LUISA JUN NAGASHIMA
OBSERVAÇÕES DO UNIVERSO INFANTIL: as crianças olham com as mãos, ouvem com os olhos...
Monografia apresentado ao final do Curso de Pós-Graduação Lato sensu em “Educação Lúdica em contextos escolares, não formais e corporativos, no Instituto Superior de Educação Vera Cruz, como requisito parcial para obtenção de Certificado de Conclusão.
ORIENTADOR: PROFª. DRª. ADRIANA FRIEDMANN
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Autor: LUISA JUN NAGASHIMA Orientador: PROFª. DRª. ADRIANA FRIEDMANN Título da monografia: Observações do universo infantil
TERMO DE APROVAÇÃO Esta monografia foi considerada suficiente para a obtenção do Certificado de Conclusão da PósGraduação Latu Senso, em “Educação Lúdica em contextos escolares, não formais e corporativos” do Instituto Superior de Educação Vera Cruz de São Paulo. O examinado foi aprovado com a nota ___________________ .
BANCA EXAMINADORA NOME ASSINATURA 1. 2. 3.
São Paulo, ______ de __________________ de 2010.
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AGRADECIMENTOS
Eu sempre achei muito difícil escrever os agradecimentos... Não por falta do que dizer ou pensar, mas por querer agradecer a muitas pessoas que de alguma maneira foram importantes para mim e que guardo com enorme carinho em minhas lembranças... Aqui vai uma tentativa de demonstrar a minha gratidão... Tenho todos vocês aqui “dentro”!!!
COM
AMOR
MEU PAI MIKIO
MINHA MÃE NORIKO
MINHA IRMÃ IRENE MAMÃE,
MEU IRMÃO JULINHO KEN,
MEU AMOR ALEX, CUNHADO JOÃO, SOBRINHO LINDO MAX, CI, KÁ, MÁ, LU, AMIGAS DO QUINTETO FANTÁSTICO, ROSANE RODRIGUES, ANA LEITE, ADRI FRIEDMANN, ZÉ E LÚ GRILO, REGINA E KIKA, QUERIDOS AMIGOS LÚDICOS, AS CRIANÇAS, COM QUEM ESTOU SEMPRE APRENDENDO, ELI, MÁ, MÁ, MÁ, TÊ, ROSE, ADRI, NATI, SANDRINHA, SARA, RÔ, LU, MÁRCIO, RI, JOÃO, ODILA, MAFALDA... AGRADEÇO DE TODO O CORAÇÃO PELA PACIÊNCIA, CARINHO, APOIO, INSPIRAÇÃO, COMPREENSÃO AMOR
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SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS .................................................................................
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RESUMO ....................................................................................................
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APRESENTAÇÃO .....................................................................................
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1. INTRODUÇÃO ......................................................................................
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2. REVISÃO DE LITERATURA .............................................................. 2.1. Os encantos de ser criança .............................................................. 2.2. Os encantos da observação e do olhar ............................................ 2.3. Os encantos da exploração e da brincadeira ...................................
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3. METODOLOGIA .................................................................................. 3.1. Características do grupo observado ................................................ 3.2. Características das aulas observadas ............................................... 3.3. Como as observações foram registradas ......................................... 3.4. Local ............................................................................................... 3.5. Sobre os circuitos ...........................................................................
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4. REFLEXÕES ......................................................................................... 4.1. “Diário de bordo” – o processo inicial ........................................... 4.1.1. Exploração do bambolê ........................................................ 4.1.2. Exploração da corda ............................................................. 4.1.3. Exploração do pneu .............................................................. 4.2. E agora, com todos os materiais? ................................................... 4.2.1. Primeiras impressões ............................................................ 4.2.2. Construção e desconstrução de uma brincadeira .................. 4.2.3. O cone ................................................................................... 4.2.4. Brincadeiras “estrangeiras” .................................................. 4.2.5. “Teoria” da autopreservação do corpo .................................
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 – Pátio ......................................................................................
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FIGURA 02 – Circuito do gigante ...............................................................
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FIGURA 03 – Tarzan ..................................................................................
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FIGURA 04 – Escalando montanhas ..........................................................
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FIGURA 05 – Lago com monstro ...............................................................
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FIGURA 06 – Barril de pneus .....................................................................
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FIGURA 07 – Batucando ............................................................................
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FIGURA 08 – Boa idéia? ............................................................................
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FIGURA 09 – Pneus recheados ...................................................................
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FIGURA 10 – Mais pneus recheados ..........................................................
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FIGURA 11 – “Campo” da segunda aula ....................................................
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FIGURA 12 – “Campo” da terceira aula, pronto para brincar! ...................
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FIGURA 13 – Concentração .......................................................................
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FIGURA 14 – Muitas descobertas com o cone ...........................................
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RESUMO
Este trabalho foi escrito com a intenção de mostrar um pouco do que aprendi com as crianças em sua espontaneidade e curiosidade. Para tentar compreender um pouco mais do mundo infantil com o qual estava lidando, observei crianças de 4 e 5 anos em uma escola particular da cidade de Osasco, onde atuo como professora de educação física. As observações foram realizadas durante aulas em que a proposta era a exploração de materiais como corda, bambolê e pneu. Através das observações foi possível investigar as peculiaridades dessas crianças, suas ações, reações e diferentes formas de expressão, além de verificar a importância da observação para uma maior compreensão do universo lúdico infantil.
ABSTRACT
This study was written with the objective of showing what I have learnt with children and their spontaneity and curiosity. To understand a little bit more of the child’s universe that I was dealing with, I observed children from 4 to 5 years old of a private school in the city of Osasco, where I work as a Physical Education teacher. The observations were made during classes in which the proposal was to explore materials such as ropes, hoops and tires. It was possible to investigate the peculiarities of those children, their actions, reactions, different forms of expression and also to verify the importance of observation to a better understanding of the child’s playful universe.
