O OLHAR PARA A PESSOA DO EDUCADOR

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MAITY LOTUFO LEAL DE MORAES

O OLHAR PARA A PESSOA DO EDUCADOR: uma contribuição de Jung para a Educação.

São Paulo 2010


MAITY LOTUFO LEAL DE MORAES

O OLHAR PARA A PESSOA DO EDUCADOR: uma contribuição de Jung para a Educação.

Monografia apresentada no final do Curso de Pós-Graduação Lato sensu em “Educação Lúdica em contextos escolares, não formais e corporativos”, no Instituto Superior de Educação Vera Cruz, como requisito parcial para obtenção do Certificado de Conclusão.

São Paulo 2010


Autor: MAITY LOTUFO LEAL DE MORAES Título da monografia: O OLHAR PARA A PESSOA DO EDUCADOR: uma contribuição de Jung para a Educação.

TERMO DE APROVAÇÃO Esta monografia foi considerada suficiente para a obtenção do Certificado de Conclusão da Pós-Graduação Lato Sensu, em “Educação Lúdica em contextos escolares, não formais e corporativos” do Instituto Superior de Educação Vera Cruz de São Paulo. O examinado foi aprovado com a nota ________

BANCA

EXAMINADORA

NOME 1. 2. 3.

São Paulo, _____ de __________________ de ______.

ASSINATURA


AGRADECIMENTOS

À todos os educadores lúdicos, colegas e mestres, por serem fontes de inspiração.

À Adriana, pelo apoio, pela sensibilidade, pela presença. Que bom poder compartilhar de La Loba...

À Celine, por ter avistado uma Pedagogia Profunda. Obrigada por nossos encontros.

À Carol, por ter me apresentado à Educação, com seu olhar tão pioneiro.

À Anna, por me ensinar tanto, por confiar, por me dar tantas possibilidades de Viver.

À Helena, pela ajuda providencial. Muito obrigada!

Ao Paulo, Meu Amor, por ter cuidado sempre da minha alma.

Às crianças, pela alegria, pela companhia, por me desafiarem a buscar mais e mais da Vida.


SUMÁRIO

1. MEMORIAL

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2. INTRODUÇÃO

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3. UM POUCO SOBRE CARL GUSTAV JUNG

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3.1. Individuação e o desenvolvimento da personalidade

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3.2. Educação para o desenvolvimento da personalidade

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4. EDUCADORES

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4.1. Ser educador

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4.2. O educador como ambiente

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4.3. O educador como ponte

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4.4. Formação

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5. NOSSA TAREFA

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LISTA DE FIGURAS

1. MANDALA

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2. A PONTE

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1.MEMORIAL

“Nós, quando procuramos nos orientar, às vezes esquecemos que nosso espaço possui sete direções. Nós nos situamos entre norte, sul, leste e oeste, entre céu e terra, mas esquecemos de dirigir nossa atenção para dentro de nós mesmos” Celine Lorthiois (LORTHIOIS, 2008)

Este trabalho é resultado de uma busca que começou há muito tempo, desde que resolvi adentrar no universo da Educação...

Minha formação inicial foi em Psicologia, algo que sempre me fascinou e continua fascinando até hoje. No entanto, encontrei no trabalho com crianças pequenas, dentro de um contexto escolar, a melhor forma de realizar a minha vocação. Senti que havia ali um espaço para uma ação preventiva, uma possibilidade de cuidar do amadurecimento de seres humanos desde os primeiros anos de vida.

Tive o privilégio de iniciar este processo em uma escola muito especial, um lugar onde as crianças podem ser crianças, onde seus ritmos, seus anseios, suas possibilidades, são respeitados. Neste espaço, tão rico e tão diferente de tudo que já tinha visto, pude encontrar pessoas que me ensinam muito sobre a Infância, sobre mim mesma, sobre a Vida.

Mas os caminhos de transformação nos obrigam a seguir em frente, e foi assim que, com saudades apertadas, deixei a escola, e acabei encontrando um outro lugar, também especial e cheio de respeito pela Infância. Neste momento de mudança, que culminou com difíceis processos de amadurecimento pessoal, senti a necessidade de aprofundar-me nos estudos, de ir em busca de alimento para a alma.

Felizmente deparei-me com um curso muito especial, chamado


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Pedagogia Profunda, que parecia unir aquilo que eu mais gostava da Psicologia com aquilo que eu mais acreditava na Educação. O contato com Jung ressurgiu como uma fonte de água fresca, me dando força para entender meus caminhos e descaminhos. O grupo de mulheres, as conversas, as trocas, as danças, o fazer com as mãos, todas essas experiências foram aos poucos fertilizando o solo para que algo novo pudesse renascer.

Além disso, através deste grupo reencontrei um livro que tinha sido muito significativo na minha vida, Mulheres que correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés. Ele me trouxe de volta um chamado antigo, que há um tempo estava esquecido, e que aos poucos foi amanhecendo dentro de mim. Suas histórias foram como bálsamos para a alma, revelando aquilo que precisava ser revisto, cuidado e renovado.

Neste contexto surgiu a possibilidade de entrar em um curso pioneiro, de Educação Lúdica, que pareceu sintilar como uma oportunidade única. Sem imaginar, aportei em um mundo totalmente inesperado, mas que ao mesmo tempo, era justamente aquilo que vinha esperando, sem saber.

