da Administração Municipal. Por fim, sou pela aplicação de multa ao então Prefeito, Sr. Zaire Rezende, no valor de R$35.000,00, bem como pela aplicação de multa na quantia de R$35.000,00 ao Sr. Flávio Alberto de Andrade Goulart, Secretário Municipal de Saúde à época, em razão da sua participação direta na celebração e execução do contrato, manifestamente ilegal. Conclusão: diante do exposto, manifesto-me, em sede de proposta de voto, pela irregularidade dos atos examinados e, com amparo nos ditames do art. 85, II, da Lei Complementar n. 102/08, por aplicação de multa de R$70.000,00 (setenta mil reais) ao Sr. Zaire Rezende, Prefeito Municipal à época, sendo: a) R$35.000,00 pela inobservância de formalidades exigidas na Lei Nacional de Licitações e Contratos na realização da Concorrência n. 288/03, para prestação de serviços de gerenciamento e aquisição de medicamentos, homologada ao valor de R$1.833.023,99, dentre as quais destaco a omissão de orçamento detalhado em planilhas de custos (art. 7°, § 2°, I), previsão do volume de mão de obra a ser contratado (art. 7°, § 2°, II e § 4°) e a inclusão posterior das cotações dos serviços licitados (art. 43, § 3°), bem como a ausência de estimativa do impacto orçamentário-financeiro nos exercícios de 2003 e 2004; de declaração de compatibilidade da despesa decorrente com o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual, com grave transgressão ao comando do art. 16, I e II, e § 4°, I, da Lei Complementar n. 101/00 (item 1); e b) R$35.000,00 em face da terceirização, à empresa Home Care Medical Ltda., dos serviços de aquisição, armazenamento e controle dos medicamentos destinados à Secretaria Municipal de Saúde, atividades típicas da Administração, no total de R$8.039.855,83, em desobediência aos ditames constitucionais e aos insertos nas Leis n. 8.666/93 e 8.080/90 e na Lei Orgânica Municipal de Uberlândia, além da prorrogação do Contrato n. 470/03 em desacordo com os limites e condições estabelecidos nos arts. 57, II, e 65, §1°, do Estatuto Nacional de Licitações e Contratos (item 2). 208


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Aplico ainda multa de R$35.000,00 (trinta e cinco mil reais) ao Sr. Flávio Alberto de Andrade Goulart, Secretário Municipal de Saúde à época, em face de sua participação direta na celebração e na execução do ajuste, manifestamente ilegal. Determino ao atual Prefeito Municipal de Uberlândia que promova a imediata rescisão do Contrato n. 470/03, caso ainda em vigor, pois, este Tribunal, embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos — tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou (M.S. 23.550‑1/DF, Ministro Red. Sepúlveda Pertence, DJ de 31/10/01).

Pareceres e Decisões

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Com o trânsito em julgado do decisum, cumpra-se o disposto no art. 364 do Regimento Interno. À vista da constatação de grave violação à norma legal, encaminhem-se os autos ao Ministério Público de Contas para as providências de seu mister. Ultimados os procedimentos pertinentes à espécie, proponho, com amparo nas disposições do inciso I do art. 176, regimental, o arquivamento do presente processo.

Na oportunidade, complementando sua proposta de voto o Auditor Hamilton Coelho requereu instauração de Tomada de Contas Especial, conforme se segue. AUDITOR HAMILTON COELHO Sr. Presidente, gostaria de propor aos nobres Conselheiros uma tomada de contas para verificar se houve prejuízo, já que a empresa Home Care Medical Ltda. adquiria os medicamentos dos laboratórios e repassava com margem de lucro aos municípios. Isso pode ter causado prejuízo ao erário municipal. É só acrescer à proposta uma tomada de contas especial para verificar possível dano ao erário municipal na aquisição.

O processo administrativo em epígrafe foi apreciado pela Segunda Câmara na sessão do dia 12/11/09 presidida pelo Conselheiro Eduardo Carone Costa; presentes o Conselheiro Elmo Braz e o Conselheiro Sebastião Helvecio, que acolheram a proposta de voto exarada pelo relator, Auditor Hamilton Coelho.

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Irregularidades em Edital de Seleção Pública*1 ASSCOM TCEMG

Excelentíssimo Senhor Relator,

1 Relatório

PROCURADORA MARIA CECÍLIA MENDES BORGES

Trata-se da denúncia, a fls. 1-10, na qual se questiona a legalidade de Edital de Seleção Pública, instituído por Prefeitura Municipal, objetivando ao preenchimento dos cargos de profissionais componentes das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF). A denúncia foi instruída com a documentação a fls. 11-27, levantando, ainda, questões outras relacionadas à gestão administrativa do órgão, tais como suposta renúncia fiscal, excesso de despesa com pessoal e outras violações à Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como o registro de atos de admissão de pessoal.

O relator, a fls. 30-38, suspendeu o certame, em razão da omissão do gestor em enviar o edital a esta Corte, no que foi acompanhado pelos demais membros da Câmara, a fls. 39-46. O denunciante manifestou-se novamente a fls. 48-49, tendo a Prefeitura, mediante o ofício a fls. 54-55, subscrito pelo prefeito, acostado os documentos a fls. 56-80. Após a derradeira fala do denunciante, a fls. 84-87, o órgão técnico emitiu seu parecer, a fls. 90-97, vindo os autos ao Ministério Público de Contas para apreciação. É o relatório. Passo a opinar.

2 Fundamentação 2.1 Das hipóteses previstas pela Emenda Constitucional n. 51/06 e pela Lei n. 11.350/06 Inicialmente, cumpre deixar consignado que o edital de seleção pública, ora em análise, previu o provimento de cargos de agente comunitário de saúde do PSF (ACS) e agente de saúde endemias (ACE), entre outros. * Parecer emitido pelo Ministério Público de Contas. Até o fechamento desta edição, o Tribunal de Contas ainda não havia se manifestado definitivamente acerca da matéria.

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Todavia, os dispositivos legais em comento tratam especificamente apenas dos ACS e ACE, pelo que, em um primeiro momento, cumpre destacar a inconstitucionalidade do provimento das demais funções mediante seleção pública, em indevida substituição ao concurso público, na forma do art. 37, II, da CF/88, pelo que o edital no que toca a estes cargos deve ser declarado nulo, na forma do § 2° do artigo.

2.2 Da inconstitucionalidade da dispensa de concurso público prevista pela Emenda Constitucional n. 51/06 e pela Lei n. 11.350/06. Declaração pelo Tribunal de Contas: entendimento sumulado pelo STF De acordo com a nova redação do art. 198 e seus parágrafos da CF/88, trazida pela EC n. 51/06, os ACS e ACE serão admitidos independentemente de concurso público, mediante processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação, nos termos do § 4°.

Pareceres e Decisões

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A Lei n. 11.350/06 previu, em seu art. 9°, a contratação mediante processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, que atenda aos princípios constitucionais da Administração Pública, previstos explicitamente pelo caput do art. 37 da CF/88, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. No que tange à contratação de ACS e de ACE independentemente de concurso público e mediante processo seletivo público, também entendo haver um desvirtuamento da lei e da emenda mencionadas, que violam a Constituição Federal e os princípios administrativos que regem o regime jurídico público. O processo seletivo público, diferentemente do concurso público, é um procedimento mais simples, autorizado em hipóteses excepcionais, como em casos provisórios em que o interesse público o justifique, ou a temporariedade da função. Não fosse assim, não haveria necessidade de a emenda prever um item específico para o caso, haja vista que se aplicaria a regra geral do art. 37, II, da CF/88. O que o legislador ordinário e o constituinte derivado pretenderam, no caso dos ACS e dos ACE, foi imprimir um procedimento mais simples e menos rigoroso que o concurso público, na contratação de agentes públicos ocupantes de empregos públicos na Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional. E o § 5° do art. 198 da CF/88 determinou que lei federal deverá prever o regime jurídico, regulamentado pelo art. 8° da Lei n. 11.350/06, que submeteu os ACS e os ACE à legislação trabalhista, podendo-se chamá-los, assim, de celetistas, sendo dessa natureza contratual seu vínculo com a Administração Pública, ressalvando que lei local dos Estados, Distrito Federal e Municípios poderá dispor de forma diversa, o que não se comprovou no caso dos autos. Embora pouco se encontre na doutrina acerca da diferença, do conceito e do alcance do termo processo seletivo público, costuma-se aliar à expressão a maior celeridade e simplificação e menor formalidade na seleção, devendo, entretanto, 211


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obediência aos princípios norteadores do concurso público, tais como a impessoalidade, publicidade e igualdade. Assim, tendo em vista que os empregados públicos também devem se submeter à prévia aprovação em concurso público, de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do emprego, na forma prevista em lei, conforme inciso II do art. 37 da CF/88, com a redação dada pela EC n. 19/98, tanto para ingressarem nas entidades com personalidade jurídica de direito privado quanto nas de direito público, os ACS e os ACE devem ser contratados mediante prévio concurso público, e não mediante processo seletivo diverso. As normas em questão — tanto da lei quanto da emenda constitucional — são inconstitucionais, na medida em que ferem a previsão expressa do inciso II do art. 37 da CF/88, que condiciona a investidura em cargo e emprego público à prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos. A distorção é tão grande que, se se for fazer um paralelo com o ordenamento existente, pode-se comparar que até mesmo nas empresas estatais, com personalidade jurídica de direito privado, a regra é a obrigatoriedade de concurso público para provimento de seus empregados públicos. Com muito mais razão para a contratação de empregados para compor os quadros da Administração direta, autárquica e fundacional, nas quais as características do regime jurídico administrativo estão muito mais evidentes. A obrigatoriedade do concurso público decorre do princípio da igualdade, cuja observância atende ao fim de propiciar a escolha do candidato mais capacitado pela Administração Pública, sendo que o respeito à igualdade pela Administração Pública é também uma determinação do princípio da moralidade. Assim, a emenda constitucional não poderia privilegiar as categorias de ACS e ACE, dispensando-as da obrigação inerente a todas as demais categorias profissionais, de submissão a concurso público, pelo que a EC e sua lei regulamentadora são inconstitucionais. Assim, as disposições da EC n. 51/06 e de sua lei regulamentadora no que toca à dispensa do concurso público devem ser afastadas, mediante sua declaração de inconstitucionalidade, sendo o concurso público a forma constitucional adequada de prover os profissionais integrantes dos programas de saúde preventiva, empregados públicos celetistas, tendo em vista a natureza de suas funções e o regime jurídico aplicável, na forma do Enunciado n. 347 das Súmulas/STF.

2.3 Do edital do processo seletivo 212


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Caso ultrapassadas as questões enfrentadas, o que se admite apenas por amor ao debate, bem como tendo em vista o Termo de Ajustamento de Conduta — TAC firmado entre o Município e o Ministério Público do Trabalho (MPT), a fls. 76-78, passo ao exame do edital. Ademais, tendo em vista a diferenciação defendida entre o concurso público e o processo seletivo público, como este deve obediência aos princípios aplicáveis àquele, passa-se ao exame do edital objeto da denúncia. Em detida análise dos autos, observa-se que o edital em comento apresenta vícios que comprometem a regularidade do certame.