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APRESENTAÇÃO
Caminhos tortuosos. Assim definiria minha vida e descobri que gosto que seja desse jeito, nesse vai e vem que desde adolescente me fez buscar o que eu realmente gostava e admirava. Quando precisei decidir o que iria estudar na faculdade, eu me perdi na psicologia, para me encontrar na educação física, onde, novamente, perdi o rumo e encontrei a educação. Comecei a me localizar melhor entre a escola e as crianças, mas faltava encontrar pessoas, livros e um espaço para reflexões mais aprofundadas sobre o que eu estava vivendo na educação. Foi quando encontrei a Educação Lúdica. Foram meses de estudo, discussões, encontro com pessoas brilhantes, novas redes de conhecimento e... Eu me perdi de novo! Sobre o que iria escrever na monografia? Sobre o que estava vivendo, é claro! Mas como fazer isso? Da maneira que gosto, observando! Após definir o tema e a metodologia, num momento de flashback, surgiu a lembrança do dia da entrevista com a diretora da escola na qual atuo. Ela me perguntou: “Para você, o que é mais importante para se trabalhar com crianças?”. Depois de alguns segundos pensando, respondi: “Eu acho importante olhar para as crianças, perceber o que está acontecendo, blá, blá, blá”. Bom, a resposta esperada pela diretora não era exatamente essa, mas para mim, o olhar já era importante (mesmo sem saber que levaria esse “princípio” adiante)! De volta aos dias da monografia, eu precisei de pelo menos um mês para conseguir escolher uma entre dezesseis turmas para ser observada, mas cada turma tinha o seu “brilho”, suas brincadeiras, curiosidades e peculiaridades! Queria registrar tudo de todas, mas o tempo (e a capacidade de observar tanto) era insuficiente. Quando, finalmente, consegui escolher apenas uma turma, eu precisei de mais um mês para “aprimorar” minhas técnicas de filmagem. Eu queria andar com a câmera, passear entre as brincadeiras e os diálogos das crianças, mas como em todo espaço com mais de vinte crianças juntas, o ruído era enorme e as imagens trêmulas deixavam qualquer um com náuseas de balanço do mar. Tentei o tripé, mas as crianças tropeçavam nos pés do apoio ao tentar olhar o que se passava pelo visor da câmera. Resolvi deixá-la apoiada em bancos e mesas, assim eu poderia manuseá-la
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com mais “liberdade” (eu e as crianças, também, apesar de terem sido orientadas a não mexer na câmera). Ao final das filmagens, eu tinha mais de duas horas de gravações, que precisariam se transformar em alguns minutos para viabilizar a análise. A riqueza de informações naquelas imagens era enorme, impossível descrever tudo nesta monografia. As perguntas que eu tinha no começo da pesquisa se transformaram em outras e multiplicaram-se. Ainda quero aprimorar minhas técnicas de registro da ação das crianças para mostrar ao “mundo” os encantos de ser criança.
Mafalda, de Quino, v. 1, 1982.
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1. INTRODUÇÃO
As crianças andam pelo corredor da escola, repleto de murais com produções artísticas de outras crianças. Pinturas com guache, com tinta acrílica, desenhos com massinha, com palitos de sorvete... São obras de arte tão bonitas! Tão interessantes! Tão vivas! Uma das primeiras reações das crianças que passam: tocar! Uma das primeiras reações dos adultos: proibir! Tocar naqueles desenhos poderia estragar o trabalho do colega! No entanto, a criança, na primeira oportunidade, volta a tocar nos desenhos, a “olhar” com os dedos as formas, a textura. Será que é liso? Será que é macio? Será que “gruda”? Chega mais perto para sentir o cheiro. No caminho para o espaço da aula de educação física, as crianças brincam: “não pode pisar nas linhas!”. Sobem e descem do banco, degrau ou qualquer elevação que surgir, falam alto, dão risada, tentam passar o colega que está na sua frente. Chegando ao pátio, encontram o espaço repleto de bambolês coloridos, que deveriam ficar no chão, conforme a aula planejada. Primeira reação dos alunos: pegar os bambolês e tirá-los do chão. A professora explica que antes de mexerem nos materiais, as crianças devem ouvir as orientações. No momento “crucial” da explicação, uma menina levanta a mão e pergunta: “Amarra o meu tênis?” ou “Posso beber água?”. Enfim, as regras da brincadeira foram ditas, os bambolês deveriam ficar no chão, mas... Em vão, as crianças queriam mexer, tocar, rolar e descobrir o que era possível fazer com aquele material redondo, colorido. De nada adiantou dizer “não mexam nos bambolês”. A palavra “mexer” se sobressai ao “não”. “Não corram!”, eles correm. “Não gritem!”, eles gritam. É como falar para alguém “Não sorria!” e sorrir se torna irresistível! Situações como essas são comuns no cotidiano de quem lida com crianças e não percebe suas nuances. No entanto, muitos não enxergam na criança esse pequeno “ser” curioso, espontâneo, muitas vezes desastrado e que não é regido pelas mesmas convenções adultas. O adulto, muito ingênuo, nem sempre compreende a criança, espera dela determinadas atitudes mais coerentes... Coerentes para os adultos.
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As crianças demonstram uma ansiedade e uma vivacidade para descobrir, com todos os seus sentidos, um novo material, um novo lugar. A ansiedade diminui quando proporcionamos tempo para que elas explorem o novo. As crianças são tesouros a descobrir, parafraseando o livro “Educação: um tesouro a descobrir” (Jacques Delors, 1996). É inesgotável a sua riqueza de linguagens, de expressões, teorias sobre a vida e o mundo elaboradas a partir de sua curiosidade. Refletindo sobre as situações descritas acima, foi observada a importância do olhar atento. A partir do conhecimento proveniente do olhar sobre as crianças, atividades mais adequadas poderão ser propostas, a mediação de conflitos será mais eficiente e ao que é chamado de “teimosia”, “birra” ou “desobediência” poderá ser melhor compreendido. No cotidiano do meu trabalho comecei a observar a beleza da imaginação das crianças, principalmente, em situações livres, quando havia espontaneidade no uso de materiais da aula. O que me incomodava, porém, eram algumas crianças que demonstravam falta de interesse por determinados materiais. Reparei que o problema era a falta de repertório dessas crianças para brincadeiras com aquele material. Elas simplesmente não sabiam o que fazer. O pouco que sabiam tornava-se chato e desestimulante. Enquanto isso, outras crianças imaginavam diferentes formas de escalar e ser o Tarzan! Algumas questões foram levantadas. O que as crianças, após um ano de aulas com materiais como corda, pneu e bambolê, fizeram com esses materiais quando os mesmos foram disponibilizados para uso livre? Do que brincaram essas crianças? Que “sutilezas infantis” são possíveis de olhar nos momentos observados?
