Cultura e Diversidade: noções iniciais

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Cultura e Diversidade: noções iniciais José Márcio Barros

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EXPEDIENTE

CONTEÚDO E EXECUÇÃO

Governo Federal

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Vice-Coordenação  |  Sueli Goulart

Ministra da Cultura  |  Marta Suplicy

Analista Técnica  |  Eloise Helena Livramento

Secretária Executiva  |  Ana Cristina da Cunha Wanzeler Secretário de Articulação Institucional (substituto)  |  Bernardo da Mata Machado

Dellagnelo Corpo Docente  |  Cristina Amélia Pereira de Carvalho, Diogo Demarco, Eloise Helena Livramento Dellagnelo, Fernando Lopes, José Marcio Barros, Maria Ceci Misoczky, Mariana Baldi, Rogério Fae, Sueli Goulart.

Universidade do Rio Grande do Sul Reitor  |  Carlos Alexandre Netto

Equipe de apoio  | Felipe Amaral Borges, Fernanda

Vice-Reitor  |  Rui Vicente Oppermann

Acosta, Guillermo Cruz, Maria do Carmo Dambroz, Patrícia

Pró-Reitora de Extensão  |  Sandra de Deus

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Projeto Gráfico e Diagramação  |  Márcia Mylius

B277c BARROS, José Marcio. Cultura e diversidade: noções iniciais/José Márcio Barros. Ministério da Cultura/UFRGS/EA, 2014. 102 p. - (Módulo 3. Apostila do Curso de Extensão em Administração Pública da Cultura). 1.Cultura. 2. Mudanças culturais. 3. Diversidade cultural. 4.Desenvolvimento humano. I. Titulo CDU 351 Catalogação na publicação: Tânia Fraga – CRB 10/765

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Escola de Administração Rua Washington Luiz, 855 90010-470 Porto Alegre RS Fone: (51) 33083991 www.ufrgs.br/escoladeadministracao


Sumário Módulo 3 Cultura e Diversidade: noções iniciais

INTRODUÇÃO GERAL..........................................................................................................................................5 texto 1 Cultura, mudança e transformação: a diversidade cultural e os desafios de desenvolvimento e inclusão.................................................7 texto 2 Diversidade Cultural e Desenvolvimento Humano.............................................................29 texto 3 Cronologia de Documentos Internacionais Sobre a Diversidade Cultural..............................................................................................................................33 texto 4 Por uma cultura do público: planos de cultura e diversidade cultural................................................................................49 texto 5 O Programa Cultura Viva e a Diversidade Cultural. Comunicação, cultura e cidadania.................................................................................................65

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INTRODUÇÃO GERAL

Introdução

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Trabalhar com a diversidade cultural significa enfrentar o desafio de compreender as diferenças e coloca-las a serviço da cidadania e do desenvolvimento humano. Nosso percurso inicia-se pela definição do conceito antropológico de cultura e a reflexão sobre as mudanças e transformações e suas relações com o desenvolvimento e inclusão. Na sequencia apresentamos uma cronologia dos principais documentos nacionais e internacionais que regulam as ações de proteção e promoção da diversidade cultural. Assegurada esta discussão, passamos a debater como os planos de cultura devem considerar a questão da diversidade, tanto no que se refere ao seu processo de construção quanto nos conteúdos. Para encerrar, apresentamos uma análise sobre os Pontos de Cultura e a diversidade cultural.

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Cultura, mudança e transformação: a diversidade cultural e os desafios de desenvolvimento e inclusão

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José Márcio Barros

Resumo Este texto explora as possíveis articulações entre a dinâmica cultural e a perspectiva de conexão entre a diversidade cultural e o desenvolvimento humano. Para além das articulações discursivas, as reflexões procuram apontar conquistas e desafios da atualidade. Palavras-chaves: Diversidade Cultural – Mudanças Culturais – Desenvolvimento Humano.

Introdução Segundo Isabel Lara, em seu trabalho intitulado “Considerações sobre o tempo em que vivemos”, a atualidade configura-se como um tempo de particular complexidade: que se abre para uma consciência crescente da descontinuidade, da não-linearidade, da diferença, da necessidade do diálogo, da polifonia, da complexidade , do acaso, do desvio. Onde há uma avaliação ampla do papel construtivo da desordem, da auto-organização e uma ressignificação profunda das ideias de crise e caos, compreendidas mais como informações complexas, do que como simples ausência de ordem (LARA, 2012, s.p.).

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Entretanto, neste tempo em que tudo pode oferecer sentido e significar algo, Lara nos remete a dois importantes autores que chamam a atenção para os limites e as possibilidades da atualidade. O primeiro, Edgard Morin, em seu livro Cultura de Massa no século XX, aponta para o fato de que a atualidade se configura também como: um tempo superficial, fútil, épico e ardente. Onde o cheio provoca o oco, a saciedade gera a angústia, o permanente é trocado pelo atual, o “mais novo”, o “mais moderno”. Revelando a sua marca primordial: a paradoxalidade (MORIN, 1989, p. 178).

O segundo, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, em Pela Mão de Alice, afirma que vivemos: um tempo de transição, de transformação, onde o projeto da modernidade parece ter se cumprido em excesso ou ser insuficiente para solucionar os problemas que assolam a humanidade, vivemos uma condição de perplexidade diante de inúmeros dilemas nos mais diversos campos do saber e do viver. Que, além de serem fonte de angústia e desconforto, são também desafios à imaginação, à criatividade e ao pensamento (SANTOS, 1995, P. 21).”.

É, pois, neste contexto de paradoxalidade e perplexidade apontadas por Lara, Morin e Boaventura, que gostaria de tratar a relação aqui proposta entre a cultura, o desenvolvimento e a questão diversidade cultural. I  - A cultura e sua dinâmica Começo, então, por diferenciar a mudança da cultura de uma cultura da mudança. Por cultura penso, como a Antropologia o faz, um processo através do qual o homem atribui sentidos ao mundo: códigos através dos quais pessoas, grupos e sociedades classificam e ordenam a realidade. A cultura é a instância em que o homem realiza sua humanidade. Como fenômeno anterior e exterior ao

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indivíduo, a cultura realiza-se quando incorporada e tornada identidade. Nesta linha de raciocínio, é possível afirmar que não existem culturas estáticas; existem, sim, sociedades em que o lembrar ocupa uma centralidade estruturante e outras em que a memória possui menor pregnância do passado, caracterizando-se pela multicentralidade. Lembrar e esquecer

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são, no entanto, dois momentos de toda e qualquer cultura. Quando o lembrar define de forma hegemônica a organização e as instituições sociais, bem como a memória e a identidade das pessoas e seus grupos, estamos diante de uma sociedade tradicional. Uma sociedade que elege, de forma exclusiva, o passado como centro configurador de sentidos, é uma sociedade que resiste à mudança, uma sociedade ancorada em permanências. No sentido oposto, sujeitos e instituições que não elegem o passado como ordenador preferencial de sentidos inauguram sociedades que fazem do presente e das representações do futuro seu centro estruturador de identidades. É, portanto, uma sociedade que institui a mudança como seu modo de existir. Estamos falando de extremos e polaridades, aqueles que se recusam a mudar e outros que se recusam a permanecer, para deixar claro que não existem culturas estáticas e que o debate sobre a relação entre o desenvolvimento e a diversidade cultural não pode se recusar a esta tensão. Toda cultura muda, de forma mais ou menos lenta, mais ou menos visível, motivada por trocas culturais desastrosas ou por sincretismos singulares, por sutis processos históricos ou por avassaladores acontecimentos. É como se a mudança e a permanência, em estado de tensão contínua, fizessem parte da “natureza” da cultura. O que é diferente de cultura para cultura e também de instituição para instituição, é o tipo de movimento que resulta na mudança e as negociações político-simbólicas com a permanência. Quando uma sociedade ou uma instituição protegese através de “biombos da tradição” e faz das diferenças uma ameaça, estamos diante de uma sociedade ou instituição que

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se recusa à História, ou melhor, que faz de sua história a única História. São exemplos da tradição exclusiva as sociedades e instituições tribais, ortodoxas e totalitárias. Por outro lado, sociedades e instituições que vivem do culto à mudança são sociedades e instituições aprisionadas à incompetência de lidar com a memória. São sociedades de mercado, nas quais o consumo é que define a produção, e o mercado configura-se como a principal instituição. Como é possível perceber, possibilidades e limites estão presentes em ambos os modelos. No modelo da tradição, encontramos sujeitos, grupos, instituições e sociedades que sabem de onde vieram e o que devem fazer para manter suas pegadas, seus rastros. Organizam sua vida de tal forma a preservar sentidos originais e manter as raízes que lhes dão sustentação. Oferecem a seus integrantes o sentido necessário de pertencimento. Mas tais realidades sociais são também, expressões de posturas exclusivas, que transformam diferenças em desigualdades. Transformam-se em sociedades e instituições incapazes de compreender o diferente, ou sociedades intolerantes com a diferença. Daí a proximidade com o poder: a tradição revela ora a incapacidade cultural de conceber o Outro, ora a vontade de dominá-lo. Por outro lado, contemporaneamente, emerge um novo modelo cultural, fruto de uma radical transformação na experiência com o tempo e com o espaço, motivada pelo que os especialistas chamam da globalização ou da mundialização. Emergem sociedades, e por consequência instituições, marcadas

pela

descontinuidade,

pela

fragmentação,

pela pluralidade, pela simultaneidade. É um mundo que, gradativamente, comprime o tempo e dissolve fronteiras; um mundo que inaugura o fenômeno das identidades múltiplas; um mundo que produz em parte de seus integrantes uma outra experiência identitária, não mais ancorada no fechamento e acabamento iluminista, mas na abertura e inacabamento da pós-modernidade.

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Culturas, sociedades, instituições, grupos e indivíduos contemporâneos caracterizam-se pela possibilidade da abertura. Entretanto, grande parte desta abertura é definida pelo mercado de consumo, e não mais pelas instituições tradicionalmente responsáveis pela formação dos sujeitos nas sociedades. Tal predominância da instituição mercado vem

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construindo o que Nestor Garcia Canclini chama da experiência da CULTURA DO EFÊMERO: o consumo incessante, a “ditadura” da renovação, a transformação da experiência cultural em experiência do lazer e do entretenimento. Sociedades contemporâneas são sociedades nas quais uma grande parte de nossa experiência de identidade e de cidadania foi deslocada para as relações de consumo. Nestas sociedades e em suas instituições, as mudanças não geram necessariamente transformações. São mudanças conservadoras, motivadas por circunstâncias, e não por conceitos. Tudo isso nos sugere que, se todas as culturas mudam, é preciso ter a capacidade de compreender seus sentidos, seja quando relacionados à sociedade como um todo, seja quando relativos aos sujeitos e instituições. Não é difícil perceber que entre estes dois extremos aqui explorados, a recusa e a adesão total à mudança, um outro caminho, que equilibre tradição e tradução, constitui-se no que há de mais rico na experiência cultural hoje. Neste ponto, podemos introduzir a questão da cultura da mudança. A partir das questões aqui levantadas, pensar numa cultura da mudança significa pensar na maneira como sociedades, instituições e sujeitos constroem sentidos para o mudar, ou melhor, como a mudança pode assumir o sentido de uma busca — algo intencionado —, uma disponibilidade para a transformação, ou, apenas, um discurso evasivo, atualizado pelas literaturas de autoajuda.

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A cultura da mudança que aqui nos interessa, imagino ser da primeira categoria, aquela que se interessa em forjar futuros, e não apenas reproduzir modismos. Mudança, no sentido aqui proposto, é menos uma questão técnica e mais um regime de sensibilidade que se desdobra em fazeres, um modelo de ação e representação. A cultura da mudança é, portanto, resultado de uma disponibilidade para o futuro, para o novo, para o desconhecido. Resulta da capacidade de abertura para o mundo. Não se trata da afirmação da ditadura da mudança, do equívoco de se tomar a mudança como sinônimo de excelência e desenvolvimento. Trata-se de se reconhecer que sociedades e instituições são desafiadas continuamente pela história. Há mudanças e mudanças: mudanças que produzem movimento e desenvolvimento, mas também mudanças que consolidam a permanência da desigualdade. II  - Desenvolvimento, a cultura e seus sentidos. Falar de desenvolvimento e cultura é falar de uma relação que somente há cerca de quatro décadas pôde ser reconhecida de forma positiva, após a criação do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Até então, anos 60, segundo José Álvaro Moisés, paradigmas economicistas definiam a impossibilidade dessa relação: a dimensão tradicional da cultura constituía-se como obstáculo ao desenvolvimento, e, portanto, a cultura era excluída como componente do desenvolvimento. Além disso, conforma-se um gravíssimo e contraditório quadro: rompem-se fronteiras, intensificam-se trocas comerciais, científicas e culturais, possibilita-se a criação de redes de trocas e de uma cidadania transcultural, mas produzem-se “ilhas de desenvolvimento e imensos oceanos de miséria” (Faria e Garcia, 2001).

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É com a construção política, teórica e metodológica dos indicadores de desenvolvimento humano que esta relação começa a se esboçar de forma propositiva, através da ampliação do conceito de desenvolvimento para além da realização econômica, e da construção de indicadores políticos e culturais. O Relatório do Desenvolvimento Humano de 2004, organizado

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pelo PNUD, faz a seguinte afirmação em sua apresentação: para que o mundo atinja os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e erradique a pobreza, tem que enfrentar primeiro, com êxito, o desafio da construção de sociedades culturalmente diversificadas e inclusivas. Fazê-lo com êxito é condição prévia para os países se concentrarem adequadamente em outras prioridades do crescimento econômico, a saúde e a educação para todos os cidadãos. O desenvolvimento humano tem a ver, primeiro e acima de tudo, com a possibilidade das pessoas viverem o tipo de vida que escolheram e com a provisão dos instrumentos e das oportunidades para fazerem suas escolhas.

A atualidade nos encaminha para uma contínua convivência com as dúvidas, mas também para a descoberta de que a ideia de progresso como processo contínuo e linear de crescimento perdeu força, frente a um conceito complexo de desenvolvimento. Reconhece-se que a articulação entre cultura e desenvolvimento se dá primeiramente na dimensão subjetiva e imaterial da experiência cultural. De um lado, afirma-se que é através da cultura que o homem adquire sua condição humana e, por outro lado, confirma-se que não há possibilidade de desenvolvimento humano sem valores culturais. Além de gerar trabalho e fazer circular riquezas, a participação da cultura no desenvolvimento se dá também na maneira como ela oferece aos indivíduos, grupos, e sociedades algo que lhes é essencial: a IDENTIDADE. Identidade, aqui, deve ser entendida como valor que produz autoestima e marca, tratando-se, portanto, de uma identidade que pode produzir oportunidades e empreendimentos.

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A cultura gera desenvolvimento humano porque fornece instrumentos de conhecimento, reconhecimento e autoconhecimento, ou seja, porque gera identidade. Na segunda dimensão, a cultura incide sobre as condições materiais de vida, gerando riquezas. Há, neste debate, a proposição de uma tríplice dimensão dessa relação: DIMENSÃO POLÍTICA a cultura é que cria as condições para a vida coletiva e, portanto, funda a experiência pública DIMENSÃO SOCIAL a cultura é condição para a cidadania pensada como inclusão e pertencimento DIMENSÃO ECONÔMICA a cultura é geradora de renda: empregos, salários e tributos É

preciso

reconhecer,

ainda,

uma

DIMENSÃO

TRANSVERSAL na relação entre cultura e desenvolvimento: a cultura tem presença e importância em todas as dimensões sociais, ou seja, há sempre e necessariamente uma dimensão cultural na educação, na saúde, no trabalho, etc. Todo esse debate sobre a cultura e o desenvolvimento pressupõe ainda: a perspectiva do crescimento autossustentado, ou seja, crescimento que busca integrar passado, presente e visão de futuro; a busca da harmonia entre a lógica do simbólico e a razão do mercado, de forma a resgatar o sentido da dádiva, ou seja, o reconhecimento da vida social como um constante dar e receber; o desenvolvimento do respeito para com o patrimônio natural e o patrimônio cultural, tanto material quanto imaterial;

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a redução das desigualdades locais, regionais e mundiais; a constituição desta integração a partir de um modelo democrático de decisões. Segundo Jorge Werthein, este debate acompanha as

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transformações conceituais no que se refere ao desenvolvimento, mas também as novas responsabilidades a que a cultura vem sendo chamada nas últimas duas décadas. Isso produziu uma espécie de intimidade entre ambos os campos: Se voltarmos aos anos 80, mais precisamente a 1982, na Conferência Mundial do México, vamos nos deparar com os conceitos de cultura e desenvolvimento sendo expressos com uma tal intimidade entre ambos, que um leitor menos atento poderia facilmente permutar um pelo outro, sem prejuízo dos seus conteúdos. A Recomendação da Década Mundial do Desenvolvimento Cultural [...] define: Cultura como o conjunto de características espirituais e materiais, intelectuais e emocionais que definem um grupo social. [...] engloba modos de vida, os direitos fundamentais da pessoa, sistemas de valores, tradições e crenças e define desenvolvimento como um processo complexo, holístico e multidimensional, que vai além do crescimento econômico e integra todas as energias da comunidade [...] deve estar fundado no desejo de cada sociedade de expressar sua profunda identidade [...] (WERTHEIN,2002)

Kliksberg, referência obrigatória nesta questão, chama a atenção para o fato de que o conceito de “capital social” abriu as portas para um vigoroso processo de revisão das relações entre cultura e desenvolvimento, consolidado por Lourdes Arizpe da seguinte maneira: “a cultura passou a ser o último aspecto inexplorado dos esforços realizados em nível internacional para fomentar o desenvolvimento econômico”.

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III  - Diversidade e desenvolvimento cultural Chegamos à questão da diversidade. Do ponto de vista antropológico, a diversidade cultural constitui o grande patrimônio da humanidade. Recuperada nas escolas pósevolucionistas como realidade positiva, a diversidade cultural revelaria o que de mais semelhante existe entre os homens, isto é, o fato de que a partir de uma unidade biológica tão perfeita produziu-se tanta diferença. Segundo Lévi-Strauss (1970, p.89) A verdadeira contribuição das culturas não consiste numa lista das suas invenções particulares, mas na maneira diferenciada com que elas se apresentam. O sentimento de gratidão e de humildade de cada membro de uma cultura dada deve ter em relação a todas as demais não deve basear-se senão numa só convicção: a de que as outras culturas são diferentes, de uma maneira a mais variada e se a natureza última das suas diferenças nos escapa...deve-se a que foram imperfeitamente penetradas. Se a nossa demonstração é válida não há nem pode haver uma civilização mundial no seu sentido absoluto, porque civilização implica na coexistência de culturas que oferecem o máximo de diversidade entre elas, consistindo mesmo nesta coexistência. A civilização mundial não será outra coisa que a coalizão de culturas em escala mundial, preservando cada uma delas a sua originalidade.

