Para a Inclusão – “Quem me dera”
Quem me dera…
Edição
Agrupamento de Escolas de Padre Benjamim Salgado
Maio de 2017 Rua dos Estudantes 4770-270 Joane Vila Nova de Famalicão geral@aepbs.net
“Ensina-me com amor e eu aprendo.”
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Ficha Técnica Texto - Turmas do 5º ano, 6º ano e 7º ano da Escola Básica Bernardino Machado. Ilustração: Bruno Micael Melo - 3EBJ05; Flávio Oliveira 3EBJ04; Gonçalo Rodrigues - 3EBJ15; Leonor Oliveira - 3EBJ04 (UEE); Letícia Fernandes - EB1 Estalagem; Luís Miranda 4EBJ08; Margarida Araújo - 3EBJ03; Nádia Silva - EB1 Estalagem; Vitor Fernandes - 3EbJ03; Cláudia Araújo - ESPBS 9ºE; Diogo Costa - ESPBS 8ºF; Hugo Silva - ESPBS 10ºH; Mariana Pereira - ESPBS 10ºH e Paulo Abreu - ESPBS 8ºA. Capa: Lúcia da Costa – 7ºH e Beatriz Matos - 7ºH Coordenação do projeto: Departamento de Educação Especial Impressão: Escola Básica Bernardino Machado Exemplares: 100
Colaboração Biblioteca da Escola Básica Bernardino Machado Biblioteca da Escola Secundária de Padre Benjamim Salgado “A Casa de Camilo”
Toda a Comunidade Educativa que orientou os alunos nos seus trabalhos e aos que contribuiram, direta ou indiretamente, para a concretização deste projeto.
Departamento de Educação Especial
“Ensina-me com amor e eu aprendo.”
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Nota introdutória O Departamento de Educação Especial assinala, este ano, o Dia Mundial da Criança com o lançamento deste conto: “Quem me Dera!” O desafio foi lançado e bem recebido pelos alunos, que o concretizaram com entusiasmo, ao longo do 2º período. A sua ilustração, parte final do conto, foi trabalhada no decorrer da Semana das Humanidades, ao mesmo tempo que
alguns alunos participavam no evento. A realização deste projeto coletivo é a prova do sucesso de uma educação colaborativa e inclusiva. As novas ideias, assumidas, com a ratificação da Declaração de Salamanca1 (UNESCO, 1994), cujo compromisso é a implementação e desenvolvimento de uma educação inclusiva, são ideias que concebemos como parte integrante da formação dos nossos alunos.
A inclusão, no contexto educacional, tem como finalidade, defender o direito de todos os alunos desenvolverem e concretizarem as suas potencialidades, aperfeiçoando competências que lhes permitam exercer o seu direito de cidadania, através de uma educação de qualidade, que foi talhada tendo em conta as suas necessidades, interesses e características. É
nossa
convicção
que,
às
crianças,
não
basta
estar
integradas no seu grupo. Elas devem-se sentir incluídas, para
assim poderem desenvolver as suas aprendizagens, cada uma na sua dimensão, transbordando a felicidade e o significado que o próprio entendimento do ato de aprender lhe confere.
Departamento De Educação Especial
“Ensina-me com amor e eu aprendo.”
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A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação para a vida, é a própria vida. John Dewey (Filósofo e Pedagogo)
“Ensina-me com amor e eu aprendo.”
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- Bom dia, acorda! – Aproximou-se a minha mãe com um beijo. Abri os olhos e pensei: “Mais um dia… eu bem queria pôr-me a pé, mas este meu corpo não é muito obediente!”
Ninguém sabia ao certo o que se passava com o meu corpo, mas o que é certo, é que os meus músculos estavam presos, não obedeciam à minha vontade. Quem me dera correr… quem me dera saltar e brincar, como os meus colegas… quem me dera ter forças! O Dr. Alexandre dizia que eu tinha Amiotrofia Muscular Espinhal… sentia-me fraco!
“Ensina-me com amor e eu aprendo.”
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Com a ajuda preciosa da mamã, finalmente consegui levantarme.
Tinha vergonha de ir para a escola, pois pensava que todos voltariam a gozar comigo. Lembro-me que um dia me empurraram e eu caí ao chão. Pedi ajuda, porém, ninguém me socorreu. Nas escadas principais da escola, todos se riam e ninguém me ajudou a levantar. O Jó, o rapaz mais forte da escola, aluno do 9.º ano, não se limitou a rir. Fez pior: agrediu-me com um pontapé! Mas, como a vida continua, vou tentar esquecer este episódio e voltar à escola com todas as forças que puder arranjar! Assim, tratei da minha higiene pessoal, vesti as minhas calças preferidas e uma camisola bem colorida, calcei os ténis que recebera no meu aniversário e, por fim, para completar uma imagem de um jovem com vontade de viver, usei o meu chapéu da NBA. “Ensina-me com amor e eu aprendo.”