Logo no primeiro encontro percebi que era muito mais do que um curso sobre Educação. Nossa primeira tarefa foi assistir ao filme História sem fim e fazer uma relação com o que tínhamos vivenciado. Ao reler o que escrevi, me espantei em encontrar ali a semente deste presente trabalho, que fala da importância de se conhecer a si mesmo:

“...O Lúdico, como um Dragão da sorte, tem o poder de encurtar as distâncias. É um atalho, não uma muleta, mas uma forma de se avançar obstáculos, de dissolver barreiras. Neste sentido, ficou claro para mim que apesar de se tratar de algo aparentemente leve e inofensivo, é uma ferramenta que deve ser tratada com muita seriedade, cuidado e responsabilidade: tem o poder de mobilizar, envolver, tocar intensamente, e portanto a possibilidade de trazer à consciência, retomar o caminho para si próprio. ...Sinto que entramos neste curso como o menino do filme, que é tomado por uma


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curiosidade e uma sede de sentido, mas que mal sabia o quanto aquele convite velado iria exigir de si. O quanto aquela história era a sua história, que precisava dos seus sonhos, seus desejos e seu poder de acreditar.”

Este curso foi uma experiência de corpo e alma, literalmente, que nos levou a explorar caminhos que não conhecíamos, mas que são ao mesmo tempo tão familiares. Nesse labirinto, temos que nos ater ao nosso fio dourado, tão falado por nossa querida Adriana, para nos encontrarmos com aquilo que nos é mais profundo.

Foi muito importante ter como mestres pessoas de verdade, inteiras, testemunhos de uma vida vivida com coragem e alegria. A forma como os educadores trouxeram seu conhecimento foi um exemplo vivo de que a maior riqueza de cada um é a sua singularidade. Mais do que isso, foram para mim um exemplo de que o espírito lúdico, quando é temperado pela maturidade da vida, vira sabedoria.

Como conclusão deste curso, resolvi reunir minhas experiências e conhecimentos e escrever sobre aquilo que meu coração tinha vontade. Descobri que ouvir essa vontade é algo que temos que fazer sempre, pois só assim a vida ganha sentido e nos faz ir em busca do mais verdadeiro.


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2. INTRODUÇÃO “...Somente o que é realmente a própria pessoa tem poder de cura.” Jung (JUNG, 1981)

Segundo Jung, o grande fator de cura da psicoterapia era a qualidade humana do terapeuta. Ao entender esta relação como um processo dialético, o terapeuta não pode ser visto como superior, perito, mas como alguém que vivencia junto, que transforma e se deixa transformar na relação com o paciente. Assim, a pessoa do terapeuta é vista como o verdadeiro instrumento da psicoterapia, o que significa que ele deve buscar conhecer a si mesmo. Tendo como guia o amor pela verdade, deve procurar desenvolver sua personalidade para que esta possa servir de instrumento para si e para seu trabalho.

Ao falar sobre educação em sua obra O Desenvolvimento da Personalidade (1983), Jung descreve este mesmo paradigma para a figura do educador. É através de sua presença, de sua disponibilidade para a relação, que o educador consegue realizar o que deveria ser, segundo Jung, a verdadeira finalidade da escola: o desenvolvimento de pessoas de verdade.

Para dar corpo às ideias teóricas de Jung sobre educação, gostaria de apresentar o olhar de algumas educadoras cujas práticas se transformaram em livros, documentos vivos de seus trabalhos. Cada uma delas segue um caminho muito próprio, singular, mas todas têm um traço em comum: a seriedade em relação ao trabalho que realizam, além de um profundo respeito pelo ser humano e pela Vida.


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Fig 1. MANDALA1 Transformações O momento de transformação é mágico Há nele uma percepção profunda do momento presente Há um mergulho no cerne da existência Há sincronicidade, numa grande harmonia do “ser” ... Buscar a sintonia com a mudança que se aproxima Ganhar consciência da nova transformação É fazer história É estar presente no coração do mundo

Transformando-se a si mesmo Deixando seu sinal de amor naquele que passa e sente a mudança Deixando seu traço no ambiente que se renova Deixando seu rastro no caminho percorrido, como sinal de esperança. Ruy Cezar do Espírito Santo (ESPÍRITO SANTO, 2007)

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Figura retirada de http://www.meetaravindra.com/meeta/imprensa/destaque/om/om3.gif . Acesso em 14/03/2010.


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3. UM POUCO SOBRE CARL GUSTAV JUNG

Nascido na Suíça em 1875, Carl Gustav Jung foi uma figura de grande importância na história da psicologia. Suas idéias abriram um novo caminho para a compreensão do ser humano, e influenciaram diferentes áreas do conhecimento.

A partir de suas experiências como psiquiatra, Jung compreendeu que o fenômeno psíquico, apesar de ser uma vivência subjetiva, podia ser entendido como uma realidade objetiva “... os conteúdos da experiência psíquica são“reais” e não apenas vivências pessoais – mas sim vivências coletivas que podem repetir-se em outros homens” (JUNG, 1981, p.172).

Segundo ele, os conteúdos da alma significavam uma realidade autêntica, de extrema importância para o entendimento e desenvolvimento do ser humano. Assim, através de uma postura científica, dedicou sua vida em busca da investigação da psique.

Em seu relato biográfico Memórias, Sonhos e Reflexões (1961), entendemos que é a partir de seu mundo interior que ele relata o desenvolvimento de sua vida e de sua obra. Como coloca Aniella Jaffé, podemos entender esta biografia como uma “introdução à obra de Jung pelo prisma do sentimento” (JUNG, 1981, p.17). Ao aprofundar-se nas implicações de sua própria existência, Jung foi capaz de amplificá-las, tendo como base sua experiência clínica, e seu vasto conhecimento teórico sobre as Ciências Humanas, Naturais e Ocultas. “Minhas obras podem ser consideradas como estações de minha vida; constituem a expressão mesma do meu interior, pois consagrar-se aos conteúdos do inconsciente forma o homem e determina sua evolução, sua metamorfose. Minha vida é minha ação, meu trabalho consagrado ao espírito é minha vida; seria impossível separar um do outro” (JUNG, 1981, p. 194).

Em um dos capítulos deste livro, intitulado Confronto com o Inconsciente, Jung descreve um período de sua vida onde se sentiu impelido a mergulhar nos conteúdos que transbordavam de seu mundo interior. Assim, passou a


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prestar atenção especial aos seus sonhos, imagens e visões, buscando compreender suas mensagens enigmáticas.