Quando partimos do conceito antropológico para o campo das políticas culturais, encontramos uma curiosa trajetória que, conforme François de Bernard, pode ser assim descrita: sobre as cinzas da “exceção cultural”, frágil conceito de inspiração jurídica, atualmente rejeitado por toda parte, exceto na França, e que tinha uma função meramente defensiva, forjou-se apressadamente o de “diversidade cultural”, considerado como capaz de propor uma ideia positiva.

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Aqui também encontramos a mesma dimensão, ou seja, as diferenças deixam de ser tratadas como imperfeições e incompletudes, como propunha o pensamento evolucionista, e passa a designar oportunidades e contingências, resultado das trocas históricas As diferenças deixam de ser pensadas como realidades que justificam — e, em certos casos, legitimam — as

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desigualdades e passam a revelar o que de mais surpreendente e original a condição humana realizou, daí a possibilidade e a necessidade de protegê-la e promovê-la. A diversidade cultural, tanto no interior de cada sociedade, quanto entre as diferentes e distantes realidades, configura-se como a mais radical expressão da singularidade humana. Há mais de cinquenta anos — fruto dos debates e consensos entre sociedade, governos e nações —, esse reconhecimento vem produzindo documentos e instrumentos internacionais que buscam oferecer alternativas para a proteção e a promoção do direito à cultura e da diversidade cultural. Tais documentos refletem as preocupações com os processos típicos do mundo contemporâneo e com seus reflexos no campo da cultura. De acordo com MARQUES (2003, p. 3), temos, por um lado, as alterações na configuração da organização geopolítica do mundo: As expansões imperiais do último milênio e, mais recentemente, a era colonial desenhavam, até meados do século XX, um mundo, em grande medida, dominado por algumas grandes potências coloniais que procuravam “civilizar” os povos e culturas que dominavam. Uma visão que se repartia entre colonos e colonizados, onde naturalmente as relações entre as culturas dominantes e dominadas, conduziam a um de dois modelos: a assimilação, transformando o colonizado em reprodução tão fiel quanto possível do colonizador, ou numa outra opção, separando de uma forma marcada as duas realidades socioculturais, preservando a “pureza” da cultura colonizadora, evitando qualquer “contaminação”.

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Esta dualidade vai-se reproduzir sucessivamente, ainda que por outras razões, até aos modelos mais recentes. Com o final da IIª Guerra Mundial e a afirmação dos processos de descolonização, emergem na cena internacional, novas Nações, tornando o mapa-mundi mais diverso e recortado — dos cinquenta países que constituíam as Nações Unidas, evoluímos até 191 membros atuais. Para este crescimento contribuiu também, mais tarde, o colapso do comunismo, quer da União Soviética, quer de outros países que, de uma forma mais ou menos violenta, sofreram processos de secessão, como a Iugoslávia e a Checoslováquia. Esta afirmação de um padrão internacional muito mais diversificado é, naturalmente, causa e consequência de profundas alterações na relação entre povos e culturas.

Por outro lado, temos os contraditórios efeitos do processo de globalização da economia em pelo menos duas dimensões: A afirmação da globalização condicionou também alterações relevantes, em si mesmo contraditórias. Entre as mais significativas pontuam, por um lado, a interligação e interdependência mundial, com a crescente circulação de bens, força de trabalho e de capital, que é contrariada, por outro lado, pela imposição de barreiras protecionistas da parte dos países ricos, quer em relação ao comércio, mas também à circulação de pessoas, sejam elas imigrantes, refugiados ou asilados. Ao nível cultural se por um lado, se observa um movimento de homogeneização e mundialização de determinadas expressões culturais, proporcionado pelo avanço das telecomunicações, pela expansão dos media globais, ou pela facilidade de viajar, por outro lado, esse mesmo movimento permite projetar culturas minoritárias, promover a sua interação e fusão e multiplicar a oferta cultural disponível, num quadro de crescente liberdade de expressão (MARQUES, 2010,p.4).

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A segunda dimensão deste processo refere-se ao avassalador processo de migração e da diáspora cultural. Se tais processos não podem ser considerados exclusivos da contemporaneidade: no entanto, a dimensão, diversidade e imprevisibilidade

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destas migrações nunca tiveram a dimensão que conheceram ao longo do Século XX, com uma particular intensificação nas últimas décadas. O Banco Mundial estima em cerca de 2 a 3 milhões de pessoas que anualmente migram, procurando essencialmente quatro países: Estados Unidos, Alemanha, Canadá e Austrália, sendo que, no começo do século XXI, cerca de 130 milhões de pessoas vivem fora dos países onde nasceram, e esse total vem aumentando em cerca de 2% ao ano. (MARQUES, 2003, p. 5)

Sob os efeitos deste quadro e sob o impacto do ataque terrorista ao World Trade Center em Nova York em 2001, a 31ª reunião da Conferência Geral da UNESCO aprovou o mais específico dos documentos sobre a questão, a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, que em 12 artigos e 20 recomendações práticas consolida décadas de reflexões e enfrentamentos. A declaração, em linhas gerais, afirma: a diversidade cultural, como patrimônio comum da humanidade, fator de desenvolvimento e criatividade; os direitos humanos como garantia para a diversidade cultural e os direitos culturais como seu marco; o pluralismo cultural como garantia da diversidade cultural e o acesso a ela; os bens e serviços culturais como realidades distintas das mercadorias e a necessidade de se criar redes de criação e difusão mundiais.

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A Declaração recomenda algumas estratégias que podem, em seu conjunto, garantir a operacionalização de tais princípios; são elas: aprofundamento do debate internacional sobre os problemas relativos à diversidade cultural e o avanço na definição de princípios e normas tanto no plano nacional quanto internacional; realização de intercâmbio de conhecimento e práticas no campo do pluralismo cultural e dos direitos culturais; implementação de medidas de proteção e promoção da diversidade linguística; promoção da consciência sobre a importância da diversidade cultural, bem como promoção de seu acesso, através da educação, da inclusão digital e dos meios de comunicação; elaboração de instrumentos e políticas de preservação e promoção do patrimônio cultural, em especial o de caráter imaterial; promoção do respeito aos direitos dos artistas e ajuda na criação e consolidação de indústrias culturais nos países em desenvolvimento e nos países em transição, através da criação de mercados locais viáveis e da facilitação do acesso dos bens culturais desses países ao mercado mundial e às redes de distribuição internacionais. A despeito de sua importância e sua força moral, a Declaração foi considerada — pela grande maioria dos Estadosmembros — uma resposta insuficiente para as ameaças que a atualidade apresenta para a Diversidade Cultural. Instaurouse, então, um processo de aprofundamento da questão rumo à criação e aprovação de uma Convenção para a Proteção e Promoção da diversidade das expressões culturais. Além disso, a realização, em 2004, de vários fóruns de cultura em diferentes países, pautou a questão da diversidade cultural e o desenvolvimento de forma contundente.

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Em Barcelona, na abertura do Fórum Universal das Culturas, realizou-se o IV Fórum de Autoridades Locais pela Inclusão Social de Porto Alegre. Em documento intitulado “Agenda 21 para a cultura – um compromisso das cidades e dos governos locais para o desenvolvimento cultural”, é explícita a recomendação de que cabe aos dirigentes locais da cultura:

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Estabelecer políticas que fomentem a diversidade cultural, a fim de garantir a amplitude da oferta e a presença de todas as culturas, especialmente das minoritárias ou desprotegidas, nos meios de comunicação e de difusão, incentivando as coproduções e os intercâmbios e evitando posições hegemônicas (FÓRUM, 2004, p.4).

O Fórum Cultural Mundial, realizado em São Paulo, em julho de 2004, lançou em sua “Carta de São Paulo ” o expresso apoio ao estabelecimento, na programação da 33ª Conferência Geral da UNESCO, realizada entre 3 e 21 de outubro de 2005, da votação de um instrumento específico, de caráter mais regulatório e operativo. As autoridades signatárias se comprometeram a: Defender um tratamento particular e diferenciado dos bens e serviços culturais nos acordos de liberalização comercial em curso na Organização Mundial de Comércio (OMC) e, a partir do contexto conceitual proposto pela UNESCO, lutar pela criação de espaços institucionais que garantam que as trocas culturais aconteçam em quadros regulatórios apropriados à natureza material e imaterial dos bens e produtos culturais, segundo o princípio da proteção da identidade, da diversidade cultural e dos conhecimentos tradicionais dos países; Apoiar a UNESCO em sua iniciativa fundamental de estabelecer, de comum acordo entre os países que fazem parte da ONU, uma Convenção Internacional para a Proteção da Diversidade Cultural, prevista para a Conferência-Geral de 2005 e de promover a adesão dos países membros à Convenção do Patrimônio Imaterial.

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Contribuir para a criação de um sistema internacional de trocas econômicas e culturais baseado na democracia, na igualdade de oportunidades, na correção dos desequilíbrios, no respeito às diferenças, nos direitos humanos e no diálogo pleno entre as culturas tendo em vista a consolidação e a promoção de uma cultura de paz (CARTA DE SÃO PAULO, 2004, p.2).

O grande embate para a aprovação da Convenção estaria localizado exatamente no enfrentamento entre a posição dos Estados Unidos e seus aliados, que defendem que as trocas culturais devam se sujeitar aos acordos comerciais regulados pela Organização Mundial do Comércio, e os demais países, liderados pelo Brasil, Canadá e França, que advogam medidas que possam fazer frente à concentração cultural, ao aniquilamento das indústrias culturais locais e das expressões tradicionais. A despeito das pressões, o texto da Convenção é aprovado em 2005 por ampla e esmagadora maioria, definindo como seus objetivos: proteger e promover a diversidade das expressões culturais; criar condições para que todas as culturas floresçam em igualdade de condições e possam interagir de modo mutuamente estimulante; encorajar os diálogos entre as culturas de modo a estabelecer um equilíbrio entre as trocas culturais, em favor de um respeito intercultural e da cultura da paz; reafirmar a ligação entre cultura e desenvolvimento, apoiando as ações neste sentido; reconhecer a natureza distinta das atividades, dos bens e dos serviços culturais, que são veículos de identidades, valores e sentidos; e reconhecer o direito soberano dos estados nacionais de manter, adotar e implementar políticas que eles considerem apropriadas para a proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais. No ultimo 18 de março, a Convenção entrou em vigor, após a ratificação de seu texto pelos parlamentos de 50 países membros da UNESCO.

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De acordo com o Diretor geral da Unesco, Koïchiro Matsuura, nenhuma outra convenção na área da cultura foi adotada por tantos Estados membros em tão pouco tempo. O motivo da pressa é a necessidade de frear os desequilíbrios das trocas culturais no mundo, principalmente no que se refere ao comércio de produtos

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audiovisuais. (Duppin, 2007, p. 12)

IV  -  Convenção aprovada, e agora? A

compreensão

da

diversidade

cultural

e

sua

integração com a questão do desenvolvimento, da cidadania e da transformação social vêm exigindo cada vez mais, e especialmente entre aqueles protagonistas de projetos e iniciativas culturais emancipatórias, um grande esforço reflexivo que possa fazer avançar as duas polaridades mais imediatamente reconhecíveis neste campo. A postura protecionista e conservadora advoga o regime da exceção cultural e, através do conceito de excepcionalidade cultural,

defende

a

permanência,

especialmente,

das

tradições, como princípios ordenadores da promoção e proteção da diversidade cultural. Outra postura se contenta com a inventariação da diversidade humana e a organização enciclopédica das excentricidades, transformando processos e experiências culturais em bens e mercadorias de consumo restrito. A superação destas polaridades pode encontrar novamente em Lévi-Strauss (1980, p.97) ideias contundentes: A necessidade de preservar a diversidade das culturas num mundo ameaçado pela monotonia não escapou certamente

às

instituições

internacionais.

Elas

compreendem também que não será suficiente, para atingir esse fim, animar as tradições locais e conceder uma trégua aos tempos passados. É a diversidade que deve ser salva, não o conteúdo histórico que cada época lhe deu e que nenhuma poderia perpetuar para além de si mesma. É necessário, pois, encorajar as potencialidades secretas,

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despertar todas as vocações para a vida em comum que a história tem de reserva; é necessário também estar pronto para encarar sem surpresa, sem repugnância e sem revolta o que estas novas formas sociais de expressão poderão oferecer de desusado. A tolerância não é uma posição contemplativa dispensando indulgências ao que foi e ao que é. É uma atitude dinâmica, que consiste em prever, em compreender e em promover o que quer ser. A diversidade das culturas humanas está atrás de nós, à nossa volta e à nossa frente.

Articular cultura, diversidade e desenvolvimento vem exigindo posturas e perspectivas mais dinâmicas. Arriscamos aqui sugerir algumas delas. A compreensão de que a proteção e promoção da diversidade cultural não significa a adoção de medidas restritivas que condenem cada cultura a ela própria, mas a adoção de medidas políticas e econômicas que evitem a transformação das trocas culturais em processos de mão única, que reforçam a concentração cultural e submetem a cultura à lógica exclusiva do mercado globalizado. Segundo Suely Rolnik (1996), dois processos opostos parecem acontecer nas subjetividades em meio ao “terremoto” que as transforma irreversivelmente. Em ambos a questão da diversidade constitui-se como um problema central. Por um lado, encontramos a postura de grupos minoritários que, centrados em suas próprias identidades originais, são consideradas politicamente corretas, “pois, se trataria de uma rebelião contra a globalização da identidade”, além de ser importante arma no combate às injustiças a que grupos diferenciados pela etnia, pelo sexo, pela nacionalidade, estão expostos. Por outro lado, a “síndrome do pânico” que, fruto da exacerbação das trocas e exigências do mundo pós-moderno, estaria levando o sujeito a um dilaceramento subjetivo, que o faz projetar no outro globalizado, uma espécie de prótese que substitui ao seu eu original.”

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No primeiro caso, o reconhecimento da importância de tal postura está na medida em que se caracteriza como luta pelo direito à construção das referências identitárias como um processo de singularização, de criação existencial. É a manutenção da condição de sujeito de sua própria existência que deve estar em questão. No segundo caso, trata-se de se

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potencializar a relação do local e do global na construção da subjetividade e da identidade contemporânea, relação esta que é marcada pelo poder disruptivo e tenso entre os envolvidos. O debate entre o multiculturalismo e a questão da interculturalidade encontra-se na pauta do dia. O desafio hoje, a todos que, de lugares os mais diferentes a partir de estratégias as mais diversas, tomam a memória e a subjetividade como instrumentos insubstituíveis na construção das identidades no contexto da diversidade cultural, é o de, para uns, “criar condições para o enfrentamento da experiência dos vazios de sentido, provocados pela dissolução de suas figuras”, visando a reconstrução de sua condição de sujeito ativo, para outros, o de, ao “viciá-lo em seu eu histórico”, moldá-lo como sujeito aberto às transformações e às diferenças. Em 18 de março de 2007, a convenção para proteção e promoção da diversidade assumiu a condição de um regimento jurídico internacional. A questão e o desafio imediato parece ser o de, por um lado, superar o estágio discursivo e implementar ações ancoradas ética e metodologicamente na perspectiva do pluralismo e da reciprocidade. Por outro lado, como fazer para que os países que ratificaram a convenção, tornando-a um instrumento legítimo, se disponibilizem para o desafio de traduzi-la em políticas nos campos da comunicação e da educação, principalmente, produzindo as articulações que o desenvolvimento humano requer. Afinal, energia criadora e desejo de expressar identidade... não seria esta uma bela definição para cultura? Ou para desenvolvimento? Ou para os dois? (WERTHEIN,2002, p. 14)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DUPIN, Giselle, Jornal Hoje em Dia, 11/3/2007 FARIA, Hamilton & GARCIA, Pedro. Arte e identidade cultural na construção de um mundo solidário. SP: Instituto Polis, 2002. KLIKSBERG, Bernardo. Capital social e cultura: as chaves esquecidas do Desenvolvimento. Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe, PREAL. LARA,Isabel. Considerações sobre o mundo em que vivemos. Disponível em http:// coordenacaopedagogicaced4guara.blogspot.com. br/2012/03/serie-professores-em-rede-parte-2.html, acesso em 05/12/2004. LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e História. Editorial Presença, Lisboa, 1980. ________. Antropologia Estrutural, RJ, Tempo Brasileiro, 1970. MARQUES, Rui M. P. Políticas de gestão da diversidade étnico cultural. Da assimilação ao multiculturalismo – Breve Exercício, OBSERVATÓRIO DA IMIGRAÇÃO, 2003, disponível em http://www.oi.acime.gov.pt/docs/rm/multiculturalismo.pdf MOISÉS, José Álvaro. Diversidade cultural e desenvolvimento nas Américas, Texto preparado por solicitação do Programa de Cultura da Organização dos Estados Americanos OEA. Disponível em http://www.minc.gov.br/ textos/DIVERSIDADE%20_OEAWEB.doc MORIN, Edgard. Cultura de massa no século XX. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano de 2004. ROLNIK, Suely, “A multiplicação da Subjetividade”. São Paulo: Folha de São Paulo, 19/05/96.

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SANTOS, Boaventuda de Souza. Pela mão de Alice, Porto: Edições Afrontamento, 1995. UNESCO. Políticas culturais para o desenvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília, UNESCO Brasil, 2003. 236 p.

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WERTHEIM, J, Pronunciamento: “Seminário Políticas Culturais para o Desenvolvimento: uma base de dados para a Cultura” - Recife - PE, 27 de agosto de 2002 disponível em http:// www.unesco.org.br/noticias/opiniao/index/index_2002/ Politicas_culturais/mostra_documento

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Diversidade Cultural e Desenvolvimento Humano

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José Márcio Barros

Articular cultura, diversidade e desenvolvimento: esta parece ser a mais urgente e complexa tarefa das políticas públicas de cultura, especialmente nos contextos em que, de forma singular e perversa, a riqueza cultural convive com uma dramática pobreza econômica. Tais cenários de complexa ambiguidade são, hoje, objeto de profunda reflexão e articulação política, de forma a permitir uma integração positiva e propositiva. O século XXI nasce com o desafio de ir além do reconhecimento antropológico da diversidade cultural como o maior patrimônio da humanidade. Não se trata de abandonar a contínua tarefa da reafirmação deste princípio, trabalho constante dos pesquisadores e educadores, mas de agregar, a esta, a urgência do enfrentamento de sua dimensão política e econômica. Dois aspectos podem ser aqui destacados: a diversidade cultural deve estar conjugada sempre e de forma indissociável com a perspectiva do pluralismo cultural, espécie de dimensão política que a aproxima e a fortalece como componente central dos direitos fundamentais da humanidade; a diversidade cultural deve também ser provedora de sobrevivência digna: geradora de riquezas operadas sob a lógica da distribuição e da superação das desigualdades. Para tanto, fortalecer os conceitos que sustentam os discursos e transformar a palavra em ação, são pré-requisitos para a transformação desejada.

