O Desenvolvimento nos Media
Percepções e Visões de Jornalistas e Profissionais da área do Desenvolvimento Ana Filipa Oliveira e Raquel Faria
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Título
O Desenvolvimento nos Media – Percepções e Visões de Jornalistas e Profissionais da área do Desenvolvimento Autoria
Ana Filipa Oliveira e Raquel Faria Edição
ACEP capa e criação Gráfica
Ana Grave paginação
Ana Filipa Oliveira / ACEP Impressão
GUIDE Artes Gráficas Data
Janeiro de 2016 ISBN
978-989-8625-12-0 Depósito legal
Esta publicação foi elaborada com o apoio do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua e da Fundação Calouste Gulbenkian O conteúdo do mesmo é da responsabilidade exclusiva das autoras e dos promotores, e em nenhum caso pode considerar-se como reflectindo o ponto de vista dos financiadores.
ÍNDICE
5/
lista de organizações, entidades e media
7/
introdução
A RELAÇÃO ENTRE JORNALISTAS E PROFISSIONAIS DA ÁREA do Desenvolvimento
9/
metodologia
75/ CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO
PARTE 1 13 / 15 /
23 /
PARTE 3 73 /
92 /
DESAFIOS DO RELACIONAMENTO
OS ‘MEDIA’ E O DESENVOLVIMENTO O ESTADO DO JORNALISMO E A CRISE DA REPORTAGEM INTERNACIONAL AS ORGANIZAÇÕES de Desenvolvimento e a situação actual do jornalismo
PARTE 4 99 /
AS ESTRATÉGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES DE COOPERAÇÃO e Desenvolvimento
A PROFISSIONALIZAÇÃO DA COMUNICA ÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES – AINDA O PARENTE pobre? 101 /
PARTE 2 29 /
31 /
A QUALIDADE E OS CONSTRANGIMENTOS DO JORNALISMO A QUALIDADE DA INFORMAÇÃO sobre Desenvolvimento
CONSTRANGIMENTOS DO JORNALISMO ACTUAL – E DOS JORNALISTAS – NA COBERTURA DE TEMAS DE DESENVOLVIMENTO
53 /
O CONTACTO COM OS JORNALISTAS – BASE DE CONTACTOS E ‘MEDIA TRACKING’ 112 /
A CLONAGEM DAS NOTÍCIAS – os comunicados de imprensa enquanto notícia “chave na mão” 116 /
A IMPRENSA ESPECIALIZADA E... UMA AGÊNCIA DE NOTÍCIAS SOBRE DESENVOLVIMENTO? 118 /
A VISÃO DOS JORNALISTAS SOBRE OS ERROS DE ABORDAGEM DAS ORGANIZAÇÕES 120 /
PARTE 5 125 /
ESTRATÉGIAS PARA MELHORAR A QUALIDADE DA COMUNICAÇÃO / INFORMAÇÃO SOBRE o Desenvolvimento
127 /
SUGESTÕES DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA DO DESENVOLVIMENTO
147 /
SUGESTÕES DOS JORNALISTAS’
PARTE 6 161 /
CONCLUSÕES e recomendações
163 /
conclusÕES
166 /
RECOMENDAÇÕES
170 /
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
171 /
Anexos
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Lista de Organizações e entidades ACEP Associação para a Cooperação Entre os Povos www.acep.pt
UCOIMBRA Universidade de Coimbra www.uc.pt
ASSOCIAÇÃO COOLPOLITICS www.coolpolitics.pt
ULISBOA Universidade de Lisboa www.ulisboa.pt
ASSOCIAÇÃO IN LOCO www.in-loco.pt
UMINHO Universidade do Minho www.uminho.pt
CEis20 Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX www.uc.pt/iii/ceis20
VIDA Voluntariado Internacional para o Desenvolvimento www.vida.org.pt
CEsA Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina do ISEG/ULisboa www.iseg.ulisboa.pt/~cesa CESO Development Consultants www.ceso.pt CICL Camões - Instituto da Cooperação e da Língua www.instituto-camoes.pt CPR Centro Português para os Refugiados www.cpr.pt FCG
Fundação Calouste Gulbenkian www.gulbenkian.pt
FEC
Fundação Fé e Cooperação www.fecongd.pt
IPPORTALEGRE Instituto Politécnico de Portalegre www.ipportalegre.pt IPVC Instituto Politécnico de Viana do Castelo www.ipvc.pt OIKOS Cooperação e Desenvolvimento www.oikos.pt PLATAFORMA PORTUGUESA DAS ONGD www.plataformaongd.pt SOS RACISMO www.sosracismo.pt
Lista de media ATÉ AO FIM DO MUNDO www.ateaofimdomundo.com BAGABAGA STUDIOS www.bagabagastudios.org DIÁRIO DE NOTÍCIAS www.dn.pt EL PAÍS - PLANETA FUTURO www.elpais.com/elpais/planeta_futuro.html EXPRESSO www.expresso.pt LUSA
www.lusa.pt
PÚBLICO www.publico.pt RTP
www.rtp.pt
THE GUARDIAN - GLOBAL DEVELOPMENT www.theguardian.com/global-development
ANA FILIPA OLIVEIRA Trabalha na Associação para a Cooperação Entre os Povos (ACEP) desde 2009 (na sequência da realização de um estágio InovMundus), onde desenvolve sobretudo projectos na área da advocacia e de sensibilização da opinião pública sobre as questões relacionadas com o Desenvolvimento e na relação com os Media. É licenciada em Jornalismo pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e concluiu o Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa, em 2011. Tem sido responsável pela elaboração do relatório Aid Watch, que monitoriza a política portuguesa de Cooperação para o Desenvolvimento. Foi ainda coordenadora do Grupo de Trabalho Aid Watch da Plataforma Portuguesa das ONGD, entre 2010 e 2015.
RAQUEL FARIA É licenciada em Administração Pública – menor em Ciência Política, mestre em Ciência Política pela Universidade de Aveiro e doutorada em Altos Estudos em História – Época Contemporânea, com tese na área da Cooperação Portuguesa, pela Universidade de Coimbra. Investigadora do Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina / Investigação em Ciências Sociais e Gestão (CEsA/CSG-ISEG/ ULisboa), designadamente nos seguintes projetos: Aquele outro mundo que é o mundo: o mundo dos Media e o mundo do Desenvolvimento (desde 2014), Memórias de África e do Oriente (desde 2009), o Cluster como instrumento teórico e prático da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento Portuguesa: o caso de Moçambique, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe e Angola (2012-2014), Alfabeto do Desenvolvimento” (2011-2012) e o Fórum da Cooperação para o Desenvolvimento (2008-2011). 6
introdução
Os Media são hoje entendidos como catalisadores de mudança. É indiscutível a sua influência nas opiniões e atitudes de uma sociedade e do seu poder na construção da imagem dos Outros e daquilo que não lhe é imediatamente próximo. Em Portugal, os temas relacionados com o Desenvolvimento, nomeadamente as relações de Cooperação entre Portugal e os países em Desenvolvimento, têm pouco espaço na cobertura mediática nos Media – seja na imprensa escrita, no online, na televisão ou na rádio. Para além da escassez da informação disponível, esta é muitas vezes simplista quando trata determinados temas relacionados com o Desenvolvimento internacional e redutora por abordar apenas parte da relação com os países em Desenvolvimento, centrado-se sobretudo na relação de Portugal com os outros. As questões de Desenvolvimento, nomeadamente aquelas com impacto de longo prazo, têm por isso pouco espaço e tempo de antena nos Media portugueses e as oportunidades de debate entre profissionais da área do Desenvolvimento e da Cooperação e profissionais dos Media têm também sido manifestamente insuficientes. Foi a partir deste diagnóstico que a Associação para a Cooperação Entre os Povos (ACEP), que tem realizado actividades de sensibilização da opinião pública e de influência política em Portugal, propôs desenvolver o projecto Aquele Outro Mundo que é o Mundo – O Mundo dos Media e o Mundo do Desenvolvimento, em parceria com dois centros de investigação – o Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina / Unidade de Investigação em Ciências Sociais e Gestão (CEsA-CSG/ULisboa), o Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20/UCoimbra) – e a Associação Coolpolitics, uma organização que trabalha com jovens jornalistas. 7
A proposta foi acolhida pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e pela Fundação Calouste Gulbenkian, que permitiram o acesso a recursos financeiros necessários para a viabilização do projecto. O desafio actual é precisamente compreender e debater conjuntamente como colocar esses temas na agenda informativa, de forma consistente, contribuindo assim para a promoção de uma sociedade mais esclarecida e para uma cidadania verdadeiramente global. Este estudo serve de ponto de partida a um diálogo entre jornalistas e profissionais de Desenvolvimento que pretendemos incentivar ao longo deste projecto e que permaneça para além dele. No Capítulo 1, a partir de uma breve análise bibliográfica sobre a relação entre os Media e o Desenvolvimento, procuramos analisar os factores reconhecidos para a escassa cobertura de temas relacionados com o Desenvolvimento internacional nos Media mainstream, nomeadamente a escassez de tempo e de recursos para a cobertura internacional de acontecimentos; a velocidade da informação; a pressão das lógicas comerciais; a redução do jornalismo especializado nas redacções; e a predominânica do infotainment (a [con]fusão entre informação e entretenimento, também denominada como “informação-espectáculo”). Este capítulo finaliza com um conjunto de sugestões recolhidas na revisão bibliográfica para melhorar a qualidade da comunicação das ONG e a sua abordagem aos jornalistas. Os capítulos seguintes integram os contributos que recolhemos em entrevistas individuais, grupos focais e inquéritos realizados aos dois grupos de profissionais (ver Metodologia). Dada a riqueza dos depoimentos, optámos por uma abordagem dialéctica sobre as percepções e opiniões de jornalistas e profissionais da área do Desenvolvimento em temas como a qualidade da informação sobre Desenvolvimento, a relação entre os dois grupos, os constrangimentos e estratégias para melhorar esse relacionamento e a cobertura jornalística destes temas.
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metodologia
O presente estudo divide-se em cinco grandes capítulos, para além das necessárias introdução e conclusão, e adicionalmente uma secção dedicada a toda a informação complementar – os anexos. Destes capítulos, apenas o primeiro é de natureza mais teórica, no sentido em que corresponde ao chamado estado de arte, onde se procura não só fazer uma revisão da literatura mais significativa ao nível da temática, mas também contextualizar a investigação no âmbito nacional. Os restantes, apesar de construídos essenciamente em forma textual, serão de natureza mais prática, uma vez que corresponderão ao tratamento tanto das entrevistas como dos inquéritos por questionários desenvolvidos, enquanto técnicas de investigação seleccionadas. A este nível é importante referir que, enquanto técnicas utilizadas no domínio das ciências sociais, as entrevistas se destacam, segundo Quivy & Campenhoudt (2008), principalmente pelo grau de profundidade da informação recolhida, pela flexibilidade e pela fraca directividade do próprio dispositivo que permite, por um lado, recolher as impressões, opiniões ou testemunhos dos entrevistados e, simultaneamente, as interpretações de quem conduz a entrevista, respeitando, contudo, os quadros de referência (linguagem e categorias mentais). Efectivamente, através das entrevistas o investigador tem a possibilidade de retirar todo um conjunto de informações e elementos de reflexão extremamente ricos e cruciais para qualquer estudo, que só é possível através do contacto directo, onde há, à partida, “uma verdadeira troca, durante a qual o interlocutor do investigador ex9
prime as suas percepções de um acontecimento ou de uma situação, as suas interpretações ou as suas experiências.” (Quivy & Campenhoudt, 2008, p. 192)
Tendo presente que a entrevista pode ser de três tipos – semi-directiva ou semi-dirigida, centrada, aprofundada e pormenorizada – importa mencionar que optamos pelas duas primeiras tipologias, não só pela semi-directiva ser das mais utilizadas no âmbito das ciências sociais e por se adequar ao modelo de entrevista que pretendemos desenvolver junto dos nossos entrevistados [uma entrevista que para além de não ser totalmente aberta, também não é constituída por um conjunto muito grande de questões (Quivy & Campenhoudt, 2008)], mas também pela segunda ser a mais indicada para os grupos focais realizados. A este nível, podemos afirmar que, e em relação às entrevistas semi-directivas, o guião utilizado tinha cerca de cinco questões, e funcionava, precisamente, como um guia de orientação, no sentido em que a entrevista não tinha que seguir necessariamente a ordem daquelas questões e dava espaço para o entrevistado abordar temas, que dentro da temática e procurando não fugir obviamente aos temas essenciais para este estudo, eram importantes do seu ponto de vista. Igualmente, essas mesmas questões não tinham que, necessariamente, ser colocadas como inicialmente formuladas. Em relação aos grupos focais e ao desenrolar dos mesmos, não foram estabelecidas, previamente, quaisquer questões, mas antes uma série de tópicos que teriam que ser abordados, independentemente da sua ordem. A ideia era, acima de tudo, promover o diálogo entre as partes de forma a debatermos e chegarmos a conclusões relativamente aos tópicos assinalados. Quanto à segunda técnica utilizada, os inquéritos por questionário enquanto “uma série de perguntas relativas à sua situação social, profissional ou familiar, às suas opiniões, à sua atitude em relação a opções ou questões humanas e sociais, às suas expectativas, ao seu nível de conhecimentos ou
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de consciência de um acontecimento ou de um problema, ou ainda sobre qualquer outro ponto que interesse os investigadores” (Quivy & Campenhoudt, 2008, p. 188)
pode ser de dois tipos: administração directa e indirecta. Optamos pela segunda, no sentido em que o próprio inquirido é que preenche o questionário, sendo que este esteve disponível numa plataforma online da Universidade de Coimbra – o LimeSurvey - durante dois meses, mais precisamente entre Junho e Julho de 2015. Tendo em conta a população alvo do estudo, ou seja, os profissionais da área do Desenvolvimento e os jornalistas, foram desenvolvidos dois guiões de inquéritos, adaptados a cada um dos grupos de profissionais. O guião apresentado aos profissionais da área do Desenvolvimento foi constituído por cinco grupos de questões, a saber: 1. Dados sociográficos; 2. Desenvolvimento – valores e conceitos; 3. Desenvolvimento na actualidade e no futuro; 4. Desenvolvimento nos Media; 5. A relação entre os actores do Desenvolvimento e os jornalistas. Já o segundo guião foi constituído por quatro: 1. Dados de actividade profissional; 2. Dados sociográficos; 3. Questões normativas do jornalismo; 4. Questões relativas ao relacionamento entre os jornalistas e as instituições e organizações de Desenvolvimento. Estas duas técnicas de investigação, pela sua própria natureza, exigem um determinado tipo de tratamento. A este nível, e tendo em conta as respostas dadas (número de questões validadas e conteúdos das mesmas) nos inquéritos preenchidos, optamos pelo tratamento estatístico a partir do Microsoft Excel, uma vez que não se justificava fazê-lo através de o Statistical Package 11
for the Social Sciences (SPSS). Não foram considerados os inquéritos cuja percentagem de resposta era nula ou inferior a 50%. Quanto às entrevistas, que foram gravadas e finalizadas com um breve vídeo resumo da conversa, e aos grupos focais, igualmente transcritos, o tratamento passou, essencialmente, por duas fases: transcrição e construção de uma matriz de análise. Esta matriz, desenvolvida igualmente no Microsoft Excel foi construída de forma a sintetizar os aspectos essenciais [relacionamento; desafios do relacionamento; qualidade da informação/erros na cobertura jornalística de temas de Desenvolvimento; constrangimentos; estratégias/meios de informação/comunicação dos profissionais da área do Desenvolvimento; profissionalização da sua comunicação; estratégias para melhorar não só a qualidade da comunicação e informação, mas também o relacionamento entre os dois grupos de profissionais] de cada uma das entrevistas realizadas, num total de 26, 12 das quais a jornalistas, e dos dois grupos focais realizados no Espaço Mira, no Porto, e no Sindicato dos Jornalistas, em Lisboa.
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parte 1
os ‘media’ e o desenvolvimento
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O estado do Jornalismo e a crise da reportagem internacional “Há tantas vozes em falta. Vozes de crianças, mulheres, idosos. Vozes de imigrantes, requerentes de asilo, refugiados, ciganos, incapacitados, gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. Vozes de quem vive na pobreza, na extrema pobreza, na indigência. Vozes de quem mora fora dos grandes centros urbanos. As rotinas de produção, pautadas por restrições de tempo e de espaço desempenham um papel fulcral nestas omissões. A sobrecarga de trabalho é um sério obstáculo.” Ana Cristina Pereira e Mike Jempson, in Todas as Vozes, a diversidade e os Media (2014)
O jornalismo e os jornalistas enfrentam hoje numerosos desafios. À crise económica que despoletou um longo debate sobre o modelo de sustentabilidade do jornalismo (ainda em curso), junta-se a crise da legitimidade da profissão, a crise do emprego e da consequente precarização que desencadeiam uma série de submissões penalizadoras da liberdade e da independência do jornalismo (Peixinho et al, 2015). A estas crises acrescem as pressões de rentabilidade, de concorrência e competitividade, de produção de conteúdos que garantam audiências, de produtividade multifacetada para alimentar as plataformas disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, e de rapidez na publicação das notícias de última hora (Lopes, 2015: 5). Nas últimas duas décadas, com a proliferação de órgãos de comunicação social privados, as lógicas de mercado penetraram nos Media portugueses, à semelhança do que acontece no resto da Europa e do mundo. De uma filosofia da comunicação social à qual se atribui uma função de serviço público e de contrato entre o órgão de comunicação social e a sociedade, passou-se para 15
os ‘media’ e o desenvolvimento / parte 1
uma lógica de “indústria da comunicação”, que se reporta a uma informação mais espectacularizada, que muitas vezes confunde informação com entretenimento (infotainment), e hipermediatizada, sobretudo com o aparecimento de canais televisivos dedicados exclusivamente à informação e que necessitam de preencher espaços informativos 24 horas por dia, sete dias por semana. As novas tecnologias e a internet – assim como o rápido desenvolvimento dos novos Media – vieram impor um novo paradigma, acelerando o processo de produção jornalística, tornando-o voraz, competitivo e permanente. Esta expansão do espaço noticioso está, portanto, em contracorrente com um tipo de jornalismo mais reflexivo, com tempo para estar. É precisamente nesta vertente de jornalismo lento (Osnos, 2013) que se encontra a reportagem, o género nobre, hoje também assolado pela crise. Os cortes que as redacções sofreram nos últimos anos têm naturalmente reflexos na cobertura internacional com conteúdos próprios. Uma leitura atenta dos jornais (diários e semanários), dos noticiários (radiofónicos e televisivos) e das suas plataformas online levam à constatação de que a cobertura de temas internacionais em Portugal é realizada, quase na sua totalidade, com recurso a informação disponibilizada por agências noticiosas internacionais (que cada vez mais recorrem a jornalistas freelancer, alegando também estas constrangimentos económicos). No caso português, por exemplo, assistimos ao emagrecimento das delegações internacionais da agência de notícias Lusa e, nalguns casos, à sua fusão com os escritórios locais do serviço público televisivo (RTP), como acontece na Guiné-Bissau. O modelo de concentração dos Media, adoptado por diversas empresas de comunicação social, de rentabilização de conteúdos entre diferentes órgãos de comunicação social, parece transposto para as empresas públicas da área, que operam na mesma lógica. A par do encerramento de delegações locais um pouco por todo o mundo, também as viagens por iniciativa da redacção estão reduzidas ao limite. Em 2009, a organização internacional Oxfam, em parceria com a iniciativa POLIS – Journalism and Society da London School of Economics, divulgou um estudo com o sugestivo título “O Grande Apagão Global”, sobre a redefinição da cobertura 16
internacional no serviço público dos Media britânicos1. O documento, em tom de alerta sobre os perigos de redução da cobertura de temas internacionais, é incisivo nas críticas às intenções do serviço público: “A cobertura internacional é um bocadinho como os brócolos. Pode não ser particularmente apetitosa, mas é boa para nós. (...) [A redução da cobertura jornalística internacional] seria um ato de vandalismo cultural que substituiria a perspetiva de uma visão cosmopolita e interligada do mundo para uma versão provinciana sem passaporte para a realidade.” (Harding, 2009: 3) 2
/ 1 Acessível em http://
bit.ly/GlobalSwitchOff.
/ 2 Destaque nosso.
O jornalismo sedentarizou-se. Neste contexto de múltiplos constrangimentos – endógenos e exógenos – à prática jornalística, e sobretudo à sua função social de relatar o mundo, há várias questões a colocar: Como manter a diversidade de vozes, de histórias, nos Media? Como ir ao fim da rua e ao fim do mundo? Como trazer para o nosso quotidiano os temas de Desenvolvimento? As respostas não são simples, nem imediatas. Porém, começam a surgir alguns exemplos que vale a pena destacar neste exercício.
O Desenvolvimento internacional nos Media – que alternativas? Partindo da constatação de que os temas de Desenvolvimento não têm tido o devido espaço ou tempo de antena nas editorias convencionais dos Media mainstream, vários órgãos de comunicação social de referência, à escala global, criaram editorias próprias dedicadas ao tema. É o caso do jornal britânico The Guardian que, em 2010, graças a um prémio concedido pela One World Media3, criou a editoria Global Development, parcialmente financiada pela Bill and Melinda Gates Foundation. Como o próprio site indica, o conteúdo é editorialmente indepen-
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/ 3 One World Media, www.oneworldmedia. org.uk.
os ‘media’ e o desenvolvimento / parte 1
/ 4 Ver mais em http:// bit.ly/aboutGuardian. / 5 Consultar em http:// bit.ly/povertymatters .
dente dos financiadores e tem como objectivo focar-se no Desenvolvimento global, em particular nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e na sua transição para os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), acordados em setembro de 2015 na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. O The Guardian adverte ainda que toda a produção jornalística sob sua chancela segue o código editorial da GNM (Guardian News & Media), “comprometido com um jornalismo aberto, reconhecendo que se alcança uma melhor compreensão do mundo quando colaboramos, partilhamos conhecimento, incentivamos o debate, acolhemos os desafios e capitalizamos a experiência dos especialistas e das suas comunidades”4. O The Guardian detém ainda o blogue Poverty Matters5 que agrega as notícias mais significativas da editoria Global Development e funciona também como newsletter quinzenal sobre estes temas. A editoria inclui notícias (news) diversificadas – em temas e geografias –, artigos de análise mais aprofundada (in depth) sobre as questões de Desenvolvimento e artigos de opinião de especialistas para espoletar o debate (talking points), além de uma secção multimédia (com galerias de fotografia, podcasts e vídeos). O ano de 2015 foi particularmente importante para o futuro da Cooperação para o Desenvolvimento, com três cimeiras que procuraram definir a agenda para os próximos 15 anos – a primeira aconteceu em Adis Abeba, na Etiópia (julho de 2015), sobre financiamento para o Desenvolvimento, a segunda em Nova Iorque (setembro de 2015) para discutir os sucessores dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e a terceira em Paris (dezembro de 2015) dedicada ao Desenvolvimento sustentável e às alterações climáticas. A Global Development desempenhou um papel crucial na cobertura destas cimeiras (divulgando informação em directo, através de um blogue de feed permanente) e na sua compreensão sobre o que está em jogo. Os meses que antecederam estes encontros foram particularmente frutíferos em relatórios e documentos de posição produzidos por agências 18
de Desenvolvimento, ONG e organizações internacionais, que eram “descodificados” e tratados do ponto de vista jornalístico pelo The Guardian no âmbito desta editoria. A editoria oferece ainda infografias e mapas interactivos que permitem uma leitura visual e mais simples de temas considerados complexos e difíceis de comunicar6. Mais recentemente, em 2014, o jornal global em língua espanhola El País lançou a editoria Planeta Futuro, uma iniciativa que contou também com a colaboração da Bill and Melinda Gates Foundation e que, à semelhança do The Guardian, pretende reforçar a cobertura informativa do jornal em torno de temas relacionados com o Desenvolvimento sustentável e estimular o debate político e social. De acordo com a página do El País, esta editoria representa uma “multiplicidade de vozes e de visões para um espaço que combina o melhor jornalismo com a análise de uma vasta rede de especialistas a quem pedimos que contribuam com a sua visão sobre como abordar o Desenvolvimento humano, desde âmbitos tão diferentes como a economia, a saúde, a educação, os Direitos Humanos e as políticas de género”7. Estes são dois exemplos de práticas internacionais, ambas em jornais globais de referência, que acompanham as temáticas relacionadas com o Desenvolvimento, desde os grandes debates promovidos pelas Nações Unidas até a estórias dos locais mais remotos do planeta, contrariando a lógica da lei da proximidade que determina que aquilo que nos é mais próximo – cultural e geograficamente – é mais susceptível de se tornar notícia.
/ 6 A título de exemplo,
ver a infografia sobre a transição dos ODM para os ODS em http://bit.ly/ GuardianInfografiaODS
/ 7 Mais informação em http://bit.ly/PlanetaFuturo.
Outros exemplos Além destes exemplos nos Media mainstream, começam a surgir outros canais informativos com a mesma lógica de cobertura de temas relacionados com o Desenvolvimento e os Direitos Humanos a nível global que, à partida, não cabem nos noticiários televisivos, nas manchetes e nos espaços noticiosos da rádio mais convencionais. É o caso do Ponte – Direitos Humanos, Justiça e Segurança Pública, da Pública 19
os ‘media’ e o desenvolvimento / parte 1
– Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo, ou da ProPública, no Brasil; ou ainda do periodismohumano e da FronteraD, em Espanha, apenas para citar alguns exemplos. Estes canais de informação alternativos surgem, na sua grande maioria, da iniciativa de jornalistas que defendem o fortalecimento do direito à informação, à qualificação do debate democrático e à promoção dos Direitos Humanos, e uma maior articulação com a academia. A matriz é comum e transversal nos exemplos supramencionados: investir no jornalismo de investigação e tornar mais visíveis as vozes daqueles mais vulneráveis. Porém, o modelo de sustentabilidade financeira está ainda por definir. Na sua grande maioria, trata-se de Media desenvolvidos por organizações sem fins lucrativos ou assentes em modelos de angariação de fundos junto dos leitores. A FronteraD, por exemplo, apresenta-se como uma revista digital, de jornalismo narrativo, de crónica e de ensaio, em contracorrente com a informação publicada na internet. De acordo com os seus promotores, que são professores de Jornalismo e jornalistas em jornais espanhóis, como o ABC, El Mundo ou El País, a FronteraD “entende que o mundo não é susceptível de ser segmentado em áreas artificiais como internacional, nacional, local, economia ou cultura”. Desta forma, a publicação online recorre a outro tipo de categorias para “arrumar” os seus conteúdos, divididos pelo grau de profundidade ou de análise. Já a Thomson Reuters Foundation e a agência noticiosa das Nações Unidas Reflief Web são outros dois exemplos de cobertura de temas de Desenvolvimento com profundidade, embora noutro registo, mais centrado em temas relacionados com a ajuda humanitária e de emergência e com a visão das agências das Nações Unidas. Em Portugal, não existem ainda editorias nos Media mainstream ou canais de informação exclusivamente dedicados a temas de Desenvolvimento internacional. Também não é prática comum o modelo de mecenato para financiar projectos específicos nesta área, embora comecem a surgir alguns exemplos. É o caso do Público, um jornal diário que, na sua génese, aposta na reportagem. O livro de estilo descreve a reportagem como a “arte da observação, das pessoas e das coisas ou do clima que envolve situações e acontecimentos” e a disponibili20
dade para “captar o imprevisto, que pode dar a um facto à primeira vista banal uma dimensão estimulante ou com mais implicações”. Porém, o jornal vê-se também confrontado com múltiplos desafios que garantam que a reportagem continue a ser uma das bandeiras da publicação. Há cerca de dois anos, o jornal associou-se a um conjunto de mecenas (empresas portuguesas) para criar o Público +, de forma a fazer face às “circunstâncias actuais do sector da imprensa e para consolidar a excelência do jornalismo português”8. O fundo é, desde então, utilizado para a realização de grandes reportagens e projectos multimédia, bem como para duas editoriais específicas do Público – Cultura e Ciência/ Ambiente. É no âmbito desta iniciativa que o Público tem publicado reportagens sobre temas de Desenvolvimento com relevância para a sociedade portuguesa e que não estão necessariamente ancorados à agenda quotidiana da redacção.
/ 8 Mais informação em http://static.publico.pt/ PUBLICOMAIS/ .
Cobrir temas de Desenvolvimento: apenas se sai da redacção a convite? As viagens a convite dirigidas a jornalistas são outra forma de colocar na agenda temas relacionados com o Desenvolvimento percepcionados como relevantes pelos profissionais desta área. Dar a conhecer in loco um projecto ou local onde está a ser desenvolvida uma determinada intervenção é uma forma eficaz de garantir a sua cobertura jornalística, como vários jornalistas e profissionais da área do Desenvolvimento explicam mais adiante neste estudo, alguns dos quais, aliás, afirmam que actualmente apenas se consegue sair da redacção a convite de outras organizações, uma vez que os orçamentos disponíveis reduzem as saídas ao essencial (por exemplo, o acompanhamento da comitiva presidencial a Maputo). Esta abordagem acarreta, porém, alguns riscos e suscita dúvidas no que diz respeito à independência e à ética jornalística e tem já sido apelidada, pelos mais cépticos, como o humanitarian embedment, 21
os ‘media’ e o desenvolvimento / parte 1
numa alusão ao modelo de embedment militar, que diz respeito à integração de jornalistas em unidades militares para cobrir determinadas operações em locais de conflito e que tem sido alvo de críticas pela visão parcial sobre a realidade. Várias organizações de Desenvolvimento – ONG, agência pública de Cooperação para o Desenvolvimento, fundações ou até mesmo empresas –, sobretudo aquelas que valorizam a comunicação na sua orgânica interna, endereçam com frequência convites a determinados jornalistas para dar a conhecer a sua intervenção. Porém, o equilíbrio necessário e o terreno de entendimento entre ambos carece ainda de reflexão. Como teremos oportunidade de ler nos próximos capítulos, vários jornalistas indicam que as viagens a convite são uma das formas mais eficazes de cobrir determinados temas, sobretudo em países ou locais em que as organizações detêm um capital de conhecimento considerável, embora não seja a abordagem ideal, porque a selecção dos temas ou dos locais não parte da sua iniciativa ou da decisão da redacção. Contudo, se a parceria entre jornalistas e profissionais de Desenvolvimento assentar num terreno de entendimento comum, de respeito mútuo e de liberdade na cobertura dos temas, pode constituir-se como uma forma de colaboração que permite a visibilidade de determinadas temáticas – da saúde e educação até às iniciativas de promoção de Direitos Humanos – que de outra forma permanecem fora dos Media e são, portanto, do desconhecimento da maior parte da sociedade. Glenda Cooper (2005) afirma que a relação entre os Media e as organizações de Desenvolvimento tem sido bem definida e quase simbiótica por natureza, porém essa relação está em mudança, à medida que se realizam cada vez mais iniciativas conjuntas de benefício mútuo. As viagens são um exemplo paradigmático: ao jornalista é-lhe permitido o acesso a terrenos que de outra forma não teria acesso e às organizações confere-se-lhes a possibilidade de disseminar a sua mensagem. Porém, as linhas de separação, argumenta a mesma investigadora, estão a desvanecer, uma vez que as organizações têm à sua disposição cada vez mais canais e ferramentas alternativas de comunicação directa com a sociedade: “As novas tecnologias de informação e de comunicação vieram alterar a forma como se cobre a realidade, de onde se faz essa cobertura e, acima de tudo, quem a faz” (Cooper, 2009). 22
As organizações de Desenvolvimento e a situação actual do jornalismo A actual conjuntura do jornalismo nacional e internacional, os novos Media, a internet e o consequente fluxo permanente de notícias abrem novas possibilidades de disseminação das mensagens das organizações de Desenvolvimento através dos Media. Porém, diversos investigadores, como Natalie Fenton que tem estudado estas questões, interrogam-se: este acesso cada vez mais facilitado a canais de comunicação alterou o tipo de mensagens veiculadas pelas organizações ou reforçou velhos paradigmas? Assistimos a uma crescente profissionalização das organizações de Desenvolvimento, nomeadamente das de maior dimensão, como as ONG internacionais. Estas respondem à saturação dos Media ditos tradicionais com uma maior profissionalização dos seus próprios gabinetes de comunicação e, simultaneamente, verifica-se uma crescente integração de jornalistas profissionais nas estruturas das organizações, incorporando as mesmas regras e valores que as redacções dos Media mainstream, replicando rotinas de trabalho. De acordo com Natalie Fenton, os novos Media e a democratização da comunicação que a internet possibilita vieram, no fundo, nivelar o terreno e garantir mais acesso a ferramentas que permitam a disseminação das suas mensagens. Estes profissionais, que foram objecto de análise e de interpelação da investigadora no Reino Unido, utilizam os seus contactos nas redacções e o seu capital cultural para acederem mais facilmente a órgãos de comunicação social e para tornar visível o trabalho realizado pelas organizações que integram. Contudo, esta forma de trabalho está ainda vedada à grande maioria das organizações sem fins lucrativos que, à semelhança do que acontece no jornalismo, sofrem também pressões financeiras e nas suas equipas de trabalho que 23
os ‘media’ e o desenvolvimento / parte 1
impossibilitam a integração de profissionais e uma maior profissionalização dos seus gabinetes de comunicação, como teremos oportunidade de constatar mais adiante neste trabalho. Assistimos, por um lado, a uma proliferação de ferramentas que permitem novas formas de comunicar, como os blogues, os podcasts, as redes sociais, os programas multimédia, entre outros, e, por outro lado, a constrangimentos que dificultam a exploração dessas potencialidades. Natalie Fenton chama-lhe a “sedução do espaço” que logo pode resvalar para uma “tirania da tecnologia”, uma vez que a gestão destas plataformas requer tempo, dinheiro e capacidade técnica que muitas vezes não estão disponíveis nas organizações. A clonagem de notícias Para garantir a disseminação das suas mensagens através dos Media, as organizações que detêm gabinetes de comunicação profissionais mimetizam cada vez mais a estrutura das notícias de forma a disseminarem mais eficazmente as suas mensagens. Esta abordagem pressupõe, muitas vezes, a alteração do seu conteúdo de forma a destacar aquilo que consideram mais noticiável para garantirem a atenção do jornalista. Diversos profissionais consultados para este estudo explicam que recorrem a esta abordagem, construindo notícias com citações dos responsáveis da organização ou simulando entrevistas sobre determinados assuntos e enviando-a aos jornalistas em formato pronto-a-publicar. Esta abordagem tem sido acolhida por muitas redacções que, na urgência de preencher os espaços noticiosos em constante actualização, sobretudo online, as disseminam. Porém, suscita algumas dúvidas, nomeadamente pela pouca – ou nenhuma – intermediação do jornalista e pela anulação do seu papel no processo de realização da notícia. De acordo com Natalie Fenton, não existem ainda evidências suficientes sobre a capacidade das ONG em mudar as agendas mediáticas e desafiar as concepções normativas dos critérios noticiosos. O que se denota é a adaptação das organizações às pressões e às lógicas do jornalismo, que resulta na adopção de uma abordagem de clonagem noticiosa. Outros investigadores, como Simon Cottle, reforçam esta ideia, defendendo que 24
há uma relação de dependência das organizações face aos Media que os vincula cada vez mais à lógica mediática e as leva a replicar modelos e práticas das redacções.