Apesar

de

ver-se

submerso

em

um

profundo

processo

de

autoconhecimento e de entrega às realidades da alma, Jung sentia-se guiado por uma atitude científica e um compromisso ético. Seu interesse em compreender-se e compreender os processos de seus pacientes o encorajava a seguir adiante, apesar de enfrentar grandes dificuldades. Além disso, o hábito de registrar os conteúdos que emergiam fazia com que adquirissem um certo grau de objetividade, ajudando-o na tarefa de compreendê-los.

Desta experiência, que durou alguns anos, Jung retirou a matéria prima com a qual construiu sua teoria. Como psiquiatra, pôde sentir a força destruidora das imagens do inconsciente, que podem levar o indivíduo à um estado de confusão e perda de contato com a realidade. Por outro lado, pôde experienciar a vitalidade destas imagens, o que lhe propiciou uma vivência espiritual de grande transformação.

Jung encontrou na arte uma forma de expressão de suas vivências, percebendo desta forma seu imenso potencial de cura. Ao desenhar mandalas, pecebeu que pareciam refletir seu estado interior. Com base em seus estudos, observou que a mandala era um símbolo da busca pelo centro, presente em todas as culturas e todos os períodos históricos. “Compreendi sempre mais claramente que a mandala exprime o centro e que é a expressão de todos os caminhos: é o caminho que conduz ao centro, à individuação” (JUNG, 1981, p. 174).

Desta maneira, ao seguir o caminho em busca de si próprio, entendeu que havia, abaixo de seu inconsciente pessoal, uma fonte inesgotável de imagens e matrizes de comportamento compartilhados por toda a humanidade. Assim, cunhou o termo inconsciente coletivo, e às imagens deu o nome de arquétipos. “O mais fundo que podemos alcançar em nossa exploração do inconsciente é a camada onde o homem deixa de ser um indivíduo inconfundível e onde sua mente se expande e funde-se à mente da humanidade (...) na qual somos todos iguais” (JUNG


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apud HOFFMAN, 2005, p. 38).

3.1. Individuação e o Desenvolvimento da Personalidade

O processo de individuação é um processo de amadurecimento por meio do qual o indivíduo torna-se si mesmo, através desenvolvimento de sua personalidade. “Tudo que é vivo sonha com a individuação, pois tudo se encaminha para sua própria totalidade” ( JUNG apud HOFFMAN, 2005, p.123 ).

No entanto, Jung descreve que este processo acontece em detrimento da nossa vontade pessoal, mas a partir de uma necessidade, imposta por acontecimentos internos ou externos. Como consequência, nos sentimos isolados da grande massa e somos então desafiados a seguir nossa própria lei, com perseverança e confiança.

Assim, a força para o processo de individuação não vem apenas de uma necessidade que se impõe (o motivo causador), mas também de uma decisão consciente de escolhermos seguir nosso próprio caminho. Esta decisão é árdua, pois nos leva a optar por algo não usual, desafiando-nos a questionar o que é convencional.

Jung destaca ainda uma última condição inerente à este processo, a designação, que seria como uma voz interior, que acomete a pessoa e lhe indica o caminho a ser trilhado. Lendas descreveram essa voz como um “demônio pessoal”, que aconselha, e cujos encargos devem ser executados.

Este “demônio pessoal” é descrito por James Hillman como daimon, uma imagem essencial e inata que nos define e que devemos resgatar para viver todo o nosso potencial. “A alma de cada um de nós recebe um daimon único, antes de nascer, que escolhe uma imagem ou padrão a ser vivido na terra. Esse companheiro da alma, o daimon, nos guia aqui. Na chegada, porém, esquecemos tudo o que aconteceu e achamos que chegamos vazios a este mundo. O daimon lembra do que está em sua imagem e pertence a seu padrão, e portanto o seu daimon é o


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portador de seu destino ”

Seguir o daimon é buscar o sentido da própria existência, e os conteúdos dessa voz interior são as designações do destino. No entanto, estes desígnios se apresentam de forma incerta e errante, o que faz com que se tenha que trilhar caminhos arriscados, distantes dos caminhos mais seguros, que levam à metas já conhecidas.

Mas, segundo Jung, a vida criadora fica sempre acima das convenções, e é portanto necessário que haja uma erupção destruidora das forças criativas quando predominar a rotina da vida nas convenções tradicionais. A partir desta tensão surge algo novo e cheio de vida, e ao ouvir sua voz interior, o indivíduo torna-se porta-voz de uma realidade que precisa emergir. “O homem normal pode seguir a tendência geral sem se machucar; mas a [pessoa] que usa as ruelas e becos por não poder aguentar a rua principal será a primeira a descobrir os elementos psíquicos que estão esperando para desempenhar a sua parte na vida do coletivo” (JUNG apud HOFFMAN, 2005, p.153).

Podemos dizer que, ao mesmo tempo que o processo de individuação leva a pessoa a seguir aquilo que lhe é mais próprio e singular, isolando-a da grande maioria, segundo Jung, esse processo não separa o indivíduo do mundo, mas une o mundo ao indivíduo. A partir da função transcendente, termo que caracteriza a união entre forças opostas, somos capazes de integrar nossa realidade interior com o mundo externo, transformando a nós mesmos e o nosso entorno.

Assim como uma grande personalidade atua na sociedade salvando, transformando e curando, o desenvolvimento da própria personalidade tem ação curativa sobre o indivíduo. Jung faz alusão ao que a filosofia clássica chinesa denomina “Tao”, para descrever a formação da personalidade: “Estar dentro do Tao significa perfeição, totalidade, desígnio cumprido, começo e fim, e a realização completa do sentido inato da existência. Personalidade é Tao” (JUNG, 1983, p.

