Edição nº 12 - Ano III - Julho 2021
Direto de Nova York
Felipe Santana desvenda o que é ser um correspondente estrangeiro responsável pelas notícias mundiais u Mulheres entram em campo no jornalismo esportivo e como jogadoras do eSports
u Usando smartphones e Instagram jornalistas se tornram multifuncionais e altamente especializados 1
INGRID LOPES
AMANDA FLORENTINO
FOTOJORNALISMO
LÍVIA LISBOA
AMAURI MAZZUCO GABREILA DUARTE
JULIA VILELA MARINA BIGELLI
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BRUNA CARNIELLI
SE LiGA
A
O jornalismo preciso que tanto precisamos
revista que você está folheando foi feita pelos alunos do sétimo semestre do curso de Jornalismo da PUC-Campinas - o curso tem oito semestres. Estes alunos são quase jornalistas e aqui desempenharam a ‘aventura da reportagem’ em todas as suas etapas. Eles fizeram as pautas, entraram em contato como as ‘fontes’, marcaram as entrevistas, fizeram as entrevistas, tiraram fotos, escreveram as reportagens, corrigiram, refizeram, trataram a fotos, idealizaram gráficos e ilustrações, editaram. A revista foi produzida em pleno ano de pandemia e por conta disto deu um trabalho muito maior para ser realizada do que normalmente daria. A maioria das fotos foram cedidas pelos entrevistados e as ilustrações feitas pelos alunos do curso de Design Digital - nossos parceiros na realização desta empreitada. Neste número demos destaques para dois assuntos importantes: o ganho de espaço das mulheres nas profissões e a gama de oportunidades que a profissão de jornalista oferece aos formandos: além dos vários veículos de comunicação existe um número enorme de funções e muitas facetas que ampliam o leque para quem opta por esta profissão tão necessária em momentos de redes sociais e fakeNews - a informação apurada, checada e veradeira nunca exerceu uma função tão importante para a sociedade como em épocas de crise. Adauto Molck
REVISTA HÁNEXO É uma revista escrita, editada e produzida pelos alunos dos cursos de Jornalismo e Design Digital da PUC-Campinas durante o ano de 2021, que consta como prática para a disciplina Jornalismo de Revista CONSELHO EDITOAL é formado pelos professores Adauto Molck, Ciça Toledo, Edson Rossi e Paulo Kielwagen
PROJETO GRÁFICO Paulo Kielwagen JORNALISTA RESPONSÁVEL Adauto Molck - MTB 22.242 Edição número 12 Ano III Julho de 2021 3
JORNALISTAS
Amanda Florentino
Amauri Mazzuco
DESIGNERS
Bruna Carnielli
Carol Romano
Artur Placido Guilherme Daimaru
Cristiane Campari
Elton Felix
Gabriela Formenti
Eweton Ramos
Heloísa Furquim
Giovana Franco
Gabriela Silveira
Gabriela Duarte
Giovanna Giuga João Antônio Romano
Giulia Rodrigues
Ingrid Lopes
Isabella Nista Júlia Labaki
Julia Helena Vilela
Letícia Correia
Max Fermino Júlio da Rocha
Lívia Lisboa
Maria Eduarda Vioto
Pedro Sanches Pedro Felício
Guilherme Pollinger Mariana Padovesi 4
Mariana Zilli
Marina Bigelli
Gustavo Sena
Onde está?
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Fotojornalismo
&
Desce para o play
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Muitos em um só
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Correspondente Estrangeiro Smartphones
Jornalismos diferentes Aos 45’ do 2º tempo
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Profissão Influencer
Facetas do jornalismo Eu, jornalista
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Nossa opinião Memória - Daniela Lemos, pág 24 Resenha / Série - Ewerton Ramos, pág 31 Resenha / Filme - Giovanna Giuga, pág 49 Resenha / Livro - Elton Felix pág 55 Crônica - Cristiane Campari, pág. 66 5
Desce para o play Jogadoras femininas ganham espaço no eSports
O
setor de jogos escapou da crise econômica causada pelo coronavírus. Desde o início de 2020, o aumento de casos da doença fez com que fossem adotadas medidas restritivas para controle da pandemia. E a cultura foi um importante remédio para suprir a falta de contato e ocupar a cabeça de tantas pessoas em isolamento social. Com isso, o futuro do eSports, ou seja, competições de jogos eletrônicos, está garantido. Pelo menos, é o que aponta a pesquisa da Newzoo, empresa especialista no mercado de games. Segundo relatório anterior à crise mundial do coronavírus, o setor global de eSports caminhava para gerar US $1,1 bilhão em 2020, representando um crescimento de 15.7% em relação ao ano anterior
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Foto: Luis Villasmil
REPORTERES
Julio Rocha, Mariana Zilli e Marina Bigelli DESIGNERS
Giovana Franco, Júlia Labaki, Letícia Correia e Pedro Sanches ARTE
Pedro Sanches
(US $950,6 milhões). Em recente atualização da empresa, já considerando os impactos da pandemia da COVID-19, essa projeção sofreu uma queda: agora, é esperado que o mercado gere US$ 973,9 milhões em 2020 – ainda representando um crescimento em comparação ao ano anterior, de 1,7% – e US$ 1,194 bilhão em 2021. Esse declínio na previsão está relacionado aos atrasos e cancelamentos de atividades internacionais e à transição dos eventos físicos para os digitais, que resultam em perda de receita de merchandising e venda de ingressos (queda de 27,9% em relação a 2019), direitos de transmissão e patrocínio. No momento, as previsões de direitos de mídia e patrocínio da Newzoo para este ano são de US$ 163,3 milhões e US$ 584,1 milhões, respectivamente. Para merchandising e venda de ingressos, a expectativa de faturamento é de US$ 76,2 milhões. O relatório reforça, porém, que a retração não é consequência de uma diminuição na demanda por eSports ou da oferta potencial de conteúdo para o segmento. Em adição, a indústria de eSports está diretamente ligada ao desenvolvimento das plataformas de streaming como a Twitch, Facebook, Nimo TV e YouTube sendo usadas para a transmissão de partidas dos campeonatos profissionais em tempo real. O investimento não é pouco: Em 2014, a Amazon adquiriu a Twitch — a plataforma líder de streaming de jogos — por US$ 970 milhões. Hoje, a assinatura Amazon Prime no Brasil dá direito à Twitch Prime, que oferece vantagens exclusivas para espectadores das transmissões da plataforma, como a assinatura de canais, conteúdos exclusivos em jogos e uma biblioteca de games gratuitos. Segundo uma pesquisa feita pela Bloomberg, o crescimento das horas ativas na plataforma foi de 20% em relação ao ano anterior à pandemia. Segundo a empresa, a América Latina chegará a 266 milhões de 7
pessoas que jogam em alguma das plataformas este ano, o que representa cerca de 10% do total de jogadores no mundo. Modalidades como League of Legends, Fortnite ou Counter Strike, por exemplo, mexem com milhares de pessoas e movimentam milhões. Pouco a pouco, o esporte a motor passou a dar mais importância para as corridas virtuais e, em meio a um atípico 2020 marcado pela pandemia do novo coronavírus e os meses sem atividade nas pistas de verdade, os eSports obtiveram um espaço ainda maior para entreter fãs e pilotos, virtuais e reais. O mundo do eSports não existe apenas durante os campeonatos, os streamers estão construindo uma outra classe de carreira. Eles movimentam a internet com transmissões, análises e conteúdos variados, além de lucrar com gratificações, doações e patrocínio, tudo isso com o apoio e carinho do público. Líderes de engajamento no Brasil e no mundo, os atletas de eSports movimentaram cerca de R$8,5 bilhões em 2020. A quantia é grande, mas é uma pequena parte comparada com o que movimenta o mercado de games. Segundo a NewZoo, o setor cresceu cerca de US$152 bilhões em 2019. Apesar dos números altos, o 8
Foto: Andre Hunter
que mais chama atenção no mundo dos games é a predominância masculina, principalmente no cenário competitivo. Em torneios amadores ou em competições profissionais, a quantidade de homens é sempre maior. Uma pesquisa feita pela Game Brasil em 2020, mostra que 61,9% dos jogadores casuais são mulheres, enquanto 61,3% dos jogadores hardcore são homens. Ser casual não significa jogar pouco, esse público costuma jogar até três vezes por semana em sessões de até três horas, a plataforma
preferida é o smartphone. Boa parte das principais competições internacionais aceitam, por regulamento, participantes de qualquer gênero, ou seja, em tese são torneios mistos. Na prática, vemos uma maioria esmagadora de homens disputando as partidas mais importantes do mundo e ganhando os holofotes. A participação de grupos minoritários está em crescimento, porém o machismo e o assédio no mundo dos games acabam sendo um obstáculo para o aumento da representatividade.
Flávia, 23 anos: Com certeza, não só nos jogos. É algo, infelizmente, que é presente na minha vida e sempre terei que lutar contra. Especificamente nos jogos eu já me estressei muito por ser tratada diferente por ser a única mulher no ambiente ou porque em um jogo alguém achou meu nickname feminino e por isso pressupõe que sou mulher e se acha na liberdade de gratuitamente falar besteiras e isso prejudica meu jogo e meu mental, tendo que lidar com a dificuldade do jogo e um idiota me xingando gratuitamente ao mesmo tempo. Não dá vontade de estar em um ambiente assim, mas é o que sempre digo: não vou deixar que alguém infeliz vá tirar gratuitamente a felicidade de fazer o que eu amo. Natália, 21 anos: Assédio não, mas sempre recebo cantadas como: “Deve ser linda jogando”, “Calma gata”, entre outras. Catherine, 23 anos: Inúmeras vezes sofri assédio.
As gamers
falam
(1) Quando perguntamos para as gamers se elas já tinham passado por algum tipo de assédio por ser mulher, todas relataram que sim: Natália, 20 anos: Sim, nas minhas streams eu sempre gravo casos de xingamentos, os meus amigos me matavam no jogo de propósito e quando eu estava em um dia ruim no jogo pessoas me falando que meu lugar era na cozinha não tinha o porquê eu estava jogando com eles.
(2) Já quando questionada sobre como é ser mulher no mundo gamer, as respostas variaram: Natália, 20 anos: Atualmente é uma sensação de estar sendo incluída nesse cenário, em 2008 eu nunca encontrei meninas para jogar, e vejo que cada vez mais mulheres estão se unido para jogar juntas para não que não sejam julgadas apenas pelo seu sexo, atualmente eu faço parte de um projeto maravilhoso que se chama Sakuras Aurora, que é uma comunidade onde mulheres se apoia e motiva novas meninas para entrar nesse mundo gamer. Flávia, 23 anos: Razoavelmente normal, não é algo que eu fique racionalizando, porém sempre vivi em grupos que ou eu era a única menina jogando e que nem sempre eu me sentia confortável por alguns comentários. Até um motivo que eu sem 9
pre preferi jogar jogos de campanha ou MMO sozinha. Natália, 21 anos: Nunca tive nenhum problema sério dentro dos jogos, uma cantada ou outra que sempre passou despercebida, sempre fiz muitos amigos online. Quando descobri que queria trabalhar com isso, no começo foi difícil ter a aceitação dos meus pais, hoje são muito orgulhosos por tudo que conquistei. Catherine, 23 anos: Ser mulher é muitas vezes chamar atenção negativamente. Muitos homens acham que o mundo gamer é território deles, então se sentem à vontade para agir com comportamentos tóxicos unicamente pela distinção de sexo. (3) Em relação à representatividade dentro dos games, as opiniões variam, mas a desigualdade é evidenciada entre as players: Natália, 20 anos: Eu estava jogando mais jogos single players e parei para pensar que a maioria dos jogos o protagonista são homens. Fiquei incrédula de como nos jogos famosos a maioria são homens e, nem existe a opção de ser uma personagem feminina. Atualmente eu vejo que muitas empresas estão tentando inserir mais representatividade dentro de seus próprios jogos, um exemplo que eu posso
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falar é com a Riot Games, com os jogos League of Legends e o Valorant, com o lançamento de vários personagens negros, homossexuais e femininos. Flávia, 23 anos: Se você comparar a quantidade de personagens protagonistas homens brancos em relação a personagens mulheres e negros, ainda é desigual. Jogos com personalização de personagens ampliam esse conceito para que o jogador consiga se identificar, mas é algo ainda muito recente. Sendo assim, em jogos mais antigos vigentes ainda existe uma desigualdade de representações. Além da diferença em número de gênero representado, a forma como os personagens ativamente era desenhada anda mudando: modelos femininos quando existiam eram sexualizadas e hoje existe sim uma mudança, mesmo que quase pífia. Assim, a exemplo de jogos MOBA, mais antigos, existem mais personagens homens sem pluralidade étnica e quando existem personagens femininos estão em funções específicas. Ao mesmo tempo que personagens fora de estereótipos, diferentes, gordos, idosos, portadores de deficiência, monstros e até musculosos em sua maioria são personagens masculinos e poucas personagens femininas saem do estereótipo de beleza da mulher contemporânea. Se existe alguma mudança de modelo a história faz com que a mulher ain-
da seja muito bela: um exemplo no League of Legends é a personagem Camille que apesar de ser muito velha uma tecnologia a faz ter um corpo e aparência mais jovem. Porém, no caminho de atualização que falei, a mesma desenvolvedora lançou um jogo muito mais atual, com a metade dos personagens mulheres e com personagens negros e asiáticos. Natália, 21 anos: Sim, existe essa representatividade, tanto para mulheres, como para o público LGBTQI+. Personagens são criadas com essa representação, mulheres com personalidade forte, líderes e encantadoras, há muitas ações dentro dos jogos durante o dia que representa cada um. Antigamente elas eram sexualizadas, com corpões e decotes, mas hoje isso já está sendo corrigido e com a percepção mudada. Catherine, 23 anos: As representações dentro dos jogos são em sua grande maioria muito rasas. (4) E, dentro do cenário do eSports universitários, três presidentes das atléticas universitárias falam como é ser mulher e estar inserida nesse cenário em uma posição de liderança: Flávia, 23 anos - presidente da Minerva, time de eSports da UFRJ: Acho que acaba sen-
do um mesmo problema de as mulheres em geral possuem em posições de liderança. Sinto que preciso ter mil vezes mais cuidado nas palavras pois se sou direta eu sou “grossa”, parecem que espero que eu seja fofa ou tenha um perfil de “mãe”. Ao mesmo tempo, se eu falo pausadamente ou paro pra pensar eu sou “ignorante” em certo tópico e os valores das minhas palavras podem ser prejudicados. Acabo participando de reuniões que eu sou a única mulher e ainda sim sou aquela que guia os tópicos, então existe até uma pressão pessoal para não escorregar e me portar sempre para ser respeitada. Natália, 21 anos - presidente da Cardinals, time de eSports da Puc-Campinas: Traz uma sensação de orgulho e realização. Nunca achei que fosse da minha personalidade ser líder de algo, ainda mais no mundo dos games. Represento minha atlética e esse papel com muito orgulho e quero motivar outras garotas a fazerem o mesmo. Catherine, 23 anos - presidente da Mermaids, time de eSports da Unicamp: É algo desafiador. Preciso me reafirmar e provar minha capacidade a todo momento. Além de ter muitos homens que não respeitam, muitas vezes eu não sou vista pelo meu cargo, mas sim objetificada por ser mulher.
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Aprofundando no Streaming
entre os celulares.
Os eSports cresceram durante quarentena e chegaram a movimentar R$ 8,5 bi em 2020. Segundo dados fornecidos pela Newzoo, empresa que acompanha o crescimento dos eSports, o mercado global do setor deve faturar ainda mais em 2021. Ainda segundo a empresa, os streamings de eSports já ultrapassaram US$ 120 milhões (R$ 644 milhões), e as receitas com venda de ingressos, produtos, patrocínio e direitos de mídia tendem a somar, até o fim do ano, US$ 897,6 milhões (R$ 4,8 bilhões). Tal quantia, no entanto, é somente uma pequena parte do que movimenta o mercado global de games. Segundo estudo feito pela mesma Newzoo, empresa especialista em análises no mercado de games, o setor gerou mais de US$ 152 bilhões em receitas somente no ano passado. O nicho dos eSports tem sido impulsionado por grandes potências como Estados Unidos, China e Coreia do Sul, mas também ganha muita força no Brasil. Versão mobile do eSports
no
mundo
Os jogos mobile – celular e tablet – continuam a quebrar barreiras em 2020, se mantendo como o segmento de maior receita entre os games no mundo (US$ 77,2 bilhões, com um crescimento anual de 13,3%). Essa popularidade pode ser explicada pela baixa barreira de entrada no cenário, devido ao maior acesso a smartphones, à menor complexidade dos jogos para esse tipo de plataforma e ao surgimento dos games Lite, permitindo que qualquer um jogue e se divirta. O Free Fire, o Call of Duty: Mobile, o PES e o PUBG são alguns dos jogos de destaque 12
Naturalmente, o cenário competitivo desses games também explodiu mundialmente, contribuindo com o crescimento da audiência dos esportes eletrônicos. No período de setembro a novembro de 2019, por exemplo, os jogos mobile foram responsáveis por 50 milhões de horas de visualizações ao vivo – cerca de dez vezes mais que o número de horas do mesmo período de 2018.