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2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1. Os encantos de ser criança As teorias que estudam a criança abrangem áreas de conhecimentos diversas como a psicologia, com Piaget, Vygotsky, Luria, Leontiev, a pedagogia, com Bourdieu, Passeron, Establet, os estudos da linguagem, com Lacan, Bakhtin, Foulcalt, entre outros pesquisadores (KRAMER, 2008). No entanto, a criança que vamos observar neste estudo é a criança que extrapola a teoria, é a criança “real”, aquela que enxerga nas luzes de Natal, vagalumes coloridos e que tece teorias acerca do seu mundo, como as descritas a seguir, ouvidas diretamente das crianças: “Conversa entre crianças: - Mas você sabe de onde vem o açúcar? - Da formiga, ué? Faz sentido, não? O açucareiro vive cheio de formigas!” “-Prô, você nasceu com o olho puxado? - Sim! Você achava que eu tinha nascido com o olho redondo? - É! - Mas... E aí? O olho vai puxando? - É! - Nossa, então quando eu estiver velhinha, meu olho vai estar fechado, de tão puxado! - Não, né! Uma hora para de esticar! Como não pensei nisso! A gente para de crescer e o olho para de puxar!!! Claro! (Trechos extraídos do blog “Sabedoria Infantil”1) 1
Disponível no endereço eletrônico http://luisanagashima.blogspot.com , acessado em 10/01/2010).
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A criança que neste estudo os leitores encontrarão será como Milena, filha de Walter Omar Kohan, que para ilustrar seus pensamentos sobre infância e filosofia, escreveu: (...) Um dia, enquanto estávamos fazendo qualquer outra coisa, Milena me disse: “ ‘Tia’ em português se diz ‘tía’ em espanhol.” A pronúncia era precisa, em uma e outra língua.(...) Sorri, com bastante alegria. Devo ter soltado duas ou três expressões de admiração, do tipo: “Bravo, Milena, é isso aí! Muito bem!!!”. E logo a seguir, sem nos dar descanso, minha deformação profissional me levou a replicar a Milena com uma nova pergunta: “Milena, se ‘tia’ em português se diz ‘tía’, então como se diz em espanhol o que em português se diz ‘tio’? Já me preparava para uma alegria pedagógica sem par. (...) Olhei para Milena. Devo ter repetido uma ou duas vezes a mesma pergunta. Milena já tinha demorado muito mais do esperável – do que eu podia esperar, certamente – quando olhou para mim sorridente e, sem deixar de sorrir, disse fresca e tranquilamente: “ ‘tio’ em português é... ‘amigo’ em espanhol.”2
Assim como Milena, as demais crianças têm sua lógica, suas idéias, conceitos e explicações sobre a vida em sua volta que muitas vezes foge às expectativas adultas. Segundo Clarice Cohn (2005), a criança não sabe menos, sabe outra coisa (p.33). Sabe de coisas que os adultos já se esqueceram ou não (re)conhecem. Com o presente estudo a perspectiva do olhar adulto será deslocado para o da criança, assim como aponta Delahaie-Pouderoux (1996), ao contar sobre as lembranças de uma mulher que perdeu a mãe aos três anos e dela apenas se lembra das (...)canelas finas e a vassoura que dançava cadenciadamente sobre o ladrilho marrom de sua casa (...), afinal as crianças pequenas não apenas vêem o mundo de baixo (as pernas e a vassoura), como também vivem diferentemente de nós (...). Em texto sobre a importância de descobrir sobre a criança, com a criança, Maria Manuela Ferreira diz:
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Walter Omar KOHAN, Infância e filosofia, em SARMENTO & GOUVÊA Estudos da infância: educação e práticas sociais, 2008, p. 55.
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(...) Trata-se de levar a sério a voz das crianças, reconhecendo-as como seres dotados de inteligência, capazes de produzir sentido e com o direito de se apresentarem como sujeitos de conhecimento ainda que possam expressar diferentemente de nós, adultos; tratase de assumir como legítimas as suas formas de comunicação e relação, mesmo que os significados que as crianças atribuem às suas experiências possam não ser aqueles que os adultos que convivem com elas lhes atribuem.”3
De maneira bastante clara e relevante, Clarice Cohn expõe a importância de considerar a criança como um ser cultural ativo, no sentido de não apenas ser “moldado” por uma cultura, pelos costumes e crenças de seu meio, mas produtor de uma cultura própria, também. Segundo a pesquisadora, as crianças elaboram sentidos para o mundo e suas experiências compartilhando plenamente de uma cultura. Esses sentidos têm uma particularidade, e não se confundem e nem podem ser reduzidos àqueles elaborados pelos adultos; as crianças têm autonomia cultural em relação ao adulto (COHN, 2005, p. 35). Quem é essa criança, produtora de cultura, que se expressa em uma linguagem própria, age e reage, constroi e desconstroi, de maneira particular? É o que será investigado neste estudo. r e o olho para de puxar!!! Claro! 2.2. Os encantos da observação e do olhar Dia desses, em uma palestra sobre os Doutores da Alegria4, uma pessoa perguntou ao Wellington Nogueira, fundador e coordenador geral da organização, se havia um tempo determinado para os palhaços ficarem em cada quarto de hospital, entretendo a criança acamada e se havia algo planejado antes de entrarem no recinto. Dúvida que pode ocorrer com freqüência na mente de educadores acostumados com planejamento, objetivos e conteúdos. Não, não havia nada pré-determinado. Claro, algumas “cartas na manga”, mas sem roteiro fixo. Tudo dependia da reação da criança naquele momento. É uma questão de OLHAR para a criança. Nogueira 3
Maria Manuela Martinho FERREIRA, “Branco demasiado” ou... Reflexões epistemológicas, metodológicas e éticas acerca da pesquisa com crianças, em SARMENTO & GOUVÊA Estudos da infância: educação e práticas sociais, 2008, p. 143. 4 Organização proeminentemente dedicada a levar alegria a crianças hospitalizadas, seus pais e profissionais de saúde, através da arte do palhaço, nutrindo esta forma de expressão como meio de enriquecimento da experiência humana. (Disponível no endereço eletrônico http://www.doutoresdaalegria.org.br , acessado em 08/01/2010)