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HILLMAN apud Carmen Maria HESTER, Educação e Individuação: Uma busca pela totalidade em sala de aula, 2008, p. 22


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3.2. Educação para o Desenvolvimento da Personalidade

Segundo Jung, a criança se desenvolve a partir de um estado inicial inconsciente, e vai aos poucos adquirindo consciência de si mesma. Assim, no início de sua vida, encontra-se fundida com as condições do meio ambiente em que vive, totalmente suscetível às influências das pessoas em sua volta.

A escola desempenha um papel muito importante, pois é o primeiro ambiente que a criança encontra fora da família. Para Jung, é um espaço que pode apoiar de modo apropriado a formação da consciência. Sua finalidade deveria ser educar para o desenvolvimento da personalidade, ajudando a criança a se libertar de sua identidade familiar e encontrar seu próprio caminho.

No entanto, a personalidade existe como potencial na criança, mas só se desenvolve aos poucos, por meio da vida e no decurso da vida. “Sem determinação, inteireza e maturidade não há personalidade. Essas três qualidades características não podem ser algo próprio da criança, pois por meio delas a criança perderia sua infantilidade” (JUNG, 1983, p.176).

Desta forma, torna-se essencial atentar para a figura do educador, pois, como coloca Jung, “ninguém pode educar para a personalidade se não tiver personalidade” (JUNG,1983, p.177). Para ele, a questão educacional tem orientação falha, pois vê apenas a criança que deve ser educada, deixando de considerar a importância da educação do educador. “Tudo aquilo que quisermos mudar nas crianças, devemos primeiro examinar se não é algo que é melhor mudar em nós mesmos, como p. ex., nosso entusiasmo pedagógico. Talvez devêssemos dirigir esse entusiasmo pedagógico para nós mesmos. Talvez estejamos entendendo mal a necessidade pedagógica, porque ela nos recorda, de modo incômodo, que de qualquer maneira somos crianças e precisamos muitíssimo de educação” (JUNG, 1983, p.76).

É necessário que, antes de tudo, o educador seja alguém em constante busca de conhecimento sobre si e sobre o mundo, uma vez que sua qualidade humana é determinante para que haja um vínculo verdadeiro com as crianças. Segundo Jung,


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desde que o relacionamento pessoal entre o educador e a criança seja bom, pouca importância terá o método didático.

No entanto, a escola é também um espaço para a aprendizagem de valores e regras de natureza coletiva, o que Jung denominou de educação coletiva consciente, indispensável para o processo de socialização. Mas este processo não pode conduzir à uniformização dos indivíduos, pois isto acarretaria em um aprendizado unilateral, visando somente a adaptação às regras e códigos da sociedade.

Por isso a importância da educação individual, que contribui para o processo de individuação e emancipação do coletivo. Neste contexto, a figura do educador é de muito valor, não só pelo seu olhar, que deve acolher a singularidade de cada um, mas pelo exemplo de sua pessoa. Segundo Jung, a verdadeira educação psíquica só pode ser transmitida pela personalidade do educador. “... o bom exemplo é o melhor método de ensino. Por mais perfeito que seja o método, de nada adiantará, se a pessoa que o executa não se encontrar acima dele em virtude do valor de sua personalidade” (JUNG, 1983, p. 60).

Assim, podemos concluir que, para Jung, a figura do educador é de extrema importância para uma educação que visa a transformação e o desenvolvimento dos indivíduos. Sua subjetividade e atitude coerente são fundamentais para que a relação com a criança possa ser verdadeira, contribuindo para seu amadurecimento. Desta forma, o educador deveria ser uma pessoa em constante busca de crescimento pessoal e profissional, tendo como ideal o desenvolvimento de sua própria personalidade.


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Fig. 2 A PONTE3

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Figura retirada de http://images.amazon.com/images/P/B001ECE6C6.jpg. Acesso em 14/03/2010.


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“Que asas de dourados fios invisíveis o educador precisa criar em si para formar com suas crianças uma verdadeira constelação, onde cada estrela mostra brilho e cor em seu devido lugar?” Luiza Lameirão (LAMEIRÃO, 2007)

4. EDUCADORES

Em seu livro Conversas com quem gosta de ensinar, Rubem Alves reflete, de forma poética, sobre a diferença entre os termos professor e educador: professores seriam como eucaliptos, enquanto educadores seriam jequitibás, velhas árvores cheias de história. “Há árvores que têm uma personalidade, e os antigos acreditavam mesmo que possuíam uma alma. É aquela árvore, diferente de todas, que sentiu coisas que ninguém mais sentiu. Há outras que são absolutamente idênticas umas às outras, que podem ser substituídas com rapidez e sem problemas” (ALVES, 1995, p. 16).

Para ele, a palavra professor designa uma função, enquanto educador refere-se à uma vocação, algo que se define por dentro, “que nasce de um grande amor, de uma grande esperança” (ALVES, 1995, p.14).

A origem da palavra vocação vem do verbo latino “vocare”, que significa “chamar”. A vocação é então um chamado para algo que a pessoa deveria realizar. Desta forma, podemos dizer que seguir a vocação seria seguir o daimon, a voz interior descrita por Jung anteriormente, em busca de sentido para a própria existência.

No entanto, são poucos aqueles que conseguem fazer de sua profissão uma vocação. Assim, observamos instituições cheias de indivíduos realizando tarefas rotineiras, sem sentido, onde o trabalho é encarado apenas como uma forma de subsistência. Vemos escolas onde há muitos professores, mas apenas alguns poucos educadores. “De educadores para professores realizamos o salto de pessoa para funções” (ALVES, 1995, p. 17).


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Professores me parecem ser aqueles que, ao receberem seu diploma, sentem que sua educação está completa e partem para realizar seu trabalho identificados com sua função. Educadores, por outro lado, são pessoas que, a meu ver, não se definem por um diploma, mas sim pela sua personalidade, sua maneira única de ser.