Dandara dos Palmares em jogo Ana Flávia Marins Maia
COMENTÁRIO
Q
uando falamos em uma Indústria Cultural brasileira, uma série de coisas nos vem à mente: as novelas, a música, o audiovisual, talvez a literatura. Então me foi uma surpresa agradável descobrir não apenas a força do videogame brasileiro, mas também a de suas heroínas colocadas em jogo. Primeiro, precisamos entender que no Brasil o mercado independente de jogos, apesar do promissor, tem como um de seus desafios também a adversidade de atuar em uma indústria majoritariamente dominada pelo mercado Estadunidense, Asiático e Ocidental: os Triple A, ou AAA, jogos lançados com um grande nível de orçamento, promoção e propaganda. Consequentemente e especialmente pela ação da mídia, tendemos a consumir somente essas culturas que não são as nossas. Com o aprofundamento na temática, acabamos encontrando não só com uma grande quantidade jogos com referências históricas, podemos observar também uma forte presença de heroínas em suas temáticas centrais: o jogo Dandara, lança-
do em 2018 pelo estúdio Long Hat House nos coloca no papel de uma heroína inspirada na figura histórica Dandara dos Palmares. A História de Dandara dos Palmares, como a de muitas heroínas, se encontra à margem da história brasileira: não se sabe bem suas origens, nascimento e passado. No jogo, a heroína Dandara é invocada a esse seu universo destruído e sinestésico. Também já nasce com seu destino definido: derrubar a opressão e resgatar os oprimidos do esquecimento. Com ela, resgatamos figuras históricas como Tarsila do Amaral, encontramos referências à arte de rua contemporânea e homenagens à grafiteira mineira Raquel Bolinho. O jogo também possui cenários como Trilha dos Palmares, Avenida Belo Horizonte, Mercado Central e o Clube da Esquina66, fazendo referência ao movimento musical dos anos 60 surgido em Belo Horizonte e composto por artistas, letristas e compositores como Milton Nascimento, Flávio Venturini, Ló Borges e Beto Guedes. Para além da aventura cultural,
Dandara se destaca aqui principalmente ao escolher sua protagonista, historicamente uma guerreira que, tanto na história quanto nas narrativas trazidas, escolhe sempre a liberdade à escravidão – como foi a guerreira quilombola. Podemos observar então, no interior de uma série de narrativas apresentadas pelos indie games brasileiros como as de Dandara e de tantas outras personalidades brasileiras uma possível tendência que pode ser temática, mas é também social. Afinal, a heroína escolhida dentro desses contextos incorporam também uma longa luta por demarcação de novos circuitos identidade, pluralidade e representatividade que agora vem tomando forma também no videogame brasileiro. *Ana Flávia Martins Maia formouse em Letras e fez mestrado em Linguagens, Mídia e Artes, sempre na PUC-Campinas. Entusiasta e ativista do universo game, ela estuda os jogos digitais brasileiros com ênfase nas narrativas e no imaginário. 13
Muitos em um só
Em meio à crise na qual mergulhou o país, a demanda pela multifuncionalidade se faz cada vez mais presente e o mercado de comunicação exige que o profissional tenha inúmeras Repórteres habilidades fora do Giovanna Giuga Julia Vilela Mariana Padovesi currículo Designers acadêmico Giovana Franco Júlia Labaki Letícia Correia Pedro Sanches
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D
ados da Associação Comercial e Industrial de Campinas (ACIC) apontam que 108.662 campineiros estão desempregados desde o ano passado. O desemprego na cidade cresceu 31,85% em comparação ao acumulado de 2019. A crise no mercado de trabalho atinge todos os setores, desde o de serviços, até o de comunicação. Para conseguir um lugar no mercado de trabalho, é cada vez mais necessário se diferenciar dos concorrentes. Segundo o doutor e mestre em Comunicação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), Felipe Mateus, o mercado de comunicação exige que o profissional tenha inúmeras habilidades fora do currículo acadêmico. “Repertório e visão de mundo não se criam a partir de tutoriais rápidos no Youtube”, alerta o especialista. Não importa se for por meio de uma especialização ou pós-graduação, Mateus aponta que as habilidades do profissional de comunicação precisam estar cada vez mais integradas. Ele ainda ressalta que as redes sociais foram a principal motivação para a mudança no mercado de comunicação, pois a partir delas, o diálogo com o público passou a ser diferente e os profissionais precisaram se adaptar para entregar um bom conteúdo. Thiago Santos é repórter na empresa Thathi Record TV de Campinas e comenta sobre a crise no mercado de comunicação. “A gente vive em um mundo e em um país em crise. Cada vez mais as empresas estão pagando menos e cortando profissionais. Se há a possibilidade de ter um profissional que exerça todas as funções, eu tenho a impressão que ele tende a ser mais aceito no mercado.” Santos relata que aprendeu a exercer a profissão na prática.
Felipe Mateus é graduado em jornalismo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) Foto: Arquivo pessoal
Felipe
“Há muitos anos eu estagiei em uma produtora, onde eu fazia só edição de imagem, e lá acabei aprendendo muita coisa na raça, porque eu não tinha tido as disciplinas na faculdade ainda”, conta. O repórter ainda diz que não se sente cobrado a ter o domínio de outras áreas da comunicação que não sejam o jornalismo, mas que esse tipo de conhecimento foi adquirido por ele de forma natural, durante a trajetória profissional. “Precisamos estar muito preparados, porque o futuro do jornalismo é incerto, principalmente com a chegada das redes sociais”, completa. Letícia Quatel é jornalista e trabalha na redação do banco
Bradesco. Ela acredita que as condições econômicas obrigam as empresas a exigirem inúmeras funções de um único profissional. “A questão não é que as empresas estejam procurando profissionais que exerçam múltiplas funções, o mercado de comunicação é um mercado decadente, com cada vez menos espaço”. Letícia acredita que o conhecimento adquirido na faculdade é apenas uma base. “As pessoas vão se destacar futuramente não pela formação acadêmica, mas sim pelas habilidades comportamentais, adaptabilidade e entendimento de que estamos em constante mudança”, analisa. Assim como Thiago, Letícia 15
conta que não se sentiu cobrada a ter conhecimento de diversas áreas da comunicação, mas que isso aconteceu de forma natural. Dentro do mercado de trabalho, ela diz estar preparada para exercer diversas funções na comunicação como um todo. Para a jornalista Thaís Helena Bento, repórter do caderno de esportes do Correio Popular, as empresas buscam cada vez mais profissionais flexíveis. Segundo ela, mesmo em vagas específicas, o jornalista com conhecimento mais amplo tem grande vantagem. Em seu atual trabalho, Thais Helena desempenha apenas a parte de entrevistas e escrita de texto, mas conta que no cargo que ocupou anteriormente, em uma TV web de esportes, era responsável pela reportagem, produção, apuração e edição. A repórter do Correio Popular comenta que as áreas da comuni-
Letícia
Thaís Helena é graduada em jornalismo pela PUC-Campinas Foto: Arquivo pessoal
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Thaís
cação muitas vezes andam juntas e que essa fusão começa logo nos requisitos das vagas de emprego. “Hoje em dia, muitas vagas são intituladas como “comunicação”, abrangendo profissionais de jornalismo, publicidade e propaganda e relações públicas”, diz Thaís. Para ela, as empresas devem deixar claro nas entrevistas de emprego as funções, salário e benefícios que serão destinados ao profissional, para que então ele possa ponderar e, caso aceite a vaga, esteja ciente de todas as tarefas. Contudo, apesar de reconhecer a complexidade da multifuncionalidade, Thais Helena enxerga um lado bom em desempenhar diversas funções. “No final das contas, acaba agregando para o currículo e dando mais bagagem, o que é uma vantagem para os próximos cargos que o profissional irá se candidatar”. Convivendo com o novo e completo profissional de comunicação, que se destaca dentro do ambiente de trabalho, é visível como o entendimento mais amplo da função exercida na empresa de atuação abre um leque de possibilidades ao jornalista e a qualquer outro profissional de comunicação.
Letícia Quatel fez um mestrado de curadoria em Artes, na Itália e hoje trabalha na redação do Bradesco Foto: Arquivo pessoal
Fora da redação Para o jornalista Marcelo Xavier, coordenador de comunicação da agência Alfapress Comunicações, as faculdades têm certa dificuldade em acompanhar o ritmo em que o jornalismo muda, especialmente nos últimos anos. “Por isso o profissional sai do curso já correndo para alcançar as novas mudanças e não ficar para trás”, afirma. Nas agências de comunicação, nas quais se faz necessário o contato com clientes de diversos setores, a multifuncionalidade é exigida a todo o momento. Além de conhecer todos os segmentos e indústrias que a agência abrange, o profissional deve “saber desde escrever um texto e apurar informações, até identificar métricas para apurar a eficiência dos resultados de divulgações e conhecer estratégias de negócios que se revertam em sucesso para o seu cliente”, conta o coordenador de comunicação. Nessa área do jornalismo, o alinhamento com a publicidade e relações públicas é essencial. Marcelo Xavier ressalta a importância de entender as estratégias de publicidade para que os planos de assessoria e comunicação se-
O jornalista conta que sua função preferida dentro do telejornalismo é a de repórter de rua Foto: Arquivo pessoal
jam mais assertivos. Já as técnicas de relações públicas são exigidas ao realizar a organização de um evento, onde para se obter sucesso deve-se ter o domínio das principais funções dessa profissão. “Eu não vejo hoje um profissional de comunicação, especialmente de agência ou coorporativo, podendo não ter essa visão ampla e entendendo sobre outras áreas”, diz. “Essa busca por atualização é algo que não vai parar nunca e a cobrança por esse conhecimento ampliado vem, além dos nossos empregadores, que esperam isso de nós, também de nós mesmos”. Para Carolina Alvarez, jornalista e, atualmente, redatora na Dale! Marketing Digital, a multifuncionalidade do profissional de jornalismo e de diversas outras profissões da comunicação é uma tendência no mercado de trabalho pelo fato de, hoje em dia, ser-
Thiago
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mos imediatistas e, também, por todos sermos veículos de comunicação com acesso à tecnologia 24 horas por dia. “Essa ampliação de recursos, onde todos têm acesso à acontecimentos e publicam informações, trouxe uma necessidade maior do profissional estar mais atento a essas outras funções exercidas”, afirma. Carolina, que atua como criadora de conteúdo em uma agência de marketing digital, percebe que, apesar de suas funções contemplarem diferentes tipos de trabalhos como produções específicas para sites, escrita de legendas para postagens em redes sociais e locuções para vídeos comerciais, seu trabalho não alcança outras áreas, como o design, por exemplo. “Não consigo fazer uma arte porque eu não domino programas como o Illustrator e o Photoshop, mas, se eu soubesse,
estaria executando isso de alguma forma dentro do meu trabalho”. Entrada no mercado Já para a jornalista e apresentadora dos programas Manhã Brasil e Estação Brasil da Rádio Brasil Campinas, Camilla Godoy, as multitarefas são extremamente importantes. Independente de qual for a empresa ou o veículo de comunicação, a multifuncionalidade é importante para que o profissional não dependa de terceiros para realizar ou finalizar uma demanda. “Hoje, onde trabalho, eu sou produtora, locutora, apresentadora, atuo em processos seletivos e oriento as estagiárias que trabalham nos setores de entretenimento e religioso comigo”. Além disso, a apresentadora também compartilha da ideia de que as redações estão ficando cada vez mais enxutas, com as em-
presas buscando jornalistas que realizem funções de dois ou mais profissionais. Ela conta que, como auxilia sua empresa na área de entrevistas para contratar novos profissionais, percebe ainda mais como as organizações “procuram recém-formados com mais habilidades e que dominem um pouco de tudo, principalmente, sobre as áreas trabalhadas dentro daquela empresa”. A nova tendência do mercado de trabalho, que exige a chamada flexibilização das funções, é resultado de um mercado que visa cortar gastos e otimizar processos. Entretanto, existem duas maneiras de enxergarmos a multifuncionalidade: excesso de conhecimento e sobrecarga de trabalho. Quando falamos nos pontos positivos de um profissional, certamente os seus cursos profissionalizantes e conhecimentos em di-
Marcelo
Xavier fez MBA em Gestão de Marketing para ampliar seus conhecimentos e melhorar seus resultados Foto: Arquivo pessoal
Formada em jornalismo pela PUC-Campinas, Carolina Alvarez é redatora na Dale! Marketing Digital
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Carolina
Foto: Arquivo pessoal
Camilla
Camilla Godoy é jornalista pela PUC-Campinas e apresentadora dos programas Manhã e Estação Brasil pelo AM 1270 Foto: Arquivo pessoal
ferentes áreas fazem a diferença no momento de sua contratação. Por outro lado, podemos classificar a possibilidade de a multifuncionalidade sobrecarregar o funcionário como algo negativo. De acordo com a redatora da Dale!, Carolina Alvarez, apesar de não se sentir pressionada em seu trabalho a exercer a função de um outro profissional, ela acredita que o mercado pede isso explicitamente, e ainda se preocupa com a justa remuneração. “Nem sempre o profissional é remunerado pelo trabalho que faz. Na verdade, o que vemos hoje são empresas que fazem um “pacotão” para um, ao invés de pagar dois para suas respectivas funções”. Carolina relembra que, ao retornar ao mercado de trabalho, após um período afastada em razão da sobrecarga, se assustou ao ver as mudanças tecnológicas exigidas e os anúncios de vagas de
emprego solicitando aos possíveis jornalistas contratados diversos conhecimentos, além de sua formação. “Que jornalista é esse que sabe tudo? E aí a gente lembra que não é só a tal vaga que pede isso e nem a faculdade, mas sim o mercado de trabalho e a cobrança geral”. A redatora finaliza afirmando que a multifuncionalidade pode levar a muitas horas de trabalho, inclusive, a mais horas diárias que o esperado e que, por essa razão, isso também pode levar o jornalista ao seu limite. “O excesso de trabalho pode acarretar o estresse e, também, um trabalho com menos qualidade, afinal, quem faz tudo, não faz bem-feito”. A jornalista Camilla Godoy também diz não se sentir cobrada por sua empresa a exercer todas as funções, mas sim por ela mesma. “Não gosto de me acomodar e fazer sempre a mesma função,
por isso também ajudo nas outras áreas que trabalho hoje”. Ela ainda conta que, no início da pandemia, fez um curso de marketing digital para jornalistas e que, atualmente, está realizando um curso de jornalismo esportivo que, recentemente, no dia 6 de maio, foi de grande ajuda para que ela cobrisse, como convidada especial, o Dérbi campineiro. “Temos que abrir os horizontes e nos atualizar. O Dérbi foi uma grande conquista pra mim, que venho estudando a área esportiva”. A jornalista de rádio acredita que é válido ressaltar que contratar um repórter multifuncional, por exemplo, evidencia a versatilidade da pessoa, porém, ainda é complicada a questão da remuneração. “Seria ótimo se as empresas revissem isso para ver se vale a pena setorizar ou, contratar menos profissionais que façam mais, e pagar por isso”. 19
ENTREVISTA E
Reporteres: Carol Rizzieri e Maria Eduarda Camilo Designer: Maximilham Brandão de Souza Firmino Imagnes: Reprodução
studando na cidade onde nasceu, Felipe Santana se formou em jornalismo no ano de 2010 pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Hoje mora e trabalha em Nova York, nos Estados Unidos da América, onde é correspondente da Rede Globo de televisão. Começou a carreira jornalística na RBS, afiliada da Rede Globo no estado, e de lá partiu para voos maiores. Aos 24 anos, participou do Passaporte SporTV, sendo correspondente do canal por assinatura em Belgrado, na Sérvia. Ao voltar para o Brasil, foi convidado para integrar a equipe de jornalistas do Fantástico. Já passou por todos os telejornais da Rede Globo. Felipe conversou com as jornalistas Carol e Maria Eduarda em meio a pandemia do Coronavírus – já vacinado. A entrevista foi feita remotamente e as imagens são reproduções de suas transmissões ao vivo.
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CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO
Felipe Santana tem 34 anos e é correspondente internacional da Rede Globo em Nova York faz cinco anos e diz que seu sonho é fazer um filme
HáNexo - Como foi o início da sua vida profissional? Felipe - O começo da minha vida profissional foi ainda na faculdade. Eu consegui um emprego como repórter de polícia em Florianópolis para um jornal que é do Vale do Itajaí, no interior de Santa Catarina, então eu era meio que o “correspondente” de polícia deles em Florianópolis, e todo dia de manhã cedo eu tinha que ligar para todas as delegacias para saber o que tinha acontecido, escolher uma história e ir atrás daquela história. Sempre me encantou começar como repórter de polícia porque vários profissionais que eu admiro começaram como repórter de polícia, pois é uma editoria que você precisa apurar muito bem e em detalhes o que aconteceu, e também tem muita interferência de um lado da polícia, tem o drama das famílias e volta e meia acontece uma história que mobiliza a população. É uma editoria importante, ainda mais no Brasil, um país tão marcado pela violência. Fiz isso por seis meses. HáNexo - Quais foram as principais mudanças ao longo da sua carreira? Felipe - Depois dessa experiência eu consegui um emprego em Florianópolis na TV. Lá, eu fazia um programa diário de uma hora ao vivo. A TVCOM, que era uma espécie de TV comunitária da RBS, do Grupo Globo, foi o meu aprendizado de TV. Era só eu e dois apresentadores, então eu fazia VT, gerava TP, fazia caracteres, produzia, chamava convidados, discutia qual ia ser o assunto, fazia chamada, resumindo, eu fazia tudo que envolvia colocar o programa no ar - aprendi tudo na marra e foi um grande aprendizado.