A relação entre jornalistas e os profissionais de Desenvolvimento As estratégias utilizadas pelas organizações de Cooperação e Desenvolvimento na sua abordagem aos Media tem merecido a atenção de académicos, sobretudo no Reino Unido. Porém, a percepção que os jornalistas têm sobre os profissionais de Desenvolvimento e vice-versa é ainda residual. Em 2014, foi divulgado um relatório sobre a opinião dos jornalistas acerca da chamada “indústria do Desenvolvimento” (Aid Industry – What journalists really think) que afirma que os Media estão cada vez mais críticos relativamente ao trabalho desenvolvido pelas organizações, sobretudo por aquelas de âmbito internacional. Baseado em entrevistas realizadas a jornalistas de órgãos de comunicação social como a BBC, a Channel 4, a Sky e a Al Jazeera, o relatório demonstra que estes consideram que as ONG são corporativas, paternalistas e obstrutivas e que os jornalistas encontram cada vez mais apoio na opinião pública quando questionam as ONG sobre o seu trabalho. Entre as várias sugestões que apresentam para melhorar o relacionamento, os jornalistas indicam a urgência de as ONG se tornarem mais transparentes na sua abordagem aos Media e uma maior aposta num relacionamento de benefício mútuo. Os jornalistas precisam de ter acesso às histórias e a relatos em primeira mão, que as agências podem fornecer, e as agências precisam de captar a atenção para determinados problemas, bem como promoverem o seu trabalho. Além disso, indica o mesmo estudo, as ONG devem adoptar uma postura mais proactiva na sua relação com os Media e demonstrar o valor do seu trabalho, em vez de reagirem de forma defensiva às críticas dos jornalistas. O mesmo estudo divulga também a percepção dos profissionais de Desenvolvimento que criticam a falta de compreensão por parte dos jornalistas das dinâmicas do terreno. Um dos entrevistados recorda, por exemplo, a postura de 25
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um jornalista que no meio de uma situação de emergência, em que o profissional de Desenvolvimento estava envolvido, gritou “Despachem-se, tenho deadlines a cumprir!”. No mesmo estudo, os Médecins sans Frontières dão ainda outro exemplo: durante vários meses procuraram alertar para os perigos do vírus Ébola e o impacto que estava a ter em vários países africanos. Porém, a doença apenas conheceu cobertura mediática quando atingiu os primeiros não-africanos e se percepcionou não se tratar de um problema apenas do continente africano. Os académicos que se têm debruçado sobre estas questões indicam que as ONG sabem cada vez melhor quais os requisitos do jornalismo e tentam corresponder-lhes. A investigação realizada por Simon Cottle e David Nolan, por exemplo, indica que as organizações utilizam uma série de estratégias para comunicar de forma mais eficaz as suas mensagens, nomeadamente: / Prepararam a informação e as imagens em conformidade com os requisitos do jornalismo, tornando-se em muitos dos casos uma prática institucionalizada; / Procuram facilitar o acesso dos jornalistas ao terreno, muitas vezes estabelecendo a ponte com as delegações ou parceiros locais; / Reconhecem que os “pseudo-eventos” estão em declínio e que os jornalistas se relevam cada vez mais relutantes em participar nesse tipo de iniciativas; / Recorrem muitas vezes a estratégias para captar a atenção dos Media, através do envolvimento de figuras mediáticas nas causas. O envolvimento de figuras mediáticas em campanhas e causas das organizações é recorrente e, como demonstra este documento, reúne consenso tanto do lado dos jornalistas como dos profissionais de Desenvolvimento. Contudo, a eficácia e o impacto do recurso a este tipo de estratégias carece ainda de reflexão, em Portugal. Estudos desenvolvidos por investigadores britânicos demonstram que o envolvimento de figuras mediáticas em campanhas e iniciativas 26
de advocacy não é um fenómeno particularmente popular, porém é percepcionado como eficaz. De acordo com os investigadores Dan Brockington e Spensor Henson, estas iniciativas apenas beneficiam as figuras públicas envolvidas, uma vez que a sua aparência de altruísmo as torna mais populares perante a opinião pública9. Prova disso são os resultados dos inquéritos realizados pelos dois académicos, publicados no ano passado, que revelaram que dois terços da amostra não sabia fazer a ligação entre a celebridade e a causa que representava.
/ 9 Mais informação
em http://bit.ly/FamousGoodCauses.
Estratégias de comunicação das organizações Terminamos este primeiro capítulo com uma breve lista de sugestões, elencadas pelo The Guardian (Scott, 2013), a partir de contributos vários de organizações e profissionais dos Media e do Desenvolvimento, para que a sua mensagem seja veiculada de forma mais eficaz: / Preparar uma mensagem clara – deve definir-se exactamente o que se pretende comunicar e porquê; / Não virar costas aos novos Media – não se cingir aos formatos mais mainstream e recorrer a outros formatos, sobretudo online, que têm diferentes necessidades dos Media tradicionais; / Incentivar toda a equipa a utilizar as redes sociais – além dos profissionais de comunicação, caso existam, a estratégia de comunicação das organizações deve passar também pelo envolvimento de outros membros da equipa para que estejam sensibilizados em divulgar o seu trabalho; / Envolver os Media locais nos países em Desenvolvimento – as ONG nos países em Desenvolvimento podem desempenhar um papel de apoio a órgãos de comunicação social locais, colaborando e partilhando ideias, experiências e procurando oportunidades de formação e capacitação; / Não definir o sucesso com base nas referências feitas nos Media – o sucesso na disseminação das mensagens não deve ser calculado a 27
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partir do número de menções que determinada organização consegue ter nos Media. A sua estratégia deve ir muito para além desse objectivo e centrar-se, sobretudo, na capacidade de colocar na agenda determinadas histórias e lugares; / Não se focar na promoção da “marca” da ONG – as ONG devem, pelo contrário, procurar sinergias com outras organizações em prol da divulgação das questões de Desenvolvimento; / Utilizar estes tempos de mudança como uma oportunidade – como vimos anteriormente, o jornalismo vive hoje um período de transição e de redefinição que pode ser capitalizado pelas organizações. Porém, estabelecer boas relações com os Media requer tempo e recursos para uma comunicação eficaz; / Aprender o que é notícia – uma melhor compreensão dos valores notícia levam a um melhor entendimento do que é susceptível de ser noticiável; / Ser directo – apostar mais na relação directa e numa interacção oportuna com alguns jornalistas pode ser mais eficaz que enviar briefings e comunicados de imprensa; / Não ser simplista – procurar simplificar as mensagens, mas não as tornar simplistas; / Apostar em jornalistas específicos – procurar envolver e alcançar os jornalistas que se interessam à partida por estas questões; / Contar histórias humanas – é tudo uma questão de obter um impacto humano, de contar histórias sobre como determinada questão afecta pessoas reais; / Produzir o seu próprio conteúdo – muitas ONG, sobretudo as de maior dimensão, estão cada vez mais empenhadas em produzir o seu próprio material e comunicarem directamente com a sociedade, com recurso às novas tecnologias; / Não dizer que se “dá voz aos que não têm voz”, a menos que se cumpra – tornou-se um chavão as ONG dizerem que dão voz aos sem voz, porém muitas delas não passam do papel à prática. 28
parte 2
A qualidade e os constrangimentos do jornalismo
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A qualidade da informação sobre Desenvolvimento Nota prévia O período de recolha de informação coincidiu com a intensificação do fluxo de refugiados do Médio Oriente e Ásia Central (Síria, Afeganistão e Iraque) e de países africanos (como a Eritreia, Somália e Sudão), e da consequente crise migratória na Europa, sobretudo nas fronteiras exteriores da União Europeia, a Leste. Neste contexto, a cobertura jornalística destes acontecimentos pairou sobre as conversas, servindo de pretexto, em alguns casos, para exemplificar a forma como os Media portugueses (e de outros países europeus) tratam questões relacionadas com o Desenvolvimento internacional. Qual é a sua opinião sobre a qualidade da informação sobre Desenvolvimento dos Media portugueses? Colocámos esta questão aos jornalistas e profissionais da área do Desenvolvimento entrevistados, discutimo-la nos dois grupos focais realizados no Porto e em Lisboa, e nos inquéritos realizados aos dois grupos de profissionais. As respostas aos inquéritos reforçam a ideia de que há hoje mais jornalistas interessados nestas questões e um maior engajamento com os profissionais de Desenvolvimento. 35 dos 48 respondentes do inquérito dirigido aos profissionais da área do Desenvolvimento consideram que os Media estão mais atentos aos temas de Desenvolvimento, contra 12 respostas negativas. Porém, quando questionados sobre se os Media têm coberto as questões de Desenvolvimento de forma adequada, 15 respondentes consideram que a informação tem sido superficial; oito consideram que tem reforçado
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estereótipos relativos à pobreza e ao Desenvolvimento; outros oito consideram que tem sido pouco rigorosa; cinco referem que tem sido eficaz no alerta e na denúncia de situações de exclusão e de pobreza; dois consideram que tem sido eficaz na pressão e na influência sobre políticas de Desenvolvimento nacionais e internacionais; e dois consideram-na eficaz na mudança de mentalidades (oito pessoas não responderam à questão). Em matéria de quantidade de peças informativas produzidas sobre Desenvolvimento, denota-se uma percepção geral de que é, hoje em dia, uma área mais noticiável do que há vários anos, embora haja ainda muito espaço para melhorar essa informação (tanto em quantidade como em qualidade). Isto coincide, em parte, com uma maior percepção da importância da comunicação no seio das organizações e com um maior relacionamento entre ambas as partes, embora haja igualmente espaço para melhorar esse estreitamento. Também nas entrevistas se regista a percepção geral de que hoje há mais informação sobre Desenvolvimento nos Media, embora ainda episódica. “Os nossos resultados de comunicação vão demonstrando que há mais referências mediáticas e trabalhadas de outra forma – não é só aparecerem as ONG, a Plataforma, as associadas –, nota-se que há ali um trabalho da informação que é passada. Há pesquisa, ligam para as pessoas. Isso nota-se” Pedro Cruz (Plataforma Portuguesa das ONGD) “Antigamente eram dois, três jornalistas que se dedicavam a estas questões e pegavam nelas quando tinham espaço editorial para isso e, realmente, iam a fundo nelas. (...) O mainstreaming era só em situações de calamidade e coisas do género, que são mais televisionáveis, mais noticiáveis (...) Há, actualmente, mais jornalistas e interessados nesta temática e com o cuidado, a preocupação de a aprofundar. O interesse é maior por áreas temáticas (por exemplo, tráfico de seres humanos, mutilação genital feminina, questões de género) do que propriamente pelas questões em geral, como as políticas gerais do próprio sector.” Pedro Krupenski (Oikos) 32
“A informação que se faz em Cooperação tem tendência a melhorar cada vez mais e já é de qualidade.” Paula Saraiva (Camões, I.P.) “Especificamente na área da Cooperação, acho que de facto há uma melhoria, mas ainda é superficial, tendencialmente miserabilista, tendencialmente. Acho que se está a tentar deixar de ser um registo ocasional para ser algo mais mainstream. Mas ninguém encontrou ainda o ponto, onde se equilibra, entre a densidade e qualidade técnica, com o interesse também da notícia do que as pessoas querem ler, e a notícia sem nada lá dentro. Não sei o que poderia ser diferente. Mais uma vez é o ovo e a galinha: se as pessoas também não quiserem ler, é pouco importante ter excelentes artigos. Primeiro tem de ser um tema para as pessoas.” João Rabaça (CESO)
Apesar de haver mais produção e maior preocupação em respeitar o Código Deontológico, os jornalistas cometem ainda muitos erros de abordagem, perpetuam estereótipos e revelam desconhecimento em determinadas matérias, como dá nota um dos dirigentes da SOS Racismo: “Evolução positiva houve, porque sou do tempo em que a cobertura mediática sobre a questão do racismo era um desastre absoluto, porque eram elas próprias a promoção do racismo em si. Hoje não é tanto. Há alguns códigos deontológicos que foram resgatados. Para além da qualidade da informação, há sobretudo alguma preocupação ética da imprensa no retrato destas temáticas e isso é muito importante, porque a produção jornalística não pode ser ela própria produtora de indignidade. Tem que haver capacidade de contextualização da produção de informação e essa capacidade não existe muitas vezes. Depois há um problema que afecta a produção da informação: há muita ignorância na imprensa. Acho que é um bocado reflexo da nossa sociedade. (...) Tem de haver uma maior exigência do consumidor final da informação.” Mamadou Ba (SOS Racismo)
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Informação sobre Desenvolvimento: fragmentada, residual e superficial A superficialidade da cobertura de temas de Desenvolvimento, a ausência de contextualização e de aprofundamento de determinadas questões, a simplificação de questões revestidas de várias camadas de complexidade, a desfragmentação da informação, o desequilíbrio entre a qualidade e a quantidade são alguns dos problemas apontados quando se referem à qualidade da cobertura jornalística de questões de Desenvolvimento. “É um tratamento muito superficial, que não questiona como, do meu ponto de vista, se devia questionar, a razão de ser de alguns bloqueamentos, a razão de ser de alguns impasses, a razão de ser de tantas situações, a articulação entre as questões do Desenvolvimento, as questões da segurança, as questões da paz, dos Direitos Humanos, etc. Isso raramente é questionado e creio que isso é assim justamente porque predomina um olhar feito mais de flashes, do impacto de um acontecimento do momento, de uma personalidade com grande notoriedade que produziu um discurso, que ganhou um prémio.” José Manuel Pureza (CES/UCoimbra)
/ 10 Questão mais explorada no ponto 2.2. sobre os constrangimentos da produção jornalística
Isso deve-se, em parte, às condições jornalísticas da actualidade que limitam a disponibilidade do jornalista para se dedicar ao estudo de determinada matéria e que têm repercussões na produção jornalística e no aprofundamento dos temas10: “São raros aqueles que fazem um trabalho aprofundado, o que muitas vezes resulta num tratamento muito superficial. Cada vez mais, analisar a problemática do Desenvolvimento como uma problemática global exige um conhecimento invulgar ou de exigência invulgar de um contexto que é simultaneamente global e local distante, mas também local próximo porque é também aqui que se joga a problemática do Desenvolvimento. Portanto, a questão do conhecimento 34
do contexto é absolutamente necessária e creio que, desse ponto de vista, as coisas são fracas. (...) Por isso, há um ou dois – estou a exagerar provavelmente – ou uma ou duas jornalistas que se destacam pelo conhecimento que demonstram daquela realidade porque na generalidade dos casos é um tratamento sofrível.” José Manuel Pureza (CES/UCoimbra) “Vivemos um jornalismo cada vez mais fast, em que conta mais o número de reportagens que se põem no ar do que propriamente a qualidade delas, apesar de ainda existem honrosas excepções à regra onde é possível, de tempos a tempos, ver trabalhos jornalísticos e também cinema documental que tiveram oportunidade de usufruir desse tempo e depois nota-se na qualidade final do trabalho.” Jorge Pelicano (Até ao Fim do Mundo)
A “falta de consciencialização” nos Media sobre as questões relacionadas com o Desenvolvimento dificulta uma maior – e melhor – cobertura e atenção jornalística para esta área. A título de exemplo, a jornalista da RDP África explica que a rádio onde trabalha procura abranger estas temáticas pela sua relevância em “explicar o mundo” e para trazer para o debate nacional as grandes questões em discussão na arena internacional. Porém, no contacto quotidiano com outros colegas jornalistas, constata que não há abertura ou sensibilidade para tratar estas questões noutras redacções, nomeadamente nos canais de informação públicos. “No final do ano passado [em 2014], fui a uma conferência sobre migrações na Gulbenkian e era a única jornalista da rádio que lá estava. Estava o Jorge Sampaio e todos os jornalistas fizeram uma pergunta sobre o congresso do PS, mas ele respondeu algo que não era um grande soundbyte e quando cheguei à rádio, porque tivemos oportunidade de lhe colocar outras questões sobre migrações, e disse a uma colega minha de outra antena que ele tinha dito determinada coisa sobre o congresso do PS, que não avança muito, mas disse coisas muito importantes sobre as migrações, sobre aquilo que a Europa pode, mas não está a fazer. E ela respondeu-me: ‘achas que quero saber disso? Dá-me mas é o congresso do PS!’ (...) Acho que seria 35
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necessária uma mudança de mentalidades e uma mudança civilizacional. Não me debato com esses problemas [na RDP África], mas sei que alguns colegas, se forem propor um determinado tema sobre a Cooperação internacional, mas se não tiver lá toda a gente é complicado.” Paula Borges (RDP África) “Acho que não existe uma preparação dos jornalistas para trabalharem sobre a temática do Desenvolvimento” Paulo Nuno Vicente (Bagabaga Studios) “Há também toda uma cultura já de relacionamento com o mundo. O que me perturba um bocado é que de facto Portugal, supostamente, ou os Media portugueses, têm esta relação com os países de língua portuguesa, onde há n temas de Desenvolvimento e não há uma cobertura dessa temática! Aí já considero uma falha dos jornalistas e não necessariamente de quem trabalha na área do Desenvolvimento. Há muito trabalho feito sobre isso, se calhar não está é feito da forma a ser comunicado facilmente aos jornalistas para eles pegarem nisso. Quando olhamos para as notícias sobre Moçambique, Angola, Guiné-Bissau... Notamos que há muitas falhas nas interpretações, nas análises, porque não é sólido, não são análises sólidas.” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa)
Alguns jornalistas e profissionais da área do Desenvolvimento entrevistados apontam o dedo também ao efeito mimético nos órgãos de comunicação social portuguesa, que se traduz na replicação de conteúdos e na perpetuação de formatos em detrimento da utilização de outras abordagens, de outras vozes ou de outras geografias, bem como a colocação da fasquia de qualidade a um nível baixo e da consequente prevalência dos fait-divers. “Muito do que nós vemos é muito igual, muito superficial. Depois, como não existem referências que ajudem a puxar o padrão de qualidade narrativa, de estudo prévio, de investigação jornalística, de ética, de deontologia, etc... Como não existem grandes ‘reguladores’, no sentido informal, acha-se que a norma é aquilo que o outro faz e portanto existe um efeito mimético, estão todos a fazer o mesmo, faz-se tudo muito 36
igual. É uma réplica de modelos acríticos.” Paulo Nuno Vicente (Bagabaga Studios) “Às vezes, parece que os jornalistas querem é sangue, balas e essas coisas. Lembro-me quando foi a Cimeira UE-África, em 2008, com tanta coisa que havia para falar, o que passava [nos Media] era se o Mugabe vinha cá ou não, a tenda do Kadafi... E do que a conferência vinha tratar? Era a polémica [que prevalecia].” Pedro Cruz (Plataforma Portuguesa das ONGD) “O que é que os jornais fazem? Publicam artigos de opinião e geralmente são escritos em linguagem entre os próprios [profissionais de Desenvolvimento]. Mas isso é em todos os sítios, não é só no Desenvolvimento. (...) Nem é linguagem codificada, às vezes é falar de coisas que não têm interesse ao comum dos cidadãos (...) A questão é: para aumentar na produtividade, perdemos muito na qualidade. E isso não é uma questão só do jornalismo. Estamos muito preocupados com os números e pouco com a qualificação, com aquilo que sai.” Elisabete Caramelo (Fundação C. Gulbenkian)
Perante este cenário, o que pode motivar a inclusão de temas de Desenvolvimento nos Media portugueses? Na actualidade, é notícia sobretudo em duas situações: nas datas que assinalam efemérides (Dia Internacional dos Direitos Humanos, Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, etc...) ou em situações de catástrofe e de emergência humanitária, explicam alguns dos entrevistados. “Na televisão, o que motiva a notícia são eventos – corridas, marchas, coisas visualmente impactantes.” Sónia Lamy (I.P.Portalegre) “O que eu noto são duas coisas: a única notícia que interessou mais [aos Media] até agora foi uma notícia que diz respeito à nossa ligação à educação em situações de emergência. Ou seja, só aquilo que é mais gritante é que interessa. (…) Relativamente à nossa ligação no que é a Rede Inte37
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rinstitucional para a Educação em situações de Emergência fez enorme alarido, e até posso dizer que já aconteceu uma situação bastante chata para nós — pelo menos eu fiquei bastante aborrecida — com um chavão do tipo ‘Universidade do Minho leva a educação a países de emergência’. Isto é terrível tendo em conta a nossa filosofia de Cooperação. (...) ou interessam as notícias mais sensacionalistas, mais terríveis ou mais ligadas às situações de emergência, ou quando há reportagem sobre Cooperação para o Desenvolvimento, nunca vi nenhuma sobre o que é que correu mal nos processos de Desenvolvimento. (...) Quando há reportagens é — ou é tudo maravilhoso, o que se fez, ou são as situações gritantes da emergência. Falar dos processos, das dificuldades (...), acho que falta isso. (...).” Sandra Fernandes (UMinho) “Os Media nacionais estão muito reduzidos a Lisboa e Porto. Todo o trabalho para o Desenvolvimento que é feito nas zonas rurais e no interior fica muito apagado. (…) Em termos internacionais, acho que a nossa agenda – a Agenda para o Desenvolvimento – está muito virada para dois focos. Um que tem a ver com o grande noticiário internacional, como a vertente de Ajuda Humanitária, quando estamos a falar de refugiados, grandes deslocações de população por causa dos conflitos – ainda agora a Síria, a Ucrânia, e uma série de conflitos sempre a decorrer. E há uma atenção que é prestada pelos Media a essa vertente do Desenvolvimento que é a acção humanitária, mais episódica. Depois, a Ajuda ao Desenvolvimento propriamente dita, da Cooperação para o Desenvolvimento, acho que tem muita pouca visibilidade nos Media em geral. Às vezes, aparecem reportagens ou notícias que tem a ver com deslocações de jornalistas a países africanos de língua oficial portuguesa, por exemplo, para acompanhar visitas oficiais ou cobrir outros assuntos e aproveitam e fazem algum trabalho nesse âmbito. Mas é muito raro ter alguém que vai de propósito tentar trabalhar essas matérias.” Ana Cristina Pereira (Público) “A história – vou exagerar agora – jornalística normal sobre o Desenvolvimento é a mensagem da urgência do ‘temos que fazer qualquer coisa’ e tudo é legitimado na base da urgência sem pensar a coisa em conjunto, sem pensar no contexto (...) Contudo, tal não significa que apenas seja noticia38
do o lado negativo. Muito pelo contrário. (...) Há aqui esses dois lados que se prendem muito com uma tomada de consciência dos problemas, ou seja, mostrar o horrível e chocar as consciências e mostrar o generoso (...)”. José Manuel Pureza (CES/UCoimbra)
O aprofundamento e o questionamento necessários para compreender determinados temas não acontece nos Media portugueses, o que se traduz numa cobertura desfragmentada e episódica do Desenvolvimento. Diversos entrevistados referem que os acontecimentos da actualidade, em áreas como a Economia ou a Política, tendem a preponderar sobre as questões de Desenvolvimento, por esta ser percepcionada como demasiado densa e complexa. “O Desenvolvimento não é notícia ainda. Pode haver um ou outro jornalista mais atento ainda, pela sua trajectória, pela sua vida pessoal, mas não creio que o Desenvolvimento seja notícia. (...) O Desenvolvimento é uma coisa muito abstracta. Se for uma coisa muito concreta, que produza resultados concretos dentro de uma estratégia de Desenvolvimento, isso pode ser notícia para um jornalista. Agora falar de Desenvolvimento em abstracto provavelmente não será notícia.” Nelson Dias (Associação In Loco) “Aquilo que aparece muito mais é: ‘realizou-se a conferência de imprensa das Nações Unidas sobre isto ou realizou-se uma conferência multilateral sobre aquilo ou há um programa de Cooperação para o Desenvolvimento a ser implementado em São Tomé e Príncipe com este conteúdo...’. Portanto, tudo aparece como descosido, aparece como sendo feito de fragmentos e não como unidade. É claro que o tratamento jornalístico de qualquer realidade é sempre feito de fragmentos, é sempre contar uma história que aconteceu naquele dia, com certeza, mas acho que para problemáticas destas faz mais sentido e é absolutamente necessário colocá-las em contexto porque, de outra forma, não se percebe rigorosamente nada e as pessoas acabam por ficar muito convencidas de que se trata de actos de voluntarismo, de generosidade, de indolência da parte dos destinatários, de ingovernabilidade” José Manuel Pureza (CES/UCoimbra)
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Esta crítica da informação desfragmentada e desconexa, de sucessão de episódios descosidos entre si é partilhada pelos profissionais da agência pública portuguesa de cooperação internacional, uma vez que, argumentam, o Desenvolvimento é acima de tudo um processo de longo prazo, dilatado no tempo. “O próprio processo de Desenvolvimento é de longo prazo, portanto, reduzi-lo a um mero evento ou a um acontecimento sem o contextualizar minimamente perde o próprio valor do acontecimento. (...) A informação de base muitas vezes é profundamente errada e parte de pressupostos completamente distorcidos e depois há um erro de enquadramento, mas isso tem a ver com o jornalismo em Portugal, e com a sociedade em geral em Portugal, que é nós vivermos do curto prazo e de não termos paciência e/ou vontade e/ou capacidade de olhar para as coisas com uma lógica mais estratégica.” Paula Barros (Camões, I.P.) “Eu talvez identificasse apenas um que é, se me permitem a ligeireza com que vou dizer isto, o erro no alvo. Eu acho que não há uma centralidade daquilo que se quer cobrir. Não há um fio condutor das matérias que se querem cobrir. As reportagens e as peças são muito ad hoc. Não há uma linha de continuidade que a gente posso identificar…” Sérgio Guimarães (Camões, I.P.)
A crítica da surgimento de informação ad hoc é reforçada pela jornalista da RDP África entrevistada, que denota que a informação sobre Desenvolvimento aparece muitas vezes quando o acontecimento se apresenta como consumado, em vez de antecipar e de procurar explicar as suas origens, como aconteceu com a crescente crise migratória. “[A informação sobre Desenvolvimento] é um bocadinho residual. Por exemplo, nesta questão agora da crise migratória, do movimento das pessoas, podia talvez tentar-se atacar de outra forma, na verdade há aqui um trabalho que não foi desenvolvido: perceber o que está na origem destes movimentos, o que diferencia umas pessoas das outras. Na verdade, questio-
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nar o que o mundo poderia ter feito – apesar de ser uma perspectiva um bocadinho naive – para que isto não estivesse a acontecer.” Paula Borges (RDP África)
Da Europa para o mundo e não o contrário “O eurocentrismo para mim é uma das maiores doenças da produção informativa do ocidente, porque está autocentrada, autista e desfasada da realidade, porque instala-se no comodismo. A lupa para procurar a verdade não pode ser uma coisa destituída de olhar para a nossa volta.” Mamadou Ba (SOS Racismo)
Vários entrevistados referem esta postura de desatenção ao mundo que o facto de a cobertura mediática de temas relacionados com a actualidade internacional estar muito centrada na visão da Europa sobre o mundo. Aquestão Síria, por exemplo, começou a surgir de forma mais recorrente nos Media portugueses – e europeus – quando a crise dos refugiados se intensificou às portas da Europa, nas fronteiras marítima (a sul) e terrestre (a leste) e se iniciou a discussão sobre a redistribuição de quotas de refugiados pelos países da União Europeia. Ou seja, quando o conflito passou a ser também um problema europeu. Boubacar Boris Diop, um dos convidados do primeiro debate realizado no âmbito do projecto Aquele Outro Mundo que é o Mundo, sublinha esta questão, afirmando que a Europa age como se fosse “invulnerável ao caos do mundo”. Neste ponto coloca-se a questão: se a crise permanecesse apenas na Síria e nos seus países fronteiriços, os Media dedicariam a mesma atenção ao conflito que já vitimou mais de 250 mil pessoas11?
/ 11 Números de Dezembro de 2015
“[Na Europa,] a visão do mundo é muito eurocêntrica e afecta também a produção da informação sobre os outros mundos e as outras 41
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realidades. Acho que sobretudo nas nossas questões [racismo, xenofobia, discriminação] há um problema que ainda não está ultrapassado: não houve ainda catarse histórica da relação da Europa com o resto do mundo. Esta catarse histórica também tem de se fazer, porque a sua ausência também se reflecte na qualidade da informação. (...) Há uma ‘exotização’ da informação e sobretudo há um desejo de normalização cultural que muitas vezes afecta a qualidade da informação. (...) Há muita gente bem intencionada, mas que continua a utilizar ferramentas do passado para retratar e olhar para problemas actuais. E isso afecta muito a qualidade da informação. Por isso falo de catarse histórica, porque as referências históricas têm de ser outras, não podem ser aqueles instrumentos do tempo colonial para retratarmos a realidade actual. As pessoas acham que podem olhar o mundo pela janela. As pessoas sentam-se em frente da televisão e pensam ‘o mundo está aqui’. Não! Esta preguiça também se reflecte nos que produzem esse quadrado. ‘A malta contenta-se com isso, por isso daqui podemos fazer o mundo’, pensam os jornalistas. Isto é mau, porque prejudica a qualidade da informação.” Mamadou Ba (SOS Racismo) “Tens alguns jornalistas que acompanham África, e acompanham esta informação [sobre Desenvolvimento]. Este tema foi varrido, a menos que caia um avião, nasça um vulcão, haja um monte de desgraçados a atravessar o Mediterrâneo – e mesmo neste caso a óptica é o que é que a Europa vai fazer e não o que se passa lá para as pessoas estarem a fugir.” João Rosário (RTP)
A reportagem como o espaço privilegiado para tratar os temas de Desenvolvimento “É um facto: já não há jornalismo de investigação [em Portugal] há muito tempo.” Lúcia Crespo (Jornal de Negócios)
Recorramos a um lugar comum: a reportagem é o género nobre do jornalismo e o espaço por excelência para abordar questões que muitas vezes não 42
cabem na urgência quotidiana da agenda jornalística. A reportagem requer tempo – tempo de pesquisa, de reflexão, de consulta das fontes, tempo para estar. A complexidade dos temas e a necessidade de aprofundar as determinadas questões do Desenvolvimento, referidas anteriormente, levam a considerar que a reportagem é o espaço privilegiado para tratar estes temas. “A notícia é muito eficaz quando se trata de dar uma informação, alguma coisa está a acontecer, alguma coisa ocorreu. Mas a reportagem permite um mergulho nas situações, é um registo que permite dar visibilidade e é um olhar mais profundo, que retrata as situações de uma forma mais aproximada. Tanto quanto possível deve ser, no limite, os olhos, os ouvidos, do leitor, do ouvinte. Estar com tempo, porque nesta área [do Desenvolvimento] as temáticas são complexas, têm vertentes diferentes que numa reportagem há provavelmente capacidade, condições para serem transmitidas, para estarem presentes”. João Manuel Rocha (Público)
Porém, de acordo com a maioria dos entrevistados, a crise que os Media portugueses atravessam actualmente traduz-se também numa crise da reportagem, sobretudo de matérias internacionais. “É muito pouca [a cobertura do Desenvolvimento]. (...) É tão pouca que nem sei avaliar a qualidade! Ou há reportagens que são feitas – tire-se o chapéu ao Público que é um meio de comunicação que faz isso de forma regular e grandes reportagens boas – ou o que vejo de resto são notícias”. Luísa Meireles (Expresso)
Embora a jornalista do Expresso refira que a reportagem é ainda um género valorizado no Público, os próprios jornalistas do diário de referência consideram que há cada vez mais sedentarismo, consequência sobretudo dos constrangimentos orçamentais12. 43
/ 12 Para ler mais no
ponto 3.2 sobre os constrangimentos da cobertura jornalística
a qualidade e os constrangimentos do jornalismo / parte 2
“Quase não se faz reportagem, muito como consequência do chamado jornalismo light ou sexy. (...) Começa a haver certos padrões (...) em que aquela imagem que muitas vezes deixas de fazer reportagem e começas a fazer retrato. E hás-de reparar que nas revistas de domingo quase não se faz reportagem. (...) Queres dar uma imagem bonita. Ou evitas falar do pobre ou ele tem de ser fotografado bonito (...) Cada vez mais tens o que eu chamo os ‘jornalistas de barriga’, ou seja, estão sentados na secretária, não vão ao local! (...) Eles não saem de lá, fazem um telefonema ou outro e não vão ao local (...)”. Adriano Miranda (Público)
A questão do sedentarismo pode – e deve – ser contornada por uma maior proactividade dos próprios jornalistas em propor temas de reportagem à direcção, tendo porém em conta as questões orçamentais e a pressão quotidiana da redacção. Como alguns jornalistas referiram, a proactividade assenta muitas vezes numa base de voluntarismo, já que pode não significar uma menor pressão de trabalho da agenda do dia-a-dia. “Os jornalistas têm de ter... Não têm de ter, mas é suposto que parte da tua agenda seja sugerida por ti. O grosso da minha agenda é feito por mim e eu é que sugiro ao editor ou à directora. Apresento propostas concretas que são analisadas e às vezes são aceites e outras não. Há uma série de factores a ter em conta. Para além dos critérios jornalísticos, a questão dos custos, sobretudo nesta fase em que toda a imprensa está bastante estrangulada em termos financeiros, é bastante importante.” Ana Cristina Pereira (Público) “Lembro-me que há cinco anos, apesar de tudo, tinha outro tempo. As redacções, apesar de tudo, estavam um bocadinho melhores do que hoje em dia, conseguíamos às vezes ‘furar’. Era preciso iniciativa própria para tentar levar... Eu lembro-me que fiz uma vez uma reportagem sobre mercados solidários, por exemplo. Foi difícil, mas eu andei ali, agarrei no meu carro e fui... quer dizer, e de vez em quando dava para “furar” e para tentar meter. Hoje em dia, não há esse tempo.” Lúcia Crespo (Jornal de Negócios) 44
Diversos profissionais da área do Desenvolvimento referiram que a sensibilidade e proactividade dos jornalistas para tratar os temas relacionados com o Desenvolvimento é uma questão crucial. Defendem também que o jornalista é, acima de tudo, um agente de Desenvolvimento e deve estar comprometido com o mundo. “Quando a imprensa se coloca numa posição de preguiça política, não querendo aprofundar os temas com que se confronta e não querendo aprofundar o contraditório quando um problema se coloca em cima da mesa, ajuda a adiar o problema ou a escondê-lo.” Mamadou Ba (SOS Racismo) “Vejo o jornalista também como um fim em si mesmo. Ou seja, ele próprio é agente de Desenvolvimento. Ele é agente de mudança e resultado da sua própria actividade e da capacidade de chegar junto da opinião pública. (...) Portanto, acho que há todo o interesse em, digamos, procurar encontrar formas de trabalho mais colectivo e inclusivo entre o Estado e os profissionais que trabalham na área da comunicação social. E isto levaria a que houvesse, da parte desses profissionais, uma atitude proactiva, uma preocupação e uma consciência profissional e individual, inclusive, em procurar obter informação de dados e produzi-la e levá-la junto dos cidadãos e, por outro lado, uma atitude mais proactiva por parte do Estado, no sentido de envolver condições que favoreçam esta aproximação.” Sérgio Guimarães (Camões, I.P.)