4.1. Ser Educador

Em De volta ao quintal mágico (2006), Dulcinéia Buitoni relata o dia-adia na escola Te-Arte, onde crianças de nove meses a sete anos transitam livremente por diferentes espaços, sem divisão de classes por idade. O brincar é privilegiado tendo como referência a natureza, a arte e a cultura popular. Nesta escola há homens e mulheres de diferentes profissões, todos agindo como educadores. A presença do educador é de extrema importância, pois através de sua sensibilidade e inteireza, cria condições favoráveis para vivências significativas.

O olhar apurado de Therezita, dona da escola, não exige nenhuma formação específica, nem experiência prévia. Quando alguém começa a trabalhar na escola, passa por um estágio, de duração diferente para cada pessoa, onde não são dadas instruções ou explicações. Ao interagir com as crianças, cada um vai descobrindo seu próprio jeito, suas limitações, pois acredita-se que desta forma há muito mais possibilidades de crescer e aprender. “Therezita quer que cada um sinta as crianças e desenvolva a percepção a fim de entendê-las. O adulto é muito mais aquele que dá condições (e no fundo ele precisa ser alguém bastante autotrabalhado) do que o professor que chega propondo atividades. Também não é mero observador ou “tomador de conta”: participa de tudo, atuando com uma ou mais crianças e ainda olhando em volta” (BUITONI, 2006, p. 80).

No entanto, quando percebe a necessidade, Therezita dá indicações ou intervém, fazendo com que o educador reflita sobre sua atuação. As reuniões com a equipe, realizadas periodicamente, são essenciais para a reflexão sobre a prática, além de fundamentarem o trabalho com discussões de leituras e sugestões de temas a


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serem estudados.

Como educadora, tive a oportunidade de trabalhar em duas escolas com esta mesma proposta. Conheci homens e mulheres muito especiais, que exerceram grande influência em meu trabalho. Muitos, no entanto, não tinham formação em Pedagogia, e alguns não tinham sequer uma formação superior. Mas a maneira como se relacionavam com as crianças foi para mim um aprendizado enriquecedor. A forma como contavam histórias, tão importantes para as crianças, foi um grande exemplo do quanto a qualidade de um educador não se define por uma formação específica, mas por sua inteireza e disponibilidade de estar junto.

Pude observar mulheres de origem simples, que com muita sabedoria, sabiam passar para as crianças a riqueza de seus costumes e tradições. Homens que contavam sobre a força dos mitos e dos épicos, e outros que inventavam histórias engraçadas a partir do que as crianças traziam. Ou ainda, uma educadora capaz de envolver crianças muito pequenas, que mal sabiam falar, mas que se encantavam com seu jeito acolhedor e sutil de contar histórias.

É interessante perceber que estas experiências aconteceram em momentos e lugares diferentes, hora dentro de uma sala, hora no tanque de areia, hora debaixo de uma árvore, com crianças sentadas onde quisessem. Nestes contextos, pude observar a singularidade de cada educador, que com sua bagagem, fazia com que a história fosse cheia de vida. O olhar atento das crianças e sua intensa concentração eram indícios de que algo muito especial estava acontecendo.

Por outro lado, observei também a atuação de algumas professoras que encaravam o momento da história como uma tarefa, realizada sem envolvimento e alegria. Era comum perceber que as crianças se dispersavam facilmente ou ficavam agitadas, o que era visto como um comportamento desagradável, e não como o reflexo de uma atividade que não lhes despertava interesse.

É natural que passemos por momentos de desgaste ou problemas pessoais, que podem nos afetar a ponto de influenciar nosso trabalho. O


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comportamento das crianças nestas situações, muitas vezes de agressividade ou agitação, aparecem como um espelho fiel, indicando a necessidade de nos revermos. Assim, cabe à nós o exercício constante de pensarmos sobre nossas atitudes.

Buitoni levanta algumas características importantes para o trabalho do educador, entre elas ter coerência, empatia, observação e afeto. No entanto, coloca como fundamental o autoconhecimento e a auto-educação, para que o educador busque refletir sobre sua maneira de ser, e evite corrigir na criança, aquilo que deve ser melhorado nele mesmo.

Como descrito por Jung no capítulo 3.2, a educação pelo exemplo é o melhor método de ensino. Assim, o educador deve atentar para seu jeito de ser, uma vez que é modelo para seus alunos. Ao realizarmos nossas tarefas, é necessário que estejamos envolvidos, presentes, concentrados, de modo que nossas atitudes sejam coerentes com o que desejamos transmitir. Assim, não posso ensinar a uma criança a importância da leitura, se eu mesma não me encantar com a riqueza dos livros. Não posso fazê-la entender a necessidade de rever seu comportamento, se eu mesma não tiver essa prática. Não posso exigir que tenha respeito pelas pessoas, se esse não for um valor verdadeiro para mim.

Uma mãe, ao observar o trabalho desenvolvido na Te-Arte, descreve: “Da parte dos educadores, a generosidade está em cada gesto, está no olhar atento e presente (porém sem ser controlador ou impositor de ações) ..Sempre moderador, o adulto presente é aquele que chama atenção (quando necessário) para os limites, que existem para que ninguém se machuque ou seja machucado, para que haja respeito entre todos e, portanto, para que todos se sintam seguros e acolhidos, passo essencial para que tenham “atitude de cidadão”, palavras compreendidas e usadas sempre, do menor ao maior, com absoluta consciência do significado e da prática” (BUITONI, 2006, p. 34).

Ao buscar agir com dignidade e coerência, o adulto se torna uma referência importante para a formação de caráter das crianças. Segundo Jung, para encontrar uma presença adequada, é importante que o educador não exerça a autoridade de modo que subjugue, mas deve ter a medida certa de firmeza que cabe à uma pessoa adulta perante uma criança. Tal atitude não pode ser obtida


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artificialmente, “mas se realiza de modo natural, à medida que o professor procura simplesmente cumprir seu dever como homem e cidadão” (JUNG, 1983, p. 60).