HáNexo – E como conseguiu se tornar repórter do Fantástico? Felipe - Quando eu ainda estava na faculdade, a Globo fez um programa de Trainee que se chamava Passaporte SporTV, em que eles iam chamar 10 recém formados para ir para 10 países que estavam disputando a Copa da África de 2010. Eu fui selecionado para esse programa e acabei indo para Sérvia, que era o lugar onde eu mais queria ir. Eu não entendia nada de esporte e na Sérvia eu sabia que não iria precisar fazer entrada ao vivo. Lá eu poderia fazer matérias longas sobre cultura, sobre as pessoas do país e sobre como o país estava respondendo a Copa do Mundo. HáNexo - Como é ser correspondente internacional em Nova York? Felipe - É uma loucura porque a gente tem que estar ligado o tempo todo em tudo que está acontecendo. Nós somos meio que responsáveis por uma editoria Mundo/Internacional. Somos o maior escritório da Globo no exterior, então nós cobrimos até assuntos que não estão acontecendo na América do Norte. Cobrimos por exemplo Irã, China, geralmente tentando relacionar com o que está acontecendo nos Estados Unidos e qual é a repercussão disso para o Brasil. Volta e meia somos surpreendidos com assunto novo. Com um pouco mais de experiência você vai relembrando todas as vezes que você cobriu Israel, Irã e as coisas vão somando, mas o começo é sempre difícil em qualquer cargo, afinal, é um leque muito grande de assuntos que você deve dominar. Além disso, tudo pode acontecer a qualquer momento, é uma redação pequena então precisamos estar de prontidão o tempo todo. 21
HáNexo – Qual seu método trabalho para fazer uma reportagem? Felipe - No fim das contas, esse é o segredo: se preparar muito. Fazer o dever de casa é fundamental. Você deve estudar muito mais do que você precisa sobre o assunto que você vai reportar para não ser pego de surpresa. Jornalista tem que estar preparado no momento que a coisa acontece. Isso vale para quando você fizer uma reportagem especial. Numa grande cobertura como a cobertura das Eleições, que você não sabe quando vai sair o resultado e não sabe se vai ter que ficar três horas no ar esperando o resultado, você tem que ter base de história, economia, o que está acontecendo nos Estados Unidos, o que está acontecendo nas eleições, o que aquilo significa. Você precisa estar pronto o tempo todo para a hora que as coisas acontecem HáNexo – O jornalismo pode mudar o mundo? Felipe - A função primordial que o jornalismo promove no mundo é basicamente informar as pessoas. A gente não pode querer que o nosso papel seja maior do que isso. Quem faz as mudanças são as pessoas quer recebem aquela informação. Elas precisam ver e entender o que está acontecendo no mundo, pois a mudança é social, vem depois da gente. HáNexo - Nesses últimos meses o cancelamento foi um assunto muito presente no Big Brother Brasil e na Internet. Você já foi cancelado por algo? Qual é a sua opinião sobre cancelamento? Felipe - Já devo ter sido minimamente cancelado, mas eu acho que um dos grandes trunfos do jornalista, e é o que o Caco Barcellos diz, é que grande parte dos repórteres não precisam opinar. Não opinar é realmente muito bom porque você tem que tentar manter, principalmente agora na Internet, o seu papel na esfera pública como de quem traz informação, não quem se posiciona de um lado ou de outro, por isso, é um pouco mais difícil de ser cancelado. É claro que na Internet as pessoas pedem uma verdade e pedem para que você seja mais você, mas é preciso ficar se equilibrando nessa corda bamba, porque seu papel na sociedade é basicamente trazer a informação e deixar que as pessoas façam o que querem com ela. Eu sou muito antiquado quando se trata desse assunto. Sei que tem vários jeitos de comunicar e informar, mas basicamente do repórter é se manter no limite da informação, até porque na hora 22
que a pessoa recebe a informação de você, ela não tem que achar que você está dando aquela informação por isso ou por aquilo. Você está dando aquela informação porque você sabe os critérios de noticiabilidade, e apesar do repórter pensar de um jeito ou de outro, não importa o jeito que ele pensa, o trunfo dele é não mostrar como ele pensa e não opinar para que a informação dele possa ser crível. HáNexo - O que diria para alguém que gostaria de ser correspondente internacional, mas não sabe por onde começar? Felipe - É bem difícil ser correspondente internacional e pelo que me parece vai ser cada vez mais difícil. São poucas vagas para um emprego que é realmente de encher os olhos, mas você deve começar estudando línguas, história e cultura do mundo. Quem tem a oportunidade de viajar, viaje o máximo possível. Veja outras coisas e esteja sempre com os olhos abertos. Grande parte dos correspondentes internacionais que eu conheço foram meio que em uma oportunidade de cobrir um evento que estava acontecendo em algum lugar no mundo e a partir daí eles foram cavando suas oportunidades. ui chamado pelo Fantástico para o meu primeiro verdadeiro emprego na Globo. Eu virei repórter, fiquei lá por cinco anos, mas uma hora eu cansei, queria diversificar as coisas que eu fazia, pois no Fantástico eu cobria bastante cultura, entretenimento e entrevistas com artistas. Por isso, pedi para ir no jornalismo diário. Depois que fiquei um bom tempo no jornalismo diário apareceu a oportunidade de vir para Nova York
ENTREVISTA
JOGO RÁPIDO
Twitter X Instagram? Prefiro Twitter, mas gosto de tirar fotos para colocar no Instagram. Se eu pudesse escolher, diria nenhum (risos). Área do jornalismo que queria seguir quando entrou na faculdade? Jornalismo Cultural Editoria que menos gosta de cobrir? Esporte e Polícia Celebridade que mais gostou de conhecer? Caetano Veloso País que mais gostou de visitar? Vietnã País que você ainda não conhece, mas quer muito visitar? Irã Um sonho que ainda não realizou? Fazer um filme Última série que acompanhou? Oito em Istambul Último livro que você leu? A Sexta Extinção, de Elizabeth Kolbert Último filme que assistiu? Meu pai (The Father) Se você não fosse jornalista, qual profissão escolheria? Arquiteto 23
HISTÓRIA DE JORNALISTA
E
A jornalista Daniella Lemos, da EPTV Campinas, contou essa história para a repórter Gabriela Duarte
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Daniella Lemos
u não lembro exatamente o ano, mas era começo dos anos 2000 e estava tendo uma obra de ampliação grande da Dom Pedro, duplicação de pistas etc. Só que pra rolar essa reformulação viária, eles precisavam explodir uma rocha enorme, que estava no meio do caminho, por onde eles iriam construir o novo viaduto. Era uma coisa que chamou muita atenção, porque raramente víamos esse tipo de intervenção em uma área tão movimentada da cidade; e foi tudo programado, iriam bloquear o trânsito, fazer um círculo de segurança, a imprensa só poderia acompanhar de um outro viaduto do outro lado, coisas assim. Nessa época, eu trabalhava numa TV a cabo local que a EPTV tinha e chamamos uma entrada ao vivo da tal rocha. Beleza! Tudo montado, caminhão de link - na época não era toda essa facilidade pra entrar ao vivo. Fomos pra lá para montar todo o circo e começou a transmissão ao vivo próximo do horário que estava prometido mesmo a tal da explosão da rocha. Só que, obviamente, para que o cinegrafista conseguisse mostrar a rocha, eu estava de costas para ela. E aí foi aquela expectativa. Acho que eram três sirenes que tocavam antes da explosão em si, e eu lá enrolando, mostrando a movimentação em volta, a interdição das pistas, as pessoas que ficaram em cima de morros e de viadutos mais distantes para assistir a explosão da tal rocha, aquela expectativa toda. E eu falando, falando, tocou a primeira sirene; eu continuei falando, tocou a segunda sirene e eu falando, esperando pela última sirene e a tal da explosão. Tocou a última sirene e eu continuei falando, porque eu não ouvi a tal da explosão - tava de costas pra rocha - e eu falando, falando, falando, até que o cinegrafista fez um sinal pra mim assim: “Já explodiu!”. Era um negócio...a gente tava esperando um estrondo enorme, porque tinha toda essa área de segurança montada, então a gente imaginou que seria uma coisa que ia fazer um barulhão. No final das contas o negócio fez assim: “Puf…”, e a rocha desmontou; já que era pra abrir ela em várias partes e depois conseguir tirar, remover aquela rocha. Então aquele barulho todo que a gente esperava nunca chegou, e como eu tava de costas, e não ouvi o barulho, eu continuei falando. “A expectativa aqui, para a hora da explosão…” e a explosão já tinha rolado atrás de mim! O cinegrafista não sabia se ria ou se desesperava, porque eu continuava falando como se nada tivesse acontecido, e a explosão já tinha sido. Então, essa é uma história que eu lembro, assim, de uma papagaiada ao vivo, mas enfim, não era nada daquilo que a gente imaginava.
TECNOLOGIA
SMARTPHONES
A nova era da comunicação Celular é aparelho mais intimista que permite aos jornalistas exercerem seu trabalho de forma mais prática e ágil, argumenta pesquisador e coordenador do Grupo de Pesquisa em Jornalismo e Mobilidade
Repórteres Cristiane Campari Elton Mateus Livia Lisboa Designer Isabella Nista Fotos Arquivos pessoais
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ais um dia de trabalho começa. João Abel, 23 anos, social media do jornal Estadão, da capital paulista, prepara-se para gravar novos conteúdos para o Drops, um programa voltado para os stories no Instagram, que hoje é apresentado como um produto noticioso também oferecido em outras plataformas do veículo. João já tem tudo em mãos: conta com um roteiro no notebook, com uma lista das notícias que devem ser mencionadas, e o smartphone, por onde grava e edita todo o material. Um aparelho que carrega a inteligência no nome tem mudado não só a forma como os
seres humanos se comunicam, mas também a forma com qual a comunicação é produzida. E como as evoluções tecnológicas são constantes, cada vez mais os smartphones surgem com melhorias na qualidade da resolução de vídeos e fotos, na velocidade de processamento e na compatibilidade de conexões. A pesquisa Data Stories do mês de março, publicada pela Kantar IBOPE Media, destacou a influência que os smartphones exercem sobre a população. Segundo a pesquisa, 81% dos usuários usam os smartphones para assistir vídeos online, 50% dos entrevistados afirmam consumir jornalismo pelo celular e 36%
Bárbara e João Abel apresentadores do Drops
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buscam por vídeo notícias. A Kantar também aponta que 69% dos internautas têm preferência em acessar a internet por meio dos dispositivos móveis. O jornalista João Abel, formado em 2018, pela PUC-São Paulo, diz que nunca se imaginou produzindo conteúdo por meio do celular durante sua formação acadêmica. Quando era estagiário no Estadão ele já havia tido contato com o programa, assumindo o papel de apresentador substituto do jornalista Murilo Busolin Rodrigues, criador do Drops no Instagram. Atualmente, Abel divide a apresentação do programa com Bárbara Pereira, 23 anos, que começou sua carreira no Estadão como estagiária do jornalismo digital da “E+” em 2018. Sua efetivação veio em 2019, no mesmo ano em que se formou na Mackenzie São Paulo, e recebeu o convite para trabalhar no Drops. Bárbara conta que sua experiência criando blogs, ainda na adolescência, e usando redes sociais como meios de divulgação dos seus projetos, fizeram grande diferença na sua atuação ainda como estagiária. A prática lhe ensinou a edição de vídeos, que agora é usada em seu trabalho. “Começo o dia selecionando matérias interessantes para montar o roteiro do Drops”. Ela também destaca que a produção precisou mudar por conta do cenário pandêmico. Antes, os vídeos eram gravados ao longo do dia, mas postados em sequência à noite. Após o início da pandemia, tudo passou a ser feito em tempo real. Por dia, são cerca de 25 stories publicados no perfil do Estadão. Todas as edições do Drops são feitas por um aplicativo de celular, normalmente o InShot e o Filmr, onde são colocados efeitos e trilhas usados para a sequência de stories, que tem duração de 15 segundos. “É impossível dar uma 26
notícia completa nesse tempo”, comenta Abel. Ele explica que esse tempo tem de servir para contextualizar os principais fatos que estão ocorrendo no mundo e no país, e também despertar o interesse no público. O cenário é estudado pelo doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea, professor Fernando Firmino da Silva, do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo na Universidade Federal da Paraíba e coordenador do Mobjor, um grupo de pesquisa em jornalismo e mobilidade que estuda a cibercultura, jornalismo móvel e jornalismo digital. Segundo Firmino, o jornalismo móvel é a prática ou o consumo de notícias a partir de tecnologias móveis como o smartphone. E como o nome presume, sua principal característica é a mobilidade e a portabilidade. “De alguma forma o jornalismo móvel sempre existiu, mas na contemporaneidade tornou-se um novo paradigma com a digitalização do aparato”, explica o pesquisador. Nesse contexto, também existe a possibilidade dos aplicativos serem ilhas de edição com possibilidade remota. Multiplataforma Foi em 2017 que Murilo Busolin Rodrigues, 30, desenvolveu o Drops. Hoje, Murilo é colunista de cultura pop do jornal Estadão. A ideia de criação do Drops surgiu depois que Murilo assistiu uma palestra promovida pelo Facebook e Instagram, que tinha como tema o lançamento da função stories, e buscava mostrar aos jornalistas como a sua utilização poderia humanizar o conteúdo produzido. Inspirado, Murilo decidiu começar a usar a ferramenta e mostrar os bastidores da produção de notícias do Estadão, sempre tentando atingir o público mais jovem.
Murilo Busolin Rodrigues criador do Drops
Ananda Pereira é redatora do UOL e o Insta comanda o Ananda News
Fernando Firmino da Silva, jornalista e doutor em Comunicação
Wesley Justino da EPTV usa o smartphone para produzir as reportagens
O formato descontraído, que assume um tom de seriedade quando necessário, transformou a divulgação das notícias do jornal em um case de sucesso, título dado pelo próprio Instagram. Mesmo não estando mais na equipe de redes sociais, Busolin continua a usar o Drops para contar aos leitores qual será o tema da sua próxima coluna no jornal impresso. Para Murilo, o uso do smartphone na vida de um repórter é essencial. Ele relembra um dos casos de protestos no país, em que o aparelho foi aliado da produção de notícias, “se alguém não tivesse com o celular na mão naquela época, nós tínhamos perdido fatos muito importantes”. Além da utilização dos smartphones para gravação de imagens, Murilo também destaca a importância da presença do jornalista nas redes sociais. Por meio delas, e de forma instantânea, as notícias circulam nesses ambientes, como é o caso do Twitter. Isso ajuda o jornalista a se manter atualizado e pode render boas pautas. Com todas as transformações causadas pela pandemia, a redatora do portal UOL, Ananda Pereira, 26, sentiu que precisava agir de alguma forma. Apaixonada pela produção de vídeo e motivada por uma amiga, ela iniciou em seu próprio perfil do Instagram um quadro chamado Ananda News, que resumia notícias da semana. Mesmo com a receptividade do público, ainda era preciso melhorar. O programa, por ser publicado apenas em um dia da semana, perdia o calor de algumas notícias. Pensando nisso, a jornalista desenvolveu o Ananda Explica, produzido para o IGTV, que hoje conta com vídeos que já alcançaram cerca de 23 mil visualizações e já foram compartilhados por páginas influentes como a Quebrando o Tabu.
A ideia é trazer para discussão assuntos que estão circulando pelas redes sociais ou que, na opinião da jornalista, deveriam receber mais atenção. Ananda grava tudo pelo celular. Arrasta sua mesa para colocar a estante de livros no enquadramento e memoriza o que vai ser dito por blocos, sem perder a naturalidade. “Como eu trabalho com noticiário quente, eu preciso estar conectada com tudo que está acontecendo”, conta Ananda, que diz não se ver sem o celular e também destaca a importância dos jornalistas dominarem as multiplataformas, encarando a mensagem como a base para se pensar o formato, vinculação e distribuição. Para Firmino, a audiência dos jornais também está conectada, e por isso o consumo de notícias pelos dispositivos móveis é uma crescente. “Portanto, estamos falando de uma cultura da mobilidade na própria sociedade” explica o pesquisador. Videorreportagem mobile O telejornalismo não foge a regra da tendência. Produção de imagens, entrevistas e até mesmo o ao vivo, que entra nos jornais, tudo é feito com um celular intermediário, comenta o produtor e videorrepórter da EPTV Campinas, Wesley Justino de 33 anos Ele conta que todo o seu processo de produção de notícias é realizado pelo smartphone. Desde o contato com fontes, checagem de informações, entrevistas e captação de imagens. São os aplicativos de conversa que garantem a execução das reportagens e a câmera do celular permite todo conteúdo visual. E vem sendo assim desde que ele começou a estagiar na área, em 2015. “Não uso mais telefone fixo ou papéis nessas minhas tarefas”, completa o videorrepórter. 27
Atualmente, Justino consegue transitar pelo papel de produtor na redação e repórter de rua por conta do uso do smartphone, sendo responsável por apurar e realizar a captação do material. Para isso, precisou dominar técnicas de produção de vídeo pelo celular. Ele destaca que a utilização do celular dá discrição e agilidade para a produção jornalística. “Você consegue entrar e sair de situações sem ser notado. Dependendo da pauta, isso é muito bom”, conta o jornalista. A discrição é essencial para o trabalho do produtor e videorreporter Johnny Inselsperger, 55 anos, da EPTV Campinas. Montado em sua moto e com um equipamento portátil, o jornalista que começou se espelhando em Aldo Quiroga nos anos 90, executa pautas de periferias e pro-
blemas comunitários, ouvindo pessoas em extrema vulnerabilidade, ou registrando a periculosidade de alguns locais. “Meu trabalho não me permite ter um rosto conhecido pela reportagem, eu consigo ir até lá, com o celular, disfarçado e fazer esse trabalho”, diz o produtor. Em 2014, após ter adquirido uma diversidade de experiências com a produção de vídeo em outras emissoras, Johnny apresentou um projeto de moto-produtor, pensado em acidentes de rodovia. A combinação da moto com um equipamento portátil já rendeu uma leva de trabalhos dos quais Johnny se orgulha, como quando percorreu ruas de terra de fazendas próximas ao aeroporto Viracopos, para encontrar o carro abandonado por bandidos que realizaram um roubo noticiado
O consumo de notícias por smartphone Pesquisa aponta que 69% das pessoas que acessam a internet por dispositivos móveis afirmam não viver sem internet no celular.
69%
50% deles leem notícias por dispositivos móveis.
50%
81% dos usuários de aparelhos móveis assistiram vídeos online por meio dele
81%
Entre eles, 36% foram sobre conteúdo noticioso.
