Título: “Vem conhecer a história da tua biblioteca” Autor: Vasco Domingos Freitas Dias (17 anos) Finalista do Curso Profissional de Técnico de Multimédia 2011/2013 Coordenação: Arminda Ferreira e Luís Alberto (Docentes) Ano de Edição: 2013 Agrupamento de Escolas Padre Benjamim Salgado
- Mano, que estás a ler? - Oh! Joana… Deixa-me acabar e já te digo… - Diz-me, já, Vasco… Estou curiosa… Tantos livros e folhas aqui na mesa… - Pronto está bem! Estou a ler a história da Biblioteca Municipal de Vila Nova de Famalicão. Mas por que perguntas? Queres que te conte? - Sim, sim… Conta-me tudo… É aquela casa grande e branca que está situada à entrada da cidade e que tem patos e gansos? - Sim, Joana é essa mesma. Chama-se Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco. - Sim, eu já lá fui… Tem muitas salas com livros, jornais… um sítio para os mais novos brincarem… - Hummmm… Sim, Joaninha… Queres mesmo saber, para depois me deixares trabalhar? - Quero saber tudo… tudo… tudo… - Ok maninha! Então está atenta e escuta… a Biblioteca, aliás, as bibliotecas dos concelhos, nos finais do século XIX, surgem na História
de Portugal, pelo ministro do Reino, D. António Costa. Este ministro esteve no poder apenas 69 dias, mas realizou uma grande reforma nas bibliotecas com o objetivo, como diz aqui neste documento da época, “desenvolver os conhecimentos das classes populares por meio da leitura moral e instructiva”. - Mas os reis não tinham mandado abrir bibliotecas no nosso país!? - Sim, estamos no período da monarquia… essas bibliotecas, a que te estás a referir, eram só frequentadas por pessoas que quisessem prosseguir estudos superiores ou o ensino técnico… - Então conta-me tudo… Anda lá… Não sejas rabugento! - No ano de 1898, a Junta da Paróquia de Vila Nova de Famalicão apresentou a intenção de criar, numa das salas do futuro edifício da Escola Conde S. Cosme do Vale, um Gabinete Público de Leitura, mas só em 1907, com o Professor António Maria Pereira, é que foi fundada a “Bibliotheca Escolar de Villa Nova de Famalicão”, na Escola Conde S. Cosme do Vale. Sabes como é que a biblioteca vai conseguir receber
livros? - Ora, ora…comprando como a mãe faz quando quero um livro! - Claro que não Joana! Ouve… Aqui no Jornal “Estrela do Minho”, do dia 24 de novembro de 1907, diz que “a constituição da biblioteca escolar aproveitou o espírito benemérito dos famalicenses”. Sabes o que significa benemérito? É lógico que não sabes!? - Claro que não sei… Só tenho 9 anos! - Cada pessoa importante da terra ou, como aqui está escrito: “dar cada homem um tanto illustrado meia dúzia de obras para a bibliotheca escolar é acto louvável que se praticará sem actual dispêndio de dinheiro ou de trabalho…”, já que a biblioteca escolar tinha uma dupla importância, pois por um lado, servia “para os ex-alunos da escola”, que deviam de lá sair “com o amor pelo livro, continuarem a desenvolver o espírito” e, por outro lado, “para a parte do professorado primário que deseje saber mais, muito mais, sempre mais… ir ali aperfeiçoar, completar, talvez mesmo reformar o seu cabedal de conhecimentos”. - Ah! Que giro e que ideia fabulosa! E depois? Conta mais e não mexas nos papéis enquanto me estás a contar a história. - Olha, aqui neste jornal também diz que para a “Commissão de Propaganda” desta biblioteca foram convidados “homens illustrados, como Sousa Fernandes, Sebastião de Carvalho e capitalistas beneméritos, por exemplo, Conde S. Cosme, Visconde de Gemunde, Commendador Ferreira de Souza e Daniel Santos”.