Apesar deste reconhecimento da importância do papel do jornalista para a sociedade, há também outro aspecto a considerar e que foi referido por alguns entrevistados: o declínio do prestígio da profissão. “Acho que se perdeu uma certa áurea em torno desta ideia do jornalista enquanto guardião do interesse público, como alguém que defende a democracia, que escrutina o poder público, como alguém que é a voz, e os olhos, e os ouvidos dos cidadãos. (...) Sim, vai lá alguém, que nessa luta desenfreada pela sobrevivência em que alguns órgãos de comunicação social entraram e que não respeita as regras e depois toda a classe é vista 45
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com desconfiança e isso é uma coisa que me choca um bocado em algumas ONG, que é a facilidade com que tomam a parte pelo todo. Como uma má experiência com um jornalista, os faz dizer que todos os jornalistas são horríveis.” Ana Cristina Pereira (Público)
O rigor na utilização de conceitos Outra das questões apontadas à cobertura jornalística de questões de Desenvolvimento tem que ver com a confusão de conceitos e as interpretações erradas ou pouco rigorosas no tratamento de determinadas matérias. É neste aspecto que o contacto com os profissionais que conhecem o terreno e detêm um conhecimento aprofundado dos temas se torna crucial. A responsável pelo gabinete de comunicação do Centro Português para os Refugiados (CPR) refere, a título de exemplo, que, muitas vezes, os conceitos, sobretudo em peças jornalísticas sobre refugiados, são incorrectamente utilizados ou facilmente confundidos. O contacto com as organizações especializadas nas matérias que os jornalistas estão a tratar desempenha um papel fundamental para uma informação mais rigorosa e livre de equívocos: “[O CPR procura explicar] primeiro esta distinção básica: imigração, imigrantes, beneficiários de protecção internacional. Dentro destes estão os requerentes, os refugiados, os recolocados... esta panóplia toda de conceitos. Percebemos estes erros nas peças e centramo-nos muito na parte dos conceitos, porque depois é fundamental para perceber as estatísticas. E é esta parte que explicamos, às vezes passa, às vezes não passa. (...) Se não incentivarmos a utilização correcta dos conceitos e sobre os direitos que cada pessoa tem dentro de cada um destes conceitos, deixa de haver asilo. Há esta preocupação central de explicar quem são as pessoas, porque depois dentro dos refugiados, há os recolocados, os reinstalados...” Mónica Frechaut (CPR) “São produzidas peças de comunicação com qualidade, mas também há muitas notícias que confundem conceitos, por exemplo. São poucas as vezes 46
que as questões do Desenvolvimento são tema jornalístico e, muitas vezes, surgem na sequência de outras questões e, por isso, são ainda mais descontextualizadas. Apesar de existirem jornalistas sérios que produzem reportagens e/ou artigos com qualidade, ainda há muito a fazer.” Susana Réfega (FEC)
Como contraponto a esta crítica, a jornalista do Público entrevistada para este estudo refere que a prática jornalística é “extremamente exigente”, e é condicionada muitas vezes pela complexidade da temática e pelo tempo que se dispõe para a compreender e decifrar: “Acho que falta um bocado a noção do que é o trabalho do jornalista. Tu tens, em muito pouco tempo, de compreender realidades muito complexas e de as traduzir para um público muito diversificado. Isto parece uma coisa muito simples, mas é extremamente complexa. Tens não só de perceber tudo o que te dizem, de conseguir interpretar tudo o que te dizem, como conseguir contar isso de uma forma que toda a gente te perceba. As probabilidades de cometer erros são grandes, permanentemente, tens de estar sempre a policiar-te nesta luta de redução do erro, sabendo que há sempre coisas que vão falhar.” Ana Cristina Pereira (Público)
A informação sobre Desenvolvimento – essencialmente positiva ou negativa? A percepção geral dos profissionais de Desenvolvimento que responderam ao inquérito é que os Media focam essencialmente aspectos negativos relativos ao Desenvolvimento (35 em 48 respondentes), enquanto um considera que as notícias têm uma perspectiva essencialmente positiva e 12 consideram que tem sido de igual medida de ambos os lados. A nossa interpretação desta percepção prende-se com aquilo que foi dito anteriormente sobre os temas publicados nos Media em Portugal: o Desenvolvimento é notícia essencialmente em situações de emergência humanitária.
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“O desconhecimento de África, as ideias que são comunicadas, que são veiculadas pela comunicação social e não só... pela cultura, pela literatura... É um problema mesmo da sociedade em geral e dos meios de comunicação em geral. (...) Não há uma abordagem sobre o que é que tem África ou sobre outras questões de África e no que respeita à imagem (...) que é a minha área também, há certamente o mesmo problema. Existe uma série de chichés para definir África ou os países que não estão dentro do ‘mundo ocidental’.” Javier Martínez (fotojornalista freelancer) “Durante muito tempo, a imprensa referia-se a África em tom depreciativo, o que criou um estereótipo que ainda hoje existe quando um jornalista se desloca a esses países. (...) Acho que durante muito tempo, aqui em Portugal, falávamos das situações de África, suponhamos, sempre com aquele tom depreciativo. Agora relacionando um bocadinho com a minha área [fotografia], sempre com aquelas imagens, escabrosas, do menino com a mosca no lábio e com uma grande barriga. E vivíamos com isso.” Adriano Miranda (Público)
Um dos jornalistas, porém, referiu que há um esforço por publicar também notícias positivas, nomeadamente na televisão, mas que estas, por não estarem à cabeça do noticiário ou na primeira página da imprensa não têm o mesmo impacto das mensagens mais negativas: “Apesar de na televisão não passarem apenas histórias negativas, estas têm mais impacto e são as que estão sempre à cabeça do telejornal. (...) Ao contrário do que muita gente diz, que a maior parte das histórias que passam na televisão são negativas, eu não tenho essa percepção e penso que não seja verdade. A questão é que as notícias mais negativas estão sempre à cabeça do telejornal e acho que a meio do telejornal há notícias positivas. Mas aquilo que tem mais impacto são as histórias negativas.” Jorge Pelicano (Até ao Fim do Mundo)
A percepção de que os aspectos negativos do Desenvolvimento merecem mais cobertura, por parte dos Media, do que os aspectos mais positivos é 48
igualmente partilhada pelos profissionais da área do Desenvolvimento. “A imagem que é passada é a imagem do desgraçadinho e só isso é que vende, parece-me. (...) O que passa e o que vende são os números negativos e as pessoas que lá estão a trabalhar para fazer com que aquilo não seja tão alto como era há não sei quanto tempo, todo o processo que foi feito, isso não passa, isso não vende! E aqui eu acho que a imagem que o jornalismo vende, que passam para o público continua a ser uma imagem muito negativa. Eu acho que também é um problema das ONG. Há uma falta de confiança ou de contacto ou de comunicação e eu sinto isso como ONG, que existe uma barreira que nós não conseguimos furar.” Ana Fantasia (VIDA) “[Os jornalistas] procuram sempre aquela frase mais polémica, procuram sempre o drama. (...) O desconhecimento faz com que sejam cometidos erros. Em 2009, o Público fez uma reportagem dos ODM, mas era a avaliar como os ODM estavam a ser aplicados em Portugal. Mas esses objectivos, da forma como foram criados, era para os PED [Países em Desenvolvimento], não para um país como Portugal. Aquilo foi o foco da reportagem. Continua a existir este tipo de erros, de errar a abordagem. (...) Há um desconhecimento e continua a ser a maior dificuldade na forma como muitas vezes se pegam nos assuntos (...)”. Pedro Cruz (Plataforma Portuguesa das ONGD)
Estas críticas dirigidas pelas organizações de Desenvolvimento aos jornalistas poderiam ser ultrapassadas por um maior engajamento e um trabalho mais proactivo da parte dessas mesmas organizações no seu trabalho com os Media: “Há muito trabalho a ser feito com os jornalistas – contextualizar os temas, os tópicos daquela acção que está a acontecer no momento. Por que é que está a acontecer, de onde é que aquilo vem? Continuo a achar que a culpa... que esse trabalho tem de ser mais feito pelos profissionais (...) que têm de fazer um trabalho de engajamento com os Media” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa)
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“O tema não aparece nas notícias, os jornalistas não escrevem sobre ele, as organizações também não se mobilizam para fazer essa comunicação e isto é um bocadinho uma pescadinha de rabo na boca.” João Rabaça (CESO) “Eu não posso falar da instituição [Camões, I.P.], posso falar do meu trabalho (...) sinto também da parte dos jornalistas pouco interesse. (...) não vejo que haja muitos [jornalistas a trabalhar estes temas] e os que existem não me parece que tenham um interesse claro e dedicado para produzirem, de forma sistemática, trabalho na área do Desenvolvimento. Parece-me que deveria haver, da parte dos jornalistas, uma forma mais colaborativa de trabalho com a principal entidade responsável pela coordenação das questões do Desenvolvimento [Camões, I.P]. Mas é o que eu lhe digo, do ponto de vista mais empírico parece-me que há uma desconfiança mútua, uma falta de conhecimento e de experiência de trabalho colectiva.” Sérgio Guimarães (Camões, I.P.) “Se [as organizações de Desenvolvimento] concretizarem, se derem exemplos concretos, se pessoalizarem esses exemplos – nos jornais é muito as histórias; queremos as histórias, queremos rostos, queremos pessoas –, tudo o que seja não oferecer uma coisa muito geral, mas mais direccionar a informação, isso seria mais importante.” Céu Neves (Diário de Notícias)
As figuras mediáticas ao serviço de causas “Há uma tendência que já não é recente, — que eu tenho alguma ambiguidade de pensamento sobre isso — que é o envolvimento de figuras mediáticas. Os embaixadores disto, os embaixadores daquilo. E depois são sempre os mesmos, a Catarina em todo o lado. (...) esta associação das mesmas pessoas — algumas delas muito bem intencionadas —, em causas cívicas e políticas, e ao mesmo tempo em causas comerciais e de espectáculo, cria alguma confusão.” José Reis (EAPN – Portugal)
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A participação de figuras mediáticas no tratamento de temas relacionados com o Desenvolvimento tem sido um tema controverso, por se continuar a privilegiar o seu envolvimento em campanhas e causas relacionadas com o Desenvolvimento, embora sem uma reflexão aprofundada, em Portugal, sobre o seu real contributo para determinada causa. Esta questão foi uma das perguntas colocadas no inquérito online, realizado aos dois grupos de profissionais. A maioria dos respondentes de ambos os grupos de profissionais respondeu afirmativamente (30 em 48 profissionais de Desenvolvimento e 12 em 23 jornalistas). A justificação desta resposta conflui no mesmo sentido: ajuda a captar a atenção e dá mais visibilidade a determinadas causas. Alguns respondentes defendem ainda que “criam empatia” e servem de ponte entre a causa e o público em geral, enquanto uma das respostas se apresenta mais cautelosa, indicando que depende da figura pública e da sua relevância para as questões de Desenvolvimento, para a defesa dos Direitos Humanos e para a promoção da justiça social. Um dos jornalistas do Sim refere ainda que é mais fácil dar visibilidade a um projecto ou acção utilizando a imagem de um jornalista conhecido, mas que a médio prazo é mais eficaz adoptar outro tipo de estratégia: “Por exemplo, uma ONG que trabalhe directamente num bairro municipal [convida] um grupo de jornalistas de vários meios jornalísticos (eventualmente fazendo uma ‘discriminação’ pelo tipo de OCS [Órgão de Comunicação Social) e divulga assim a sua acção em vez de convidar o tal jornalista conhecido para a ‘dar cara’ à acção. Este exemplo simples é uma forma mais inteligente não só de entrar na agenda mediática, mas também de mostrar o ‘terreno’ aos jornalistas que, por mais que não queiram admitir o contrário, estão cheios de estereótipos na cabeça, os quais reflectem, mesmo que involuntariamente, no seu trabalho e na forma como percepcionam a realidade.” Jornalista respondente ao inquérito
Do grupo de respondentes que defende que não se deve privilegiar a participação de figuras mediáticas estão 15 dos 48 profissionais de Desenvol51
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vimento e sete dos 23 jornalistas. A justificação é também quase unânime: o Desenvolvimento não é um espectáculo e a participação de determinadas figuras mediáticas desvia a atenção das questões essenciais. Há ainda quem justifique com o facto de essa participação ser contrária à complexidade dos temas e de corroborar a superficialidade dos temas. “Deturpa a mensagem e espectaculariza os acontecimentos”, alerta um dos jornalistas na sua justificação do Não. Três profissionais da área do Desenvolvimento e quatro jornalistas não responderam a esta questão, justificando que depende da figura mediática e do contexto e que se trata de um “equilíbrio difícil”.
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Constrangimentos do jornalismo actual – e dos jornalistas – na cobertura de temas de Desenvolvimento Tempo e recursos – os maiores entraves ao aprofundamento da realidade Na actualidade, existem diversos constrangimentos a um melhor relacionamento entre jornalistas e profissionais da área do Desenvolvimento e à cobertura jornalística de temas relacionados com o Desenvolvimento global. Dois desses factores são transversais no discurso das pessoas consultadas para este estudo – a pressão do tempo, aliada à voracidade da informação, e as questões orçamentais. As redacções dos diversos meios de comunicação social portugueses (seja, imprensa escrita, imprensa online, rádio ou televisão) sofrem actualmente inúmeras pressões – estão cada vez mais exíguas e ao jornalista é-lhes pedida (ou exigida) uma multiplicidade de tarefas com prejuízo para o aprofundamento dos temas. Diversos entrevistados referem a falta de tempo e de disponibilidade para aprofundar a realidade nacional, o que os leva, muitas vezes, a cobrir sobretudo matérias próximas das redacções – Lisboa e Porto. Esta situação é ainda mais gritante quando se referem à reportagem internacional. Estes constrangimentos têm reflexos na qualidade da informação e na tendência de simplificação da realidade: “As condições objectivas em que os jornalistas trabalham hoje levam-nos, mesmo não querendo, a terem uma tendência quase obrigatória para simplificarem parte importante da realidade, quer pelo imperativo dos formatos que lhes é imposto, quer pela multiplicação de tarefas que lhes são impostas, quer pela exiguidade das redacções, quer pela multifuncio-
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nalidade das tarefas que lhes são atribuídas. Enfim, é cada vez mais raro encontrar alguém que trabalha no domínio do jornalismo e que tem condições objectivas para fazer um trabalho de leitura profunda, de estudo, de acolhimento da diversidade e da complexidade das coisas e depois, então, do seu tratamento.” José Manuel Pureza (CES/UCoimbra)
A voracidade da informação, imposta sobretudo pela emergência dos Media digitais, é entendida como um dos grandes entraves a uma maior reflexão interna às redacções e ao aprofundamento dos temas por parte dos jornalistas: “Há uma maior preocupação com os números do que com a qualidade propriamente dita (...) Hoje em dia há muito pouca discussão interna nas redacções. Há falta de tempo. Hoje infelizmente os órgãos de comunicação social estão no limite do número de pessoas e, com todas as transformações que houve no digital, jornais que já tinham sido bastante fortes, com redacções muito grandes, tiveram de se reduzir ao mínimo e a verdade é que isso acaba por se notar, porque vão embora os jornalistas mais qualificados.” Elisabete Caramelo (F. Gulbenkian) “Hoje em dia nós estamos todos a competir, não só os jornalistas, mas com a informação das redes sociais, por exemplo. Por muito que as detestemos não as podemos ignorar. Ou seja, já não é tanto a questão da redacção do jornal, é onde é que vamos buscar informação. (...) É que apesar de tudo, estamos sempre subjugados aos temas do dia ou aos temas da hora, uma vez que temos informação e que a tendência será para a informação ser sempre de 24 sobre 24 horas.” Cristina Peres (Expresso)
Também a crescente aplicação de “lógicas de mercado” e de priorização de modelos de rentabilidade no jornalismo português têm contribuído para o aumento da precariedade na profissão. Nos últimos cinco anos, assistimos a re-estruturações nos mais diversos órgãos de comunicação social nacio-
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nais – como o Público, o Diário de Notícias ou a TSF, e mais recentemente no semanário Sol e no Jornal i – que levaram a despedimentos de jornalistas com décadas de experiência e a recorrer às camadas mais jovens, com menos experiência e em condições precárias. A degradação das condições de trabalho dos jornalistas tem consequências na cobertura de determinados assuntos e no aprofundamento dos temas, na medida em que os jornalistas “consagrados” são aqueles que estão em melhores condições de reivindicar tempo e espaço dentro das redacções para levarem a cabo investigação em determinada matéria, como foi referido em várias entrevistas. “A generalidade dos jornalistas não tem essa condição. Multiplicam-se em quinhentas mil coisas. Eu não creio que seja uma questão de preguiça, não creio que seja uma questão de superficialidade – o que não quer dizer que isso não exista, pois existe – mas nisto eu atribuo uma grande importância às condições objectivas em que os jornalistas trabalham.” José Manuel Pureza (CES/UCoimbra) “A precariedade das redacções e a voracidade com que as redacções disputam temáticas sem consistência, simplesmente por essa voracidade, prejudicam a qualidade da informação.” Mamadou Ba (SOS Racismo) “Precisávamos de mais tempo para ir mais longe, para não ser aquela notícia superficial que muitos de nós acabamos por dar. (...) as redacções estão cada vez mais pequenas e isso é justificado por opções editoriais e custos.” Paula Borges (RDP África) “Hoje em dia, do ponto de vista do jornalismo, vivemos um jornalismo cada vez mais fast (...) a situação económica dos jornais não facilita a saída dos jornalistas das redacções. (...) e depois temos a falta de tempo. Eu com tempo consigo entrar mais, conhecer mais, apetrechar-me mais de conhecimento para que depois possa abordar o tema de maneira diferente. É isso que, de facto, falta – é o tempo. Falta tempo ao tempo.” Jorge Pelicano (Até ao Fim do Mundo)
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Estes constrangimentos têm levado muitos jovens jornalistas a apostar numa carreira em regime freelancer. Diversos jornalistas referiram nas entrevistas para este estudo que a reportagem internacional, sobretudo nos jornais, é muitas vezes assegurada por este grupo de profissionais (assim como pelas agências noticiosas internacionais), uma tendência que penaliza a análise mais aprofundada dos temas: “Acho que acontece muito, também hoje em dia, é que temos pessoas com pouquíssima experiência, que saem das escolas e que se mandam para o mundo com imensa coragem e imenso desconhecimento e que depois vendem as reportagens muito baratas, porque querem, obviamente, publicar num maior número de sítios (...) mas as pessoas não têm memória, não fazem a mínima ideia do que se passou naquele país.” Cristina Peres (Expresso) “As redacções em Portugal estão com menos memória, têm menos gente, têm menos pessoas com capacidade de procurar informação. Há muita gente que gosta de trabalhar sentada, e neste leque, há o enfraquecimento dos recursos humanos que tem a ver com os despedimentos dos últimos anos, e há menos tempo para investigar. E aqui há um espaço em branco que podia ser aproveitado [pelas organizações].” Sónia Lamy (I.P.Portalegre)
O acompanhamento sistemático das temáticas do Desenvolvimento por parte de determinados jornalistas mais “sensíveis” ou alertados para estas questões é entendida como uma mais-valia para uma cobertura mais frequente e um tratamento mais aprofundado dentro dos meios de comunicação social. Diversos jornalistas entrevistados referiram que é mais eficaz identificar os jornalistas que mais trabalham os temas de Desenvolvimento (exclusão, pobreza, ambiente, sociedade, minorias e até mesmo política internacional) dentro das redacções e direccionar-lhes informação de forma personalizada do que enviar indiscriminadamente comunicados de imprensa para dezenas de jornalistas ou para os e-mails gerais das redacções, que
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facilmente se perdem no volume diário de informação que lhes é dirigida. “[As organizações] têm uma estratégia de informar toda a gente, quando eu acho que numa fase em que nem toda a gente está receptiva é mais eficaz localizar quem está e contactar essas pessoas directamente. Eu isso já digo há imenso tempo a este tipo de organizações. ‘Não vale a pena vocês estarem a mandar dez e-mails para dez pessoas diferentes. Tentem localizar em cada sítio quem faz e tentem sobretudo criar uma relação de confiança com essa pessoa que permita que mesmo que quando essa pessoa não está, re-encaminhe para quem acha. Ou tenha uma relação próxima com os editores ou com os coordenadores para que a possa vender, de certa forma.” Sofia Branco (Lusa)
Porém, outros reconhecem, sobretudo do lado dos profissionais da área do Desenvolvimento, que a actual volatilidade das redacções pode constituir um entrave a um melhor acompanhamento destes temas por parte de determinados jornalistas: “Há muito esta rotatividade dos jornalistas que também não ajuda. Muitas vezes são os jornalistas mais novos que são colocados a trabalhar estes assuntos [do Desenvolvimento], muitas vezes até os estagiários, porque são assuntos com menos peso. São jornalistas ainda sem experiência e com o desconhecimento muito grande sobre o que estamos a falar – da linguagem, do jargão... A linguagem [do Desenvolvimento] é um bocadinho fechada, mas há alguns jornalistas que já percebem ou, pela experiência que têm, chegam lá mais facilmente do que os jornalistas mais novos.” Pedro Cruz (Plataforma Portuguesa das ONGD)
“No jornalismo industrial tens três dias para ficar fora da rotina da redacção” O jornalismo está em transição. O modelo de jornalismo, como o conhecíamos, está em permanente mudança sobretudo nos últimos cinco anos, muito graças ao declínio dos índices de leitura de jornais e a uma crise gene57
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ralizada de estratégias e de práticas editoriais. Esta percepção é transversal nas pessoas consultadas para o estudo, que defendem a urgência de repensar os modelos actuais do jornalismo e de se recentrar na questão essencial – contribuir para uma sociedade informada sobre o mundo. Os constrangimentos atrás referidos não conferem o espaço necessário à reflexão – nomeadamente, à auto-reflexão – e a uma visão mais crítica sobre o que cabe – ou não – nas agendas dos diversos Media. Para alguns entrevistados, as redacções transformaram-se em fábricas de produção de conteúdos. “Do ponto de vista cultural, os jornalistas são uma classe profissional muito adversa à mudança e à auto-reflexão, ao contrário do que se possa pensar. Estou a falar de práticas, de reflectir ‘será que estamos a fazer o melhor trabalho possível?’. Dito isto, tem de se pensar noutro factor, na industrialização do jornalismo que muitas vezes já nem é jornalismo, é industrialização de conteúdos para encher páginas de jornal ou mais propriamente rádios ou televisões. Na televisão então acho que isso é notório. Muitos têm formação, de facto, mas o que acontece é que as próprias rotinas de produção industriais não deixam margem para auto-reflexão e para se repensar se aquelas práticas e aqueles valores são os mais adequados. Isso resulta numa repetição de fórmulas narrativas, fórmulas de acompanhamento da agenda, de ângulos de abordagem e assim se perpetuam temas, protagonistas, narrativas de forma geral (...) no jornalismo industrial tens três dias para ficar fora da rotina da redacção.” Paulo Nuno Vicente (Bagabaga Studios) “Até há espaço, a questão é que eu não tenho recursos (...) as redacções, hoje em dia, são fábricas, não há tempo, porque há assuntos de agenda externa aos quais somos obrigados a responder. As questões do Desenvolvimento, infelizmente, não estão lá. (...) Eu lembro-me que há cinco anos, apesar de tudo, tinha outro tempo. As redacções estavam um bocadinho melhores do que hoje em dia, conseguíamos às vezes “furar”. (...) Hoje em dia, não há esse tempo.” Lúcia Crespo (Jornal de Negócios)
A produção constante de conteúdos para alimentar plataformas online e canais noticiosos 24 sobre 24 horas, aliada à necessidade de reduzir ou limitar
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esses mesmos custos de produção, provoca uma tendência de sedentarização dos jornalistas (do chamado “jornalismo de barriga” como o apelidou o fotojornalista Adriano Miranda) e uma maior dependência das agências noticiosas nacional e internacional. Neste quadro, a reportagem, que difere das restantes notícias não só pela possibilidade de maior aprofundamento dos temas como pelo desprendimento relativamente à agenda mediática e à “ditadura do imediatismo”, é francamente penalizada. Nas entrevistas realizadas, diversos jornalistas referiram que as viagens internacionais realizadas pelos meios de comunicação social estão reduzidas ao mínimo. No caso do Expresso, por exemplo, os jornalistas cobrem temas internacionais normalmente apenas em três tipos de situações: quando se trata de um furo do jornal, quando acontece algo gritante ou aquando das viagens de acompanhamento de comitivas oficiais. “As limitações, ao nível de tempo, não permitem ao jornalista cobrirem outra temática para além da programada nas visitas oficiais. Tudo depende se o jornalista está alertado e se há espaço, porque do que conheço, e tenho feito várias, é mesmo apertado. O ministro vai assinar um memorando qualquer – vai num dia e vem no outro. Por alguma razão, consideram que aquilo é importante. Mas, para fazer muito mais que isto, não há tempo. (...) As dificuldades nas empresas de comunicação social são de tal ordem que, mesmo num jornal como o Expresso, as viagens hoje são reduzidas ao essencial e o essencial costumam ser reportagens que são furos do próprio jornal, são um investimento do jornal nessa investigação, ou casos da actualidade muito gritantes. Porque senão há sempre... Ou há um freelancer que vai para lá e se conhece ou uma pessoa aqui que faz a compilação dos materiais. Só se viaja nestas condições, outras é a convite.” Luísa Meireles (Expresso)
Diversos jornalistas referiram nas entrevistas que sentem vontade de tratar assuntos que podem estar à margem da agenda noticiosa, e que consideram premente cobrir, denunciar ou simplesmente divulgar à sociedade, pois reconhecem-lhes valor noticioso, porém estão “amarrados” à agenda do
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dia-a-dia e aos constrangimentos financeiros da redacção: “Sinto essa dificuldade de poder até explorar as várias potencialidades do meu trabalho, sabendo que não existe, por exemplo, dinheiro para me mandarem ao que quer que seja. Mesmo que eu queira ir ali à margem sul vai ter que sair do meu bolso, fora do meu horário de trabalho, porque a agenda consome tudo o que existe de tempo e de espaço.” Inês Subtil (RTP) “Muitos trabalhos que se fazem são propostas da Ana [Cristina Pereira], porque ela sabe, teve propostas, e estão completamente fora da agenda (...) os jornalistas não vão ao terreno (...) cada vez mais tens o que eu chamo os ‘jornalistas de barriga’, ou seja, estão sentados na secretária, não vão ao local! E muitas vezes pedem informações aos fotógrafos, porque esses têm de ir – ‘teve muita gente’, ‘o incêndio era muito grande’. Eles não saem de lá, fazem um telefonema ou outro e não vão ao local! (...) Os jornalistas têm de ser estimulados, fora da agenda, a procurar histórias. Mas isso às vezes é mal visto dentro das redacções. Os editores gostam que estejas ali, vêm as informações das agências, e tu vais cobrir aquilo. E fazer coisas próprias? Às vezes é visto como se não quiséssemos trabalhar, como se quiséssemos estar sempre a passear.” Adriano Miranda (Público) “O problema com que, por vezes, nos defrontamos é o de não poder tratar certos assuntos que, em tese, até achamos que justificariam e que são importantes, mas por questões de limitação acabamos por não o fazer. (...) Tempo, outras solicitações a que não podemos deixar de acorrer. Às vezes talvez de tempo e de espaço. Não é que vigore ainda aquela ideia de ‘bad news, good news’. Não são só as notícias negativas que têm peso, mas se há alguma coisa que perturba a rotina, isso acaba por condicionar logo todo o nosso trabalho” João Manuel Rocha (Público)
Porém, o argumento económico não é suficiente para justificar o apagamento quase total da reportagem internacional e de assuntos relacionados com o Desenvolvimento nos Media portugueses (e produzida por eles
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próprios). De acordo com vários jornalistas entrevistados, há uma percepção generalizada de “não importância” de determinadas geografias ou, pelo menos, de uma hierarquização dos temas. “As coisas têm pesos distintos - os temas, os continentes, as pessoas que afectam…” Paula Borges (RDP África)
Há ainda uma percepção de que determinados assuntos não são relevantes para a sociedade portuguesa e uma consequente delegação de responsabilidades das empresas de comunicação social para os jornalistas, nomeadamente os freelancers que se lançam à “descoberta do mundo” e que, em muitos casos, asseguram a cobertura de temas que de outra forma não figurariam nos Media, desresponsabilizando, de certa forma, as redacções pelo tratamento de determinados temas. “É muito conveniente falarmos sistematicamente de crise e sem sabermos bem do que estamos a falar. Crise é um óptimo ataque para tudo e mais alguma coisa, quando na verdade o que acontece é uma crise de confiança pública. Existe uma desconfiança sobre o jornalismo que é praticado. E depois claramente parece-me que existe uma crise dos fundamentos da existência do ofício jornalístico. E muitas vezes se diz que foi a internet que veio provocar uma crise. Não foi! Quanto muito foi a impreparação dos jornalistas para lidar com um fenómeno novo. (...) Acho que os jornalistas, de forma geral, não estão preparados para lidar sequer com o internacional, que é um campo muito lato e daí ser dramática a redução das editorias de internacional.” Paulo Nuno Vicente (Bagabaga Studios) “Acho que hoje tudo deveria ser visto como sendo próximo. Não podemos dizer que algo que acontece na China não vai afectar Portugal. É impossível hoje em dia. A globalização, de facto, não nos permite dizer que não somos afectados. A proximidade hoje em dia é tudo, é o mundo. Devemos é ter a noção do que é importante cobrir.” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa) 61
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As viagens a convite e a preservação da independência dos jornalistas Uma forma de colmatar a quase ausência de temas relacionados com o Desenvolvimento nos Media portugueses e do trabalho realizado pelas organizações que trabalham essas questões em Portugal e sobretudo a nível internacional passa, por exemplo, pelo convite endereçado a jornalistas para visitar projectos no terreno ou o envolvimento em projectos realizados por organizações de Desenvolvimento, nomeadamente pelas ONG. Dos 23 jornalistas que responderam ao inquérito preparado para este estudo, 15 consideram que o apoio financeiro a jornalistas para a realização de reportagens sobre questões de Desenvolvimento tem consequências na qualidade informativa. Treze dos respondentes consideram mesmo que essa cooperação não é desejável, contra seis que responderam positivamente. No que diz respeito aos principais problemas sentidos na relação com instituições e organizações de Cooperação e Desenvolvimento, 15 dos 23 jornalistas responderam que sentem que os jornalistas são instrumentalizados para visibilidade pública dessas mesmas organizações, enquanto seis afirmam sentir manipulação desses profissionais na sua actividade jornalística. No mesmo sentido, um dos jornalistas entrevistados, com décadas de experiência, defende que esse relacionamento pode colocar em causa a independência do próprio jornalista: “O relacionamento do jornalista com uma fonte é sempre susceptível de pôr em causa a independência se o jornalista se aproxima demasiado da fonte e se ao aderir àqueles princípios ou até à causa, porque a ONG normalmente está ligada a uma causa humanitária (...). Por outro lado, é sempre susceptível, se a organização tem o objectivo de defender um determinado princípio, é bem possível que as informações que fornece sejam informações um pouco enviesadas pela causa que pretende defender.” Adelino Gomes (CIES-ICSTE/IUL)
O jornalista chega mesmo a afirmar que há situações em que as ONG procuram “comprar” a cumplicidade dos jornalistas. Um jornalista de um jor-
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nal de referência reconhece também esse risco de instrumentalização, porém afirma que nunca sentiu esse tipo de manipulação e que, a haver, esta não é necessariamente penalizável. “As fontes são sempre parte interessada e isso não é necessariamente mau. Uma coisa é ser fonte interessada em passar uma mensagem com efeito partidário, outra coisa é uma fonte interessada em chamar a atenção para um problema a que ninguém está a prestar atenção. Pessoalmente nunca senti que me tivessem a instrumentalizar, a menos que se pense que instrumentalizar é querer chamar a atenção para um assunto, mas aí também cabe ao jornalista fazer a avaliação, a apreciação, a triagem daquilo que tem à frente.” João Manuel Rocha (Público)
Quando se refere às viagens a convite de organizações, o mesmo jornalista demonstra algumas reticências, nomeadamente pelo risco de “enquadramento” demasiado restrito de uma determinada realidade: “Sim, deveríamos fazer mais reportagem a todos os níveis, também a este nível [do Desenvolvimento]. A grande limitação acho que são os recursos financeiros, sem dúvida (...) e os convites e/ou os patrocínios para a realização de reportagens internacionais podem condicionar o trabalho do jornalista (...) mas não tem de se traduzir necessariamente num condicionamento do trabalho, mas pode. Desde logo porque se vou ver a realidade que me é mostrada, não vou ver outra. Não é que retire a importância daquela realidade, mas é aquela e não é outra. Não tenho ideias fechadas sobre isso, desde que - a nível do jornal temos essa tradição mesmo - aos olhos do leitor seja claro que determinado trabalho foi feito a convite, “com o apoio de…”, para que o leitor saiba, pois também não sou fundamentalista ao ponto de achar ‘nem pensar!’” João Manuel Rocha (Público)
Noutro sentido, o jornalista da RTP entrevistado para este estudo refere que, por vezes, os jornalistas não têm autonomia na decisão e que os convites para viagens são distribuídos na redacção como prémios:
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a qualidade e os constrangimentos do jornalismo / parte 2
“Os jornalistas têm todo o interesse em serem envolvidos em debate, em irem à Guiné-Bissau ver os projectos, mas a questão é que o jornalista neste momento não tem autonomia suficiente para dizer que foi convidado pela ACEP para acompanhar este projecto que dá uma reportagem muito gira. Porque o editor vai perguntar ‘mas quem és tu para seres o convidado?’ e vai dizer ‘isso é giro é para o António que há dois anos não faz uma viagem’. E isso é visto como um prémio. Como não há ninguém especializado naquela área, faz-se isso, dá-se uma viagem como prémio.” João Rosário (RTP)
O Desenvolvimento é incompatível com os valores-notícia? O desconhecimento do trabalho realizado pelos profissionais da área do Desenvolvimento (neste ponto, as responsabilidades recaem sobre este grupo de profissionais, pela sua ineficácia em colocar os temas na agenda) e os valores notícia, nomeadamente a lei da proximidade (geográfica e cultural) servem de argumentos à pergunta “Por que é que o Desenvolvimento não está na agenda jornalística?”. “O Desenvolvimento não é notícia ainda. Pode haver um ou outro jornalista mais atento ainda, pela sua trajectória, pela sua vida pessoal, mas não creio que o Desenvolvimento seja notícia.” Nelson Dias (Associação In Loco) “Os jornalistas muitas vezes não estão sensibilizados para as questões do Desenvolvimento, nem têm formação a esse nível.” Sónia Lamy (I.P.Portalegre) “Há uma falta de conhecimento do trabalho realizado pelas ONG nacionais nos países mais pobres, tudo por uma questão básica do jornalismo que está relacionada com a proximidade. (...) Nós aqui em Portugal não sabemos de facto a qualidade, a profundidade e o empenho que muitas ONG nossas têm no terreno em países mais pobres. E isso porquê? É muito mais difícil [de ser notícia], por uma questão básica do jornalismo que é a lei da proximidade, ou seja, aquilo que nos é mais próximo, é mais notícia, é mais 64
susceptível do nosso interesse do que aquilo que nos é mais distante.” Manuel Carvalho (Público)
Diversos jornalistas apontam a questão da proximidade, ou seja, aquilo que é reconhecido como mais próximo tanto geográfica como culturalmente do leitor, ouvinte ou telespectador, como um dos valores notícia que mais influencia a selecção dos temas a cobrir. O trabalho realizado por uma ONG portuguesa em Moçambique, por exemplo, pode ser entendido como mais noticiável que um processo desencadeado por uma ONG local moçambicana (embora aqui possa pesar também outro valor notícia: a novidade); ou seja, o enfoque na realidade portuguesa ou em algo que está próximo da realidade portuguesa (por exemplo, temas da política externa portuguesa) justificam a sua cobertura. A par da “lei da proximidade”, os temas da Cooperação e do Desenvolvimento concorrem com outros temas considerados primordiais para as redacções sobre a realidade portuguesa, com destaque para a Economia: “Não é tanto dizer o que se passa em Moçambique, do ponto de vista de eleições ou outro assunto, mas do ponto de vista da política externa portuguesa face a Moçambique, o ponto de vista dos emigrantes... Nessa óptica da relação de Portugal com os outros. E nesse âmbito costumo tratar vários assuntos de Desenvolvimento porque é óbvio que abrange o MNE, o Camões [I.P.]. E abrange também a Gulbenkian e poucos mais. Não há muitos mais com quem lide [na editoria de Política]. Porque isto tem também uma componente oficial aqui. Estes temas têm essa componente oficial.” Luísa Meireles (Expresso) “Somos muito dominados por aquele princípio da proximidade, mais do que pelo valor notícia de acontecimentos que vêm de África, porque acho que somos condicionados também pelas agendas nacionais e também porque estamos num período muito particular... Acho que as pessoas que se interessam por informação, estão muito interessadas por uma informação muito mais prática, de consequências imediatas, ou de resultados imediatos, ou de revelações imediatas. E isto basta. Tem a ver com o período de 65
a qualidade e os constrangimentos do jornalismo / parte 2
austeridade, estarmos muito centrados nas nossas próprias contas, nas nossas próprias vidas. Todo este discurso político, institucional, serve quase de manto a não olharmos mais para fora e concentrarmo-nos muito cá dentro e isso dificulta que haja um espaço (nos formatos “nobres” da informação televisiva – telejornais, etc…) para [os temas de Desenvolvimento] porque depois vais tendo isso espalhado ao longo das emissões. Vais tendo jornais, mas com muito menos espaço” João Rosário (RTP) “Eu trabalho na editoria de Economia e o que eu vejo é que o interesse que há muitas vezes para abordar outros temas como o Desenvolvimento e a Cooperação é sempre indo ver se tem algum interesse económico, se rende ou não. E tenho essa dificuldade, efectivamente, de poder propor alguma coisa que possa ser vista como útil dentro da minha editoria. É sempre remetida para Sociedade ou então para a RTP Internacional.” Inês Subtil (RTP)
Mais de metade dos jornalistas que responderam ao inquérito para este estudo afirmam que os profissionais da área do Desenvolvimento têm dificuldade em perceber os critérios de noticiabilidade dos Media, enquanto três, dos 23 respondentes, consideram que esses profissionais têm dificuldade em transmitir a mensagem de forma simples e descodificada. Já do lado dos profissionais da área do Desenvolvimento, quase metade dos respondentes (20 em 48 respostas) ao inquérito consideram que o grau de compatibilidade entre os seus objectivos e os dos jornalistas é pequeno, enquanto 15 (dos 48) consideram suficiente. Além da dificuldade em chegar a um terreno de entendimento comum, a densidade dos temas de Desenvolvimento, que concorre com a superficialidade com que outras questões são tratadas, a linguagem por vezes codificada de determinadas questões e a dificuldade em traduzi-las em narrativas mais simples são também factores apontados e que influenciam a cobertura jornalística e um maior acompanhamento por parte dos jornalistas: “Acho que os jornalistas em geral tendem a ser muito superficiais, mas cla66
ro que um jornalista dirá que é isso que as pessoas precisam. Posso entender isso. O jornalismo fica um pouco pela rama, pelas gordas. Os assuntos são muito tratados pela rama, sem grande profundidade. Há alegações que podem justificar em parte isso, a questão do tempo e da percepção do que é o interesse das pessoas. Mas isto não é da Cooperação, é uma questão em geral.” João Rabaça (CESO) “É difícil que o Desenvolvimento seja uma questão de actualidade. É difícil vendê-lo como tal. É considerado muito denso pela generalidade das pessoas.” Sofia Branco (Lusa) “Há uma desvalorização, nas redacções, da informação que tem a ver com Cooperação e Ajuda aos outros países, aos países com que Portugal tem relação. Há uma desvalorização em relação à informação que vem de África ou produzida para África e isso condiciona à partida (...) Por via desta desvalorização destas matérias nas nossas redacções, já não há editoriais, tirando a RTP [com a editoria Áfricas] e a Lusa [com a Lusofonia] – não há isso nos outros Media!” João Rosário (RTP)
Criação de editoriais próprias dedicadas às questões do Desenvolvimento Como refere o antigo jornalista da RTP África, uma das formas de contornar esta quase ausência de temas de Desenvolvimento nas editorias dedicadas a questões internacionais nos meios de comunicação social passa, por exemplo, pela criação de editorias dedicadas às questões de África e da Cooperação, como acontece nos órgãos de comunicação social públicos - Lusa, RTP África e RDP África. No caso da RTP África, a redacção em Lisboa é assegurada por três jornalistas que coordenam, redigem e apresentam as notícias e por cinco delegações: Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Angola e São Tomé e Príncipe. Apesar de haver mão-de-obra para a produção noticiosa nesses países, essa 67
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mesma informação, na maior parte das vezes, não passa no canal generalista ou nos espaços de prime time do canal televisivo público, sendo remetida para espaços noticiosos periféricos ou para o canal especializado. “[No caso da RTP África] são pessoas que estão no terreno, são pessoas que se calhar poderiam estar a contactar com as ONG no terreno, poderiam propor até temas para passar no canal generalista, mas devo dizer que não sei se existe esse espaço de abertura para passar por exemplo na RTP1.” Inês Subtil (RTP)
Na mesma linha, e sobre a RTP África, a responsável pelos Serviços de Cooperação do Camões, I.P. argumenta que alguns dos conteúdos do canal poderiam ser transmitidos também no canal generalista: “Nós temos um grande recurso que é a RTP África que está no terreno e faz reportagens muito interessantes que poderiam ter interesse para passar nos jornais nacionais e isso não está a ser bem trabalho e acho que é uma oportunidade perdida que nós temos de voltar a agarrar. E quem diz a RTP África, diz depois todo o trabalho das rádios, inclusive das rádios que têm o apoio de projectos da Cooperação Portuguesa (...) não direi toda a programação, mas de vez em quando alguma programação podia ser repescada” Paula Barros (Camões, I.P.)