Pareceres e Decisões

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Como já dito, a EC n. 51/2006, acrescentando o § 4° ao art. 198 da CF/88, permitiu a admissão de ACS e de ACE por meio de processo seletivo público, permanecendo a obrigatoriedade do concurso público para os demais profissionais da saúde. Apenas por esse motivo não teria procedência, portanto, a justificativa apresentada pelo responsável, a fls. 54-55, para a não apresentação do edital no prazo da Instrução Normativa n. 05/2007. Por outro lado, o art. 5° desta instrução obriga à comunicação do Tribunal acerca da realização de certame tanto para provimento de cargos quanto de empregos públicos. Também não consta dos autos comprovação da publicação do edital, embora haja indícios de sua publicação mediante o encaminhamento ao MPT da documentação em razão do TAC firmado, a fls. 80. Não consta, ainda, na legislação municipal, a criação dos cargos oferecidos, e, ademais, embora o edital trate de cargos, não declina a qual regime estará o servidor submetido — se estatutário ou celetista. Importante salientar, neste ponto, que a lei municipal, acostada a fls. 56-60, não cria cargo ou emprego algum, mas somente regulamenta a contratação temporária de pessoal para o PSF. Cumpre destacar que o art. 16 da Lei n. 11.350/06 vedou a contratação temporária ou terceirizada de ACS e de ACE, ressalvando a hipótese de combate a surtos endêmicos. Também a ausência da hipótese de isenção da taxa de inscrição se mostra irregular, incompatível com os princípios da isonomia e da ampla acessibilidade aos cargos públicos. E mais, o edital não identifica quais são as vagas destinadas aos deficientes, embora preveja a sua reserva no item 4, a fls. 14-15. O edital viola, ainda, os art. 6°, II, e 7°, I, da Lei n. 11.350/06, ao se omitir quanto 213


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ao curso de formação dos ACS e dos ACE, devendo o ACS residir na área da comunidade em que atuar, desde a data da publicação do edital do processo seletivo público. Por outro lado, deve ser registrado que o Ministério Público entende não ter procedência o apontamento do órgão técnico no que toca à apresentação de recursos “apenas” pela internet, conforme item 8.3 do edital, a fls. 18. Referido apontamento destoa das atuais diretrizes do Direito e da sociedade moderna, já que a internet é dos meios que mais garante o amplo acesso dos candidatos, recurso mundialmente acessível e de fácil ação. Definitivamente, não se pode aceitar que um edital de concurso público que garanta a interposição de recursos pela internet deva também prever outra forma — o contrário é que não seria razoável, pois se determinar que se recorra apenas pessoalmente ou por procurador é que pode restringir a ampla participação. Assim, não há, de forma alguma, violação ao princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos, mas referido princípio, na visão do Ministério Público de Contas, foi prestigiado.

3 Considerações finais Os ACS têm como atribuições o exercício de atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, sob a supervisão do gestor público do SUS, de acordo com o art. 3° da Lei n. 11.350/06, nas quais se incluem, dentre outras, a utilização de instrumentos para diagnóstico demográfico e a promoção de educação para a saúde e sua integração com outras políticas públicas. Os ACE, por sua vez, têm como atribuições o exercício de atividades de vigilância, prevenção e controle de doenças e promoção da saúde, sob a supervisão do gestor público do SUS, de acordo com o art. 4° da Lei n. 11.350/06. Embora os programas de saúde preventiva — consistentes em importantes políticas públicas de atendimento de deveres constitucionais do Estado — tenham ocasionado discussões jurídicas quanto à forma de provimento de seus agentes, a partir de 2004, pelo menos, o próprio Ministério da Saúde reconheceu a necessidade de obediência ao concurso público, diante do caráter permanente do Programa de ACS e da necessidade de atendimento universal da saúde. Por fim, tendo em vista que o art. 17 da Lei n. 11.350/06 autorizou a permanência dos ACS e dos ACE no exercício das atividades enquanto não concluída a realização de processo seletivo público pelo ente federativo, mister a regularização célere da questão no âmbito do jurisdicionado ora analisado, sob pena de violação ainda mais grave aos preceitos constitucionais.

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Quanto aos demais itens denunciados nas peças apresentadas, como renúncia fiscal, despesa com pessoal e outras violações à Lei de Responsabilidade Fiscal e registro de atos de admissão de pessoal, bem como descumprimento da jornada de trabalho pelos integrantes do PSF do Município, não houve comprovação pelo denunciante e tampouco pelo denunciado, tendo havido requerimento de inspeção pelo primeiro, conforme a fls. 84. Todavia, como o pedido no presente se resume à suspensão do certame e sua revisão, entende o Ministério Público pela realização de inspeção em outros autos, mediante traslado das cópias pertinentes, ou apenas pela delimitação da presente denúncia ao certame objeto da análise realizada, diante da documentação carreada aos autos.

4 Conclusão

Pareceres e Decisões

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Em face de todo o exposto, opina o Ministério Público: I — preliminarmente, caso seja o entendimento do relator, pela realização de inspeção in loco, em autos diversos dos presentes, mediante traslado das cópias pertinentes, ou pela delimitação da presente denúncia ao certame objeto da análise acima realizada, diante dos apontamentos acima delineados; II — no tocante à questão do processo seletivo em análise: II.1 — pela declaração de nulidade do edital no que toca ao provimento dos cargos diversos de ACS e ACE, na forma do art. 37, § 2°, da CF/88; II.2 — pela anulação do edital no que toca ao provimento das funções de ACS e ACE, como consequência da inconstitucionalidade das disposições da EC n. 51/06 e da Lei n. 11.350/06, na forma do Enunciado n. 347 das Súmulas/STF, determinando-se ao jurisdicionado a realização célere de concurso público para provimento das funções mencionadas; II.3 — sucessivamente, caso não se acolha o entendimento esposado nos itens II.1 e II.2 supra, pela intimação da autoridade administrativa responsável, a fim de complementar as disposições editalícias, de forma a sanar as irregularidades acima apontadas, instruindo os autos com a documentação faltante, e, caso não as providencie, pela procedência da denúncia formulada, declarando-se nulo o edital em exame. Encaminhem-se cópias do presente parecer ao Ministério Público do Trabalho / 3a Região / Juiz de Fora (fls. 79), em razão do TAC firmado com o Município. É o parecer. Belo Horizonte, 07 de abril de 2009. Maria Cecília Borges Procuradora do Ministério Público de Contas 215


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Doutrina

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Comentando a Jurisprudência

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Restos a pagar, despesas de exercícios anteriores e fiscalização do cumprimento do percentual mínimo de aplicação de recursos públicos no ensino e na saúde Laura Correa de Barros Graduada em Administração de Empresas e Ciências Contábeis. Atualmente cursando Direito. Mestre em Administração Pública.

1 Introdução A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou a importância dos investimentos públicos no ensino e na saúde, estabelecendo percentuais mínimos de gastos a serem realizados por cada uma das esferas de governo. A fiscalização do cumprimento dos percentuais é realizada pelos respectivos Tribunais de Contas, em cada esfera governamental. Um dos instrumentos utilizados para essa fiscalização é a análise formal das contas prestadas anualmente pelos governantes. A partir dessa análise, os técnicos dos Tribunais de Contas verificam a correta contabilização das receitas e das despesas que compõem as bases de cálculo desses percentuais. No que diz respeito às despesas registradas nas contas Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores, ainda não há consenso absoluto entre os órgãos regulamentadores, executores e fiscalizadores, sobre o tratamento a ser dado a estas contas, em especial sua apropriação, no cálculo dos percentuais mínimos de gastos no ensino e na saúde. Assim, o presente artigo tem por objetivo comentar a jurisprudência deste Tribunal de Contas mineiro a respeito do tema, à luz de uma análise dos respectivos instrumentos normativos dos princípios contábeis e de possíveis aperfeiçoamentos do procedimento da análise formal de contas.

2 Percentuais constitucionais de gastos mínimos no ensino e na saúde Preceitua a Constituição de 1988 que o descumprimento dos percentuais mínimos de aplicação de recursos públicos no ensino e na saúde é motivo para a intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal (art. 34, VII, e), e dos Estados em seus municípios (art. 35, III). 219


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Nesse sentido, de acordo com o art. 212 da Carta Magna, A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Ademais, importante ressaltar que a aplicação de receitas em tais percentuais é uma exceção ao princípio da não vinculação de receitas, expressa no art. 167, IV, da Carta Magna: Art. 167. São vedados: (...) IV — a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2°, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8°, bem como o disposto no § 4° deste artigo. (...) Art. 198. (...) (...) § 2° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anual mente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (...) § 3° Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I — os percentuais de que trata o § 2° (...)

No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais — TCEMG, a fiscalização de tais percentuais está regulada pelas Instruções Normativas n. 13/2008 e 19/2008. A Instrução Normativa TCEMG n. 13/2008 especifica as receitas que são consideradas para fins de aplicação do percentual mínimo de 25% de gastos no ensino, por parte do Estado e dos municípios, bem como as despesas que podem ser computadas no percentual. Essa instrução explica também a forma como os dados deverão ser organizados e enviados ao TCEMG para fins de fiscalização. O 220


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texto da referida instrução normativa explica o detalhamento dessas receitas, despesas e dados. De forma semelhante, a Instrução Normativa TCEMG n. 19/2008 dispõe sobre as bases de cálculo para apuração dos percentuais mínimos de gastos na saúde — 12% para o Estado e 15% para os municípios —, bem como sobre a forma como os dados deveriam ser enviados ao Tribunal de Contas mineiro, aspectos estes que também podem ser interpretados do texto da referida instrução.

3 Restos a pagar e despesas de exercícios anteriores 3.1 Definição No intuito de realizar a correta contabilização dos restos a pagar e despesas de exercícios anteriores nos percentuais de gastos com educação e ensino, é necessária uma breve digressão sobre o tema. Nesse sentido, tem-se que os Restos a Pagar e as Despesas de Exercícios Anteriores, de acordo com a Lei Federal n. 4.320/64, estão definidos da seguinte forma: Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas.

Comentando a Jurisprudência

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Parágrafo único. Os empenhos que sorvem a conta de créditos com vigência plurienal, que não tenham sido liquidados, só serão computados como Restos a Pagar no último ano de vigência do crédito. Art. 37. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica.

O art. 92 da Lei Federal n. 4.320/64 impõe, ainda, a necessidade de registro dos Restos a Pagar por exercício e por credor. A mesma exigência deveria ser imposta às Despesas de Exercícios Anteriores, pois é indiscutível a necessidade de identificar a quais exercícios específicos tais despesas se referem. No âmbito do TCEMG, várias consultas já se debruçaram sobre o tema. Nesses termos, a Consulta n. 653.862, de relatoria do Conselheiro Moura e Castro, assim tratou dos Restos a Pagar: (...) Ora, findo o exercício, as despesas nele empenhadas e não pagas, processadas ou não processadas, desde que as obrigações tenham sido adimplementadas no exercício da emissão de empenho, são insertas “em restos a pagar” (art. 36, Lei 4.320/64).