36%
*Pesquisa realizada em março de 2021, pela Kantar IBOPE Media
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em todo país. No entanto, o que Johnny mais valoriza é a proximidade que consegue obter das pessoas entrevistadas. O produtor diz que o espírito do seu trabalho é narrar aquilo que está vendo, e ao mesmo tempo dar espaço para que as pessoas envolvidas nas situações possam contar suas próprias histórias. Johnny recorda de um trabalho realizado em tempos de frio na favela do Parque Oziel em Campinas. Com a licença de moradores que faziam uma fogueira em protesto, ele pôde registrar de perto a dificuldade em questão. “É muito difícil imaginar como é a vida às 5h horas da madrugada em um barraco, com vento zunindo, passando na telha. A imagem é uma coisa muito rica”, completa o produtor. Ele argumenta que a câmera convencional é muito invasiva, e o nome da emissora pode impressionar. No entanto, há vezes em que ele prefere usar uma filmadora portátil para ter mais estabilidade de imagem. Johnny, que se vê como um cara das antigas, diz que precisa se atualizar e conta que o trabalho pelo smartphone proporciona tempo para edição, uma vez que os arquivos podem ser mandados remotamente para redação via WeTransfer. De fato, o jornalismo sempre buscou a velocidade na produção. Para o professor Fernando Firmino, o celular tornou-se uma ferramenta adequada para a produção jornalística por conta de seus recursos amplos. Sejam câmeras em 4k e aplicativos para o processo de apuração, produção e distribuição de conteúdo. “É importante refletir que o celular é o equipamento mais intimista e portátil que o repórter tem para exercer seu trabalho de forma mais prática e ágil”, diz o professor. O jornalismo atual pede a versatilidade do profissional, e a uti-
lização dos smartphones oferece diversas funções que facilitam o trabalho. Justino enxerga isso como oportunidade. Mas para isso, o jornalista precisa cada vez mais desenvolver habilidades que acompanhem as mudanças tecnológicas.
Johnny Inselsperger valoriza a proximidade que consegue obter das fontes com o seu equipamento portátil
Domínio ampliado Segundo o professor Fernando Firmino, para trabalhar com o smartphones é necessário sim se aprofundar em certos recursos, por mais que as pessoas naturalmente já entendem o seu uso. Um exemplo disso são as câmeras dos celulares, que possuem recursos que muitos desconhecem. “Saber explorar pode transformar a câmera do smartphone em algo próximo de uma câmera profissional, com o controle do ISO, do branco, das tonalidades, da iluminação, além dos acessórios que podem ser agregados, como lentes externas ou filtros vindos de aplicativos” explica o pesquisador. O jornalista Justino também destaca que, para realizar gravações com qualidade, é preciso ter noção de técnicas que são utilizadas por cinegrafistas profissionais. Além de entender que o celular limita certas ações, assim como a utilização do zoom. Apostar em um olhar mais fotográfico fará a diferença, aponta Justino. Já o videorrepórter Johnny Inselsperger elenca uma série de dispositivos e aparatos que são utilizados por ele durante a sua rotina de trabalho, como carregadores. portáteis e espaço extra para armazenamento das imagens. Johnny também conta que a emissora investiu na preparação dos produtores, com um curso que foi ministrado pelo documentarista Luís Nachbin. O professor Firmino ressalta que a descentralização das reda29
Wesley Justino, produtor e vídeorrepórter da EPTV, utiliza o smartphone em todo o processo de produção jornalística
ções, com a prática do repórter em condições de mobilidade, é cada vez mais vista na atuação de jornalistas, mas a prática ainda precisa de uma discussão sobre seu modelo de atuação, levando em consideração a necessidade, a qualidade e a sobrecarga de trabalho imposta por conta da sensação de praticidade.
Para o pesquisador, a prática não deve ser vista como regra, apesar do crescimento dentro das organizações de comunicação. Segundo ele, deve-se manter a atenção para que o jornalista não esteja diante da precarização do seu trabalho. “Alguns repórteres podem não se adaptar e isso precisa ser respeitado”, conclui Firmino.
Aos futuros comunicadores Dicas para quem busca trabalhar e se identifica com o jornalismo mobile Fazer takes curtos e diversificados facilitam o compartilhamento e ajudam a edição (Johnny Inselsperger, EPTV Campinas)
Aposte em um olhar diferente, com novos ângulos para suas produções (Wesley Justino, EPTV Campinas)
Produzir conteúdo próprio antes de entrar no mercado (Bárbara Pereira, Estadão)
Busque experiência nas plataformas e experimente os recursos (Murilo Busolin, Estadão)
Fique atento e conheça a produção de outros veículos (João Abel, Estadão)
Explorar o smartphone, adquirir acessórios e aplicativos (Fernando Firmino, Universidade Federal da Bahia) 30
Na produção, leve em conta para onde o conteúdo está sendo produzido (Ananda Portela, UOL)
Eweton Ramos
RESENHA / SÉRIE
MUITA AUDIÊNCIA
e pouca informação
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ngana-se quem pensa que as coberturas sensacionalistas, onde os apresentadores que ‘forçam a barra’ para alavancar a audiência, são estratégias recentes. Elas vêm de tempos bem anteriores. E é isso que a Netflix traz, em mais uma tentativa de expandir seu portfólio para mais áreas, além da dramaturgia. A série documental Condenados pela Mídia, lançado em 2020, retrata seis casos, que tiveram total influência e uma cobertura massiva por parte da imprensa. Com uma abordagem sutil sobre as perspectivas de cada caso, a mesma sutileza é utilizada para criticar as emissoras da mídia norte-americana, que faziam com que os tribunais se transformassem em auditórios de TV, tudo por um aumento nos medidores de audiência que, no mundo televisivo, equivale a dinheiro. Ao reservar um caso em cada episódio, os relatos são apresentados de modo a demonstrar o quanto a cobertura midiática é falha e o quanto determinados casos nascem como um produto sensacionalista. Um homem branco atira em quatro jovens negros no metrô, ao sentir que eles o iriam assaltar. No dia seguinte, esse rapaz é chamado pela mídia de ‘vigilante’. Não de assassino. Não de criminoso racista. Apresentando pontos cruciais, se revela o poder de influência que a mídia tem sobre os telespectadores e, pior, sobre a grande parte da sociedade. Podemos ver isso nos dias de hoje. Os programas jornalísticos de uma emissora de TV aberta no Brasil, são famosos por abusar do sensacionalismo na cobertura de casos. Evitarei citar nomes, mas sei que, falando de apresentadores e canais muito conhecidos, não será nenhum quebra-cabeça desvendar sobre quem estou me referindo. Fato é que se engana quem diz que a rentabilidade na TV está apenas no entretenimento. Ela está por toda parte. Em um dos casos abordados no documentário, os responsáveis pela emissora que estava sendo processada por, supostamente, ser o estopim de um assassinato, cria um outro canal de TV, apenas para cobrir todo o processo, transmitir as audiências no tribunal, o julgamento e ganhar o público. Ou seja, financeiramente a mesma empresa que poderia perder com o processo, estava ganhando com a transmissão desse processo. No mínimo intrigante e imoral. Por fim, temos os casos, temos a cobertura da mídia sobre esses casos, cada qual em uma determinada época. Temos esse documentário que discute a cobertura feita pela imprensa. Tudo é um processo envolvendo muito dinheiro e pouca informação. 31
especializações
Repórteres Gabriela Pauluci Giulia Rodrigues Designers Beatriz Infanger Luan Peterlevitz Mateus Tulon Tiago Martins Ilustrações Tiago Martins Fotos Arquivos pessoas
Jornalismos As várias especializações da profissão e as particularidades de cada uma delas
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entro do jornalismo e das notícias abordadas no cotidiano existem diversos segmentos e possibilidades de especializações para o profissional estudar e transmitir as informações ao público com maior aprofundamento e propriedade sobre o tema. Para entender melhor sobre cada área, conversamos com sete profissionais, com diferentes especializações, para que eles contassem os desafios e as alegrias que passam, mas vale lembrar que independente do segmento, no jornalismo é necessário trabalhar com preceitos éticos e muita apuração. Cultura “Estudar, ler livros, ler críticas
Leonardo Cassano é apresentador do CBN Cultura, programa que vai ao ar todos os sábados, ao vivo, com duas horas de duração Foto: Arquivo pessoal
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de cinema e de peças de teatro, se atentar aos lançamentos de CDs e entender como é um bate-papo”, essas são as dicas que Leonardo Cassano, apresentador do CBN Cultura, dá para quem deseja seguir o mesmo caminho que ele. Leonardo desde cedo apresentou vocação e interesse para a área de cultura. Antes de se aprofundar no mundo do jornalismo, ele se formou em artes cênicas e realizou curso técnico de teatro. A paixão pela cultura já existia, mas aflorou quando Leonardo se formou em jornalismo e viu dentro da área a oportunidade de juntar seus gostos emuma mesma função. Para conquistar seu espaço não foi fácil. O jornalista conta que o mercado de trabalho do jornalismo cultural ainda é pequeno e que só conseguiu conquistar o espaço que tem hoje porque se esforçou muito. Quando iniciou o estágio na CBN, Cassano começou a demonstrar seu interesse pela parte cultural, “eu procurava ajudar na produção do programa de cultura, mesmo nas minhas folgas, para perceberem que eu gostava do segmento”. Ele conta que a parte mais legal do seu trabalho é ter a oportunidade de conhecer, falar e ser ouvido por grandes artistas que ele admira. “Há vários exemplos de famosos que tive a oportunidade de entrevistar, mas posso dizer que a Sandy foi a que mais me marcou”. Desde criança Leonardo já admirava a artista e ele conta que através do seu programa na CBN
diferentes
ele pôde ter o prazer de conhecê-la e entrevistá-la. Em contrapartida, ele relata que a parte mais desafiadora de seu trabalho é convencer os artistas a aceitarem dar entrevistas para o veículo local, embora a CBN seja muito reconhecida. Neste atual cenário, Leonardo conta que a pandemia foi um fator que afetou fortemente seu trabalho, pois o contato visual, tanto com os entrevistados quanto com o técnico que o auxilia na produção, é essencial para conseguir fazer o programa fluir melhor. O CBN Cultura é produzido totalmente por ele, há apenas um operador técnico que coloca os comerciais entre os blocos, mas a multifuncionalidade se faz muito presente em seu cotidiano. Há pouco, a CBN começou a incluir o audiovisual também para a exibição do programa, utilizando o Youtube para transmiti-lo, por isso Leonardo precisou se adaptar para realizar as edições dos vídeos. Na opinião do jornalista, o grande diferencial que o levou a alcançar seu posto foi pesquisar muito sobre os entrevistados, procurar boas informações, estar atento aos lançamentos e falar sobre assuntos que os entrevistados também queiram que sejam trazidos em pauta. “Recebemos diversas sugestões sobre assuntos a serem tratados durante a entrevista pelo assessor do artista, mas é importante não se prender a isso e explorar outros caminhos”. Política Cibele Buoro, jornalista com pós-graduação em ciências políticas, diz que o cenário atual em que o jornalismo se encontra é um período de ignorância e descren-
ça. Segundo ela, atualmente muitas pessoas preferem acreditar no que as convém, em fake news e desconfiam ou desacreditam de informações devidamente apuradas e checadas que são veiculadas em jornais. A jornalista conta que também trabalhou com economia, mas se deparou com a necessidade de se especializar no segmento político para conseguir compreender os inúmeros acontecimentos do cotidiano que impactam diretamente em nossa vida, “tudo está ligado a política, quando você tem a base técnica e teórica sobre o assunto fica muito mais fácil entender o que está acontecendo no mundo e cumprir com o dever de trazer a verdade ao público”. Neste contexto, ela explica também que um curso ou uma pós-graduação para se especializar em política é fundamental, pois somente o conhecimento que é adquirido durante a faculdade é muito raso para proporcionar um amplo entendimento do universo político. Além disso, Cibele conta que a especialização dá bagagem para o profissional aprender a fazer coberturas e elaborar perguntas relevantes para os políticos, que os tirem da zona de conforto. “O mercado para o jornalismo político é muito superficial, há diversos profissionais que fazem somente o básico, não questionam e não entendem os fatos”. Com sua ampla experiência no segmento político, ela diz que o mais desafiador para o profissional que trabalha em redação é convencer de que a pauta é válida, pois muitas vezes ela é relevante para a população, traz denúncias,
Cibele Buoro é jornalista, professora, vegana, ambientalista, defende direitos humanos e movimentos sociais Foto: Arquivo pessoal
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porém vai contra a linha editorial do jornal ou revista. “A informação deveria ser um bem público”. Como exemplo de uma grande realização profissional, a jornalista conta que logo quando a internet começou a se popularizar, em meados dos anos 90, ela soube de informações sobre uma população em Cubatão, região metropolitana da Baixada Santista, que sofria graves problemas de saúde e muitas dessas pessoas estavam desenvolvendo cânceres. Instigada a descobrir mais sobre o caso, ela foi até a região investigar, por conta própria. Cibele descobriu que nos anos 70, a Rhodia atuava naquele espaço e que, anos depois, com a fábrica desativada, foi feito um aterro sanitário de materiais tóxicos cancerígenos. Com o passar do tempo, o terreno virou um loteamento e pessoas começaram a residir naquele local e a sofrerem com problemas de saúde desencadeados pela contaminação. Foi descoberto também que até mesmo os laboratórios de análises clínicas compactuam com a Rhodia para emitir resultados negativos nos exames positivos das doenças. Para comprovar que as pessoas estavam realmente doentes, foi preciso refazer os exames em clínicas que não tivessem vínculo com a empresa. A matéria não pôde ser publicada pelos veículos de Santos, pois também tinham ligação com a empresa, mas Cibele conseguiu convencer a revista em que trabalhava na época a publicar. “Houve resistência, pois a matéria denun-
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ciava um anunciante, indo contra a linha editorial, mas com muita insistência, a matéria saiu.” A jornalista conta que até mesmo a editora da revista chegou a fazer várias mudanças no texto para amenizar a culpa da empresa. O mais legal dessa história, Cibele considera que foi o fato de a matéria ter ajudado - apesar de não ter sido algo decisivo - a população a ganhar o processo jurídico em que reivindicaram tratamento médico vitalício. Ela expressa sua paixão pela área completando que adora poder informar o público, saber tudo em primeira mão e não seguir uma rotina. “Eu considero cada pauta como um desafio e a tarefa do jornalista é encontrar as próprias estratégias para chegar até o objetivo”. Cibele ainda deixa uma dica para quem pretende ingressar neste segmento, “estude muito, pesquise, se atualize, entenda sua posição na sociedade, a constituição, seus direitos, seu compromisso com a verdade e defenda causas”. Economia “Essa é minha estante de livros
Carlo Cauti nasceu na Itália e é editor-chefe do SUNO Notícias Foto: Arquivo pessoal
e para um jornalista isso é nossa ferramenta de trabalho, sem isso não iremos a nenhum lugar” afirmou o jornalista econômico, Carlo Cauti, ao mostrar sua prateleira recheada de livros durante a entrevista. Carlo é o atual editor-chefe do portal SUNO Notícias. Italiano, formado em Ciências Políticas pela universidade LUISS G. Carli de Roma e mestre cum laude em Relações Internacionais, Jornalismo Internacional e de Guerra e em Economia Internacional. No início, veio ao Brasil trabalhar como correspondente italiano e cobria política externa e internacional, tendo atuado em diversos veículos da imprensa brasileira como Estadão, Veja, Exame e Rede Globo, como editor do G1. Para ele, a grande diferença entre as editorias está em entender verdadeiramente o que acontece, porque principalmente na bolsa de valores ou você sabe o que está acontecendo e o que são todos aqueles acrônimos, siglas e números ou eles não significam nada e em se manter informado todo o tempo, algo que ele considera um dos desafios da profissão. “A parte desafiadora é o bombardeio de informações, eu praticamente não durmo, trabalho até no sono porque o fluxo é contínuo e a bolsa é um caos, então trabalho 24h, eu falo que o jornalista não trabalha