- Mas a minha professora disse que houve uma revolução em Portugal, no dia 5 de Outubro de 1910, e que deixamos de ter um rei e passamos a ter um Presidente... E mudou tudo ou quase tudo no nosso país, é verdade? - Sim Joana… A “Revolução de 5 de Outubro de 1910” foi a nível nacional, mas ouve… na nossa terra essa revolução serviu mais para reconciliar, do que para dividir a sociedade, pois, pacificamente, foram substituídos os antigos órgãos do poder local pelos novos dirigentes republicanos e quem passa a chefiar os Paços do Concelho é o Senador Joaquim José de Sousa Fernandes, a 8 de outubro de 1910. Ou seja, 3 dias depois da revolução… - Foi esse senhor que fez a nossa Biblioteca? - Bem, com a Implantação da República em Portugal, uma das preocupações dos republicanos consistia em que a cultura abrangesse todas as classes sociais e, como tal, viam as bibliotecas como uma infraestrutura indispensável à população. Nesse contexto, é decretado em 1911, pelo Ministério do Interior, que as bibliotecas deviam estar equipadas com livros úteis, de forma a ensinar, informar, distrair e encaminhar o povo para a vida intelectual. Sabes o que fez o Senador Sousa Fernandes? -Não, o que fez ? - Sousa Fernandes, tal como o ministro Afonso Costa, que defendia que a cultura deveria ser para todos, vai ter a vontade de criar uma biblioteca e, no ano de 1912, o então Presidente da Câmara, dá resposta ao ofício circular do Governo Civil para reorganização dos serviços de Bibliotecas e Arquivos Nacionais. Porém, como existia falta de dinheiro
para a obtenção de livros, recorre às ofertas e às subscrições gratuitas. - E conseguiu? E quando é que a Biblioteca passa a chamar-se Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco? - Conseguiu Joana. Este documento refere que Sousa Fernandes levou à sessão da Câmara de 23 de Novembro de 1912, uma proposta onde é atribuído o nome do “excelso escritor português Camilo Castelo Branco à biblioteca municipal e ordena a aquisição de um busto do ilustre benfeitor das letras portuguesas, para coroar a Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, de Famalicão”. - E é nesse dia que é inaugurada? - Não, porque apesar da biblioteca conter cerca de mil e duzentos livros, não deveria ser inaugurada, pois ainda não existia um regulamento de utilização e os livros não estavam catalogados. Depois vai ser proposto: “que a promoção, guarda e conservação da Biblioteca fiquem anexadas conjuntamente com o expediente de secretaria, ao pelouro a cargo do vereador que exerça a presidência (…)”. - E mano, em que sítio era a Biblioteca nessa altura? Quem é que estava lá para emprestar livros? Era como agora? Eu, se for à Biblioteca, tem lá uns senhores que são… como se chamam? Ah! Os bibliotecários… - A Biblioteca vai ser criada numa dependência da Câmara, na Secretaria Municipal, mas só a 28 de dezembro de 1912, também numa Sessão da Câmara, é que é nomeado o primeiro bibliotecário, que se chamava, Henrique Garcia Pereira Martins, que vai ficar “incumbido de tratar de todos os assuntos que digam respeito à referida biblioteca”, como se refere neste documento. - Mas já havia muitos livros na Biblioteca?