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O conceito de cultura possui uma amplitude antropológica central para a compreensão da questão da diversidade. Cultura refere-se tanto ao modo de vida total de um povo — isso inclui tudo aquilo que é socialmente aprendido e transmitido, quanto ao processo de cultivo e desenvolvimento mental, subjetivo e espiritual, através de práticas e subjetividades específicas, comumente chamadas de manifestações artísticas. Cultura, aqui, pode ser entendida como um todo que humaniza este ser vivo chamado homem, mas também como uma parte deste todo, na qual, através de operações simbólicas singulares, esta condição humana é reinventada: as artes. Diversidade cultural refere-se, portanto, aos diversos modos de agir com e sobre a natureza, mas também aos dinâmicos e inesgotáveis processos de atribuição de sentidos e significados. A ideia de desenvolvimento que a cultura realiza e que aqui se afirma é tanto a geração de um bem subjetivo — o desenvolvimento espiritual do homem e o aprimoramento das relações sociais através dos inúmeros processos de socialização — quanto a constituição de uma economia de bens simbólicos, um mercado de trocas de sentidos que permite e desafia a vida coletiva. Na primeira dimensão, a cultura gera desenvolvimento humano porque fornece instrumentos de conhecimento, reconhecimento e autoconhecimento. Ou seja, gera identidade. Na segunda dimensão, a cultura oportuniza a vida coletiva e pode incidir sobre as condições materiais de vida, gerando riquezas e organizando um mercado de bens culturais. A partir dos anos 70 do século passado, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) institucionalizou tais possibilidades, construindo novos paradigmas para o desenvolvimento ao substituir os indicadores estritamente econômicos do desenvolvimento por indicadores humanos. O desenvolvimento humano passa a medir o processo de mudança social e econômica em termos de potencialidades e capacidades do ser humano, incluindo sua liberdade social,

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econômica e política, suas oportunidades de saúde, educação, criação, bem como a possibilidade de desfrutar de respeito pessoal e dos direitos humanos. O direito à cultura, entendido como direito a produção, difusão e consumo de sua própria cultura e da cultura do outro, passa a fazer parte do conceito de desenvolvimento humano.

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Mais de 30 anos depois, a equação entre a cultura e o desenvolvimento humano encontra no debate sobre a diversidade cultural um ambiente propício para atualização. Entretanto, isso pressupõe para além de novos paradigmas a adoção de compromissos políticos, sem os quais tudo não passa de evasivas idealidades. São eles: a

adoção

dos

princípios

de

crescimento

autossustentado, ou seja, crescimento que busca integrar passado, presente e perspectiva de futuro e, portanto, desenvolvimento capaz de agredir o mínimo e durar o máximo; o compromisso com a harmonia entre a lógica do simbólico e razão do mercado, de forma a resgatar o sentido da dádiva, ou seja, o reconhecimento da vida social como um constante dar e receber; o desenvolvimento de uma atitude de respeito tanto para com o patrimônio cultural quanto para com o patrimônio natural; o trabalho com o acervo material e o acervo imaterial de nossas memórias; a utilização da cultura como estratégia de redução das desigualdades locais, regionais e mundiais; e a constituição de modelos democráticos de tomadas de decisões. Revitalizar o debate, fazê-lo ir além das fronteiras dos espaços acadêmicos e das instituições formais, traduzi-lo em compromissos éticos e metodologia de ação e intervenção sociocultural são algumas das urgências que o Observatório da Diversidade Cultural da PUC Minas pretende enfrentar de forma integrada à GERM e demais parceiros.

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Cronologia de Documentos Internacionais Sobre a Diversidade Cultural Organizado e atualizado por Giselle Dupin (MINC) para o Observatório da Diversidade Cultural

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www.observatoriodadiversidade.org.br

O crescente interesse pela cultura tem permitido a produção de muitos textos que explicitam as definições, discussões e direcionamentos apontados por importantes organismos internacionais e nacionais. Abaixo se encontra organizada uma cronologia que facilita a compreensão da evolução destes textos. 1945 – Fundação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura foi fundada em 16 de novembro de 1945 e entrou em vigor em 4 de novembro de 1946. A UNESCO funciona como uma agência que promove a cooperação internacional entre seus 193 Estados-Membros e seis Membros Associados nas áreas de educação, ciência, cultura e comunicação, e trabalha com o objetivo de criar condições para um genuíno diálogo fundamentado no respeito pelos valores compartilhados entre as civilizações, culturas e pessoas. 1948 – Declaração Universal dos Direitos Humanos O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, idealizado pela declaração Universal dos Direitos Humanos.

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A proteção dos direitos do Homem através de um regime de direito, para que ele não seja compelido à revolta contra a tirania e a opressão, foi proclamada em Assembleia Geral como ideal comum para abranger todos os povos e todas as nações. A finalidade é a de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade se esforcem pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito a esses direitos e liberdades, através de medidas progressivas de ordem nacional e internacional. 1948 – Acordo Para Facilitar a Circulação Internacional do Material Visual e Auditivo de Caráter Educativo, Científico e Cultural O acordo visa facilitar a circulação internacional de materiais visuais e auditivos de caráter educativo, científico e cultural. Esse livre intercâmbio quer promover a compreensão mútua entre diversos povos. 1950 – Acordo Sobre a Importação de Materiais Educacionais, Científicos e Culturais – Acordo de Florença Elaborado pela UNESCO, o Acordo de Florença se destina a favorecer a livre circulação de livros, publicações e objetos com caráter educativo, científico ou cultural, com vistas à não aplicação de direitos aduaneiros na importação destes produtos, para melhorar a circulação do conhecimento. 1952 – Convenção Universal Sobre Direitos Autorais – Copyright Adotada em Genebra em 1952, é uma das principais convenções, junto da Convenção de Berna, que protege as obras de propriedade intelectual, científica e literária, filmes e esculturas, com a marca familiar. Foi revista em 24 de julho de 1971, em Paris. 1954 – Convenção Para a Proteção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado Estabelece entre seus contratantes que eles se comprometam a respeitar os bens culturais situados em seus territórios e a não permitir a utilização desses bens, de seus

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dispositivos de proteção e dos acessos imediatos para fins que possam expô-los a uma possível destruição ou deterioração em caso de conflito armado. Compete ainda aos países participantes proibir e prevenir todo o ato de roubo, pilhagem ou desvio de bens culturais e vandalismo.

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1954 – Protocolo à Convenção Para a Proteção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado O protocolo vem firmar os deveres dos países que adotaram a Convenção para a Proteção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado. 1954 – Convenção Para o Fomento das Relações Culturais Interamericanas Assinada em Caracas em 28 de março de 1954, a Convenção quer que haja um maior conhecimento e entendimento dos povos e instituições dos países membros da Organização dos Estados Americanos. Busca maior intercâmbio de professores, mestres e estudantes nos países americanos e estimula relações mais estreitas entre os organismos não oficiais que contribuem para a formação da opinião pública. 1960 – Recomendação a Respeito da Construção de Museus Esta recomendação visa à aplicabilidade de medidas pelos participantes para administração de museus, considerando as funções de organização e constituição, com a intenção de tornar os museus uma forma de educação e divulgação da cultura através de exposições culturais, científicas, históricas e tecnológicas abertas ao público. 1966 – Declaração dos Princípios e da Cooperação Internacional Organizada pela UNESCO, a Declaração proclama a ampla difusão da cultura e da educação de todos os povos com o objetivo de justiça, liberdade e paz, considerando indispensável

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à dignidade do homem e dever de todas as nações prestar ajuda mútua em busca de conseguir o livre intercâmbio de ideias e conhecimento. Também busca desenvolver e intensificar as relações entre as populações dos países assinantes. 1968 – Recomendação a Respeito da Preservação da Propriedade Cultural Pública ou Privada Recomendação para planejamento de programas para educação e desenvolvimento de medidas para conservar a propriedade cultural em cada Estado participante. 1970 – Convenção Sobre as Medidas que Devem ser Adotadas Para Proibir e Impedir a Importação, Exportação e Transferência de Propriedades Ilícitas de Bens Culturais Os países participantes da Convenção reconhecem que a importação, a exportação e a transferência ilícitas de bens culturais constituem as causas principais do empobrecimento do patrimônio cultural dos países de origem desses bens. A colaboração internacional constitui um dos meios mais eficazes para protegê-los. 1971 – Convenção Universal Sobre Direito de Autor A Convenção designa que os países contratantes devem comprometer-se a tomar todas as medidas necessárias para assegurar uma concreta e eficaz proteção dos direitos dos autores e de quaisquer outros titulares destes direitos sobre obras literárias, científicas e artísticas, tais como as obras literárias, musicais, dramáticas, cinematográficas e plásticas, como pintura, gravura e escultura. 1972 – Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural A convenção foi aprovada em 1972 pela Assembleia Geral da UNESCO para proteger o patrimônio cultural natural

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tanto das degradações provocadas pela própria natureza, quanto das destruições causadas pelo desenvolvimento social e econômico. 1973 – Declaração da Conferência intergovernamental sobre Políticas Culturais na Ásia

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A declaração resguarda que o avanço da ciência e da economia traz junto do modelo moderno de vida problemas que atingem a harmonia tradicional e espiritual do homem. 1975 – Declaração da Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais na África A declaração é representada pelos países africanos, membros da UNESCO, que relembram os tempos de colônia, e afirma a criação de uma identidade política, econômica, cultural e social. 1976 – Recomendação para Participação e Contribuição das Pessoas na Vida Cultural Esta recomendação foi fruto da preocupação com a formação cultural dos indivíduos, na prerrogativa de criar acessos a mecanismos de fomento para a produção cultural. Com isso busca-se a criação de condições econômicas para livre acesso a informação, formação, conhecimento cultural e patrimônio cultural de cada país. Entende que é imprescindível a abertura de oportunidades para que grupos culturais se expressem promovendo o desenvolvimento de uma identidade, troca de informações, novos conhecimentos e uma cultura de paz. 1978 – Recomendação para a Proteção dos Bens Móveis Culturais Devido ao crescente interesse na aquisição de produtos culturais, na criação de museus, monumentos e instituições culturais, na realização de exposições de arte, sem esquecer

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o incremento da quantidade de colecionadores particulares de artes, foi realizada a Recomendação Internacional para Comércio de Bens Móveis Culturais, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em sua décima nona sessão em 1976. 1980 – Recomendação para Normalização Internacional de Financiamento à Cultura Esta é uma recomendação para financiamento de atividades culturais (exceto educação). Essas atividades estão definidas como: patrimônio cultural, monumentos históricos e locais, arquivos, museus, escavações arqueológicas, proteção ao patrimônio cultural, atividades de preservação e registro do patrimônio cultural, pesquisa e formação. Além dessas categorias, faz parte da recomendação o financiamento de atividades como música, rádio, televisão, literatura, teatro, artes plásticas, cinema e fotografia, atividades sócio culturais, esportes e ciências naturais. 1980 – Recomendação para a Salvaguarda e Preservação das Imagens Cinematográficas A Conferência Geral da UNESCO reuniu-se em Belgrado em 1980 e considerou as imagens cinematográficas como expressões da cultura e identidade das pessoas. A influência que exercem na educação, cultura, arte, ciência e história, é considerada parte integral da herança cultural das nações. 1989 – Convenção para Povos Indígenas e Tribais A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho – OIT, convocada em Genebra no dia 7 de junho de 1989, reconheceu as aspirações dos povos indígenas e tribais para assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida, de seu desenvolvimento econômico e fortalecimento de suas identidades, línguas e religiões dentro do limite dos Estados em que vivem.

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1989 – Recomendação para a Salvaguarda das Tradições Culturais e Folclóricas Considera que o folclore é uma forma de herança universal da humanidade que agrupa diferentes pessoas e classes sociais em torno de uma identidade cultural,

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econômica e politicamente importante e presente na cultura contemporânea. 1994 – Exceção Cultural Essa discussão surgiu no âmbito da Rodada do Uruguai sobre Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT). 1995 – Relatório “Nossa Diversidade Criadora” “Nossa Diversidade Criadora” é o título da obra de Javier Pérez de Cuéllar que trata das novas perspectivas sobre as relações da cultura com o desenvolvimento. Fornece subsídios valiosos para ampliar a noção de desenvolvimento e ajudar os povos do mundo a abrir seus próprios caminhos sem perder a identidade e o sentido de comunidade. 1996 – Mercosul Cultural Criado em setembro de 2004, é uma experiência brasileira na formulação e na gestão de políticas públicas para as áreas de patrimônio cultural e museologia. Será partilhada com o Paraguai, por meio de dois projetos de cooperação firmados entre o Brasil e o país vizinho. 1996 – Declaração Universal dos Direitos Linguísticos Esta declaração parte do pressuposto de que a língua é o resultado da interação de fatores sociais, políticos, territoriais, históricos e ideológicos de determinada região, sendo considerada como expressão de uma identidade coletiva e distinta de apreender e descrever a realidade.

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1999 – Código Internacional de Ética para Comercialização de Bens Culturais A preocupação deste Código é relativa ao tráfego de bens culturais roubados, clandestinos e ilicitamente exportados. Tem como papel principal disponibilizar informações que permitam distinguir bens resultantes do comércio ilegal e procedimentos para a comercialização legal destes bens, com base no pressuposto de que o mercado de bens culturais tem um papel essencial no desempenho do comércio da difusão da cultura e na distribuição aos museus de obras de coleções estrangeiras, e grande fonte de educação e inspiração para os povos. 2000 – Acordo UNESCO – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP Este acordo foi realizado entre a CPLP e a UNESCO com o intuito de cooperarem em questões relacionadas à educação, às ciências exatas, naturais e sociais, à proteção do meio ambiente, da cultura, comunicação, e demais setores em que as duas organizações tenham tarefas e atividades semelhantes. Conforma-se no âmbito de um dos pilares da criação da UNESCO, que é atingir gradualmente, pela cooperação das nações do mundo nos domínios da educação, ciência, cultura e comunicação, os alvos da paz internacional e da prosperidade comum da humanidade. 2001 – Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural A declaração é o ato inicial de uma nova ética da UNESCO para o Século XXI, e busca ser um instrumento capaz de abranger as questões relacionadas com a diversidade cultural e o diálogo intercultural. 2001 – Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Subaquático Esta é a primeira Convenção a proteger o patrimônio submerso, entendido como todos os vestígios de existência humana que repousam atualmente sob a água e que possuem

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um caráter cultural e/ou histórico. São exemplos de patrimônio subaquático o Farol de Alexandria, no Egito, e os vestígios de naufrágios com mais de um século. 2002 – Declaração de Salamanca Declaração final da reunião dos representantes culturais dos territórios do continente europeu para debater os problemas coletivos e individuais do lugar que a Cultura ocupa dentro da União Europeia.

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2003 – Declaração sobre a Intenção de Destruição do Patrimônio Cultural Esta declaração expressa a preocupação sobre o crescente número de atos que intentam destruir o patrimônio cultural. A UNESCO busca assegurar a conservação e a proteção de livros, obras de arte e monumentos históricos, incentivando a realização de congressos internacionais, seminários e outras atividades na busca pela salvaguarda do patrimônio cultural. 2003 – Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial Após a adoção da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, em 1972, alguns Estados-membros manifestaram interesse em ver criado um instrumento de proteção do patrimônio imaterial. Este interesse resultou, em 2003, na elaboração da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, que entrou em vigor em 20 de Abril de 2006. Essa Convenção criou um Comitê Intergovernamental, encarregado de promover os objetivos buscados, por meio da divulgação de práticas exemplares e de recomendações sobre medidas de salvaguarda do patrimônio imaterial. 2003 – Criação da Secretaria da Diversidade e Identidade Cultural do MinC A Diversidade Cultural é finalmente implantada no Brasil e ganha atenção, na primeira gestão do governo Luiz Inácio Lula da Silva, com a criação da Secretaria da Identidade e da Diversidade

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Cultural no âmbito do Ministério da Cultura. Desde sua criação, a Secretaria desenvolve o Programa Identidade e Diversidade Cultural – Brasil Plural, que tem como objetivos garantir que os grupos e redes de produtores culturais responsáveis pelas manifestações características da diversidade tenham acesso aos mecanismos de apoio, promoção e intercâmbio cultural entre as regiões e grupos culturais brasileiros, considerando características identitárias por gênero, orientação sexual, grupos etários, étnicos e da cultura popular. 2005 – Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais Foi adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 2005 e ratificada pelo Brasil em 2007 a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. Essa nova Convenção constitui, juntamente com a Convenção de 1972, relativa ao patrimônio mundial, cultural e natural, e a de 2003, para a salvaguarda do patrimônio imaterial, um dos três pilares da promoção da diversidade criativa. Juntos, esses três instrumentos reforçam a ideia expressa na Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural (2001), de que esta última deve ser considerada um “patrimônio comum da humanidade” e sua defesa “um imperativo ético inseparável do respeito à dignidade da pessoa humana”. 2006 – Senado brasileiro aprova a Convenção da UNESCO sobre Diversidade das Expressões Culturais Foi aprovada pelo Senado brasileiro, no dia 19 de dezembro de 2006, a Convenção da UNESCO sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais. A proposta havia sido aprovada na Câmara Federal menos de um mês antes. A Convenção foi promulgada no Brasil pelo Decreto nº 6.177, de 1º de agosto de 2007.

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2006 – Carta Cultural Ibero-americana Mesmo sem citar a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, a Carta Cultural Ibero-americana inclui vários de seus conteúdos e desafios.

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2007 – Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas Negociada desde 1985, esta Declaração foi provada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 13 de setembro de 2007, com 143 votos a favor, dentre os quais o do Brasil. O documento é uma importante ferramenta para a defesa dos direitos dos povos indígenas em todo o mundo. Nele são colocados direitos à participação política; à terra, aos territórios e aos recursos naturais; ao consentimento prévio, livre e informado; às normas não escritas que regem internamente a vida das comunidades indígenas; e o direito de propriedade intelectual. 2007 e 2009 – 1ª e 2ª Conferências das Partes da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade Cultural A Conferência das Partes é um órgão plenário e supremo da Convenção da Diversidade Cultural. Essa conferência se reúne a cada dois anos com intuito de aprovar as diretrizes operacionais preparadas pelo Comitê Intergovernamental, adotar medidas, eleger membros do Comitê, além de adotar quaisquer outras medidas que considere necessárias para promover os objetivos da presente Convenção. Na primeira Conferência das Partes da Convenção para Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO, em 2007, estavam presentes as delegações dos 57 Países Partes da Convenção até então. Em junho de 2009, a Conferência das Partes reuniu representantes dos 98 países que já tinham ratificado a Convenção até aquela data.

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Em maio de 2010, a Convenção estava com 110 membros, sendo 109 países e uma organização de integração econômica regional, a Comunidade Europeia. 2007/2010 – Comitê Intergovernamental da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais O Comitê Intergovernamental da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), é integrado por um total de 24 países. O Brasil foi eleito membro desse Comitê, inicialmente para um mandato especial de dois anos (12 países foram sorteados para cumprir um mandato mais curto, de modo a permitir a renovação da metade dos membros a cada dois anos). Expirado esse primeiro mandato, em junho de 2009 o Brasil foi reeleito por mais quatro anos. O Comitê se reúne ordinariamente uma vez por ano, mas já realizou três reuniões extraordinárias. Ele tem trabalhado, principalmente, na elaboração de diretrizes operacionais para os artigos da Convenção, bem como na busca de formas alternativas para captação de recursos para alimentar o Fundo Internacional da Diversidade Cultural. 2010 – Abertura do primeiro processo de recepção de programas e projetos a serem financiados com recursos do Fundo Internacional da Diversidade Cultural Essas demandas foram avaliadas por uma comissão de especialistas nomeados pelo Comitê Intergovernamental (em dezembro de 2009). Em dezembro de 2010, o Comitê avaliou os projetos recomendados pelos especialistas e aprovou o financiamento de 31 projetos, sendo 19 de países da África e 8 de países da América Latina. O total de recursos aplicados nesses projetos será de mais de um milhão e meio de dólares.