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Como é do conhecimento geral, “os restos a pagar” dividem-se em processados e não processados. Aqueles guarnecem as despesas empenhadas e liquidadas, restando apenas a etapa final, a do efetivo pagamento, eis que a despesa foi legalmente autorizada (art. 58, Lei n. 4.320/64) e o material ou serviço incorporado ao patrimônio público. A par disso, não há como cancelar empenho dessa estirpe, sob pena de enriquecimento sem causa, já que a obrigação de pagar nasceu para a Administração. A despesa pertence ao exercício em que foi criada e empenhada, mas o seu pagamento poderá ocorrer no exercício seguinte, como despesa extraorçamentária. Todavia, as não processadas são despesas apenas empenhadas, ausentes, ainda, a liquidação (efetiva entrega do bem ou serviço por parte do contratado) e o pagamento, caso em que é possível o cancelamento, pois o que existe de jurídico nessa situação é apenas o pedido de um bem ou serviço, não havendo, portanto, nascimento da obrigação de pagar. Como se vê, despesas assim, passíveis de cancelamento, não foram efetivamente realizadas. Logo, merecem acompanhamento de per si, objetivando impedir descumprimento de lei, caso contrário, daria margem para que a unidade gestora pudesse empenhar todo o orçamento não executado para, ao final do exercício, inscrevê-lo em “restos a pagar”, sem dispor dos recursos financeiros correspondentes, acarretando a utilização de recursos correntes no pagamento de “restos a pagar” de exercício anterior, infringindo o art. 2° da Lei n. 4.320/64 (princípio da anualidade).

No que diz respeito às Despesas de Exercícios Anteriores, a Consulta n. 3.189, de 13/08/1991, esclareceu que: (...) as despesas de exercícios anteriores correspondem a despesas realizadas e não processadas por motivos imprevistos, devidamente comprovados, para os quais existia dotação orçamentária específica, com saldo suficiente para seu atendimento, ou cujo compromisso reconheceu-se posteriormente. Não se enquadrando a despesa neste conceito, a sua regularização somente poderá ser feita através de crédito especial.

3.2 Anulação da despesa não liquidada em 31 de dezembro O Decreto Federal n. 93.872, de 23/12/1986, que trata da unificação dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, dispõe, em seu art. 35, que: Art. 35. O empenho de despesa não liquidada será considerado anulado em 31 de dezembro, para todos os fins, salvo quando: I — vigente o prazo para cumprimento da obrigação assumida pelo credor, nele estabelecida; II — vencido o prazo de que trata o item anterior, mas esteja em curso a liquidação da despesa, ou seja de interesse da Administração exigir o cumprimento

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da obrigação assumida pelo credor; III — se destinar a atender transferências a instituições públicas ou privadas; IV — corresponder a compromissos assumidos no exterior.

Assim, os Restos a Pagar não processados, definidos conforme o art. 36 da Lei Federal n. 4.320/64, devem ser anulados em 31 de dezembro, exceto nos casos descritos pelo supracitado art. 35 do Decreto Federal n. 93.872/86.

3.3 Vedação ao restabelecimento de valor em Restos a Pagar e contabilização das Despesas de Exercícios Anteriores De acordo com Sérgio Jund1 (2008, p. 212), é vedado o restabelecimento dos empenhos anulados em Restos a Pagar. O reconhecimento do direito do credor, em exercício diverso daquele ao qual a despesa pertence, deverá ser realizado por meio de nova Nota de Empenho e será contabilizado em Despesas de Exercícios Anteriores — conta esta que comporá a prestação de contas de ano posterior. Se a despesa estava regularmente inscrita em Restos a Pagar, o autor afirma que podem ocorrer duas situações: a) se o valor inscrito é inferior ao valor real a ser pago, a diferença deverá ser empenhada à conta de Despesas de Exercícios Anteriores; e b) se o valor inscrito é superior ao valor real a ser pago, o saldo remanescente deverá ser anulado. Após essa anulação, caso o saldo remanescente seja reclamado posteriormente, deverá ser contabilizado em Despesas de Exercícios Anteriores, conforme dispõe o art. 692 do Decreto Federal n. 93.872/86.

Comentando a Jurisprudência

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3.4 O regime contábil das despesas inscritas em Restos a Pagar e em Despesas de Exercícios Anteriores Na contabilidade pública, as despesas devem obedecer ao regime de competência. Conforme Sérgio Jund (2008, p. 211), o regime de competência exige que as despesas sejam contabilizadas conforme o exercício a que pertençam. De acordo com o art. 35 da Lei n. 4.320/64, pertencem ao exercício financeiro as despesas nele legalmente empenhadas. Dessa forma, é necessário considerar os Restos a Pagar como despesas do exercício em que foram realizados os respectivos empenhos. As Despesas de Exercícios Anteriores, conforme o próprio nome diz, referem-se a exercícios anteriores. Nesse caso, o empenho deveria ter sido realizado no exercício correspondente, mas é feito em exercício diverso em decorrência de circunstâncias especiais. Apesar de o reconhecimento e o respectivo empenho terem sido feitos intempestivamente, ou seja, desobedecendo 1

JUNDI, Sérgio. Administração, orçamento e contabilidade pública. 3. ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

BRASIL. Decreto 93.872, art. 69: Após o cancelamento da inscrição da despesa como Restos a Pagar, o pagamento que vier a ser reclamado poderá ser atendido à conta de dotação destinada a despesas de exercícios anteriores.

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o comando do art. 35 da Lei Federal n. 4.320/64, isso não impede que a despesa pertença ao exercício ao qual se refere, em obediência ao regime contábil de competência para as despesas públicas. No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, a Consulta n. 455.647, aprovada unanimemente em Sessão Plenária do dia 08/10/1997, expressou entendimento no sentido de que, devido ao regime da competência, as despesas públicas do exercício são aquelas nele legalmente empenhadas. Na mesma consulta, foi consolidado o entendimento de que os Restos a Pagar são considerados como despesa do ano em que foram empenhados.

3.5 Aplicação do art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal aos Restos a Pagar e considerações sobre as Despesas de Exercícios Anteriores O art. 42 da Lei Complementar n. 101 de 2000 — Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) — assim dispõe: Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.

Esse dispositivo tem como objetivo evitar que os compromissos assumidos em uma gestão ultrapassem a sua capacidade de pagamento e reduzam a receita disponível para o mandato seguinte. Nesse sentido, é possível concluir que o comando legal supracitado determina a irregularidade dos registros de valores em Restos a Pagar quando não existirem valores correspondentes em disponibilidades de caixa. Da mesma forma, apesar de não haver disposição legal expressa nesse sentido sobre as Despesas de Exercícios Anteriores, em decorrência da boa fé e da necessidade de transparência das contas públicas, deveriam ser realizadas estimativas, pelo gestor, de forma prudente e na medida do possível, das despesas que poderiam ser reconhecidas em anos posteriores, e da reserva de disponibilidades de caixa suficientes para a cobertura dessas despesas. Essa medida evitaria o comprometimento das receitas de exercícios seguintes, principalmente no período de transição entre mandatos. Em consequência, do ponto de vista da fiscalização, a análise adequada pelo Tribunal de Contas sobre as despesas registradas nas contas de Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores, em especial no período de transição entre mandatos, dependeria de informações adicionais, prestadas pelos jurisdicionados, que permitissem identificar adequadamente as responsabilidades específicas de cada gestor. 224


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Em sessão do dia 16/04/1997 (Consulta n. 442.374, relator Conselheiro José Ferraz), antes mesmo da promulgação e publicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o plenário do Tribunal de Contas mineiro já apontava a necessidade de obediência ao art. 59 da Lei Federal n. 4.320/64, que contém as seguintes disposições, similares às que hoje estão contidas na LRF: Artigo 59. O empenho da despesa não poderá exceder o limite dos créditos concedidos. § 1° Ressalvado o disposto no artigo 67 da Constituição Federal, é vedado aos municípios empenhar, no último mês do mandato do Prefeito, mais que o duodécimo da despesa prevista no orçamento vigente. § 2° Fica, também, vedado aos municípios, no mesmo período, assumir, por qualquer forma, compromissos financeiros para execução depois do término do mandato do Prefeito. § 3° As disposições dos parágrafos anteriores não se aplicam aos casos comprovados de calamidade pública — que não é o caso. § 4° Reputam-se nulos e de nenhum efeito os empenhos e atos praticados em desacordo com o disposto nos parágrafos 1° e 2° deste artigo, sem prejuízo da responsabilidade do Prefeito — no caso anterior — nos termos do artigo 1°, inciso V, do Decreto-Lei n. 201, de 27 de fevereiro de 1967.

Comentando a Jurisprudência

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Após a promulgação e publicação da LRF, o TCEMG, por meio de diversas consultas, buscou esclarecer o comando contido no art. 42 da referida lei. Uma delas é a Consulta n. 660.552 (Sessão Plenária do dia 08/05/2002), na qual foram feitas as seguintes importantes observações sobre o art. 42 da LRF: Infere-se, da simples leitura do texto legal, que as normas trazidas a lume nos transcritos dispositivos legais têm cunho moralizador, pois visam a evitar que despesas feitas sem planejamento sobrecarreguem a execução financeira e orçamentária do exercício financeiro seguinte. (...) Conforme se vê, trata-se de norma de restrição na medida em que não permite “contrair obrigação de despesa” nos dois últimos quadrimestres, ou oito últimos meses, do mandato de titular de Poder ou Órgão referido no art. 20 do mesmo diploma. Mas a vedação somente se impõe se não existirem recursos financeiros suficientes para liquidar as obrigações contraídas entre maio e dezembro do último ano do mandato, seja em relação às parcelas vencidas e não pagas até o encerramento do respectivo mandato, seja em relação às parcelas vincendas a partir de janeiro do exercício financeiro seguinte ao término do mandato.

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A interpretação desse dispositivo legal (...) também não pode ser meramente literal. É indispensável que seja sistemática, isto é, deve abranger o texto legal como um todo aberto, em total harmonia com os princípios e normas de direito financeiro e orçamentário, a fim de se entender com clareza o alcance almejado pelo legislador. (...) Diante das razões retroexpendidas, é forçosa a conclusão de que as disposições do art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal não alcançam aquelas despesas empenhadas nos últimos dois quadrimestres, ou últimos oito meses, de mandato de titular de Poder ou Órgão, e que foram geradas em decorrência de obrigações assumidas anteriormente a esse período. Até mesmo porque seria absurdo vedar a continuidade de programa ou ação governamental em execução, sob pena de inviabilizar o atendimento de serviços públicos essenciais à comunidade, engessando a Administração por oito meses, e, o que é mais grave, vulnerar o já mencionado princípio da continuidade do serviço público. A segunda expressão ou comando a ser perscrutado é que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito”. (...) Por outro lado, se for contratada obra a ser executada em mais de um exercício financeiro, o titular de Poder ou Órgão não está obrigado, consoante as disposições do aludido art. 42, a prover recursos financeiros para pagar as parcelas da obra que serão executadas com dotações dos orçamentos dos exercícios financeiros seguintes. (...) Assim sendo, é patente a conclusão de que os contratos para a execução de obras ou de serviços serão empenhados e liquidados no exercício financeiro, não pelo valor total, mas pelo valor das parcelas executadas no exercício financeiro, conforme o estabelecido no necessário e respectivo cronograma físicofinanceiro de execução. Nesse caso específico, há de ressaltar que o início de realização de obra ou serviço de duração plurianual, que não tenha o caráter da essencialidade ou da emergência, nos oito últimos meses do mandato, deverá ter motivação ainda mais sólida e clara, a fim de não ser vulnerado o espírito maior da Lei de Responsabilidade Fiscal, o princípio da responsabilidade no gasto do dinheiro público, em período eleitoral.