Camilo Castelo Branco
- Claro que não Joana! Nessa ocasião, o Senador Sousa Fernandes como não tinha dinheiro para comprar livros, vai de novo liderar uma campanha a nível nacional e local, para sensibilizar a população a doar livros e verbas para a sua aquisição. Nesta altura, vão surgir pessoas muito importantes, que vão ajudar a nossa Biblioteca: Alberto Pimentel, Bernardino Machado, Júlio Brandão, Eduardo de Carvalho, José Augusto Correia e algumas instituições como a Tipografia Minerva, o Ateneu Comercial de Braga e a Biblioteca Municipal do Porto. - Se já tinha livros e bibliotecário, então as pessoas já podiam ir à Biblioteca? - Não Joaninha… faltava uma coisa muito importante! O regulamento. - Ah, pois é… E que dizia o regulamento? Podia entrar qualquer pessoa? E vestida de qualquer maneira? - Oh Joana, andavam vestidas com as roupas que se usavam na época… Mas como é lógico, não deviam entrar descalças e sujas. Por isso, é que foi aprovado, na sessão da Câmara do dia 27 de setembro de 1913, o “Regulamento da Bibliotheca Municipal Villa Nova de Famalicão”. É este documento, que aqui vês, que vai definir: o objetivo, o horário de funcionamento, as condições de acesso, o empréstimo dos livros e é onde está especificado que, para além dos leitores terem que se apresentar “calçados e decentemente vestidos”, tinham o direito a requisitar um volume de cada vez, mediante o pagamento de uma “caução
de cinquenta centavos para obras de um tomo só, ou de tantos cinquenta centavos quantos sejam os tomos de que se componha a obra” que posteriormente era devolvida, caso o livro não tivesse sido danificado, tal como acontece hoje na minha biblioteca da escola. - E afinal quando foi inaugurada a Biblioteca? - A inauguração deu-se, no dia 5 de Outubro de 1913, às 15 horas. - Hummm… Então foi inaugurada no dia que se comemorava a Implantação da República em Portugal? - Sim, nessa altura todos os jornais locais noticiaram a inauguração com as comemorações do terceiro ano da implantação da República. - E, aí, nesses jornais velhos tem quantos livros existiam na biblioteca nessa altura? - O fundo documental, no dia da inauguração, era de 2439 volumes e reunia as obras da «Geração de 70», de Eça de Queirós, de Antero de Quental, de Fialho de Almeida e os 136 títulos dos romances de Camilo Castelo Branco. - Então, Vasco, já tinha muitos livros! Mas depois a República não acabou e não foi o período da História do Estado Novo? Que aconteceu à Biblioteca durante esse novo período? - Claro que continuou a existir, mas passa a estar marcada pela censura e perseguição, tal como acontecia em quase todas as instituições do nosso país. - E continua a ser no mesmo sítio? Não mudou de instalações? E nesta altura ia muita gente à Biblioteca? - Pois, a 30 de março de 1936, a Biblioteca Municipal é encerrada nos Paços do Concelho e transferida, em junho de 1936, para um edifício
alugado no rés-do-chão da casa de Adolfo Cândido Vieira de Castro e Costa, na Praça 9 de Abril. Só que, este local não tinha as condições necessárias para a prática da leitura e estava mal organizada e, só em 1951, com o então Presidente da Câmara, Dr. Álvaro Folhadela Marques, se organiza um catálogo, mandado imprimir na famosa Tipografia Minerva e pago pelo próprio, pela quantia de 2400 escudos, já que a Câmara não tinha verba para tais gastos. - Oh Vasco, se as pessoas não a frequentavam e não havia dinheiro para nada… que aconteceu então à Biblioteca? Fechou? - Bem, apesar da época em que se vivia, onde a tendência era para o pessimismo, devido à ditadura, a Biblioteca Municipal, nos anos 60, vai sofrer grandes alterações devido à intervenção do Padre Benjamim Salgado. - Padre Benjamim Salgado? Quem é esse padre? O que é que ele vai fazer? - Esse senhor é o patrono do nosso agrupamento e da minha escola e em janeiro de 1960 tornou-se Vereador da Cultura, Viação e Trânsito. Entre 1961 e 1971 foi Diretor da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco e entre 1965 e 1968 exerceu as funções de Presidente da Câmara Municipal. Em 1961, quando estava à frente dos desígnios da cultura famalicense propôs a organização de um fundo documental de 5392 volumes e de mobiliário para que a biblioteca fosse transferida da Praça 9 de Abril para a cave do novo edifício dos Paços do Concelho. A inauguração das novas instalações da Biblioteca ocorre em dezembro de 1961 e, a partir de então, a Biblioteca disponibiliza ao público uma sala de tratamento técnico, uma sala de leitura e uma sala de reservados.
