"O brincar na educação: passado, presente e futuro" * Adriana Friedmann Gostaria de traçar um rápido panorama dos estudos, tendências e práticas surgidos nas últimas décadas e deixar, através do presente artigo, algumas sugestões de temas e práticas que me parecem imprescindíveis de serem empreendidas tanto no âmbito acadêmico quanto no do cotidiano do Brincar. PANORAMA DE ESTUDOS, TESES, PUBLICAÇÕES NACIONAIS E ESTRANGEIRAS E LEGISLAÇÃO nos últimos 20 anos do século XX e início do século XXI. Se fizermos uma análise evolutiva dos estudos desenvolvidos sobre a atividade lúdica ao longo da história, é muito curioso observar quantas áreas interessaram-se por este universo da ludicidade, preocupados em debruçar-se na pesquisa de jogos, brinquedos e brincadeiras e no ato de brincar. Ainda é singular o grande número de artistas plásticos e escritores que dedicaram parte de suas obras ao brincar infantil, assim como biografias onde a memória do tempo do brincar ocupa significativos espaços. Podem-se citar os âmbitos pelos quais o brincar tem permeado a vida do homem nas últimas décadas, sendo objeto de estudo, pesquisas e práticas, tais como: análises estruturais do brincar, socialização suscitada pelo brincar, afetividade e brincar, o simbolismo do brincar, o movimento e o brincar, espaços lúdicos, terapêutica do brincar. Realizando uma análise com relação às publicações surgidas sobre o brincar, sobretudo a partir da década de 80, é interessante notar que: * a maior parte das publicações, tanto nacionais quanto estrangeiras, são produções que versam sobre: - as teorias do brincar; - grande parte relaciona o brincar com a Educação Infantil e com a escola; - há também inúmeros livros sobre o brincar e a psicologia e/ou terapias; - grande número de coletâneas de jogos e brincadeiras; - uma crescente produção sobre o brinquedo, sobretudo os artesanais, de sucata e populares; - interessante produção no âmbito histórico, antropológico e cultural do brincar; - bastante produção relacionada ao processo de ensino-aprendizagem; - o papel do professor; - espaços lúdicos. * temáticas “emergentes”: - brincar relacionado a crianças com necessidades especiais; - brincar e imaginação/fantasia; - ócio e lazer; - o brincar relacionado à linguagem. * temas menos explorados na sua relação com o brincar: - recreio; - observação do brincar - corpo; - poesia; - pais; - natureza; - jogos cooperativos; - literatura; - arte; - música; - teatro; - esportes; - simbolismo; - educação não formal;
- comunicação; - cidades; - ciências; - televisão; - hospitais; - sexualidade; - matemática; - disciplina/agressividade; - grupos. Com relação ao caminho que as teses e pesquisas vêm tomando, notamos que: * as áreas de maior interesse versam sobre a relação do brincar com a educação infantil, os jogos de regras e a escola; * temas como brinquedos, teatro/psicodrama e faz de conta, educação física, papel do professor, ciência, cultura, a criança e psicologia/terapias, mostram-se com uma produção regular; * temas ainda pouco explorados e estudados relacionados ao brincar: simbolismo, registros, imaginação, violência, linguagens, sexualidade, gênero, recreio, pais, brincadeiras tradicionais, moralidade, corpo, arte, grupos, televisão, empresas, lazer, educação não formal, raça, jogos eletrônicos, comunicação. A partir deste panorama, podemos perceber que as tendências na produção sobre o brincar estão, sobretudo, relacionadas às áreas de educação, psicologia, cultura e espaços, embora a abrangência do tema seja imensa, porém, muito tímida ainda a produção e pesquisa. O brincar na Educação Infantil à luz do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil e dos Parâmetros Curriculares Nacionais Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS) e do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI) resgataram a importância do brincar no cotidiano dos Centros de Educação Infantil. Essa foi uma relevante contribuição para a Educação Infantil em especial. No entanto, esse movimento não é instantâneo nem está garantido pelo fato de existir espaço para discussões, reflexões ou leituras críticas sobre o assunto. É necessária coragem para assumir que o brincar é primordial no trabalho junto às crianças de 0 a 6 anos. É imprescindível, também, que essa postura seja abraçada por toda a equipe escolar (desde o diretor, coordenadores auxiliares até os funcionários que prestam serviços dentro da escola), não somente pelo professor de classe. PERSPECTIVAS DAS PRÁTICAS LÚDICAS É importante destacar, no