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Como já estava pronto, fui para o carro. Pelo caminho vi uns colegas a correr, a saltar e a brincar e pensei: “Quem me dera!”.
Cheguei à escola com muita vontade de estudar e de arranjar amigos divertidos e compreensivos. Ao entrar na sala de aula, reparei que chegara um novo elemento à turma. Era uma miúda morena, de olhos verdes e cabelos ondulados da cor da noite. Aproximei-me e apresentei-me: - Olá! Sou o Vasco. E tu, como te chamas? - Olá, eu sou Maria. Queres sentar-te aqui? – Convidou a Maria.
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Sorri e sentei-me ao seu lado, pressentindo que acabara de arranjar uma nova amiga. Ficamos à conversa até chegar o professor para dar a aula. Durante a aula fui chamado para fazer um exercício no quadro. O professor Daniel era compreensivo e queria que todos participássemos, por isso, dava-me o tempo necessário, no entanto, eu recusava-me a ir! Não queria atrasar os meus colegas….
Mas desta vez foi diferente! A Maria ajudou-me! Eu estava feliz! No intervalo, a minha nova amiga veio lanchar comigo, aí explodi de felicidade! - De que gostas? – Perguntei-lhe. - Gosto de conversar e jogar Boccia, e tu? – Questionou-me ela.
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- Não acredito! Tu gostas de jogar Boccia! – Exclamei eu, surpreendido.
- Gosto muito, aprendi a jogar com o meu irmão. Ele anda numa cadeira de rodas e gosta de jogar… por isso eu aprendi, para poder jogar com ele. Depois desta conversa senti-me mais forte, mais feliz, era como se o mundo de repente ficasse mais bonito e o meu corpo mais leve! Depois das aulas, convidei a Maria para vir a nossa casa jantar. Quando chegámos, fomos jogar Boccia, também jogámos xadrez, damas, entre outros. A minha mãe estava de muito bom humor porque, finalmente, via-me com uma nova amiga e mais feliz.
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De manhã, estava com vontade de ir para a escola, pois já tinha alguém para me ajudar a enfrentar os problemas. A Maria compreendia-me perfeitamente, até parecia que ela partilhava as nossas dificuldades, minhas e do seu irmão. Ao fim de algum tempo, a doença tornou-se mais leve, por causa da amizade com a Maria, que passou a ser muito mais do que isso. Já não me sentia inferior aos outros, mas, quando tentava levantar-me, ainda precisava de ajuda e isso entristecia-me. Felizmente a felicidade voltava logo, porque sabia que a Maria me vinha socorrer. Ela era extraordinária, era simpática, compreensiva e estava lá nos momentos mais difíceis para me dar forças, algo que eu sempre admirei numa miúda. O tempo foi passando e, como tal, a minha amizade com Maria foi-se fortalecendo. Um dia ganhei coragem e perguntei-lhe: - Por que razão tiveste que mudar de escola nesta altura do ano? “Ensina-me com amor e eu aprendo.”
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- Sabes, às vezes somos obrigados a tomar decisões muito difíceis, mas necessárias, porque há pessoas que têm como objetivo fazer mal às outras. Por isso, percebo o teu sofrimento, uma vez que já passei pelo mesmo. - Queres contar-me o que se passou? - Inquiri. - Sim, talvez me faça bem partilhar contigo esta mágoa. Havia um grupo de raparigas do qual se destacava a Joana, por ser a mais popular, mas esta insistia em magoar-me de todas as formas, principalmente em público. Tentei suportar isto durante algum tempo, mas as represálias tornaram-se insuportáveis ao ponto de ter que tomar a decisão de mudar de escola. Ainda bem que o fiz.
Certo dia, ao chegarmos à escola, encontrámos o Jó caído no chão e em dificuldades. A minha primeira reação foi ignorar e assim “Ensina-me com amor e eu aprendo.”