Padre Benjamim Salgado
Com esta intervenção, rapidamente, a Biblioteca regista um aumento do número de utilizadores. - Então já não foi preciso pedir aos senhores importantes de Famalicão para darem dinheiro para comprar livros?! - Bem, até 1965, o fundo documental da Biblioteca foi engrandecido por distintas doações de beneméritos, entre as quais se destacam as de Vasco de Carvalho, empresário e historiador, e as de Nuno Simões, político republicano, advogado, jornalista e publicista das relações luso-brasileiras. - E Vasco quem são esses senhores beneméritos? Eram importantes? Que faziam? - Olha Joana, eram pessoas importantes de Famalicão que engrandeceram a nossa Biblioteca. O fundo bibliotecário de Vasco Carvalho tem um espólio com cerca de 2536 volumes fundamentalmente constituído por obras e imprensa sobre a história local. Este distinto senhor dedicava-se à investigação, recolhendo e registando tudo o que dizia respeito ao nosso concelho, dando origem posteriormente a diversas monografias sobre a nossa terra, série que se designou de «Aspectos de Vila Nova». - E o Dr. Nuno Simões? Ele tem na Biblioteca uma sala com o nome dele, porquê? Deu muitos livros também? - Pois tem. É a «Biblioteca Dr. Nuno Simões». É composta por um acervo documental de cerca de 8538 volumes e estes podem-se con-
Nuno Simões
fundir com a sua vida, e a sua vida por sua vez, pode-se confundir com o “roteiro da História de Portugal” – Monarquia, República, Estado Novo… - Porquê mano? Era uma pessoa assim muito importante? Lia muito? - Bem Joana… a vida e a biblioteca particular do Dr. Nuno Simões assemelha-se ao seu percurso político, profissional, económico, cultural e social, e reflete as suas preocupações, valores e interesses. Quando lá fores, e quando fores mais velha, vais ver que são inúmeras as referências que lhe são feitas por amigos, quer portugueses, quer brasileiros, tais como, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Assis Chateubriand, já que era um grande publicista e defensor das relações luso-brasileiras e são esses mesmos amigos, que lhe atribuem adjectivos, que o consideravam como um «gentleman» e a quem
recorriam aqueles que tinham problemas de alta consultadoria jurídica e não só. Na sua biblioteca, podemos ainda encontrar uma série de cartas, de várias índoles e vários assuntos, que refletem a sua personalidade e as suas várias facetas profissionais, assim como a sua grande qualidade, a benemerência, uma vez que todos a ele recorriam. Os recortes de vários jornais, quer nacionais, quer brasileiros, são inúmeros, assim como, revistas de várias temáticas, pois colaborou na imprensa local, nacional e estrangeira (principalmente brasileira). - Ui, já viste que horas são?!… Estou a ficar com sono… Depois contas-me o resto porque estou a ver que a história nunca mais acaba e amanhã tenho aulas logo de manhã… - Bem me parecia que não ias conseguir ouvir a história toda sem que o sono chegasse… Ainda me falta referir que são precisos alguns anos para a Biblioteca passar para as atuais instalações. Só após a Revolução do 25 de Abril de 1974 é que o então presidente da Câmara, Agostinho Fernandes, aproveitando um projeto para a criação de uma Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, consegue que se construa, de raiz, o atual edifício, onde funciona em exclusivo a Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco. Este foi inaugurado a 1 de junho de 1992. Pelo canto do olho, Vasco constatou que Joana já dormia, mas no
afã de concluir a história que iniciou, continuou para consigo… - Após a inauguração, muitas e importantes doações continuaram a ser feitas à biblioteca e foi com o legado da biblioteca particular de Eduardo Prado Coelho que a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, através do seu Presidente, Arquiteto Armindo Costa, instituiu, conjuntamente com a Associação Portuguesa de Escritores, um prémio literário nacional designado, “Grande Prémio de Ensaio Eduardo Prado Coelho”. Outros projetos foram entretanto lançados, como o serviço de biblioteca itinerante, o «Bibliomóvel», a criação de uma Associação de Bibliotecas para a Cooperação, a «Bibliomédia» e a Rede Municipal de Leitura Pública, que atualmente conta com oito equipamentos culturais dispersos pelo concelho de Vila Nova de Famalicão, designadamente pelas freguesias de Joane, Arnoso Santa Eulália, Jesufrei, Pousada de Saramagos, Riba de Ave, Lousado, Ribeirão e Louro. Pegando carinhosamente na irmã, o Vasco levou-a até ao seu quarto, murmurando ainda: - esperemos que a Biblioteca Municipal venha a «viver feliz para sempre»…
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