decorrer dos últimos 25 anos, o incremento de ações prólúdicas, tanto em contextos formais como não formais de educação, cultura, psicologia, arte, entre outros. Cabe uma reflexão a respeito das práticas dentro da escola assim como das práticas em ONG´s, centros culturais, espaços públicos, hospitais, etc. Importante também citar a diversidade de profissionais que atuam em diferentes áreas ligadas ao Brincar - professores, arquitetos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, ludo terapeutas, médicos, profissionais de educação física, fisioterapia, etc. - que desenvolvem projetos, cursos, assessorias, eventos. Outras áreas que têm surgido no universo do lúdico: - a qualificação dos profissionais; - recursos lúdicos como instrumentos de estudo e reflexão acerca do próprio brincar; - o brincar a partir da observação e da interação criança - brinquedo - brincadeira; - propostas de brincadeiras livres e dirigidas; - situações de brincadeiras solitárias e em grupo; - a singularidade do brincar nas diferentes faixas etárias;
- jogos cooperativos; - a riqueza dos brinquedos artesanais e industrializados, os processos de produção, a questão da segurança dos materiais utilizados na fabricação; - a adaptação de sistemas de classificação de brinquedos; - a expressão do potencial criativo, através da construção de brinquedos e da prática das brincadeiras; - a riqueza das brincadeiras quanto às características regionais, estrutura, finalidade, conteúdo temático, época; - coletâneas de brincadeiras; - sistemas de classificação de brincadeiras; - diversos tipos de espaços lúdicos como: brinquedotecas, ruas de lazer, espaços em escolas, centros culturais, clubes, centros comunitários, museus, hospitais, etc.
PERSPECTIVAS DOS ESTUDOS E PESQUISAS Sugestão de temas para estudo e pesquisas sobre o Brincar * Conhecimentos históricos do Brincar de forma a incentivar a compreensão da importância da ludicidade no desenvolvimento humano, estabelecendo uma via passado - presente – futuro. - Síntese da história do Brincar • Pesquisa para seleção e preparação de citações, textos, fotos históricas e ilustrações em bibliotecas, obras de arte em museus, coleções particulares, internet etc. • Pesquisa e seleção de trechos de textos literários de autores nacionais que retratam o Brincar • Resumo biográfico e sugestões bibliográficas de cada autor • Pesquisa de obras de arte de autores nacionais, representando crianças brincando. * Diversos enfoques do Brincar, procurando reforçar e reavivar as lembranças e o prazer do Brincar. - Entrevistas com pessoas da comunidade, representativas dos diversos setores profissionais, níveis sócio-econômicos e contextos culturais, suscitando as lembranças de infância e diferentes opiniões sobre o significado e a importância do Brincar. * Análises reflexivas do Brincar como fenômeno enriquecedor do desenvolvimento corporal, emocional, cognitivo e social do ser que brinca. – Apresentação de exemplos do cotidiano de diversas instituições que têm propiciado a oportunidade de Brincar na prática, com o intuito de contribuir para o desenvolvimento e integração dos seus usuários. * As diversas áreas nas quais o Brincar tem despertado interesse como objeto de práticas, estudos e pesquisas. – Entrevistas com instituições públicas e privadas, organizações governamentais e não governamentais e com profissionais que atuam em diferentes áreas ligadas ao Brincar professores, arquitetos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, ludo terapeutas, médicos, profissionais de educação física - que desenvolvem projetos, cursos, assessorias, eventos. – Sínteses reflexivas dos vários âmbitos pelos quais o Brincar permeia a vida do homem na atualidade, sendo objeto de estudo, pesquisas e práticas, tais como: análises estruturais do Brincar, socialização suscitada pelo Brincar, afetividade e Brincar, o simbolismo do Brincar, o movimento e o Brincar. * Diferentes linguagens expressivas do ser humano – artes plásticas, música, literatura, histórias orais, teatro, expressão corporal – na sua relação com o Brincar. – Entrevistas com profissionais das diferentes áreas – Apresentação de atividades realizadas pelos diferentes profissionais com crianças e adultos - Entrevistas com crianças e adultos acerca das suas formas de expressão. * A importância da qualificação do profissional da área lúdica. - Entrevistas com formadores da área lúdica – Comentários de profissionais com diferentes enfoques na observação e análise de cenas de brincadeiras, envolvendo crianças e brinquedos.