A relevância mediática dos temas é outro valor notícia que dita a permanência – ou não – de determinadas questões nas notícias. Muitos entrevistados reconhecem que a pouco relevância da política da Cooperação e do Desenvolvimento, no panorama nacional, se traduz na sua pouca cobertura jornalística: “Continua a não ser fácil. A pouca relevância política destas questões que trabalhamos tem um impacto e vai continuar a ter um impacto. Portanto, vamos continuar a depender muito, não só do interesse mediático dos assuntos (também disso), mas da forma como os jornalistas podem eventualmente encarar aquele interesse mediático para aquele determinado ponto. A forma como dentro da sua percepção dos assuntos eles podem considerar
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importante, ou não, aquelas questões. Porque à partida não vão ser nunca matérias que editorialmente sejam interessantes.” Pedro Cruz (Plataforma Portuguesa das ONGD) “Os portugueses não sabem para onde vai o dinheiro da Cooperação, não sabem o que é Ajuda Pública ao Desenvolvimento. (…) Apesar da minha grande luta, eu acho que isto nunca vai ser um tema de massas. Mas por isso é que é fundamental trabalhar. É um trabalho de resistência, vamos estar sempre do outro lado da barricada. O normal é que a pessoa pense em si próprio. Na sociedade, como a temos, no individualismo, tudo puxa para o contrário. Alguém tem que ser o peso na balança. (...) acho que falta muita formação a quem trabalha na área das ONG (...) É fundamental a formação da parte dos jornalistas, mas também a formação da nossa parte. La Salete Coelho (ESSE/IPVC)
O tratamento de temas relacionados com a Cooperação e o Desenvolvimento requer, em grande parte, um acompanhamento sistemática das matérias e dos debates em curso a nível internacional. A directora dos Serviços de Cooperação do Camões, I.P. refere a falta do acompanhamento destes temas, recorrendo a dois exemplos – as duas conferências internacionais que se realizaram em 2015 e que influenciarão as decisões em matéria de Desenvolvimento internacional nos próximos 15 anos: “Neste momento, os constrangimentos financeiros que a própria imprensa vive não permitem aos jornalistas acompanhar este tipo de matérias. (...) Temos este ano duas grandes conferências que são determinantes para o futuro da agenda [de Desenvolvimento] multilateral - e atenção é uma agenda universal e, portanto, com impacto também em Portugal - e não há por parte da imprensa, neste momento, uma priorização nem da Adis Abeba [3.ª Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento], nem depois de Nova Iorque [Conferência das Nações Unidas para Adopção dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável], nem eventualmente das pessoas que lá estão colocadas, sobretudo em Nova Iorque. Portanto terá de haver um trabalho de chamar a atenção, informar, criar a vontade e o interesse em cobrir [estes temas]” Paula Barros (Camões, IP) 69
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“Acho que não existe literacia para o que é o Desenvolvimento (...) Contudo o desconhecimento, a falta de preparação não é exclusiva dos jornalistas. Os profissionais da área do Desenvolvimento também estão mal preparados” Paulo Nuno Vicente (Bagabaga Studios)
A falta de preparação dos profissionais da área do Desenvolvimento (tema explorado no Capítulo 4) é também apontado como um constrangimento para uma melhor cobertura jornalística destes temas, porque: “Não são capazes de explicar, de ‘embrulhar’ bem uma história e de a saber contar (...) a limitação de recursos humanos nas redacções e a existência de outras prioridades pode levar a que o ‘encontro’ entre o trabalho das ONG e o que é a agenda informativa diminua drasticamente, no que se refere a notícias na área da Cooperação e do Desenvolvimento” Manuel Carvalho (Público)
A predominância das fontes oficiais Embora diversos jornalistas refiram que recorrem a organizações e entidades da área do Desenvolvimento com frequência quando cobrem temas relacionados com esta área, diversos profissionais da área do Desenvolvimento indicam que a prevalência recai sobretudo nas fontes oficiais (por exemplo, Ministério dos Negócios Estrangeiros ou Camões, I.P.) ou em organizações de maior dimensão e com um nível elevado de profissionalização dos gabinetes de comunicação (Amnistia Internacional ou Plataforma Portuguesa das ONGD). Esta predominância das fontes oficiais está relacionada com factores anteriormente enumerados – como a pressão do tempo e a velocidade da informação, a sedentarização no jornalismo – que diminuem drasticamente a disponibilidade no aprofundamento da investigação e na procura de fontes alternativas, mas também com o efeito mimético entre os Media, ou seja, a tendência para replicar notícias e recorrer a fontes já (re)conhecidas na esfera mediática. 70
“Na cultura jornalística há sempre uma espécie de desconfiança do que vem de fora” Paulo Nuno Vicente (Bagabaga Studios) “O jornalista muitas vezes não procura as fontes de informação alternativas porque não as conhece, porque as teme, porque tem medo de ser diferente, porque se não conhece não tem credibilidade. (…) A sensação que fica é que as organizações aparecem mas não são representativas da sociedade civil e pretendem sobretudo representar a sociedade civil. (...) Porque não estão presentes. Há dias em que a actualidade é marcada por assuntos em que podia haver ali uma voz da sociedade civil e no entanto temos as vozes oficiais, políticas, governamentais, que predominam. (…) É mais barato telefonar para as organizações ou para as fontes oficias que estão muito mais bem fundamentadas do ponto de vista dos recursos humanos. As pessoas que estão a trabalhar são também muito ricas do ponto de vista do que trazem, do traquejo da comunicação, e então tendo estas regras são mais fáceis de aceder” Sónia Lamy (CIMJ)
Diversos entrevistados referiram também que o tempo da notícia muitas vezes não se coaduna com o horário de escritório e que os jornalistas necessitam de fontes de informação que, caso seja necessário, estejam disponíveis 24 horas por dia. O timing em que as organizações disponibilizam informação é entendido aqui como um constrangimento para alguns jornalistas entrevistados e uma justificação para recorrer a fontes a quem reconhecem essa disponibilidade.
As chefias superiores e a auto-censura do jornalista de “base” O desafio em tornar as questões de Desenvolvimento e da Cooperação um tema noticiável reside, muitas vezes, no desinteresse das chefias das redacções, seja ao nível das direcções, seja dos editores, sobretudo em editorias como Internacional ou Sociedade:
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a qualidade e os constrangimentos do jornalismo / parte 2
“Continuo a achar que o problema não são os jornalistas, são os editores, quem decide o que deve ser publicado ou o que é que deve ir para o ar” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa)
Na mesma linha, a jornalista do Expresso entrevistada, e que tem experiência como editora de internacional naquele semanário, afirma que a falta de informação sobre Desenvolvimento pode ser resultado de: “Uma conjunção de um editor que não é sensível a determinado tipo de temas com uma direcção que não acha aquele tema relevante (...) Actualmente, é menor a cobertura mediática dos temas relacionados com o Desenvolvimento muito como consequência dos editores e das próprias direcções dos jornais.” Luísa Meireles (Expresso)
Esta percepção da irrelevância dos temas de Desenvolvimento para o órgão de comunicação social onde trabalha leva muitas vezes o próprio jornalista “de base” a auto-censurar propostas de reportagem e de notícias: “O jornalista propõe uma vez, isso não interessa [para o editor]. O jornalista propõe outra vez, não interessa e aí começa uma auto-censura. ‘Pronto, não vale a pena eu propor isto novamente’” Javier Martínez (fotojornalista freelancer)
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parte 3
A relação entre jornalistas e profissionais da årea do Desenvolvimento
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Caracterização da relação
Pontual e pouco recíproca De uma forma geral, e tendo em conta as opiniões recolhidas, facilmente se depreende que existe um conjunto bastante diversificado de experiências entre os profissionais da comunicação e os profissionais da área do Desenvolvimento, o que se reflecte, inequivocamente, no relacionamento estabelecido entre ambas as partes. A pontualidade e a fragilidade desta relação deve-se a uma série de factores que estão relacionados não só com a própria instituição/organização e o seu modo de actuação, mas também com a actividade profissional do jornalista, nomeadamente as editorias às quais está dedicado. Tal verifica-se tanto ao nível de determinados organismos do Estado, como ao nível de ONGD, empresas de consultoria na área do Desenvolvimento e em meios de comunicação social escrita de referência em Portugal, como os jornais Público e Expresso. As respostas dos profissionais da área do Desenvolvimento obtidas no inquérito indicam que a dificuldade em captar a atenção mediática para questões que consideram prioritárias é o principal problema de relacionamento entre ambos os grupos. Esse relacionamento com os jornalistas é sobretudo pontual – apenas cinco dos 48 profissionais da área do Desenvolvimento respondentes do inquérito indicaram que contactam jornalistas quase diariamente, enquanto a grande maioria contacta “mais de uma vez por ano”. Para além disso, 29 dos 46 respondentes consideram que não existe uma relação de cooperação entre os dois grupos de profissionais actualmente, mesmo existindo abertura (pouca por parte dos jornalistas, segundo 32 dos 47 profis-
A relação entre jornalistas e profissionais da área do desenvolvimento / parte 3
sionais da área do Desenvolvimento) que responderam a essa questão ambas as partes para colaborarem entre si. Se oito dos 22 jornalistas respondentes à questão relativa à disponibilidade das organizações para o Desenvolvimento para se relacionarem com os Media, consideram que é bastante e outros oito consideram que é suficiente, já 12 dos 22 respondentes afirmam que o grau de disponibilidade e interesse dos jornalistas para conhecerem e divulgarem o trabalho realizado por essas mesmas organizações é pouco. Assim como é pouco o grau de articulação entre os dois grupos de profissionais, segundo 11 dos 23 jornalistas que responderam ao inquérito online. Neste domínio, a directora dos Serviços de Cooperação do Camões, I.P., Paula Barros, afirma que não há essa tradição de contacto com os Media, o que é reforçado pelo chefe da Divisão de Apoio à Sociedade Civil da mesma instituição, Sérgio Guimarães. Relativamente a estes últimos, Manuel Carvalho e Luísa Meireles, jornalistas do Público e do Expresso respectivamente, são unânimes ao afirmar que o pouco ou nenhum contacto estabelecido com os profissionais da área do Desenvolvimento deve-se, essencialmente, ao facto de trabalharem em editorias que, à partida, não “lidam” com a temática do Desenvolvimento. “Na área da Cooperação é uma relação pontual, muito casuística e frágil. Ou seja, nós não temos grande tradição.” Paula Barros (Camões, I.P.) “Não costumo ter esse contacto. Isto, directo. (...) também não há contactos, que eu saiba, da parte dos jornalistas especificamente interessados em áreas que são da minha centralidade de trabalho ou que sejam das minhas áreas de trabalho. E, portanto, não há aqui grande proximidade.” Sérgio Guimarães (Camões, I.P.) “Falo mais com fontes como think tanks da área da Economia, gabinetes de ministérios, pessoas da Academia. Com ONG não é muito frequente eu falar.” Manuel Carvalho (Público)
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“Para mim hoje é mais pontual, embora às vezes haja picos, por uma razão muito simples. Há uns anos era editora de Internacional e portanto o Desenvolvimento era um dos temas que estava sempre a vir à baila, deve fazer parte do Internacional. Saí da editoria, mas fiquei com algumas pastas, entre as quais a política externa. (...) E nesse âmbito costumo tratar vários assuntos de Desenvolvimento porque é óbvio que abrange o MNE, o Camões [I.P.]. E abrange também a Gulbenkian e poucos mais. (...) Depois pontualmente também falo com entidades de outros países (...). Por isso, a minha relação é pontual, porque não é o meu dia-a-dia” Luísa Meireles (Expresso)
Verificam-se ainda situações em que, apesar de determinadas organizações do Desenvolvimento assumirem não terem um contacto ou um relacionamento mais próximo com os Media em geral, têm-no com a imprensa especializada, como é o caso da FEC e da Mundo a Sorrir. Efectivamente, Susana Réfega, directora executiva da FEC, afirma que apesar do ponto de vista institucional não existir um relacionamento com a imprensa em geral, há com a imprensa católica um relacionamento bastante próximo e constante. Já Sara Paz afirma que existe, por parte da Mundo a Sorrir, um contacto mais directo com a imprensa ligada à medicina dentária. “Na relação com os jornalistas, no caso da FEC, como somos uma organização católica, há sempre dois ‘submundos’: a imprensa católica e que tem expressão quer ao nível nacional com os jornais das dioceses, que ainda é uma realidade surpreendentemente mais presente do que nós às vezes pensamos e também com a parte da agência ECLESIA, que tem uma equipa de jornalistas para tudo o que são assuntos religiosos cá em Portugal. Com esse ramo, digamos assim, da comunicação social nós temos vindo a ter uma articulação maior e uma presença mais forte. Todos os projectos que temos feitos de ED [Educação para o Desenvolvimento], nós temos investido nesse nicho porque é um nicho que consideramos que é nosso e que temos a responsabilidade de trabalhar com estes jornalistas desta área. Aí há uma relação que eu descreveria como sendo de confiança, produtiva, embora ainda (tem vindo a melhorar) sentem alguns estereótipos. (...) é uma relação de confiança, em crescimento e proactiva, mas ainda pouco A relação entre jornalistas e profissionais da área do desenvolvimento / parte 3
estratégica (com a imprensa católica). Com o mainstream do jornalismo, temos muito pouca relação. Emitimos comunicados de imprensa quando achamos que o assunto é pertinente e relevante, mas de facto não temos relação directa com jornalistas específicos, que eu penso que isso é muito importante (ter pontos focais nos jornais...). (...) a nossa relação com os jornalistas não está nem estruturada, nem é estratégica, nem proactiva” Susana Réfega (FEC) “Nós comunicamos mais directamente com a imprensa especializada. Existe uma série de revistas do sector dentário, com as quais nós comunicamos de forma directa — e aí já é mais fácil, porque o que nós comunicamos interessa-lhes. É uma mais-valia para as publicações desses meios” Sara Paz (Mundo a Sorrir)
Regular, constante e de contacto mútuo Por outro lado, algumas das pessoas consultadas, enquanto representativas de organizações do Desenvolvimento e de meios de comunicação social de referência em Portugal, afirmaram que o relacionamento que estabelecem entre si é bastante próximo, traduzindo-se em contactos regulares, constantes e recíprocos. Opinião igualmente partilhada por 13 do 23 jornalistas inquiridos, que afirmam que contactam com frequência instituições e organizações de Cooperação e Desenvolvimento. Contudo, e relativamente às entrevistas propriamente ditas, foi curioso observar que dentro da própria instituição podem existir diferentes perspectivas em relação aos Media, como é o caso do Camões, I.P. De facto, enquanto a Directora dos Serviços de Cooperação e o Chefe da Divisão de Apoio à Sociedade Civil mencionaram que não havia um relacionamento próximo com os profissionais da comunicação, Paula Saraiva, chefe do Gabinete de Documentação e Comunicação, e responsável directa da instituição pelo contacto com os Media, contrapôs e assumiu precisamente o contrário. Nas palavras da própria, existe um relacionamento recíproco entre a instituição e os jornalistas que se traduz numa série de contactos com diver78
sos objectivos: divulgação de actividades e projectos institucionais, e pedidos de informações e entrevistas. Isto leva-nos a concluir que o contacto com os jornalistas está centralizado neste serviço que tem uma função agregatória da informação da instituição e a sua divulgação para o exterior13. “Naquilo que diz respeito ao Camões [I.P.], temos uma relação muito estreita com os jornalistas. Os contactos são regulares, tentamos comunicar as nossas actividades e projectos e temos também muitas solicitações, muitos pedidos de informação, pedidos de entrevistas que recebemos via telefone, via e-mail e que fazemos a articulação com a Direcção para dar essa resposta. (...) Fazemos diariamente esses contactos (...). O que nos acontece também, muitas vezes, é que os jornalistas ao virem aos nossos eventos ou ao saberem que existem os nossos eventos, aqueles que não estão nessa mailing list apresentam-se e pedem para a integrar e, portanto, acaba por ser uma lista que vai sendo sempre actualizada e aumentada em diversas áreas, obviamente, e a Cooperação é uma delas.” Paula Saraiva (Camões, I.P.)
/ 13 Mais adiante, no Capítulo 4, dedicado às Estratégias de Comunicação das Organizações de Desenvolvimento, é explicada a abordagem e o contacto do Camões, I.P. com os jornalistas.