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2012 – Países elaboram 1º relatório sobre implementação da Convenção. Os países que ratificaram a Convenção da UNESCO até o final de 2008 estão elaborando seus relatórios quadrienais, sobre como a estão implementando. A novidade desse relatório é a demanda formal da UNESCO de que a sociedade civil também

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participe. No Brasil, o relatório está sendo redigido pela equipe do Ministério da Cultura, com contribuições do Ministério das Relações Exteriores, Conselho Nacional de Política Cultural, Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, IPEA, Coalizão Brasileira pela Diversidade Cultural e do Observatório da Diversidade Cultural. 2012 – Declaração de Brasília – Acordo Brasil e Argentina Assinado em agosto de 2012 pelos Ministros da Cultura dos dois países, essa Declaração tem como objetivo o aprofundamento do diálogo e da cooperação bilateral e dá continuidade à implementação das ações conjuntas previstas na Declaração de Buenos Aires, de 15 de novembro de 2001, no âmbito do acordo de integração cultural entre Brasil e Argentina, de 10 de novembro de 1997. Em Brasília, os dois países concordaram em avançar na implementação de fóruns temáticos bilaterais nas áreas de políticas culturais, economia criativa e patrimônio cultural. Dispuseram-se, também, dentre outros temas, a trocar experiências relacionadas ao desenvolvimento de políticas que integrem cultura e educação, bem como aprofundar o intercâmbio de conteúdos culturais audiovisuais. 2013 – Relatório da ONU sobre Direitos Culturais Elaborado pela relatora especial das Nações Unidas na área dos direitos culturais, Farida Shaheed, o relatório sobre liberdade de expressão artística foi realizado por solicitação do Conselho dos Direitos Humanos, órgão oficial da ONU. Divulgado em março de 2013, o relatório mostra que:

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os direitos culturais se referem a um conjunto de questões, tais como a expressão e a criação, especialmente no âmbito de diversas formas materiais e não materiais de expressão artística; a informação e a comunicação; a língua; a identidade e o pertencimento a comunidades múltiplas, diversas e mutantes; a construção de sua própria visão do mundo e a liberdade de adotar um modo de vida específico; a educação e a formação; o acesso, a contribuição e a participação na vida cultural; o exercício de práticas culturais e o acesso ao patrimônio cultural material e imaterial. (Disponível em inglês: http://artsfreedom.org/ wp-content/uploads/2013/04/A-HRC-23-34_en.pdf )

2013 – Declaração do Suriname Nos dias 14 e 15 de março de 2013, a cidade de Paramaribo, no Suriname, acolheu o XIX Fórum de Ministros de Cultura e Encarregados de Políticas Culturais da América Latina e do Caribe, juntamente com a 1ª Reunião de Ministros de Cultura da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), que assinaram a Declaração do Suriname. Lembrando a importância simbólica dessa reunião, a Declaração afirma a decisão do grupo de “avançar no caminho da integração cultural da região, preservar o patrimônio cultural e promover a cultura a favor do crescimento econômico, da erradicação da pobreza e do desenvolvimento sustentável”, e ratifica “o respeito pela diversidade cultural que caracteriza as identidades latinoamericanas e caribenhas, enquanto sociedades multiétnicas, multiculturais e plurilinguísticas”. O documento também ratifica a importância dos direitos culturais no âmbito dos direitos humanos, e apoia a adoção: das medidas necessárias para recuperar e salvaguardar os conhecimentos e saberes tradicionais dos povos indígenas, das comunidades afrodescendentes, bem como das comunidades de outra origem geográfica e que hoje fazem parte das identidades latino-americanas e caribenhas.

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2013 – Relatório da UNESCO – Investir na Diversidade Cultural e no Diálogo Intercultural Esse segundo Relatório mundial visa fazer um balanço de tudo o que se diz, se pensa e se faz em nome da diversidade cultural, bem como identificar as condições necessárias para

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fazer da diversidade uma vantagem e não uma ameaça, uma fonte de renovação para as políticas públicas a serviço do desenvolvimento, da coesão social e da paz. A partir de análises das novas iniciativas, de exemplos, de estudos de casos e de boas práticas, esse relatório avança algumas pistas a serem exploradas para renovar as estratégias de desenvolvimento em

Disponível em espanhol: http://unesdoc.unesco. org/images/ 0018/001847/184755S. pdf

prol da erradicação da pobreza e da ação ambiental, e a favor de uma governança baseada no humano. 2013 - Declaração de Hangzhou O Congresso Internacional da UNESCO “Cultura: chave para o Desenvolvimento Sustentável”, realizado em Hangzhou, China, em maio de 2013, aprovou uma Declaração final que convida os governos, a sociedade civil e o setor privado a explorar a força da cultura diante dos desafios do desenvolvimento, tais

Disponível em: http://www.unesco. org/new/fr/unesco/ resources/the-hangzhoudeclaration-heraldingthe-next-era-of-humandevelopment/#sthash. cSECoF9B.dpuf

como a sustentabilidade ambiental, a pobreza e a inclusão social. Considerando que a cultura ainda não está plenamente integrada às estratégias de desenvolvimento sustentável através do mundo, a Declaração reúne exemplos de iniciativas que visam valorizar o papel indispensável da cultura para o desenvolvimento sustentável. Ela apela a que as políticas públicas levem em conta e intensifiquem a variedade das iniciativas realizadas nos níveis local e nacional. Lembrando o papel transversal da cultura numa variedade de áreas, a Declaração conclama os atores do setor cultural e de outros setores — como a educação, a saúde e o planejamento urbano — a integrar a cultura nas estratégias de crescimento social e de desenvolvimento.

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2013 – Consenso de Montevidéu sobre População e Desenvolvimento Resultado da 1ª Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latina e do Caribe, realizada em agosto de 2013, tendo como objetivo analisar o progresso da agenda regional de população e desenvolvimento nos últimos 20 anos, o Consenso de Montevidéu serviu de base para a 47ª Sessão da Comissão de População e Desenvolvimento do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) – Nova York, abril de 2014. O documento aborda diversas questões afeitas à pauta das políticas culturais, tais como: luta contra o racismo, a discriminação racial e a xenofobia, especialmente em relação aos afrodescendentes e aos povos indígenas; direitos humanos de jovens; igualdade de gêneros; envelhecimento e idosos; migrações; interculturalidade e direitos dos povos indígenas; e outros temas.

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Por uma cultura do público: planos de cultura e diversidade cultural

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José Marcio Barros Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/ Universidade Estadual de Minas Gerais/Observatório da Diversidade Cultural

José de Oliveira Jr SESC/MG/Observatório da Diversidade Cultural

Resumo A implantação do Sistema Nacional de Cultura, proposta de gestão compartilhada e estruturação das políticas de cultura no Brasil, a exemplo de outros países, apresenta-se como oportunidade e como desafio, pela necessidade de invenção da maioria das condições e das estruturas. Propomos discutir no presente artigo abordagens que possam ajudar a compreender melhor a extensão dos desafios que terão pela frente a União, os estados e municípios e, claro, a sociedade civil, na efetiva implantação do Sistema Nacional de Cultura, particularmente nos aspectos da legitimidade, da participação e da Gestão da Cultura, bem como a relação destes elementos com a promoção da diversidade de expressões culturais. Palavras-chave: Diversidade Sistema, Políticas Públicas.

Cultural,

Participação,

I Os Planos de Cultura, em processo de elaboração no Brasil, em cumprimento à Lei nº 12.343/2010, podem ser definidos como conjuntos de princípios, objetivos, estratégias, ações e metas que possuem uma tríplice característica. Expressam um

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novo modelo de participação social no debate e proposição de políticas públicas de cultura; são instrumentos de pactuação política e de planejamento, através dos quais se procura efetivar o desenvolvimento de políticas públicas de cultura; e buscam imprimir dinâmica, cooperação e uma cultura do acompanhamento e da avaliação em seu desenvolvimento. O caráter participativo e cíclico dos planos lhes confere legitimidade e dinamicidade no intrincado e complexo campo das políticas públicas, na medida em que se configuram como um contrato ou um planejamento de trabalho periódico que, acompanhado e avaliado, pode ser revisado de tempos em tempos, quando se repactua novamente um conjunto de estratégias e diretrizes, assimilando o que houve de positivo e repensando o que precisa de ajustes. Pensado e operacionalizado desta forma, como um pacto federativo estabelecido com base no Sistema Nacional de Cultura (SNC), prevê-se uma atualização decenal, o que pode manter seu vigor político e sua atualidade como instrumento de planejamento. Os Planos de Cultura não podem, entretanto, ser confundidos com manuais, nem engessar a dinâmica da elaboração e atualização das políticas públicas, sob o risco de se perder a abertura criativa para pensar novos formatos e novas motivações. Neste contexto, cabe pensar como efetivamente os Planos podem consolidar suas institucionalidades, considerando que seu objeto, a cultura, possui características complexas e muitas vezes de difícil acondicionamento institucional. É consensual o reconhecimento de que a temática cultura, a partir de meados do século passado, deixou de ser objeto exclusivo das formulações antropológicas, assumindo uma centralidade nos discursos e ações de inúmeros outros agentes sociais e campos de conhecimento. Tal processo acabou por evidenciar uma singular característica, a de que a cultura, simultaneamente, demanda, mas também desafia a criação e o fortalecimento de políticas públicas.

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Em sua dimensão simbólica, a cultura é, antes de tudo, um conjunto de modos de representação, de classificação e de produção e circulação de sentidos que, apesar de se materializarem em várias práticas e produtos, são eminentemente componentes e processos imateriais. Como revela Dias (2011), ao tornar a cultura objeto de gestão cultural,

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opera-se um reposicionamento de significados, que necessitam ser compreendidos com o devido cuidado e crítica. A cultura possui também uma complexidade desafiadora, na medida em que resulta em e é resultado de processos e padrões de interações humanas acionados por sujeitos e instituições portadores de capacidades, necessidades e possibilidades as mais diversas. Isso significa que aquilo que não é visível ou tornado visível pelas políticas públicas e seus processos de delineamento não deixa de existir e produzir e fazer circular sentidos. Decorre dessas duas características a possibilidade de se reconhecer a cultura como campo de contradições e paradoxos, no qual múltiplas tendências integradas e contrapostas, em contínuo processo de negociação, estabelecem níveis diversos de tensões e enfrentamentos políticos, simbólicos e econômicos. Políticas culturais, em contextos inclusivos e democráticos, enfrentam, portanto, este movimento político de identidades e práticas sociais nem sempre convergentes e cooperativas. Outra questão desafiadora refere-se ao fato de a cultura se desenvolver por meio de um processo de trocas e “contaminações”, pois o autóctone e o forasteiro, as tradições e as inovações, estabelecem entre si processos de contínua interação, com desfechos os mais diversos. Assim, as dimensões territoriais e setoriais dos planos e políticas encontram os desafios colocados por outras dinâmicas de trocas que não coincidem com as delimitações institucionais.

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Se a principal missão dos Planos é a de criar um contexto favorável ao desenvolvimento do direito à cultura, as próprias características de seu objeto precisam ser consideradas como centrais nos esforços. Assim fazendo, podemos controlar o grave risco de tomar a cultura como adjetivo e não como substantivo das políticas públicas. Mas, em igual intensidade, a dinâmica infindável da cultura parece também não caber dentro das políticas culturais. Sistemas possuem características de regularidade, semelhança e comunicação que lhes dão operacionalidade. Segundo Luhmann (2009), o maior problema no trato com os sistemas é que eles só funcionam bem quando há cooperação entre os envolvidos, um conjunto de regras e formatos operativos relativamente estáveis e, principalmente, uma abertura para esse conjunto de regras e formatos. Precisamos lidar com a mesma dinâmica citada anteriormente como parte dos sistemas de cultura propostos: A relação entre sistemas técnicos e sistemas de sentido pode também ser formulada com a terminologia sugerida por Heinz von Foerster: a diferença entre máquinas triviais e não triviais [...] A palavra máquina é aqui considerada no sentido cibernético. Trata-se de fórmulas matemáticas, cálculos, regras de transformação, e não necessariamente de um artefato eletrônico ou mecânico. Nesse contexto, as máquinas triviais se definem como aquelas nas quais certos inputs, supostas regras de transformação específicas, devem produzir Outputs determinados [...] as máquinas triviais são artefatos altamente confiáveis e prognosticáveis. Nas máquinas não triviais, em contrapartida, todos os inputs têm de passar pela prova do estado momentâneo, que reforça os desvios, no qual se encontra a máquina. Perguntas tais como: quem eu sou, qual é a minha disposição de ânimo, o que tenho feito, como levo adiante meus interesses? são as que regulam a produção do output [...] Quando se faz uso desse vocabulário, fica claro que os sistemas de consciência não são máquinas triviais. (LUHMANN, 2009, p.108-109)

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II Mesmo sendo instrumentos de ação pactuada entre instituições, organizações e sujeitos que precisam ultrapassar as representações e demandas localizadas e individualizadas, paradoxalmente, os Planos devem expressá-las, sob o risco de não haver comprometimento. Como um processo de

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construção e identificação de intervenções na realidade cultural, apresentam opções deliberadas que, pelo menos na perspectiva ideal, devem expressar consensos sobre a realidade atual e um futuro que se pretende construir. Há, portanto, em sua construção, o embate entre dimensões individuais, corporativas e coletivas, além de perspectivas que tensionam presente e futuro. Se os Planos de cultura não podem ser pensados como catálogos de serviços de instituições e muito menos como cardápios de desejos e sonhos dos cidadãos, seus efeitos, contudo, devem atender demandas e o simbólico e imaginário dos cidadãos. Surge aqui a possibilidade de se ampliar a noção usual sobre Planos, concebendo-os não como um fim em si mesmo, mas como processos mediados por tensões e paradoxos e como meios através dos quais visões de futuro são delineadas em consenso. Neste sentido, a possibilidade de se tratar Políticas Públicas de Cultura pelo viés da sustentabilidade, deixa de expressar especificamente a relação entre oferta e procura, e passa a conjugar expressões complexas do simbólico, do político e do econômico. Sustentabilidade passa a se referir ao modo como produzir articulações transformadoras entre passado e presente, indivíduo e coletivo, imaginário e vivido. Assim, de um Plano de Cultura deve-se esperar que seja capaz de pensar a articulação das diversas dimensões da cultura no espaço/tempo da cidade, pois é em sua territorialidade e nos seus processos que a cultura é efetivamente vivida. Assim, a mobilidade e a acessibilidade urbana devem ser tomadas como condição para que os fluxos, deslocamentos, interesses expressos e não expressos possam existir.

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Espera-se, também, a facilitação dos encontros, a criação de possibilidades de trocas, de conhecimento das expressões do seu próprio local e de expressões culturais de outras partes do país e do mundo. Planos devem garantir ainda as conexões da cultura com a saúde, com a tecnologia, com o trabalho, com a educação, com a infraestrutura, com a economia, com o planejamento urbano, com as comunicações, ou seja, as conexões que compõem este intrincado, complexo e desafiador tecido conhecido como cidade. III Constitui-se uma espécie de consenso hoje, a afirmação de que, no Brasil, boa parte das dificuldades encontradas no campo das políticas culturais têm sua raiz na falta de planejamento adequado e capacidade de execução. Acreditase que tanto os governos quanto agentes culturais e artistas atuem mais de forma reativa a problemas pontuais, do que através da capacidade criativa de planejar e prever situações. Neste sentido, estabelecer um planejamento adequado, dimensionar os esforços e recursos necessários, acompanhar de modo mais preciso a execução das ações e avaliá-las de modo objetivo são ações consideradas fundamentais, quando se pensa em políticas públicas, que atendam ao interesse coletivo. Entretanto, cabe aqui a indagação: tais ações também não carregam em si modelos culturais não universais? Como pensar a diversidade cultural e a dimensão sempre normativa do planejamento? Segundo Easton, o caráter mais significativo da questão das políticas é a capacidade de mobilizar outros (APOIOS) para suas pretensões ou prioridades (DEMANDAS). Para o autor, o ambiente político é fundamentado nesta dinâmica, e o processo de tomada de decisão é marcado pela capacidade de mobilizar criativamente apoios. Para cada proposta de intervenção que determinado indivíduo ou grupo apresenta, é necessário reunir elementos que possibilitem mobilizar apoio (técnico, financeiro, político ou institucional).

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Isso ajuda a explicar porque a elaboração de Planos de Cultura não se limita a processos ou fluxos de planejamento, mas inclui também sujeitos, concepções e práticas de difícil catalogação em tipologias restritivas. De certa forma, há uma diversidade de modos de ser e conceber o mundo, cada qual expressando legitimidades próprias que desafiam o processo e o objetivo de se construir consensos.