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(...) Assim, se a disponibilidade de caixa líquida apurada no fluxo financeiro for suficiente para pagar a despesa nova, o titular de Poder ou Órgão poderá assumi-la. Caso contrário, a obrigação de despesa nova não poderá ser assumida, sob pena de o ordenador ser incurso em crime contra as finanças públicas, conforme previsão na Lei n. 10.028, de 19 de outubro de 2000 (Lei de Crimes Fiscais). Em resumo, e por tudo o que foi exposto, concluiu-se que as disposições do art. 42 não se aplicam à despesa cuja obrigação foi assumida anteriormente aos últimos oito meses do mandato de titular de Poder ou órgão, por força de lei, contrato, convênio, ajuste ou qualquer outra forma de contratação, mas que venham a ser empenhadas nesse período, pois contrair despesa não é sinônimo de empenhar despesa. E, ainda, que o art. 42 estatui que a assunção de obrigação de despesa, nos últimos dois quadrimestres de mandato, não deve ter respaldo, apenas, na Lei Orçamentária, mas também contrapartida de recursos financeiros suficientes para pagá-la até o final do exercício financeiro, ou no ano seguinte, se inscrita em Restos a Pagar.

Comentando a Jurisprudência

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A Consulta n. 654.853 (sessão do dia 08/05/2002, relator Conselheiro Sylo Costa) também tratou do assunto: Depreende-se que o art. 42 disciplina a realização de despesas no período compreendido entre 1° de maio e 31 de dezembro do último ano de mandato do titular de Poder ou órgão, que não poderá, sob pena de responsabilização, contrair despesas que não possam ser pagas integralmente dentro do ano ou deixem obrigações a serem pagas no exercício seguinte, a não ser que disponha de recursos financeiros suficientes para esse fim. Observe-se que o artigo não veda propriamente a realização de despesas, mas restringe os gastos à mesma medida da realização das receitas. O parágrafo único chama atenção para a necessidade de serem considerados os compromissos assumidos até 31/12, na determinação das disponibilidades de caixa, devendo ser programadas as receitas e despesas de tal forma a evitar déficits financeiros, garantindo-se, assim, a continuidade normal das atividades na gestão seguinte.

A Consulta n. 653.862 (sessão do dia 06/02/2002, relator Conselheiro Moura e Castro), a seu turno, contém alerta sobre a obediência do art. 42 da LRF, cujo desrespeito pode ensejar a aplicação de sanções previstas no Código Penal, incluídas pela Lei Federal n. 10.028/2000, em especial as seguintes:

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Inscrição de despesas não empenhadas em Restos a Pagar Art. 359-B. Ordenar ou autorizar a inscrição em Restos a Pagar, de despesa que não tenha sido previamente empenhada ou que exceda limite estabelecido em lei: (Incluído pela Lei n. 10.028, de 2000) Pena — detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.(Incluído pela Lei n. 10.028, de 2000) Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa (...) (Incluído pela Lei n. 10.028, de 2000).

4 Fiscalização, pelos Tribunais de Contas, dos percentuais mínimos de aplicação de recursos no ensino e na saúde A fiscalização dos percentuais constitucionais mínimos de aplicação de recursos no ensino e na saúde implica a utilização de dois instrumentos básicos: a) a análise formal das contas, que consiste na verificação da regularidade das informações prestadas pelos jurisdicionados, constantes da prestação de contas anual ou de outros registros e documentos; b) a inspeção in loco, que consiste no deslocamento de uma equipe técnica do respectivo Tribunal de Contas para o ente a ser fiscalizado. Enquanto a análise formal apenas atesta a regularidade dos dados contidos em documentos preenchidos pelos próprios jurisdicionados, a inspeção in loco tem como objetivo a coleta de elementos adicionais sobre registros em meio eletrônico, sobre outras documentações e registros em meio físico e a obtenção de demais elementos probatórios. A análise formal subsidia a emissão de pareceres, pelos Tribunais de Contas, sobre as contas anuais dos titulares dos Poderes públicos. As inspeções in loco realizadas pelos técnicos dos Tribunais de Contas são instrumentos valiosos, pois ultrapassam a formalidade dos dados e documentos apresentados pelos jurisdicionados, objetivando atestar a existência física de bens, serviços e obras e o montante real dos gastos realizados. No exercício de sua função de fiscalização, os Tribunais de Contas analisam as prestações de contas elaboradas pelos jurisdicionados. Entretanto, é necessário lembrar que a regularidade formal de todas as informações enviadas pelos jurisdicionados ao Tribunal de Contas não é suficiente para elidir esses jurisdicionados de responsabilidade por outras irregularidades formais ou materiais detectadas durante inspeções in loco.

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5 Prevalência da essência das transações sobre a forma, Restos a Pagar, Despesas de Exercícios Anteriores e os percentuais mínimos de aplicação de recursos no ensino e na saúde O parágrafo 2° do art. 1° da Resolução do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) n. 750/93 expressa uma regra máxima da Contabilidade: Na aplicação dos princípios fundamentais de Contabilidade há situações concretas, a essência das transações deve prevalecer sobre seus aspectos formais. A Resolução CFC n. 1.111/07, por sua vez, aprova o Apêndice II da Resolução CFC n. 750/93, o qual constitui uma interpretação dos princípios de Contabilidade, expressos na Resolução n. 750/93, sob a perspectiva do setor público. Na interpretação do princípio da oportunidade, sob a perspectiva do setor público, a mesma regra máxima está presente: a integridade e a fidedignidade dizem respeito à necessidade de as variações serem reconhecidas na sua totalidade, independentemente do cumprimento das formalidades legais para sua ocorrência, visando ao completo atendimento da essência sobre a forma.

Ao considerar a aplicação dessa regra em relação aos gastos mínimos no ensino e na saúde, é possível concluir que o cumprimento efetivo dos percentuais deve ser priorizado em detrimento das formalidades inerentes a esse cumprimento. Nesse sentido, o exame formal das contas deverá preocupar-se com a real aplicação dos gastos no ensino e na saúde, para o que se faz necessário, conforme já mencionado neste trabalho, o envio de informações adicionais sobre despesas classificadas nas contas Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores. Essa complementação visaria aumentar a transparência das contas públicas, facilitando o controle dos percentuais constitucionais mínimos de gastos no ensino e na saúde.

Comentando a Jurisprudência

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Assim, a fiscalização pelos Tribunais de Contas deveria dar ênfase às despesas efetivamente realizadas, entendidas como aquelas que completaram o ciclo básico empenho — liquidação — pagamento. As contas Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores deveriam registrar apenas despesas em situações especiais, que não pudessem completar o referido ciclo por motivos devidamente justificados. O registro de montantes expressivos nessas contas revela uma distorção no planejamento e execução de despesas, o que ocasiona uma necessidade de exame mais minucioso pelos Tribunais de Contas. Dessa forma, os Tribunais de Contas deveriam priorizar a análise dos percentuais mínimos de aplicação no ensino e na saúde com base, primeiramente, apenas nas despesas efetivamente realizadas. A análise das despesas registradas nas contas Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores deveria ser secundária, realizada apenas nos casos em que as despesas efetivamente realizadas não tivessem alcançado os percentuais mínimos.

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No que diz respeito especificamente às Despesas de Exercícios Anteriores, tais despesas não entram na prestação de contas do exercício ao qual se referem, mas na prestação de contas de exercício posterior. Com isso, as Despesas de Exercícios Anteriores não compõem o percentual mínimo de gastos do exercício em que deveriam ocorrer. Da mesma forma, as Despesas de Exercícios Anteriores não podem ser computadas no percentual mínimo de gastos do exercício em que foram efetivamente reconhecidas e pagas, em obediência ao regime contábil da competência, aplicável às despesas públicas. Assim, as Despesas de Exercícios Anteriores que caracterizem aplicação de recursos no ensino e na saúde não são consideradas no percentual de gastos de nenhum ano. Entretanto, como sustentado anteriormente, se a essência dos gastos prevalece sobre a forma que assumem, é importante obter informações adicionais sobre o pagamento de todas as despesas de competência do ano em análise, inclusive sobre Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores. Portanto, as despesas efetivamente pagas, naturalmente, deveriam ser computadas nos percentuais de gastos no ensino e na saúde, enquanto as despesas não pagas não deveriam entrar no cálculo desses percentuais. O TCEMG, em suas já mencionadas Instruções Normativas n. 13/2008 e 19/2008, não regulamenta o tratamento a ser dado às Despesas de Exercícios Anteriores. Entretanto, as referidas instruções vedam a inclusão de Restos a Pagar não processados nos percentuais de aplicação no ensino e na saúde, permitindo a inclusão de Restos a Pagar processados, desde que os valores estejam apresentados de forma individualizada. No que diz respeito ao ensino, a Instrução Normativa n. 13/20083 contém disposição sobre a inclusão dos Restos a Pagar não processados no percentual do ano em que forem processados. Ainda que notória a finalidade, desses dispositivos das referidas instruções normativas, de preservar a efetividade das despesas computadas nos percentuais anuais mínimos, a metodologia de cálculo dos percentuais e de análise formal das contas poderia ser reestruturada, tendo em vista o regime de competência das despesas e o princípio da prevalência da essência sobre a forma. Nesse sentido, é relevante empreender uma análise comparativa da supracitada permissão da Instrução Normativa n. 13/2008 de inclusão dos Restos a Pagar não processados no percentual do ano em que forem processados, e não do ano em que foram regularmente empenhados, com o teor de um entendimento do Pleno, expresso anteriormente na apreciação do mérito da Consulta n. 704.555, sessão do dia 26/04/2006, de relatoria do Conselheiro Elmo Braz. Esse entendimento, que reforça o conteúdo dos pareceres emitidos na Consulta n. 455.647, de relatoria do Conselheiro Simão Pedro Toledo, do dia 08/10/1997, e na Consulta n. 450.981, sessão do dia 15/10/1997, de relatoria do mesmo conselheiro, é no sentido de que os Restos a Pagar devem ser considerados despesas pertencentes ao exercício no qual foram realizados os respectivos empenhos, e as Despesas de Exercícios Anteriores como despesas do ano ao qual se referem, independentemente da época em que tenha sido realizado o empenho. 3 A questão sobre disponibilidade de caixa, disciplinada em instruções normativas anteriores, foi retirada devido ao fato de que, na prática, parte dos recursos que deveriam honrar as despesas do exercício só seriam liberados no ano seguinte, comprometendo a integridade da análise formal das contas anuais.

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Em consonância com o entendimento esposado nas citadas consultas, uma possível reestruturação da fiscalização quanto à metodologia de cálculo dos percentuais mínimos de gastos no ensino e na saúde poderia ocorrer da seguinte forma: considerar-se, primeiramente, a despesa total empenhada e paga no ano de análise; caso o percentual mínimo não seja atingido, e verificar se, em ano posterior, o efetivo pagamento de despesas registradas em Restos a Pagar e em Despesas de Exercícios Anteriores referentes ao ano em análise.

6 Considerações finais sobre a inclusão de Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores na apuração dos percentuais mínimos de aplicação no ensino e na saúde Conforme já sustentado, ao fiscalizar a aplicação mínima de recursos no ensino e na saúde, os técnicos dos Tribunais de Contas deveriam considerar todas as despesas referentes ao exercício específico em análise que completaram o ciclo básico empenho — liquidação — pagamento, ainda que tais despesas tivessem completado o ciclo em ano diverso ao de sua competência. Na mesma linha de raciocínio, se alguma despesa inscrita em Restos a Pagar ou em Despesas de Exercícios Anteriores, por algum motivo, não fosse paga posteriormente, tal despesa deveria ser excluída do cômputo do percentual mínimo.