Na base deste relacionamento está, claramente, uma lista de contactos específicos. Ou seja, tanto as organizações para o Desenvolvimento como os jornalistas procuram ter um conjunto de contactos de pessoas que trabalham na área. Enquanto que as primeiras procuram ou estabelecem contacto com jornalistas que se têm dedicado às temáticas da Cooperação e do Desenvolvimento, os segundos procuram contactar organizações que lidem e que possam dar informações sobre estas questões. “[Durante] quatro anos estive directamente na área do Desenvolvimento, das políticas do Desenvolvimento, da Cooperação. A minha experiência, a esse nível, durou cinco a seis anos talvez, quando estava a trabalhar na RDP África e nessa altura, tendo em conta a natureza desta rádio – feita em Portugal para os PALOP – e de intercâmbio de informação entre os países africanos de língua
A relação entre jornalistas e profissionais da área do desenvolvimento / parte 3
portuguesa e as comunidades em Portugal, nessa altura, sim, havia contacto permanente com o universo dos agentes que estão relacionados com o mundo da Ajuda ao Desenvolvimento, da Cooperação.” João Rosário (RTP) “É uma relação regular, sendo que, como a FCG é muito grande, temos uma relação muito diversa. (...) Nós falamos com jornalistas da área Internacional, Sociedade, Política, Cultural. Nós abrangemos vários, não temos só um leque de jornalistas. Temos de conhecer uma área muito diversificada (...)” Elisabete Caramelo (Fundação Calouste Gulbenkian) “Temos evoluído principalmente ao longo dos últimos quatro anos. Aqui na Plataforma sentimos que a relação, com alguns jornalistas, tem evoluído no sentido mais positivo. Conseguimos ter um relacionamento mais sustentável. Criámos uma forma de contacto regular com alguns jornalistas que têm pegado nos assuntos de Desenvolvimento de uma forma mais construtiva (...). (...) Esse relacionamento tem estas duas vertentes: conseguir chegar a determinados jornalistas de forma mais sustentável; trabalhar a mensagem de forma que seja interessante para eles, mas que cumpra o que nós queremos passar (...)” Pedro Cruz (Plataforma Portuguesa das ONGD)
A diversidade de experiências entre os profissionais da área do Desenvolvimento e os profissionais da comunicação também é perceptível por parte destes últimos que referem que dentro do próprio sector do Desenvolvimento existem não só diferentes tipos de relacionamento, como também diferentes níveis de profissionalização. Nas palavras da jornalista do Público, as organizações maiores tendem a ter um nível de preparação e profissionalização superior às mais pequenas. Tal reflecte-se na capacidade de terem serviços de comunicação especializados que podem, por exemplo, passar pela contratação de empresas designadas para o efeito ou pela existência de assessores de imprensa. “As relações são bastante diversificadas. Há umas organizações que são maiores e que têm uma profissionalização na relação com os Media, têm
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serviços, contratam empresas de comunicação para fazer esses serviços, como uma Cais, a AMI que tem um assessor de imprensa. Algumas são maiores e estão muito preparadas para essa relação, outras são mais pequenas ou têm ligações directas com quem está à frente das organizações ou o trabalho que elas fazem tende a ficar um bocado fora da agenda mediática, sobretudo se não tiverem a trabalhar nos grandes centros urbanos.” Ana Cristina Pereira (Público)
Mal trabalhada O relacionamento entre os dois grupos de profissionais é, efectivamente, segundo as pessoas consultadas para o estudo, caracterizado por um conjunto bastante alargado de experiências que alguns consideram serem frágeis e pontuais, enquanto outros afirmam serem permanentes, constantes ou recíprocas. Na grande maioria das situações, mesmo naquelas de contacto constante e de mútuo interesse, estas tendem a ser entendidas como mal trabalhadas e que precisam, portanto, de ser ainda repensadas sob esse ponto de vista, como nos alerta Pedro Krupenski. “A relação é constante e de mútuo interesse, mas é uma relação mal trabalhada e pouco recíproca.” Pedro Krupenski (Oikos)
Esta opinião é, igualmente, partilhada por outros profissionais da área do Desenvolvimento entrevistados que mencionam que muitas vezes o mau funcionamento desta relação não se deve apenas ao trabalho efectuado pelos meios de comunicação social, mas também pela incapacidade das próprias organizações que reconhecem que não sabem ou têm grandes dificuldades em comunicar de uma forma eficaz. Se em relação ao trabalho jornalístico, a contextualização dos temas deixa muito a desejar, a má preparação das organizações também, uma vez que ao não valorizarem a comunicação do seu trabalho, o não saberem como comunicar e o “burocratizar”, digamos, a forma de contacto dos jornalistas compliA relação entre jornalistas e profissionais da área do desenvolvimento / parte 3
ca todo este processo e pode conduzir a um afastamento dos mesmos (tema mais desenvolvido no Capítulo 4). “Acho que é evidente quando lemos, ouvimos peças jornalísticas sobre Desenvolvimento, que há muito trabalho a ser feito com os jornalistas – contextualizar os temas, os tópicos daquela acção que está a acontecer no momento. Por que é que está a acontecer, de onde é que aquilo vem? Continuo a achar que (…) esse trabalho tem de ser mais feito pelos profissionais, ou seja, os profissionais é que têm de fazer um trabalho de engajamento com os Media” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/UL) “As associações estão mal preparadas para trabalhar com os jornalistas. Muitas não valorizam essa dimensão porque estão muito centradas na acção, para intervir, fazer projectos no terreno, sem ter preocupação com a visibilidade externa, com essa mediatização do trabalho que é feito. Acho que é uma questão cultural que atravessa transversalmente muitas organizações deste sector, sejam centradas em Portugal seja na Cooperação. Tem a ver com uma certa desvalorização.” Nelson Dias (In Loco) “Há uma falta de confiança ou de contacto ou de comunicação e eu sinto isso como ONG, que existe uma barreira. Nós não conseguimos. (...) Efectivamente, as ONG não têm tempo. (...) O nosso dia-a-dia é para aqueles projectos, é arranjar os financiamentos, é gerir as equipas que estão no terreno, é um ‘bolo’ de coisas e às vezes nós queremos passar a informação, mas não sabemos a quem. É assim, vou escrever para a Lusa?! (...) Eu acho que também há aqui uma falha das ONG no contacto com e no passar a informação. (...) É verdade que a falha é nossa, nós não comunicamos, não sabemos bem a quem...” Ana Fantasia (ONGD VIDA) “Os jornalistas queixam-se muitas vezes da dificuldade em chegar às pessoas [que trabalham em organizações de Desenvolvimento], tem de enviar um mail, etc... e complicam o processo. (...) os erros têm a ver com a agilidade na resposta, e responder de imediato.” Sónia Lamy (I.P. Portalegre) 82
Dentro do mencionado por estes profissionais, existem outros dois aspectos que merecem reflexão e devem ser tidos em consideração dado que são essenciais para uma relação mais próxima e mais bem trabalhada entre os Media nacionais e as organizações para o Desenvolvimento, com claras consequências na qualidade da comunicação e da informação. Referimo-nos, claramente, à questão da confiança e ao facto de os jornalistas verem as ONG como fontes de informação de extrema importância e qualidade, uma vez que, e como refere a directora da ACEP, Fátima Proença, são “um depósito privilegiado de informação criteriosa de altíssima qualidade”. “Para já, há situações diferentes. Seja no jornal ou seja fora. Eu ontem estive a reflectir sobre vir aqui hoje [participar no grupo focal] e acho que uma das coisas mais importantes de estabelecer é confiança. Acho que é absolutamente fundamental. E a confiança é, muito antes de sermos profissionais disto ou daquilo, são as confianças como pessoa.” Cristina Peres (Expresso) “A base, sim, é a confiança e, no mesmo nível, a liberdade. (...) Vou dar um exemplo prático: os Bagabaga [Studios] estiveram na Guiné-Bissau a fazer um documentário sobre quatro projectos de uma ONG, que é a Monte[-ACE]. Se eu for produzir o que a Monte[-ACE] está a fazer, eu não sou jornalista. Sou uma assistente de comunicação, o que seja. Se eu tiver liberdade para poder olhar o ângulo que eu quero contar daquela história, aí eu sou jornalista, porque há diferenças. (...) A liberdade e a confiança são a base, porque às tantas os limites também são muito ténues. Nós, com a Monte[-ACE], correu tudo super bem. Em nenhum momento houve uma tentativa de... nem sequer tiveram acesso ao artigo antes de ele ser publicado. Agora isso é difícil. Essa relação de confiança é muito difícil de se construir.” Sofia de Palma Rodrigues (Bagabaga Studios) “Olharem as ONG ou algumas ONG, aquelas com quem vocês [jornalistas] estabelecem relações e que consideram que são ONG com quem querem fazer caminhos conjuntos... Vê-las como fontes. (...) Nós somos, de facto, um depósito privilegiado de informação criteriosa de altíssima qualidade.” Fátima Proença (ACEP) A relação entre jornalistas e profissionais da área do desenvolvimento / parte 3
A predominância de determinadas fontes em detrimento de outras, nomeadamente nesta área do Desenvolvimento, deve-se principalmente a dois factores: pela urgência do tempo que impossibilita a procura de outras vozes ou, como alerta a investigadora Sónia Lamy, pelo receio da falta de credibilidade de fontes alternativas: “O jornalista, muitas vezes, não procura as fontes de informação alternativas porque não as conhece, porque as teme, porque tem medo de ser diferente, porque se não conhece não tem credibilidade.” Sónia Lamy (I. P. Portalegre)
Porém, a percepção geral dos vários entrevistados é que as organizações e entidades de Desenvolvimento são fontes privilegiadas de informação: “Porque já se fez um ou outro trabalho em que estabelecemos contacto, há uma agenda de algumas organizações nessa área. Mas eu gosto de funcionar um pouco ao contrário: o que é que eu preciso e quem é que nesta área está a trabalhar, quem é que nesta área tem experiência, um saber, que me possa ser útil e que também seja relevante transmitir. Desde os contactos que, por vezes, as organizações têm porque estão no terreno. Por exemplo, se fizer um trabalho sobre uma realidade que eu conheço muito pela rama, quem está no terreno conhece os protagonistas, os problemas. (...) Gosto de trabalhar ao contrário: quem é que sabe disto? E depois ir à procura, sem prejuízo de haver organizações que, pelo seu tipo de trabalho, já tive algum contacto anterior.” João Manuel Rocha (Público) “Quando eu chego ao tema da minha história, uma das primeiras coisas que tento fazer é enquadrar o meu tema e ir buscar fontes de informação onde esse tema se desenrola e, muitas vezes, acabamos por procurar organizações que, de certa maneira, por um lado permitem-me abrir as portas aos personagens e para tentar, de uma forma rápida, perceber todas as características desse tema e também todas as características desses personagens. É muito importante como fontes de pesquisa ter essas organizações. (...) Utilizo-as sempre como fonte de pesquisa e de crítica. 84
(...) Recorro a essas organizações para, em pouco tempo, tomar conhecimento de como funciona. Conhecem o terreno, têm o know-how e o realizador não (...). Utilizo-as também como elemento determinante ao longo de todo o processo de produção e de rodagem do filme (...). Vejo-as sempre como um elo de ligação ao meu processo criativo, para o bem e para o mal.” Jorge Pelicano (Até ao Fim do Mundo) “Por exemplo, no projecto Troika14, fora do âmbito jornalístico, nós próprios também contactámos várias associações. Recordo-me que recorremos à Rede Europeia Anti-Pobreza para ser nossa parceira. Nós também recorremos [às associações] para nos ajudar a identificar situações, para perceber o que se passa, para nos meter em contacto com pessoas. No fundo, para fazer esse trabalho de casa que temos sempre de fazer antes de partir com a máquina fotográfica para o terreno.” Adriano Miranda (Público)
/ 14 Mais informação em https://www.facebook. com/ProjectoTroikaPortugal
A proactividade demonstrada, tanto pelo jornalista como pelo fotojornalista do Público e pelo realizador, em estabelecer contacto com estas organizações não só corrobora outras opiniões obtidas, como também é mais uma vez exemplificativa da diversidade de experiências existentes de ambas as partes. Ou seja, se em determinadas situações os profissionais de comunicação se assumem como proactivos na procura de organizações do Desenvolvimento e de profissionais da área, sendo que esta procura em alguns momentos chega a ser recíproca, noutras ambos os grupos profissionais assumem claramente que esta iniciativa não existe por parte dos Media. “Há os contactos que eles nos fazem que são, hoje em dia, praticamente diários. Reconhecem o CPR como interlocutor (...). O foco do problema continua à volta dos países que têm o conflito. Se os jornalistas pudessem, iam lá. Hoje em dia não têm nem meios financeiros para irem lá, nem sequer condições para saírem da
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redacção. Então facilitamos no fundo esta relação. Imagina: há um jornalista que faz um trabalho sobre Ceuta e Melilla... Contacto-o, procuro saber mais informações sobre Ceuta e Melilla, pergunto-lhe se precisa de saber mais estatísticas, mais dados sobre aquela situação, procuro saber quais são os contactos que temos naquela região, o contacto do ACNUR lá (nós somos o contacto do ACNUR em Portugal), facultar-lhes o contacto. Nós somos as fontes, as organizações que têm mais dados sobre aquelas realidades, por isso o que queremos é que nos utilizem a nós e não outras estatísticas que podem estar deturpadas ou não corresponder à realidade. E portanto há este trabalho que é feito com os jornalistas.” Mónica Frechaut (CPR) “Quanto ao tipo de relacionamento, tomo iniciativa sempre que preciso, mas também há uma proactividade por parte das organizações. Os jornalistas normalmente gostam mais de ser eles a tomar a iniciativa, porque se aparece uma sugestão externa tendem a vê-la com alguma reserva. Mas há uma proactividade das organizações e eu diria que regra geral o acolhimento que é feito a iniciativas que chegam é positivo. São causas consensuais, são assuntos importantes.” João Manuel Rocha (Público) “Às vezes as organizações contactam no sentido de apresentar algum estudo, algum trabalho e aí, na sequência disso, a pessoa pode desenvolver. Outras vezes, quando estou a fazer algum tema sobre alguma dessas áreas, quando eu sinto que faz sentido falar com alguma organização, acabo por falar sempre com elas e pronto. E, provavelmente, muitas vezes são sempre as mesmas – talvez por erro meu – mas, portanto, há as duas vertentes” Céu Neves (Diário de Notícias) “Posso responder com aquilo que recebo agora de organizações quando está relacionado com informação nacional e alguns eventos a nível internacional que tenha a presença de portugueses. E aí posso dizer que há uma necessidade grande de dizer o que está a acontecer e tenho, ao fim de uma semana, três ou quatro e-mails ou de organizações ou de agências que trabalham com organizações e que fazem divulgação de acções, de projectos...” João Rosário (RTP) 86
Em contracorrente com os outros Media, a RDP África tem mantido temas dedicados à Cooperação e ao Desenvolvimento na sua programação e nos espaços informativos: “É uma área tanto trabalhada na programação como na informação desta rádio, mas especificamente começámos a trabalhá-la mais em 2005, num primeiro momento num programa dedicado exclusivamente ao Objectivo 6 do Milénio (...). (...) esse espaço existiu assim, só sobre o Objectivo 6 – o combate às doenças – causa e efeito da pobreza, durante uns dois ou três anos e depois decidimos que era fundamental alargar, já num momento mais decisivo e de acerto dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, alargar às oito metas e então passámos a ter um programa específico sobre os ODM, que é produzido, realizado e apresentado por mim, mas também temos outros espaços específicos, nomeadamente o Cooperação e Desenvolvimento, que é um espaço do Luís Lucena. Depois de alguns anos a trabalhar nestas áreas, é lógico que se estabelecem também algumas relações entre pessoas que trabalham nesta área e muitas vezes a informação chega-me através dos press, muitas organizações não-governamentais já têm agências de comunicação, já vem quase “mastigada” a informação. (...) A abordagem que me fazem é sobretudo com press e se é algo que consideram importante e eu não respondo logo, por vezes ligam e perguntam se recebi, se vamos lá estar.” Paula Borges (RDP África)
Efectivamente, há uma dualidade no que diz respeito a esta questão da iniciativa e da proactividade. Se algumas experiências relatam a existência de uma procura efectiva por parte do jornalista, outras não. E é curioso observar que tal não se verifica apenas do ponto de vista das organizações para o Desenvolvimento, mas também do lado do jornalismo. Ou seja, investigadores na área do jornalismo, como é o caso de Sónia Lamy, afirma que esse contacto, a existir, só ocorre por questões de agenda, o que em parte vai ao encontro ao mencionado por Nelson Santos, da Associação In Loco, que afirma que os jornalistas só comparecem em encontros organizados pela associação quando há um acontecimento mediático. A relação entre jornalistas e profissionais da área do desenvolvimento / parte 3
“Às vezes, e no seguimento de notas de imprensa que enviamos, é mais isso que nos procurarem genuinamente. Depende das áreas. A área em que somos procurados sem que façamos nada é a área dos orçamentos participativos, porque quando há uma notícia a partir de alguma câmara normalmente querem saber mais e contactam-nos. Mas tirando isso não é propriamente uma proactividade do lado dos jornalistas. Reagem a coisas que nós mandamos. (...) (...) Não é fácil ter os jornalistas. Fazemos uma conferência de imprensa e eles não aparecem, mas depois pedem que enviemos as coisas por e-mail. É tudo a correr hoje, os jornalistas não estão para sair, a não ser que seja uma coisa assim muito mediática.” Nelson Dias (Associação In Loco) “Não há uma procura activa dos jornalistas, normalmente respondem a um estímulo que é externo. Se houver um assunto que motive a procura da organização, ele procura.” Sónia Lamy (I. P. Portalegre)
Retomando uma das questões responsáveis pela existência de um relacionamento mal trabalhado e aprofundado – a questão da incapacidade e da dificuldade das organizações em comunicar –, a jornalista do Diário de Notícias, Céu Neves, tem uma opinião contrária, no sentido em que considera que as organizações para o Desenvolvimento, de uma forma geral, estão cada vez mais preparadas para a importância de os profissionais da comunicação precisarem de ter acesso a informação em tempo “útil”, acrescentando ainda que há um bom relacionamento marcado pela independência e pelo respeito mútuo. “Regra geral sim. Anteriormente não. As organizações até estavam, provavelmente, mal preparadas para falar com os jornalistas. Hoje já estão naquela fase em que muitas dessas organizações já recorrem a agências de comunicação. (...) Portanto, têm mais a consciência da importância de ter uma via mais directa para chegar aos jornalistas. (…) já estão preparadas e estão consciencializadas para as nossas necessidades. (...) Mas já estão mais preparadas para a importância de termos essa informação em tempo útil.” Céu Neves (Diário de Notícias) 88
Da mesma opinião partilham Adelino Gomes e Jorge Pelicano: “Tanto quanto me consigo lembrar essa relação começou por ser uma relação estrita e habitual entre o jornalista e a fonte, seja a fonte que nos procura ou nós a procurá-la. No meu caso e nos sítios onde eu trabalhava, isso era muito claro para nós, como as regras estavam muito bem estabelecidas, eu penso que o ponto de partida foi muito são, o ponto de partida foi claro, o ponto de partida foi com bases éticas, com bases deontológicas e com bases muito exigentes do ponto de vista técnico-profissional. ‘Vocês não me enganam, vocês dão-me esta informação e eu, nesta informação, os meus parâmetros são estes’, portanto estabeleceu-se uma relação que penso, posso estar enganado, mas penso e sempre entendi como uma relação de respeito mútuo, porque, no fundo, estávamo-nos sempre a escrutinar. Eu estava a escrutinar as organizações a quem pedia informações na medida em que, mais tarde ou mais cedo, eu teria possibilidades de aferir questões sobre as colónias portuguesas, hoje países independentes. Questões que têm a ver com Timor, eram questões em que podia ser enganado por um mês, dois meses, três meses, mas não durante 10 anos. Por outro lado, o meu trabalho também era transparente na medida em que aquilo que eu fazia era publicado e era publicado segundo aquelas regras. Portanto, eu era rigoroso, não enganava, eu não fazia títulos ou subtítulos ou citações que fossem enviesadas.” Adelino Gomes (CIES-ICSTE/IUL) “Tento sempre respeitar a organização que me abre as portas. Porque se as portas não forem abertas não consigo fazer o trabalho.” Jorge Pelicano (Até ao Fim do Mundo)
Para além do respeito, e ainda como característica deste relacionamento, dois dos jornalistas (um deles fotojornalista) entrevistados, e que actualmente trabalham no jornal Público, afirmam que esta relação é marcada pela cumplicidade, cooperação e abertura. “Quando estamos a falar de Cooperação externa com países que têm indicadores sociais e económicos e Desenvolvimento mais atrasados que nós,
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diria que a relação é necessariamente cúmplice. Não é um caso que seja necessariamente português, mas um caso que acontece em muitos países em Desenvolvimento em que há uma preocupação com o bem comum que está matricialmente inscrito naquilo que é a natureza do jornalismo e aí o dever do jornalista e a preocupação e a sensibilidade dos jornalistas em puxar pela actividade das pessoas que estão no terreno a fazer esse tipo de trabalho, acho que há uma grande sintonia e para além disso uma grande cumplicidade.” Manuel Carvalho (Público) “Essa relação tem sido mais alargada. Eu sinto isso, os próprios meios de comunicação [social] têm dado mais importância a temas que dantes não se falavam tanto. Uns melhor, outros pior. Uns pegando de uma maneira, outros de outra, conforme o título, ou conforme a rádio, ou o canal de televisão – há bastantes diferenças, mas acho que cada vez mais tem havido essa cooperação. E acho que é uma cooperação essencial, porque eu cada vez mais encaro o jornalismo como uma vertente de denúncia e de alerta. E aí essa cooperação é cada vez mais bem-vinda e saudável. (...) Trabalho aqui no Norte e felizmente tem havido muito trabalho nessa área. (...) há mais abertura e que tratam-se esses temas de uma maneira séria. Penso que as pessoas que trabalham nessas áreas também são pessoas de mente aberta, e que também sabem que um meio de comunicação social pode ser uma porta aberta para o trabalho que estão a realizar e para o papel da denúncia, para dar a conhecer o que se está a fazer. E geralmente sentimos que as pessoas nos recebem, que não fecham a porta (...). Das coisas que tenho feito, apercebo-me disso, colaboram.” Adriano Miranda (Público)
Contudo, e mais uma vez reforçando a ideia de diversidade de experiências e posições contrárias dentro do próprio sector, está a opinião de um dos jornalistas consultados para este estudo que afirma que este relacionamento, enquanto relacionamento mal trabalhado, é caracterizado pela existência de um conjunto de incompreensões e “áreas cinzentas”, como o mesmo apelida, e uma abertura que se fica pela dimensão mais normativa. Opinião em parte corroborada por um dos dirigentes da SOS Racismo, Mamadou Ba, que afirma que esta relação é, essencialmente, uma relação desigual. 90
“É um tipo de relacionamento cheio de incompreensões, cheio de áreas cinzentas. Incompreensões de parte a parte e zonas cinzentas de parte a parte. Não me parece que seja uma área que seja possível trabalhar com muitos a priori’s. (...) Acho que os jornalistas habitam ali uma zona dúbia de, por um lado, acham que partilham muito dos valores, por outro lado vivem numa suspeita permanente de qual é a agenda escondida, o que é que eles querem que nós mostremos. Acho que isso acontece também na verdade do outro lado. É muito frequente o termo documentário, no contexto dos gabinetes de comunicação, mesmo que não existam gabinetes de comunicação, e muitas vezes o que se pretende é um vídeo de promoção institucional, um vídeo de depoimentos que dê visibilidade ao próprio projecto. Quando a comunicação inicial não é bem feita, acho que as relações tendem facilmente a deteriorar-se. Acho que não existe uma compreensão generalizada de parte dos jornalistas, do jornalismo. É errado pensar nisto apenas na perspectiva do repórter, do trabalho de campo, estou a falar das redacções, dos editores, dos directores de informação, dos administradores, quando são linhas mestres de orientação mais ou menos editorial. Acho que não existe literacia para o que é o Desenvolvimento. (...) A noção normativa, do ponto de vista ideal, dos valores que devem guiar o trabalho jornalístico, muitos são comuns ao campo do Desenvolvimento ou de ONGD. Mas isto é no mundo dos valores, mas olhando para a prática sou muito mais céptico” Paulo Nuno Vicente (Bagabaga Studios) “É desigual, quase podemos dizer que é um bocadinho bipolar, entre a forma como os problemas são apresentados e como eles acontecem na realidade. Prende-se com a forma como a própria sociedade olha para a sociedade civil, como instrumento de mediação social ou política ou até como instrumento de superação de dificuldades sociais. (...) Muita gente me pergunta: ‘Por que é que vocês têm sempre tempo de antena?’ Isto tem a ver com a forma transparente com que nos relacionamos com a imprensa. Há uma coisa que sempre recusámos: a manipulação jornalística” Mamadou Ba (SOS Racismo)
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Desafios do relacionamento
Como observado no ponto anterior, e tendo em conta os depoimentos, existe um conjunto bastante diversificado de experiências entre os profissionais da área do Desenvolvimento e os profissionais da comunicação. Enquanto que uns, mesmo pertencendo ao mesmo grupo de profissionais, afirmam que mantêm uma relação bastante próxima e que existe uma proactividade e receptividade de ambas as partes, outros caracterizam este relacionamento como extremamente frágil, pontual, pouco recíproco e proativo. Obviamente que, e face a estes diferentes tipos de relacionamento e posturas assumidas pelos entrevistados, há uma série de desafios que se levantam e carecem de alguma reflexão. Das 26 entrevistas e dos dois grupos focais realizados, foram mencionados diferentes aspectos e que, na perspectiva dos consultados, correspondem aos grandes desafios desta relação. Do mencionado, pode-se identificar essencialmente cinco desafios, nomeadamente:
Despertar o interesse jornalístico pelas temáticas relacionadas com o Desenvolvimento Na perspectiva de alguns dos entrevistados, das duas áreas profissionais, o despertar o interesse do jornalismo português para a cobertura dos temas relacionados com a Cooperação e o Desenvolvimento é essencial, até porque cada vez mais a imprensa cinge-se à agenda mediática e este tipo de temas, à semelhança de muitos outros, são remetidos para segundo plano e não têm, efectivamente, a visibilidade que deveriam ter. Assim, e na perspectiva dos 92
próprios, para criar este interesse há que, antes de tudo, ter em consideração o facto de que os jornalistas estão limitados tanto em termos de tempo como de espaço. Contudo, tal pode ser ultrapassado com uma mudança de posicionamento/paradigma das organizações face aos Media, procurando não só estimular e despertar a sua atenção, mas também levá-los a procurarem, por iniciativa própria, histórias/matérias que possam ser publicadas e que despertem para a importância destas temáticas. Nas palavras da jornalista do Diário de Notícias, Céu Neves, essa mudança passa claramente por inovar a forma como se comunica e se divulga a informação, evitando, assim, as tradicionais conferências de imprensa. Para além disso, o que se comunica assume uma importância crucial, no sentido em que o jornalista é “cativado” a partir do momento em que no meio da informação partilhada existem histórias, pessoas e rostos. Esta opinião é igualmente partilhada por Jorge Pelicano que afirma, de forma muito sucinta, que os jornalistas vão utilizar essas histórias e, portanto, as organizações devem promovê-las. “Se concretizarem, se derem exemplos concretos, se pessoalizarem esses exemplos – nos jornais é muito as histórias; queremos as histórias, queremos rostos, queremos pessoas –, tudo o que seja não oferecer uma coisa muito geral mas mais direccionar a informação, isso seria mais importante. Mas é assim, vou dar um exemplo: a Associação Portuguesa de Cegos [ACAPO] já fez, uma ou duas vezes, um almoço às cegas, com jornalistas, e isto resultou muito bem, estava lá imensa gente. É encarar isto de uma forma mais apetecível para depois serem um bocadinho inovadores na forma como apresentam aquela informação e ser uma coisa diferente. (....) Mas depois depende muito da forma e da disponibilidade e etc., nós recebemos muita, muita informação, muitos mails, temos sempre as agências de comunicação sempre a inundar-nos o mail com n coisas – e coisas, às vezes, que dizem que são novidade e, muitas vezes, também não são assim tão novas – mas tentar, portanto, dentro daquela área fazer uma coisa que possa ser diferente e que o jornalista se possa interessar. As organizações (...) têm que arranjar um ponto novo para os jornais tentarem captar a atenção.” Céu Neves (Diário de Notícias)
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“Devem ser organizações capazes de promover histórias, porque são essas histórias que os jornalistas depois vão pegar.” Jorge Pelicano (Até ao Fim do Mundo) “Continuo a achar que a culpa... que esse trabalho tem de ser mais feito pelos profissionais, ou seja, os profissionais é que têm de fazer um trabalho de engajamento com os Media. Os Media têm de cobrir n temas, estão super ocupados com inúmeros temas. São portanto os profissionais da Cooperação que têm que estimular os Media para esta questão do Desenvolvimento global.” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/UL) “Chegar a eles em momentos em que tenham disponibilidade. Depende muito da disponibilidade que têm, dentro do seu trabalho, para trabalhar estas questões. Por isso é que é um relacionamento que tem de ser muito adaptado... Temos de ter em atenção que em determinados momentos não vai ter interesse tratar, eles não vão conseguir pegar naquilo. Por isso é tentar que os assuntos entrem de alguma forma, tenham algum espaço em algum momento. (...) O principal desafio continua a ser ter a atenção dos jornalistas nos momentos em que queremos. Muitas vezes não conseguimos isso e também não podemos obrigá-los. Podemos é tentar que aquele assunto, seja naquele momento ou mais à frente, trabalhado.” Pedro Cruz (Plataforma Portuguesa das ONGD) “E também às vezes nem sempre se consegue, por exemplo, falamos, temos neste ano [2015] duas grandes conferências que são determinantes para o futuro da agenda multilateral e atenção é uma agenda universal, portanto com impacto também em Portugal e não há por parte da imprensa, neste momento, uma priorização nem da Adis Abeba, nem depois de Nova Iorque, nem eventualmente das pessoas que lá estão, sobretudo em Nova Iorque, que lá estão colocadas, portanto terá de haver um trabalho de, de... chamar atenção, informar, criar a vontade de, o interesse em cobrir...” Paula Barros (Camões, I.P.)
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Encontrar formas de trabalho colectivo, inclusivo e colaborativo Para além de procurar captar o interesse dos Media, o relacionamento dos profissionais da área do Desenvolvimento com estes só pode ser efectivamente sólido, recíproco e constante se houver de ambas as partes um compromisso colectivo, no sentido de trabalharem em conjunto. E tal, conforme algumas das pessoas consultadas, tanto jornalistas como profissionais da área do Desenvolvimento, constitui indubitavelmente outro dos grandes desafios desta relação Desenvolvimento-Media, tendo sempre presente que este trabalho em conjunto exige, como refere Mamadou Ba, um terreno de entendimento comum. Este trabalho colectivo passa, entre outras coisas, pelo envolvimento dos jornalistas nestes temas e pelo esclarecimento dos mesmos já que utilizam, e como refere a jornalista do Público, Ana Cristina Pereira, uma linguagem codificada e de díficil entendimento para quem não é da área. António Neiva, da ONG Médicos do Mundo, acrescenta ainda que pode passar, por exemplo, pelos próprios profissionais da área do Desenvolvimento auxiliarem o jornalista na condução da entrevista, ao elaborarem o guião da mesma, já que é o que muitas vezes a organização à qual pertence faz (embora esta prática possa levantar questões éticas e de independência do jornalista). “Acho que há todo o interesse em, digamos, procurar encontrar formas de trabalho mais colectivo e inclusivo entre o Estado e os profissionais que trabalham na área da comunicação social. E isto levaria a que houvesse, da parte desses profissionais, uma atitude proactiva, uma preocupação e uma consciência profissional e individual, inclusive, ... em procurar obter informação de dados e produzi-la e levá-la junto dos cidadãos e, por outro lado, uma atitude mais proactiva por parte do Estado, no sentido de envolver condições que favoreçam esta aproximação e que permitam criar oportunidades de trabalho conjunto, daí em certa medida o co-financiamento. É preciso criar condições e espaços em que seja possível reflectirmos. E reflectirmos porquê?! Porque estamos a falar de duas áreas do saber e do conhecimento que são diferentes, que têm culturas diferentes e próprias e que era preciso uma maior compreensão de ambas as partes.” Sérgio Guimarães (Camões, I.P.) A relação entre jornalistas e profissionais da área do desenvolvimento / parte 3
“Há algum fosso no entendimento ou na compreensão do alcance dos temas que queremos retratar e na forma como a imprensa trata esses temas. (…) Há outra coisa que fazemos: recusamos a hierarquização da representação dos problemas. Não aceitamos nunca que quando colocamos um tema, a imprensa nos diga que isto é mais importante que aqueloutro ou quem fala. Essa hierarquização da relação e da interacção, recusamos. Tem que haver aqui algum trabalho, pois ainda há aqui dificuldade de encontrar o terreno comum. Temos todos a ganhar se o retrato for mais transversal do que meramente focado, porque ajuda a ampliar e a tornar a compreensão do assunto mais fácil. (...) Quando falo de violência policial, gosto que o jornalista que me está a entrevistar não se foque apenas na violência policial mas também na transversalidade do problema – estou a falar de racismo, de desigualdade, de exclusão, de marginalidade. (...) nós nunca falamos no quente. Por vezes, quando acontece alguma coisa, a imprensa faz perguntas dirigidas para eu dizer determinada coisa. Acho que era importante que a imprensa respeitasse isso também. Temos um grande problema de representação com a imprensa. É preciso democratizar as relações entre a imprensa e as organizações da sociedade civil em Portugal. (...) Conhecemos jornalistas porque os jornalistas, antes de o serem, são cidadãos. Respeitamos o seu trabalho, mas sabemos também que não podem ser neutros e não olharem à sua volta enquanto cidadãos.” Mamadou Ba (SOS Racismo) “Não tem de ser sempre uma negociação difícil. Há inevitavelmente momentos de tensão, porque o olhar do jornalista não é igual ao olhar do activista. Um jornalista tem um Código Deontológico pelo qual se rege, que tem a ver com a busca da verdade, mas também com a independência. E as ONG normalmente têm objectivos muito mais... são objectivos nobres, se não também não aceitarias trabalhar com elas, mas que não são iguais aos teus, no sentido em que tem a ver com a objectividade. (...) Nós jornalistas, também por esta forma de estar, às vezes perdemos a noção de qual é o efeito do trabalho que nós fazemos na vida concreta das pessoas. E às vezes as ONG ajudam-nos a puxar um bocadinho mais para essa realidade. Reflectir mais sobre quais são os efeitos concretos do nosso trabalho no dia-a-dia das pessoas. Portanto, podem ajudar-nos a ter mais cuidado, a fazer um trabalho mais cauteloso. (...) Às vezes falta essa noção do que é o trabalho jornalístico e que 96
é importante quando falas com um jornalista, e ter disponibilidade mental para lhes explicares as coisas, porque um jornalista não é especialista à partida! (...) O jornalista tem de ser aquele que sabe o que vai perguntar. Tenho de saber perguntar, e depois traduzir isso. Mas não podes esperar permanentemente que os jornalistas dominem a tua área. Na área do Desenvolvimento, sobretudo, que é pouco falada. Tens de estar preparada, quando apanhas um jornalista à tua frente, ele não saber bem o que é Desenvolvimento, o que é Cooperação para o Desenvolvimento, etc... Tens de estar preparada para ter um papel pedagógico e explicar o que é. Se calhar, se fizeres bem o trabalho, até podes conseguir um ‘aliado’, podes conseguir que aquele jornalista fique interessado nesses temas e que, a partir do momento em que fica interessado, dê mais atenção a esses temas, puxe mais esses temas para a agenda pública, faça mais sugestões à sua chefia intermédia ou à sua direcção para trabalhar esses temas. Se tens uma linguagem muito codificada, as probabilidades de o tipo que te apareceu à frente não perceber tudo o que tu dizes e cometer erros no texto que vai escrever e nunca mais se interessar pelo assunto é muito grande. Por isso, acho que é importante haver de parte a parte uma vontade de fazer as coisas bem e de servir a pessoa fundamental nesta equação que é o cidadão.” Ana Cristina Pereira (Público) “As próprias organizações devem tentar passar cá para fora histórias que acham que são importantes, que transmitem valores, que transmitem o trabalho dessas organizações. Não ficarem à espera que lhes batam à porta para saber essas histórias, serem elas as primeiras a passarem cá para fora. Através dos Media e através dos seus próprios canais. Acho que não é promoverem-se, acho que é tantar dar a conhecer melhor o trabalho que desenvolvem. Temos várias plataformas de output – os sites, os jornalistas, os realizadores… As plataformas existem, a atitude é que tem de vir de dentro para fora, podia ser uma boa maneira de trabalharem em conjunto. E os jornalistas estão de braços abertos para receber essas histórias.” Jorge Pelicano (Até ao Fim do Mundo) “Começar do início, do zero. Eles chegam lá sem saber o que fazemos, nós próprios ajudamos a fazer a entrevista, o guião.” António Neiva (Médicos do Mundo)
A relação entre jornalistas e profissionais da área do desenvolvimento / parte 3
Os temas do Desenvolvimento serem abordados independentemente do contexto, positivo ou negativo Os temas de Desenvolvimento tornam-se mais facilmente noticiáveis em situações de emergência ou de catástrofe, ou ainda quando envoltos em polémica. Segundo um dos entrevistados, é preciso encontrar o equilíbrio e procurar noticiar, de igual forma, o outro lado, que também existe, do Desenvolvimento, tendo sempre presente que é um processo a médio e longo prazo. “Outro desafio grande é evitar que só quando aparecem casos negativos de trabalho de ONG é que o sector fica com as luzes todas em cima. É tentar minimizar essa imagem negativa e que passa não só para a opinião pública como para os próprios políticos” Pedro Cruz (Plataforma Portuguesa das ONGD)
Localização geográfica das redacções Para além destes desafios, alguns dos profissionais da área do Desenvolvimento consultados identificam a localização geográfica como um aspecto a ser ultrapassado, na medida em que neste relacionamento não deve existir uma polaridade regional e não se deve limitar, sobretudo no que diz respeito a actividades das organizações que procuram envolver os jornalistas, à área metropolitana de Lisboa. É importante considerar que este tipo de actividades também se desenvolvem noutras regiões, mesmo onde existem menos organizações para o Desenvolvimento, como é o caso da região Norte. “É muito difícil mobilizar Lisboa cá para cima” Sandra Fernandes (Universidade do Minho) “No Centro de Estudos Afrianos [da Universidade do Porto] normalmente conseguimos trazer convidados ao Porto, se conseguirmos garantir assistência. Essa é a dificuldade porque no Norte há menos ‘massa humana’. Não há muitas ONGD” La Salete Coelho (ESE Viana do Castelo) 98
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As estratégias de informação e comunicação das organizações de Cooperação e Desenvolvimento
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A profissionalização da Comunicação nas organizações – ainda o parente pobre? “Temos de comunicar às pessoas, não temos de dizer que somos bons. A comunicação é diferente das relações públicas. É uma questão complexa, é criar empatia com o público, é contar uma história. O jornalismo é isso.” Elisabete Caramelo (Fundação Calouste Gulbenkian)
A diversidade de experiências de relacionamento dos profissionais da área do Desenvolvimento com os jornalistas é reflexo das suas estratégias de engajamento com os Media para disponibilização de informação sobre questões de Desenvolvimento e do grau de profissionalização da comunicação na sua orgânica interna. A maioria dos profissionais de Desenvolvimento que respondeu ao inquérito para este estudo, por exemplo, indica a dificuldade em captar a atenção mediática para questões que consideram prioritárias na área do Desenvolvimento (26 em 48 respondentes) e a disparidade de critérios entre o que consideram importante e o que é notícia (14 dos 48). Do lado dos jornalistas, a maior parte (16 em 23) considera razoável a qualidade da comunicação das instituições e organizações de Cooperação e Desenvolvimento, enquanto seis consideram-na má e apenas um indica que essa comunicação é excelente. De facto, existem experiências muito diversificadas de entre as organizações consultadas para este estudo – desde as organizações que detêm gabinetes próprios de comunicação (que coincide com aquelas que têm um maior fôlego financeiro) às organizações que reconhecem não saber comunicar o seu trabalho, não ter uma visão sobre como comunicar questões de Desenvolvimento, negligenciando por isso esta vertente na sua orgânica, seja pela
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pressão do quotidiano, seja pela necessidade de desenvolver tarefas e actividades dos projectos em curso.
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Refere-se aqui à comunicação não só do seu trabalho como de questões mais gerais relacionadas com o Desenvolvimento. Nas várias entrevistas realizadas, constata-se que as diversas organizações confundem ainda aquilo que é o marketing institucional, mais relacionado com uma vertente de relações públicas, com o que é a comunicação sobre as questões do Desenvolvimento a um nível mais geral.
Nas várias entrevistas realizadas para este estudo, constatámos que a comunicação15 é ainda uma área periférica para a maior parte das entidades de Cooperação e Desenvolvimento, sobretudo para as ONG de pequena dimensão. O Camões, I.P., enquanto agência oficial da Cooperação Portuguesa, e a Fundação Calouste Gulbenkian, como fundação portuguesa com vasta experiência de Cooperação para o Desenvolvimento, destacam-se, porém, neste panorama, já que têm gabinetes profissionalizados e são reconhecidos perante os órgãos de comunicação social enquanto interlocutores e fontes de informação “fiáveis”. Embora esse reconhecimento, vários jornalistas indicaram que a falta de transparência e o “secretismo” das fontes oficiais do Estado (nomeadamente do Camões, I.P. e do Ministério dos Negócios Estrangeiros que tutela a Cooperação Portuguesa) é muitas vezes um entrave a um maior escrutínio e à cobertura destes temas. “Isto não se aplica apenas a esta área, mas temos ainda uma certa cultura de secretismo de dados e de determinada informação e de dificuldade de acesso a informação. (...) Nem sei se isso é deliberado, ou se é a manutenção de uma certa tradição de secretismo. Na prática continua a existir. Pedem-se dados [às organizações governamentais] que faziam falta hoje ou amanhã e esperam-se semanas, meses!” João Manuel Rocha (Público)
Esta dificuldade de acesso e de “encobrimento” de situações é também referida pela jornalista do Expresso que considera que as ONG têm, neste caso, um papel a desempenhar, de alerta e de denúncia. “Há situações que ONG podiam dar mais alertas sobre a situação em determinados sítios e que poderiam ser objecto de investigação jornalística ou trabalhos jornalísticos. Isso não se espera de uma 102
entidade governamental. Não espero isso do MNE ou do Camões [I.P.]. A esses vou questionar algo que já sei, da Gulbenkian também. Acho que as ONG, até porque estão mais perto do terreno, deveriam fazê-lo. A pressão jornalística pode ser determinante para resolver algumas situações. Por isso, às vezes, as ONG, que têm conhecimento de casos, podem alertar os jornalistas. (...) da parte das organizações governamentais não espero isso, pelo contrário, irão apagar o fogo que eventualmente haja. Portanto, é esconder, se não é revelar pouco ou rodear tudo de um manto de explicações que não se percebem. Definitivamente, nem o Camões nem o Ministério [dos Negócios Estrangeiros] existem para dar notícias nesse âmbito, pelo contrário, defendem-se.” Luísa Meireles (Expresso)
Ainda sobre o papel das ONG enquanto agentes de alerta para determinadas situações, o jornalista do Público reforça essa vertente, e explica porquê: “Focando-me nas organizações não governamentais, talvez por serem estruturas menos pesadas e tenham uma agilidade maior, têm um papel importante na chamada de atenção para algumas questões que por não serem as breaking news, correm o risco de passarem despercebidas.” João Manuel Rocha (Público)
No que diz respeito à profissionalização dos gabinetes de comunicação, no caso do Camões, I.P., a comunicação para o exterior é centralizada no Gabinete de Comunicação e Documentação que divulga sobretudo informação sobre as actividades, projectos e outro tipo de informações produzidas pela entidade ou por organizações parceiras nas três áreas da especialidade da organização – a Língua, a Cultura e a Cooperação para o Desenvolvimento. O gabinete é assegurado por dois jornalistas e uma estagiária na área da Comunicação e, em 2015, recorreram ainda a uma agência de comunicação externa para organizar as actividades do Ano Europeu para o Desenvolvimento, cujo um dos objectivos é contribuir para uma maior visibilidade e discussão sobre o contributo da Cooperação para o Desenvolvimento para os países e sociedades mais vulneráveis. 103
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No início de 2015, o Camões, I.P. divulgou uma estratégia de comunicação para a área da Cooperação para o Desenvolvimento onde se pretende: “Por um lado, mostrar o potencial económico, de crescimento económico, de segurança, de crescimento social, de desenvolvimento sustentável dos países em Desenvolvimento, para que aumente a sensibilização da opinião pública relativamente ao que é a Cooperação para o Desenvolvimento. Por outro lado, pretendemos divulgar com transparência os nossos resultados, prestar contas aos cidadãos relativamente aos montantes que são despendidos na APD [Ajuda Pública ao Desenvolvimento], porque estamos a lidar com dinheiro dos cidadãos, dinheiro dos contribuintes e é importante explicar-lhes porque é que tudo isto é importante e que retorno nós temos, também, como cidadãos do mundo em participar nestes projectos.” Paula Saraiva (Camões, I.P.)