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escreveu em seu livro: Se eu tivesse que resumir em uma palavra a essência do que a gente faz, eu diria que é o olhar! (...) Porque os fios, as ataduras, a enfermidade, tudo isso a gente já viu, é o externo, agora buscar o que está bom, que está lá dentro, e trazer para fora, isso é a essência do que a gente faz (NOGUEIRA, p. 75). Qual é a importância desse olhar para a criança? Pode parecer óbvio para quem lida com crianças que o olhar é importante, mas nem sempre é o que acontece no cotidiano escolar e familiar, além de ser uma tarefa complexa e que exige prática constante. É necessário OLHAR para aquela criança que está a nossa frente. A fonte mais segura é a observação que cada um faz da(s) criança(s) (FRIEDMANN, 2005, p. 18). A criança real, assim como todo ser humano real, extravasa os limites da teoria. O olhar que aqui se refere é o olhar com a inteireza, a presença, os olhos, os ouvidos, o coração (Idem, p. 32), o que significa olhar com o corpo inteiro, aprofundar nas imagens além do que os olhos apenas vêem e sentir as emoções da criança que está “fora” e a que está “dentro” de cada um, observado e observador. Seguindo na construção da idéia do olhar, Friedmann cita Dennis Klocek e os três estágios do olhar: o olhar fixo, quando observamos e registramos exatamente o que vemos, o olhar fluido, quando há uma participação de quem olha no “tornar-se” do objeto ou da pessoa olhada e o olhar aberto, um nível elevado de percepção, quando recebemos, não uma resposta, mas uma pergunta (Ibdem, p. 33). Neste estudo pretende-se alcançar, ao menos, o olhar fluido, aprofundando a análise para além do que é apenas uma imagem e tentando penetrar no universo da criança através da observação de seus gestos, olhares, palavras e brincadeiras. A importância do olhar é compartilhada por Maria Isabel Leite, que afirma que a partir da observação é possível penetrar na subjetividade humana, ao estar atenta, com olhos e ouvidos abertos para ler, ver e escutar tudo, para captar os não-ditos, as múltiplas vozes, para estranhar o diferente de mim (LEITE, 2008, p. 78). Alguns objetivos possíveis da observação são obter um diagnóstico do comportamento geral do grupo e do comportamento individual de seus alunos. Outra possibilidade é descobrir em qual estágio de desenvolvimento encontram-se essas crianças; conhecer os valores, as idéias, os interesses e as necessidades desse
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grupo, conflitos, problemas e potenciais (FRIEDMANN, 2006, p. 37). Ao observar e conhecer melhor o grupo com o qual se está lidando é possível propor atividades mais adequadas às necessidades e características desse grupo. 2.3. Os encantos da exploração e da brincadeira A exploração foi vista como sinônimo de brincadeira ou como uma categoria da brincadeira por muitos autores (Welker e Thorpe, citados por HUTT, 1978). Porém, a própria Corinne Hutt define a exploração e a brincadeira como situações diferentes. Em seu estudo, crianças de 3 a 5 anos encontravam em um ambiente familiar a elas um objeto desconhecido: uma caixa vermelha, com quatro botões e uma alavanca. Observando a reação das crianças, a pesquisadora verificou que, inicialmente, as crianças demonstravam uma ação de exploração, no sentido de investigar as propriedades daquele objeto novo. Após apertar todos os botões, mexer na alavanca e explorar o objeto diversas vezes (essas ações, no estudo, duraram em média, cinco sessões), as crianças começaram a apresentar ações que Hutt denominou como brincadeira. Para diferenciar a exploração da brincadeira, a pesquisadora comparou as duas ações às perguntas: “o que este objeto faz?” (exploração) e “o que eu posso fazer com este objeto?” (brincadeira). Neste estudo, o termo “exploração de materiais” foi utilizado como termo “técnico” de uma estratégia de ensino na qual a criança pode utilizar o material livre e espontaneamente. Apesar da escolha do material não ser totalmente livre, a criança decide como e com quem vai utilizar o material. Desta forma, as aulas de exploração serão consideradas como momentos de exploração e de brincadeira, tendo em vista a contextualização dos termos utilizados na pesquisa de Hutt (1978). No entanto, a própria definição de brincadeira varia muito e pode haver uma confusão, principalmente, entre os termos jogo e brincadeira. Em nota do tradutor do livro Homo ludens, de Huizinga, é possível verificar um dos motivos para tal confusão: a diferença entre as principais línguas europeias (onde spielen, to play, jouer, jugar significam tanto jogar como brincar) (HUIZINGA, 2001, p. 3), provocando diferentes interpretações e definições dos termos. Neste estudo será utilizado apenas o termo brincadeira, no sentido de atividade lúdica espontânea. Gilles Brougère estimula a reflexão sobre uma possível
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definição do termo ao se questionar: o que é a brincadeira, senão a associação entre uma ação e uma ficção, ou seja, o sentido dado à ação lúdica? (BROUGÈRE, 2008, p. 14). Para o autor, a brincadeira não possui uma função precisa ou resultados esperados, o que caracteriza a brincadeira é que ela pode fabricar seus objetos, em especial, desviando de seu uso habitual os objetos que cercam a criança; (...) é uma atividade livre, que não pode ser delimitada (Idem, p. 13). A importância da brincadeira nas aulas de educação física nesta escola onde se desenvolveu o estudo é (re)conhecer as técnicas corporais5 das crianças e estimular a sua ampliação, no sentido de proporcionar momentos nos quais as crianças podem expressar-se espontaneamente e aprender novas maneiras de brincar. Na realidade atual dos grandes centros urbanos, (...) há uma diminuição do espaço e do tempo para a criança brincar, e este é um problema que requer nossa atenção, pois sem brincar o desenvolvimento da criança fica prejudicado. (LIMA, 2006, p. 26), portanto, os momentos de exploração são importantes para contribuir na ampliação do repertório de brincadeiras com materiais de “fácil” acesso, como corda, bambolê e pneu. Além disso, na situação de brincadeira, a criança tem a possibilidade de criar, expressar-se e experimentar a realidade sem medo de errar, por ser um contexto imaginário, simbólico e lúdico. Brincar não é uma dinâmica interna ou natural (BROUGÈRE, 2008) da criança e, sim, socialmente aprendido, culturalmente caracterizado. Só reconhece as expressões da brincadeira aquele que está inserido na cultura lúdica6 do meio no qual interage. Outro motivo para a exploração de materiais nas aulas de educação física é satisfazer a curiosidade da criança por qualquer material novo e, dessa forma, facilitar a condução de demais atividades com o mesmo material utilizado pelo educador.