ele tem vocação, é que nem padre, eles não terminam o trabalho depois de 8h00”. Já a mais interessante em sua opinião é todo dia ter novidades, algo diferente, falar com pessoas novas e saber em primeira mão o que está acontecendo no resto do mundo. “Se eu vejo que a demanda de papelão está aumentando eu sei que o varejo está vendendo mais e que algumas ações vão se valorizar, então tem algumas questões que a gente consegue prever com certa precisão”. Embora a procura pela especialização em economia tenda a aumentar em momentos de crise econômica como a que estamos vivendo, ainda existem mais vagas do que concorrência, isso acontece porque as pessoas têm em mente que por ser um assunto mais complexo são necessários maiores estudo e dedicação, algo que não estão dispostos a buscar. “O que acontece é que todo mundo quer fazer a mesma coisa e tem pouca gente que se interessa por economia, porque pra falar de economia tem que falar de matemática, pelo menos fazer cálculo básico e não dá para falar “sou de humanas, não sei fazer” isso não existe”. Segundo Carlo, a própria economia do Brasil está mudando e se tornando um país mais moderno e maduro e muitas pessoas investem na bolsa hoje o que torna o jornalismo econômico cada vez mais importante para evitar problemas pessoais que podem ser extremamente graves na vida das pessoas. “Quando eu comecei no jornalismo econômico havia 300 mil pessoas que investiam na bolsa. Hoje, são 3,5 milhões e elas precisam saber onde estão colocando dinheiro porque o risco é perder tudo”. A multifuncionalidade, assim como nos outros segmentos, é algo muito presente no jornalismo econômico. O portal de notícias 35
comandado por ele, SUNO Notícias, partiu do zero e hoje tem em média 4,5 milhões de acessos por mês e milhares de seguidores nas redes sociais, isso porque eles optaram por inovar e oferecer conteúdo no formato que o público quer. “Eu comecei a fazer lives em 2018 algo que não era tão popular e eu nunca tinha feito, então eu tive que aprender a fazer, melhorar aos poucos, mas se recusar a se inovar e acompanhar a evolução é o passaporte para o fracasso, algo que a mídia tradicional deve levar sempre em consideração.” Entre os momentos marcantes de sua carreira estão dois, quando foi cobrir, pela primeira vez, o Fórum Econômico Mundial (FEM), na Suíça, “eu fiquei no mesmo hotel que pessoas como o Rei da Espanha até o CEO da Microsoft, a Malala estava lá, o próprio Donald Trump também, foi muito emocionante”. E, no ano passado, o momento mais marcante para Carlo foi quando a bolsa caiu 30% em duas semanas logo após o coronavírus, algo que o deixou preocupado. A pandemia trouxe a ele algumas dificuldades como se adequar ao home office e perder um pouco do contato com a redação, o que ele considera ruim uma vez que tem vários estagiários que costumam aprender olhando os mais velhos, mas ao mesmo tempo não precisar mais ficar preso no trânsito de São Paulo e trocar o estresse por uma corrida na Lagoa do Taquaral no fim do dia, foi um ótimo benefício. A dica que ele deixa aos estudantes que querem trilhar o mesmo caminho que ele é ler tudo que aparece, do menu do restaurante até o livro de economia e se interessar desde agora. Para Carlo, infelizmente as faculdades de jornalismo em geral não preparam os alunos para o jornalismo econômico, falta base, o que os alunos devem procurar por conta própria. “Ler economia, fazer cur36
sos, se atualizar sempre, entender o que significa cada coisa, o que é PIB? Como calcular? Como calcular a inflação? Por que ela faz os preços subirem? Quem é o atual ministro da economia? O que ele faz? Porque o Banco Central deve ser independente? Porque o Brasil tem mais exportação do que importação? Como é feita uma balança comercial? Porque a bolsa de SP chama B3? Essas são coisas básicas do nosso dia a dia.” Esporte “Eu sou o tipo de pessoa que prefere assistir um jogo ruim a um filme bom” afirmou em entrevista o jornalista esportivo, Marco Guarizzo. Segundo ele, seguir o segmento de esporte e se tornar apresentador sempre foram sonhos, coisas que ele conseguiu concretizar. “Desde criança eu carrego esse sonho comigo, eu pensava “quero ser igual ao Luciano do Valle” e uma vez tive até a chance de falar isso pra ele, algo que me emociona muito.” Embora na própria faculda-
Jornalista Marco Guarizzo trabalha na CBN Campinas, realiza o podcast esportivo Sem Impedimento Foto: Arquivo pessoal
de ele já demonstrasse o interesse pela área, no jornalismo você nunca entra pela porta que quer entrar e no começo da carreira, Marco trabalhou como rádio escuta e repórter, cobria a parte de editoria geral e chegou até a escrever sobre moda, um assunto do qual ele diz não entender muito, mas que como todo bom jornalista sempre fez muita apuração e pesquisa para conseguir escrever a respeito. Ele já trabalhou em veículos como G1, Band News e atualmente é apresentador da CBN no programa “CBN Total” e no Podcast “Sem Impedimento” da mesma emissora. Mesmo que ele adore futebol, também deixa clara a importância de estudar e acompanhar outros esportes “eu consumo esporte o dia inteiro, já fui de acordar de madrugada pra ver Seleção de Vôlei jogar e pra assistir Fórmula 1, sempre acompanho tudo o que eu puder” Mesmo que Marco tenha conseguido unir suas duas paixões, ele não deixa de enfrentar desafios em sua profissão e um deles é à distância da família. “Você perde festa de família, aniversários, feriado prolongado, perde muita coisa”. A prova disso foi ele ter vivenciado o melhor momento da carreira no dia do aniversário de sua irmã, a qual no ano de 2012 passou a compartilhar a data com outro acontecimento importante: Narrar um Dérbi. “No dia 24 de março de 2012 eu trabalhava na Band News e fui narrar o Dérbi Ponte Preta e Guarani, que completavam 100 anos, o que foi a realização de um sonho porque isso é a Copa do Mundo do jornalista campineiro.” Para Guarizzo, atualmente o mercado, principalmente da mídia convencional, está mais enxuto, o que dificulta a entrada neste segmento, mas a internet está abrindo novos caminhos. Hoje, é necessário mostrar as habilidades com
blogs, canais no Youtube, podcast, pois precisa mostrar trabalho em outras mídias para conseguir mais oportunidades. Mas, assim como a internet pode ser uma aliada, ele alerta sobre alguns pontos. “Hoje somos muito vigiados por conta das redes sociais, então temos que tomar certo cuidado com as identidades que assumimos nelas para não nos queimarmos no mercado.” Ele afirma que no próprio meio do esporte muitas coisas mudaram e ele mesmo optou por ter postura diferente em sua forma de trabalhar, cortou as piadinhas ofensivas, o que costumava ser comum no ramo. “Sempre se viu piadinha homofóbica com são-paulino ou ficar falando que Palmeiras não tem mundial ou que corintiano é tudo maloqueiro e eu decidi cortar isso.” Durante a pandemia ele encarou novos desafios como a cobertura à distância, uma vez que não é permitido ir ao estádio, ele passou a narrar os jogos do próprio estúdio e a ficar refém das assessorias de imprensa e das fontes. Como em outros segmentos, no jornalismo esportivo a imparcialidade deve permanecer, o que ele, mesmo como grande palmeirense, afirma fazer. “Na hora do trabalho você tem que deixar a paixão de lado, eu sempre deixo pra ser palmeirense depois que o jogo acaba.” Marco compartilha ainda uma curiosidade de como os repórteres esportivos comemoram um gol, como eles não podem gritar nem fazer muitos gestos eles costumam chutar a placa de publicidade para esconder a emoção. Entre suas dicas para os estudantes que almejam seguir o mesmo caminho que ele estão estudar muito todos os tipos de esporte, se manter informado, marcar presença e tentar fazer contatos ao longo do curso. E, embora já tenha realizado
Antônio Bargas Filho, natural de Santo André, atualmente trabalha como repórter na TV Thathi/Record Foto: Arquivo pessoal
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sonhos como entrevistar o ex-maratonista brasileiro, Vanderlei Cordeiro de Lima, o narrador esportivo, Deva Pascovicci, e conversado com o ex-goleiro do Palmeiras, Marcos, ele ainda carrega alguns sonhos vivos como, por exemplo, entrevistar o rei Pelé Policial Antônio Bargas Filho é repórter na TV Thathi Record TV em Campinas e faz a cobertura, prioritariamente, dos fatos policiais na madrugada, das 00h30 às 8h30. Ele conta que este horário o possibilita apurar os fatos quando estão acontecendo, ou seja, ser um repórter factual, “faço a minha própria pauta”. A carreira do jornalista no segmento policial começou porque ele queria conquistar a mulher que amava, Vera, sua atual esposa. Estão casados há 39 anos. Ele conta que sonhava em ser um grande repórter de esportes ou ser um cronista esportivo, mas mudou de ideia por um motivo “mais do que justo”, como ele define. Na época, Bargas namorava Vera e trabalhava escrevendo sobre esportes para um jornal. Ele diz que ficava incomodado, pois ela comprava as edições de domingo dos jornais ‘Diário do Povo’ ou o ‘Correio Popular’ e logo abria nas páginas de reportagens policiais. “Ela ao menos lia as páginas de esportes, então percebi que Vera não se interessava pelo jornalismo esportivo”. Para conquistá-la, Filho resolveu se aprofundar no jornalismo policial e escrever reportagens policiais, “ao invés de ir para um campo de futebol, passei a ir para as delegacias”. E o plano do jornalista para conquistar sua amada deu certo! Fora o jornalismo esportivo e policial, ele conta que também já fez matérias sobre política, economia, cotidiano e até mesmo escre38
veu uma coluna social, muito comum nas décadas de 70 e 80. Para ele, a diferença entre os segmentos é apenas o ambiente onde o jornalista frequenta. “No jornalismo policial, o balcão de uma delegacia, porta de IML, porta de batalhão de PM e quartel de Bombeiros são os locais de mais tristezas”. Segundo o jornalista, o ambiente das outras editorias tende a ser muito mais leve, porém as dificuldades de apuração, encontrar fontes, descobrir e produzir a notícia são as mesmas. Para Bargas, a melhor parte de trabalhar no segmento policial é conhecer a vida que não está mascarada ou disfarçada, mas em contrapartida, houve muitas situações extremamente desafiadoras enfrentadas por ele ao longo da carreira, por exemplo, cobrir um tiroteio e nunca ter sido atingido por uma bala perdida e ficar próximo de alguém transtornado em uma delegacia ou na rua e nunca ter sido atacado por ela. Com relação ao mercado de trabalho no jornalismo policial, ele conta que atualmente há muitas oportunidades dentro do segmento, mas que na época em que começou sua carreira não era igual aos dias de hoje, “o repórter policial era aquele jornalista em começo de carreira e que depois migrava para outras editorias, era a porta de entrada, principalmente, nos jornais impressos”. Da década de 90 pra cá, as emissoras de televisão começaram a utilizar mais reportagens policiais e surgiram muitos programas para esse segmento. Segundo o jornalista, o mercado de trabalho não é amplo porque as empresas estão contratando cada vez menos, mas, tem lugar para muitos jornalistas. Em seu trabalho a multifuncionalidade também se faz presente, pois além de repórter ele também propõe sua própria pauta. “Eu trabalho na rua, portanto, vejo mais
coisas que o pauteiro e o chefe de reportagem, consigo alimentar a redação com sugestões”. Bargas se diz muito realizado por ter feito reportagens que ajudaram nas investigações policiais e que possibilitaram o esclarecimento de crimes. Segundo ele, muitas vezes suas matérias foram usadas até mesmo durante um julgamento. Bargas ainda expõe que um fator crucial para trabalhar com jornalismo policial é se lembrar sempre que um fato tem sempre tem “dois lados”. A pandemia alterou seu trabalho no quesito distanciamento. Neste atual cenário, é preciso evitar frequentar muitas delegacias de polícia e, também, locais onde ocorreram crimes ou que haja muitas pessoas. Mas, ainda, é preciso permanecer nas ruas, com máscara, álcool em gel, cautelosamente e respeitando as normas de distanciamento social.
e moda. E, embora tivesse em casa uma mãe que sempre gostou muito de moda, decoração e que tinha um estilo peculiar e próprio, ela não imaginava que entraria para este universo. Além da graduação em Jornalismo ela se especializou em Jornalismo de moda na FAAP, fez consultoria de moda em Portugal, fez o curso Trend Forecasting Course na Milan Fashion Campus, em Milão, e está terminando o curso de pós-graduação na USP em Estética e Gestão da Moda. Para ela, a parte mais intrigante do segmento é entender como a moda faz parte da sociedade, como reflete o comportamento, o local e a época que estamos vivendo. “É interessante ver como ela acompanha todos os fenômenos,
Raíssa Zogbi, formada em jornalismo pela PUC-Campinas, sempre se identificou com o segmento de moda Foto: Arquivo pessoal
Moda Raíssa Zogbi estava apenas no segundo semestre do curso de jornalismo quando decidiu que queria entender um pouco mais da profissão na prática e foi buscar esse auxílio na editora Gracioli, na qual passou a vivenciar o dia a dia da empresa. “Eu passava as tardes depois da aula lá pra observar o que as pessoas faziam, os estagiários, os jornalistas, os designs, os estilistas e tentava absorver o máximo que eu podia”. Na época, o digital estava começando com uma influência maior e havia a ascensão das redes sociais para qual aos poucos começou a escrever notas, foi assumindo responsabilidades maiores até que eles a contrataram como estagiária e, atualmente, Raíssa é gerente de conteúdo da editora e coordenadora da Z Magazine, revista feita para o público feminino com bastante influência de beleza 39
porque ela é justamente um reflexo da sociedade, pra mim a melhor parte é poder entender quem nós somos através do viés da moda”. Em contrapartida, a mais desafiadora é mostrar isso para as pessoas e ensinar que moda vai muito além de “look do dia”, no ramo da moda ainda existe certo preconceito, mas nele como em todos os outros assuntos necessita de preceitos éticos e da apuração, é preciso estar atualizado constantemente e ter criatividade porque “assim como a moda é um reflexo da sociedade atual, ela carrega muitas referências do passado, as quais você deve saber identificar e entender”. Com o meio digital, Raíssa afirma que as oportunidades do ramo estão mais fortes do que nunca e que hoje todos podem ser criadores de conteúdo e mostrar serviço, mas que para se destacar nele é necessário sair da caixinha e se reinventar. “Não adianta fazer mais do mesmo, os jornalistas precisam saber se reinventar, ser flexível e conquistar espaços não só escrevendo matérias mas na criação de conteúdo também. É importante adaptar a linguagem para o público que você está falando, atingir o leitor e ser didático para ser entendido por ele.” Entre os momentos mais marcantes da carreira estão à primeira vez que ela fez cobertura do São Paulo Fashion Week, na qual ela ficou surpresa em descobrir que os desfiles duram apenas de 5 á 7 minutos, “Eu achei que iria ficar meia hora vendo as pessoas desfilarem e pra mim foi um baque, mas depois eu entendi o poder e o tanto de trabalho que tinham naqueles 5 minutos”. A aprovação de Capas internacionais para marcas de luxo como Valentino, Emílio Pucci e Ralph Lauren também são momentos gratificantes para ela, assim como o reconhecimento ao fazer palestras e abrir discussões 40
em universidades sobre seu ramo, que ainda é mistificado. Durante a pandemia, Raissa viveu momentos de aprendizado em sua linha editorial e a revista que antes tinha periodicidade mensal passou a ser bimestral ao perceber que seu público precisava de mais tempo para compreender e refletir as matérias mais extensas. “No início tivemos que despencar uma revista que já estava pronta porque não fazia o menor sentido manter as publicações naquele momento turbulento em que as pessoas estavam morrendo e ninguém compreendia nada, precisávamos trazer coisas com conteúdo mais empático e aprofundado”. Novos aprendizados também vieram ao precisar cobrir desfiles que aconteciam no ramo digital o que requeriam bagagem para conseguir absorver rapidamente o conteúdo e trazer informações novas e curiosas em suas matérias, daí vem sua maior dica para os alunos que desejam seguir o caminho da moda. “Seja sempre curioso, pesquise sobre história da moda, tenha repertório cultural e artístico porque é o que vai te fazer escrever bons textos, criativos e interessantes para conquistar seu público com a linguagem adequada”. Gastronomia “Quando eu era criança e meu pai me dava dinheiro, eu usava metade para comprar guloseimas e a outra metade para comprar jornal”. É o que relata Manuel Alves Filho, editor-chefe do Correio Popular, sobre sua infância. Ele afirma que, desde pequeno, sempre soube que gostaria de ser jornalista e, paralelamente a essa vontade, a paixão por cozinhar também se desenvolvia gradualmente. Seu pai era um excelente cozinheiro, ele conta, e desde muito jovem o acompanhava na cozinha.
Manuel Alves Filho, se formou jornalista pela PUCCampinas e atualmente trabalha no Correio Popular Foto: Arquivo pessoal.