Questionada sobre a forma como essa comunicação é operacionalizada e apropriada na estrutura da agência da Cooperação Portuguesa, a responsável pelo Gabinete de Comunicação e Documentação explica: “Este ano o Camões [I.P.] ficou responsável, a nível nacional, pelo Ano Europeu para o Desenvolvimento e, neste sentido, a nossa estratégia está muito vocacionada para o Ano Europeu. Criámos uma página de Facebook e um portal próprio para o Ano Europeu. Temos diversas actividades, nomeadamente a exposição de rua que decorreu no Martim Moniz [em Lisboa] de 9 a 24 de Maio [de 2015], temos outras actividades espalhadas pelo país inteiro nesse domínio. E também a estratégia foi no sentido de adequar a imagem ao Ano Europeu e isso é visível em todo o lado (nos nossos telões dos edifícios exteriores, nos nossos documentos, na nossa assinatura de e-mail). A nossa intenção, nós Gabinete de Comunicação, não é ir ao terreno fazer reportagem. A nossa missão é comunicar aquilo que estamos a fazer e as equipas no terreno dão-nos as informações que nós publicamos.” Paula Saraiva (Camões, I.P.)
Essa informação, explica a mesma responsável, é recolhida com recurso a um formulário disponibilizado internamente às diferentes divisões da orga104
nização, em que “as próprias equipas [que estão no terreno] nos contam um pouco da história que querem transmitir, dão-nos alguns elementos e depois anexam todos os materiais (programas, imagens, gráficos, etc.)”, o que facilita posteriormente a sistematização da informação e a redacção de notícias. Também a Fundação Calouste Gulbenkian detém um gabinete de comunicação próprio, igualmente transversal às diversas áreas de actuação da organização – Artes, Educação, Ciência, Desenvolvimento – e não apenas centrado no Programa Gulbenkian Parcerias para o Desenvolvimento, que é responsável pela maior parte do programas de Cooperação para o Desenvolvimento desenvolvidos ou financiados pela Fundação. A comunicação da Fundação, na área da Cooperação, não assenta primordialmente numa perspectiva de marketing institucional, mas sobretudo na divulgação de iniciativas de Cooperação desenvolvidas por Portugal no mundo e das mais-valias que possam representar para a sociedade. “A ideia não é que a Fundação se mostre no que faz, mas é sobretudo que mostre os projectos que apoia. O que é para nós importante, na relação com os Media, não é que eles digam bem de nós, que usem a ideia da marca Gulbenkian, a ideia é passar a mensagem dos projectos, o que cada projecto traz para a sociedade. Por exemplo, se temos um projecto de Desenvolvimento na área da Educação – a produção de materiais escolares em São Tomé, que durante anos fomos nós que proporcionámos a produção – o que é para nós importante não é que se saiba que foi a Gulbenkian que fez isso. O que é para nós importante é que se saiba que aquilo que os meninos estudam no fundo tem uma marca de Portugal também, feito com uma equipa de investigação de Santarém. Claro que a Fundação virá sempre lá referida no texto, é óbvio, mas o que é importante é a mensagem. E essa é a nossa relação principal.” Elisabete Caramelo (Fundação C. Gulbenkian)
A Fundação divulga comunicados de imprensa, promove pequenos-almoços com jornalistas, visitas, conferências de imprensa e viagens de acompanhamento a projectos desenvolvidos pela entidade. Além do contacto recorrente com os Media (que se caracteriza como uma relação bilateral, na
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medida em que a Fundação é também muito solicitada pelos jornalistas), a Gulbenkian utiliza os seus inúmeros canais de comunicação próprios, onde publicam notícias e anúncios das actividades, nomeadamente a newsletter impressa e online, a agenda impressa, o e-news, o site oficial, as redes sociais, os plasmas na sede, os ecards enviados por e-mail para a sua base de contactos, e a aplicação para smartphone, onde são publicadas também notícias. “Hoje temos um conjunto de canais próprios que são muito importantes e temos também a relação com os Media. Na maior parte dos casos, usamos as duas coisas, complementarmente. E noutros só usamos os Media. Por exemplo, quando é apenas uma notícia, um protocolo com a PT, quando queremos divulgar um filme, vamos aos Media. Os Media são importantes não só do ponto de vista da informação, mas também da publicidade. (...) Não fazemos reportagem paga, mas o anúncio vulgar, sim.” Elisabete Caramelo (Fundação Calouste Gulbenkian)
Estas duas experiências relevam um grau de profissionalização elevado que não é partilhado pela maior parte das outras organizações, sobretudo pelas organizações não governamentais embora neste ponto, à semelhança da evolução positiva da cobertura jornalística de questões de Desenvolvimento caracterizada anteriormente, também se denote uma melhoria nos últimos anos. “Nos últimos quatro, cinco anos [tem havido melhorias]. Tem a ver com a nossa capacidade de saber comunicar melhor o que fazemos. Pura e simplesmente não fazíamos, era completamente desvalorizada.” Nelson Dias (Associação In Loco) “Hoje há mais facilidade de acesso. (...) E vejo que hoje há de facto uma interacção e conhecimento entre os profissionais da rede [europeia anti-pobreza]... Têm uma comunicação que não tinham há 15 ou 20 anos atrás. Conhecem jornalistas, conseguem colocar algumas notícias. Há mais sensibilidade. (...) [A EAPN] tem um departamento de comunicação mas penso que funciona mais internamente, uma técnica que faz a revista e a comunicação interna. (...) Tem alguns contactos com jorna-
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listas que têm uma ligação mais consistente à rede e que fazem bons trabalhos.” José Reis (EAPN Portugal) “Notamos que os nossos meios de comunicação – interna e externa – têm tido um crescimento grande. Quer a newsletter, a Revista, chegam cada vez mais a vários tipos de pessoas e também aos jornalistas.” Pedro Cruz (Plataforma Portuguesa das ONGD)
A Plataforma Portuguesa das ONGD tem um gabinete próprio de informação e comunicação cujo objectivo principal é divulgar informação sobre as questões de Desenvolvimento, na óptica das organizações da sociedade civil, para a sociedade em geral e, em particular, para os jornalistas. Embora seja essencialmente uma relação unilateral, de contacto com os jornalistas através de comunicados de imprensa, de convites dirigidos para participar ou moderar sessões de debate, a Plataforma denota que, nos últimos quatro ou cinco anos, tem havido mais contacto por iniciativa dos jornalistas. A organização, que representa actualmente 68 ONGD associadas (dados de Janeiro de 2016), complementa a informação divulgada através dos canais próprios de comunicação – como o site oficial e as redes sociais (Facebook e Twitter) – com o contacto mais estreito com os jornalistas em determinadas matérias, pelo reconhecimento do seu maior impacto na divulgação da informação. “Tem que ser as duas coisas – utilizar os canais de difusão da informação e depois acompanhá-los em determinados assuntos com contactos directos a esses jornalistas. Acho que esta complementaridade tem de continuar a existir porque não basta apenas enviar aos meios de comunicação [social] e ficar à espera que eles peguem nisso. Provavelmente, eles recebem aquilo mas só vão pegar se os alertarmos ‘Olha, se calhar isto pode ser interessante’.” Pedro Cruz (Plataforma Portuguesa das ONGD)
As redes sociais – sobretudo o Facebook - em complementaridade com os sites institucionais, são os canais de comunicação que mais relevância têm 107
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tido nos últimos anos nas organizações de Cooperação e Desenvolvimento. À dificuldade em divulgar informação através de os Media mainstream, estas organizações respondem com uma maior aposta nos canais próprios que não necessitam de intermediação do jornalista, embora seja reconhecido que o impacto e alcance são manifestamente inferiores na sociedade. “As redes sociais transformaram um pouco o cidadão num jornalista (...) chegamos a muitos outros cidadãos por estes mecanismos, sem intermediação.” Nelson Dias (Associação In Loco)
A internet e a consequente proliferação de novos canais de comunicação e informação permitiu, de facto, a democratização da utilização de ferramentas por parte das organizações de Cooperação e Desenvolvimento e um maior alcance – também internacional – quando comparado com a comunicação realizada há menos de uma década. Contudo, diversas organizações consultadas para este estudo reconhecem que a comunicação, embora tenha sofrido melhorias, permanece o parente pobre na orgânica interna e que essa proliferação de novas formas de comunicação, sobretudo online, não tem sido acompanhada por uma maior aposta na comunicação. “Há uma coisa que se passa hoje em dia que é a comunicação directa, ir directo ao cidadão e à cidadã, e fazer esse trabalho. Mas para isso tem de se dominar muito as técnicas novas multimédia, e os Media sociais. Se calhar isso também é um caminho que pode ser feito. Mas aí tem de ser uma linguagem totalmente diferente, que chegue facilmente às pessoas.” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa)
Muitas organizações não sabem ainda o que e como comunicar, ou não têm estrutura ou recursos humanos com competências na vertente da comunicação. Isso deve-se sobretudo a duas questões – uma de ordem financeira, que restringe a equipa ao funcionamento por ciclo de projecto, e outra numa dimensão de cultura organizacional e de sensibilidade ao nível da direcção para o papel desempenhado pela comunicação em organizações de Cooperação Internacional. 108
“Acho que as organizações evoluíram muito na profissionalização de uma série de competências que são o centro da sua actividade, mas esta área da comunicação, salvo algumas organizações que de facto dão mais relevo a esta área, tem ficado um bocadinho para trás. Depois há outra questão que é um debate grande nas organizações, e às vezes na Plataforma [Portuguesa das ONGD] também, que é que tipo de cobertura queremos e como queremos comunicar.” Susana Réfega (FEC) “As ONG não sabem comunicar, não têm vocação para comunicar. Quando estava numa ONG, tinha essa responsabilidade e assumíamos que não sabíamos comunicar, porque não é uma prioridade, porque os recursos são escassos…” João Rabaça (CESO)
João Rabaça, actualmente na CESO, reconhece que o registo de comunicação nesta empresa de consultoria na área da Cooperação para o Desenvolvimento com quase 35 anos de história é também “praticamente nulo”. No entanto, estão a ser encetados esforços para alterar essa tendência, que passa, num primeiro momento, pela remodelação do site e pela disponibilização de informação institucional. “O site que temos hoje traz um bocadinho mais de informação que o site que tínhamos há dois anos atrás. (...) O nosso site já faz parte da estratégia de comunicação que queremos fazer. Todos os meses, pelo menos, colocamos uma notícia sobre nós. Não queremos dar só notícias sobre nós, mas numa primeira fase é mais fácil que assim seja. Vamos fazer agora uma iniciativa em Junho ou Julho [de 2015] e queremos apostar na comunicação dela e que tem a ver com a recuperação de todo o espólio de trabalho que a CESO fez na Guiné-Bissau.” João Rabaça (CESO)
Outras organizações consultadas para este estudo, como a Associação In Loco e o Centro Português de Refugiados, por exemplo, têm já uma noção
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mais consolidada sobre o que é a comunicação das organizações de Desenvolvimento (seja nacional, seja no âmbito internacional). No caso da Associação In Loco, é o próprio presidente da direcção que incute essa vertente na cultura quotidiana da organização: “Os Media também têm uma ideia muito restrita daquilo que é uma notícia. Como é que somos notícia? Começámos a pensar nisso e eu a tentar incutir isso internamente, porque para além disso há uma questão cultural, interna, da não valorização disto. Começámos por standartizar alguns instrumentos de trabalho: uma nota de imprensa, pegar num modelo de nota de imprensa. A que questões deve responder? Depois fizemos uma breve capacitação interna sobre isso. Havendo uma resistência cultural, as pessoas não estão naturalmente preparadas para isto e portanto temos de ir incutindo permanentemente. A mim cabe-me a função de perceber o que é que estamos a fazer e o que é que pode ser notícia. E vou lá e ‘espicaço’ os meus colegas ‘isto tem de ser notícia’. Isto significa criar uma cultura interna sensível a isso, sistematizar trabalho – como redigir uma nota de imprensa, como criar uma base de dados de jornalistas – e perceber que coisas podem ser notícias e enviar.” Nelson Dias (Associação In Loco)
Já a Médicos do Mundo, que participou no grupo focal realizado no Porto, explica que apesar de terem um gabinete de comunicação dividido entre Lisboa e Porto, recorrem a uma agência de comunicação externa que colabora em regime pro bono. A abordagem de comunicação da organização de Ajuda Humanitária e Cooperação Internacional não está apenas focalizada na informação, mas também nos espaços de programação televisiva, especialmente nas campanhas de angariação de fundos, como explica o responsável pelo Departamento de Comunicação, e Captação de Fundos, da divisão da Médicos do Mundo no Porto: “‘As Tardes da Júlia’ e aqueles programas da tarde realmente entretêm muita gente em Portugal – muita gente que está reformada, está em casa ou está desempregada. As campanhas que fazemos nesse tipo de progra110
mas são para angariação de fundos. Muitas vezes, com as nossas linhas de valor acrescentado conseguimos passar o nosso vídeo, a nossa mensagem, e as pessoas podem participar de uma forma directa, podem doar. No jornal da manhã ou da noite, mais informativo, a mensagem não passa tão bem. Se calhar pela intervenção das figuras públicas que lá estão, como todos os intervenientes, também ajudam a que isso aconteça. Temos tido muito sucesso nos programas da manhã da RTP. Nesta nossa estratégia de angariação de fundos, não foi chegar lá, mostrar um número e angariar fundos. Não! Nós mostrámos o nosso trabalho, mostrámos testemunhos, o que fazemos no terreno... As pessoas só ajudaram porque se identificaram com aquela causa/missão.” António Neiva (Médicos do Mundo)
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O contacto com os jornalistas – base de contactos e ‘Media tracking’ Apesar de a vertente da comunicação necessitar ainda de ser oleada na estrutura organizacional das organizações, a grande maioria reconhece estar atenta à informação publicada ou difundida nos Media portugueses e afirmam ter uma base de contactos de jornalistas que vai sendo actualizada à medida que determinadas questões relacionadas com o Desenvolvimento vão sendo notícia. Os contactos individuais a jornalistas também são prática comum, uma vez que se identifica que determinado jornalista trata de uma matéria específica com mais frequência. “Contactamos os jornalistas, no fundo fazemos o target pitching, contactando directamente estas pessoas que têm contacto com o tema, que escreveram qualquer coisa ou que tiveram mesmo oportunidade de ir lá. Recebemos as notícias, fazemos o Media tracking, temos várias ferramentas que utilizamos para esse tracking. Analisamos as notícias de forma simples – ler, basicamente, perceber se a pessoa escreveu bem, se está mais ou menos – e depois contactar directamente o jornalista que fez a peça.” Mónica Frechaut (CPR) “Criámos um grupo de comunicação, com tudo o que são e-mails de órgãos de comunicação [social]. Uns fomos à página e retirámos, outros são de jornalistas que vamos conhecendo. Temos um grupo de e-mail com órgãos de comunicação regionais, mas também nacionais – televisões, etc… Sempre que há uma nota de imprensa, sai para todos a mesma informação. Depois a nota de imprensa tem ‘para mais informações, contactar…’ e, por vezes, há retorno, em que nos pedem mais elementos, entrevistas. (...) Quando temos coisas muito específicas que sabemos que interessam a 112
alguns jornalistas em concreto, mandamos directamente a esses.” Nelson Dias (Associação In Loco) “Quando cheguei à Médicos do Mundo, o que fiz foi ligar para os meios [de comunicação social], primeiro fazer uma série de pesquisas sobre quem é que escrevia sobre estas temáticas, porque não vamos mandar para qualquer jornalista. Porque senão ele não vai pegar nisso se não gosta de escrever sobre o assunto. Depois ligar para as redacções a pedir o contacto daquela pessoa. Nem sempre dão, às vezes dão. E depois é ir formando esta base de dados, mas não é mesmo nada fácil.” António Neiva (Médicos do Mundo) “Fazemos contacto com jornalistas determinados quando queremos abordar determinado assunto.” Elisabete Caramelo (FCG) “A nível da relação com jornalistas há uma coisa que resulta muito bem que é a proximidade, o conhecimento. Se conseguirmos uma pessoa... No projecto ‘Sinergias’ de Educação para o Desenvolvimento que liga a academia e o mundo das ONGD, que está a correr muito bem e é interessante, conseguimos um ou dois jornalistas – o portal VER e a RDP –, e agora seguem os projectos, sempre que temos um evento (estão em Lisboa, mas por exemplo mandam as perguntas e nós respondemos).” La Salete Coelho (CEAUP)
Ainda no que diz respeito ao acesso aos jornalistas, existe a percepção entre as organizações de Desenvolvimento que integrar um jornalista no gabinete de comunicação facilita o contacto com os jornalistas dos órgãos de comunicação social. Porém, alguns antigos jornalistas consultados consideram que essa prática é contraproducente e que se deve privilegiar o contacto por vias formais e investir em actividades que envolvam os jornalistas: “Muitas vezes, (acho que está a mudar) as organizações têm pessoas a tratar da comunicação que não são especialistas da área e por isso têm dificuldade em ter uma linguagem que é comum à linguagem dos Media, 113
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de se ter o networking certo para chegar às pessoas porque acho que essas questões também funcionam muito com base na rede que a pessoa tem para mobilizar e nas competências efectivas que tem.” Susana Réfega (FEC) “Como trabalhei em jornalismo, acabo por ter uma série de amigos, por isso acaba por ser uma relação pessoal, passa muito por aí. Mas acho que não deveria ser assim. Acho que tem de ser uma coisa com uma certa metodologia, acho que é importante fazer uma série de encontros regulares, cara a cara, conhecer. É importante que as organizações façam convites a jornalistas, em que possam mostrar o trabalho que estão a fazer, coisas que podem achar interessantes. (...) No fundo, os profissionais da área do Desenvolvimento têm de facilitar muito a vida dos jornalistas, no caso português claramente, por uma questão de custos. É importante que sejam as próprias organizações da área do Desenvolvimento a chamar os jornalistas, a convidá-los. Tem de ser feito esse investimento.” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa) “Muitas vezes as pessoas ao contratarem alguém que já foi jornalista pensam que depois têm os amigos na redacção e será mais fácil. Não é bem assim. Porque se não era contraproducente.” Elisabete Caramelo (Fundação Calouste Gulbenkian)
A SOS Racismo, para além da carteira de jornalistas que possui, tem como prática integrar nos seus quadros jornalistas estagiários numa perspectiva sobretudo formativa de futuros profissionais da comunicação: “Tivemos muitos jornalistas que estagiaram na SOS [Racismo]. Pelo menos uma coisa conseguimos fazer: tiveram alguma proximidade com a causa anti-racista. (...) Temos uma carteira de jornalistas, pessoas na imprensa que se interessam por estas causas e que são os nossos primeiros interlocutores naturalmente. Porque são pessoas que se interessam por isso, com elas falamos normalmente – formal e informalmente. Depois utilizamos as vias formais no contacto com a imprensa. Tomada de posição pública ou conferência de imprensa. Fazemos poucas conferências
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de imprensa, só fazemos quando são casos muito graves. Mas evitamos muito, porque não gostamos da focalização da temática.” Mamadou Ba (SOS Racismo)
Dito isto, constata-se que o contacto e o trabalho de engajamento com os Media fazem parte de um processo permanente e de longa duração, sem efeitos imediatos. As palavras do investigador Luís Mah resumem esta assunção: “Acho que é um trabalho de persistência, de continuidade. Tem de se trabalhar com os Media como qualquer outro, noutro sector. É insistir, é mandar sempre informação, é convencê-los a participar em eventos que os profissionais da área do Desenvolvimento possam fazer. Passa muito por convencer esta gente a cobrir estes temas. Mas isso é feito com um trabalho de persistência.” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa)
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A clonagem das notícias – os comunicados de imprensa enquanto notícia “chave na mão” No Capítulo 2, referiram-se os constrangimentos actuais do jornalismo, nomeadamente a pressão de recursos humanos das redacções e as limitações financeiras que abrem “brechas” de oportunidade às organizações para disponibilizarem informação sobre questões que, na sua óptica, são passíveis de serem notícia. Esta tendência está, porém, ainda a dar os primeiros passos, já que os gabinetes de comunicação das organizações padecem dos mesmos constrangimentos e não têm ainda disseminada entre os seus colaboradores uma cultura de comunicação sobre o seu trabalho ou sobre questões relacionadas com o Desenvolvimento. Contudo, apesar de ainda estar numa fase embrionária, depreende-se, nas entrevistas, esforços para alterar esta tendência e para replicar no quotidiano das organizações a cultura de trabalho das redacções, nomeadamente através de a divulgação de comunicados de imprensa que respeitam a estrutura das notícias – ou que, para recuperar a expressão de Natalie Fenton explorada no Capítulo 1, clonam essa estrutura – e que são publicadas na íntegra quase – ou totalmente – sem intermediação do jornalista. “Já percebemos que são muito poucos aqueles jornalistas que a partir de uma nota de imprensa dão notícia. A maior parte publica na íntegra, não tem trabalho. Então o que nós fazemos: mandamos notícia no Word para que possam editar o texto e enviamos as fotografias à parte para que possam publicar. (...) Hoje fiz uma notícia para a imprensa sobre o galardão que a In Loco recebeu ontem das Nações Unidas. A notícia não é só descrever o prémio, eu simulei uma entrevista e depois comecei a ver os órgãos de comunicação [social] e eles vão utilizar aquilo. Ou seja, a gente está a aprender a fazer.” Nelson Dias (Associação In Loco) 116
“É importante saber fazer a comunicação. Saber comunicar sobre estes assuntos. Acho que é preciso que os profissionais da área do Desenvolvimento percebam como é que os jornalistas funcionam. (...) Dás uma notícia e eles chapam nos jornais e depois assinam. Mas acho que é muito isso, é fazer o trabalho para os jornalistas. Claro que um jornalista sério vai desenvolver mais aquele comunicado.” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa)
Sobre esta questão, João Manuel Rocha demonstra-se céptico sobre os conteúdos “chave na mão”, ou seja, os comunicados de imprensa prontos a publicar disponibilizados pelas organizações (qualquer que seja a sua natureza). Para este jornalista, da editoria de Internacional do Público, as organizações podem facilitar o trabalho ao jornalista, mas não substituí-lo na construção da notícia. “Acho que o jornalista é que tem de ler e descodificar. Eu prefiro… Claro que uma síntese, um comunicado facilita quando se trata de relatórios muito extensos e que nós às vezes temos um par de horas para descodificar e fazer uma notícia. Isso facilita bastante. Mas nesses documentos mais extensos, eventualmente… (...) Quanto a comunicados de imprensa, se as ONG já vão escrever as notícias… Os órgãos de comunicação social não têm todos a mesma linha editorial e se há situações em que o ponto importante é aquele e não é o outro, qualquer que seja o meio, haverá outras em que as abordagens podem variar. E eu prefiro a informação em bruto e depois cada um faz o tratamento que acha mais correcto, mais de acordo com aquilo que consideramos que é do interesse dos nossos leitores.” João Manuel Rocha (Público)
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A imprensa especializada e... uma agência de notícias sobre Desenvolvimento? Diversas organizações referiram ainda que recorrem muitas vezes à imprensa especializada para divulgar informação. É o caso da FEC, que tem uma estreita ligação à imprensa católica, e da Mundo a Sorrir, com a imprensa de medicina dentária, como referido anteriormente. A Eclesia, mencionada por Susana Réfega na entrevista enquanto modelo de agência de notícias, foi referido também no grupo focal realizado no Porto como boa prática de disseminação de informação de uma determinada área. O vice-presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza em Portugal lançou a sugestão da criação de uma agência semelhante para o sector da Cooperação e do Desenvolvimento: “Conhecem a Eclesia? Será utópico pensar numa agência noticiosa para o sector social, seja no âmbito da Cooperação e Desenvolvimento ou noutros? Não teremos dimensão para um projecto como uma agência noticiosa? (...) Há organizações dentro da Plataforma [Portuguesa das ONGD] que competem com a própria plataforma, isso não tem a haver com financiamento, mas com protagonismo. Criar uma coisa em torno de algo que já existe é muito difícil, mas concordo com a ideia de criar uma publicação, uma agência noticiosa, uma ferramenta do tipo Wikipédia da Cooperação, do Desenvolvimento, economia social; há imensos sites e outras coisas, mas muito dispersos.” José Reis (EAPN-Portugal)
A Eclesia, para além do portal e da revista electrónicos, tem tempo de antena da sua responsabilidade editorial na RTP2 e na Antena 1, que faci-
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lita o acesso ao grande público, não se cingindo à sua posição periférica de “imprensa de nicho”. Porém, esta abordagem representa também um risco, na medida em que prevê a quase substituição do jornalista, produzindo informação paralela aos órgãos de comunicação social e, como consequência, desresponsabilizando-os de conferir espaço a determinadas temáticas. A esta crítica, os participantes do grupo focal no Porto reagiram, defendendo que se trata de complementaridade ao trabalho desenvolvido pelos Media e não de substituição, na medida em que a informação produzida pode informar e ajudar a esclarecer os jornalistas que tratam destes temas.
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A visão dos jornalistas sobre os erros de abordagem das organizações O nível baixo de profissionalização dos departamentos de comunicação das organizações e entidades de Desenvolvimento tem reflexo na informação publicada sobre Desenvolvimento e no conhecimento que os jornalistas têm sobre o trabalho que é desenvolvido por essas organizações. Nas entrevistas realizadas aos jornalistas, desafiámo-los a referirem os principais erros de abordagem dos profissionais da área do Desenvolvimento aos Media portugueses. Para além da questão da linguagem codificada e da densidade dos temas, os jornalistas apontam erros estratégicos, nomeadamente a divulgação massiva de informação para os Media, quando por vezes uma abordagem mais personalizada pode ser mais eficaz. “Normalmente seguem uma estratégia de divulgação massiva (informar todos) e apostam, essencialmente, na realização de conferências. Excepcionalmente, há alguns profissionais da área do Desenvolvimento que para além das conferências, marcam entrevistas com determinados jornalistas.” Sofia Branco (Lusa)
Outra das questões abordadas prende-se com a pessoa de contacto nas organizações e a sua disponibilidade para falar sobre determinado assunto quando é contactada pelos jornalistas. A jornalista do Diário de Notícias, por exemplo, considera que muitas organizações recorrem “demasiado” a agências de comunicação e que muitas vezes isso dificulta o aprofundamento de determinadas matérias e o acesso às fontes mais capacitadas para abordar determinada temática.
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“É sempre importante que seja uma pessoa de lá, que conhece, que sabe o tema, a quem uma pessoa quando telefona para esclarecer (...) Essas pessoas [das agências de comunicação] não são as fontes oficiais; se depois precisarmos de uma fonte oficial então temos que falar com alguém.” Céu Neves (Diário de Notícias)
Esta ideia foi reforçada pela investigadora Sónia Lamy que dá o exemplo das ONG internacionais com contactos disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, defendendo que a lógica jornalística, sobretudo as notícias de última hora (breaking news), não se coaduna muitas vezes com os horários de secretaria das organizações e que este facto pode penalizar a pluralidade de fontes incluídas nas notícias. Também a forma como se apresentam os temas tem peso no momento de decidir sobre a sua inclusão ou exclusão da agenda jornalística. Uma das críticas recorrentes dos jornalistas entrevistados está relacionada com a pouca eficácia das mensagens transmitidas pelas organizações aos jornalistas, que decorre, em grande parte, do desconhecimento sobre as dinâmicas dos Media e sobre o que é noticiável. A jornalista da editoria de Internacional do semanário Expresso, que participou no grupo focal de Lisboa, explica que é importante fazer ligações a temas relacionados com o quotidiano – da Economia à Sociedade – de forma a conferir-lhe uma “roupagem” ou a estabelecer pontes com a actualidade e com a sociedade. “Não é que sejam embrulhados ou disfarçados, mas sejam abordados na sua ligação à determinação fundamental que têm das sociedades. Ou seja, têm uma dependência directa das questões económicas. Há milhares de jornais económicos, há horas infinitas de televisão e de todos os Media sobre economia, porque é que (...) não faz parte da agenda, como faz parte bolsa, finanças, etc., por exemplo? Isto do ponto de vista económico. Do ponto de vista social, (...) trata-se de não negar a realidade. Ou seja, de não a tratar como se houvesse sectores que são estanques. (...) As questões muitas vezes estão moralizadas, pensamos se é mau se é bom, se é útil
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As estratégias das organizações de desenvolvimento / parte 4
(...) como se isso estivesse separado do mundo, como se estivesse separado da nossa vida.” Cristina Peres (Expresso)
Esta ideia é reforçada pela jornalista de Economia da RTP e pela jornalista freelancer actualmente a colaborar com a agência Bagabaga Studios, que participaram no mesmo encontro, em Lisboa, acrescentando um outro elemento: a criação de empatia, de aproximação e de reconhecimento entre as diferentes realidades. “A questão da empatia – criar, tentar criar empatia entre diferentes realidades, porque há histórias que podem ter interesse e que podem ser uma ponte, uma ligação para poder falar de temas como o Desenvolvimento e Cooperação, e não necessariamente fazê-lo de uma forma óbvia, dizendo isto é sobre Desenvolvimento e Cooperação. Mas ir buscar esses pontos de empatia que existem em traços que nós partilhamos enquanto seres humanos. (...) Ter um ou dois eventos anualmente em que exista um conjunto de coisas a fazer, em que pode ser uma desculpa (...) para depois se poder propor outras coisas interessantes (...) O ideal seria haver um convite para haver um acompanhamento no terreno, seja onde for, de algum jornalista ou de uma equipa de vez em quando, obviamente que depois teria de se encontrar uma forma (...) de financiamento partilhado (...) Mas, que isso poderia abrir espaço, talvez, para depois se contar outras histórias.” Inês Subtil (RTP) “Temos também que captar o leitor com coisas que nos ligam a todos. Não só ir lá à procura de um número ou justificar as impressões da notícia que eu li ontem.” Sofia de Palma Rodrigues (Bagabaga Studios)
Criar empatia com o público. E contar histórias. Recuperamos a frase de abertura deste capítulo, da autoria da responsável de Comunicação da Fundação Calouste Gulbenkian, e que foi sendo repetida ao longo das entrevistas realizadas aos jornalistas. As organizações de Desenvolvimento, nos terrenos
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onde intervêm, estão numa posição privilegiada no que diz respeito ao acesso a histórias, sobretudo quando nos referimos ao âmbito internacional. Capitalizar essa mais-valia é uma forma de tornar mais visível o Desenvolvimento nos Media e de valorizar o seu trabalho. Uma forma de contornar os actuais constrangimentos sentidos por parte dos jornalistas e também das organizações passa pela inclusão de uma verba destinada à Comunicação e ao engajamento com os Media nas candidaturas de projecto, como sugere a jornalista que tem realizado reportagens sobre questões de Desenvolvimento, a convite de ONGD portuguesas, enquanto colaboradora da agência Bagabaga Studios (especialista em Comunicação sobre questões de Desenvolvimento): “É aí que também acho que as ONG, que são quem escreve projectos, devem ter algum cuidado (...). Quando as pessoas escrevem um projecto, claro que o ‘bolo’ principal tem que ser para a intervenção no terreno (...), mas de facto, eu como toda a gente não posso ir para a Guiné-Bissau um mês e ganhar 500 euros. (...) Então, se queremos comunicar isto, se queremos comunicar bem, é preciso tempo, é preciso pessoas, tem que se pensar num ‘bolo’ justo para que essas pessoas vão e consigam fazer.” Sofia de Palma Rodrigues (Bagabaga Studios)
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parte 5
Estratégias para melhorar a qualidade da comunicação / informação sobre o Desenvolvimento
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Sugestões dos profissionais da área do Desenvolvimento Ao longo dos capítulos anteriores, e tendo em conta as pessoas consultadas para este estudo, pudemos observar que existe um conjunto diversificado de experiências dentro dos próprios grupos de profissionais. Se há quem considere que este relacionamento é fragil, pontual e pouco recíproco, outros consideram precisamente o oposto. Contudo, e independentemente deste posicionamento, a consulta realizada aos profissionais das duas áreas – nas entrevistas, nos inquéritos e nos grupos focais – permitiu recolher um número considerável de sugestões que elencamos de seguida. Algumas vão no sentido de, efectivamente, mudar o rumo desta relação (torná-la mais constante e recíproca) e outras reforçá-la, uma vez que, e conforme mencionado por algum dos entrevistados, apesar de ser uma relação mais próxima, com um contacto mais regular, há ainda um longo caminho a percorrer. São precisamente essas sugestões, divididas por cada grupo profissional, que pretendemos enunciar no presente capítulo. Os profissionais da área do Desenvolvimento consultados, quando confrontados com a questão sobre o que fazer para melhorar o relacionamento, identificaram, de uma maneira geral, um vasto conjunto de acções que sistematizamos em 12 grandes estratégias, a saber:
Desenvolver acções de formação No ponto de vista de alguns dos entrevistados e de 19 dos inquiridos (num total de 48), uma das estratégias para melhorar o relacionamento entre ambas as partes, passa, numa primeira fase, pela formação dos jornalistas. Ou seja, os profissionais da área do Desenvolvimento, de uma maneira geral, têm consciên127
As estratégias - sugestões dos dois grupos de profissionais / parte 5
cia que o jornalista não tem a obrigação de dominar as temáticas relacionadas com a Cooperação e o Desenvolvimento, que são por si só complexas devido, entre outras coisas, à linguagem extremamente codificada. Por isso mesmo, as organizações que já desenvolvem acções de formação, continuam a apostar nas mesmas, como é o caso do Conselho Português para os Refugiados. Outras que ainda não o fazem, perspectivam realizá-las futuramente, com o objectivo de evitar a utilização errada de conceitos e colmatar a abordagem superficial que é feita sobre estes temas e que muitas vezes conduz a interpretações erradas, como mencionado pela directora de Serviços de Cooperação do Camões, I.P., Paula Saraiva, numa opinião corroborada por Sérgio Guimarães, chefe da Divisão de Apoio à Sociedade Civil do mesmo organismo. Contudo, e apesar de reconhecer que o Camões, I.P. não tem capacidade para ser ele próprio a ministrar esse tipo de acções, afirma que o mesmo pode criar condições ou facilitar a sua realização. “Realizar algumas sessões de formação de jornalistas, trazendo cá... envolvendo conhecedores da matéria, fazer alguma sessões de formação sobre esta área será também fundamental, um bocadinho para colmatar a tal abordagem muito pela rama que é feita...” Paula Barros (Camões, I.P.) “Eu não acho que o Camões [I.P.] tenha muita vocação para ser ele próprio, digamos, a ministrar ou a passar conhecimentos no domínio do Desenvolvimento, mas a criar condições... O criar condições passa, por exemplo, pelo estabelecimento de parcerias com órgãos de comunicação social, e acordos tripartidos seja com ONGD, seja com fundações, com outros organismos do Estado, seja através do co-financiamento ou financiamento de actividades específicas. (…) Nós vamos procurar ter agora uma master class dirigida fundamentalmente para responsáveis de órgãos da comunicação social que procurem obter informação sobre a Agenda Pós-2015...” Sérgio Guimarães (Camões, I.P.) “Eles participam nas nossas acções de formação, com o CENJOR, os nossos cursos online que estão abertos também a jornalistas” Mónica Frechaut (CPR)
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“Terá de haver uma visão mais global na formação dos jornalistas. Os jornalistas têm de ser educados para a cidadania. Isso contrasta com a ideia da imparcialidade cega. (…) Formar os jornalistas para a cidadania é uma tarefa gigantesca e a viragem para ter uma informação de qualidade. Porque é comprometida política e socialmente, mas sobretudo objectiva na forma como trata as contradições sociais. (…) Educar a imprensa para as novas realidades. Reciclar as ferramentas históricas da intervenção da imprensa, a forma como olha o mundo. Tem de olhar o mundo com os olhos de hoje, não pode ser com os olhos do passado. E sobretudo a capacidade de olhar transversal.” Mamadou Ba (SOS Racismo) “Seguramente a formação dos jornalistas é essencial, tal como a formação dos agentes da Cooperação. Mas há também uma missão que é do sector público de promover mudanças de comportamento/hábitos da população de forma a reforçar o interesse através de coisas como o serviço público.” Respondente ao inquérito “‘Profissionalizar’ os jornalistas nas questões do Desenvolvimento, apoiando a sua capacitação.” Respondente ao inquérito “Especialização e incentivo à especialização de jornalistas em questões de Desenvolvimento.” Respondente ao inquérito
Envolver os jornalistas nas actividades da organização e desenvolvimento e estratégias conjuntas Outra das estratégias sugeridas tanto pelos profissionais da área do Desenvolvimento entrevistados como pelos inquiridos16, que como poderemos observar na segunda parte do presente capítulo também é mencionada pelos jornalistas, é as organizações de Desen129
/ 16 Numa amostra total de 48 inquiridos, 35 respondentes, de um leque de quatro opções apresentadas no guião do inquérito, seleccionaram a opção “envolvimento de jornalistas em projectos” como uma das actividades para melhorar e intensificar a cooperação/o relacionamento entre os dois grupos de profissionais. Já 32 seleccionaram a opção “debates e outros momentos de discussão conjunta”. Para além disso, na última questão (aberta) relativa às opiniões sobre como melhorar o relacionamento entre os profissionais da área do Desenvolvimento e os jornalistas, dez dos 22 que responderam a esta questão, sugerem, precisamente, o envolvimento dos jornalistas nas actividades e projectos das organizações para o Desenvolvimento.