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vingar-me do que me tinha feito, porém, rapidamente me lembrei das vezes sem conta em que fiquei na mesma situação, indefeso no chão, sem ninguém que me ajudasse! Então, decidi fazer o mais correto e mais humano e estendi-lhe a mão. Para meu espanto a sua reação não foi a melhor, pois, em vez de aceitar a ajuda, continuou a mostrar o seu desprezo através de insultos e gritos. Então decidi deixá-lo! Nesse mesmo dia, na aula de Português, a professora informou a turma que iria ter uma aula diferente com uma palestra sobre o tema da “Igualdade entre os seres humanos”. Tudo era uma boa desculpa para não termos de “aturar” mais uma aula sobre gramática, mas afinal o que nós achávamos que ia ser uma seca tornou-se interessante e mostrou-nos o quanto é importante sabermos conviver e aceitar a diferença.
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A meio da palestra notei que o Jó, o rapaz mais forte do 9.º ano, estava com os olhos brilhantes, marejados de lágrimas. Mas mais surpreendido fiquei quando, no final, veio ter comigo com uma atitude diferente do habitual. Em poucas palavras este explicou-me que durante muito tempo tinha sofrido de violência por parte de um tio e que fazer mal aos outros era uma forma de ele se vingar do que tinha
passado.
Pediu
repetidamente
desculpa
pelo
seu
comportamento e atitudes deixando-me sem palavras. Quando acabou a palestra, o professor Daniel disse-nos que íamos a uma visita de estudo no âmbito da disciplina de Formação Cívica, com o objetivo de integrar os alunos das várias escolas em atividades desportivas. Todos gostamos da ideia, então eu perguntei ao Jó se queria ser o meu companheiro no autocarro.- Mas tens a certeza de que queres que eu seja o teu companheiro no autocarro, depois de todo o mal que eu te fiz? - Sim, tu já me explicaste o porquê de me teres feito o que fizeste. Todos nós temos de ter uma oportunidade - expliquei. - OK, vou contigo! - disse muito animado o Jó.
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O dia chegou, todos partimos muito felizes, da escola, pois era a primeira visita realizada ao exterior. Já no pavilhão Rosa Mota, a confusão era total, mas nós sentíamo-nos maravilhados, porque aquele pavilhão tinha o nome de uma atleta conhecida e apresentava as melhores condições para a prática de modalidades desportivas, como o Boccia, atletismo, andebol, entre outras.
Todos podíamos participar em várias modalidades, para isso bastava inscrevermo-nos! Inscrevi-me no Boccia e o Jó esteve sempre ao meu lado a incentivar-me. Sofri muito para que a minha equipa vencesse o adversário. Mas tudo correu na perfeição.
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De regresso à escola, nós sentíamo-nos reconhecidos pelo esforço que tínhamos feito para ultrapassarmos os obstáculos e, acima de tudo, tínhamos beneficiado do apoio mútuo. No dia seguinte, quando cheguei à escola, sentia-me orgulhoso e triunfante; ao longe, reparei que havia uma concentração de alunos que estava à volta de alguém: era o Jó. Fiquei surpreendido e aproximei-me: Que se passa?
- Estão todos a troçar do Jó, pois ele, ao contrário do habitual, preferiu apoiar um jogo de pessoas com dificuldades físicas! - Disse o Paulo. - Isso não faz sentido! Ele apenas quis incentivar-me e apoiarme! – Irritei-me.
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- Pois, tenta explicar isso aos rufias que o estão a chatear. Entretanto, chegou a Maria com o Diretor da escola. Ele perguntou: - O que se passa aqui? Um dos maiores rufias, o Hugo, pôs-se à frente do grupo e exclamou: - Nós apenas estávamos a defender o Vasco, pois o Jó estava a bater-lhe novamente e a insultá-lo! Eu, ao ouvi-lo, defendi o Jó, dizendo que era mentira. Depois de escutar com atenção todas as versões do acontecimento, o Diretor tomou uma decisão: os agressores ficariam sem intervalo, durante uma semana, e nesse período deveriam escrever uma composição subordinada ao tema “Bullying”.
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O resto do dia decorreu com normalidade, porém, à saída da escola, os rufias viram-me e agrediram-me e insultaram-me e atiraram a minha mochila para um caixote do lixo que estava ali bem perto. De repente, surge o meu amigo Jó, que me ajudou a afugentar aqueles malfeitores! Finalmente, chegaram as férias grandes! O verão estava à porta. Já só pensávamos em brincar, em ir para a praia, para a piscina, tirar fotos divertidas, filmar acontecimentos extraordinários… Um dia, a Maria apareceu na minha casa, muito entusiasmada, com um folheto que divulgava uma competição de Boccia - Queres participar neste evento? – Propôs a Maria. - Sim! Já tenho uma ideia para formar a nossa equipa: eu e o teu irmão Pedro fazemos equipa e tu e o Jó serão o nosso staff. - Então, já sabias da competição? – Perguntou a Maria admirada. - Claro! Estava mesmo à espera desta oportunidade para mostrar o quanto valemos! Na manhã seguinte, bem cedinho, eu, a Maria e o Jó fomos tratar das inscrições, não fosse o prazo terminar. Qual não foi o nosso espanto, quando atrás de nós a equipa daqueles malvados rufias, chefiada, mais uma vez, pelo Hugo, também estava à espera para se inscrever. “Ensina-me com amor e eu aprendo.”