Em um determinado dia em que seu pai adoeceu e não pôde preparar as refeições, deu dinheiro para que Manuel -ainda criança- comprasse pães e frios na padaria. Ele relata que neste dia disse ao pai que não precisaria comprar, pois já sabia cozinhar, somente de o observar todos os dias preparando os pratos. “Lembro que aquele dia foi a primeira vez que preparei uma refeição sozinho: arroz, feijão, bife acebolado e abobrinha refogada.” Desde então ele ficou ainda mais encantado pela gastronomia e não parou de cozinhar. Manézão, como costuma ser chamado, conta que começou sua carreira no jornalismo trabalhando nas editorias de política, cidades e esportes. Era ele quem fazia os almoços na redação e, apesar de adorar cozinhar, não fazia profissionalmente. Algum tempo depois, quando surgiu uma vaga para gastronomia no Correio Popular, ele decidiu arriscar. “Foi aí que eu percebi que minha bagagem não era suficiente para escrever sobre o tema”. Este foi o motivo que o motivou a fazer cursos gastronômicos, ler mais e começar a cozinhar profissionalmente. Manuel acredita que há poucos profissionais neste segmento. Segundo ele, existem muitos jornalistas que escrevem sobre gastronomia porque foram designados para isso, mas que são poucos os que têm estudos suficientes para serem, de fato, serem especializados no segmento. O mercado de trabalho neste segmento cresceu muito nos últimos anos. Reality shows, tanto nacionais quanto internacionais, ganharam espaço e, inclusive, há canais somente sobre gastronomia. Por isso, para se destacar é preciso apresentar um diferencial. Segundo o jornalista, o mais legal deste segmento é abranger outras dimensões da gastronomia,
senão a sensorial, como, por exemplo, contar a história de como aquela receita surgiu. Por outro lado, Manuel diz que a parte mais difícil é ter que fazer uma crítica e ela não ser compreendida como algo construtivo, mas sim destrutivo. A mais marcante realização do jornalista no segmento gastronômico foi quando ele decidiu criar um evento em uma praça de Campinas, o “Chefs Campinas”. O intuito era trazer grandes chefs para cozinharem por um preço acessível para o público. Manuel conta que na primeira edição ele imaginou que atrairia, no máximo, cinco mil pessoas. Ele não contava com o gigantismo do evento. O resultado final foi que o evento atraiu mais de 15 mil pessoas na praça. Apesar de neste momento, devido a pandemia, não estar podendo mais realizar esses tipos de eventos, o jornalista aproveitou o isolamento social para postar vídeos de preparos de receitas fáceis e econômicas, todos os dias, para ajudar quem não possui muitas habilidades na cozinha. Ao todo, ele publicou 100 vídeos. O jornalista precisa se atualizar e aprender novas funções. Principalmente no segmento gastronômico, ele alerta que, além de saber escrever, é necessário saber se reinventar. A pandemia o levou a aprender a editar vídeos. Além disso, ele conta que saber fotografar é essencial para atrair a vontade do público de experimentar o prato ao olhar para a foto, o famoso “comer com os olhos”! A título de curiosidade, Manuel ainda relata que dentre todas as refeições que já comeu, incluindo os pratos mais caros e bem elaborados, sua preferência sempre será o pão de queijo com café quentinho para acompanhar. “Nada supera a gastronomia brasileira na diversidade, riqueza e sabores”. 41
mulheres no futebol
Muito depois dos homens, quebrando os padrões e resistindo, as jornalistas entram em campo com o objetivo de falar de futebol; primeiro como repórteres, depois como apresentadoras de programas esportivos e agora tiveram mais uma conquista, comentarista de jogos numa grande emissora de TV
Texto e edição Amanda Florentino Ewerton Ramos Ingrid Lopes Diagramação Heloisa Furquim Gabriela Formenti Fotos Arquivos Pessoais
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Aos 45’do 2º tempo
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o país do futebol, desde muito cedo, os meninos são apresentados ao mundo da bola. Acontece uma imersão total. Assistir aos jogos com o pai ou o avô, vestir camisas de time, jogar pelada na rua e na escola. E não precisa de muita coisa. Dois pares de chinelos alinhados lado a lado são o suficiente para fazer o papel das traves e iniciar uma partida. Como consequência dessa cultura, o jornalismo esportivo tornou-se um território predominantemente ocupado por homens. Caminhando a passos curtos, a história das mulheres no jornalismo esportivo no Brasil começou a ser escrita em 1980, quando a jornalista Regiani Ritter passou a exercer a função de repórter de campo. Após 39 anos, Ana Thaís Matos se tornou a primeira mulher a comentar um jogo de futebol na maior emissora do país. Alvo de frequentes críticas, principalmente quando aparecem em canais de TV aberta, as mulheres lutam diariamente para ocupar um espaço que a tempos é caracterizado por agregar a opinião masculina com muita facilidade, mas que ainda tem dificuldade de lidar com o fato de ter o sexo oposto ditando o que é certo ou errado através de comentários durante os jogos ou em ‘mesas redondas’. A evolução, mesmo que pequena, pode ser notada em programas de televisão. O tratamento de ‘musa’ está caindo em desuso e há o início do tão esperado reconhecimento das mulheres como jornalistas preparadas para comentar, narrar e reportar o que acontece no universo do esporte mais popular no país da seleção pentacampeã. Engana-se quem pensa que apenas os homens crescem com a vontade de falar de futebol nos meios de comunicação. Se antes as famílias privavam muito as mulheres de acompanhar os jogos, hoje, a família é uma forte incentivadora dessa paixão para as garotas, despertando nelas também esse desejo de informar sobre futebol. “Eu decidi fazer jornalismo aos 12 anos e já decidida a falar de futebol muito pelo contato que eu sempre tive da minha família. Sempre fomos muito ligados ao esporte, com uma raiz maior no futebol. Era um ambiente em que consumir futebol era algo natural.” O relato é da comentarista e estagiária da BandNews FM, Jordana Araújo, que comenta as partidas do Brasileirão Feminino pela CBF TV. Tem quem decidiu muito cedo por jornalismo esportivo. Tem quem tentou evitar o contato com a área durante a faculdade e um comentário de uma professora foi capaz de mudar todo o rumo da história. 44
Nem tudo são flores Quem nunca ouviu aquela frase: “entrar na faculdade é fácil, o difícil é sobreviver nela”? Para todas as mulheres que vão em busca do sonho de trabalhar em uma área dominada pelos homens, essa sobrevivência extrapola os muros da graduação e chega ao campo. As profissionais femininas se veem constantemente em situações em que precisam provar que têm competência para falar de futebol. “O pessoal perguntava se eu sabia o que era impedimento, o que os jogadores faziam dentro do campo, qual a função do zagueiro e se eu sabia o que um lateral fazia”, conta a comentarista Jordana Araújo. As ofensas e hostilizações à beira de campo não podem impedir que as repórteres realizem seu papel na comunicação esportiva, afinal, após tanto estudo e desafios enfrentados, o objetivo de comunicar ainda fala mais alto do que os gritos que recebem. Para elas, o equipamento de trabalho acaba sendo um aliado que vai além da função a qual realmente se destina. “Normalmente, acontece também em beira de estádio. Você está lá trabalhando e a arquibancada fica te xingando de diversas coisas, eu brinco que é de puta para baixo. O fone acaba sendo um recurso para a gente, porque a gente coloca o fone, aumenta a transmissão no máximo e deixa o povo falar”, afirma a apresentadora dos canais ESPN e Fox Sports, Gláucia Santiago. Estádios e ginásios com a presença de público não são os únicos a deixarem cicatrizes nas profissionais de comunicação. As redações, onde, na teoria, as jornalistas deveriam se sentir mais protegidas e respeitadas também têm um histórico de dor para essas mulheres. “Eu sofri violência psicológica na redação pelo fato de ser mulher, com pessoas desqualificando o meu trabalho, me colocando para baixo e me desencorajando a seguir carreira. Já fui chamada de lixo, de animal, já ouvi pessoas me falando que eu nunca ia conseguir ser repórter e nem apresentadora”, relata a apresentadora, narradora, e repórter esportiva do SBT, Fernanda Arantes. Em 2021, Fernanda foi a primeira mulher a cobrir uma final de uma Libertadores da América em TV aberta. Os avanços tecnológicos possibilitam às mulheres novas oportunidades de seguirem com o jornalismo esportivo. Em 2020, a jornalista Natália Beatriz e outras quatro amigas, criaram o podcast Resenha de Mulheres, que prioriza abordar temas relacionados ao futebol feminino. “Somos uma mídia alternativa mesmo. Durante esse último ano, o nosso podcast foi o primeiro a falar sobre futebol feminino como carro-chefe. Estamos em todas as plataformas, inclusive fomos o primeiro podcast de futebol feminino convidado a fazer parte do streaming da Amazon”. Mas nem tudo são flores. Os mesmos avanços que ajudtam, também podem atrapalhar. As redes sociais, como 45
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vozes femininas em campo
Instagram, Facebook, produtos desses avanços, que auxiliam na divulgação do trabalho das jornalistas, servem também de “arma” contra elas mesmas. Ainda com o machismo muito presente quando não deveria mais ser e, manifestado através de preconceito e assédio sobre jornalistas mulheres que atuam no jornalismo esportivo, Renata Cardoso Nassar, que se formou jornalista em 2018, dedicou seu TCC (trabalho de conclusão de curso) a estudar esse fenômeno. Intitulado de “O assédio no jornalismo esportivo: o cotidiano das jornalistas e o machismo praticado pela imprensa”, o TCC de Renata Cardoso Nassar, através de entrevistas Acom jornalistas esportivas, constatou que, para 96,55% das profissionais entrevistadas, o preconceito é vivido diariamente por mulheres que atuam na cobertura esportiva. Além disso, do total, 86,65% das jornalistas que participaram da pesquisa afirmaram já terem sofrido preconceito em algum momento da carreira, sendo o assédio o principal tipo de constrangimento. Hoje, Renata Cardoso Nassar, estuda e trabalha com ciências contábeis. Apesar de amar o jornalismo, ela precisou mudar sua área de atuação porque não conseguiu um emprego como jornalista. Se encontrar um emprego na área jornalística já não é tarefa fácil, para as mulheres que desejam seguir carreira na cobertura esportiva, sAe torna mais desafiador ainda. O nicho de oportunidades de trabalho que já é restrito, restringe-se ainda mais. Apesar dos empecilhos e obstáculos que colocam em questionamento o profissionalismo das jornalistas esportivas que querem cobrir futebol, a paixão que elas sentem pela profissão fala mais alto. “O jornalismo é minha paixão, se tiver uma oportunidade de trabalhar com jornalismo esportivo, eu largo contábeis, eu vou e caio de cabeçAa”, afirma a jornalista e estudante de ciências contábeis, Renata Cardoso Nassar. Embora pareça estar longe de acontecer e, ainda que a esperança de uma mulher atuar cobrindo futebol sem ser questionada pareça mínima, elas seguem resistentes, lutando para que as futuras gerações não tenham que passar pelo que elas passam e para que o mercado de trabalho disponha de oportunidades igualitárias a ambos os sexos. “Para que isso aconteça, a gente não deve aceitar nenhum tipo de desrespeito, precisamos denunciar todo tipo de violência no ambiente de trabalho, nos afirmar, querer ocupar cada vez mais espaço e ter certeza de que a mulher no jornalismo esportivo já é realidade. O meu sonho é que a mulher no jornalismo esportivo deixe de ser pauta”. A frase dita pela jornalista do SBT, Fernanda Arantes, ressalta como as mulheres devem resistir e seguir na luta por maior representatividade dentro do jornalismo esportivo.
NATÁLIA
"Você tem que ter mil vezes mais experiência do que um homem. Você pode estar concorrendo a uma vaga com um homem e ter a mesma experiência que ele, mas por ele ser homem, vão contratar ele.” - Natalia Beatriz, jornalista e apresentadora do podcast Resenha de Mulheres.
RENATA “Às vezes eu quero dar a minha opinião ou fazer um comentário em uma postagem de futebol e as pessoas me rebaixam por se tratar de uma mulher comentando.” - Renata Cardoso Nassar, jornalista e estudante de ciências contábeis.
GLÁUCIA
“Uma vez, fui entregar um currículo pessoalmente e um homem me disse, ‘não contratamos mulheres para a equipe de jornalismo esportivo, é uma norma geral nossa, mas se você quiser, posso encaminhar seu currículo para o pessoal do jornalismo geral’“ - Gláucia Santiago, apresentadora dos canais ESPN e Fox Sports.
NATÁLIA
“Eu percebo que tenho muito mais curtidas quando eu posto uma foto de biquíni, na praia, do que quando eu posto uma foto trabalhando no estádio.” - Natalia Beatriz, jornalista e apresentadora do podcast Resenha de Mulheres.
“Não deveria
ser necessário a gente ter que ficar provando ser capacitada”
“Para uma mulher conseguir trabalhar com jornalismo esportivo sem ser questionada, vai ser muito difícil”
“Esses preconceitos e situações, podiam me chatear, mas nunca foi motivo para eu pensar em desistir”
“Não deveria ser necessário a gente ter que ficar provando ser capacitada”
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SEGUE O JOGO Recado para as meninas que gostam de futebol e querem ser jornalistas esportivas
“Pesquisem muito, procurem conhecer a área, conversar com profissionais da área, muitos estão abertos a instruir e a conversar. Se é isso mesmo que você quer, vá! Você pode até tentar, ver que não vai dar certo, que a batalha não vale, mas faz parte da vida, não tem problema nenhum.” - Gláucia Santiago, apresentadora dos canais ESPN e Fox Sports.
“Não desistam nunca, se você gosta disso, se é isso que você quer, continue a, por mais surjam muitas pedras no caminho. Não vai ser fácil. Independente de que as pessoas duvidem, você tem que saber que você é capaz.” - Natalia Beatriz, jornalista e apresentadora do podcast Resenha de Mulheres.
“Ser mulher e atuar no esporte é um ato de resistência, é preciso se manter forte, se manter firme, acreditar sempre no seu potencial, ter muito foco e fazer tudo com amor.” - Jordana Araújo, comentarista da CBF TV e estagiária da BandNews FM.
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RESENHA / FILME
Muito além de um crime
O
livro A Sangue Frio foi publicado em 1966 e se tornou um clássico da literatura norte-americana. O filme, Capote, foi indicado a cinco Oscars em 2006, infelizmente ganhando apenas na categoria de Melhor Ator, e quem levou a melhor foi Philip Seymour Hoffman, que deu vida à Truman Capote. A atriz Catherine Keener também aparece no filme como intérprete da escritora Nelle Harper Lee, melhor amiga de Capote e autora do clássico O Sol É Para Todos. O filme começa contando um pouco da história de Capote. No filme, o jornalista usa roupas não convencionais, tem voz fina e é ‘afeminado’. Além disso, em muitas cenas é possível identificar seu egoísmo e vaidade, que por diversas vezes tomam conta do personagem. Convencido de que o crime na cidadezinha de Halcomb renderia uma boa história, ele convence a revista The New Yorker, onde era colaborador, a lhe conceder espaço para uma matéria sobre o acontecimento. Entre a vida social badalada e as buscas por documentos e informações sobre o crime, Capote corre pela cidade ao lado da parceira Harper Lee, até que consegue contato com o xerife Alvin Dewey, que investiga
Giovanna Giuga o caso, e que se torna a porta de entrada de Truman para o contato com os criminosos. Ao entrar no palco do crime, Capote se aprofunda no caso. Ele começa então a visitar os criminosos na prisão e acaba se aproximando de um dos autores do crime, Perry Smith (Clifton Collins Jr). Para essa aproximação, existem algumas teorias, como a identificação pela triste história de infância do criminoso ou, até mesmo, por desenvolver um sentimento em relação ao ladrão. Entretanto, é certo afirmar que Capote, de início, envolveu-se para colher valiosas informações que o ajudariam a construir sua reportagem. Ao longo da trama, os espectadores ficam então divididos entre os possíveis motivos que levam o jornalista a tamanha proximidade com Perry, por vezes nos fazendo até mesmo esquecer que este se tratava de um assassino. Diante de tantos mistérios e relatos, o que de início seria uma reportagem não muito longa para uma revista, se torna um livro, ao qual Capote dedicou cinco anos e meio de sua vida e que resultou na sua mais importante e última obra publicada em vida, A Sangue Frio. A escolha de Philip Seymour Hoffman para o papel de Truman Capote foi um grande acerto. Sua atuação rica em detalhes demonstra a dedicação e imersão de Hoffman no p ersonagem, não à toa sendo reconhecido como melhor ator no Oscar de 2006. Também contribuindo para que Capote se tornasse uma figura tão marcante, o diretor Bennett Miller conduziu a trama de modo a deixar evidentes os erros, o egoísmo e as contradições do jornalista, mostrando-o como uma pessoa real. O filme, que estreou em 30 de setembro, aniversário de Truman Capote, de 2005 nos cinemas americanos e em 24 de fevereiro de 2006 no Brasil, pode ser assistido por meio de serviços de streaming. Philip Seymour Hoffman em sua melhor atuação Foto: divulgação
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Repórteres Amauri Mazzuco / Bruna Carnielli / Gabriela Duarte Designers Guilherme Daimaru / Guilherme Pollinger Fotos Arquivos pessoais
Comunicadores mostram como o Instagram pode impulsionar marcas pequenas e transformar meios de renda
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oi esse pensamento que motivou Beatrice Stopa, após muitos aprendizados na área do jornalismo de moda, a deixar o cargo de diretora executiva em uma das maiores revistas do país. Formada em 2009 em jornalismo pela PUC Campinas, Beatrice começou a escrever sobre moda em um blog pessoal, que chegou a atingir 200 mil visualizações. Com o fim da faculdade, iniciou sua carreira enviando seu TCC, que foi uma revista de moda, para a jornalista Mônica Salgado, diretora da revista Glamour da época, o que a gerou alguns freelas e, posteriormente, a contratação, fazendo com que precisasse deixar o blog de lado. Na Glamour ocupou cargos de repórter de comportamento, assistente, repórter de celebridades e repórter híbrida, o que, segundo ela, a ajudou a ser uma profissional “mais cabeça aberta e menos engessada”. Beatrice então pediu demissão da revista e logo foi contratada pela Schutz, onde ficou por um ano sendo editora digital. Depois disso, Bia foi para a Vogue, ocupar o cargo de produtora executiva. “Tudo que tinha lá de pepino, ou algo grande, eu era a pessoa que fazia acontecer, respaldada de um time muito competente”, comenta. Mesmo com tanto êxito trabalhando em um veículo renomado, ela decidiu tentar novos desafios. “Não é pra mim, tô cansada, beijo
e tchau”, pensou sobre o emprego da revista. Foi quando expandiu seu blog para o Instagram: “Com tudo que aprendi nesses anos, os contatos que fiz e as pessoas que conheci, vou trazê-las para perto de mim” - foi o pensamento da época. Em uma história muito parecida, tem Tábata Bocatto, formada também em jornalismo pela Anhembi Morumbi em 2003. Ela começou sua carreira em São Paulo, passando por lugares como Editora Globo, Editora Abril e Grupo Morana Acessórios. Em 2010 ela se casou e, por isso, se mudou para Campinas, onde viu a necessidade de firmar seu próprio negócio e, então, abriu sua própria empresa, a TGB Comunicação. Por não ser da cidade, precisava que as pessoas a conhecessem e, assim, criou um blog em 2011 para ganhar visibilidade. “Eu sempre fui muito comunicativa e empreendedora, sempre fui a pessoa que dava dicas e influenciava as pessoas. (..) Me formei em 2003 quando a internet ainda não era algo tão estrondoso, e criar um site naquela época não era algo comum, então eu já entendia e conhecia e gostava muito de internet, mas não imaginava ter um blog de moda e beleza”, conta. Em seu primeiro ano de produção de conteúdo, seu blog Last Look já tinha publicidade paga do maior shopping da cidade. “A renda não era meu foco, mas hoje representa muito do meu faturamento”, disse. 51
Beatrice hoje, com a carreira de influencer Letícia Bortoleti com caixas para repor o seu estoque O Início no Instagram Migrando do blog para o Instagram, Tábata conta que sempre investiu nestes meios, como fazendo fotos e vídeos profissionais, mesmo no começo quando seu cachê era menor do que a quantidade que ela investia. Ela ressalta que é importante lembrar que a profissão de influencer não tem nada de glamour, para dar certo e trabalhar com grandes marcas, como é o caso dela, é preciso “ter dedicação, foco e planejamento”. “Hoje todos querem ser blogueiros/ influencers. Muitos são, poucos ganham dinheiro com isso. Hoje, 9 anos depois de entrar nessa área, eu poderia viver financeiramente a minha vida só disso. Consegui conquistar boas marcas e clientes que estão comigo há anos, mas isso foi um processo de muito trabalho. Hoje está ainda mais difícil porque a concorrência é grande”, ela 52
Paula Bueno na reinauguração de sua loja completa. Já Beatrice conta de alguns impasses iniciais, que a bloqueavam para produzir conteúdo na rede social.“Os primeiros meses depois que eu me demiti foram muito difíceis, eu tinha vergonha de postar muita coisa, de postar meus looks, porque os diretores me seguiam”. Até que a jornalista decidiu “virar uma chavinha”: “Assim as coisas começaram a fluir, comecei a conquistar clientes e fechar jobs”. E hoje, essa visibilidade no Instagram, fez com ela conseguisse outras fontes de renda, como a prestação de consultoria, projetos com marcas, ações e ativações de marketing de influência. A importânciado diploma Christiano França da Cunha, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, destaca que existe uma diferença
entre influenciadores que são formados em comunicação, e os que não. Para ele, isso pode ser observado, principalmente, “devido a base destes profissionais de comunicação nas necessidades específicas e customizadas, assim como nos conhecimentos dos emissores, nos receptores e também nos meios de comunicação”. “Este maior conhecimento supracitado faz com que a adaptação entre o marketing estratégico e o marketing tático seja melhor ajustado, quando em comparação com profissionais que não tem um amplo conhecimento deste processo supra descrito”, completa. Para Beatrice, ter cursado jornalismo sem dúvidas fez a diferença. “Tenho uma linha muito criativa, que se deve aos meus outros trabalhos.” Além disso, ela exalta o perfil de quem cursa jornalismo, o que pode ajudar bastante nessa carreira.