Comentando a Jurisprudência

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Se a apreciação formal das prestações de contas, bem como das informações adicionais prestadas pelos jurisdicionados, for efetuada com ênfase apenas nas despesas de competência do exercício analisado que tenham completado o ciclo empenho — liquidação — pagamento, o risco de se apurar percentuais anuais fictícios de aplicação de recursos públicos no ensino e na saúde diminuiria consideravelmente. Contudo, em que pese ser um grande passo em direção ao aspecto material do cumprimento dos percentuais mínimos de gastos no ensino e na saúde, a apreciação das informações, enviadas pelos jurisdicionados, com base apenas nas despesas que completaram o ciclo empenho — liquidação — pagamento não é suficiente para garantir a plena efetividade desse cumprimento. Nesse sentido, além da análise dessas informações, o Tribunal de Contas deverá realizar inspeções in loco, conforme já mencionado, objetivando a obtenção de elementos suficientes de modo a atestar a realidade dos gastos mínimos no ensino e na saúde. Dessa forma, a definição, pelos Tribunais de Contas, da metodologia de apuração formal dos percentuais mínimos de aplicação no ensino e na saúde deve ser clara e objetiva, evitando o surgimento de dúvidas no âmbito dos entes fiscalizados. Nesse sentido, as considerações aqui explicitadas representam apenas um primeiro esforço teórico no sentido de diagnosticar uma possível necessidade de aperfeiçoamento da análise das informações apresentadas pelos jurisdicionados aos Tribunais de Contas e de sua própria sistemática de apuração desses percentuais. 231


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6.1 Sugestão de aperfeiçoamento da metodologia de análise formal dos percentuais constitucionais mínimos de aplicação de recursos públicos no ensino e na saúde Com o intuito de contribuir para a efetivação da análise formal dos percentuais constitucionais mínimos de aplicação de recursos públicos no ensino e na saúde, em consonância com o princípio da prevalência da essência das transações sobre a forma, algumas sugestões podem ser apresentadas. Em relação à análise formal das contas, as etapas de fornecimento de informações pelos jurisdicionados e de análise pelos Tribunais de Contas poderiam ser as seguintes: 1. O Estado e os municípios enviariam suas prestações de contas por meio eletrônico ao Tribunal de Contas; 2. Os técnicos do Tribunal de Contas verificariam se as receitas e as despesas indicadas no cálculo informado pelos jurisdicionados estão listadas conforme o disposto nas Instruções Normativas TCEMG n. 13/2008 e 19/2008; 3. Caso fosse detectada alguma divergência, os técnicos realizariam ajustes nas bases de cálculo das receitas e das despesas para apurar o percentual real de gastos; 4. Inicialmente, os técnicos deveriam considerar apenas as despesas não inscritas em Restos a Pagar, ou seja, as despesas que tenham completado todo o ciclo empenho — liquidação — pagamento. Caso os percentuais mínimos fossem atingidos, não haveria necessidade de análise adicional quanto a esses percentuais — situação ideal; 5. Se os percentuais mínimos não fossem atingidos, a equipe técnica deveria analisar as despesas regularmente contabilizadas em Restos a Pagar processados, que pertençam ao exercício em análise, de forma a obter evidências de que tais despesas foram efetivamente pagas posteriormente; 6. Em seguida, os técnicos deveriam realizar a mesma análise em relação às despesas registradas em Restos a Pagar não processados; 7. Se, após tais procedimentos, o percentual mínimo ainda não tivesse sido atingido, os técnicos deveriam fazer a mesma análise quanto às Despesas de Exercícios Anteriores de prestações de contas posteriores que se referem ao ano em exame e que tivessem completado o ciclo empenho — liquidação — pagamento, posteriormente. É importante ressaltar que essas verificações adicionais (itens 5, 6 e 7) sobre os Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores ensejariam o envio de informações complementares pelos jurisdicionados, bem como das respectivas justificativas, na forma e prazos próprios a serem fixados pelo Tribunal de Contas em instrução normativa. A fixação desse prazo é de extrema importância, tendo em vista que o próprio Tribunal de Contas possui prazos a cumprir, especificamente no que se refere à emissão de pareceres sobre as contas dos titulares dos Poderes públicos. 232


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Esse procedimento preservaria a integridade anual da apuração dos gastos mínimos, tendo em vista que seria devidamente observado o regime da competência para as despesas consideradas nos cálculos. Contudo, a análise formal dos percentuais mínimos nos moldes propostos aumentaria o volume de informações enviadas pelos jurisdicionados e, consequentemente, analisadas pelos técnicos do Tribunal de Contas. Se acatadas as sugestões, as novas instruções normativas sobre a matéria deveriam explicitar a forma de envio adicional de informações pelos jurisdicionados.

6.2 Comentários sobre a aplicação do art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal aos Restos a Pagar referentes a despesas com ensino e saúde Tendo em vista as restrições impostas pelo art. 42 da LRF, alguns aspectos que se referem à apuração dos percentuais mínimos de aplicação de recursos no ensino e na saúde merecem atenção. A regra do citado art. 42 da LRF deve ser estritamente observada, principalmente em relação às despesas que compõem os percentuais mínimos de gastos no ensino e na saúde. Assim, as despesas inscritas em Restos e Pagar do último ano de mandato do gestor só poderiam ser consideradas no cômputo do percentual mínimo de gastos se regulares, ou seja, se o valor dessas despesas correspondesse a valor igual ou superior ao registrado em disponibilidades de caixa.

Comentando a Jurisprudência

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A regra do art. 42 da LRF poderia ser flexibilizada, caso houvesse atraso de repasse de recursos pela União ou pelo Estado — ou seja, por motivo que foge à competência do ente em análise (Estado ou municípios). Isso porque, nessa hipótese, o ente, cuja prestação de contas esteja sendo analisada, não pode ser responsabilizado. Essa situação deveria ser justificada pelo gestor dentro do prazo para envio da prestação de contas, ou em outro prazo fixado pela Corte de Contas. A análise dessa justificativa pelo técnico do Tribunal de Contas deveria ser realizada a partir da ponderação das peculiaridades do caso concreto. Ressalte-se que o titular de Poder ou órgão que houvesse regularmente inscrito despesas em Restos a Pagar no último ano de mandato teria dificuldades em obter informações, junto ao novo gestor, de que tais despesas foram efetivamente pagas no ano seguinte. Neste sentido, deveria constituir irregularidade atribuível ao novo gestor o não pagamento dessas despesas com os recursos disponíveis à época e devendo ser transferida para esse novo gestor a responsabilidade pelo envio dessas informações adicionais, na prestação de contas de seu primeiro ano de mandato. Sobre esse assunto, o Tribunal de Contas de Minas Gerais, em Sessão Plenária do dia 16/04/1997 — antes mesmo da promulgação e publicação da LRF —, apreciou o mérito da Consulta n. 442.374, de relatoria do Conselheiro José Ferraz, que expressa entendimento de que o prefeito municipal não poderia deixar de pagar as despesas empenhadas em ano anterior. Tais despesas, 233


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segundo o entendimento do Tribunal de Contas, são consideradas como aplicação no ensino do ano em que foram empenhadas, em obediência ao regime de competência aplicável às despesas. Esse entendimento só reforça o que foi dito sobre o período de transição de mandatos, o qual merece atenção redobrada dos técnicos do Tribunal de Contas. O mesmo entendimento sobre a obrigatoriedade de pagamento das despesas regularmente registradas em Restos a Pagar pelo gestor do exercício seguinte foi reiterado na Consulta n. 635.993 de relatoria do Conselheiro Simão Pedro de Toledo, apreciada pelo Pleno do TCEMG em 07/03/2001: (...) Os valores inscritos em Restos a Pagar deverão ser sempre pagos, integralmente, no exercício seguinte, considerando a disponibilidade de caixa, pois, a contrário senso, não poderiam existir, tampouco serem lançados nessa natureza. Considerando, então, a disponibilidade de caixa para o pagamento dos Restos a Pagar, não há fundamento legal da ocorrência de sua preterição a favor da realização de investimentos previstos na lei orçamentária.

Para que as Despesas de Exercícios Anteriores pudessem integrar o cálculo dos referidos percentuais, deveria ser considerado o montante de recursos disponíveis (ou que deveriam ter sido disponibilizados) no ano ao qual pertenciam. Entretanto, nas prestações de contas referentes ao último ano de mandato do gestor responsável, duas são as situações possíveis: 1. Caso as disponibilidades de caixa do último ano de mandato do antigo gestor fossem suficientes para cobrir as Despesas de Exercícios Anteriores, referentes a esse último ano, tais despesas poderiam integrar o percentual de gastos realizados pelo antigo gestor; se tais despesas não fossem devidamente quitadas no ano seguinte, o novo gestor deveria ser responsabilizado; 2. Caso as Despesas de Exercícios Anteriores, referentes ao mandato do antigo gestor, tivessem que ser quitadas com receitas pertencentes a exercício do mandato do novo gestor, a situação deveria ser cuidadosamente analisada pelo Tribunal de Contas, a partir da ponderação das peculiaridades do caso concreto. Nesse caso, a disponibilidade de recursos e o cálculo do percentual mínimo anual de cada um dos gestores não deveriam ser prejudicados por atos irregulares do outro gestor.

6.3 Comentários adicionais sobre o atraso no repasse, entre diferentes esferas governamentais, de recursos vinculados aos gastos com ensino e saúde Alguns comentários adicionais sobre o atraso no repasse de recursos vinculados aos gastos com ensino e saúde de um ente a outro são necessários. Caso a União ou o Estado atrasasse o repasse de recursos que deveriam compor a receita, tomada como base de cálculo o ano em análise, independentemente do momento em que ingressarem no Município, esses recursos deveriam ser considerados como integrantes dessa base de cálculo, como pertencentes ao ano em que o repasse deveria ter sido realizado.