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Inesperadamente, o Jó virou-se para trás:
- Olá, colegas! Também vão participar? – perguntou com curiosidade. Ao mesmo tempo ficamos admirados e também nos sentimos assustados com a possível “nega”... Porém, reparamos que os seus rostos adquiriram um tom avermelhado e umas gotinhas de suor começavam a aparecer… estavam verdadeiramente envergonhados! O Hugo respondeu: - Sim, vamos participar! O Vasco tem um primo com paralisia cerebral que vai participar e vai trazer um colega da escola dele para fazerem equipa. E vocês, quantos elementos tem a vossa equipa?
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- A nossa equipa é constituída por mim e pelo Pedro, que é irmão da Maria. Apesar de se deslocar numa cadeira de rodas, é um campeão nesta modalidade! - Olhem! Tive uma ideia! O que acham de irmos todos? – Sugeriu o Hugo. Eu, o Jó e a Maria olhamos uns para os outros, incrédulos com esta sugestão e com este novo comportamento dos rufias, que claramente se queriam aproximar de nós. No entanto, não podíamos tomar qualquer decisão sem o elemento da nossa equipa que não estava presente, o Pedro. Nesse momento, a Maria sugeriu: - Parece-me que o melhor será encontrarmo-nos lá.
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Nos dias que se seguiram, começou a competição. Todos se preparavam, treinando dia e noite, noite e dia, para que a competição fosse inesquecível. E assim, em cada jogo conseguíamos uma vitória, aproximandonos cada vez mais da última fase. Passamos à final e, para nosso espanto, a equipa adversária era a equipa apoiada pelo Hugo.
Chegado o momento do confronto final, desgraça… a cadeira do Pedro teve uma avaria no motor! Para nós seria o fim do sonho! Será que alguém teria mexido na cadeira? Como resolver esta situação? O Pedro sentia-se destroçado! Tinha treinado tanto… A solução chegou! Ao aperceber-se do sucedido, o júri do campeonato emprestou-lhe uma cadeira nova. Embora não fosse
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adaptada à sua doença, a vontade do Pedro era superior a este problema. E assim deu-se início ao jogo. Apesar das rivalidades, ambas as equipas desejaram boa sorte, inexplicavelmente. Durante o jogo, a equipa do Hugo encontrava-se em grande vantagem. Porém, após alguns minutos, houve uma reviravolta total e começamos a dominá-lo completamente. Acabamos por vencer a final e ser sagrados os campeões. O Hugo e os companheiros vieram ter connosco para nos darem os parabéns e disseram que a vitória tinha sido muito justa. Quando fomos chamados ao palco para receber o troféu, chamamos a equipa do Hugo, para partilhar aquele momento connosco. Seguiu-se um convívio entre todos os elementos de todas as equipas que participaram. Hoje, passados vários anos, somos todos adultos e somos felizes. Uns mais felizes do que outros. Mas somos todos amigos. O que nós nos rimos, sempre que nos encontramos, lembrando aqueles tempos inesquecíveis, tão importantes para o nosso crescimento! Apesar do Bullying e de todas aquelas cenas…A grande amizade, que prevaleceu com a Maria, evoluiu para um sentimento especial que nos levou ao altar.
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A doença nunca desapareceu das nossas vidas, mas a formação académica de Maria e sua especialização nessa área deu-nos alento e força para que eu e o Pedro conseguíssemos prolongar a nossa esperança de vida. Para além disso, na companhia do Pedro, criamos uma associação para podermos ajudar todos aqueles que padecem de AME (Amiotrofia Muscular Espinhal). Quem me dera … que no mundo não houvesse violência e que para a AME, entre outras doenças, se descobrisse a cura e aí, sim, todos passariam a viver verdadeiramente felizes! Todos diferentes, todos iguais!
AME E SERÁ FELIZ… “Ensina-me com amor e eu aprendo.”
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“Se uma criança não aprende do jeito que ensinamos, temos que ensiná-la do jeito que ela aprende”. Ignácio Estrada
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Agrupamento de Escolas de Padre Benjamim Salgado
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