ACHEL TINOCO
S A C N A I R PELAS C
© Editora Reflexão / Acerola 2013 (Conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa)
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Tinoco, Achel / O descobrimento do Brasil pelas crianças / Achel Tinoco; Ilustrações Daiana Oliveira São Paulo: Editora Reflexão, 2013 ISBN 978-85-8088-003-8 I. Literatura Infantojuvenil II. Tinoco, Achel Tinoco, III. Título
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CDD-028.5
Índice do Catálogo sistemático: 1. Literatura Infantil 2. Literatura Infantojuvenil 1º Edição - 1º Impressão
ACHEL TINOCO
S A C N A I R C S A L E P “À minha cunhada, Renata de Cassia Genaro; Às minhas sobrinhas, Isadora e Carol; Às minhas primas, Lorena, Amanda e Clara; E às crianças índias deste país que ainda não o descobriram. Provavelmente, o descobrirão jamais.”
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“Mas como houvesse em abundância, certa madeira cor de sangue, cor de brasa e como o fogo da manhã selvagem fosse um brasido no carvão noturno da paisagem, e como a Terra fosse de árvores vermelhas e se houvesse mostrado assaz gentil, deram-lhe o nome de Brasil. Brasil cheio de graça Brasil cheio de pássaros Brasil cheio de luz.” Do poema Os nomes dados a terra descoberta, de Cassiano Ricardo
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Imaginem, pois, num tempo presente, que se reúnem dois miúdos — um do lado de lá, outro do lado de cá do oceano — para contar, através das ondas do mar, como se deu o descobrimento do Brasil. Ou, como se dizia lá, não cá, o “achamento”. O de lá fala numa língua engraçada, por vezes incompreensível, que as ondas trazem com os ventos a bordo de um barquinho de papel qual fosse num telemóvel. O de cá responde numa língua embaralhada, por vezes desconhecida e arrastada, que também as ondas levam, sem traduzi-la, sob as asas das gaivotas, enquanto espera, ao celular, uma petitinga fisgar seu anzol na beira da praia. Assim, debatem, ao entardecer, debruçados no horizonte, sob estrelas distraídas, os rumos do Novo Mundo. Cada qual com suas diferenças, com sua visão infantil dos fatos históricos; cada qual com sua pátria, mas, finalmente, amigos. O miúdo de lá é lisboeta, chama-se Pedrito de Telo Gouveia, tem 11 anos, e diz que é descendente direto do navegador português Pedro Álvares Cabral, o descobridor destas terras nossas: o Brasil. O menino de cá é baiano, chama-se Martinho de Jesus, tem 13, e diz que é descendente de Martim Afonso de Souza, o Tibiriçá — primeiro índio a ser catequizado pelo padre José de Anchieta —, da tribo dos tupiniquins, que habitavam toda a costa brasileira naqueles anos do descobrimento, por volta de 1500. Desse modo, Pedrito vai lendo para Martinho, mediante seus entendimentos da história — como se, clandestino, fosse aos porões de todas as naus da expedição —, trechos espaçados de uma carta sobre o “achamento” do Brasil, escrita à pena, do próprio punho, pelo escrivão Pero Vaz de Caminha, a Sua Alteza, o rei de Portugal, Dom Manuel I.
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Domingo, 8 de março Toda a população de Lisboa foi convocada para assistir à missa na capela de São Jerônimo. Por volta das 9h de uma manhã radiosa, o cortejo real, coberto de ouro e veludo, chegou à capela, onde já se encontravam os capitães da frota e os banqueiros que financiariam a caríssima expedição. Ao altar, subiu Dom Diogo Ortiz, bispo de Ceuta, entre aromas de incenso e cânticos majestosos, ladeado de acólitos e precedido de todos os sacros auxiliares, para celebrar a missa e pedir a Deus Todo-Poderoso pelo sucesso da expedição. Após o sermão, pronunciado à luz de tochas e círios, Dom Ortiz benzeu uma bandeira da Ordem de Cristo — Ordem Militar originária dos Cavaleiros Templários da Idade Média — e, retirando-a do centro do altar, entregou-a a el-rei. Seguindo o protocolo real, com muitas mesuras e fricotes, Dom Manuel, o Venturoso, passou-a às mãos de Pedro Álvares Cabral, o cavalheiro que escolhera para chefiar a tal expedição, colocando-lhe na cabeça um barrete bento que o papa lhe enviara. Depois, fez-se uma solene procissão de relíquias, cruzes e estandartes para acompanhar Cabral ao batel que o levaria à sua nau capitânia. A praia do Restelo fervilhava. João de Barros, o cronista da Corte, descreveu-a minuciosamente: “A maior parte do povo, por ser dia de festa e mais tão celebrada por el-rei, cobria aquelas praias e campos de Belém. Muitos em batéis que rodeavam as naus, levando uns, trazendo outros, assim serviam todos com suas librés e bandeiras de cores diversas, que não parecia mar, mas um campo de flores, com o canto daquela mancebia juvenil que embarcava ao som das trombetas.” Quantas mães choravam pelos filhos que foram obrigadas a deixar ir!... El-rei fez as recomendações finais e, dirigindo-se ao capitão-mor, disse: “Desejo-lhe boa viagem e melhor regresso, ó Cabral!” Pedro Álvares Cabral meneou a cabeça quase até o chão, em sinal de concordância e assentimento. Foi-se. Era a mais poderosa armada que, até aquele tempo, para tão longe do reino partia, sob a luminosidade do inverno que chegava ao fim. As naus e as cara11
velas balouçavam na contraluz das águas do Tejo, em frente ao Restelo, para zarparem, no dia seguinte. — Para onde iam? — pergunta Martinho. — Para Calecute, costa ocidental das Índias — responde Pedrito mecanicamente, sem tirar os olhos do papel. — Fazer o quê? — o de cá insiste. O de lá então responde: — Incumbiu-lhes o rei de instalar, naquelas lonjuras, uma feitoria. Deveriam obter — pela diplomacia ou pelas armas — o monopólio do comércio de pimenta e canela, que estava em mãos de mercadores árabes. O de cá faz esta troça: — Como dizemos: “Pimenta nos olhos dos outros é refresco”.
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