Influencer Tábata Bocatto
Para pequenasempresas Do outro lado desse cenário, estão as lojas, marcas e empresas que buscam nas influencers um meio para divulgarem seus produtos. Paula Bueno é dona de uma loja de roupas femininas em Limeira e, recentemente, se adaptou à criação de conteúdos com influencers. Essa procura foi feita com o objetivo de aumentar o público da loja no Instagram e aumentar as vendas on-line da loja. Paula conta que no começo o processo foi difícil, porque tudo era muito novo para ela e, segundo ela, não sabia nem como abordar as influencers para oferecer uma parceria. Mas ela foi se adaptando e, com essas ações, ganhou mais reconhecimento no Instagram e fez vendas tanto para fora da cidade quanto até para fora do estado. Para o professor Christiano da Cunha, uma melhor elaboração do marketing estratégico (posicionamento, segmentação e público alvo) e do marketing tático (produto, preço, praça e promoção) faz com que os influenciadores digitais possam atingir melhor estes fatores de uma melhor forma de divulgação que muitos dos outros meios de comunicação. Ele explica que isso ocorre porque os influenciadores e seus seguidores têm mais proximidade, e mais similaridades, que em comparação com outros meios de 53
comunicação e, por isso, na maioria das vezes acabam sendo mais efetivos nas vendas. Letícia Bortoleti, a estudante de engenharia civil de 23 anos, decidiu abrir uma loja de roupas no instagram no ano de 2020. Uma cliente da loja, que era influenciadora, comprou uma peça em seu preço normal e postou em sua conta no Instagram. Essa pequena atitude, atraiu para a loja de roupas cerca de 50 novos seguidores. A partir daí, Letícia passou a oferecer as roupas para a influencer a “preço de custo”, já que a divulgação estava acontecendo. “Sempre vem pessoas falando da saia que ela usou”, mostrando que a influenciadora, além de divulgar em seu instagram, também dita a moda fora dele, nos lugares que frequenta, por exemplo, trazendo mais clientes para Letícia. O Instagram como meio de renda Mais uma opção componente desta crescente vertente das redes sociais, é quem usa o Instagram como fonte de renda, fora as influencers. Laura Pontelli, formada em Relações Públicas, tinha o objetivo durante a faculdade de trabalhar em uma multinacional. 54
Depois de se formar, ela ainda continuou procurando, mas com a pandemia, encontrar uma empresa que a agradasse foi ficando cada vez mais difícil. Foi então que ela resolveu abrir a sua própria loja. Laura acredita que independentemente do profissional e da área, a presença no Instagram é essencial. Ela conta que, antes de criar o site para sua loja, ela precisava começar em um lugar que gerasse expectativa, interação e que criasse uma espécie de comunidade. Essa criação de conteúdo, porém, não foi, e continua não sendo, fácil. Por trabalhar com conteúdos e produtos sobre sexualidade feminina, Laura enfrentou problemas no começo em que a família se mostrou preocupada com a sua imagem e reputação, principalmente por se tratar de um assunto com grande tabu ainda. Além disso, o algoritmo do Instagram sempre está atrapalhando a divulgação do conteúdo, já que é um assunto meio banido da rede, mas Laura persistiu e hoje fica feliz por ter seguido com sua ideia.
Laura Pontelli
Acredito que hoje por mais que venham surgindo outras redes, o Instagram ainda é a melhor opção, seja para uma pessoa que busca apenas usar como uma rede social ou no meu caso como uma rede profissional
Além de RESENHA / LIVRO
1984 C
onhecido e consagrado pelo clássico distópico 1984 e a sátira política de A Revolução dos Bichos, George Orwell explodiu recentemente no mercado literário, após suas obras entrarem em domínio público no começo de 2021. Com edições de diferentes estilos, formatos e preços, os textos do autor tornaram-se mais acessíveis e estão sendo descobertos por uma infinidade de leitores em todo mundo. Vale lembrar que a escrita de Orwell vai além da ficção. Entre seus nove livros publicados, seu primeiro trabalho, Na pior em Paris e Londres, de 1933, concedeu a ele uma estreia brilhante por meio de um relato pessoal que mescla estruturas de literatura ao olhar jornalístico do ainda então Eric Arthur Blair. Tudo começa em 1928, quando o inglês decide ir para Paris escrever e aprender francês. Por lá, mal consegue se sustentar ensinando seu idioma e redigindo artigos para jornais. Então, quando suas economias são roubadas de um quarto de hotel, ele entra na pior. Orwell relata os efeitos da fome, a necessidade de vender as próprias roupas, a procura exaustiva por trabalho e denuncia a falta de honestidade de contratantes e golpistas que aparecem em seu caminho. Não poupa detalhes para descrever o submundo por trás de um hotel de luxo, que explora seus empregados à exaustão com jornadas de trabalho de 17 horas. Sua escrita também traz por vezes doses de humor, como quando narra seu papel na fuga de um amigo russo que não tinha como pagar o aluguel. E quando, com esse mesmo amigo, visita cautelosamente uma curiosa sociedade secreta, dentro de uma lavanderia, na intenção de vender artigos sobre a política inglesa
Elton Felix
Com uma narrativa literária pungente e influências jornalísticas, primeiro livro traz relatos pessoais sobre subempregos, golpes e a miséria presentes como nunca, na atualidade para um jornal comunista, mesmo não sabendo nada sobre o assunto. De volta à Inglaterra, o narrador passa a perambular nas ruas como mendigo, sendo obrigado por lei a parar somente quando encontra albergues, que mais parecem prisões com celas apertadas, sem camas e com janelas gradeadas. Orwell relata a miséria dos homens a sua volta de forma minuciosa, destacando a sujeira impregnada na carne, os efeitos dos olhares esquivos sobre eles e a impossibilidade de conseguir dinheiro, seja pelo preconceito de quem não contrata ou pela proibição da mendicância. Apesar de ser publicado no século passado, os escritos de George Orwell ainda servem de reflexão sobre problemas muito evidentes nos dias atuais. O autor nos convida para uma imersão narrativa pela pobreza, quebrando preconceitos por meio da apresentação de pessoas excêntricas com particularidades carregadas de sensibilidade. Por fim, Orwell ressalta a humanidade esquecida na miséria. 55
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Facetas do Jornalismo De redação à freelancer, a carreira do jornalista se torna cada vez mais plural com a intensificação do digital. E para encontrar qual faceta melhor se encaixa, aprender com quem já passou por diferentes áreas e etapas profissionais torna-se um caminho para alunos que estão iniciando suas carreiras como futuros jornalistas 56
aixão por se comunicar, habilidade na escrita, curiosidade e vontade de dar voz para boas histórias. Essas são algumas das razões que levam as pessoas a cursar Jornalismo e escolherem a área como uma profissão para a vida. Profissão que surgiu de forma tímida no século XIX, o jornalismo tornou-se aos poucos uma possibilidade de carreira para pessoas que buscavam de alguma forma entregar informação para a população, como forma de defender a verdade a partir de fatos que comprovam a existência de acontecimentos, desde os mais cotidianos, até os mais específicos. A primeira faculdade de jornalismo só apareceu no Brasil em 1943, com o testamento do jornalista paulistano Cásper Líbero. Desde então, todos os anos no Brasil, quase 8 mil estudantes no ensino superior se formam em jornalismo, segundo dados fornecidos pelo MEC. Um número que só tende a crescer cada vez mais no país, segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ). Diferente de algumas áreas, a carreira do jornalista se torna uma possibilidade plural para profissionais que desejam explorar diferentes funções da comunicação, seja em redações de televisão, rádio, impresso, assessoria ou até mesmo como redator publicitário ou escritor. Áreas que representam não apenas a diversidade do setor, mas também as diversas facetas de um ou uma jornalista. No caso de alguns profissionais que escolhem o jornalismo como carreira, essa história se inicia cedo, durante a infância ou no Ensino Médio. Esse é o caso da Izabela Reame, de 27 anos. Desde criança, a família de Izabela tinha o hábito de comprar revistas e jornais impressos e deixá-los em casa. Por esse motivo, ela se interessou pelo jornalismo. Para a jornalista Elizabete Morais Delfino, de 50 anos, a paixão pela comunicação era antiga, mas a história com o Jornalismo demorou para se
Elizabete carrega consigo um filmadora, registrando eventos e momentos marcantes na cidade iniciar. “Era muito natural para mim me interessar pelas histórias das pessoas e eu gostava de ouvir, de prestar atenção e depois escrever sobre o que eu tinha entendido. Fiz muitos textos para a escola, criei peças teatrais, fazia mural, entrevistava amigos durante o recreio e sempre estava questionando os professores de uma forma diferente. Na cidade onde cresci, em Aguaí (SP), sempre estava com uma filmadora no ombro registrando os eventos, as festas, os momentos marcantes e depois as pessoas que me procuravam para assistir as fitas. Quando entendi que para essa paixão tinha uma profissão, deixei de lecionar nas escolas públicas e municipais para ser estudante de Jornalismo na PUC-Campinas”, conta. No caso do jornalista da Rádio Brasil de Campinas, Luiz Felipe Leite, a área de comunicação sem pre lhe chamou bastante atenção. “Sempre me interessei por comunicação e, especialmente, pelo rádio. Desde o primeiro semestre de faculdade foi minha área preferida. Isso não mudou com o passar dos anos. Em paralelo com o curso eu fiz vários estágios, em jornais impressos, sites, emissoras de TV e até produtoras de conteúdo sobre entretenimento. O jornalismo, pra mim, é uma paixão que não tem fim”.
Porém, nem sempre o jornalismo se torna a primeira opção profissional. O jornalista e escritor, Giovane Almeida, de 27 anos, relata que sempre pensou em cursar a faculdade de História, devido sua paixão por escrever diferentes pontos de vista sobre sua vida e também sobre a vida de outras pessoas. Foi durante um teste vocacional em que participou na época do Ensino Médio, que descobriu as diferentes possibilidades que o seu amor pela escrita poderia lhe trazer, sendo uma delas o jornalismo. Giovane conta como as diferentes experiências que o jornalismo lhe proporcionou abriram espaço para que ele pudesse se lançar como escritor: “Eu sempre falei muito rápido e penso de forma acelerada, então o texto foi um caminho para “acalmar” minha mente. Explorar as diferentes possibilidades dentro do jornalismo me mostrou como tudo se conecta, porque percebi como explorar essas diferentes áreas aguçaram ainda mais minha imaginação, algo que contribuiu e muito para minha carreira como escritor”. E às vezes, mesmo quando a pessoa não escolhe o jornalismo, o jornalismo escolhe a pessoa. A história da Bárbara Camilotti com o jornalismo só começou na faculdade. Sem saber se jornalismo era mesmo o que ela queria, ela se mudou para Campinas e começou o curso de jornalismo na PUC-Campinas. Logo no início, ela já se apaixonou. “A possibilidade de conhecer tanta gente, tantas realidades e ter acesso a tantas informa-
Repórteres Carol Rizzieri Maria Eduarda Camilo Designers Gustavo Sena Pedro Felicio Fotos Arquivos Pessoais 57
Giovane Almeida é apaixonado por literatura e utiliza suas habilidades para se lançar como escritor ções é incrível”. Mas como um jornalista descobre qual área deve seguir? Essa é a pergunta que acaba “assombrando” diversos profissionais de comunicação social, mas a resposta surge de forma natural, assim como foi para Leite durante a faculdade. A área em que o locutor atua hoje não estava em seus planos, mas assim que teve o primeiro contato, foi amor à primeira vista. “Quando entrei na faculdade queria ser repórter esportivo, e depois gostei do rádio. Desde então, me apaixonei pela minha profissão. Sempre acreditei no meu potencial, apesar de alguns episódios pontuais me fazerem desconfiar disso. Tive a sorte de ter pessoas ao meu lado nesses momentos de dúvida”, afirmou o jornalista. Quando entrou na faculdade, em 2013, o sonho de Izabela, como o sonho de quase todas as pessoas da sua sala, era trabalhar com jornalismo esportivo. Hoje, Izabela atua na área de assessoria de imprensa há 4 anos e é coordenadora da Vira Comunicação, em Campinas. “As principais mudanças na minha vida profissional foram de áreas de atuação, muito por conta das oportunidades que apareceram, mas também pela mudança no mercado de trabalho”, explica a assessora. Ao mesmo tempo que a Internet foi responsável por acabar com algumas profissões de jornalistas, a Internet também foi a responsável por criar novas áreas de atuação. Quase 30 anos após ter se formado na faculdade de jornalismo, Elizabete trabalha na Dale! Marketing Di58
Explorar as diferentes possibilidades dentro do jornalismo me mostrou como tudo se conecta, porque percebi como explorar essas diferentes áreas aguçaram ainda mais minha imaginação, algo que contribuiu e muito para minha carreira como escritor
gital, em uma área que não sabia que poderia ter possibilidade de trabalhar quando entrou na faculdade. Muitas vezes, o estudante tem uma área em vista, mas acaba se apaixonando por outra, como é o caso da Bárbara. Quando criança, o sonho dela era ser escritora. Porém, quando Bárbara entrou na faculdade, os planos mudaram. “Eu nunca me enxerguei dentro do padrão que costumava assistir na TV, então era natural que eu quisesse atuar no jornalismo impresso e achasse que nunca teria espaço no telejornalismo. Foi na faculdade que eu descobri que tinha sim afinidade com o telejornalismo, e aí resolvi tentar o estágio na EPTV. Depois, já na EPTV, tive contato com mais um milhão de outros processos que só são possíveis no telejornalismo. Na TV eu acabei descobrindo a felicidade de me aprofundar e dominar cada uma dessas etapas. Isso fez eu me apaixonar cada vez mais pela TV, e hoje dou risada de pensar que não era pra mim”, relata a jornalista. Quando Almeida entrou na faculdade de jornalismo, ele não fazia ideia de que poderia utilizar o curso como base para sua carreira de escritor. “Acreditava que eu viveria uma vida corrida de redação, mas explorar ao máximo as possibilidades dentro da faculdade me mos-
trou os diferentes caminhos, inclusive de que poderia me tornar um escritor a partir do jornalismo”, afirmou Giovane. Para o escritor, o jornalismo se tornou uma ferramenta fundamental para a sociedade, principalmente durante os tempos atuais. Ele explica o motivo: “O jornalismo, hoje em nosso país, é necessário. Porque em tempos de fake news e muitas mentiras, o jornalista se torna o principal ator para zelar pela informação verdadeira, para que o povo receba a verdade, principalmente durante uma época em que nosso desgoverno não cumpre com o seu papel perante a sociedade brasileira”. Não há dúvidas, o jornalismo foi muito questionado nos últimos anos. Para Izabela Reame, esse questionamento muito se deve ao fato que hoje qualquer pessoa de qualquer lugar consegue contar e informar as pessoas de algum acontecimento e, para isso, não é necessário um diploma. “No último ano foi comprovado a importância do profissional de jornalismo, pois em uma realidade com excesso de informações, o profissionalismo e a técnica de um jornalista em mostrar a notícia averiguando os fatos e as informações corretas são essenciais.” Para Elizabete, a pandemia, a fome, o caos na saúde e a política mal feita fez com que o jornalismo ganhasse mais força, respeito e credibilidade. “Ouvimos muito as pessoas dizerem que ‘leram ou viram na internet’, sem citar uma referência, uma fonte fidedigna, e isso banalizou a notícia. Sabemos que o jornalismo não é feito sem apuração, sem checagem, sem ouvir diversas fontes, sem embasamento acadêmico, por isso temos que lutar para fazer com que nossa profissão seja valorizada”. Para o jornalista Luiz Felipe, o jornalismo é necessário para levar as informações e os fatos do que acontece no mundo para as pessoas. “É um meio de deixar todos informados. E capaz, também, de produzir transformações por meio do que é noticiado, seja por pressão p o p u l a r,
Luiz Felipe Leite na Rádio Brasil, ao lado de seu colega responsável pela mesa de som, Rodrigo Dreyer por exemplo, ou por outras razões. O mundo não permanece do jeito que está pra sempre. E essas mudanças são influenciadas, em grande parte, pelo trabalho dos jornalistas e das jornalistas”, afirma o radialista. É evidente que o jornalismo, de fato, promove muitas mudanças. Para Bárbara, é difícil dizer qual mudança é a principal. “No mundo ideal, a principal mudança é a de educar o público - que é o que eu tento fazer nos quadros Fake News e Descomplica - e dar ao público as armas necessárias para lutar por seus direitos - o que tentamos fazer no jornalismo diário. Eu gosto de acreditar que o que fazemos no jornalismo tem um sentido maior e promove mudanças sociais mais profundas. Algumas vezes aconteceu de pessoas me agradecerem por matérias que eu fiz, nos mais diferentes assuntos, e não tem recompensa maior do que ouvir um “obrigado” e saber que você realmente conseguiu ajudar”, relata a jornalista. E por conta dessa pluralidade, as experiências se tornam múltiplas, sendo um exemplo para muitos estudantes que desejam ingressar no curso de jornalismo ou até mesmo para os que já estão cursando. Por isso, para contribuir com estudantes que pretendem cursar jornalismo e também para aqueles que já cursam, nossos entrevistados apontam dicas importantes para que os futuros jornalistas comecem suas carreiras da melhor forma. 59
Dicas dos Jornalistas Izabela
Uma dica para essas pessoas que estão começando, é aproveitar a faculdade para criar o máximo de experiências possíveis dentro do mercado de trabalho. Parece clichê, mas é o momento que é mais fácil de conseguir percorrer por diferentes áreas de atuação e aprender, para tanto entender o próprio caminho, mas também ganhar bagagem, que nunca é demais.