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A diversidade cultural é, forçosamente, mais que um conjunto de diferenças de expressão, um campo de diferentes e por vezes, divergentes modos de instituição. Chamo a isso, modos de instituir, de modelos de gestão. Para além de reconhecer a necessidade de se construir competências gerenciais nos diferentes campos culturais, o desafio parece ser o de estar atento para os modos de gestão que se fazem presentes nos diferentes padrões culturais. Reconhecer na diversidade cultural apenas a presença de diferenças estéticas é simplificar a questão. Há sempre, e é isso que torna a questão complexa, a tensão política e cognitiva de diferentes modelos de ordenamento e gestão. Diversidade cultural é a diversidade de modos de se instituir e gerir a relação com a realidade. (BARROS, 2011, p.21)

Campusano (2009), ao descrever o processo de construção de planos municipais de cultura entre os anos de 2005 e 2009 no Chile apresenta oito dimensões fundamentais que devem alimentar a construção de estratégias e que aqui, podem nos ajudar a responder ao desafio de se articular planejamento, políticas públicas e diversidade cultural. São elas:

A.   Coesão social: Caracterização e percepção coletiva da realidade local, em termos de pertencimento a um lugar, a desigualdade de acesso, o desenvolvimento de capital cultural, do estímulo à igualdade;

B.   Institucionalidade: Criação, institucionalização e legitimação de um sistema de cultura mais “participativo”, menos “normativo” e capacitação dos recursos humanos dos órgãos e conselhos de cultura no sentido de conseguir

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articular os vários atores sociais em torno das metas do plano de cultura. O exercício da institucionalização é que garantirá solidez e estabilidade às definições dos planos. Por isto, é fundamental que haja continuamente preparação para os momentos de definição das estratégias e dos direcionamentos que podem tornar-se marcos legais;

C.   Consumo cultural: Caracterização das tendências de consumo e dos “déficits” de acesso e consumo a determinados bens e serviços culturais. Os bens culturais, seus significados e símbolos, são ressignificados através do consumo cultural, que expressa também, prioridades e aspirações culturais de uma sociedade;

D.   Educação e Cultura: Compreender a formação cultural

como

recurso-chave

no

processo

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aprendizagem alimentando a criatividade e a inovação. Cultura e Arte contribuem para o desenvolvimento integral das pessoas, provocando sensibilidade criativa e capacidade de perceber, expressar, criar e produzir conhecimentos tanto sobre a memória social quanto sobre as inovações e tendências emergentes;

E.   Identidade Cultural: Conhecimento e valorização da memória e patrimônio comum do local onde se vive de forma a reforçar o sentido de pertencimento a uma comunidade, pela participação em um conjunto de aspectos compartilhados coletivamente, não só em termos geográficos. Desta forma, acredita-se ser possível criar um ambiente favorável para compreender a identidade não como um conceito fixo e excludente, mas como algo recriado individual e coletivamente e alimentado continuamente por influências tanto interiores quanto exteriores;

F.   Diversidade Cultural: A diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade das identidades dos grupos e sociedades. O pluralismo cultural é fonte de inovação, intercâmbio e criatividade, garante o livre fluxo de ideias

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e favorece o desenvolvimento das capacidades criadoras que alimentam a vida pública e as trocas humanas. Daí a necessidade de se construir políticas específicas para que o novo encontre lugar e possa rearranjar a cidade, bem como para que todas as culturas possam expressar-se e fazer-se conhecer;

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G.   Minorias e grupos excluídos: criação de estratégias para valorizar e promover a interação criativa entre grupos minoritários na cidade. Conhecê-los, registrá-los, difundir suas peculiaridades ao conjunto da sociedade, incorporálos no conjunto de práticas educativas e artísticas de modo a incentivar sua inclusão no universo plural da cidade, são ações necessárias;

H.   Financiamento cultural: Além de definir recursos específicos que garantam condições materiais para o desenvolvimento da criatividade, se mostra necessária a disponibilização de base de dados sobre fontes de financiamento de variadas origens, de forma a contribuir para a realização dos projetos criativos de artistas e comunidades. Como um conjunto organizado, estas dimensões orientaram

um

grande

programa

multianual

de

desenvolvimento do ambiente das políticas de cultura no Chile e, ressalvadas as diferenças entre o Brasil, podem servir como uma referência para os desafios nacionais. Mais do que a busca por modelos ou manuais, o desafio é o de se encontrar formas criativas de garantir tanto institucionalidade, articulando políticas de Estado para a Cultura, com participação social e mecanismos de controle social. Kunzler (2004), estudiosa de Luhmann, afirma que os sistemas são formas importantes de busca de coesão social: “o sistema político reduz a complexidade do ambiente, ou seja, mantém uma ordem na sociedade, uma vez que suas decisões são obedecidas por todos. Diante disso, é possível compreender que a função do sistema político é emitir decisões coletivamente vinculantes” (p.134).

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IV Decorre desta perspectiva o reconhecimento de que o diálogo e a negociação constituem parte central do processo, construindo alternativas coletivas e públicas. Compreender a escala de participação como processo de negociação de projetos políticos e significados simbólicos se apresenta como pré-requisito para a superação das práticas normativas de planejamento de políticas públicas. Arnstein (1969) afirma existirem oito degraus de participação social, os quais “estão dispostos em forma de uma escada, onde cada degrau corresponde ao nível de poder do cidadão em decidir sobre os resultados”. Dos níveis apresentados, o mais comumente utilizado nas políticas públicas de cultura no Brasil é a Consulta. Mesmo tendo grau de legitimidade, a consulta não garante que a participação tenha desdobramentos concretos e apresenta certos perigos: Solicitar a opinião dos cidadãos, assim como informá-los, pode ser um passo legítimo rumo à participação. Mas se a consulta não estiver integrada com outras formas de participação, este degrau da escada continua sendo uma vergonha na medida em que não oferece nenhuma garantia de que as preocupações e ideias dos cidadãos serão levadas em consideração. As pessoas são vistas basicamente como abstrações estatísticas e a participação é medida pelo número de pessoas presentes nas reuniões, quantos folhetos foram distribuídos ou quantas pessoas foram entrevistadas. O que os cidadãos tem certeza em todas estas atividades é que elas “participaram da participação”. E o que os tomadores de decisão conseguem é a evidência de que eles cumpriram as normas de envolver “aquelas pessoas”. (ARNSTEIN, 1969, p. 219)

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Ou seja, “... a participação sem redistribuição de poder permite àqueles que têm poder de decisão argumentar que todos os lados foram ouvidos, mas beneficiar apenas a alguns. A participação vazia mantém o status quo”. Por este motivo é tão importante compreender como se processa a participação para definir sua efetividade na definição de decisões concretas

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que garantam equidade, ou seja, a igualdade de acesso aos direitos entre os diferentes. Trata-se do desafio de buscar todos os níveis de participação social, além da invenção de modos criativos de mobilização dos diversos setores da sociedade na construção de planos de cultura. Ao mesmo tempo que as instância de representação e deliberação se mostram como importantes instrumentos para a efetivação dos sistemas e planos de cultura, exigem, por outro lado, uma atenção particular para não se tornarem espaços de exclusão mais que de participação cidadã. Segundo Albuquerque (2004) é necessário superar os limites do simples levantamento de opiniões, para poder atingir um planejamento efetivamente dialógico, no qual a informação e o debate movem a construção de consensos que representem a um só tempo o particular e o coletivo. Uma das formas de enfrentar este desafio é a qualificação da participação tanto individual e coletiva, visando o interesse público: O desafio da qualificação técnica e política, que já apontamos, tem gerado uma relação mais cotidiana das lideranças populares com assessores, ONGs, universidades e entidades profissionais, com o objetivo de apropriar-se tanto de conhecimentos técnicos relativos às políticas públicas como dos trâmites administrativos que lhes são próprios. Além desse conhecimento técnico, é preciso aprender a prática da negociação, uma outra forma de lidar com o conflito, o “confronto propositivo”, diferente dos confrontos característicos da fase mais reivindicativa dos

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movimentos. Estas duas formas de qualificação exigem das lideranças que revejam a forma “desconfiada” com que tradicionalmente relacionavam-se com o saber técnico, com as negociações e alianças políticas. Acumular conhecimento e experiência suficientes para poder moverse seguramente nos espaços de governo, sem o temor de perder sua identidade, ou de ser manipulado por atores com maior acesso ao saber e ao poder, é um processo longo e difícil. (ALBUQUERQUE, 2004, p.57)

BARROS (2009) alerta para a importância da qualidade da participação da sociedade civil e da definição clara de responsabilidades para que haja efetividade de políticas públicas para a área: Outro componente central de uma política cultural pública refere-se ao pressuposto da participação e do controle social. As políticas públicas decorrem de necessidades sociais e, portanto, carecem de atenção, colaboração, acompanhamento e intervenção da sociedade civil ao longo de todo o processo. Entretanto, tal participação, quando desprovida da capacidade de conhecer as realidades, interpretá-las e, assim, propor modos de intervir, acompanhar e avaliar e se institucionalizar, permanece no limite de uma participação formal, na qual os meios acabam por substituir os fins. No contexto de implantação de um Sistema Nacional de Cultura, a discussão de uma política cultural exige, necessariamente, a articulação entre os entes institucionais federativos — município, estado e federação — e a sociedade civil, ao custo de manter o divórcio republicano ainda existente no país, que resulta tanto em vazios de responsabilidades e atuação quanto em excessos e sobreposições de efeitos. (BARROS, 2009, p.64-65)

Mas como enfrentar os desafios que a participação social apresenta no mundo contemporâneo? ARENDT (1989) problematiza a questão alertando para o fato de que o espaço público não se configura como o espaço de soluções

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individuais e setoriais. Segundo ela, “a vida pública assume o aspecto enganoso de uma soma de interesses privados, como se estes interesses pudessem criar uma nova qualidade através da mera adição.” (p.179) Em tempos nos quais a individualidade possui não só valor

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cultural, mas se configura como um direito, como enfrentar o risco da exacerbação das posições pessoais em detrimento de posições de interesse coletivo ou público? O Sistema Nacional de Cultura (SNC) e seus instrumentos enfrentam o desafio de promover o equilíbrio entre a abertura ao novo e ao inesperado e a exigência de operacionalidade e eficácia. Desse equilíbrio entre abertura e operacionalidade é que se pode aferir o grau de legitimidade e adequação à promoção da diversidade cultural. Para tanto, a metodologia do SNC prevê a realização de fóruns territoriais, temáticos e setoriais permanentes, de forma a aprimorar a qualidade dos diálogos para a construção de interesses comuns e coletivos.

Considerações finais A título de síntese, dois desafios parecem se destacar no processo de construção de Planos de Cultura, especialmente quando se considera a necessidade de se relacionar a diversidade cultural, o planejamento e as políticas públicas de cultura. O primeiro é o de inventar e reinventar continuamente os modos de se compreender e empreender políticas públicas para a cultura, tomado como o exercício contínuo e nem sempre fácil, de relacionar os movimentos instituintes e os produtos instituídos, no sentido que Felix Guatarri empresta à questão. Quando o instituído tende à permanência, é a força instituinte, fruto de processos participativos, que pode promover as atualizações e rupturas necessárias. Entretanto, ao contrário de uma visão polarizada, essa relação deve ser pensada em sua dinâmica e circularidade:

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O instituinte é um processo produtivo-desejante, de característica dinâmica, enquanto o instituído é o resultado desse processo e que tem característica estática e estável. Sobre estas características é importante dizer que não significa que o instituinte seja bom e o instituído seja ruim, embora seja verdade que por suas naturezas o instituído tem uma disposição a não mudar e o instituinte aparece como uma atividade revolucionária, criativa e transformadora. Na realidade não teria sentido este jogo de forças se o instituinte não se materializasse no instituído, e por outro lado o instituído não seria funcional se não estivesse permanentemente abertos a potência do instituinte. (LIMA&RIANI, s/d)

O segundo é o desafio de, ao se buscar o envolvimento mais ampliado o possível dos diversos setores da sociedade brasileira, considerar que em suas diferenças tais setores carregam modelos de participação política e práticas de gestão igualmente diferentes. Estimular e incorporar a participação dos cidadãos de modo regular e sistemático representa também o desafio de se abrir às diferentes lógicas de ação e representação próprias de seus universos culturais. Não se trata aqui de reiterar a incomunicabilidade decorrente das singularidades culturais, mas de se incorporar o desafio dos diálogos interculturais. Planos de Cultura, para além de seu papel normativo, devem expressar o desafio que se impõe para os diálogos entre os diferentes, de forma a consolidar a diversidade cultural não como um mosaico de diferenças incomunicantes, mas como o projeto político-antropológico do diálogo inter e transcultural.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, Maria do Carmo. Participação cidadã nas políticas públicas. In.: FUNDAÇÃO Konrad Adenauer. Participação Cidadã: Novos conceitos e Metodologias. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2004.

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ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo, Companhia das Letras, 1989. ARNSTEIN, Sherry R. A Ladder of Citizen Participation. Journal of the American Institute of Planners, Vol. 35, No. 4, July 1969, pp. 216-224. Boston: American Institute of Planners. BARROS, José Márcio. Processos (trans)formativos e a gestão da diversidade cultural. In.: CALABRE, Lia (org.). Políticas culturais: reflexões sobre gestão, processos participativos e desenvolvimento. São Paulo: Itaú Cultural ; Rio de Janeiro : Fundação Casa de Rui Barbosa, 2009 BRASIL. Lei n. 12.343 de 2 de Dezembro de 2012. Institui o Plano Nacional de Cultura – PNC. Diário Oficial da União, Brasília, 3 dez. 2010. Seção 1, p. 1. CAMPUSANO, Antil Camacho (org.). GUÍA metodológica para el desarrollo de Planes Municipales de Cultura. Valparaíso: Oficina de Infraestructura y Gestión Cultural, 2009. DIAS, Caio Gonçalves. A cultura como conceito operativo: Antropologia, Gestão Cultural e algumas implicações políticas desta última. PragMATIZES – Revista Latino Americana de Estudos em Cultura. Ano I nº 1, (JULHO 2011). p. 18 a 34. EASTON. David. An Approach to the Analysis of Political Systems. 1957: World Politics, Vol. IX, pp. 393-400 KUNZLER, Caroline de Morais. A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Revista Estudos de Sociologia. Araraquara, 2004. LIMA, Dalva Aparecida & RIANI Érika. Análise institucional e intervenção institucional, disponível em: http://www.fgbbh. org.br/artigos/analise_e_intervencao_institucional.htm LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos Sistemas. Petrópolis, Rio de Janeiro. Vozes, 2010.

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O Programa Cultura Viva e a Diversidade Cultural. Comunicação, cultura e cidadania

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José Márcio Barros Paula Ziviani Pontos de cultura: olhares sobre o Programa Cultura Viva/ organizadores: Frederico Barbosa, Lia Calabre.- Brasília: Ipea, 2011. P. 61 a 88

Introdução Este texto procura explorar a presença de princípios e práticas de proteção e promoção da diversidade cultural no Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva. Para tanto, são trabalhadas três dimensões complementares: a dimensão das proposições e idealidades, contidas na proposta do Programa, a maneira como estas são articuladas como atitudes e práticas por aqueles que participam dos Pontos de Cultura e a descrição da realidade encontrada pela pesquisa, elaborada com base na experiência do campo e na fala dos gestores entrevistados. Para a primeira abordagem, foram examinados os documentos que definem os objetivos e princípios do Programa. Na segunda dimensão, foram examinadas as informações da pesquisa de avaliação realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, durante o ano de 2008. A última perspectiva foi estruturada a partir dos resultados do grupo focal realizado com os pesquisadores que foram a campo, as

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observações dos cadernos de campo e as questões abertas do questionário respondido pelos gestores dos Pontos de Cultura. Entende-se por diversidade cultural as variadas maneiras com que, a partir das diferenças simbólicas e identitárias, são construídos modelos e práticas de interação e trocas, que configuram possibilidades de um diálogo intercultural. Assim pensada, a diversidade cultural não se caracteriza como uma decorrência natural das diferenças colocadas em contato, mas como resultado de uma intencionalidade capaz de articular o simbólico e o político na consolidação de uma sociedade pluralista. Trata-se aqui de uma superação da perspectiva da exceção cultural como mecanismo de proteção das diferenças culturais e sua integração com as questões dos direitos humanos e desenvolvimento, por meio do conceito da diversidade cultural. Nesse ponto, são dois os marcos políticos e jurídicos internacionais: a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, de 2001, e a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, de 2005, ambos os documentos elaborados pela UNESCO. Diante do exposto, é possível afirmar que a diversidade cultural configura-se como um projeto político em andamento, resultado de uma ação deliberada. Os elementos que a constituem perpassam essencialmente pela variedade de referências que define o modo de vida de um povo, consequência de suas mediações culturais, tradições, idioma e história. A sociedade se caracteriza e se constitui por diferentes identidades simbólicas, resultante de processos criativos das ações humanas, uma ampla variedade de experiências, que representa a singularidade de cada povo. (BARROS; ZIVIANI, 2009, p. 9)

Assim, com vistas a atingir o objetivo proposto, o texto foi organizado em três seções correspondentes às dimensões analisadas.

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Primeiras aproximações: a diversidade cultural no campo das proposições O Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva revela, em sua própria denominação e configuração original e, especialmente, em seu processo de implantação e desdobramento, uma significativa e singular proximidade com

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a diversidade cultural. Implementado em 2004, durante a gestão do Ministro Gilberto Gil, e tendo a perspectiva de realizar um “do-in antropológico” no país, por meio de centenas de iniciativas da sociedade civil e de organismos públicos, denominados Pontos de Cultura, o Programa segue a pleno vapor, a despeito dos problemas de ordem gerencial, que diminuem seu vigor e sua capacidade de gerar novos cenários. Um dos principais objetivos do Programa é o de promover a acessibilidade à cultura, que se refere à extensão do acesso da população como um todo à política cultural, independentemente de segmento, expressão cultural, condição social ou posição geográfica. Ou seja, o foco primordial consiste em garantir o exercício da cidadania cultural no Brasil com a ampliação das bases de acesso, como os meios de fruição, produção e difusão cultural — capazes de aumentar as possibilidades do fazer artístico —, a extensão do financiamento público, o aprimoramento e a reutilização de equipamentos culturais existentes e, consequentemente, o alargamento das condições para que os projetos culturais da sociedade — em especial, os das comunidades menos favorecidas — sejam contemplados. O Programa se fundamenta no reconhecimento do papel estratégico da cultura como base da construção e preservação da identidade brasileira, entendida no plural, e como espaço para conquista plena da cidadania, instrumento para a superação da exclusão social, por meio do fortalecimento da autoestima da população e da capacidade da cultura de gerar empregos e atrair investimentos (MINC, 2006). Tais reflexões têm posição de destaque nos pressupostos conceituais que orientaram a concepção do Programa Cultura Viva, assim como

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se espelham nas linhas de ação estruturantes da proposta e, o mais importante, guiam a rede de práticas que o torna vivo e dinâmico. As diretrizes básicas da cidadania cultural referem-se à universalização do acesso aos bens e serviços culturais com base no direito de todo cidadão de produzir cultura, ser criador e transformador de símbolos; participar das decisões políticas e do processo de gestão pública da cultura; ter acesso à sistemas públicos de informação, por meio dos quais se manterá informado sobre os serviços culturais e sobre a realidade cultural de seu país; ter formação cultural e artística em esferas públicas e privadas; espaços para reflexão e debate; acesso à infraestrutura tecnológica para produção e divulgação em diferentes mídias; direito à informação e à comunicação, que abrange o direito de produzir informação e divulgá-la; assim como o direito à diferença, que significa tanto ter oportunidades de descobrir a variedade de culturas que compreendem o patrimônio de sua sociedade e da humanidade, como exprimir sua própria cultura de forma diferenciada, longe de coibição ou subordinação. Além dos pontos levantados, é importante destacar que o Cultura Viva apresenta “a questão do direito à cultura sobre uma outra perspectiva — não mais do acesso aos bens produzidos, mas também aos meios de produção e disseminação — e estende a compreensão do que de fato se produz culturalmente na sociedade brasileira” (DOMINGUES, 2007, p. 365). Segundo o autor, o Programa inaugura um processo de construção de políticas públicas culturais, que parece seguir com base em mediações plurais e inclusivas. Há uma deliberada inversão da prática até então comum, em que a preocupação centrava-se no acesso aos bens e serviços, caracterizando uma democratização da cultura, para focar-se na ampliação do acesso aos meios de produção e a incorporação de novos atores, o que consolida uma democracia cultural.