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Termo de Marcel Mauss (1974) utilizado por Jocimar Daólio (1995) para designar os gestos e os movimentos corporais como técnicas criadas pela cultura, passíveis de transmissão através das gerações e imbuídas de significados específicos. 6 O termo cultura lúdica é utilizado por Gilles BROUGÈRE em O brincar e suas teorias, organizado por Tizuko Morchida KISHIMOTO (2008), como um certo número de referências que permitem interpretar como jogo atividades que poderiam não ser vistas como tais por outras pessoas. Assim é que são raras as crianças que se enganam quando se trata de discriminar no recreio uma briga de verdade e uma briga de brincadeira. O termo jogo utilizado neste trecho refere-se a brincadeira, também. No presente estudo será utilizado apenas o termo brincadeira.
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3. METODOLOGIA
Para tentar esclarecer as perguntas deste estudo, foram realizadas observações de aulas através de fotos e filmagens para análise qualitativa da ação das crianças. A metodologia adotada neste trabalho aproxima-se da observação participante descrita por Sara Delamont (2007), porém não foram realizadas entrevistas com as crianças observadas. Os registros foram realizados durante as aulas de educação física do ano letivo de 2009. 3.1. Características do grupo observado Participaram do estudo 28 crianças entre idades 4 e 5 anos que frequentavam a mesma turma de educação infantil de uma escola particular de Osasco, São Paulo. Na escola, eu atuava como professora de educação física juntamente ao grupo observado neste estudo.
3.2. Características das aulas observadas Ao longo do ano, as crianças participaram de aulas de exploração de materiais, isto é, elas tinham a possibilidade de brincar de forma livre e espontânea, apesar de o material ter sido previamente escolhido por mim. As aulas ocorriam duas vezes por semana, com duração de 50 minutos cada aula. Os materiais usados na exploração foram corda, bambolê e pneu, pois seriam bastante utilizados ao longo do ano em diversas atividades. A exploração permitia que as crianças conhecessem o material com todos os seus sentidos (olhando, tocando, cheirando, brincando), saciava a sua curiosidade por tudo o que era novo. A quantidade de material era a mesma do número de crianças. Inicialmente, as crianças realizaram duas aulas de “exploração simples”, pois havia apenas um “tipo” de material em cada aula. Ao final do ano, as crianças
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tiveram três aulas de “exploração combinada”, assim denominadas pois foram disponibilizados todos os materiais de exploração, além de cones, que foram “apresentados” em outras aulas para que as crianças realizassem deslocamentos em zigue-zague ou para delimitar espaços. 3.3. Como as observações foram registradas As aulas de exploração com um material foram registradas em foto para compor o diário de bordo deste estudo, como uma forma de conhecer brevemente o percurso da turma com os materiais. As três últimas aulas, nas quais as crianças utilizavam todos os materiais, foram filmadas para que fosse possível uma observação mais aprofundada. Nas aulas registradas para este estudo, as crianças já haviam se familiarizado com o material de registro (câmera fotográfica), pois em aulas anteriores eu havia utilizado a câmera e explicado às crianças que usaria para fotografá-las e filmar a aula, assim poderia conhecê-las melhor. Inicialmente, muitas crianças quiseram olhar o que estava sendo filmado, o que foi possível, pois a câmera ficou posicionada ao alcance delas. Apesar de ser um local interessante de se posicionar a câmera, por captar imagens do ponto de vista da criança, em alguns momentos as imagens ficaram um pouco prejudicadas quando alguma criança ficava em frente à câmera, impossibilitando a imagem do pátio ou quando alguma criança mexia no instrumento de registro. Outra restrição das filmagens foi a baixa qualidade do som, com muitos ruídos. Nesse caso, foi necessário recorrer aos registros escritos e à memória do que acontecia no momento.
3.4. Local
O local onde foram realizadas as aulas era um pátio coberto, com dois espaços. Um de aproximadamente 5m X 5m e outro com 6m X 15m, no qual havia um palco. Neste espaço ainda havia a sala de educação física, onde ficavam guardados todos os materiais, e uma rampa de acesso ao andar superior. Em duas paredes laterais havia janelas e portas que davam acesso a um parque.
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ENTRADA
R A M P A
SALA DE ED. FÍSICA
PÁTIO
PÁTIO
P A L C O
JANELAS E PORTAS
Figura 01 – Pátio 3.5. Sobre os circuitos Além da exploração de materiais, outra estratégia de aula utilizada foram os circuitos. Nessas aulas os materiais ficavam dispostos em uma sequência na qual as crianças deveriam realizar tarefas motoras específicas e dirigidas. Cada circuito continha uma história ou um contexto lúdico, como o exemplo dos cones, banco sueco, pneus e bambolês que formavam a figura de um gigante, sobre o qual as crianças, que eram as formigas, deveriam percorrer, realizando habilidades motoras de equilíbrio, saltos e corrida em zigue-zague (FIGURA 02).
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Cabeça do gigante: bambolês para saltar Braços do gigante: cones para correr em zigue-zague
Barriga do gigante: bancos suecos para andar, equilibrando-se
Perna do gigante: pneus para andar, equilibrando-se
Figura 02 – Circuito do gigante
4. REFLEXÕES
4.1. “Diário de bordo” – o processo inicial Neste capítulo estão descritas as descobertas mais interessantes observadas nas aulas de “exploração simples”. São descrições e reflexões sobre o que observei (olhei, ouvi, senti) e questionei (“olhei” com o cérebro e a emoção) sobre as falas, atitudes e expressões das crianças . Este capítulo é importante para melhor analisar as filmagens das aulas de exploração “combinada”, com todos os materiais. Nas instruções iniciais das aulas de exploração foi explicado às crianças que elas poderiam brincar com o material da maneira que quisessem, poderiam
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descobrir novas formas de brincar e que atividade poderia ser individual ou em grupo. Foram esclarecidos alguns cuidados que as crianças deveriam ter ao brincar. As intervenções eram realizadas quando alguma criança demonstrava falta de interesse pelo material (geralmente, por falta de repertório para brincar com aquele material). As intervenções eram importantes, também, para garantir a segurança das crianças e evitar acidentes, além de proporcionar momentos para sugestões de novas brincadeiras, que eram dadas por mim e pelas crianças. 4.1.1. Exploração do bambolê Logo ao chegar no pátio, quando as crianças viram os bambolês no palco, foi possível observar o fascínio que o material exerce sobre elas. Ouviam-se várias exclamações como: “Uau! Bambolê!”, “Ebaaa!”, e uma “vibração” corporal, visível nas pernas saltitantes e braços inquietos. Com essa reação e com as brincadeiras observadas no início da aula, percebi que muitas crianças já conheciam o material. As brincadeiras eram as mais “conhecidas” entre as crianças, como girar o bambolê em partes variadas do corpo (cintura, braço, pescoço e pé). Muitos brincaram de rolar o bambolê no chão. Algumas intervenções foram realizadas para que descobrissem novas formas de brincar com o material. Perguntei se alguma criança gostaria de mostrar como brincou com o bambolê. Todas quiseram mostrar, mesmo quando era algo repetido, como se o jeito dela fosse “igual, mas diferente”. Algumas brincadeiras que surgiram: girar o bambolê no próprio eixo, como se fosse um pião, algumas meninas brincaram de colocar os bambolês no chão, em sequência e saltar (já tinham brincado dessa forma nos circuitos dirigidos), além daquelas já mencionadas. 4.1.2. Exploração da corda Nesta aula, as crianças surpreenderam com suas brincadeiras. Elas foram muito além da “utilidade mais comum” da corda, o pular corda. Nesta faixa etária, pular corda, individualmente, é uma tarefa um pouco complexa e nem sempre motivadora. As crianças demonstraram muitas outras possibilidades lúdicas com o material.