* Sugestões de recursos lúdicos como instrumentos de estudo e reflexão acerca do próprio Brincar. – Apresentação de jogos. * BRINQUEDOS/BRINCADEIRAS * O Brincar a partir da observação e da interação criança - brinquedo - brincadeira; a brincadeira livre e a brincadeira dirigida; Brincar sozinho e em grupo; a relação criança adulto; o Brincar nas diferentes faixas etárias; a competição e a cooperação. - Entrevistas com crianças de várias faixas etárias. * Análises reflexivas e discussões sobre o papel dos brinquedos e brincadeiras, sob o ponto de vista sócio-econômico-cultural. - Entrevistas e discussões em grupo com crianças, jovens, pais, profissionais das áreas da saúde, psicologia, sociologia, educação e fabricantes. * A riqueza dos brinquedos artesanais e industrializados e estimular sua pesquisa e estudo, quanto a: processos de produção, materiais empregados, conteúdos temáticos, formas de utilização. - Entrevistas com artesãos, fabricantes, colecionadores e outros profissionais ligados ao tema. * Sistemas de classificação de brinquedos, identificando propostas de diferentes autores e as possibilidades de criação de um sistema próprio. - Pesquisa das classificações existentes. * A riqueza das brincadeiras quanto às características regionais, estrutura, finalidade, conteúdo temático, época, e estimular sua pesquisa e estudo. - Pesquisa das várias publicações e coletâneas realizadas. - Entrevistas com diferentes gerações: relatos e demonstrações das brincadeiras que, às vezes, se apresentam de formas diversas. * A expressão do potencial criativo, através da construção de brinquedos, enfocando processos e resultados. – Demonstração, passo-a-passo, do processo de construção de diferentes brinquedos a partir de materiais diversos. • Pesquisas e seleção de construtores de brinquedos. – Apresentação de sugestões de brinquedos de confecção simples. • Pesquisas de brinquedos e de técnicas de confecção. * Sistemas de classificação de brincadeiras, mostrando as perspectivas teóricas propostas por seus autores e sugestões práticas para sua utilização e as possibilidades de criação de um sistema próprio. - Pesquisas e sínteses de diferentes classificações de brincadeiras. * A expressão do potencial criativo através da realização de brincadeiras, enfocando processos e resultados. - Demonstração, passo-a-passo do desenvolvimento de diferentes brincadeiras. * ESPAÇOS DE BRINCAR * O conceito de brinquedoteca e novos espaços de Brincar. - Apresentação de tipos diversos de brinquedotecas e de outros espaços de Brincar existentes, por meio de entrevistas com autores, educadores ou profissionais da área do lúdico para relatos de experiências, membros de equipes e usuários e da filmagem de imagens de diferentes espaços como: brinquedoteca em hospitais, em favelas, em centros comunitários, em escolas, em centros culturais. Museus de brinquedos. Museus de crianças.
* Instrumental teórico e prático que auxilie e oriente equipes que trabalham ou irão trabalhar na concepção, implantação e funcionamento de brinquedotecas e outros espaços de Brincar em organizações ou instituições tais como: escolas, associações de bairro, prefeituras, hospitais, conjuntos habitacionais, creches, centros de juventude, centros culturais, museus. - Apresentação do passo-a-passo para elaboração do próprio projeto de cada brinquedoteca. Utilização de imagens de brinquedotecas e outros espaços diferentes, com a finalidade de ilustrar a importância da elaboração de um projeto antes da implantação de uma brinquedoteca. - Apresentação do dia-a-dia de uma brinquedoteca, ressaltando os aspectos mais importantes para um atendimento de qualidade: • Organização do espaço • Escolha do acervo • Catalogação, marcação do acervo. • Administração, gerenciamento e planejamento. • Registros e avaliação - Entrevistas com profissionais e usuários de brinquedotecas. Sugiro cinco vertentes de estudo, pesquisa e debate para este início de século XXI: 1 - a valorização das brincadeiras tradicionais e suas dimensões para a vida de crianças e jovens em contraposição ao universo ludo-tecnológico a elas disponível; 2 - a atitude lúdica em contraposição ao tempo lúdico; 3 - as diferentes linguagens expressivas do ser humano – artes plásticas, música, literatura, histórias orais, teatro, expressão corporal – na sua relação com o lúdico; 4 - análises das atividades lúdicas enquanto linguagens simbólicas; 5 - a reflexão a respeito do lúdico e a natureza do humano e do lúdico enquanto construção cultural e aprendizagem;
