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Vestígios
João Simões (cocurador da Explode! Residency)
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Caminhava por uma avenida Paulista e, como que atraído por um chamado, adentrei o vão vazio do Masp. A passos soltos, cheguei ao seu beiral, onde pude avistar uma bela planície. Árvores, rios, pássaros e outros seres habitavam aquela imensidão de mata. Como num timelapse ao vivo, observei a floresta se transformar entre a expropriação da terra e o soterramento do rio, apagamento de vidas karijós, tupinikins, guayanás, maromomis, extirpadas, violentadas e exploradas, assim como de africanos sequestrados e escravizados. Corpos que vinham e desapareciam na mesma velocidade com que outros iam ocupando seus lugares. E, nesse desaparecimento, vi surgir a imensidão do concreto e da modernidade veloz de carros e contradições.
Este sonho, que foi recorrente por um tempo de minha vida, veio-me presente após a escuta de duas falas que compuseram o Festival. Ao ouvir sobre estas experiências de resistência, de ocupação, de transformação, de ressignificação dos espaços em relação à
Intervenção: Pixo Artistas: Lala Terrível, Eneri e Loba Gi
pluralidade de corpos que nele vivem, penso sobre a dimensão que apontamos muitas vezes como crise ou tragédia, e que, no meu ponto de vista limitado, anuncia-se como projeto. Um projeto colonial, racista, cis-hétero-normativo, binário, capitalista, patriarcal e um grande número de questões outras, entrelaçadas e alicerçadas em camadas de concreto, ferro e piche. Camadas de complexidade, camadas de cidade, camadas de um modelo de existir universalizante.
Vivemos, cantamos, cozinhamos, beijamos, dançamos, jongamos, rimos, fazemos filmes, trabalhamos, ocupamos, vivemos mais um pouco. A gente combinamos de não morrer. E, assim, seguimos com/contra/diante/através/ sob este projeto, propondo alternativas, não enxergando, construindo juntos, perdendo tempo, ganhando vidas e nos contradizendo. PANCs do asfalto. Magia. Ancestralidade. Projeto de lei. Queixada. Carnaval. Babado e confusão.