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Outro aspecto que se apresenta como estruturante do Programa refere-se à inclusão e à articulação de diversos segmentos étnicos e culturais, com base territorial em várias regiões do país, e ancorados numa pluralidade de formas simbólicas e linguagens expressivas, tudo isso a partir do reconhecimento dos vínculos locais. Seu grande diferencial

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consiste em contemplar as iniciativas culturais que se localizam e envolvem a comunidade. Trata-se de uma proposta que parte do que já existe e é desenvolvido pela comunidade e que, ao receber subsídios e recursos por intermédio do convênio estabelecido entre governo e comunidade, passa a ser reconhecido pelo Estado conforme o plano de trabalho concebido por eles próprios. A tônica principal reside na ideia lançada pelo ministro Gilberto Gil de identificar os pontos de cultura que já existiam no Brasil, com vistas a potencializálos, dando vazão à dinâmica própria das comunidades. Nesse aspecto, o papel do MINC foi o de agregar recursos a iniciativas já existentes, oferecendo oportunidades para que a comunidade desenvolva, amplie e aprimore o que já vinha sendo feito. No que se refere ao público foco, este foi definido como as populações de baixa renda, que habitam áreas com precária oferta de serviços públicos, tanto nos grandes centros urbanos como nos pequenos municípios; adolescentes e jovens adultos em situação de vulnerabilidade social; estudantes da rede básica de ensino público; habitantes de regiões e municípios com grande relevância para a preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental brasileiro; comunidades indígenas, rurais e remanescentes de quilombos; agentes culturais, artistas e produtores, professores e coordenadores pedagógicos da educação básica e militantes sociais que desenvolvem ações de combate à exclusão social e cultural (MINC, 2004). Além da observância do público, para concorrer ao edital, as propostas devem preservar princípios como autonomia, protagonismo e empoderamento dos agentes culturais, com vistas a implementar uma gestão compartilhada e transformadora entre poder público e comunidade. Como

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se vê, a ideia-força do Programa está na presença, desde suas origens, da diversidade cultural como elemento configurador, nas dimensões simbólica, econômica e, especialmente, política. O Cultura Viva, enquanto um programa nacional de educação, cultura e cidadania, inscreve, desde seu início, uma proximidade e aderência à diversidade cultural, entendida como projeto de cooperação e interação entre as diferenças. Destacam-se alguns pontos a seguir. A ideia de nação - Ao se definir como um programa nacional, o Cultura Viva opta por atuar com e em diversos contextos socioculturais que integram o país. A ideia de nação é aqui tomada não como unidade geopolítica, mas como experiência totalizante que se figura pela presença e pela experiência das diferenças. Duas ideias-mestras confirmam tal perspectiva, que busca evitar posturas patrimonialistas que reduzem a nação a um conjunto de representações prédefinidas por instâncias de legitimação simbólica. A primeira delas refere-se à concepção de nação para além da unidade e da identidade, configurando-se pela pluralidade de sujeitos e formas de construção de seu pertencimento à nação. O Brasil que o Cultura Viva reconhece é aquele feito pelas diversas formas de ser brasileiro, nos diferentes contextos socioculturais, motivo pelo qual a proposta se caracteriza como um “programa flexível, que se molda à realidade, em vez de moldar a realidade” (GIL, 2004, p. 9). Ser um programa nacional significa reconhecer e estabelecer elos entre os diversos segmentos em diferentes territórios identitários. O Programa se configura como uma ação de Estado que potencializa em três dimensões complementares — simbólica, cidadã e econômica — as culturas locais, marcadas por suas diferenças e capacidades de reafirmação do que se é e daquilo que se pretende construir. A nação que o Cultura Viva concebe é um misto de um mosaico de diferenças antropológicas e um projeto político de articulação e interação que possa formar uma teia dinâmica e solidária.

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O nome Ponto de Cultura surge do discurso de posse do ministro Gilberto Gil, “um do-in antropológico, um massageamento de pontos vitais da Nação”. E que Nação é essa? De certo não é uma massa compacta e estática e muito menos um conjunto de estereótipos e tradições inventadas. A Nação para a qual olhamos precisa ser vista como um

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organismo vivo, pulsante, envolvido em contradições e que necessita ser constantemente energizado e equilibrado. Uma acupuntura social que vai direto ao Ponto. “Quando há vida, há inacabamento” (Paulo Freire, educador), mais processo e menos estruturas pré-definidas, menos fossilização e mais vida. (TURINO, 2004, p. 16)

Daí o aspecto de projeto de utopia por meio do reconhecimento de trajetos e percursos entre o passado, o presente e o futuro, configurados como idealidade possível. Como afirma Milton Santos (2000, p. 71), “a utopia deve ser construída a partir das possibilidades, a partir do que já existe como germe e, por isso, se apresenta como algo factível”. O reconhecimento da presença e não a lamentação da falta - Como decorrência da perspectiva de nação, enquanto realidade e projeto, o Programa assume uma sutil, mas importante posição em sintonia com a questão da diversidade cultural. Mais do que apontar faltas e ausências, seu alicerce se encontra na presença das trajetórias históricas, nas competências empreendedoras e na riqueza simbólica dos protagonistas da cultura. Os brasileiros, suas comunidades e territórios, são afirmados como portadores de potência identitária, criativa e transformadora, que até então eram desconhecidas e negadas pelas políticas públicas. Há, portanto, uma inversão política importante. Ao contrário de se justificar o Programa pelo reconhecimento de uma ausência e/ ou incapacidade localizada na sociedade civil, o Cultura Viva afirma a existência de uma rica e diversa experiência cultural que, anterior e mais ampla que as instituições, permanecia

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invisível ao Estado. Percebe-se um sentido de reparação e inclusão positiva, que encontra em Carlos Fuentes, citado por German Rey, uma importante referência: A cultura vai diante da Nação e das suas instituções” -escreveu o mexicano Carlos Fuentes-. “A cultura, ainda que seja mínima e rudimentária, é anterior às formas de organização social, e ao mesmo tempo exige-as. Distintas formas de cooperação y divisão do trabalho acompanharam, desde a alba da história, o desenvolvimento das técnicas, a difusão dos conhecimentos e dos conflitos que estão na origem das fricções entre as línguas, os costumes e o território [...] Ao longo deste processo vão-se criando maneiras de ser, maneiras de comer, de caminhar, de se sentar, de amar, de comunicar, de vestir, de cantar e dançar. Maneiras de sonhar também. (Carlos Fuentes, 2002, p. 67 apud REY, s.d, p. 1)

Esta inversão de perspectiva e de justificativa para a ação pública tem uma estratégica importância no desenho da ação, por meio de uma modelação dinâmica, que busca conjugar um standard de atuação — Cultura Digital, Ação Griô e Escola Viva — a modelações locais que garantam que o programa tenha “a cara” de seus protagonistas. Como afirma Célio Turino (2004, p. 15-16), o Cultura Viva busca contribuir para um Estado ampliado, moldado à imagem de seu povo — “por isso potenciar o que já existe. Acreditar no povo, firmar pactos e parcerias com o que o Brasil tem de melhor: o brasileiro”. A articulação cultura, educação e cidadania - Neste nível propositivo, o Programa adota o que mais recentemente os cientistas políticos chamam da construção de uma nova cidadania (DAGNINO, 1994). Emancipada de um essencialismo liberal que transfere à sociedade civil responsabilidades até então do Estado, agora minimizado em suas funções, a sociedade civil é chamada a figurar como sujeito ativo de um processo cujos pilares indispensáveis são o Estado e as políticas públicas.

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A então chamada nova cidadania, ou cidadania ampliada começou a ser formulada pelos movimentos sociais que, a partir do final dos anos setenta e ao longo dos anos oitenta, se organizaram no Brasil em torno de demandas de acesso aos equipamentos urbanos como moradia, água, luz, transporte, educação, saúde, etc. e de questões

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como gênero, raça, etnia, etc. Inspirada na sua origem pela luta pelos direitos humanos (e contribuindo para a progressiva ampliação do seu significado) como parte da resistência contra a ditadura, essa concepção buscava implementar um projeto de construção democrática, de transformação social, que impõe um laço constitutivo entre cultura e política. Incorporando características de sociedades contemporâneas, tais como o papel das subjetividades, o surgimento de sujeitos sociais de um novo tipo e de direitos também de novo tipo, bem como a ampliação do espaço da política, esse projeto reconhece e enfatiza o caráter intrínseco da transformação cultural com respeito à construção da democracia. Nesse sentido, a nova cidadania inclui construções culturais, como as subjacentes ao autoritarismo social como alvos políticos fundamentais da democratização. Assim, a redefinição da noção de cidadania, formulada pelos movimentos sociais, expressa não somente uma estratégia política, mas também uma política cultural. (DAGNINO, 2004, p. 103104)

Para além do equilíbrio dos direitos e deveres entre o indivíduo e o Estado, a perspectiva é de uma cidadania fundada na identidade e na participação. A Cidadania é tomada numa abordagem mais ampla do que um estado de direito, sendo entendida como o resultado de um processo político de pactuação e articulação dos setores da sociedade civil e das instituições do Estado. Daí o pressuposto de se tomar a cultura e a educação, sempre no plural, e a cidadania como decorrência de processos dinâmicos e abertos de identidade e reconhecimento do sujeito e das instituições da sociedade. O Programa configura-se como um pacto acionado pelas

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ideias força de empoderamento, autonomia e protagonismo que, somados ao princípio de gestão compartilhada e transformadora, garantem uma coerência com as perspectivas do desenvolvimento humano, tomado como consequência do conjunto de fatores que garantem às pessoas exercerem plenamente suas vidas. Desenvolvimento humano é o resultado de processo de mudança social e econômica em termos de potencialidades e capacidades do ser humano, articulado à liberdade social, econômica e política, às oportunidades de saúde, educação, criação e às possibilidades de se desfrutar de respeito pessoal e dos direitos humanos (KLIKSBERG, 2001). Nesse sentido, o Programa Cultura Viva se configura como uma ação no campo da cultura, que procura se articular e atingir às demais áreas que compõem as políticas públicas, especialmente, a educação e a comunicação. Há na origem do Cultura Viva um vínculo de princípios caros à promoção da diversidade cultural que procura assegurar não apenas suas expressões, mas as condições mesmas para que a diversidade cultural emerja das interações entre os diferentes. Tecer uma rede através dos pontos – Outra importante marca do Programa refere-se à sua capilaridade, ou seja, a maneira como, por meio de editais públicos, são localizadas, reconhecidas e apoiadas iniciativas de cunho local que, posteriormente, são articuladas numa rede ou teia colaborativa. Aqui, a noção de rizoma consagrado por Gilles Deleuze & Félix Guatari (1994) nos ajuda a pensar e reconhecer a diversidade cultural como projeto político do Cultura Viva. O rizoma é uma metáfora que reconhece um modelo de organização e de desenvolvimento de ações que configuram redes e integram de forma múltipla e complexa sujeitos, saberes e práticas, em perspectiva de simetria. Um rizoma é uma forma de organização, conexão e multiplicação de sujeitos e ações que se configuram em rede. Para os autores citados, um rizoma é um sistema que se caracteriza pela conectividade dos pontos em sua heterogeneidade, o que desencadeia uma cadeia semiótica de agenciamentos múltiplos:

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Um agenciamento é exatamente este crescimento das

dimensões

numa

multiplicidade

que

muda

necessariamente de natureza à medida em que aumenta o numero de conexões. (Deleuze; Guatarri, 1994, p. 38)

Outra interessante característica que se coaduna com

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o Programa Cultura Viva é apontada por Deleuze & Guattari: os rizomas constituem o oposto de sistemas centrados e/ ou policentrados; são abertos e não hierárquicos, e se consolidam pela circulação de estados e não de essências. O Programa Cultura Viva se materializa numa rede de Pontos de Cultura, como um rizoma político e simbólico de visibilidade e repercussão em todo o país. Sua habilidade em envolver e se relacionar com diferentes formas de expressão e linguagens culturais, sua capacidade de abraçar e articular-se a segmentos sociais e públicos tão variados, muitos até então invisíveis às políticas públicas de cultura no Brasil, permite afirmar que constitui uma rede de atores da diversidade cultural, no sentido que Bruno Latour (2000) confere ao termo. Na teoria ator-rede, a noção de rede refere-se a fluxos, circulações, alianças, movimentos, em vez de remeter a uma entidade fixa. Uma rede de atores não é redutível a um único ator nem a uma rede; ela é composta de séries heterogêneas de elementos animados e inanimados, conectados e agenciados. (MORAES, 2004)

Ao levarmos em consideração elementos da diversidade cultural, não podemos deixar de citar a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, da UNESCO, importante documento político e jurídico internacional em favor do pluralismo e do diálogo intercultural. A Convenção defende, em seu princípio diretor, que “a diversidade cultural somente poderá ser protegida e promovida se estiverem garantidos os direitos humanos e as liberdades fundamentais, tais como a liberdade de expressão, informação e comunicação, bem como a possibilidade dos indivíduos de escolherem expressões culturais”. É nesse sentido

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que a noção de cidadania e direito cultural se aproximam da questão da diversidade cultural e da abordagem do Cultura Viva, uma vez que existe no Programa uma total coerência com tais princípios. Segunda aproximação: os Pontos de Cultura e a prática da diversidade cultural Com base nos dados levantados pela pesquisa realizada pelo IPEA, apresentam-se a seguir algumas reflexões em torno da diversidade cultural tal como ela se apresenta nos Pontos de Cultura. A dinâmica dos Pontos aponta para uma diversidade de configurações operacionais coerentes com os propósitos do Programa comentados anteriormente. São implantados com base na realidade local e utilizam a infraestrutura já existente, que é reforçada pelo kit multimídia e pelos recursos financeiros. Não existe um modelo único, com instalações físicas padronizadas, temas, programação e atividades culturais definidas. Cada Ponto de Cultura, a despeito de participar de um programa nacional com diretrizes e conceitos, mantém sua particularidade, especialmente no que se refere à pluralidade de manifestações existentes em cada comunidade e às especificidades de seu público. Nesse sentido, percebe-se uma rica variedade de estrutura, plano de trabalho, organização e gestão das atividades. Sua localização pode ser uma pequena casa, galpão, barracão, sala, centro cultural, ou mesmo uma universidade, um museu, uma tenda, um barco, um assentamento. A flexibilidade e a diversidade de envergadura institucional é uma marca positiva do Programa. Tal característica tem reflexo também no estabelecimento e articulação de parcerias, um processo dinâmico que agrega novos agentes e pontos de apoio como associações comunitárias, igrejas, centros culturais,

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escolas, universidades, ONGs, entre outros, que mobilizam, potencializam e propagam as atividades culturais do Ponto. Interessante destacar a infraestrutura dos Pontos de Cultura levantada pela pesquisa. Os dados evidenciam que grande parte possui equipamentos de som (83%), leitor de

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DVD/VHS (78%), câmera filmadora (77%), mesa de som (71%) e instrumentos musicais (61%). Outra marca do Programa até a etapa avaliada pela pesquisa do IPEA, é que a grande maioria dos Pontos de Cultura está localizada em zonas urbanas (90,6%). Entretanto, quando se analisa o escopo de atuação, descobre-se que a maioria atua para além de sua localização geográfica. Apenas 17% dos Pontos de Cultura pesquisados agem exclusivamente na comunidade onde estão inseridos; os demais expandem a atuação pelo município (40%), pelo estado (23%), e até mesmo por outros estados e países (10%). O curioso é que 7 em cada 10 pessoas que atua nos Pontos com regularidade são recrutadas na própria comunidade. Mais um dado interessante para a identificação da presença da diversidade na prática dos Pontos de Cultura é a diversificação da rede de atores que os gerencia. Quanto à escolaridade, capacitação específica e idade de seus gestores, cerca de ¼ dos gestores (24%) que respondeu ao questionário possuía até o ensino médio; outros 20%, o ensino superior incompleto; e o restante, cerca de 56%, já era graduado ou pós-graduado. Tais dados mostram uma significativa taxa de escolarização do gestor, mas também indicam não ser este o critério de seu empoderamento, mas, sim, a capacitação para o trabalho com a cultura (76% afirmam já ter realizado alguma capacitação na área cultural) e o pertencimento ao local, já que 89% moravam no mesmo município onde o Ponto de Cultura se localiza.

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Destaca-se também que apenas 10% dos Pontos de Cultura pesquisados adotam um modelo de planejamento centrado exclusivamente no gestor; os demais combinam a participação da equipe, da comunidade e de outros atores. Se considerarmos que 67% das pessoas que atuam de forma mais constante nos Pontos possuem menos de 30 anos, que outros 20% se encontram na faixa superior a 60 anos, e que há um equilíbrio entre homens e mulheres, podemos afirmar que existe um perfil marcado pela diversificação dos atores. Outro dado importante é o perfil etário do gestor: aqui também se encontra um equilíbrio interessante: 23% possuem até 30 anos; outros 23%, até 40 anos de idade; e os demais 54%, acima deste patamar. Se entendemos por diversidade cultural a capacidade de fazer interagir as diferenças, pode-se levantar a hipótese de uma experiência singular no modo de gerir as experiências concretas do Cultura Viva. Ainda no que diz respeito ao modelo de gestão, as atividades de acompanhamento e avaliação estão presentes na grande maioria dos Pontos de Cultura, e são realizadas de forma expressiva com a participação da equipe e do público atendido, o que pode assegurar o pluralismo de perspectivas. O princípio de reconhecimento daquilo que já existia como iniciativa da sociedade civil e que o Programa reconhece e potencializa é comprovado pelos dados empíricos: 83% dos Pontos de Cultura conveniados até o final de 2007 já existiam antes da assinatura do convênio com o MINC. As duas maiores frequências de respostas quanto aos motivos de adesão foram, respectivamente, a busca de recursos financeiros e a ampliação das atividades já desenvolvidas, o que também reforça a perspectiva de potencialização que o Programa representa. Um ponto que merece destaque no plano motivacional refere-se ao fato de existir um equilíbrio entre as razões de “Diversificação e transformação da cultura local” e de “Necessidade de preservar e valorizar memórias”. Tais razões reforçam a possibilidade de reconhecimento entre o identitário e o novo, equilíbrio este caro para a perspectiva de proteção e promoção à diversidade cultural.