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Esse raciocínio ensejaria uma flexibilização da regra do regime de caixa aplicável à receita pública, com o objetivo de evitar uma inadequação dos cálculos, prevenindo, assim, uma possível confusão entre a responsabilidade de gestores de diferentes mandatos. Ao mesmo tempo, essa flexibilização protegeria, por exemplo, um gestor municipal da responsabilização por um erro cometido pela União ou pelo Estado. Tendo em vista a necessidade de correta aferição das bases de cálculo para a apuração dos gastos anuais, considerar as receitas atrasadas como receitas do ano em que deveriam ter ingressado garantiria a integridade anual do cálculo dos percentuais mínimos do ano em análise e do ano em que tais receitas ingressaram, de fato. Entretanto, isso só seria possível a partir do envio de informações adicionais pelos jurisdicionados aos Tribunais de Contas. Adotando esse posicionamento, os técnicos dos Tribunais de Contas, ao analisar o período de transição entre mandatos, deveriam ter especial atenção quanto: 1. Às receitas que compõem a base de cálculo para aplicação dos percentuais anuais de gastos mínimos, considerado os possíveis atrasos no repasse de receitas que possam ter afetado a base de cálculo;

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2. Às disponibilidades reais, observando, também, os possíveis atrasos no repasse de receitas que possam afetar o montante das disponibilidades, para fins da aplicação da regra do art. 42 da LRF; 3. Ao compromisso do novo gestor de quitar as despesas já regularmente inscritas em Restos a Pagar ou Despesas de Exercícios Anteriores com recursos que já estavam (ou deveriam estar) nas disponibilidades do ano em que foram ou deveriam ter sido realizados os respectivos empenhos; 4. À responsabilidade do novo gestor de enviar informações adicionais sobre Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores pagas no ano em curso. Conforme explicado anteriormente, tais receitas estão vinculadas aos propósitos do ensino e da saúde, por força de dispositivo constitucional, portanto, não poderia, o Estado ou o Município, sofrer com o atraso do repasse, nem mesmo supri-lo, ainda que temporariamente, porque isso poderia comprometer outras despesas dos entes federativos. Ademais, o atraso do repasse poderia gerar outros encargos, como o pagamento de correção monetária, o que deveria ser suportado pelo ente responsável pelo atraso e não pelo Estado ou pelo Município. O Tribunal de Contas deverá estar atento às justificativas dadas — tanto pelo ente responsável pelo atraso quanto pelo ente responsável pela aplicação dos recursos.

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7 Conclusão Tendo em vista a importância dada pela Carta Magna aos gastos mínimos anuais com o ensino e a saúde, é necessário aperfeiçoar continuamente a análise das contas dos entes responsáveis, de forma que os resultados dessa análise espelhem o cumprimento real desses gastos. Nesse sentido, as considerações aqui expendidas objetivam contribuir para esse aperfeiçoamento, tendo em vista tratarem de implicações dos Restos a Pagar e das Despesas de Exercícios Anteriores na apuração formal desses percentuais mínimos. Assim, as sugestões apresentadas, com vistas ao aperfeiçoamento da análise formal de contas, propõem também uniformizar o tratamento dado aos jurisdicionados por parte dos Tribunais de Contas, de forma que a responsabilização seja específica em relação a cada gestor e que os percentuais anuais mínimos de aplicação estejam resguardados. Nota: As considerações aqui realizadas são compatíveis com os dispositivos do Projeto de Lei n. 229 de 2009, de autoria do Senador Tasso Jereissati, em tramitação no Congresso Nacional, que versa sobre normas gerais sobre plano, orçamento, controle e contabilidade pública, voltadas para a responsabilidade no processo orçamentário e na gestão financeira e patrimonial, altera dispositivos da Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000, a fim de fortalecer a gestão fiscal responsável e dá outras providências.

O referido projeto contém, ainda, disposição expressa sobre a revogação da Lei Federal n. 4.320/64.

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Irregularidades na contratação de shows de bandas de música*1 Tratam os autos de denúncia formulada a esta Corte de Contas pela empresa Faça Produções Ltda., à vista do procedimento licitatório, realizado pela Prefeitura Municipal de Dores de Guanhães, n. 004/2008, na modalidade Tomada de Preços, para contratação de empresa de prestação de serviços de rodeio completo, shows, mídia, praça de alimentação, em evento promovido pela Prefeitura, conforme descrição que integra o Edital, no Anexo I. A denunciante alegou ter encontrado alguns pontos obscuros no edital e tendo apresentado questionamentos à Comissão Permanente de Licitação, nunca obteve respostas oficiais. Informou que algumas das bandas a serem contratadas para realização de shows no evento, indicadas no Anexo I do Edital que descreve o objeto, já estavam contratadas antes mesmo do processo licitatório acontecer. Alegou que insistiu em participar do processo e manifestou a intenção de impetrar mandado de segurança para fazer valer o seu direito de concorrer e que, no dia da entrega dos envelopes, recebeu da Prefeitura um ‘despacho de anulação do processo licitatório’. O Exmo. Sr. Conselheiro Presidente, conforme despacho a fls. 35, determinou a autuação dos referidos documentos como denúncia e a distribuição a um Conselheiro Relator. Foi procedida a distribuição dos autos ao Exmo. Sr. Conselheiro Eduardo Carone Costa, que determinou, a fls. 37, que os autos fossem encaminhados a esta Coordenadoria para manifestação. Em cumprimento à determinação, verificou este órgão técnico, a fls. 34, que o procedimento licitatório, objeto da presente denúncia, foi anulado sob o fundamento de que se verificou erro na elaboração do objeto da licitação e que tal erro ocasionou a nulidade do processo licitatório, uma vez que não houve possibilidade de competição para contratação do prestador de serviços, tendo em vista a exigência do atestado de exclusividade das bandas para negociação dos shows. Entendeu este órgão técnico não ser razoável que este Tribunal analise procedimento licitatório já anulado, pelo que sugeriu o arquivamento do presente processo. Entendeu ainda que o Município poderia ser oficiado no sentido de que, caso deflagrasse novo certame cujo objeto fosse idêntico ou semelhante ao da Tomada de Preços n. 004/2008, ou caso procedesse à inexigibilidade ou dispensa de licitação, enviasse a este Tribunal cópia do edital referente à licitação ou cópia do processo de dispensa ou de inexigibilidade. Denúncia n. 749.058 oferecida em face do Procedimento Licitatório n. 004/2008 deflagrado pela Prefeitura Municipal de Dores de Guanhães, de relatoria do Conselheiro Eduardo Carone Costa, que acolheu o entendimento esposado pelo órgão técnico.

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A fls. 41, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator encaminhou os autos ao douto Ministério Público junto ao Tribunal de Contas para manifestação. Todavia, antes da manifestação do ilustre Ministério Público, a denunciante apresentou novos documentos que foram juntados aos autos a fls. 43-44. Os documentos juntados se referem à cópia de cartaz de divulgação do evento, objeto da denúncia. Ressaltou que a referida cópia foi obtida através de fotografia de outdoor situado em cidade próxima de Dores de Guanhães, o que ratifica sua suspeita de que, embora o processo licitatório tenha sido cancelado, tudo ocorrerá normalmente. A fls. 48, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator ressaltou que a documentação encaminhada pela denunciante, referente à cópia de cartaz de divulgação do evento, indica possível contratação de músicos para participar de show a ser patrocinado pela Prefeitura Municipal de Dores de Guanhães, já que traz indicação expressa das bandas que participarão do evento, bem como da produtora para sua realização. Determinou que fosse o prefeito oficiado para que, no prazo de cinco dias, caso tenha sido deflagrado novo certame, cujo objeto seja idêntico ou semelhante ao da Tomada de Preços n. 004/2008, ou caso as contratações tenham sido precedidas de processo de inexigibilidade ou dispensa de licitação, enviasse a esta egrégia Corte cópia do edital ou do processo formal de dispensa ou inexigibilidade, advertindo-o de que o não atendimento da diligência implicará penalidades previstas em lei. Devidamente oficiado, o Prefeito Municipal de Dores de Guanhães, Sr. João Eber Barreto Noman, apresentou documentação que foi juntada aos autos a fls. 52-245. A fls. 247, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator determinou o envio dos autos a esta Coordenadoria para que se manifestasse no prazo de cinco dias, acerca da documentação juntada a fls. 52-245. A fls. 248-256 concluiu este órgão técnico que o procedimento licitatório na modalidade Convite n. 034/2008, visando à contratação de empresa para promoção da Festa de Rodeio de Dores de Guanhães foi realizada de forma regular, atendendo os requisitos estabelecidos na Lei n. 8.666/93, culminando na contratação da empresa Projectum Comunicação e Studio de Áudio e Vídeo. Entretanto, entendeu que os Processos de Inexigibilidade de Licitação n. 028/2008, n. 032/2008 e n. 033/2008 referentes a contratação dos shows das bandas Terra Samba, Santha Nova e Chama Chuva foram irregulares, ao infringir o disposto no art. 25, III, da Lei n. 8.666/93, já que a contratação não se deu diretamente com os artistas, nem tampouco através de empresário exclusivo, razão pela qual deveria ter sido realizada licitação. Em despacho a fls. 258, o Conselheitro Relator determinou que fosse intimado o Prefeito Municipal de Dores de Guanhães para que no prazo de 15 dias apresentasse as alegações que entendesse pertinentes, em face das irregularidades apontadas pelo órgão técnico, no relatório a fls.248-256, referente aos Processos de Inexigibilidade de Licitação n. 028/2008, 032/2008 e 240


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033/2008. A fls. 263-267, o Prefeito Municipal de Dores de Guanhães, Sr. João Eber Barreto Noman, apresentou defesa. Alegou que as declarações a fls. 75, 97 e 129 comprovam que a empresa contratada, MR Eventos e Comunicação de Publicidade Ltda., detém a exclusividade com as bandas, o que coaduna com as exigências do art. 25, III, da Lei n. 8.666/93. A fl. 271, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator determinou o envio dos autos a esta Coordenadoria para que se manifestasse acerca dos fatos apontados pelo interessado.

Estudo Técnico

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Cumprindo a determinação, passa este órgão técnico à análise da documentação apresentada.

1 Da Inexigibilidade A Administração Municipal, a fls. 263-267, alegou a impossibilidade da realização de licitação no caso em tela, pois o Município ansiava pela contratação daquelas bandas em específico, e que estas são representadas exclusivamente pela contratada MR Eventos.

2 Análise As declarações apresentadas a fls .75, 97 e 129 são claras: a empresa MR Eventos e Comunicação Ltda. detinha a exclusividade de venda das referidas bandas apenas nas datas dos referidos shows, o que comprova que esta foi apenas uma intermediária na contratação dos grupos. A dita exclusividade seria apenas uma garantia de que naquele dia a empresa MR Eventos levaria o referido grupo para o show de seu interesse, ou seja, a contratada não é empresária exclusiva das bandas em questão, o que contraria o art. 25, III, da Lei de Licitações: Cabe ressaltar trecho, já citado anteriormente por este órgão técnico, do artigo Inexigibilidade de Licitação,1 de Ércio de Arruda Lins: Veja que o termo empresário não pode ser confundido com intermediário. Aquele gerencia os negócios de artistas determinados, numa relação contratual duradoura. O último, intermedia qualquer artista, sempre numa relação pontual e efêmera.

Desta forma, nota-se que a inviabilidade de licitação ocorre quando o artista é contratado diretamente ou através de um empresário exclusivo, o que não se confunde com um contratante intermediário. Certo é que o art. 25 da Lei n. 8.666/93 traz um rol meramente exemplificativo, tendo em vista que o legislador permitiu ao agente reconhecer no caso concreto a inviabilidade da competição e contratar diretamente. Ocorre que, in casu, a competição seria possível, pois conforme dito anteriormente a empresa 1

Lins, Ércio de Arruda. Inexigibilidade de Licitação. Disponível em: <http://www.ipees.org.br/artigos_detalhe.asp?id=7>.

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MR Eventos não detém a exclusividade na contratação das bandas em comento. O TCU já deliberou acerca dos atestados de exclusividade (Acordão 223/2005), determinando que sejam adotados procedimentos criteriosos, visando comprovar a autenticidade das informações. Em caso semelhante a Conselheira Doris Coutinho do Tribunal de Contas do Tocantis assim se manifestou:2 (...) a empresa contratada pelo responsável funcionou na presente contratação direta como intermediária, já que como resta provado nos autos, a ‘exclusividade’ declarada nos documentos se deu somente nos dias definidos para a apresentação no carnaval de Palmas o que com certeza não reflete a vontade do legislador, quando exigiu na norma a exclusividade para fundamentar a inexigibilidade (grifo nosso).