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No caminho para o espaço de aula, uma criança perguntou se poderia brincar de “Tarzan”. Respondi que sim e perguntei como faria isso. “Ah, não sei!”, respondeu. Fiquei tentando imaginar como ele faria isso. Após alguns minutos de aula, a criança “Tarzan” mostrava suas habilidades, subindo no espaldar e amarrando a corda numa das barras (FIGURA 03). Estava pronto o “cipó”! É claro que as crianças não se balançavam naquele “cipó”, mas gostavam de subir no alto e segurar a corda, como se estivessem pendurados nas árvores do “Tarzan”. Outras crianças começaram a amarrar a corda no outro espaldar, mas nem tão alto. Brincavam de puxar a corda, como no “cabo de guerra”, mas seu oponente era o espaldar parafusado na parede. Era como se estivessem puxando um caminhão!
Figura 03 – Tarzan Enquanto isso, na parede oposta, observei alguns meninos enrolando a corda no “batente” da janela para brincar de puxar. O que começou como uma brincadeira de puxar, aos poucos, após tentativas e erros, transformou-se em outra de escalar, bastante desafiadora. Parecia uma escalada na íngreme parede rochosa de
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uma montanha (FIGURA 04). Nova inspiração para outras crianças, que tentavam imitar.
Figura 04 – Escalando montanhas Brincadeiras
de
puxar
ocorreram
com
bastante
frequência,
principalmente, para puxar o colega, “arrastando-o” pelo pátio de chão liso. Outra brincadeira de puxar foi o “cabo de guerra”, no entanto, solicitei às crianças que não brincassem disso, pois aquela corda, muito curta e com cabo de madeira, era perigosa para essa função. Aqui fica a dúvida se era realmente uma brincadeira que oferecia riscos, se era necessário proibir a brincadeira ou apenas orientar as crianças sobre os riscos. Este assunto será discutido no capítulo sobre os medos do adulto e da criança. Alguns alunos brincaram de montar lagos com as cordas. A idéia inicial talvez tenha sido da minha sugestão de montar um rio com duas cordas para saltarem
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e aumentarem o tamanho do rio a cada salto. Porém, algumas crianças foram além. Inventaram um monstro que ficava dentro do lago e as crianças não podiam entrar no seu território. A brincadeira era passar pelo lago sem deixar o monstro pegá-las (FIGURA 05).
Figura 05 – Lago com monstro Dentre os materiais, as crianças fizeram mais brincadeiras simbólicas com a corda. Seria por causa de sua maleabilidade e, portanto, maior possibilidade de “desenhos” e funções variáveis?
4.1.3. Exploração do pneu Inicialmente, na aula com os pneus foi possível observar um repertório de brincadeiras um pouco mais restrito e semelhante entre as crianças. A maioria começou brincando de rolar o pneu. Este era um material que poucas crianças conheciam como brinquedo.
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Ao longo das aulas, as crianças descobriram novas maneiras de brincar com o pneu, como colocar um sobre o outro e entrar nele, como se fosse um barril. As meninas da figura 06 aproveitaram o palco para facilitar a entrada no “barril”.
FIGURA 06 – Barril de pneus
Algumas crianças resgataram aulas realizadas anteriormente, na qual os pneus formavam caminhos de pedras no rio de jacarés ou qualquer outra coisa que a imaginação permitisse e novas crianças agregavam seus pneus para aumentar o desafio. Esta brincadeira foi a mais próxima do que era realizado nas aulas de circuito.
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4.2. E agora, com todos os materiais? Após as aulas de exploração simples e circuito, as crianças tiveram a oportunidade de brincar com todos os materiais que foram utilizados nessas aulas, de maneira livre. Nas orientações iniciais foram lembradas algumas possibilidades de circuito e alguns cuidados para brincar com aqueles materiais.