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Quanto às áreas de atuação dos Pontos de Cultura, mais uma vez encontra-se um equilíbrio que faz do Programa um mosaico de formas de expressão. Abaixo a incidência das respostas dadas:

Arquitetura Artes Gráficas Artes Plásticas Artesanato Audiovisual Cineclube Cinema Circo

1% 5% 7% 7% 9% 6% 3% 2%

Dança Fotografia Grafite Literatura Música Teatro Manifestações populares Outros

7% 6% 3% 8% 12% 8% 10% 7%

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Tal diversificação de áreas de atuação se soma às diferentes estratégias de geração de renda entre os 68% dos Pontos de Cultura, que afirmaram sua capacidade empreendedora. Artesanato,

produções

audiovisuais,

peças

de

teatro,

apresentações musicais e de dança, são os mecanismos mais recorrentes na geração de renda revertida para a manutenção e continuidade das ações dos Pontos. O perfil do público atendido diretamente pelo Ponto nos remete majoritariamente para duas categorias, os “Adolescentes e Jovens Adultos” e os “Estudantes da Rede Pública”, o que explica parcialmente a realização de editais setoriais, de forma a expandir os grupos socioculturais e étnicos trabalhados. Na quase totalidade a “população carente e em situação de vulnerabilidade social” faz parte do público mais atendido pelos Pontos de Cultura. A atuação em rede feita de forma colaborativa é outro traço caracterizador do Programa Cultura Viva. Cerca de 85% dos pesquisados afirmam estabelecer articulações com outros Pontos de Cultura, especialmente, para a realização de atividades em conjunto, compartilhamento de experiências e intercâmbio de integrantes da equipe, visando o que chamam de potencialização das atividades. Além disso, a articulação com outras instituições, a participação em fóruns de discussão e deliberação em níveis regionais e/ou estaduais é marca

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da quase totalidade dos Pontos, o que revela uma grande coerência entre os princípios do Cultura Viva e sua prática. O modelo de rizoma, comentado anteriormente, parece ser a opção preferencial para se promover a diversidade cultural. Indagados sobre os principais impactos e resultados obtidos pelos Pontos de Cultura desde sua criação até 2008, a recorrência nas respostas refere-se a maior interação com a comunidade e inclusão social, bem como ampliação e maior visibilidade do que realizam. Já a adequação do Programa à realidade do mundo da cultura é vista e afirmada de duas formas predominantes. Para aqueles que acreditam que o Cultura Viva, por meio das ações dos Pontos de Cultura, se mostra inadequado, os argumentos apontam ser a burocracia do Estado o principal motivo para tal. Os trâmites administrativos e os aspectos jurídicos criam, na visão dos gestores, uma linearidade de procedimentos que nega a diversidade das realidades, as capacidades criadoras, a autonomia da sociedade civil e o principio do pluralismo institucional que deve ser a marca do Programa. Há aqui a afirmação de uma inadequação entre os princípios institucionais e jurídicos da administração pública e a forma de agir das comunidades, tomadas como modelos positivos e criativos. A descontinuidade dos procedimentos de repasse financeiro e a dificuldade de acompanhamento por parte do MINC são vistas como entraves para a consolidação do Programa, que só será efetivo quando se transformar numa política pública, superando o patamar da provisoriedade e sazonalidade. Por outro lado, a grande maioria, a despeito destas dificuldades, afirma existir no Programa uma profunda coerência, especialmente no que se refere à valorização e ao fomento das culturas populares, de forma descentralizada, que prioriza as iniciativas de pequeno porte de base locais e possibilita o fortalecimento da articulação entre comunidades, agentes culturais e iniciativas similares.

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A descentralização na distribuição dos recursos, conjugada ao equilíbrio entre a valorização da cultura local, o acesso à cultura digital, a troca de conhecimento e a ampliação e diversificação da cultura das comunidades configuram outro conjunto de percepções expressas pelos gestores. Essas percepções levantadas pela pesquisa evidenciam o quanto a questão da proteção e da promoção da diversidade cultural está localizada na prática dos Pontos de Cultura. Reconhecer e apoiar a diversidade de expressões simbólicas da cultura brasileira e oportunizar uma experiência de articulação em rede reforça a perspectiva de equilíbrio entre a reafirmação identitária e a experiência das misturas e da hibridização, base para uma prática coerente com a promoção da diversidade.

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Como exemplo e esboço de uma verdadeira política pública de promoção da diversidade de atores, expressões e modelos de pensar e fazer cultura, o Programa Cultura Viva assume um duplo vetor inclusivo: de reconhecimento daqueles que se mantinham invisíveis como criadores de processos e produtos culturais, e de partilha efetiva da gestão. Os desafios parecem ser vários, mas os mais definitivos e complexos apontados na pesquisa, no que diz respeito à questão da diversidade cultural, são os de reinventar o modelo de administração pública, superando a naturalização da burocracia, a descentralização de convênios e parcerias, de forma a consolidar uma rede de acompanhamento e avaliação pactuada e realizada entre os entes da federação e a sociedade civil e, por fim, alçar patamares de sustentabilidade, com especial ênfase no financiamento público e na geração de renda. Terceira aproximação: o visto, o dito e o vivido nos Pontos de Cultura “O que interessa ao historiador do cotidiano é o invisível...” (CERTEAU, 1996, p. 31) O Cultura Viva que emerge das percepções de seus gestores e daqueles que entraram em contato direto com os Pontos de Cultura, através da pesquisa, nos remete a uma realidade pulsante e inquieta. Revela a potencialidade daquilo

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que já é existente na dinâmica cultural da sociedade brasileira e que se empodera quando reconhecido e apoiado. Contudo, é também desafiado em sua vitalidade, quando necessita ser enquadrado pela lógica da administração pública. Essa tensão entre o que se é — na espontaneidade e nos improvisos do cotidiano — e aquilo que a institucionalização do processo imprime, constitui um dos grandes desafios de transformação. De um lado está a moldura que a totalização do Programa institui; de outro, o cotidiano do trabalho de cada Ponto de Cultura. Para Michel de Certeau (et al 1996, p. 31), cotidiano “é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão no presente. [...] O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior”. É a unidade básica na qual a realidade é vivida simultaneamente como uma espécie de fardo e desafio, mas também como lugar e tempo em que tudo acontece e se transforma a partir dos sujeitos. Conhecer o cotidiano transforma-se numa espécie de proposta metodológica que, na visão de Maffesoli (2008, p. 9), permite encontrar algo que está simultaneamente escondido e evidente, e que convida a reconhecer que a profundidade também se encontra na superfície. O desenrolar dos acontecimentos e sua dramatização pelos sujeitos que dele participam revelam o espaço no qual as interações e as mediações se dão, constituindo uma teia de sentidos na tensão entre o ideal e o real. No cotidiano encontramos o que Edgard Morin chama de o “rosto da ação”; é, portanto, nele que se pode apreender a efetiva transformação que o Programa Cultura Viva realiza. Numa primeira visada do cotidiano dos Pontos de Cultura, emerge a percepção de um espaço constituído por ações — motivadas pelos vários componentes do Programa e caracterizadoras do cotidiano do equipamento cultural —, mas especialmente por uma espécie de compartilhamento e troca de emoções e subjetividades. Tais componentes simbólicos e subjetivos presentes no discurso de seus gestores são também reconhecidos na forma como a instituição e cada sujeito se misturam.


Não foram raras as vezes que os gestores, ao relatarem as histórias do Ponto, se emocionavam e choravam. Para além da teatralização do cotidiano, que tende a transformar o ordinário em heroico, os gestores revelavam a intersubjetividade que marca o Programa. O Cultura Viva não é um meio apenas; constitui-se como um contexto de reconhecimento e

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experimentação que realiza uma experiência nova que torna real e presente o Estado, como entidade próxima e sensível, que reconhece e acolhe os cidadãos em suas realidades. Eis por que são encontradas entre os gestores dos Pontos de Cultura reações tanto de absoluta adesão e apoio incondicional, quanto de ressentimentos e mágoas. Afinal, tais equipamentos são, em grande parte, a extensão da vida privada de seus membros, concretização de alternativas de vida e, até mesmo, espaço compartilhado com a família. Por ali passam sonhos que unem trajetórias individuais e públicas, que configuram uma narrativa de sonhos e lutas. Essa parece ser a história do Ponto de Cultura Humbiumbi, em Belo Horizonte, que está localizado numa das áreas de maior expansão e especulação imobiliária da cidade e que reúne mãe, filhos e uma centena de jovens da região, cada vez mais expulsos para a periferia da cidade. Focado no ensino da percussão, no design de roupas e na dança de origem afrobrasileira, o Ponto parece um totem de resistência e criatividade, que revela a saga de uma educadora que luta bravamente para realizar ações afirmativas. História parecida é encontrada em Diamantina, porta de entrada do Vale do Jequitinhonha. Numa noite de sábado de um dia chuvoso, encontravam-se abrigados pela estrutura do mercado localizado no centro da cidade histórica símbolo dos tempos coloniais e da cultura dos tropeiros, dezenas de pessoas reunidas para a festa em homenagem a Mãe Lia. Mãe de Santo do único terreiro de candomblé da região e integrante ativa do Ponto de Cultura Nas trilhas da Cidadania, ela acabara de ganhar o Prêmio Cultura Viva. O mercado estava aberto, e as pessoas que passavam pela rua podiam livremente entrar e participar da comemoração. A festa resistia à chuva

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fina que caia e tornava as ladeiras da cidade escorregadias. No momento em que Mãe Lia subiu ao palco, foi ovacionada pelo público, que aplaudia, cantava e dançava. Era a primeira vez que, na cidade de tantos negros, mas tão dominada por um catolicismo excludente, ouviam-se em praça pública as vozes afrodescendentes. As falas das pessoas que subiam ao palco para prestar homenagem à Mãe de Santo eram fervorosas, e a emoção corria solta, como num um rito que unia canções do Candomblé e cantigas regionais: uma celebração histórica e inédita na cidade simbolicamente nova, em terras onde apenas a Festa de Nossa Senhora do Rosário acontecia. O convívio com os Pontos de Cultura revela também a maneira como dificuldades e possibilidades do contexto em que atuam são manejadas, de forma a possibilitar a sobrevivência aos desafios e se evitar a descontinuidade e interrupção das atividades. Resistência e criatividade são colocadas à prova e revelam tecnologias sociais nativas, fruto da experiência vivida na fronteira entre o possível e o desejável. Este é o caso de um grupo de artesãs do interior árido do norte de Minas Gerais, que, por meio do Ponto de Cultura, passaram a tentar resgatar o plantio do algodão nas comunidades rurais da região, a fim de baratear o insumo utilizado na tecelagem e incentivar o artesanato, favorecendo a própria comunidade e o enfrentamento das características ambientais. A luta contra a precariedade da infraestrutura para a realização do trabalho, o enfrentamento das agruras climáticas e a manutenção de um fazer identitário são emblemas do Ponto de Cultura FIARTE – Fiação e Tecelagem em Algodão, em Francisco Badaró, cidade a mais de 600 quilômetros de Belo Horizonte, com uma população de aproximadamente 10 mil habitantes e com a incrível marca de 75% localizados em zona rural. Ali a fiação e a tecelagem de colchas, panos, tapetes e roupas em algodão, revela uma prática centenária, que une identidade e sobrevivência. A produção que antes abastecia somente os moradores é agora vendida em feiras e exposições em todo Brasil, e é o que estrutura e gera renda para um grupo que reúne dezenas de mulheres fiandeiras e tecelãs de

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comunidades rurais de nomes curiosos como Tocoiós, Empoeira e Ribeirão de Areia. Antes, a população só encontrava renda no trabalho temporário da colheita de café e cana em outras regiões. O trabalho é realizado em galpões na zona rural, onde falta água encanada e luz, mas a solidariedade nunca deixa de

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estar presente, especialmente no enfrentamento dos efeitos perversos da sazonalidade climática. Quando chega o inverno, definido como o tempo de muita chuva, segundo relato das artesãs, o desafio é encarar a frágil estrutura do telhado, que não é suficiente para resistir às goteiras. O risco de manchar o algodão e as peças já produzidas é alto. Já no verão, a seca produz um racionamento que interfere na vida e na produção. Entre a falta na época da seca e o excesso no período de chuva, as artesãs do Ponto de Cultura FIARTE vão tecendo mantas, colchas, tapetes, mas especialmente a experiência de enfrentarem juntas e com criatividade o que as condições materiais não são capazes de realizar frente aos ímpetos da natureza. O cruzamento de trajetórias individuais e percursos coletivos, em comunidades de forte identidade e coesão, e a maneira como o resultado de tais encontros cria impactos na economia de base local é também encontrada na fronteira de Minas Gerais com o Rio de Janeiro. São José das Três Ilhas é uma ex-freguesia, criada em 1833 e elevada à condição de distrito em 1850; hoje abriga um pequeno distrito do município de Belmiro Braga com sua herança dos barões do café: belíssimos casarões antigos e uma monumental igreja de pedra — que começou a ser construída por escravos ainda no século XIX, uma década antes da abolição da escravatura. Cenário de muitos filmes, a bucólica paisagem já seduziu diferentes cineastas, sendo um deles o coordenador do Ponto de Cultura São José das Culturas. Depois de ter filmado seu primeiro filme, ele nunca mais deixou de voltar para a vila e movimentar sua pacata vida cultural. O gestor e sua família dividem a semana entre a agitação do Rio de Janeiro e a calma

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de São José. O lema das atividades do Ponto é “talentos da terra”, e resulta, anualmente, desde a sua criação, no Festival São José das Culturas. Aqui, o reconhecimento das tradições e o diálogo com o novo e desconhecido são a marcas que revelam a experiência cultural de todos os visitantes ao distrito, uma viagem entre distintas temporalidades. À exceção da família do gestor, que é do Rio de Janeiro e composta por artistas (a esposa é escritora, e os filhos vão pelo mesmo caminho artístico), toda a equipe do Ponto é da região e dividem, entre suas tarefas diárias do campo, as atividades de produção cultural proporcionadas pelo Ponto de Cultura. As atividades cotidianas e o evento movimentam o imaginário, mas também a economia da cidade. Cerca de 200 pessoas são empregadas temporariamente durante o Festival, além de uma ”folha de pagamento” de aproximadamente 25 pessoas. A divisão de tarefas envolve muitos moradores da vila, e o final de semana, quando da visita do pesquisador, era de pagamento. A esposa do gestor do Ponto andava pela vila com um envelope pardo, dentro, dinheiro trocado para efetuar os pagamentos da equipe. Na cidade que não possui restaurante nas únicas duas ruas que compõem o pequeno distrito, uma senhora que fornece almoço para todos os que visitam Três Ilhas e a equipe do Ponto se alegrava mais ainda, era dia de acerto das contas anotadas numa caderneta em espiral. Segundo os pesquisadores de campo e gestores, a realidade dos Pontos de Cultura é múltipla e se refere à questão da educação, da valorização, da autoestima, do resgate da cultura popular, das raízes, das tradições de diferentes localidades, mas também à questão da economia. E transformar o cotidiano e o identitário em alternativa de riquezas exige, para além de discernimento do valor antropológico, algumas rupturas, para as quais a competência gerencial é crucial. Daí o desafio de se imbricar o resgate social à produção de riquezas, entendida como uma operação circular e contínua, e não um pré-requisito linear. Esse resgate realizado pelo reconhecimento vem como um empoderamento político:

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A inclusão pela via do simbólico, da identidade, do reconhecimento, da visibilidade, tudo isso acontece nos Pontos de Cultura e pode, futuramente, gerar um movimento econômico. É por isso que o programa é importante — ele vai

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identificar esses talentos, essas vocações e vai transformar, integrar isso no sistema capitalista, no sistema em que estamos vivendo.

Daí emerge também o reconhecimento de que “se não houver essa articulação do Programa chamado de ‘Cultura Viva’ com outras macros e micros políticas da área da Comunicação, da Educação e outras”, seu potencial transformador se vê retido e limitado, e os resultados e impactos seguem sendo de difícil identificação e mensuração. Os Pontos de Cultura também enfrentam resistências, fruto de histórias sedimentadas nas instituições reais e imaginárias de suas comunidades. Para além de revelarem presenças e positividades, a ação dos Pontos de Cultura também faz emergir enfrentamentos a preconceitos e discriminações. Mais que terreno de afirmação de uma comunidade ideal e imaginária, os pontos evidenciam o real vivido, em termos tanto de convergências e solidariedade, quanto de dissensos e conflitos. Este é o caso do município de Dom Cavati, cidade de pouco mais de 10 mil habitantes, cortada pelo Rio Caratinga na região leste do estado de Minas Gerais, que se desenvolveu, em função da abertura da BR 116, a famosa Rio-Bahia. A casa que abriga o Ponto de Cultura Dom Cavati é pequena e não comporta todas as atividades. As aulas de música, dança e teatro são realizadas nas salas de aula cedidas pela escola pública ou na praça em frente ao Ponto. No momento da entrevista com o gestor, um grupo de música ensaiava sob o comando do regente, embaixo da sombra de uma grande árvore, na tentativa de se proteger do sol quente e do calor escaldante que faz nessa época do ano, na região Vale do Rio Doce. Nessa mesma praça, o Ponto promove

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mensalmente uma feira para expor o artesanato produzido pelos alunos das oficinas de papel machê, pinturas especiais, pátina e restauração de móveis. O mais difícil não é a falta de espaço, mas ter que enfrentar, como afirma seu gestor, décadas de preconceito em relação à cultura popular e a integração que esta realiza entre o sagrado e o lúdico. A resistência da população da cidade, predominantemente católica e evangélica, ao que, do campo religioso se mostra diferente, é grande. Quando o Ponto de Cultura organizou um cortejo de Congado e convidou um grupo de Candomblé para se apresentar num evento na praça, a resistência foi muito perversa. O gestor afirmou que as festas populares tradicionais deixaram de acontecer há mais ou menos 30 anos na região, pois, segundo ele, “aqui eles confundem cultura com religião” e reprimem tudo aquilo que se mostra diferente. Este também é o desafio que alicerça a lida diária do Ponto G de Cultura, em Juiz de Fora, Zona da Mata mineira. Aqui existe uma rica e inusitada situação, além de referência para informação e debate dos direitos da comunidade LGTB da região, a instituição também é um território livre para jovens discriminados por suas opções sexuais se encontrarem. Além de atendimento jurídico e orientação psicológica extensiva à família, o Ponto é um lugar de valorização da cultura das comunidades “gays”, lugar de encontro e reafirmação de valores e singularidades que se chocam com os valores e programas do Cultura Viva. Os frequentadores do Ponto G se reconhecem mais na cultura popular internacional, difundida pelo mercado do entretenimento globalizado e de alto consumo da comunidade gay, do que nos valores e nas práticas da cultura popular e regional. Há um conflito que exige de seus gestores um processo contínuo de mediação. Como “agentes de combate ao preconceito”, maneira como se auto intitulam, os participantes do Ponto G de Cultura, enfrenta dentro e fora de seu território, as diversas faces da intolerância com as diferenças. Mas é este enfrentamento diário que estrutura e dá significado político à instituição.

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Como se pode perceber, a matéria prima do Cultura Viva é a tensão, que produz o que há de mais criativo e também o de mais desafiador na experiência dos Pontos de Cultura. Essa tensão significa enfrentamentos e resistências, mas também alargamento e prolongamento. Não é isso que se espera de uma política pública?

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E alguém lá de Pernambuco falou: “o Município de Olinda só apareceu na televisão três vezes — por conta de uma enchente, de ‘sei lá o quê’, e no Jornal Nacional mostrando o Ponto de Cultura, eu não participava das discussões, mas agora participo do Fórum Municipal de Cultura e do Fórum Estadual”.

O diálogo com gestores e pesquisadores revela de pronto a dupla face da realidade vivida. Potencialidades e fragilidades convivem e se alimentam paradoxalmente. De um parece vir a ameaça ao outro, mas também o combustível para a superação. Se o programa tem a virtude de ir a diversos pontos, em vários lugares, no interior de todos os Estados, para poder colher como está se confrontando, nesses locais, o clima cultural. Mas isso vem vinculado à questão econômica. (...) Eu destacaria a astúcia do Programa e acho que a política pública deve, realmente, impressionar, absorver essa população toda, todas as metodologias do sistema econômico com a modernidade que está chegando lá de outra forma...