As estratégias - sugestões dos dois grupos de profissionais / parte 5
volvimento procurarem envolver os jornalistas não só nas suas actividades, mas também nos seus projectos e até mesmo no desenvolvimento de estratégias conjuntas. Efectivamente, na perspectiva de alguns dos entrevistados, este tipo de envolvimento e trabalho em conjunto é essencial a diversos níveis: para o jornalista estar informado das actividades e projectos que vão sendo fomentados pelas organizações e o impacto dos mesmos; para, de certa forma, e com este tipo de actividades, despertar a atenção e o interesse dos Media e por conseguinte levar a uma maior cobertura dos temas relacionados com as temáticas do Desenvolvimento e da Cooperação; e, em última, instância este trabalho colaborativo é crucial não só para desenvolver estratégias conjuntas, respeitando as normas de actuação de cada grupo profissional, mas também para criar momentos de reflexão em que ambas as partes reflictam sobre o trabalho de cada um. Saliente-se que, o envolvimento dos jornalistas nos projectos das organizações é de tal forma valorizado que tanto alguns dos entrevistados como alguns dos respondentes ao inquérito consideram que: “Seminários, (…) conferências, trabalho mesmo até inclusive programático. Há todo um trabalho programático que nós podemos estabelecer inclusive com os jornalistas e tentar perceber o que é que este ano poderia ser, de facto, interessante...” Sérgio Guimarães (Camões, I.P.) “Habituar o jornalista a receber informação sobre uma determinada área. É preciso estar presente e é preciso ir passando a ideia do que é que pensamos e como é que nos posicionamos. Organizar tertúlias com os jornalistas, envolver os jornalistas nas actividades da própria organização e nos projectos, ter projectos em parceria com... tudo isso cria relação.” Pedro Krupenski (Oikos) “Existem muitas actividades. Neste momento são praticadas muitas actividades... Fóruns, reuniões, conferências, os pequenos almoços com os jornalistas. Tudo isso são actividades que podem estreitar estas relações.” Paula Saraiva (Camões, I.P.) 130
“É importante fazer uma série de encontros regulares, cara a cara, conhecer. É importante que as organizações façam convites a jornalistas, em que possam mostrar o trabalho que estão a fazer, coisas que podem achar interessantes. Quando se tem dinheiro, convidar jornalistas para ir conhecer o trabalho que as organizações ou os centros de investigação possam estar a fazer. No fundo, os profissionais da área do Desenvolvimento têm de facilitar muito a vida dos jornalistas, no caso português claramente, por uma questão de custos. É importante que sejam as próprias organizações da área do Desenvolvimento a chamar os jornalistas, a convidá-los. Tem de ser feito esse investimento.” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa) “Outra estratégia é começar a convidar jornalistas para actividades nossas, criar uma proximidade. Num seminário, fazem moderação, comentários. Daí às vezes pode sair uma notícia. (...) Convidá-los a participar em acções que organizamos, em que eles tenham algum protagonismo. Mas aí também temos de convidar os jornalistas mais sensibilizados para aquela questão.” Nelson Dias (Associação In Loco) “Às vezes, em algumas actividades também os convidamos, não só para fazerem reportagem, mas para estarmos de portas abertas...” Mónica Frechaut (CPR)
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As estratégias - sugestões dos dois grupos de profissionais / parte 5
“Acho que as organizações devem abrir esses canais, abrir esses espaços. Envolvê-los em projectos, pensar em conjunto estratégias de trabalho. O jornalismo é uma peça essencial aí. Há um trabalho que ultrapassa estes dois agentes que é a procura. Se não houver procura, a oferta é pouco significante. Alguma coisa dirigida ao reforço da procura, no interesse das pessoas a ler, querer saber.” João Rabaça (CESO) “Envolver o jornalista no trabalho associativo. Por exemplo, sempre desafiamos os jornalistas a produzirem reflexão sobre o nosso trabalho. Enquanto produzimos uma crítica sobre o seu trabalho, também produzem sobre o nosso trabalho. Essa colaboração é importante porque aproxima-nos e sobretudo cria espaço de debate. Nas acções de formação, convidamos jornalistas. Vão dizer o que pensam e ouvem também o que temos a dizer. (…) uma [outra] forma interessante de aproximar a imprensa é envolvê-los a produzir conteúdos para as nossas publicações, para as nossas produções de saber. Em Portugal, essa cultura não existe muito que é o movimento social produzir saber. Na produção de saber do movimento social, tem de haver um espaço para a imprensa, porque é esse diálogo que ajuda a distender as tensões que existem muitas vezes entre a necessidade imediata de produzir conteúdo ou uma notícia e gerir o nosso trabalho.” Mamadou Ba (SOS Racismo) “Incentivo à constituição de parcerias entre instituições de informação (jornalistas) e projectos de Desenvolvimento” Respondente ao inquérito “Promover o contacto dos jornalistas com os projectos, valorizar a visibilidade dos projectos.” Respondente ao inquérito “Promover debates anuais sobre as políticas de Cooperação destinadas aos profissionais dos Media.” Respondente ao inquérito “Dando a conhecer projectos específicos à comunicação social; incentivando jornalistas a conhecer o trabalho desenvolvido; convidando jornalistas 132
para iniciativas nacionais e internacionais; enviando newsletters para a comunicação social; promovendo iniciativas específicas para profissionais da comunicação social.” Respondente ao inquérito “As organizações devem envolver mais os jornalistas nas suas actividades, criando canais privilegiados de divulgação das suas acções e abrindo os seus projectos e resultados ao conhecimento público.” Respondente ao inquérito “Para melhorar a articulação entre jornalistas e organizações de Cooperação e Desenvolvimento não há como trabalhar em conjunto. Pela minha experiência isso é perfeitamente possível e tem grande poder a nível de informação e divulgação dos projectos e actividades desenvolvidas, sucessos e insucessos bem como a partilha de conhecimentos divulgação essa tão necessária ao Desenvolvimento.” Respondente ao inquérito “Incluir jornalistas nas equipas de implementação dos projectos, prever actividades envolvendo jornalistas, divulgar regularmente comunicados de imprensa.” Respondente ao inquérito
Acompanhamento de conferências, viagens oficiais e missões/projectos no terreno O acompanhamento, seja de conferências, viagens oficiais e/ou projectos no terreno é outra das estratégias sugeridas. De facto, são vários os profissionais (tanto entrevistados como alguns dos respondentes ao inquérito) que mencionam que este tipo de acompanhamento é crucial tanto ao nível da qualidade da informação, como da própria relação que se estabelece com os Media. Mesmo conscientes dos constragimentos orçamentais que se vivem actualmente, e que foram mencionados no ponto 2.2. deste estudo, alguns destes profissionais acreditam que tal é possível e que passa sobre133
As estratégias - sugestões dos dois grupos de profissionais / parte 5
/ Nenhum jornalista 17
português acompanhou as comitivas portuguesas às conferências internacionais definidoras do futuro do Desenvolvimento global para a próxima década realizadas em Adis Abeba (Julho) e Nova Iorque (Setembro) de 2015..
tudo por uma boa negociação, como mencionado pela directora de Serviços da Cooperação do Camões, I.P.17. “Em relação ao acompanhamento das conferências... há uma questão financeira que não é despiciente e que tem de ser vista, apesar de eu achar que é um investimento importante... Mas há uma outra nuance que tem a ver da parte dos próprios Media que é a maneira como os grupos de comunicação [social] portugueses se encontram e de como poderá ser difícil o acompanhamento, e isso claro tem de ser negociado para que se traduza em bons artigos. Isso pode ser negociado, os jornalistas podem ir fazer outras coisas e também estas. Tudo passa por uma boa negociação” Paula Barros (Camões, I.P.) “O potencial é enorme. Nós podemos ver isto a vários níveis: desde os jornalistas poderem acompanhar missões ao terreno, seja tanto ao nível político, tanto ao nível técnico... Ou seja, nós temos muitas vezes missões de acompanhamento ao terreno... Haver aqui um cuidado de o próprio jornalista integrar essa missão. Obviamente que isto envolve custos, envolve disponibilidade...” Sérgio Guimarães (Camões, I.P.) “Com aqueles que já estão em funções, eu acho que uma coisa que funciona sempre bem no sentido do compromisso, mas que é caro e que não dá para fazer muito, é levar as pessoas ao terreno. Isso é sempre mobilizador, desconstrói uma série de pressupostos que as pessoas têm e muitas vezes compromete” Susana Réfega (FEC) “Claramente é importante levá-los ao terreno, é fundamental ver in loco o trabalho que é feito” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa) “Outra coisa que vamos tentando fazer é as press trip. Ou seja, vais lançar uma rota turística para Desenvolvimento do interior. Convidas os jornalistas e ofereces-lhes uma visita guiada nessa rota, 134
pelo meio provam os produtos locais. Isto permite que se sensibilizem e que noticiem. Convidá-los para ir a uma viagem in loco, tomar contacto com o que está a acontecer no terreno. (…) Outra possibilidade é aproveitar viagens de membros do Estado português – cimeiras, feiras de Portugal… (…) As ONG poderiam tentar perceber quando é que há algum tipo de eventos num desses países em que vão membros do Governo português e quando vão, há jornalistas atrás. E então é tentar perceber, aproveitar para colocar na agenda deles uma visita a projectos de Cooperação onde estão ONG portuguesas.” Nelson Dias (In Loco) “Gostávamos muito de um dia levar um grupo de jornalistas ao terreno, acho que é muito importante, mas os projectos não permitem esse tipo de coisas” Mónica Frechaut (CPR) “Visitas ao terreno (custeadas pelas organizações/instituições, caso contrário dificilmente participarão)” Respondente ao inquérito “Participação de jornalistas em missões ao terreno que permitam apoiar a criação de pensamento crítico sobre as questões do Desenvolvimento e a intervenção no terreno da Cooperação Portuguesa, pública e sociedade civil” Respondente ao inquérito
Rede de contactos É possível constatar também que alguns dos consultados consideram não só uma mais-valia, mas também uma forma de aproximação e um contacto mais directo entre os profissionais da área do Desenvolvimento e os Media, a existência de uma rede de contactos direccionada. Ou seja, as organizações deterem uma lista (actualizada) de contactos de jornalistas que se interessam por estas temáticas e que, normalmente, produzem conteúdos sobre as mesmas. É curioso constatar que, e como teremos oportunidade de observar no ponto 5.2., esta também é uma das sugestões mencionadas pelos profissionais da comunicação,
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precisamente porque os mesmos são confrontados diariamente com um volume de informação considerável e que, quando não direccionada, há o risco de alguma se “perder”. As organizações têm essa percepção e por isso procuram criar ou manter uma lista de contactos mais específica, mais direccionada, não significando que deixem de enviar informação a jornalistas ou a meios de comunicação que normalmente cobrem outras matérias que não as directamente relacionadas com a Cooperação e o Desenvolvimento. O que acontece é que, e exemplificando com casos concretos da Associação In Loco e da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, quando divulgam informação mais abrangente, fazem-nos pelos Media em geral. Quando pelo contrário se trata de uma informação mais concreta, mais precisa transmitem-na directamente aos jornalistas que identificam como sendo aqueles que normalmente tratam estas matérias e que por conseguinte estão mais familiarizados com as mesmas. É importante realçar que, e à semelhança de alguns dos jornalistas consultados, um dos profissionais da área do Desenvolvimento que respondeu ao inquérito online, considerou que uma das formas de melhorar este relacionamento passa igualmente por envolver jornalistas com poder de decisão sobre os conteúdos e linhas editoriais, nomeadamente os directores e chefes de redacção, pelo que é importante não só procurar estabelecer contacto com estes, como também conhecê-los. “Quando temos coisas muito específicas que sabemos que interessam a alguns jornalistas em concreto, mandamos directamente a esses. Outra estratégia: adicionar jornalistas ao Facebook, como amigos. Eles vão lá buscar muita coisa” Nelson Dias (Associação In Loco) “Saber identificar jornalistas, quais são os temas que trabalham, onde é que estão... Ter uma coisa mais estruturada acho que é importante. (...) Outra coisa é a tal base de dados com perfil dos jornalistas especializados nestas áreas. E ao mesmo tempo que os jornalistas possam ter uma base de dados de responsáveis e comunicadores das instituições” José Reis (Rede Europeia Anti-Pobreza)
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“Sim, acho que temos que encontrar aqueles que querem ser resistentes, porque já percebemos que ‘o jornalista’ não vai agarrar isto, porque isto não vende. (...) É como nas escolas, vou lá dar formação a 20, mas temos que encontrar ‘aquele’, porque senão morre tudo.” La Salete Coelho (ESE Viana do Castelo) “Envolvimento de directores e chefes de redacção e outros profissionais com poder de decisão sobre conteúdos e linha editorial” Respondente ao inquérito
Realização de reportagens Tendo em consideração a informação que é veiculada pelos meios de comunicação portugueses, alguns dos entrevistados, particularmente os que fazem parte do Camões, I.P., vêem as reportagens como uma porta de acesso não só aos jornalistas, mas também à sociedade portuguesa em geral. Defendem que a partir destas é possível criar uma maior ligação e um outro tipo de vivência ao jornalista, que a partir do momento que está no terreno e que está a fazer aquela cobertura, tem outra percepção do que realmente se passa ou se vive naquele contexto, uma vez que está a ser directamente confrontado com essa realidade. Por outro lado, e como referido pela chefe do Gabinete de Documentação e Comunicação do Camões, I.P., Paula Saraiva, é uma forma de mostrar aos cidadãos aquilo que é feito em matéria de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. Precisamente nesse sentido, Paula Barros, enquanto directora dos Serviços de Cooperação da mesma instituição, salienta que seria de primordial importância procurar capitalizr os conteúdos produzidos para determinados canais, como a RDP África, transmitindo-os também na televisão generalista. A mesma responsável sublinha ainda o papel da reportagem para cobrir temas de Desenvolvimento: “Eu acho que pelas grandes reportagens talvez consigamos estreitar esse relacionamento, porque o jornalista tem que acompanhar, no terreno, os 137
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organismos que se dedicam ao Desenvolvimento e vivem, naqueles dias que fazem a reportagem, sentem na pele a vivência daquelas equipas e conseguem perceber melhor o que é que ali se passa e o que é que se pretende transmitir também aos cidadãos e à opinião pública. Eu acho que um dos aspectos, e passando para as melhorias, seria as grandes reportagens. São um veículo excelente de relacionamento entre organismos e os Media, mas também de chegar à população” Paula Saraiva (Camões, I.P.)
Reforçar a área de comunicação das organizações Vários profissionais da área do Desenvolvimento consultados consideram também que uma relação mais próxima com os jornalistas passa pelo reforço da área de comunicação das organizações, já que muitas vezes o não saber comunicar e como comunicar leva a que haja um afastamento daqueles em relação a estas temáticas e a estas organizações. Por isso, consideram essencial que as organizações para o Desenvolvimento devem não só ser dotadas de estratégias de comunicação, mas também de profissionais,que, embora não tendo uma formação académica ou uma formação de raiz na área da comunicação, sejam capazes de comunicar com a imprensa, percebendo como é que os jornalistas pensam e identificando o que pode ou não ser noticiável. O presidente da direcção da Associação In Loco, Nelson Dias, alerta para o facto de também ser necessária uma mudança na cultura interna das próprias organizações. Ou seja, percepcionar a comunicação do seu trabalho como algo importante. “Dentro das organizações há que reforçar esta área (estratégias de comunicação e formação de recursos humanos, como por exemplo ao nível da passagem de informação durante as entrevistas – quando os jornalistas querem passar ideias que não têm nada a ver e que não são as das organizações)” Susana Réfega (FEC)
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“É importante saber fazer a comunicação. Saber comunicar sobre estes assuntos. Acho que é preciso que os profissionais da área do Desenvolvimento percebam como é que os jornalistas funcionam. Eles têm de perceber como é que eles pensam” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa) “Isso significa criar uma cultura interna sensível a isso, sistematizar trabalho – como redigir uma nota de imprensa, como criar uma base de dados de jornalistas - e perceber que coisas podem ser notícia e enviar” Nelson Dias (Associação In Loco) “A Plataforma [Portuguesa das ONGD] poderia ter também um papel importante nisto, de promover acções de formação neste sentido, de como lidar com os Media” La Salete Coelho (ESE Viana do Castelo)
Desenvolver instrumentos alternativos de disseminação de informação sobre Desenvolvimento Associada à sugestão anterior e não descurando o facto das organizações para o Desenvolvimento procurarem estar mais bem preparadas para comunicar, alguns dos profissionais entrevistados e presentes nos grupos focais de Lisboa e Porto, mencionaram que seria crucial o desenvolvimento de instrumentos alternativos que funcionassem como veiculadores e canalizadores de informação tanto sobre as organizações (por exemplo, ao nível de actividades e projectos que desenvolvem) como sobre as temáticas da Cooperação e do Desenvolvimento. Esses instrumentos passariam por: / a existência de uma plataforma que facilitasse a comunicação por parte das organizações; / uma agência noticiosa / um site como a Wikipédia, mas direccionada para os assuntos da Cooperação e do Desenvolvimento, à semelhança do Dicionário da Cooperação do CEsA/CSG-ISEG/ULisboa
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/ 18 http://www.platafor-
/ publicações da área, em diversos formatos (revistas editorias, como aconteceu em tempos com o Jornal de Notícias). A Plataforma Portuguesa das ONGD, por exemplo, lançou no início de 2013 uma revista trimestral que vai ao encontro deste ponto18.
maongd.pt/revista/
“Tem de haver uma plataforma qualquer em que seja fácil, porque a nossa grande dificuldade, neste momento, é exactamente a comunicação” Ana Fantasia (ONGD VIDA) “Publicação online para se trabalhar estas questões, que não seja só escrita académica, para um público mais alargado, que trabalhe as questões com algum cuidado, com especificidade em torno dos processos, e outras formas de ver a Cooperação para o Desenvolvimento e não só os chavões básicos que não ajudam as pessoas a abrir as suas mentes e curiosidade para poder aprofundar esses temas. Isso até podia captar mais a atenção jornalística.” Sandra Fernandes (Universidade do Minho)
Além da criação de canais alternativos de informação, foi também referida como boa prática a integração de uma editoria especializada em questões de Desenvolvimento global, como acontece em alguns órgãos de comunicação social noutros países europeus e nos EUA. “Não há melhor exemplo para mim (não significa que Portugal tenha que seguir esse modelo, mas é por aí...) do que o The Guardian que tem uma página só dedicada ao Desenvolvimento, mas que é financiada pelo Bill and Melinda Gates Foundation. O New York Times não tem uma área específica sobre Desenvolvimento, mas tem uma série de cronistas, como o Nicolas Kristoff, que cobre muitas temáticas de Desenvolvimento. E temos a BBC naturalmente, que também é global, ou o El País.” Luís Mah (CEsA/CSG-ISEG/ULisboa) “Uma outra área que está em cima da mesa, que não sabemos ain140
da se conseguiremos, é ter um espaço num jornal, um suplemento que trate da Cooperação uma vez por mês, como há no The Guardian e em Espanha. Apesar de essa me parecer a parte mais difícil, mas...” Paula Barros (Camões, I.P.)
as organizações de Desenvolvimento como fontes Outra das sugestões mencionada e que já foi abordada de alguma forma no Capítulo 3, mais precisamente no ponto 3.1. deste estudo, é os jornalistas verem as organizações enquanto fontes de informação “privilegiada, criteriosa e de altíssima qualidade”, como referido pela directora da ACEP, e procurá-las nesse sentido. Ou seja, fomentar um contacto proactivo com as ONG, de forma a que a notícia tenha como suporte uma fonte que, para além de fidedigna, tem um conhecimento e todo um conjunto de informações priveligiadas e que muitas vezes as próprias organizações utilizam pouco, por falta de capacidade. Como referido por um dos elementos da ONGD VIDA, as ONG têm a experiência de terreno e decorrente disso todo um vasto conjunto de informação que seria útil dar a conhecer. “Em termos da relação entre nós (...) olharem as ONG ou algumas ONG, aquelas com quem vocês estabelecem relações e que consideram que são ONG com quer querem fazer caminhos conjuntos... vê-las como fontes (...) Nós somos, de facto, um depósito priveligiado de informação criteriosa de altíssima qualidade e que muitas vezes usamos pouco, porque não temos capacidade. Não é para meter nos jornais. É para nós próprios nos formarmos, para nós próprios pensarmos na nossa experiência e nós, muitas vezes, assim como vocês se debatem com o problema do tempo, também nós nos debatemos com o problema do tempo, do tempo de reflexão sobre a nossa experiência, de leitura das coisas que vamos produzindo, das coisas a que vamos tendo acesso e que são fontes preciosíssimas do ponto de vista da compreensão do mundo com quem a gente se relaciona e com quem a gente trabalha, onde a gente vive, onde a gente intervém e isto eu penso que é provavelmente das coisas mais interessantes que vocês podem ter de nós.” Fátima Proença (ACEP) 141
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Encontrar um terreno de entendimento Para este relacionamento se tornar efectivamente mais próximo, mais constante e, inclusive, mais sustentável é necessário encontrar um terreno de entendimento comum, que passe, entre outras coisas, pela consciencialização jornalística da importância dos projectos desenvolvidos pelas organizações, e pelo entendimento do que é comunicação sobre Desenvolvimento, relações públicas das organizações e jornalismo. Relativamente a este último aspecto, a responsável pelo gabinete de comunicação do Centro Português para os Refugiados refere que é importante que as organizações para o Desenvolvimento percebam que o jornalista obedece a uma linha editorial, que segue uma determinada agenda e cujos interesses são diferentes, e que isso não tem que ser visto nem como positivo nem como negativo. “Os jornalistas estão a fazer o seu trabalho. Eles têm uma agenda que tem a ver com as suas limitações em termos de jornalistas, conhecem a sua audiência. (…) Os interesses, a linha editorial, são diferentes e não temos de ver como negativa ou positiva. Têm o direito de ter a sua linha editorial, da mesma forma que eu tenho o direito de desenvolver projectos que acho que são importantes para a minha população-alvo” Mónica Frechaut (CPR) “Desenvolver-se uma relação de confiança e proximidade com os jornalistas, tentando consciencializá-los para a importância dos nossos temas/projectos, dando-lhes conta da mudança efectiva que estes produzem e do papel que podem ter na mudança de comportamentos” Respondente ao inquérito “Da parte dos jornalistas há que criar mais competências e motivação para que o tema seja tratado e de forma profissional. Da parte dos agentes há que dar mais prioridade ao envolvimento dos Media (o que por vezes não acontece por falta de recursos internos mas também por percepção que os temas são tidos como pouco relevantes pelos Media)” Respondente ao inquérito
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“Estou convencido que o problema nao é da relação jornalista x actor do Desenvolvimento. Como tornar a questão do Desenvolvimento apelativa para que os Media possam priorizar é a questão fundamental. O trabalho não deverá ser melhorar as relações entre os dois mas que tipo de notícias que, sem desvirtuar o tema, possam ser apelativas para os Media se interessarem e levar os actores do Desenvolvimento a envolverem os jornalistas. Sendo apelativa para os Media, o poder político tão arredado das questões do Desenvolvimento mas tão atento aos Media pode ser que sem querer, e sem entenderem, falem do Desenvolvimento” Respondente ao inquérito “Procura de articulação com os jornalistas na sua divulgação/comunicação de assuntos relacionados com o Desenvolvimento que não passe pela crítica/elogio ao poder político vigente” Respondente ao inquérito “A ética dos projectos de Desenvolvimento deve andar a par e passo com a ética jornalística – tornando óbvia a circulação e, sobretudo, a divulgação da informação” Respondente ao inquérito “É importante que os jornalistas percebam a relevância das questões não só nos países onde se desenrolam os projectos de Cooperação, mas a importância também para a vida quotidiana das pessoas que vivem nos seus países. Talvez não seja dos assuntos mais mediáticos, mas é sem dúvida do lote dos mais importantes. Os actuais fluxos migratórios do norte de África são um exemplo de consequências de não se dar visibilidade às questões do Desenvolvimento de forma atempada. Fugir da agenda mediática e dos temas fáceis de vender é muito relevante para um jornalismo ao serviço da sociedade. Por outro lado as instituições devem dar liberdade aos jornalistas e aceitar que têm o direito de construir a sua visão da história, nomeadamente quando fazem trabalhos de investigação nesta área, sendo importante que os jornalistas não sejam superficiais e se libertem de estereótipos e valorizem e aceitem que em curtos espaços de tempo pode ser difícil igualar o conhecimento de quem tem a experiência e trabalho de muitos anos” Respondente ao inquérito 143
As estratégias - sugestões dos dois grupos de profissionais / parte 5
Um código ético/profissional entre os profissionais da área do Desenvolvimento e os Media Precisamente dentro da lógica da sugestão anterior, a directora da ACEP considera que seria de primordial importância e de interesse de ambas as partes a existência de um código ético/profissional entre os profissionais da área do Desenvolvimento e os jornalistas. Na sua perspectiva, é importante que se vá construindo um código que seja simultaneamente representativo de uma reflexão feita em conjunto e por ambos os grupos profissionais e que tenha um efeito pedagógico. “Um código entre 10, 15, 20... que vão alargando (...) E isto tem muito a ver com normas éticas, normas profissionais... com um conjunto de coisas que se calhar é o chamado ‘mini código’ entre nós. (...) não precisa de ser uma coisa em papel com selo branco e Diário da República. É uma coisa entre nós, que a gente vai construindo e que possa ter um efeito pedagógico sobre muita gente que não está a fazer por vezes por mal, está a fazer por falta de consciência, por falta de situações de reflexão sobre as situações...” Fátima Proença (ACEP)
Inserir nos cursos de formação jornalística programas sobre Desenvolvimento e Cooperação Alguns dos profissionais da área do Desenvolvimento consultados não só por meio de entrevistas e grupo focal, mas também alguns dos que responderam ao inquérito, consideram ainda que, e independentemente das acções de formação pontuais que possam ser desenvolvidas pelas organizações, é importante que o jornalista durante o seu processo de formação académica seja confrontado com estas temáticas e que, por isso mesmo, as universidades deveriam procurar incluir nos seus programas lectivos dedicados ao Jornalismo, unidades curriculares sobre Desenvolvimento e Cooperação. Para além disso, poderiam desenvolver outro tipo de actividades que permitisse ao estudante de Jornalismo contacto com estas temáticas, através por exemplo
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do que é feito na Universidade do Minho, com programas de voluntariado. Adicionalmente, um dos respondentes ao inquérito considera que para além desse tipo de formação, deveria apostar-se em formações extra devidamente creditadas e obrigatórias. “Acho que em geral há uma superficialidade e não é só um problema do jornalismo! Em cinco anos de formação, não conseguimos abrir um bocadinho os horizontes? Em Jornalismo não conseguimos ter um semestre em que percorremos seis ou sete temas que alarguem horizontes? O conhecimento dos temas é fundamental” João Rabaça (CESO) “É fundamental existir uma unidade curricular (na formação jornalística) dedicada às questões da Cooperação e Desenvolvimento. Na UM [Universidade do Minho] está agora a acontecer (mais ou menos acidentalmente) um programa de voluntariado com Cabo Verde e há duas vagas para as Ciências da Comunicação.” Sandra Fernandes (Universidade do Minho) “Inclusão nos currículos de formação de jornalistas módulos sobre Desenvolvimento e Comunicação” Respondente ao inquérito “Formação específica sobre a área do Desenvolvimento dentro do seu curso de Comunicação, formação extra específica e creditada para jornalistas sobre a área do Desenvolvimento com algum cariz obrigatório” Respondente ao inquérito
Prémios e bolsas de criação jornalística De forma a despertar a atenção e o interesse dos jornalistas por estas temáticas, diversos profissionais da área do Desenvolvimento entrevistados consideram importante promover a concessão de prémios a trabalhos jornalísticos que se destacam na área dos Direitos Humanos, exclusão social e
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As estratégias - sugestões dos dois grupos de profissionais / parte 5
outros domínios na vertente social. Também as bolsas de criação jornalística para temas relacionados com o Desenvolvimento foram referidas em algumas entrevistas, por se considerar que, na actual conjuntura dos Media em Portugal, pode ser uma forma de trazer para a agenda informativa temas que, de outra forma, podem permanecer à margem. A Bolsa de Criação Jornalística sobre Desenvolvimento, lançada no âmbito deste projecto, é por isso uma experiência piloto e que foi bem acolhida na sua primeira edição pelos jornalistas, pela liberdade que confere na escolha do tema e por proporcionar a realização de reportagem nacional e internacional. “É um tema giro [as bolsas de criação jornalística], por acaso. É uma ideia interessante, nunca tinha pensado nisso. Temos várias bolsas, sobretudo bolsas de capacitação nas Parcerias para o Desenvolvimento, mas nunca pensei nisso. Fizemos aqui uma coisa há uns tempos quando foram os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio que foi uma reunião com jornalistas e foi muito interessante. Fizemos um dia de formação sobre isso. (…) Organizámos com pessoas que vinham falar, jornalistas punham questões. (…) Começámos a preparar isso muito cedo. Uma sessão dedicada ao Desenvolvimento. Mas a bolsa é uma boa ideia!” Elisabete Caramelo (Fundação Calouste Gulbenkian)
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Sugestões dos jornalistas
À semelhança do que aconteceu com os profissionais da área do Desenvolvimento, também procurámos obter junto dos jornalistas a sua opinião relativamente a estratégias a adoptar para melhorar ou consolidar o seu relacionamento com aqueles. Grande parte das sugestões mencionadas, e que neste ponto apresentamos de forma sistematizada, também foram referidas pelos profissionais da área do Desenvolvimento, o que denota que na maioria das estratégias sugeridas ambos os grupos profissionais estão de acordo. Referimo-nos, e como se poderá observar, à existência de uma rede de contactos direccionada; ao envolvimento dos jornalistas nas actividades das organizações; à importância das reportagens, do acesso ao terreno e das organizações enquanto fontes de informação; à existência de um entendimento comum e às bolsas de criação jornalística.
Rede de contactos direccionada e reforçada Tanto estes como os jornalistas consultados para o presente estudo consideram que esta rede é essencial para o próprio relacionamento entre ambos os grupos. Como refere um dos jornalistas do Público, há que conhecer os jornalistas e as temáticas que os mesmos costumam trabalhar. Contudo, e como Adriano Miranda salienta, este contacto não se deve ficar apenas pelo contacto “virtual” ou telefónico. Deve ser, também, um contacto presencial, além de procurar estabelecer contacto/criar uma relação mais próxima com os editores e as chefias.