Desse modo, mantém-se o entendimento anterior de que os Processos de Inexigibilidade de Licitação n. 028/2008, n. 032/2008 e n. 033/2008, referentes à contratação dos shows das bandas Terra Samba, Santha Nova e Chama Chuva, para festividades da tradicional Festa de Rodeio da Cidade de Dores de Ganhães não observaram o disposto no art. 25, inciso III, da Lei n. 8.666/93, posto que a contratação não se deu diretamente com os artistas, nem tampouco através de empresário exclusivo, razão pela qual deveria ter sido realizada licitação.

3 Conclusão Diante de todo o exposto, entende este órgão técnico que a contratação direta dos shows, através da empresa MR Eventos e Comunicação de Publicidade Ltda., mediante inexigibilidade de licitação, não poderia ter sido firmada, posto que a empresa não é empresária exclusiva dos referidos artistas. À consideração superior.

CAIC/DAC, em 27/08/2008 Luciana Foureaux Miranda Salim Técnica do Tribunal de Contas

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www.tce.to.gov.br/sitephp/noticiasLer.php?codigo=261


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Índices

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ÍNDICE DE ASSUNTO REVISTAS DE 2009 Remete ao n. da página Abono de permanência natureza jurídica, 3/2009, 78 Acumulação de cargos professor/vereador/dirigente sindical, 4/2009, 183 Administração pública contrato restituição de garantias exame da legalidade pelo TCEMG, 1/2009, 103 temporário, 3/2009, 147 controle interno, 4/2009, 167 ouvidoria participação social, 4/2009, 43 parceria com OSCIP área de saúde, 1/2009, 138 Advogado contratação pelo legislativo municipal credenciamento sistema de pré-qualificação, 1/2009, 133 Agente político verba indenizatória ato normativo, 3/2009, 37 Alienação de bens bens móveis emprego da receita em pavimentação, 2/2009, 233 Anistia fiscal 245


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controle da renúncia de receita pelos tribunais de contas, 1/2009, 65 Assinatura eletrônica, 4/2009, 27 Associação municipal contratação de pessoal, 2/2009, 146 convênio, 2/2009, 146 prestação de contas, 2/2009, 146 Ato normativo instituição de verba indenizatória agente político, 3/2009, 37 Autarquia movimentação financeira, 3/2009, 131 Câmaras Legislativas Municipais concessão aos servidores auxílio-alimentação, 1/2009, 97 plano de saúde, 1/2009, 97 criação de Procon, 1/2009, 175 estatuto próprio para servidores, 3/2009, 139 falta de autonomia financeira, 2/2009, 131 não envio de prestação de contas pagamento de subsídio diferenciado a vereadores Mesa Diretora, 4/2009, 123 saldo de caixa não devolvido ao Executivo dedução de repasse financeiro do exercício seguinte, 3/2009, 93 Cargo em comissão adicionais por tempo de serviço, 4/2009, 133 indenização por tempo de serviço inconstitucionalidade, 3/2009, 139 pagamento de gratificação necessidade de lei, 3/2009, 108 246


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Certificação digital, 4/2009, 27 Combustível aquisição posto de prefeito, 2/2009, 247 Concessão de serviço público limpeza pública aterro sanitário, 3/2009, 249 transporte coletivo prorrogação do contrato, 2/2009, 175, 260 Concurso público — edital análise Tribunal de Contas de Minas Gerais, 3/2009, 209 Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais revogação da suspensão, 4/2009, 143

Índice de Assunto Revistas 2009

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suspensão, 2/2009, 211 direito subjetivo à nomeação, 4/2009, 155 exigências, 1/2009, 29 irregularidades, 2/2009, 204, 221; 3/2009, 115, 159, 171; 4/2009, 113, 118, 155 princípios constitucionais, 1/2009, 29 reserva pessoa portadora de deficiência, 4/2009, 113 Conselho Municipal de Saúde inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) desnecessidade, 4/2009, 139 Consórcio entre municípios contratação de pessoal, 2/2009, 146 Consórcio de saúde criação de Banco de Medicamentos, 1/2009, 193 247


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Consulta n. 715.518, 2/2009, 158 n. 715.524, 3/2009, 131 n. 716.238, 1/2009, 138 n. 716.243, 2/2009, 162 n. 719.737, 3/2009, 139 n. 721.052, 2/2009, 236 n. 731.118, 2/2009, 146 n. 732.557, 2/2009, 135 n. 735.489, 1/2009, 193 n. 740.569, 1/2009, 129 n. 746.715, 1/2009, 175 n. 747.263, 4/2009, 123 n. 748.370, 2/2009, 197 n. 748.457, 1/2009, 180 n. 748.924, 3/2009, 147 n. 751.717, 1/2009, 107 n. 753.232, 2/2009, 233 n. 753.447, 4/2009, 162 n. 757.978, 1/2009, 198 n. 759.623, 1/2009, 97 n. 761.137, 1/2009, 165 n. 763.313, 1/2009, 103 n. 765.192, 1/2009, 133 n. 767.269, 2/2009, 247 n. 769.940, 4/2009, 167 n. 771.253, 3/2009, 108 n. 771.766, 3/2009, 185 n. 775.537, 4/2009, 139 n. 777.131, 3/2009, 180 n. 777.729, 4/2009, 99 n. 778.098, 3/2009, 93 n. 780.445, 4/2009, 133 n. 786.537, 4/2009, 179 248


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n. 788.114, 3/2009, 102 n. 793.773, 4/2009, 108 n. 796.542, 4/2009, 183 Consumidor proteção criação de órgão, 1/2009, 175 Contrato prestação de serviços saneamento básico, 1/2009, 107 Contrato administrativo alteração, 1/2009, 79 reajustamento de preço, 1/2009, 165 restituição de garantias exame da legalidade pelo TCEMG, 1/2009, 103

Índice de Assunto Revistas 2009

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transporte coletivo prorrogação, 2/2009, 175, 260 Contrato de trabalho por prazo determinado regime jurídico, 3/2009, 147 Controle externo licitações e contratos realizados pelos tribunais de contas, 3/2009, 49 obstrução às atividades, 4/2009, 188 Convênio Município — Cemig, 4/2009, 99 Município — Copasa, 1/2009, 107 Copa do Mundo 2014 investimento Minas Gerais, 2/2009, 13 249


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Crise econômica impactos no orçamento de Minas Gerais, 2/2009, 13 Decadência processos sob exame dos tribunais de contas, 2/2009, 29 Denúncia n. 796.153, 3/2009, 156 Despesa pública antecipação de pagamento, 3/2009, 102 Diárias agente político, 1/2009, 129; 2/2009, 197 servidor, 1/2009, 129; 2/2009, 197 Direito processual constitucional garantia dos direitos fundamentais estado democrático de direito, 2/2009, 63 Direitos e garantias individuais direito ao lazer participação social, 4/2009, 73 teoria do direito HABERMAS, Jürgen, 2/2009, 63 Edital de concurso público n. 760.740, 2/2009, 204, 221 n. 761.388, 3/2009, 159 n. 771.232, 3/2009, 171 n. 790.717, 3/2009, 115 n. 801.606, 4/2009, 113 n. 803.696, 4/2009, 155 n. 806.676, 4/2009, 118 Embargos infringentes n. 675.896, 2/2009, 155 250


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Empresa subsidiária quadro de pessoal desnecessidade de autorização legislativa, 3/2009, 197 Entrevista AGUIAR, Ubiratan, 1/2009, 15 ANASTASIA, Antônio Augusto Junho, 2/2009, 13 LULIA, Michel Miguel Elias Temer, 3/2009, 13 RESENDE, Sérgio, 4/2009, 13 Estado de direito história, 2/2009, 102 Estado moderno funções autônomas, 2/2009, 92 Ética — Filosofia, 4/2009, 59

Índice de Assunto Revistas 2009

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Função pública direitos, 2/2009, 114 natureza jurídica, 2/2009, 114 relação de trabalho, 2/2009, 114 Fundo de aposentadoria irregularidades, 4/2009, 194 regime jurídico, 4/2009, 194 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) despesa com transporte de professores, 2/2009, 162 pagamento abono de professores, 3/2009, 185 salários de diretores e vice-diretores, 2/2009, 158 Fundo Municipal de Saúde inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), 4/2009, 139 251


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Incentivo fiscal controle da renúncia de receita pelos tribunais de contas, 1/2009, 65 Inspeção ordinária sonegação de informações e documentos, 4/2009, 188 Intervenção de terceiros (amicus curiae) adoção nos tribunais de contas, 1/2009, 55 Licitação convite apresentação de única proposta válida, 3/2009, 93 habilitação exigência de cadastro, 3/2009, 156 qualificação técnica atestados, 4/2009, 245 regulação de mercado, 3/2009, 27 Licitação — dispensa necessidade de comprovação de regularidade fiscal, 4/2009, 179 Licitação — inexigibilidade necessidade de comprovação de regularidade fiscal, 4/2009, 179 Licitação — irregularidade apuração de responsabilidade, 3/2009, 120 concessão de serviços públicos desativação de lixão, 3/2009, 249 Merenda escolar utilização de recursos do salário-educação, 3/2009, 180 Multa coerção atraso na remessa de relatórios exigidos pela LRF, 1/2009, 125 252


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Município controle interno, 4/2009, 167 entidade subvencionada pagamento de despesas de pessoal, 4/2009, 108 realização de obra de iluminação pública custeio, 4/2009, 99 retenção de repasses tributários vedação constitucional, 2/2009, 236 saneamento básico, 1/2009, 107 Normas internacionais do trabalho, 2/2009, 114 Ordenador de despesa responsabilidade pagamento de juros duplicatas vencidas, 2/2009, 155

Índice de Assunto Revistas 2009

revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) parceria com município área de saúde, 1/2009, 138 OSCIP ver Organização da Sociedade Civil de Interesse Público Ouvidoria pública , 4/2009, 43 Parceria público-privada Minas Gerais dificuldades da implantação, 2/2009, 13 Poder Judiciário entrevista desembargador, 4/2009, 13

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Posto de gasolina prefeito contratação com município, 2/2009, 247 Pregão regulamentação municipal, 2/2009, 135 Prescrição aplicabilidade no TCEMG, 1/2009, 205; 4/2009, 211 tribunais de contas princípio da segurança jurídica, 2/2009, 29 Prestação de contas n. 445.479, 3/2009, 193 associação de municípios, 2/2009, 146 câmara municipal irregularidades, 3/2009, 193 não apresentação responsabilidade, 2/2009, 131 prefeitura municipal aprovação sem parecer prévio do TCE, 2/2009, 257 Prestação de contas municipal n. 686.694, 2/2009, 257 Processo Administrativo n. 491.637, 3/2009, 120 n. 702.635, 4/2009, 188 n. 734.282, 2/2009, 175 Professor acumulação de cargos, 4/2009, 183

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criação de órgão, subordinação, 1/2009, 175 Quotas Estaduais do Salário-Educação (QESE) custeio de merenda escolar, 3/2009, 180 Receita tributária renúncia controle pelos tribunais de contas, 1/2009, 65 Recurso de Reconsideração n. 741.056, 1/2009, 125 Recurso de Revisão n. 694.532, 3/2009, 126 n. 695.367, 2/2009, 131