Outro dado que o trabalho de campo e as entrevistas revelam é o reconhecimento de que, nos contextos nos quais os Pontos de Cultura se inserem, seus sujeitos “já são empreendedores por natureza, fazem empreendimento o tempo todo” e utilizam o Cultura Viva como plataforma de expansões. Daí a dúvida sobre os limites organizacionais e institucionais. Ao buscarem expansão, veem-se diante do dilema “não sei ao certo se (o Cultura Viva) viabiliza mesmo ou se causa mais problemas”.

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Os relatos dos cadernos de campo confirmam a impressão de que encontrar com o gestor cultural do Ponto é encontrar com uma pessoa aderida quase que completamente à filosofia do Programa, mas também ressentida no que se refere às questões administrativas. O processo da entrevista revela uma imbricação: um reconhecimento da proposta ousada e inovadora, uma espécie de admiração e adesão completa, sobreposta por um descontentamento ou decepção. Este é o caso do Centro de Referencia da Cultura Negra em Belo Horizonte, uma organização não governamental que foi convidada pela Fundação Municipal de Cultura do município para se candidatar como ponto de rede. A parceria com o poder público, ao contrário de agilizar os processos da ONG, que existe desde 1999, a fez mergulhar em inúmeros fatos desgastantes, o que, somado à falta de autonomia para gerir a própria verba, leva a gestora a afirmar — “quero sair desse ponto de cultura para ficar livre, porque estou amarrada”. Existe aqui uma percepção da paradoxalidade enfrentada pelo Programa, uma vez que se alimenta de uma fonte de energia já existente, transforma capacidades pré-existentes, empodera sujeitos individual e coletivamente, e luta para garantir as transformações necessárias: Na mesma medida em que ele tem uma visão para incluir, no seu processo, ele exclui (e exclui muito), pois muitos não conseguem viabilizar desta forma — para incluir. Quando se chega à prática, o fato de termos essa obrigatoriedade do proponente, essa entidade jurídica, exclui, e o recurso acaba chegando às mesmas pessoas que são favorecidas por aqueles mesmos instrumentos — as leis de incentivos e aqueles outros editais e tudo mais. Eu tive esta impressão em alguns momentos: eles fazem um projeto diferenciado porque o edital exige, mas acaba sendo apenas mais um edital.

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Numa outra linha de percepção, a experiência de campo e de gestão do cotidiano dos Pontos revela que as diferenças de escopo e complexidade dos Pontos de Cultura indicam a existência de uma tipologia que deve merecer, para além do reconhecimento, um tratamento institucional e gerencial diferenciado. Para os gestores, desde os valores repassados até

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o modelo de gerenciamento, todas as estratégias deveriam ser adequadas a essa diversidade. Isso exprime a necessidade de um foco mais bem definido em públicos/parceiros, construindo a partir daí, estratégias gerenciais e de processo melhor direcionadas e coerentes com os diferentes contextos. “Está havendo heterogeneidade, e não se preparou para fazer do processo aquilo que deveria ser”, afirma um pesquisador que acredita ser totalmente possível a reversão do quadro da paradoxalidade entre a diversidade de culturas gerenciais dos Pontos e a normatização do Programa, de forma a se evitar que o Programa seja confundido como uma “rede de arrastão” jogada por meio de editais. Parece haver uma desconfiança de que a questão da diversidade, da heterogeneidade ligada ao Cultura Viva é extremamente positiva. Porém, isso cria alguns problemas, tanto do ponto de vista dos resultados do Programa, como da sua gestão. Sem comprometer a sua unidade, tratar os diferentes como diferentes significaria que alguns Pontos de Cultura deveriam ser destacados no Cultura Viva e integrados a outros programas do Ministério da Cultura, mais adequados à sua articulação em rede, especialmente aqueles localizados em instituições públicas de cultura e educação. Por outro lado, as ONGs (com capacidade de captação de recursos via leis de incentivo) e o próprio mercado também deveriam ser tratados por outros programas. Assim, o Cultura Viva deveria ser focado nos organismos da sociedade civil, que têm níveis de complexidade e organização próprios e atuam em paralelo ao mercado cultural, sem condições de obterem patrocinadores privados e sustentabilidade econômica.

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O Ponto de Cultura Arte para Todos, da Associação Sociocultural Os Bem-te-vis, da comunidade de Itatiaia, um pequeno distrito de Ouro Branco, cidade próxima a Ouro Preto, revela bem essa situação. Apesar da pouca idade de seu gestor (23 anos), ele demonstra muita experiência e, sobretudo, força de vontade para trabalhar com a área cultural. Enfrenta várias dificuldades, como, por exemplo, a falta de infraestrutura no distrito para instalação de uma rede de telefonia que atenda aos 300 moradores e inclusive ao Ponto. O principal meio de contato é um telefone público instalado no início da única rua que reúne no entorno as poucas casas dos moradores da comunidade. Por sorte, o telefone fica localizado em frente à casa dele, que corre para atender a ligação quando ouve tocar. O acesso à internet é também outro grande problema enfrentado. Nada disso, porém, abala o bom humor do gestor, que explicou com entusiasmo todas as atividades realizadas pelo Ponto, mas insere um problema de falta de equidade no tratamento dos conveniados. Um dos pontos de tensão verificado nos discursos e no dia-a-dia dos Pontos de Cultura é caracterizado pela dinamicidade do cotidiano e da própria cultura e pela sua relação com os planos de trabalho. Alguns gestores chegaram a apontar como um empecilho a dificuldade de implementação do plano de trabalho. O grande intervalo de tempo entre o planejamento e a execução das atividades torna obsoletos — e, portanto, desnecessários — alguns dos equipamentos previstos inicialmente. Acredita-se que as diferentes estruturas e complexidades dos Pontos deveriam ter modelos de gerenciamento igualmente diferenciados, de modo a respeitar sua singularidade gerencial. Este é o caso de muitos Pontos de Cultura, mas especialmente os de Buritizeiro, no norte, e do Museu Vivo Giramundo, na capital. A dinâmica cultural é mais ágil que os processos administrativos, e isso gera problemas, por vezes insolucionáveis.

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Outra dimensão desta paradoxalidade apresentada pela diversidade refere-se à forma de medir e avaliar os impactos do Programa nos diferentes contextos onde ele se instala: Eu já acho que o impacto é diferente se for de uma cidade grande ou de uma cidade pequena. Você vai a uma cidade

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pequena em que não haja nenhum equipamento cultural, mas às vezes o que eles têm é o equipamento cultural — fazem guarda-chuva, um cineclube... Em alguns casos, em alguns lugares realmente (nos Pontos menores) não havia nada e você vê um impacto maior — sobre isso concordo plenamente. Como ele está falando, em outros Pontos que já são maiores, que possuem outras coisas envolvidas, não dá para você sentir tanto, porque já estava lá — o diálogo foi montado para isso, entendeu? Então, se chega alguma coisa dá para você perceber muito mais depressa esse impacto.

A questão que parece se discernir é que, se é estratégico para o Programa continuar atendendo a públicos tão diferentes do ponto de vista institucional, político, geográfico, territorial e econômico, isso deveria se dar por meio de editais diferentes, com perspectivas diferentes. Tratar as diferenças com diversidade é o que a grande maioria dos Pontos de Cultura espera. Outra dimensão, ainda mais delicada, refere-se à reflexão sobre se existem ou não segmentos da sociedade civil que hoje estão usufruindo do Cultura Viva, mas que não deveriam fazê-lo, por exemplo, instituições públicas como universidades e secretarias de cultura. Nestes casos, as verbas se diluem nos orçamentos das instituições, a participação social é menor, e o caráter comunitário e subjetivo da experiência se esvai. Vários gestores acreditam que o financiamento de equipamentos culturais públicos deveria se dar por verbas orçamentárias próprias. Assim, se evitaria a utilização de programas de empoderamento da sociedade civil como mecanismo indireto de financiamento.

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Entretanto, a pesquisa deixa claro que, apesar de algumas situações desviantes, há avanços não previstos que devem ser preservados no momento de avaliação: Teve um lugar em que fomos, onde a Secretaria de Cultura foi criada por causa do Ponto. Eu penso que o Ponto de Cultura, para muitos grupos, foi um divisor de águas e neste aspecto ele conseguiu mudar as comunidades, porque ganhou uma visibilidade e conseguiu outros editais, potencializando-se com outros recursos. (...) muitas pessoas falam: “depois do Ponto de Cultura a minha vida mudou”. Então é um negócio bem emocionante — esse é um exemplo. Outro exemplo se deu no Pará, onde um senhor analfabeto é o professor que orienta as crianças na redação das agendas da comunidade. As crianças lêem as agendas, interpretam e dão toda a orientação à comunidade. Uma pessoa analfabeta ensinou literatura — é uma coisa extraordinária! Acho que foram dois eventos bem interessantes.

Tais consequências políticas e institucionais, longe de se configurarem como resíduos ou efeito colateral do Programa, constituem-se em mudanças de modos de pensar e estar no mundo e realizam também aquilo que Michel de Certeau chama de dimensão invisível, mas estruturante de nosso cotidiano, na qual os circuitos de trocas estabelecem uma teia de sociabilidade e solidariedade surpreendente e transformadora: Eu peguei um evento assim também, de recuperação. No caso foi com pessoas idosas que lidavam com fumo. Lá a cultura do fumo era muito intensa e elas trabalhavam durante o dia colhendo as folhas e, à noite, tiravam os talinhos. Elas contavam que era uma tradição do Município cantar músicas durante o trabalho, e que não acabou, mas quando o fumo foi perdendo a sua importância econômica, elas paravam de trabalhar e as músicas que cantavam foram sendo esquecidas — não eram registradas e nem escritas. E essas

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pessoas na comunidade eram assim: sentiam-se excluídas, porque perderam o seu trabalho e a sua cultura. O responsável de lá disse que havia uma separação entre os jovens e os velhos no Município. Os idosos ficavam com depressão, com problemas de pressão alta, de coração... E quando o Ponto de cultura retomou as suas cantigas de trabalho, elas fizeram

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apresentações em outros lugares. Todos deixaram de tomar remédios. Fizeram uma apresentação lá, nós dançamos e choramos...

O que parece ser a plataforma de transformação que o Ponto de Cultura realiza é reconhecidamente uma ação cuja base é local, mas cujos efeitos transcendem as fronteiras, instituindo-se como modelos possíveis de organização e desenvolvimento através da cultura. Embora a base pareça ser o cotidiano e a realidade local, a estratégia é nacional, e por isso identificam-se fragilidades que necessitam ser superadas: A impressão que eu tenho é que essa coisa do micro é muito palpável — você vai lá e conversa. Tudo bem, podemos até fazer pesquisas, mas ela é palpável, pois há uma transformação naquele lócus ali. A imagem que tenho do programa é a seguinte: é um arquipélago e, em cada ilhazinha, em umas mais e em outras menos, tem alguma transformação. O que está faltando é uma ponte entre essas ilhas. E nisso o programa está pecando e aí se requer outra avaliação.

Não há dúvida de que, para a maioria dos gestores dos Pontos de Cultura, o programa “valoriza e fomenta a cultura popular, descentralizando a distribuição dos recursos financeiros e gerando a articulação entre comunidades e agentes culturais”. A cultura popular, afirmam muitos, “começou a ser valorizada e ser mostrada para a população. O artista popular brasileiro ganhou espaço para mostrar sua arte”.

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Como uma experiência de tecnologia sociocultural tipicamente brasileira, consegue chegar a todos os “Brasis”, por meio de “agentes comunitários de cultura”. Através do fortalecimento das diversas linguagens culturais, auxilia no surgimento de agentes culturais, configura-se como “ação sistêmica com os desafios e a poesia da manutenção da cidadania das identidades brasileiras” e se constitui como “uma metodologia inteligente para todos os tempos e lugares”. A pergunta que se insinua quando os gravadores são desligados e que atordoa a todos, gestores e pesquisadores, refere-se ao seu futuro: estamos preparados para o que os Pontos de Cultura demandam e o que eles desencadeiam? E o seu futuro, com as mudanças na condução do Ministério da Cultura? A experiência proporcionada pela pesquisa de campo permitiu perceber que há quase que um total assentimento dos gestores ao Cultura Viva, mas há igualmente a percepção do despreparo institucional do Ministério da Cultura para gerir e dar conta de todos os processos que o Programa desencadeia. A assinatura do convênio parece inaugurar um longo processo de desgastes administrativos e jurídicos, que acaba por consumir progressivamente o capital social que vai sendo construído, mesmo que no conflito com este desgaste. A frase “você só conhece o Cultura Viva depois que assina o convênio” pronunciada por um dos gestores dos Pontos evidencia tal atrito. Os desgastes gerenciais e jurídicos parecem criar uma ambiguidade perversa, pois, embora haja um reconhecimento positivo da proposta e da filosofia do Programa, está presente, por outro lado, um sentimento de provisoriedade (“Ponto de Cultura é um selo...” ou “eu não sou Ponto de Cultura, eu estou Ponto de Cultura”), de ameaça de descontinuidade, ou até mesmo de experiência de descontinuidade, vivida pelos Pontos de Cultura que iniciaram suas atividades e precisaram interrompê-las por atraso dos recursos, decorrente de complicações no processo de prestação de contas.

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Essa luta contra as barreiras administrativas faz com que se construa uma visão de que o Cultura Viva, por vezes, se reduz à busca de recursos, minimizando a reflexão e a consolidação de experiências. O que de mais efetivo o Programa realiza é trazer à tona o reconhecimento de algo que sempre existiu, mas se mantinha na invisibilidade externa e, também, em

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muitos casos, interna. Ao ser perguntado sobre quais foram os principais impactos/resultados obtidos pelo Ponto de Cultura desde a sua criação, um dos gestores entrevistados respondeu que apesar de todas as dificuldades, o Programa conseguiu alterar a consciência cultural dos jovens da periferia da cidade e modificar a lógica das políticas públicas, que sempre atendiam os mesmos, conforme explicitado em um dos cadernos de campo dos pesquisadores. O gestor afirmou que o Ponto introduziu conceitos e questões como direito cultural e cidadania cultural para os jovens do município, reduzindo, mesmo que muito pouco, a segregação social ao trazer a cultura da periferia para o centro histórico da cidade. Ou seja, percebe-se que os Pontos de Cultura incidem, não apenas sobre a visibilidade, mas também sobre a consciência, especialmente, dos jovens, introduzindo novas visões do mundo e de sua própria realidade. O Cultura Viva é, para a maioria de seus gestores, um programa positivo, por si e pelo que consegue mobilizar em termos de ações, especialmente porque atinge a todas as dimensões dos direitos culturais. Contudo, precisa se fortalecer, robustecer os canais de participação com a sociedade civil e — o que parece ser o mais estrutural — “precisa se constituir como uma política de estado”. O programa contribui para “a inclusão social e o protagonismo político através da cultura, porém necessita balizar suas articulações e parcerias segundo os seus princípios e conceitos”. A coerência entre proposições e práticas constitui-se como desafio maior.

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Conclusão O presente texto teve como objetivo explorar as possibilidades de leitura e interpretação dos diferentes contextos, discursos e realidades dos Pontos de Cultura, a partir dos dados da pesquisa de avaliação e das anotações observadas durante o percurso do trabalho de campo, que teve início em outubro de 2008, em todos os estados do Brasil. Tentou-se construir um relato capaz de problematizar o que foi presenciado, com informações complementares à análise dos dados estatísticos coletados pelo questionário de pesquisa aplicado. Procurou-se, conforme explicitado no início do texto, explorar a presença de princípios e práticas de proteção e promoção da diversidade cultural no Programa, abordando os pontos mais relevantes sobre o funcionamento das atividades, situações, dilemas do cotidiano, infraestrutura, etc. A tarefa não foi simples, pois o processo de construção de uma leitura articula, constantemente, a tensão entre descrição e análise, tradução e interpretação, particular e geral. A variedade de dinâmicas e de organização das estruturas própria dos Pontos de Cultura enriquece e ao mesmo tempo dificulta a construção do relato, que se confronta com particularidades e generalizações. O contato com o universo dos Pontos de Cultura e com os dados levantados pela pesquisa revela uma grande diversidade de experiências, instituições, e, sobretudo, agentes sociais envolvidos no Programa. Evidencia, contudo, uma unidade e convergência, que ora realça a diversidade, ora a limita e empobrece.

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Segundo Domingues (2007, p. 362) parte texto

O Ministério avança sobre as modificações nas políticas públicas, pelo fortalecimento dos valores populares, o reconhecimento de que novos atores e suas cadeias produtivas interferem na produção cultural

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contemporânea. É essencial, portanto, para a afirmação de uma política pública plural, conhecer os projetos políticos dos movimentos sociais, atendê-los em sua dinâmica produtiva, e convidá-los à participação dos processos de elaboração das políticas culturais.

O Programa Cultura Viva, configura-se, sem sombra de dúvidas, como um dos mais instigantes modelos de atuação integrada do Estado e da Sociedade Civil. Sem cair no equívoco liberal de tornar a segunda substituta do primeiro, os Pontos de Cultura e a rede que entre eles se formou configuram o que Habermas denominou de esfera pública, um campo complexo de atores e projetos políticos em interação. Entretanto, é visível a necessidade de se consolidar o Programa Cultura Viva como uma política de Estado e, mais do que isso, de se repensar aquilo que, em nome da probidade pública, estabelece limites e barreiras para que a proteção e a promoção da diversidade cultural se deem por meio de modelos abertos e plurais de gestão. Há ainda um longo caminho a percorrer. Dar conta da complexidade e da inter-relação de diferentes atores na gestão de política públicas, este tem sido o mote para a introdução da noção de redes na área de Administração Pública no Brasil. Essa perspectiva possibilitaria a integração de múltiplos atores na ordenação de uma ação coletiva direcionada ao bem comum, o que é extremamente pertinente, pois as mudanças introduzidas pela Constituição Federal de 1988, baseadas nos pressupostos da descentralização e da participação social, delinearam novas direções, mais complexas e múltiplas, na gestão de políticas.

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A rede como representação de conectividade, de ligação, de simultaneidade e de interdependência torna-se um atrativo para compreender a dinâmica e a complexidade de uma gestão que deve associar atores — estatais e nãoestatais — na resolução de problemas comuns dentro do espaço público. (ANDRADE, 2006, p. 55)

Este tem sido o caminho trilhado pelo Cultura Viva, mas é também seu desafio de continuidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Jackeline Amantino de. Redes de atores: uma nova forma de gestão das políticas públicas no Brasil? Revista Gestão & Regionalidade, N. 64, mai-ago/2006. p. 5266. Disponível em: http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_ gestao/article/view/56/17

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MÓDULO 3 Cultura e Diversidade: noções iniciais

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102 UFRGS | ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO | CURSO DE EXTENSÃO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA CULTURA


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