4.2. O Educador como Ambiente

Segundo Luiza Lameirão, é muito importante atentarmos para a qualidade de nossos gestos, que não podem ser automáticos e inconscientes, e sim cheios de vida e presença. Tive a oportunidade de conhecê-la em uma aula, o que foi para mim um dos maiores exemplos do quanto um corpo inteiro e presente pode ensinar mais do que mil palavras. Sua movimentação harmônica, o olhar, o tom de voz firme e suave me mostraram a importância de cuidar do corpo não só como algo pessoal, mas como um instrumento essencial para o nosso trabalho 4.

Nosso corpo inteiro ensina, dá colo, canta, embala, corre, olha, pisa, toca, se encanta. A criança nos observa e nos imita nos nossos mínimos movimentos. Daí a importância de serem acurados, conscientes, vivos. Por isso a necessidade de nos olharmos constantemente, como se estivéssemos buscando estar sempre “em dia” conosco, afinando-nos como instrumentos. Se realizamos atividades com entusiasmo e concentração, inteiros de corpo e alma, somos exemplos de um fazer com sentido.

A atividade do educador deve favorecer a relação com a criança. Para ilustrar a importância desta questão, penso no momento de troca de uma criança pequena, que muitas vezes é feito de forma automática, deixando a criança em um papel passivo. Mas quando o adulto se faz presente e convida a criança a participar, nem que seja com um olhar ou uma conversa, ela envolve-se ativamente, aprendendo sobre seu corpo e estabelecendo um contato significativo.

Percebo o quanto é rico envolver as crianças em atividades como a limpeza de uma mesa, o preparo de um lanche, ou mesmo a organização de uma sala bagunçada. Muitas destas tarefas podem se tornar insignificantes se realizadas por 4

Aula proferida no Curso de Pós-Graduação Lato sensu em “Educação Lúdica em contextos escolares, não formais e corporativos”, no Instituto Superior de Educação Vera Cruz, em 2008.


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um adulto, mas quando são compartilhadas com as crianças, ganham sentido e tornam-se uma fonte de aprendizagem.

A qualidade da comunicação é essencial para a relação. Assim, é muito importante que, como educadores, utilizemos nossa voz de maneira adequada, pois, dentre todos os sons, nada substitui a voz humana, “a melhor portadora de nossa vida interior” (LAMEIRÃO, 2007, p.37). O tom de voz consegue acolher a todos em uma história, em uma canção, é capaz de acalmar, acalentar. “O ensino da linguagem começa pela fala clara, verídica, sonoramente bela do professor... A qualidade da linguagem oral do professor pode chegar a adoecer seus alunos, dependendo de sua tonalidade e modulação” (LAMEIRÃO, 2007, p.64).

Palavras usadas com cuidado e atenção alimentam a vida interior das crianças, povoando-a com diferentes matizes de sentimentos e imagens. Além disso, palavras trocadas de forma sincera, sobre desejos, medos e dificuldades, dão à criança o sentimento de confiança, nela mesma e no mundo, para que ela possa seguir seu próprio caminho.

Da mesma maneira, é fundamental que estejamos atentos para ouvir e compreender as pessoas à nossa volta. O acolhimento e o interesse verdadeiro que podemos dar a outro ser humano dependem da nossa disponibilidade para ouvir de verdade. Uma criança que é ouvida se expressa com tranquilidade e fluência, sem ter necessidade de gritar, gaguejar ou ser agressiva.

Ao cuidar da qualidade sonora de um espaço, criamos condições para que todos possam se expressar e realmente escutar uns aos outros, contribuindo para a formação de vínculos mais significativos. Ao zelar por momentos de silêncio e calma, possibilitamos atitudes de concentração e contemplação, além de propiciar momentos de escuta interior, tão importantes para o conhecimento de si mesmo.

Quão rica se torna nossa prática quando nos abrimos para ouvir os desejos e interesses das crianças, que nos indicam os caminhos a serem seguidos. Lembro de um episódio com um menino de cinco anos, que havia voltado de uma


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viagem para a Europa com seus pais. Quando lhe perguntei sobre suas férias, não quis me contar nada, e voltou à sua rotina na escola como de costume. Depois de uma tarde de chuva, fomos brincar de soltar barquinhos de papel nas poças de água, e ele disse que estava navegando no Rio Sena. Os barquinhos começaram a afundar e as crianças foram pendurando-os em um varal, e comentei que parecia um “museu de barcos naufragados”. Foi então que ele começou a contar sobre o Museu Naval que havia visitado, onde tinha visto muitas pinturas de barcos, canhões e navios de guerra. Esta conversa gerou idéias para muitas brincadeiras, histórias e atividades, envolvendo todos os alunos da escola.

Através desta experiência pude entender o quanto é importante respeitar o tempo das crianças, pois elas sabem quando estão prontas para compartilhar algo. Além disso, compreendi que, quando estamos abertos para ouvir com empatia e intuição, podemos experienciar o que Jung chamou de sincronicidade, uma coincidência significativa (JUNG,1971). Assim, pequenas conversas se tornam oportunidades para o desenvolvimento de algo maior, cheio de sentido e significado para todos.

É tarefa do educador cuidar do ambiente, criando envoltórios para que a criança cresça e tenha a formação necessária para comprometer-se na vida, revelando sua individualidade. Para que um ambiente seja cheio de vida, ele precisa de calor. “O calor nos parece o elemento mais decisivo para que o ambiente possibilite a atividade da criança; ele é o elemento que transforma as intenções humanas em ações no mundo” (LAMEIRÃO, 2008, p. 28).

Lameirão descreve o calor do entusiasmo, gerado dentro do ser humano, quando ele encontra alegria e sentido em suas ações. É por meio deste calor, de sua presença e personalidade, que o próprio educador se torna ambiente para a criança. Nenhuma condição externa substitui a condição interna do educador. É assim que as vivências de entusiasmo e criatividade das crianças têm como ressoar.