4.2.1. Primeiras impressões A expectativa inicial era de que as crianças combinassem os materiais para montar seus circuitos, seus caminhos, contar suas histórias. No entanto, foi possível observar que no primeiro momento, a maioria das crianças brincou com apenas um material, como faziam na exploração “simples”. As crianças levaram o tempo de quase uma aula para começar a criar novas brincadeiras. Uma possível explicação para que ocorresse a mesma reação, apesar da quantidade maior de materiais e de possibilidades, é que a exploração “simples” ainda não havia se esgotado. As crianças ainda queriam explorar e descobrir mais do mesmo material. Uma das brincadeiras “novas” observadas foi criada por um grupo de meninas que montou “casinhas” com pneus e com uma corda enrolada em volta do cone construíram árvores de Natal. Uma brincadeira de faz-de-conta inspirada pela data comemorativa que se aproximava. Era final de novembro. Nos últimos minutos da primeira aula, uma das meninas da brincadeira de casinha pediu de volta o cone que havia emprestado ao colega, porém este ainda estava brincando com o material. Na tentativa de não parar a brincadeira do colega, perguntei a ela se não havia outro material que pudesse substituir o cone. Ela queria algo para fazer a estrela da árvore de Natal. Deixei que ela procurasse algum material dentro da sala de educação física que pudesse ser a estrela. Ela encontrou uma bola e deixou que o colega continuasse a sua brincadeira. A partir do fato “a estrela da árvore de Natal”, outras crianças quiseram entrar naquela sala, que sempre foi um mistério para elas. Começaram a descobrir
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novos materiais, alguns nunca utilizados em aula. Cada um que entrava na sala, saía de lá com um material novo, um olhar misto de entusiasmo com curiosidade e uma pergunta: “Luisa, posso usar isso?”. O caos se instalava no final da primeira aula. No entanto, precisei “podar” a alegria da descoberta por causa do tempo. Disse que poderiam continuar a exploração na aula seguinte. No início da segunda aula houve o caos, continuação do final da aula anterior, por causa da euforia criada pelos materiais novos. As crianças descobriram um material que chamaram de “marreta”. Eram as maças (materiais da “ginástica rítmica desportiva, feito de madeira ou de material sintético e que tem a aparência de uma garrafa7), que tinham perdido sua utilidade nas aulas das turmas de educação infantil e estavam guardadas. As crianças descobriram inúmeras brincadeiras com elas. As “marretas” se transformaram em baquetas para batucar nos pneus e cones (FIGURA 07), em taco de baseball, enfeite da “árvore de Natal”.
Figura 07 – Batucando
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Definição encontrada no endereço virtual http://olimpiadas.uol.com.br/2008/modalidadesolimpicas/ginastica-ritmica/?aba=glossario, acessado em 20/01/2010.
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A maioria das crianças retomou a brincadeira que estava fazendo na aula anterior. Um grupo de meninos, que havia criado uma brincadeira de arremesso (este será mais detalhado no próximo capítulo), retomou a brincadeira e as meninas da casinha montaram suas casinhas, novamente com as árvores de Natal. Um grupo de quatro meninas retomou sua brincadeira, porém “aprimorada”. Na primeira aula, elas haviam reunido seus materiais, um pneu e três cordas para brincarem juntas. Enquanto três meninas puxavam o pneu com as cordas, a outra sentava no pneu para ser puxada. Na segunda aula, decidiram pegar dois pneus e duas cordas. Assim, duas meninas poderiam ser puxadas (FIGURA 08). Imagino que tenham pensado que a parte legal da brincadeira era ser puxada no pneu, como em um trenó. Com dois pneus poderiam aumentar para dois o número de meninas a andar de trenó! Porém, logo perceberam que a idéia não funcionou, pois puxar uma criança sozinha, sem a ajuda de outras, era muito difícil. Enquanto sopravam as mãos para aliviar a dor de puxar a corda, decidiram brincar de outra coisa.
Figura 08 – Boa idéia? Apesar de a terceira aula ter ocorrido quase duas semanas depois, algumas brincadeiras foram retomadas, como a brincadeira de arremesso. A brincadeira de casinha se transformou em uma brincadeira de cachorrinhos. É
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possível observar uma mudança, também, na “composição” do grupo. A menina que liderava a brincadeira da casinha havia faltado neste dia, o que pode ser um motivo para a brincadeira ter mudado e novas meninas terem se juntado ao grupo. Uma diferença da terceira aula para as demais foi uma menor “disputa” pelos pneus, inclusive sendo observados alguns que não foram utilizados, o que não ocorria em aulas anteriores. Provavelmente, a exploração do pneu já havia se esgotado e as crianças começaram novas brincadeiras. Outra observação interessante desta aula foi uma forma de brincar de guardar objetos dentro do pneu que foi imitada por diferentes grupos em situações variadas. As meninas da brincadeira de “cachorrinho” guardavam “marretas” dentro do seu “ninho”, o pneu. Outras duas meninas guardavam de forma bastante organizada, bolinhas de tênis e cordas dentro da sua “casa”, o pneu (FIGURA 09). Dois meninos brincavam de rolar o pneu cheio de materiais, “marretas”, bolinhas, pequenos bastões, sem deixar que caíssem para fora (FIGURA 10). Não foi possível observar quem começou a “moda do pneu recheado”, mas foi apreciada em diferentes brincadeiras.
Figura 09 – Pneus recheados
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Figura 10 – Mais pneus recheados Até este ponto foram feitas observações gerais das aulas, para contextualizar as próximas observações. Muitas outras anotações poderiam ser feitas nestas aulas, porém o foco será em alguns fatos que chamaram mais a atenção e que serão analisadas nos próximos capítulos.
4.2.2. Construção e desconstrução de uma brincadeira Ao longo das três aulas de exploração com materiais variados foi possível observar a construção de uma brincadeira criada por dois meninos, G. e V. Eles montaram um “campo” de cones entre dois grandes bancos afastados paralelamente a uma distância de dois metros. Com a bolinha de tênis eles tentavam derrubar os cones. Havia apenas um cone sobre o pneu, como se aquele valesse mais pontos ao ser derrubado. Aos poucos, outros meninos agregaram-se à brincadeira, respeitando a fila que fora organizada para o arremesso. G. e V. queriam acrescentar novos elementos à brincadeira, colocando mais pneus e no final da primeira aula, V. encontrou uma corda elástica dentro da sala de educação física e pediu para usá-la.
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Queria fazer como nas aulas de circuito, quando eu amarrava e entrelaçava as cordas nos bancos, formando “teias de aranha”. V. queria as “teias” antes dos cones, porém esta nova “etapa” da brincadeira teve que ficar para a segunda aula. Assim que começou a segunda aula, V. e G. começaram a montar sua brincadeira. Os materiais eram os mesmos, cones e pneus, mas a configuração do “campo” era outra, formando um desenho mais elaborado, com o cone sobre o pneu protegido por outros cones (FIGURA 11). V. pediu novamente as cordas elásticas e começou a colocar as cordas, no entanto, não conseguiu prendê-las nos bancos. G. tentou resolver o problema, enrolando as cordas nos cones, porém estes caíam por serem muito leves ou as cordas ficavam muito frouxas. Foi quando fiz a primeira intervenção, perguntando se queriam ajuda para amarrar as cordas nos bancos. Ficaram entusiasmados com a ajuda, mas enquanto prendia as cordas, percebi que seria ainda mais interessante se eu os orientasse em como amarrar as cordas, para que não precisassem da minha ajuda numa próxima vez.