Índice de Assunto Revistas 2009

Proteção e defesa do consumidor

Recursos públicos aplicação financeira, 4/2009, 108 Registro de preços ver Sistema de registro de preços Reparação do dano prescritibilidade, 4/2009, 211 Representação n. 804.549, 4/2009, 143 Ressarcimento do dano ver Reparação do dano

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Secretário municipal afastado do cargo de servidor efetivo remuneração por subsídio, 3/2009, 108 Separação de poderes funções autônomas do Estado, 2/2009, 92 Servidor público auxílio-alimentação, 1/2009, 97 plano de saúde, 1/2009, 97 tempo de serviço sociedade de economia mista aposentadoria, 4/2009, 162 Servidor público regido pela CLT carreira, 1/2009, 180 extensão de vantagens administração direta, 1/2009, 180 Sistema de registro de preços adesão a procedimento licitatório de Prefeitura, 1/2009, 198 regulamentação municipal, 2/2009, 135 Subvenção cômputo de despesa, 4/2009, 108 Tempo de serviço — Direito Administrativo licença médica para fins de biênio, 3/2009, 126 Transferência de recursos - município retenção, 2/2009, 236 Transporte coletivo concessão de serviço prorrogação do contrato, 2/2009, 175, 260 256


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Tribunal de Contas competência eleição de Conselho de Fundo Previdenciário, 4/2009, 194 legalidade de garantia contratual, 1/2009, 103 reconhecimento da prescrição, 2/2009, 29 Tribunal de Contas — Minas Gerais análise de edital de concurso público, 3/2009, 209 prescrição, 1/2009, 205; 4/2009, 211 relatório da Corregedoria 2007-2008, 1/2009, 217 Tribunal de Contas — Minas Gerais — Noticiário aposentadoria de conselheiro, 1/2009, 26 aprovação das contas do Governador , 2/2009, 25 celeridade na análise das prestações de contas municipais, 3/2009, 23 cooperação técnica

Índice de Assunto Revistas 2009

revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais

TCEMG e o TCE-BA, 2/2009, 26 TCEMG e o TCM-GO, 3/2009, 24 TCEMG e o TCU, 3/2009, 23; 4/2009, 23 edição especial da Revista, 3/2009, 22 falecimento de Conselheiro, 2/2009, 24 fiscalização de empréstimo do BIRD, 2/2009, 25 homenagem a personalidades brasileiras, 4/2009, 21 lançamento do informativo de jurisprudência, 2/2009, 26 novo sistema de fiscalização, 4/2009, 22 palestra sobre saúde, 2/2009, 26 posse conselheiro, 3/2009, 21 Presidente, Vice-Presidente e Corregedora, 1/2009, 24 prêmio internacional, 4/2009, 24 1º Seminário Técnico Interno do TCEMG, 3/2009, 24 25º Congresso dos tribunais de contas, 4/2009, 23 visita de servidoras do TCEMG ao TCU, 1/2009, 26 257


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Vereador EC 25/2000 verba de representação, 4/2009, 123 Veículo alienação emprego da receita em pavimentação, 2/2009, 233

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ÍNDICE DE AUTOR REVISTAS DE 2009 Remete ao n. da página ANDRADA, Antônio Carlos Doorgal de Consulta n. 715.524, 3/2009, 131 Consulta n. 716.238, 1/2009, 138 Consulta n. 719.737, 3/2009, 139 Consulta n. 747.263, 4/2009, 123 Consulta n. 748.370, 2/2009, 197 Consulta n. 761.137, 1/2009, 165 Consulta n. 780.445, 4/2009, 133 Processo Administrativo n. 734.282, 2/2009, 175 Relatório das atividades desenvolvidas pela Corregedoria do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Gestão relativa ao biênio 2007-2008, 1/2009, 217 ANDRADE, Adriene Barbosa de Faria Consulta n. 746.715, 1/2009, 175 Consulta n. 748.457, 1/2009, 180 Consulta n. 748.924, 3/2009, 147 Consulta n. 775.537, 4/2009, 139 Denúncia n. 796.153, 3/2009, 156 Edital de Concurso Público n. 760.740, 2/2009, 204, 221 Representação n. 804.549, 4/2009, 143 ARAÚJO, Cláudia Costa de Outorga de concessão, em caráter de exclusividade, de serviços de limpeza pública para desativação de lixão, 3/2009, 249 Reconhecimento da prescrição no âmbito do Tribunal de Contas mineiro: um estudo da jurisprudência atual, 4/2009, 211 ÁVILA, Wanderley Geraldo de Consulta n. 715.518, 2/2009, 158 Consulta n. 716.243, 2/2009, 162 Consulta n. 740.569, 1/2009, 129 Consulta n. 765.192, 1/2009, 133 Processo administrativo n. 491.637, 3/2009, 120 Recurso de Revisão n. 694.532, 3/2009, 126 259


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BORGES, Maria Cecília Mendes Editais de concursos públicos e seus elementos padrões diante dos princípios constitucionais, 1/2009, 29 BRAZ, Elmo Edital de Concurso Público n. 801.606, 4/2009, 113 Edital de Concurso Público n. 806.676, 4/2009, 118 BROCHADO, Mariá Prolegômenos à ética ocidental, 4/2009, 59 CAMPOS, Sérgio Pompeu de Freitas Do instrumento normativo adequado à instituição de verba indenizatória para membros do Poder Legislativo, 3/2009, 37 CASTRO, Sebastião Helvecio Ramos de Edital de concurso público n. 803.696, 4/2009, 155 COELHO, Daniela Mello Direito da função pública: fundamentos e evolução, 2/2009, 114 COELHO, Hamilton Antônio Prestação de Contas Municipal n. 445.479, 3/2009, 193 Prestação de Contas Municipal n. 686.694, 2/2009, 257 Processo Administrativo n. 702.635, 4/2009, 188 COELHO, Marina Morena Alves O controle externo das licitações e dos contratos dos tribunais de contas, 3/2009, 49 COSTA, Eduardo Carone Consulta n. 731.118, 2/2009, 146 Consulta n. 732.557, 2/2009, 135 Consulta n. 751.717, 1/2009, 107 Consulta n. 763.313, 1/2009, 103 Consulta n. 777.729, 4/2009, 99 Consulta n. 778.098, 3/2009, 93 260


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Consulta n. 788.114, 3/2009, 102 Consulta n. 793.773, 4/2009, 108 COUTO, Daniel Uchôa Costa A controvérsia sobre os limites das alterações qualitativas dos contratos administrativos, 1/2009, 79 CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza Processo constitucional e direitos fundamentais: ensaio sobre uma relação indispensável à configuração do Estado Democrático de Direito, 2/2009, 63 DINIZ, Gilberto Consulta n. 721.052, 2/2009, 236 Consulta n. 735.489, 1/2009, 193 Consulta n. 753.232, 2/2009, 233 Consulta n. 753.447, 4/2009, 162 Consulta n. 757.978, 1/2009, 198

Índice de Autor Revistas 2009

revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais

Consulta n. 769.940, 4/2009, 167 Edital de Concurso Público, n. 761.388, 3/2009, 159 Edital de Concurso Público, n. 771.232, 3/2009, 171 Retorno de Vista — Consulta n. 747.263, 4/2009, 127 DUARTE, Bernardo Augusto Ferreira Levando o direito ao lazer a sério, 4/2009, 73 ELIAS, Gustavo Terra A imprescindibilidade da assinatura eletrônica, da assinatura mecânica e da certificação digital para a administração pública brasileira, 4/2009, 27 Regime jurídico do abono de permanência, 3/2009, 78 FERRAZ, Leonardo de Araújo A adoção da figura do amicus curiae no âmbito dos tribunais de contas, 1/2009, 55 FERRAZ, Luciano de Araújo Função regulatória da licitação, 3/2009, 27

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FERREIRA, Diogo Ribeiro A imprescindibilidade da assinatura eletrônica, da assinatura mecânica e da certificação digital para a administração pública brasileira, 4/2009, 27 GOMES, Frederico Barbosa Processo constitucional e direitos fundamentais: ensaio sobre uma relação indispensável à configuração do Estado Democrático de Direito, 2/2009, 63 LOBATO, Paulo Henrique Bese A concessão de anistias e incentivos fiscais e a importância do controle da renúncia de receita pelos tribunais de contas, 1/2009, 65 MAGALHÃES, José Luiz Quadros de A teoria da separação de poderes e a divisão das funções autônomas no Estado contemporâneo — o Tribunal de Contas como integrante de um poder autônomo de fiscalização, 2/2009, 92 MASSARIA, Glaydson Santo Soprani Ilegalidade na prorrogação de contrato de transporte coletivo, 2/2009, 260 Irregularidades verificadas em Fundo Previdenciário Municipal, 4/2009, 194 NASSIF, Gustavo Costa As ouvidorias públicas no contexto de um novo modelo de governança, 4/2009, 43 OLIVEIRA, Felipe Faria de Do instrumento normativo adequado à instituição de verba indenizatória para membros do Poder Legislativo, 3/2009, 37 OLIVEIRA, Licurgo Joseph Mourão de Consulta n. 767.269, 2/2009, 247 Consulta n. 771.766, 3/2009, 185 Consulta n. 777.131, 3/2009, 180 Consulta n. 786.537, 4/2009, 179 Consulta n. 796.542, 4/2009, 183 A imprescindibilidade da assinatura eletrônica, da assinatura mecânica e da certificação digital para a administração pública brasileira, 4/2009, 27 Prescrição e decadência: emanações do princípio da segurança jurídica nos processos sob a jurisdição dos tribunais de contas, 2/2009, 29

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PASSOS, Carolina Pagani Análise de editais de concursos públicos pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, 3/2009, 209 SALGADO, Karine História e Estado de Direito, 2/2009, 102 SALIM, Luciana Foureaux Miranda Impossibilidade de apresentação por licitante pertencente a grupo econômico de atestado de qualificação técnica de outra empresa do grupo e de pontuação por atestados como fator diferenciador de avaliação e julgamento, 4/2009, 245 SOARES, Elmo Braz Consulta n. 771.253, 3/2009, 108 Edital de Concurso Público n. 790.717, 3/2009, 115 Edital de Concurso Público n. 801.606, 4/2009, 113 Edital de Concurso Público n. 806.676, 4/2009, 118

Índice de Autor Revistas 2009

revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais

Embargos Infringentes n. 675.896, 2/2009, 155 Recurso de Reconsideração n. 741.056, 1/2009, 125 SOMAVILLA, Jaqueline Lara A concessão de anistias e incentivos fiscais e a importância do controle da renúncia de receita pelos tribunais de contas, 1/2009, 65 TERRÃO, Cláudio Couto Desnecessidade de lei para fixação do quadro de empregos de empresas estatais não dependentes, 3/2009, 197 Reconhecimento da prescrição pelo Tribunal de Contas, 1/2009, 205 TOLEDO, Simão Pedro Consulta n. 759.623, 1/2009, 97 Recurso de Revisão n. 695.367, 2/2009, 131

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mg

TCE

Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais AV. RAJA GABÁGLIA, 1.315 — LUXEMBURGO CEP: 30380-435 — BELO HORIZONTE — MG WWW.TCE.MG.GOV.BR


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