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4.3. O Educador como Ponte

Como citado previamente, Jung descreveu duas formas de educação, a educação coletiva e educação individual, ambas fundamentais para o processo de formação do ser humano.

Para dar conta destes dois pólos, cabe ao educador

apresentar o que ele definiu como função transcendente, a mediação entre os opostos.

É através das relações que faz consigo, com o outro e com o mundo que o ser humano vai se formando. Assim, é importante que o educador se coloque como uma ponte, ajudando a criança a tecer significado entre aquilo que ela apreende do ambiente à sua volta, com o que vive internamente. Ao preparar o aluno para atuar no mundo exterior, e da mesma forma ajudá-lo a compreender a si mesmo, o educador lhe propicia uma vivência de integração. Quando apresenta o mundo com encantamento, fomenta na criança a vontade de crescer e conhecer o seu entorno.

A arte apresenta-se como um recurso importante, pois além de ser uma forma de expressão de vivências internas, estimula o contato com o mundo, apresentando-se como função transcendente. “A vivência do belo desperta o interessa pelo mundo, e o interesse é a motivação mais intensa para a ação. No processo artístico o ser humano se envolve totalmente nas mais variadas formas de expressão” (LAMEIRÃO, 2008, p. 64).

Como já citado, Jung encontrou na arte uma maneira de expressar suas vivências, percebendo assim seu potencial de cura. O brincar da criança, com seu corpo e com a natureza à sua volta, constitui uma atividade artística primordial, que vai se desenvolvendo até chegar nas mais variadas formas de arte. “A obra de arte de uma criança pode consistir em atender sua necessidade de olhar pela janela para ver o céu, ou em permanecer longos minutos concentrada numa idéia, num conceito, numa imagem que a seduz ou a perturba. A obra de arte de uma criança pode ser o seu brincar!” (LORTHIOIS, 2008, p. 213).

Celine Lorthiois coloca que o contato com a matéria ensina um fazer


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alegre, “enraíza a criança na sua vida, no seu planeta, no seu ambiente maior; isso produz muita alegria e a criança encontra seu eixo”(LORTHIOIS, 2008, p.12).

Quando apresentamos técnicas artesanais como a modelagem de argila ou a costura, mediamos o encontro da criança com um fazer compartilhado por diferentes culturas, em diversas épocas e lugares. Assim, além de serem atividades que auxiliam o contato consigo mesmo, estas técnicas trazem imagens, gestos e símbolos do inconsciente coletivo, carregados de energia criativa.

Ser criativo é sentir-se vivo, transformando a si mesmo e o mundo, e para realizar seu potencial, é importante se conhecer. Lorthiois defende que o verdadeiro espaço para a criatividade é a vida interior, que deve ser respeitada e alimentada. Desta forma, é essencial que o educador ocupe seu próprio território íntimo, enriquecendo-se de experiências significativas. “Porque, antes de tudo, e muito antes do ambiente físico, o espaço da criatividade é proposto à criança pela personalidade do educador. “Conteúdo” verdadeiro, melhor do que qualquer outro, ele ajuda o educando a crescer e a superar obstáculos. Modelo inspirador, e não estereótipo, ele dá seu apoio e sua energia” (LORTHIOIS, 2008, p. 220).

Assim, através de sua personalidade, o educador coloca-se como função transcendente, mediando o encontro entre o mundo interno e o mundo externo. Ao respeitar as atividades que são naturais à criança e aguçar seu interesse e respeito pelo mundo, o educador propicia experiências significativas, encontrando equilíbrio entre o coletivo e o individual. Quando auxilia a criança a encontrar aquilo que lhe é mais próprio e singular, o educador lhe ensina o caminho para a Humanidade.

4.4. Formação

Como conceber a formação de um educador, uma vez que sua atuação deve transcender os muros da escola e de qualquer instituição, para atuar na transformação dos seres humanos? Decerto o estudo e uma formação são fundamentais para enriquecer o trabalho, mas mostram-se insuficientes.


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Como colocado no capítulo anterior, para Jung, a verdadeira finalidade da escola deveria ser o desenvolvimento da personalidade. Portanto, o educador deve ajudar a criança a saber de si, buscando ele próprio desenvolver-se como personalidade. Desta forma, é essencial que ele procure conhecer-se.

Pois se o autoconhecimento é importante para todos que desejam transformar a si e o mundo, em busca de uma vida mais cheia de sentido, ele é, de modo especial, fundamental ao educador. Ele é o responsável, em grande medida, pela iniciação das novas gerações aos processos pelos quais nos construímos como seres humanos.

Ao pensar em uma educação que abarque o ser humano em sua totalidade, Lorthiois idealizou uma Pedagogia Profunda que tivesse por currículo a Vida. Nossa formação como seres humanos, nossos conhecimentos sobre diversos temas, nossas vivências, tudo é material para o trabalho. Daí a importância de se cuidar da voz, do corpo, do olhar. Entender o valor de cura das histórias, encontrar o prazer de cozinhar, jardinar, pintar, cantar, costurar, contemplar, degustar. Cuidar de si como um indivíduo em constante transformação, revendo-se, respeitando-se, fertilizando-se. Cabe ao educador o exercício constante de observar a Vida e aprender com ela, enriquecendo-se de repertórios e experiências.

Assim, no plano pessoal, “o educador precisa viver, ser verdadeiro, fazer o que gosta com coragem e determinação, brincar, estudar, trabalhar e estar disposto a encontrar as pessoas certas” (LORTHIOIS, 2008, p. 221).

Lameirão destaca a importância de voltar-se para a própria infância, nos seus momentos luminosos e sombrios, de modo a estabelecer um diálogo entre o raciocínio maduro do adulto e as vivências infantis. Ao relembrarmos as experiências de infância, podemos refazer nossa trajetória, além de compreendermos melhor as crianças à nossa volta.