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As estratégias - sugestões dos dois grupos de profissionais / parte 5
“Tem de haver essa identificação de quem está sensibilizado, conhecer bem os jornalistas é essencial (...) Tem de haver um corpo muito bem formado no que diz respeito aos recursos humanos – pessoas que conheçam as notícias, os jornalistas e eles próprios irem tentando fazer esse trabalho também de formação dos próprios jornalistas nesta área” Sónia Lamy (I. P. Portalegre) “Não sei se têm gabinetes de comunicação ou assessores que tratem da comunicação. Alguns devem ter, outros se calhar não, mas passa muito por aí: abrirem-se, mostrarem-se aos meios de comunicação social. Não significa enviar um press release para todos, mas saber seleccionar os jornalistas que podem ter interesse. Conhecer os jornalistas, órgão a órgão, quais as temáticas que trabalham mais, quem são esses jornalistas que trabalham essas temáticas. Muitas vezes não é enviar um press release que cai lá na agenda e que ninguém liga àquilo. Tem de se saber direccionar, cada vez mais, porque o nível de informação que se recebe hoje é tão volumoso que há sempre coisas que escapam. E não ficar pelo mail, fazer um telefonema. Não há nada como falar, marcar um encontro, explicar o que querem comunicar.” Adriano Miranda (Público) “Atingir, sobretudo, não o jornalista de ‘base’, mas também criar projectos que interessem às editorias e direcções” Javier Martínez (fotojornalista freelancer) “E-mails bem direccionados e bem redigidos, com informação essencial, sintetizada e sem erros ortográficos” Respondente ao inquérito “Acredito que as organizações terão a ganhar se estabelecerem relações de proximidade com os responsáveis pela informação mais do que com jornalistas interessados nas causas dessas organizações” Respondente ao inquérito
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Facilitar o acesso à informação e às histórias Outra das estratégias sugeridas está relacionada com a informação que é e pode ser veiculada por eles, e que tem uma influência directa na qualidade da informação sobre Desenvolvimento e no próprio relacionamento estabelecido com os profissionais deste sector. Ou seja, segundo os próprios, a informação que é divulgada pelos Media pode ser substancialmente melhor a partir do momento que as organizações para o Desenvolvimento fornecem dados de contextualização e dão a conhecer histórias. Repare-se que, e conforme mencionado ao longo do presente estudo, alguns dos profissionais da área do Desenvolvimento entrevistados consideram que um dos problemas é precisamente a falta de contextualização, que se traduz em notícias com uma qualidade que deixa muito a desejar, dado que o assunto é abordado muito superficialmente. Face a isto, podemos depreender que esta situação pode ser ultrapassada a partir das próprias organizações ao facilitarem e disponibilizarem o acesso não só a informação mas também a histórias, dando assim a conhecer melhor o seu trabalho, como refere Jorge Pelicano. Como o mesmo diz, é uma atitude que tem de vir de dentro das organizações. Para além disso, e como referem os jornalistas Adelino Gomes e Lúcia Crespo, esta abertura por parte das organizações pode traduzir-se num relacionamento mais próximo e de respeito mútuo entre os dois grupos de profissionais. “É sempre possível aumentar o contacto, por um lado, e por outro possibilitar o acesso directo às coisas, aos tais projectos” Sofia Branco (Lusa) “Eu aconselharia as ONG a nunca procurarem a cumplicidade do jornalista. Procurarem o jornalista, assumirem-se como fonte de informação, têm alguma coisa a dizer que pode ajudar o jornalista. Se não lhe dão caixas, também é bom, dão-lhes dados de contextualização. Os dados de contextualização, no período que estamos a viver neste momento, ainda são mais importantes. Essa contextualização pode ser uma forte e sólida base de um relacionamento mútuo de respeito” Adelino Gomes (CIES-ICSTE/IUL) 149
As estratégias - sugestões dos dois grupos de profissionais / parte 5
“Produção de materiais pode ser uma via. Materiais informativos, documentos sobre as situações, sobre as realidades com que as ONG trabalham. (...) Bem sei que há os tais press releases e tudo o mais, mas provavelmente… Estou a lembrar que poderia haver, por exemplo, nos sites das organizações, um repositório com informação sobre o seu trabalho, as realidades que acompanha, e quando um jornalista tem necessidade de fazer um trabalho, ou vai fazer alguma coisa sobre isso, ele necessariamente vai lá parar. Acho que produzir material informativo tem a sua eficácia e disponibilizá-los ou fazer saber que estão disponíveis em determinado sítio. (…) Talvez visse mais, sem prejuízo de acções de formação que podem ser positivas, mas que podem esbarrar na impossibilidade de as pessoas as acompanharem, provavelmente sugeriria a produção de materiais sobre as situações, as realidades que as ONG estão a trabalhar” João Manuel Rocha (Público) “Quem está desse lado, onde estás, ter capacidade de propor “conteúdos chave na mão” João Rosário (RTP) “Há muito boas histórias que se passam no País, mas que infelizmente não são notícia. Portanto, acho que as organizações aí podiam dar uma achega, para tentar também incentivar os jornalistas a contar histórias” Jorge Pelicano (Até ao Fim do mundo) “Exemplos concretos, histórias... Tudo isso poderá permitir criar a tal rede ou pelo menos começar a construir uma rede pequenina (...) de conhecimento, de maior proximidade (...) entre os jornalistas e as organizações...” Lúcia Crespo (Jornal de Negócios) “Disponibilização de materiais gráficos, como fotografias, para acompanhar devidamente as notícias” Respondente ao inquérito “Apostar em histórias e explicar contextos devem ser prioridades na comunicação com os Media” Respondente ao inquérito
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“É preciso passar a mensagem de forma mais imediata e compreender melhor os critérios de valor notícia” Respondente ao inquérito “Disponibilizar mais informação aos jornalistas - mais relatórios, mais documentos de posição sobre os acontecimentos que estão na agenda, mais dados fidedignos para servir de base ao trabalho dos jornalistas” Respondente ao inquérito “Organizações para o Desenvolvimento é um tema tão abrangente quanto um saco de gatos. Há as credíveis, sérias e respeitáveis e existem também aquelas que ninguém sabe de onde vêm e que servem muitas vezes como forma de criar postos de trabalho, etc... Por isso, acho que seria bom ter as credíveis a fazer acções de divulgação e assim seria mais fácil separar o trigo do joio” Respondente ao inquérito “As organizações devem considerar a realização de projectos audiovisuais ‘chave na mão’ prontos a serem emitidos pelos OCS. Um modelo é o “Minuto Verde”, da Quercus, emitido nas manhãs da RTP. Penso que devem apontar a sua comunicação para outros programas informativos que não os telejornais” Respondente ao inquérito
Considerar a sociedade civil como fonte de informação À semelhança do mencionado pela directora da ACEP e por um dos elementos da ONGD VIDA, também a investigadora, na área do jornalismo, entrevistada partilha da opinião de que é importante considerar outras fontes de informação para além das ditas habituais. E essas fontes são precisamente as organizações da sociedade civil, que são cada vez mais representativas da sociedade. “Acho que hoje em dia deveria haver um maior equilíbrio nas fontes que se utilizam, porque também a sociedade civil está mais bem preparada, por exemplo. As organizações da sociedade civil (…) hoje em dia já são mais representativas da sociedade de uma forma séria, em vários assuntos que 151
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não só na questão dos Direitos Humanos, das crises humanitárias. Temos as minorias, defesa da igualdade de género e os meios de comunicação continuam a não identificar estas organizações como especialistas. E os jornalistas ligam para os partidos políticos para saber se há novidades, mas para as organizações não ligam” Sónia Lamy (I. P. Portalegre)
Desenvolver actividades/encontros com jornalistas O desenvolvimento de actividades que envolvam jornalistas é outra das estratégias sugeridas tanto pelos profissionais da área do Desenvolvimento como pelos jornalistas consultados. Os mesmos são unânimes ao afirmar que este tipo de actividades é essencial para uma maior aproximação dos dois grupos de profissionais. Contudo, e como alertam alguns dos profissionais da área da comunicação, é importante que as organizações promovam actividades criativas e inovadoras de forma não só a fugir ao actual padrão de comunicação (por exemplo, conferências de imprensa), mas também a despertar o interesse jornalístico e levá-lo a colaborar com as mesmas (por exemplo, a realização de exposições ou livros onde a fotografia documental tenha particular destaque, como referido pelo fotojornalista do Público, Adriano Miranda). “Às vezes são inteligentes, e apesar de terem a conferência (que também é destinada a um outro tipo de público, não é só virada para a comunicação social), conseguem marcar entrevistas com certas pessoas. Isso é útil. Não havendo este tipo de abertura para, é mais difícil, às vezes. Ou seja, são um bocadinho formatados, fazem tudo sempre muito igual. Precisavam de ser mais criativos, porque cansa muito, a forma como fazem as coisas é sempre muito idêntica. (...) O contacto com os jornalistas pode ser sempre mais próximo.” Sofia Branco (Lusa) “Eu acho que só indo às redacções, e o trabalho ser feito lá, onde eles estão. É assim ou chamá-los para almoçar e depois falar-lhes dos assuntos. Conferência de imprensa sobre os ODM... Há uma notícia? Ou se arranja 152
alguém com uma história muito interessante para ser um chamariz, ou não... (…) Acho que passa muito por criar acções que visualmente sejam interessantes, em que o slogan chame, a história do ponto de vista da informação seja apelativa. Acho que tem muito a ver com as histórias, com o personificar as coisas, as situações e dar isso aos jornalistas, porque gostam muito disso. Levá-los a sítios, é difícil do ponto de vista da rentabilidade, mas pode haver projectos onde possa ser possível envolver jornalistas” Sónia Lamy (I.P. Portalgre) “Se me convidarem para uma sessão em que vou perceber melhor como é o trabalho das ONG portuguesas em países de língua portuguesa, tenho todo o interesse nisso. Agora posso esbarrar na possibilidade de, no dia em que estava tudo muito bem conversado, acabar por não conseguir ir.” João Manuel Rocha (Público) “A área de Desenvolvimento não está acordada para o valor e para o peso que a imagem tem. Sei que são coisas às vezes que são caras, ou outras vezes não porque se conseguem apoios daqui e de acolá, e isso pode-se fazer imensas coisas – livros, exposições... Há imenso, imenso potencial e mão-de-obra que está subaproveitada e isso é uma pena. É uma pena porque podíamos ter aqui pano para mangas tanto cá como fora. E a fotografia documental, que deveria ser explorada pelas organizações, é uma área em que os fotojornalistas gostam de trabalhar” Adriano Miranda (Público) “Quatro vezes por ano, duas vezes por ano haverá uma oportunidade de se concentrarem um bocadinho numa acção qualquer e de repente fazer ali a triangulação com entidades e com jornalistas” Cristina Peres (Expresso) “Até mesmo nestas abordagens mais informais, tipo vou almoçar contigo ou... coisas assim mais informais que criam uma ligação... (…) Algumas acções de formação esporádicas, de sensibilização. Eventos que não impliquem muita despesa sobre esta questão do Desenvolvimento (...). Convidarem alguns jornalistas... Lá está, para estes temas que são desco153
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nhecidos. (...) Alguém que possa partilhar histórias” Lúcia Crespo (Jornal de Negócios) “Ter um ou dois eventos anualmente em que existam um conjunto de coisas a fazer, em que pode ser uma desculpa (...) para depois se poder propor outras coisas interessantes” Inês Subtil (RTP) “Considero que uma excelente forma é através de debates públicos que possam inclusivamente juntar diferentes plataformas para apresentar aos Media e ao público em geral, o que se faz em termos de Cooperação e Desenvolvimento. Os eventos em união podem ajudar a mostrar que há diferentes níveis de envolvimento e de trabalho. Se, por um lado, serviria para apresentar ao público em geral, por outro, ao divulgá-los entre jornalistas (que podem surgir como moderadores por exemplo em debates) ajudaria também a envolver mais a própria classe jornalística” Respondente ao inquérito “Promoção de encontros onde se avaliem exemplos concretos de abordagens jornalísticas a temáticas relacionadas com o Desenvolvimento: o que correu bem, o que correu mal, o que pode ser melhorado, o que é impossível melhorar” Respondente ao inquérito “O envolvimento de jornalistas em projectos concretos (através de reportagens, entrevistas, etc.) e a eficácia da linguagem são algumas possibilidades” Respondente ao inquérito
Reportagens e contacto com o terreno Assim como os profissionais da área do Desenvolvimento, também os jornalistas atribuem particular importância às reportagens, sejam elas nacionais ou internacionais, e ao contacto com o terreno. Relativamente às primeiras, e como já referido, o principal entrave prende-se 154
com os poucos recursos financeiros que acabam por limitar este tipo de trabalho. Sobretudo as reportagens internacionais, quando realizadas, são suportadas, muitas vezes, total ou parcialmente por outras entidades que não as redacções. O jornalista do Público, João Manuel Rocha, chega mesmo a dar o exemplo do Público +, uma iniciativa que reúne um vasto conjunto de mecenas que financiam um fundo destinado à realização deste tipo de trabalho jornalístico. Quanto ao contacto com o terreno, alguns dos jornalistas consultados demonstram que o convite, por partes das organizações, para o acompanhamento no terreno de projectos tem duas grandes vantagens: não só permite estabelecer uma relação mais estreita entre ambas as partes, mas também é uma forma de dar mais espaço a este tipo de temáticas. Contudo, o jornalista da RTP, João Rosário, alerta para o facto de, actualmente, o jornalista, mesmo que convidado, não tem autonomia para dizer que foi convidado por determinada ONG para acompanhar um projecto – constrangimento identificado no ponto 2.2. do presente estudo. Para além disso, consideramos importante referir que, à semelhança de outras estratégias sugeridas, como por exemplo a disponibilização de informação, esta tem um impacto digamos que directo na qualidade da informação, já que ao terem contacto com o terreno, o jornalista é capaz de canalizar e transmitir todo um conjunto de informações e vivências que não deteria se não se deslocasse ao terreno. Igualmente, e como refere um dos inquiridos, “o envolvimento directo” dos jornalistas no terreno e o seu testemunho “ao vivo” de muitas destas problemáticas poderiam alterar, de forma significativa, a sua visão e aumentar a sua vontade de as trabalhar editorialmente. “É preciso haver quem pague [as reportagens internacionais]. O Público tem… é uma solução que tem sido testada, o Público +, que são uns quantos mecenas que financiam um fundo que depois é usado para reportagens que são seguidas pelo jornal. Pode ser uma via, não sei se é perfeita. (…) Quando há um convite. Se se convida um jornalista ou um conjunto de jornalistas para acompanhar uma ONG no terreno, isso, não chamando assim, já é uma forma de dar espaço a esse tipo de temas. Continuo, se calhar numa perspectiva conservadora, tradicionalista, a achar que o ideal 155
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é que os órgãos de comunicação social tenham as condições para enviar os seus jornalistas escolhendo os temas, os tempos, tudo o resto. Um convite, um patrocínio não tem de se traduzir necessariamente num condicionamento do trabalho, mas pode. Desde logo porque se vou ver a realidade que me é mostrada, não vou ver outra. Não é que retire a importância daquela realidade, mas é aquela e não é outra. Não tenho ideias fechadas sobre isso, desde que - a nível do jornal temos essa tradição mesmo - aos olhos do leitor seja claro que determinado trabalho foi feito a convite, ‘com o apoio de’ para que o leitor saiba …” João Manuel Rocha (Público) “Os jornalistas têm todo o interesse em serem envolvidos em debate, em irem à Guiné-Bissau ver os projectos, mas a questão é que o jornalista neste momento não tem autonomia suficiente para dizer que foi convidado pela ACEP para acompanhar este projecto que dá uma reportagem muito gira. (…) As viagens de trabalho para reportagem e quem as faz neste momento são poucos jornalistas e muitas vezes estão ligados a uma entidade que paga parte ou metade” João Rosário (RTP) “O ideal seria haver um convite para haver um acompanhamento no terreno, seja onde for, de algum jornalista ou de uma equipa de vez em quando, obviamente que depois teria de se encontrar uma forma (...) de financiamento partilhado (...) Mas, que isso poderia abrir espaço, talvez, para depois se contar outras histórias e depois o que eu imagino na parte da televisão é que se, por exemplo, se mandasse lá alguém a convite de uma ONG para ir visitar determinado projecto, isso até pode ser uma oportunidade para depois fazer mais coisas, para tentar rentabilizar a própria viagem” Inês Subtil (RTP) “Dado que as temáticas inerentes ao Desenvolvimento não são ‘sexy’ para a maioria dos OCS [Órgãos de Comunicação Social], penso que o envolvimento ‘directo’ dos jornalistas no terreno e o seu testemunho ‘ao vivo’ de muitas destas problemáticas poderiam alterar, de forma significativa, a sua visão e aumentar a sua vontade de as trabalhar editorialmente. É preciso muita persistência e paciência, insistindo nos temas que não dão 156
leituras nem likes mas que, obrigatoriamente, têm de ser devidamente cobertos e divulgados” Respondente ao inquérito
Desenvolver iniciativas que possibilitem a existência de um entendimento comum À semelhança de alguns dos profissionais da área do Desenvolvimento, também os jornalistas consideram crucial a existência de um entendimento comum entre ambas as partes, que passa claramente por um trabalho colaborativo. Como o jornalista dos Bagabaga Studios refere, “tem de ser um trabalho com, não um trabalho para”. E esse trabalho passa, segundo o próprio, pelo diagnosticar e reflectir sobre a relação estabelecida entre as duas partes. “Acho que não é um problema possível de resolver sem uma iniciativa conjunta. Ou seja, reunir-se um grupo de pessoas preocupadas no campo do Desenvolvimento e um conjunto de pessoas ligadas ao campo genérico dos Media, preocupadas e com experiência e em conjunto construir-se uma solução participada. Por exemplo, a emissão de um código é um bom instrumento, mas não é automaticamente implementado e apropriado pelos jornalistas. Tem de ser um trabalho com, não um trabalho para. Um site, uma plataforma, com algumas dezenas de testemunhos jornalistas, de editores, de directores de informação, de pessoal das ONG, de confronto. Por exemplo, haver uma espécie de guião comum e perceber como é que cada um vê o outro. Isto é um trabalho de diagnóstico” Paulo Nuno Vicente (Bagabaga Studios)
As organizações de Desenvolvimento desenvolverem actividades na escola Enquanto que, e conforme mencionado, alguns dos profissionais da área do Desenvolvimento consultados consideram que é premente a integração das temáticas de Cooperação e Desenvolvimento nos cursos de Jornalismo, o
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realizador de Até ao Fim do Mundo considera que devem ser as próprias organizações para o Desenvolvimento a intervir e a procurar estabelecer protocolos com o Ministério da Educação, de forma a fomentarem actividades nas escolas e a alertarem os jovens para a importância destas temáticas. “Promover debates, é importante também (não sei se isso é muito frequente), as organizações estarem na escola, no ensino. É muito importante começar a mostrar aos jovens o trabalho das organizações, fazer protocolos com o ME [Ministéro da Educação]. (…) Se queremos que estas temáticas sejam trabalhadas no futuro, temos de começar hoje mesmo a trabalhá-las nas escolas também” Jorge Pelicano (Até ao Fim do Mundo)
Ser contemplada, nos projectos de Desenvolvimento, uma verba dedicada à comunicação Outra das sugestões mencionada e que foi, inclusive, bastante debatida no grupo focal realizado em Lisboa e mencionada por um dos inquiridos é as organizações para o Desenvolvimento considerarem nos seus projectos uma verba dedicada à comunicação, uma vez que os contrangimentos financeiros actuais não só limitam as redacções, mas também os próprios freelancers para a cobertura de determinadas situações/realidades. Efectivamente, e na perspectiva de alguns jornalistas, esta pode ser uma alternativa para de alguma forma contornar este constrangimento. “Para comunicar bem, são precisas pessoas e tempo, é preciso um orçamento justo, partilhado” Cristina Peres (Expresso) “As ONGD devem começar a pensar a comunicação como parte integrante e importante das candidaturas a financiamentos. Quando falo em comunicação, não me refiro a auto-promoção mas a uma forma de conseguir fazer chegar as estórias que os seus projectos tocam ao público em geral. Seja através de reportagens escritas, documentários, plataformas online, é preci158
so que a informação deixe de circular apenas dentro do círculo do Desenvolvimento, é preciso alguém que a “descodifique” e partilhe (o jornalista). Dito isto, um bom trabalho nesta área exige uma equipa multidisciplinar, meios e tempo, ou seja, um orçamento adequado” Respondente ao inquérito
Bolsas de criação jornalística Actualmente, e tendo presente que já existem prémios de jornalismo, alguns dos profissionais de comunicação entrevistados e um dos inquiridos consideram que a aposta devia passar pela existência de bolsas de criação jornalística. Na perspectiva dos mesmos, esta estratégia teria um impacto extremamente positivo no que diz respeito à qualidade da informação, uma vez que a partir delas seriam criados trabalhos de referência, como menciona Paulo Nuno Vicente. Igualmente, este tipo de bolsas, à semelhança da sugestão anterior, acaba por ser uma outra alternativa para fazer face aos já mencionados constrangimentos financeiros. “Estou a lembrar-me de um processo similar a esse, são as bolsas de criação do Centro Nacional de Cultura e que apelam à realização. Aí não se está a premiar a excelência do resultado, está-se a premiar que se faça qualquer coisa e o compromisso pode ser a organização, o Media onde aquele jornalista trabalha, fazer um especial sobre aquele assunto. Parece-me muito fazível” João Rosário (RTP) “Bolsas de criação jornalística são uma óptima solução. Sendo que já há prémios de jornalismo em Portugal, a aposta deveria ser essa. A minha intuição é se for possível haver uma bolsa, de valores razoáveis, que suporte o trabalho de seis meses de um jornalista, para estar dedicado a um tema só (que pode não ser apenas internacional; aliás acho que o que faz falta agora são boas reportagens nacionais, sobre temas de Desenvolvimento nacional). Permitir que uma pessoa esteja seis meses a um ano dedicada a pesquisar, a pesquisar, a fazer contactos e a criar um trabalho
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de referência sobre aquela temática é muito mais interessante de estimular trabalho de qualidade... Porque o jornalista também gosta dessa competitividade” Paulo Nuno Vicente (Bagabaga Studios) “Esta coisa de faltar dinheiro para tudo nas redacções, uma das coisas que nos pareciam evidentes é que deveria haver bolsas para isso, e de se encarar o jornalismo como um construtor de cidadania e de democracia, se encarar o jornalismo como instrumento de construção de uma opinião pública fundamentada. (…) “Há uma bolsa internacional extraordinária para cobrir assuntos de Desenvolvimento e eu que me interesso por esses assuntos e que queria fazer este trabalho de escrutínio dos dinheiros públicos portugueses, o dinheiro que Portugal gasta no Desenvolvimento e o meu jornal não pode financiar isso. Não tem dinheiro para isso neste momento. Vou pesquisar e Portugal não é elegível! Se calhar era importante as nossas fundações, que têm verbas para vários tipos de projectos, e têm prémios que valem o que valem... Talvez em vez de terem prémios, era importante terem bolsas às quais uma pessoa poderia concorrer com um projecto. É um projecto, uma coisa objectiva: fazes o projecto, apresenta-lo, tens alguém que analisa e que decide analisar o projecto ou não. Tem de ser alguém independente, em que fique sempre salvaguardada a independência do jornalista a quem está a financiar aquilo. Tem de se pensar em coisas assim, formas alternativas de resolver as coisas” Ana Cristina Pereira (Público)
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parte 6
conclusões e recomendações
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conclusões
As entrevistas, os grupos focais e os inquéritos realizados aos jornalistas e aos profissionais da área do Desenvolvimento para este estudo permitiram identificar tendências e visões partilhadas entre os dois grupos sobre a qualidade da informação sobre Desenvolvimento nos Media portugueses. Entre as várias questões levantadas, há uma que é transversal e unânime a todos: os temas de Desenvolvimento não são ainda notícia em Portugal. Este exercício, que se propõe ser um contributo para o debate sobre o tema, procurou perceber as razões e apresentar algumas soluções. Em primeiro lugar, pretende estreitar relações e promover o diálogo entre os jornalistas e profissionais da área do Desenvolvimento, assentes no respeito mútuo e na compreensão dos limites éticos e deontológicos de ambos; pretende também, em última instância, promover a melhoria da cobertura jornalística de temas relacionados com o Desenvolvimento a nível nacional, mas sobretudo internacional. Apesar da quase invisibilidade destes temas nos Media nacionais, diversos entrevistados notam uma melhoria, registada nos últimos anos, no que se refere à qualidade da informação, bem como uma maior profundidade e preocupação ética. Esta constatação não deve iludir, no entanto, a persistência de inúmeros desafios, muitos deles agravados pela actual situação do jornalismo em Portugal, nomeadamente a escassez de recursos humanos que impede a especialização temática e promove o “jornalismo sentado”, a juvenilização e a perda de memória das redações, bem como os processos de crescente precarização na profissão. Em paralelo, o efeito mimético e a competitividade entre órgãos de comunicação social, o factor tempo penalizante da reflexão e da discussão dentro das redacções, aliados ao “espar163
Conclusões e recomendações / parte 6
tilho” dos valores-notícia – de que é exemplo, frequentemente referido, o valor da proximidade – , são factores que contribuem para um apagamento destes temas nos Media portugueses. Partindo do pressuposto que o jornalista é um agente do Desenvolvimento e deve estar empenhado com o mundo e com a realização dos Direitos Humanos – visão também partilhada pelos que trabalham em Cooperação para o Desenvolvimento –, considera-se premente uma maior colaboração entre estes, de modo a contribuir para uma maior e melhor cobertura jornalística destas temáticas. De facto, as organizações e outras entidades que intervêm na Cooperação Internacional estão implantadas no terreno e constituem fontes e canais privilegiados para aceder a iniciativas, histórias e pessoas. No entanto, uma maior abertura ao diálogo entre ambas as partes e uma discussão séria sobre as “linhas vermelhas” intransponíveis são cruciais para promover uma relação saudável, sustentável e de confiança. Mas é preciso gerar essa confiança. Se, por um lado, a grande maioria das organizações de Cooperação Internacional e de Desenvolvimento não detém planos e estratégias de divulgação de informação e não sabe como comunicar sobre Desenvolvimento e como a comunicação sobre o seu trabalho deve ser comunicar sobre Desenvolvimento, por outro lado, elas sentem idênticos constrangimentos financeiros e de recursos humanos também apontados pelos jornalistas no exercício da sua profissão. Estas condicionantes de tipo organizacional, que afectam quer as ONGD quer o jornalismo, traduz-se frequentemente num deficiente tratamento que os assuntos do Desenvolvimento, pela sua relevância pública, devem ter nos Media. Como é referido nas Recomendações efectuadas nas páginas seguintes, estes constrangimentos podem ser ultrapassados através de acções conjuntas, não lesivas das esferas de independência das instituições envolvidas, visando 1) a angariação de formas alternativas de financiamento de origem pública e/ou filantrópica e 2) a realização de projectos conjuntos que aliem o jornalismo ao Desenvolvimento. São exemplos das possibilidades existentes a criação de editorias próprias dedicadas às questões do Desenvolvimento no seio de órgãos de comunicação social de referência, como acontece no El País ou o The Guardian, fruto do 164
apoio de fundações internacionais, mas também do compromisso dos responsáveis desses Media e dos jornalistas neles envolvidos. Há um outro factor a ter em conta nesta equação: o interesse público nas questões relacionadas com o Desenvolvimento. A compreensão do mundo e das questões de Desenvolvimento é deficitária no cidadão em geral, à semelhança do que acontece entre os jornalistas. Essa desatenção ao mundo pode ser um reflexo da falta de capacidade dos jornalistas para tornar determinados conteúdos compreensíveis e apelativos ao público, o que perpetua o seu desinteresse. Mas pode também ser vista através de outro prisma: a dificuldade das próprias organizações que intervêm no terreno em comunicar com os jornalistas e em demonstrar a importância de determinados processos ou iniciativas, para além das noticiáveis situações de emergência ou catástrofe. O jornalismo de qualidade, e portanto, também o jornalismo de qualidade sobre o Desenvolvimento, só o será havendo formação e conhecimento sobre os temas concretos (Direitos Humanos, sustentabilidade, economia, interculturalidade, migrações, geopolítica…), competências técnicas (narrativas, independentemente do medium) e profissionais que consigam traduzir a história de forma compreensível – simples, mas não simplista. A introdução de módulos dedicados à Cooperação Internacional e ao Desenvolvimento nos currículos académicos de Jornalismo e Comunicação pode ser um passo nesse sentido, bem como os momentos de encontro e de diálogo entre organizações e jornalistas, no seio das redacções ou sob chancela das organizações profissionais representativas dos jornalistas. No mesmo sentido, a escola como espaço de educação para a cidadania deve também ser uma prioridade, uma vez que permite formar pessoas com uma maior sensibilidade para estas temáticas e uma maior consciência do seu papel — individual e colectivo — na relação com o mundo. A aposta na educação cívica resultará na formação de públicos mais interessados, mais bem preparados para compreender o mundo e mais atentos à informação sobre questões globais e de Desenvolvimento.
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recomendações
Com base na recolha realizada para este estudo, elencamos um conjunto de recomendações que visam essencialmente encontrar um terreno de entendimento entre jornalistas e profissionais da área do Desenvolvimento. Esse entendimento é crucial para uma melhor inter-compreensão, por um lado, dos seus múltiplos constrangimentos da produção jornalística e, por outro lado, das especificidades resultantes das intervenções realizadas por organizações e entidades em prol do Desenvolvimento. As recomendações podem ser entendidas como os contributos iniciais para o debate sobre a criação de Príncípios de Ética que regulem as relações entre os Media e os profissionais da área do Desenvolvimento, que seja representativo e pedagógico. Desta forma, recomenda-se às organizações e entidades de Desenvolvimento, aos jornalistas, órgãos de comunicação social e investigadores nas áreas de Jornalismo e Comunicação: / A realização de acções de formação conjuntas ou dirigidas a jornalistas. As acções de formação e de reflexão conjunta, sobretudo em ambiente de redacção, podem ser uma forma de levar estas questões até aos profissionais dos Media. Actualmente, a actividade de jornalista pressupõe uma grande dispersão de temas a cobrir todos os dias. Há menos recursos – humanos e financeiros – disponíveis e impeditivos da especialização ou o do tratamento aprofundado de matérias complexas e de difícil comunicação, como é o caso dos temas de Desenvolvimento;
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/ O envolvimento dos jornalistas no acompanhamento das actividades realizadas por organizações de Desenvolvimento. O trabalho com jornalistas é uma forma de os aproximar do trabalho realizado pelas organizações e dos temas relacionados com o Desenvolvimento. O convite para participar em debates, conferências ou até mesmo em projectos de Desenvolvimento constitui uma forma eficaz de promover a reflexão e espoletar o interesse dos jornalistas por estas temáticas. É, porém, fundamental estabelecer os limites de cooperação entre as duas partes de forma a não beliscar questões éticas no exercício, tanto dos jornalistas, como das organizações; / O acesso a histórias. A posição privilegiada das organizações no terreno e as suas redes de contactos permitem-lhes identificar e disponibilizar com facilidade as histórias de que o jornalismo vive, tendo em atenção, porém, a protecção da privacidade e dignidade das pessoas envolvidas. Segundo os jornalistas a personalização é uma das abordagens mais eficazes de comunicar determinadas temáticas, permitindo a construção de narrativas mais indentificadas o leitor e tornando “mais real” determinadas problemáticas percepcionadas como distantes; / A introdução de verbas destinadas à Comunicação nos projectos de Desenvolvimento. As organizações de Desenvolvimento podem considerar nos seus projectos uma verba dedicada à comunicação e convidar jornalistas a visitar o terreno de intervenção. Este aspecto é, porém, controverso: se, por um lado, permite um acesso do jornalista ao determinado terreno ou história que de outra forma não acederia ou não teria facilidade em aceder, por outro lado, pode ameaçar a independência do jornalista e limitar a sua autonomia na cobertura dos acontecimentos. Nesse sentido, é muito importante a parceria assentar no entendimento e confiançamútuos; / O reforço da componente de Comunicação nas organizações. Uma relação mais próxima com os jornalistas passa pelo reforço da área de Comunicação nas organizações, ainda reconhecida como o parente pobre nas suas estruturas 167
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orgânicas. As organizações de Desenvolvimento devem dotar-se de estratégias de comunicação, de profissionais que estejam capacitados para desenvolverem estratégias de comunicação autónoma e se relacionarem com os Media; / A criação de editorias direccionadas a temas de Desenvolvimento, ou outros instrumentos de disseminação. Os Media mainstream actuais não conferem o espaço suficiente aos temas do Desenvolvimento. Uma forma de ultrapassar esta questão passar pela promoção de editorias exclusivamente dedicadas ao tema em órgãos de comunicação social de referência em Portugal, com financiamento externo à redacção de caráter filantrópico (à semelhança do que acontece no Reino Unido ou Espanha), e pela criação de canais alternativos de disseminação de informação; / A produção de materiais informativos para jornalistas. A linguagem de Desenvolvimento é muitas vezes codificada e carece de explicação mais aprofundada. Perante esta constatação, sugere-se a produção de materiais informativos – do tipo Wikipédia ou brochuras – que expliquem de forma simples as questões e os debates em torno do Desenvolvimento internacional; / A promoção de bolsas de criação jornalística. A realização de iniciativas deste tipo pode constituir uma forma de atenuar os efeitos da pressão orçamental das redacções e dos freelancers no tratamento de questões relacionadas com o Desenvolvimento nacional e internacional e que, de outra forma, não seriam abordadas pelos Media. A Bolsa de Criação Jornalística sobre Desenvolvimento, lançada no âmbito deste projecto, é uma experiência piloto em Portugal que confere total liberdade de escolha do tema a tratar pelos jornalistas, preservando a sua independência e promovendo o agendamento de reportagens aprofundadas sobre o desenvolvimento, de âmbito em Portugal, na Europa ou em África; / O reconhecimento das organizações de Desenvolvimento como fontes credíveis de informação. As organizações de Desenvolvimento têm um 168
profundo conhecimento do terreno em que intervêm, constituindo-se como fontes credíveis de informação sobre determinados contextos. Os jornalistas devem reconhecer esse capital e entender as organizações como fontes de informação privilegiada, criteriosa e de qualidade; as organizações devem cuidar de manter o capital de credibilidade que deriva da sua experiência acumulada nas acções Desenvolvimento; / A introdução de programas de Cooperação para o Desenvolvimento no currículo dos cursos de formação em Jornalismo e Comunicação. As questões de Desenvolvimento não integram actualmente os currículos de formação dos cursos de Jornalismo ou de Comunicação em Portugal. É, porém, importante que o jornalista durante o seu processo de formação académica seja confrontado com estas temáticas. Desta forma, sugere-se a introdução de seminários ou módulos temáticos sobre estas matérias, e/ou a realização de programas de voluntariado em países parceiros da Cooperação Portuguesa.
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ANEXOS
participantes / Adelino Gomes / Adriano Miranda / Ana Cristina Pereira / Ana Fantasia / António Neiva / Céu Neves / Cristina Peres / Diana Andringa / Elisabete Caramelo / Graça Sabugueiro / Inês Subtil / Javier Martínez / João Manuel Rocha / João Rabaça / João Rosário / Jorge Pelicano / José Manuel Pureza / José Reis / La Salete Coelho / Lúcia Crespo / Luís Mah / Luísa Meireles 171
/ Mamadou Ba / Manuel Carvalho / Mónica Frechaut / Nelson Dias / Paula Barros / Paula Borges / Paula Saraiva / Paulo Nuno Vicente / Pedro Cruz / Pedro Krupenski / Sandra Fernandes / Sara Paz / Sérgio Guimarães / Sofia Branco / Sofia Palma Rodrigues / Sónia Lamy / Susana Réfega
agradecimentos / Espaço Mira – Porto / Sindicato dos Jornalistas – Lisboa / Universidade de Coimbra
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Parceiros
FinanciaDORES
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