Luiz Felipe
Procure por um estágio. Não importando a área. E passe por vários locais e plataformas diferentes. Aprenda o máximo que puder, absorva as experiências boas e ruins e desenvolva suas próprias preferências e aptidões. Não parem de estudar e também não tenham medo dos plantões ou de trabalhar muito e ganhar pouco. Nem tudo o que nos dizem é uma verdade absoluta.
Giovane
Faça aquilo que você se propõe a fazer bem feito e com amor. Eu acho que quando a gente faz aquilo que nós gostamos com amor, dedicação, tem resultado e retorno. Então nunca pense em produzir e criar algo esperando uma visibilidade ou um retorno imediato, porque isso não vai rolar e não é sincero. Eu acho que o jornalismo tem essa função de ser sincero. Então faça o seu trabalho e a sua função da melhor forma possível e com muito respeito. Quando você coloca amor no seu trabalho, o retorno vem naturalmente! 60
Elizabete
Tem uma frase chinesa que diz que “toda caminhada começa com um passo, mas ele tem de ser dado”. O que digo para um estudante é que acredite em você, mas esteja sempre aberto para aprender. Ofereça o seu melhor, faça textos, grave vídeos, áudios, crie artes, conteúdos e mostre seu potencial em um portfólio. Seja organizado, dedicado e prestativo. Faça contatos, conheça e ouça pessoas, e alimente sua criatividade, todos os dias, fazendo sinapses. Não pense que guardar tudo em arquivos é a solução. Pense, aja e se jogue. Você ainda é jovem e tem um mundo de possibilidades à sua frente. O primeiro emprego só vai surgir se você procurar. Então, trabalhe com as redes sociais a seu favor, buscando as pessoas e empresas para o qual você quer atuar e faça contato, se ofereça. Uma hora a porta se abre.
Bárbara
Você não precisa saber por onde começar, apenas comece. É preciso dar a cara a tapa, mandar 1001 currículos, criar projetos pessoais que dê para ir treinando e até usar de portfólio. O conhecimento vem com a experiência, e você só vai saber o que gosta depois que fizer. Com o tempo você vai aprendendo, conhecendo mais o mundo e se conhecendo, e vai encontrando seu espaço. Seu espaço também não precisa ser o mesmo pra sempre, nós sempre podemos mudar para espaços diferentes e até ter mais de um ao mesmo tempo. Só mantenha os pés no chão e tenha força, porque o começo sempre é muito difícil, mas o jornalismo vale muito a pena.
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Repórteres Gabriela Pauluci Giulia Rodrigues Ilustradores Luan Peterlevitz Tiago Martins Designers Beatriz Infanger Luan Peterlevitz Mateus Tulon Tiago Martins Fotos Arquivo Pessoal 61
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aurício Simionato, 48 anos, nasceu em Assis - São Paulo, mas atualmente reside em Sousas. É formado em Jornalismo pela PUC-Campinas, concluiu sua Pós Graduação MBA em Comunicação e Marketing na instituição de ensino Unic Sul, estudou História das Artes na instituição de ensino Faculdade ÚNICA - Prominas, possui extensão em Semântica e Linguística Textual pela Universidade Candido Mendes e também em Estudos da Linguagem pela Unicamp UNICAMP. Hoje faz mestrado no Instituto de Estudos da Linguagem em Labjor (IEL) - Unicamp e trabalha como Assessor de Imprensa na empresa Aeroporto Internacional de Viracopos, além de ser o autor de três livros de poemas publicados: ‘Impermanência’, ‘Sobre Auroras e Crepúsculos’ e O AradO de OdarA, lançado este ano. Ao longo de sua carreira, estagiou no Jornal O Estado de São Paulo, trabalhou na Revista Veja - Campinas Comer & Beber, já foi repórter na empresa UOL Notícias, Jornal Diário do Povo, Correspondente na Amazônia - Agência Folha, Jornal Todo Dia, Jornal O Globo e, além de repórter também foi chefe de reportagem na Folha de S. Paulo. Foi editor na empresa Jornal Destak e trabalhou com Comunicação Interna na empresa Mercedez-Benz.
Maurício Minha história com o jornalismo surgiu na infância, com a leitura diária de jornais que meu pai assinava. O jornal era jogado enrolado no quintal da frente de casa todo início de manhã. Meu pai assinou O Estado de S. Paulo por muitos anos e, depois, passou para a Folha de S. Paulo, também por muitos anos. Minha recordação de leitura de jornal vem desde que me conheço por gente ou que a memória me permite recordar. Era um prazer ler jornais e saber o que de mais importante acontecia pelo Brasil e pelo mundo. No final da semana, eu pegava aqueles jornais e levava de bicicleta, em sacolas, para vender no açougue. Ganhava um bom dinheiro para uma criança. O que mais me encantava eram as páginas dos cadernos de Cultura com suas diagramações diferenciadas e fotos de artistas 62
em destaque. Criei um arquivo particular no qual guardava recortes das matérias que mais me encantavam e que traziam artistas de música, de cinema ou de literatura, que um dia eu sonhava em conhecer. Bom destacar que estamos falando do final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Então, recortava principalmente notícias sobre críticas e lançamentos de novos discos. Isso me levou a me tornar um colecionador de vinis a partir da adolescência. Recordo-me de ler críticas extraordinárias sobre novos LPs. Então, eu ficava esperando aquele disco chegar nas poucas lojas que haviam na cidade ou, num golpe de sorte incrível, escutar aquele artista tocar em alguma programação de rádio, que escutava diariamente antes de ir para a escola e na hora do almoço. Meu
Simionato
pai foi radialista quando jovem e o rádio ficava ligado o dia inteiro em casa. Enfim, a leitura diária de jornais e a audição diária de rádio na infância e na adolescência se desdobraram em várias coisas. Antes de pensar em ser jornalista, queria ser diretor de cinema, roteirista ou fazer algo ligado à música. Mas eram poucas as escolas de cinema e acabei me interessando na adolescência pelo jornalismo. Considero que o início de minha vida profissional aconteceu em meu primeiro estágio em uma redação. Eu estava no segundo ano da faculdade de jornalismo na PUC-Campinas e um grande amigo me avisou de uma vaga como estagiário na sucursal de Campinas do jornal O Estado de São Paulo. Era 1993. E lá fui eu. Bati na porta e disse que me interessava pela vaga. O editor Clayton Levi me pediu para sentar numa máquina de escrever e que fizesse uma notinha de uma notícia daquele dia. Eu suava de nervoso. Ele leu e me pediu que voltasse no dia seguinte. Passei ali uns seis meses ao lado de feras do jornalismo como o próprio Clayton e do saudoso Brasil de Oliveira, que escrevia sobre esportes. Aprendi muito sobre jornalismo naquele ano. Depois disso, consegui uma vaga de estágio na área de comunicação interna da empresa Mercedes-Benz, onde fiquei mais dois anos e aprendi sobre uma nova possibilidade de fazer jornalismo, já que tínhamos até uma rádio interna. A empresa era uma cidade. Eram seis mil funcionários. Minha trajetória no jornalismo se iniciou com o estágio no Estadão e no jornal O Globo fiz duas curtas passagens como freelancer. Mas na Folha foram 12 anos no total e consegui emplacar a manchete do jornal oito vezes. Portanto, vivi as coberturas mais marcantes
pela Folha, na qual comecei a trabalhar em 1998. No final dos anos 1990 e início dos 2000, o país viveu uma epidemia de sequestros, rebeliões em grandes presídios e de ocupações de terras. Foram dezenas de coberturas sobre estes temas e minha vida ficou em risco dezenas de vezes. Recordo-me de me ver em meio a tiroteios durante uma rebelião em Hortolândia e também em meio a um tiroteio em uma reintegração de posse após uma ocupação de integrantes do movimento sem-terra numa fazenda em Limeira. Era tiro para todo lado. As coberturas sobre sequestros de pessoas famosas e empresários sempre eram as mais cansativas, pois eram dias e dias de plantões na frente da casa dos familiares dessas pessoas. Entre eles, participei da cobertura do sequestro de um filho do Mauricio de Sousa. Foi uma cobertura angustiante. Eram situações de demonstração de força do Estado contra a demonstração de força daqueles relegados pelo mesmo Estado ao longo de muitos, aqueles que resultaram da falta de políticas públicas e sociais deste mesmo Estado. Nestas coberturas mais pesadas, a poesia se mostrou novamente em minha vida, como uma espécie de válvula de escape ou terapia. Foram coberturas, por vezes, tristes e desafiadoras tais como o julgamento do chamado Massacre de Eldorado dos Carajás, os dias de toques de recolher nas ruas causados pelo início do PCC em cidades de São Paulo, Caso do assassinato do prefeito Toninho, Casos de adoções irregulares no Fórum de Jundiaí, o assassinato da missionária norte-americana irmã Doroty (a qual eu conhecia); acidente da aeronave da GOL; conflitos em Serra Pelada, além de diversas de coberturas de eleições presidenciais 63
e estaduais.” Neste tempo que passei na Folha, tive a oportunidade de atuar como correspondendo na Amazônia, uma experiência extremamente rica não só pelo jornalismo, mas pelo aprendizado por conhecer de forma mais ampla o que é o Brasil profundo. Uma região alegre e com uma energia incrível, marcada por conflitos de todos os tipos pela terra. Conheci pessoas capazes de matar por causa de um pedaço de terra. Sofri ameaças de morte e ofertas de suborno. Não foi fácil. Ao mesmo tempo, eu era um jovem destemido e andava livremente pelas regiões onde sabia que corria risco de morte. Numa cobertura de uma chacina de trabalhadores sem-terra no Xingu, por exemplo, eu fui vigiado por uma semana quando saía do hotel onde estava hospedado. Era inacreditável que eu, mesmo assim, sentasse no bar da esquina para beber cerveja de noite e ainda arrumasse tempo para jogar sinuca com alguns bêbados da cidade. Percebi que há máfias que cuidam de praticamente tudo quando fui fazer uma matéria sobre tráfico de peixes ornamentais. Uma máfia incrível que alicia moradores ribeirinhos e envia peixes em extinção para milionários na Ásia e Europa. Fui a garimpos e também constatei a presença de outras máfias. Cada máfia com seu pedacinho de exploração da Amazônia. Todos com seus capatazes prontos para matar quem atrapalhar seus planos de enriquecimento e poder. Tem máfia na exploração de plantas, de insetos, de madeira, de minério, de peixes. Praticamente tudo que você imagina na Amazônia possui uma máfia por trás. Logo quando cheguei na Amazônia, minha primeira viagem a trabalho foi para a região do Araguaia, na divisa entre o Pará e o 64
Tocantins, numa região conhecida como Bico do Papagaio. Passei quase duas semanas lá acompanhando uma comissão de desaparecidos políticos que buscava restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia. Uma história que o brasileiro não aprende na escola, mas muito importante para entendermos o país. Ali, assisti esqueletos sendo desenterrados com as mãos atadas para trás e pessoas que foram enterradas em pé. Todas vítimas da guerra contra a Ditadura assassinados cruelmente pelo Exército numa espécie de Vietnã brasileiro. Há relatos de torturas de moradores e até bombas de Napalm jogadas de aviões contra aquelas pessoas. Um editor meu da Folha brincava que o plantão no fim de semana era ‘só’ cuidar da metade do Brasil porque eu ficava em Belém e revezava o plantão com a correspondente em Manaus. O nosso plantão era cuidar da região Norte inteira e de parte do Centro-Oeste. Mas o lado incrível foi conhecer pessoas extraordinárias, uma culinária sensacional, bares maravilhosos, por os pés em territórios indígenas, dormir no meio da floresta Amazônia, tomar banho de rio, passar os feriados e os finais de semana na lindíssima Ilha do Marajó ou em Alter do Chão, em Santarém. Versos e livros Diferente do jornalismo que despertou meu interesse na adolescência, a poesia veio quando fui alfabetizado. Veio antes de tudo. A poesia que me levou ao jornalismo. Por muitos anos, guardei versos em caixas e gavetas. Mas o jornalismo me levou de volta à poesia. Literatura sempre foi a disciplina que mais me interessava na escola e tive uma infância de muita leitura. Eu li muito na infância, desde Machado de Assis até a Cole-
ção Vaga Lume, que li praticamente inteira. Na casa onde cresci em Assis (SP), onde passei a infância na década de 1970, tinha as coleções completas de Monteiro Lobato, Machado, José de Alencar, entre outros. Então. Acho que estes olhares poéticos sobre as coisas surgiram na minha infância. Por ter trabalhado em diferentes áreas, noto a singularidade de cada uma. A revista, em tese, te dá mais prazo para trabalhar o texto e pensar a reportagem. No jornal, em tese, o tempo para entregar as matérias exerce uma pressão que influencia na qualidade do texto. Estou falando em uma época pré-internet. O Google não existia nem nos sonhos. Tudo era na base da agenda. O jornalista que tinha telefones exclusivos na agenda levava vantagens. Mas a adrenalina do jornal sempre me encantou mais. Quantas vezes achei que não conseguiria entregar três matérias em 30 minutos? Na assessoria de imprensa é outro ritmo. O lado político no trato com as pessoas é importante na assessoria de imprensa, principalmente com os repórteres. Estou aprendendo muito na assessoria e acho que, se um dia voltar para o jornalismo impresso, meu texto será outro. Um dos desafios do jornalismo institucional é saber lidar com o ego das pessoas que trabalham na mesma empresa. Acho que meus maiores sonhos realizados são os de ter filhos, lançar livros de poesia, ter uma coleção de mais de dois mil LPs e de ter conhecido lugares maravilhosos, além de morar em um lugar no meio da natureza, onde moro hoje com minha família. Os sonhos que ainda não realizei estão relacionados a conhecer lugares fascinantes como Egito e Grécia, por exemplo. Se tivesse que escolher um lema para vida seria “Conhece-te a ti mesmo”. 65
Cristiane Campari
CRÔNICA
Indeterminação
Q
duradoura
uem vos fala é uma pessoa do fatídico ano de 2021. No começo dele havia esperança de vacina para todos, mas vejo diariamente em jornais e noticiários sobre como o Governo Federal anda ‘mais para lá, do que cá’ com isso. Dentro de casa estou trabalhando, estudando, saindo só para o essencial e convivendo só com a minha família e os meus animais. Não que eles não sejam importantes, mas para uma pessoa como eu, que ama sair e falar o que pensa está bem difícil ficar parada e muda diante ao que acontece neste país. Cada ida ao mercado se torna uma grande aventura neste tempo pandêmico. Toda vez que minha mãe fala “estou fazendo a lista de compras”, vejo que é hora de ver pessoas diferentes. Como vamos sempre aos domingos, se não me engano já conheço quase todas as balconistas do local, ou seja, talvez o divergente ali sejam as pessoas que estão fazendo suas compras. Eu sempre gostei de conversar com todo mundo, porém hoje em dia preciso me conter, porque falar com gente que não esteja no convívio é sinal de perigo, pois toda vez que alguém se aproxima de mim, penso “será que essa pessoa está com o vírus? Essa máscara é que evita a propagação? Tomara que ela nem me venha perguntar como está meu dia”. Atualmente o medo de ser contaminado e transmitir para a minha família é tanta que me controlo neste aspecto. As ligações por vídeo ficaram mais frequentes, assim consigo sanar um pouco da saudade daquelas pessoas que não vejo há tempos, mas para mim, parecem séculos. Todo dia, pontualmente às 18h30 converso com as minhas tias por vídeo chamada via what-
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sapp, ficar longe delas tem sido bem difícil, porém sei que isto é um ato de amor para com elas. Lembro-me da última vez que vi os colegas, estávamos no laboratório de informática, em março de 2020, quando recebemos a notícia de que nossas aulas seriam suspendidas por tempo indeterminado, e olha que esta indeterminação tem durado muito tempo. Até o modo de trabalhar tem mudado também. Quem diria que o computador e o celular seriam os nossos melhores aliados no home office, trabalhar em casa tem seus pormenores. É estar em reunião e seus cachorros latirem, escrever texto com seu gato se colocando na frente para pedir atenção ou até mesmo volume alto da televisão do vizinho. Aos poucos, você se acostuma com tudo isto, vai por mim. Existem vantagens também, a comodidade de estar a menos de cinco passos do serviço, acordar mais tarde do que se tivesse presencial. Estar em casa traz mais tempo para você, venho percebendo isto. Tenho tempo de colocar minhas demandas em dia, ouvir meus podcasts e dar atenção a minha família e animais. Tudo tem seu lado positivo e negativo, diz minha mãe. Percebo como viver é precioso, estar ao lado de quem amamos é algo fantástico e raro em 2021.
Ilustração:
Isabella Nista
CAROL ROMANO EWERTON RAMOS
MARIANA PADOVESI
FOTOJORNALISMO ELTON FELIX JÚLIO ROCHA
CRISTIANE CAMPARI GABRIELA PAULUCI GIOVANNA GIUGA
MARIANA ZILLI MARIA EDUARDA
GIULIA RODRIGUES 67
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