“A estrela que está ao alcance de cada criança quando brinca pode tornar-se a boa estrela-guia de todo o educador em sua tarefa, e assim cada ser humano poderá


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mostrar-se em todo o seu brilho e limpidez” (LAMEIRÃO, 2007, p. 81).

Ao lembrar da intensidade do brincar infantil, podemos retomar a ludicidade em nossa vida adulta. Quando descobrimos a importância do brincar para nossa própria saúde, passamos de fato a respeitar e legitimar essa importância para a criança. Jung, em seu relato biográfico, descreve: “A primeira coisa que se produziu foi o aparecimento de uma lembrança da infância... aqui há vida! O garoto anda por perto e possui uma vida criativa que me falta. Mas como chegar a ela?... Se eu quisesse, entretanto, restabelecer o contato com essa época de minha vida, só me restava voltar a ela acolhendo outra vez a criança que então se entregava aos brinquedos infantis” (JUNG, 1981, p. 154).


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“Sinta isto, professor Vá se olhando. Vá se ouvindo. Volte a se falar baixinho. Falar pra você mesmo. Escute-se, professor. Coragem! Vai, desça lá no fundo, Mergulhe. Chegue até lá, Lá,onde não mais existe separação entre o sentido e o pensado. Lá, onde existe você. ... Para conhecer a escola que você vê lá dentro. ... Você ainda consegue estar dentro dela porque perto de você estão crianças, jovens, irradiando energias. Se você prestar atenção e quiser olhar de verdade aquilo que você se deixou consumir, você consome deles. O que lhe estão a cobrar, você cobra deles. O que você não se deixa ser, você busca neles.” Péo (SAWAYA, 1981)


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5. NOSSA TAREFA

Como colocado por Jung no capítulo 3.2, a questão educacional tem uma orientação falha, pois coloca ênfase na criança a ser educada, esquecendo-se da importância da pessoa do educador. Nas palavras de Maria Amélia Sawaya: “Há uma pessoa dentro do papel do professor. Qualquer modificação de qualquer estrutura educacional não começará a acontecer, enquanto este professor não deixar sair de dentro de si mesmo esta pessoa que está guardada e aguardada” (SAWAYA, 1981, p.54).

É com a pessoa do educador que a criança pode estabelecer vínculos verdadeiros. É a pessoa do educador que acolhe, que educa, que propõe desafios. É essa pessoa que serve de modelo inspirador, para que a criança cresça acreditando que a vida possui encantamento mesmo depois de terminada a infância. Assim, é a esta pessoa que deve ser direcionado o olhar da educação.

Da mesma forma que o educador deve buscar desenvolver-se para enriquecer seu trabalho, o próprio trabalho pode e deve ser uma fonte de crescimento e enriquecimento para o educador. Ao nos deixarmos tocar pelo olhar da criança, podemos transformar nossa própria vida. No entanto, em troca, devemos lhes dar um modelo de adulto que continua vivendo com alegria, fruto da nossa própria motivação. “A criança quer que o adulto, ocupando-se de si mesmo, possa tornar possível que elas, acompanhando-os, continuem convivendo com o assombro das descobertas, valorizando o irreversível de cada vivência, e que lhes seja garantida a atitude permanente de espontaneidade e curiosidade ao perceber o extraordinário no mais corrente e a grande sabedoria do mais simples cotidiano” (SAWAYA, 1981, p.18).

Como disse Ghandi, “Nós devemos ser a mudança que queremos ver no


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mundo”5. Assim, cabe a nós, educadores, buscarmos a coerência entre aquilo que desejamos e acreditamos, com aquilo que somos e vivemos de verdade. Cabe à nós cultivarmos o fogo de nosso entusiasmo, procurando fazer da nossa profissão a nossa vocação. Cabe a nós estarmos conectados com o chamado da nossa voz interior, em busca de sentido para nossa vida, à procura daquilo que nos é mais próprio: nossa personalidade. “Personalidade é a obra a que se chega pela máxima coragem de viver, pela afirmação absoluta do ser individual, e pela adaptação, a mais perfeita possível, a tudo que existe de universal, e tudo isso aliado à máxima liberdade de decisão própria. Educar alguém para que seja assim não me parece coisa simples. Trata-se sem dúvida da maior tarefa que nosso tempo propôs a si mesmo no campo do espírito” (JUNG, 1983, p.177).

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GHANDI apud LAMEIRÃO, 2007, P.68.


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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Rubem Azevedo. Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo: Ars Poética, 1995.

BUITONI, Dulcilia Shroeder. De volta ao quintal mágico: a educação infantil na Te-Arte. São Paulo: Ágora, 2006.

ESPÍRITO SANTO, Ruy Cezar do. Autoconhecimento na formação do educador. São Paulo: Ágora, 2007.

ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de janeiro: Rocco, 1994.

HESTER, Carmen Maria. Educação e Individuação: Uma busca pela totalidade em sala de aula. São Paulo, 2008. [Trabalho de conclusão de curso – Curso Jung e corpo – Instituto Sedes Sapientiae].

HOFFMAN, Edward. A sabedoria de Carl Jung. São Paulo: Palas Athena, 2005.

JUNG, Carl Gustav. O Desenvolvimento da Personalidade. Petrópolis: Vozes, 1983.

_________ Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. _________ A Prática da psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1981.

_________ Sincronicidade. Petrópolis: Vozes, 1971.

LAMEIRÃO, Luiza Helena Tannuri Criança brincando! Quem a educa?. São Paulo: João de Barro Editora, 2007.


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LORTHIOIS, Celine. Exercícios de pedagogia profunda: uma inclusão da alma na educação. São Paulo: Paulus, 2008.

SAWAYA, Maria Amélia Pereira. O professor:uma pessoa guardada e aguardada. Petrópolis: Vozes, 1981.


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