As perspectivas para o século XXI Quem fala da cultura do brincar. Na área de estudos e pesquisas, o brincar precisa materializar-se, sair do âmbito mental, cognitivo, para o corporal, sensorial, perceptual; ou seja, deixar de ser reflexão para ser vivenciado. O brincar precisa desprender-se, libertar-se dos discursos, para ser resgatado na pele de cada brincante, no seu cotidiano. Quem faz a cultura do brincar. Na área prática, o brincar precisa deixar de ser um processo inconsciente — para ser trazido à consciência, como linguagem simbólica, essencial ao desenvolvimento do ser humano. Devem-se ampliar os limites do brincar, principalmente com relação a um tempo ou a um espaço predeterminado. As atitudes do educador junto dos seus grupos deve passar a idéia de brincar não como “mais uma atividade” definida em determinados horários e/ou espaços, mas, sim, como “atitude lúdica” a ser assumida em todas as propostas educacionais. É imprescindível divulgar e utilizar as diferentes culturas das várias regiões brasileiras, que traduzem seus respectivos valores por meio da linguagem transmitida pelos brinquedos e brincadeiras: dos artesanais, que ainda são criados pelas mãos de pessoas simples e sensíveis, até os industrializados, fabricados por interesses comerciais e não por objetivos lúdicos e educativos referentes a seu público-alvo. Com relação às brincadeiras, nosso país tem uma riqueza infindável do Norte ao Sul, determinando uma cultura lúdica ao mesmo tempo heterogênea, diversa e comum, pela influência das culturas européia, africana e indígena. Assim como o tombamento de muitos monumentos materializam a história, o brincar constitui-se em um patrimônio lúdico da humanidade e, no nosso caso, da brasilidade: o conjunto de brincadeiras locais revela a linguagem cultural de cada região. A criança fala por meio do seu brincar.
A guisa de conclusão gostaria de colocar uma questão que me parece essencial para os rumos na área do brincar: a necessidade de nos voltarmos para a real distância e conseqüentes distorções entre as reflexões teóricas e os resultados das pesquisas na área, e as reais aplicações práticas de atividades lúdicas junto a crianças, jovens e adultos. Como são lidos e interpretados os estudos realizados, por aqueles que têm a responsabilidade do fazer? Existem nas práticas consciência e conhecimentos consistentes? As teorias não ficam engessadas em si mesmas, fora da realidade? Os brincantes (crianças, pais e educadores) e os estudiosos da área poderão, quem sabe, encontrar respostas a tais indagações.
_________________________________________________________________________ * Texto originalmente apresentado no II Seminário sobre o Lúdico na ULBRA – Manaus – Novembro/2006. ADRIANA FRIEDMANN - Doutoranda em Antropologia pela PUC/SP. - Mestre em Metodologia do Ensino pela UNICAMP. - Pedagoga pela USP. - Coordenadora e docente do curso de Pós Graduação “Educação Lúdica em contextos escolares, não formais e corporativos” no Instituto Superior de Educação Vera Cruz. - Idealizadora do NEPSID – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Simbolismo, Infância e Desenvolvimento – www.nepsid.com.br - Co-fundadora da Aliança pela Infância no Brasil – www.aliancapelainfancia.org.br. - Docente e consultora na formação de educadores e na implantação de espaços lúdicos em inúmeras instituições. - Membro do Conselho Consultivo da EDUBEM. - Membro do Conselho Consultivo de ZERO A SEIS. - Autora dos livros: - “O brincar no cotidiano da criança” – Moderna – 2006. - “O desenvolvimento da criança através do brincar” – Moderna – 2006. - “O universo simbólico da criança: olhares sensíveis para a infância” – Vozes – 2005. - “Dinâmicas criativas – um caminho para a transformação de grupos” – Editora Vozes – 2004. - “A arte de brincar” – Editora Vozes – (1ª. ed. 1992) 2004. - “Brincar, crescer e aprender: o resgate do jogo infantil” – Ed. Moderna – 1992. Co-autora dos livros: - “O direito de brincar – a brinquedoteca” – Ed. Scritta – 1992. - “Caminhos para uma aliança pela infância” – Aliança pela Infância – 2003.