Figura 11 – “Campo” da segunda aula. Outros meninos ajudavam na montagem, mas eram G. e V. quem comandavam o grupo. Não era uma liderança conjunta, mas cada um tinha a sua preocupação na construção da brincadeira: G. montava a parte dos cones e V. estava mais entusiasmado com as cordas elásticas. Um dos meninos colocou bolinhas de
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tênis sobre a ponta de cada cone e G. descobriu que poderia brincar de rebater a bolinha que estava sobre o cone. Tentou negociar um bastão com a colega em troca de uma marreta. Interessante observar que G. usou um argumento para convencê-la a trocar de material. Ele percebeu que ela usava a marreta para batucar nos cones e pneus. O bastão que ele tinha em mãos, também, poderia ser utilizado para batucar, mas ela não cedeu e mostrou a ele onde encontrar uma marreta. Problema da marreta resolvido, cordas amarradas... Tudo pronto para começar a brincadeira? Não. Resolveram colocar os cones entre as cordas, montaram um novo campo e G. acrescentou pranchas (de natação) no chão, aparentemente, para representar algum obstáculo. Para alguns meninos, a diversão já havia começado. Eles estavam derrubando os cones, quando V. veio reclamar: “Eles estão acabando com o nosso jogo!”. Não esperou resposta e logo voltou à brincadeira. Observando a dinâmica confusa e caótica, resolvi intervir e perguntei ao grupo como “funcionava” a brincadeira. Cada um dizia uma coisa diferente e comentei que deveriam tentar conversar para resolver como seria a brincadeira. No entanto, quando retomei a cena nas filmagens, percebi que a brincadeira, caótica, ainda estava fluindo quando interrompi, precocemente, para fazer “ajustes”. Não sei se os meninos iriam conseguir resolver o problema, mas sei que minha ansiedade em ver a brincadeira organizada precipitou a intervenção, sem deixar o tempo necessário para as crianças tentarem se organizar da sua maneira. Alguns minutos após a intervenção, G. veio pedir para que eu conversasse com os outros, porque eles continuavam brincando “de qualquer jeito”. Ficou nítido o papel que acabou se construindo sobre mim, a professora. Não consegui ajudar as crianças a descobrir como resolver um problema, mas a ser a “solucionadora” do problema. Isso, também, requer tempo de aprendizagem. Nova intervenção para perguntar ao grupo como eles iriam brincar. Ao final da segunda aula, eles ainda estavam discutindo sobre como brincar. Até sentaram no banco, recolheram os cones e era possível observar que estavam numa “reunião” para resolver o que fazer com a brincadeira. Terceira aula, G. e V. correm para pegar os materiais e montar o seu “campo”. Além dos pneus e cones, G. colocou bambolês e V. tentou amarrar uma corda. Foi quando me dei conta de que a brincadeira já havia começado. Construir a brincadeira era (sempre foi) uma brincadeira. Isso ficou ainda mais claro quando
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observei os dois meninos à espreita no palco, esperando alguém deixar de usar algum material para que eles pudessem acrescentar um novo objeto na sua brincadeira.
Figura 12 - “Campo” da terceira aula, pronto para brincar! Brincadeira pronta, organizada, três “jogadores” posicionados cada um sobre um pneu, começaram a brincar de arremessar a bolinha de tênis nos cones (FIGURA 12). Não durou nem dez minutos para começarem a desmontar e pensar em um novo campo. Essa brincadeira de construção e desconstrução durou até o final da aula. Eu demorei três aulas para perceber o prazer de montar a brincadeira e lembrei de minha infância, quando eu ficava horas montando a casinha de boneca, que era tão divertido quanto a própria brincadeira de boneca.
4.2.3. O cone O cone foi logo “descoberto” na primeira aula de exploração “combinada” e uma reação inesperada em relação a esse material foi observada. Em
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nenhuma outra aula o cone havia sido disponibilizado, pois eu imaginava ser um material que não precisasse de exploração. Esperava que as crianças utilizassem os cones da forma que conheceram nas aulas de circuito, mas foram muito além da minha imaginação. As crianças descobriram que os cones poderiam ser chapéus, braços de robôs e alguns meninos perceberam o quão interessante era olhar pelo buraco do cone, como se fosse uma luneta. Um dos meninos brincou com o cone quase o tempo todo da primeira aula. Começou com o cone na cabeça, que se transformou em braços, que passou a ser alvo para arremessar o bambolê, como nas brincadeiras de arremesso de argolas e tentou equilibrar um cone invertido sobre outro em pé, no chão (FIGURA 13). Eu, com meu pensamento adulto, nunca imaginaria tantas brincadeiras com apenas o cone!
Figura 13 - Concentração
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Figura 14 – Muitas descobertas com o cone Foi possível acompanhar um grupo de quatro meninas que brincava de “bruxinhas” com o cone na cabeça e tinham até o que parecia um “grito de guerra”. Ao longo das três aulas, o cone obteve novas funções para as meninas, que continuaram a brincar com o material, porém em brincadeiras diferentes, como a do cachorrinho. Assim como o cone, muitos outros materiais podem ter o rico repertório de brincadeiras que nós, adultos, não percebemos. “O brinquedo (...) não parece definido por uma função precisa: trata-se, antes de tudo, de um objeto que a criança manipula livremente, sem estar condicionado às regras ou a princípios de utilização de outra maneira”8. 4.2.4. Brincadeiras “estrangeiras” Na segunda aula, duas brincadeiras “estrangeiras” surgiram. Um grupo de três meninos brincou do que chamaram de futebol americano. Os pontos eram 8
Gilles BROUGÈRE, Brinquedo e cultura, 2008, p. 13
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feitos ao acertar a cesta de basquete. Pensei: “por que os meninos não chamaram de basquete?”. Talvez, porque no basquete não se “arranca” a bola da mão do adversário e nem se corre com a bola na mão, por isso a brincadeira desses meninos era mais próximo do futebol americano. Observando bem a brincadeira, era uma criação própria daquele grupo de meninos, uma combinação de brincadeiras. Tentei imaginar como os meninos conheciam o futebol americano. Nos dias atuais, com canais de TV a cabo, é possível conhecer jogos de culturas variadas. O interessante é que o futebol, o popular aqui no Brasil, não foi a brincadeira escolhida pelas crianças. Um dos motivos poderia ser o fato de que a manipulação com os pés neste grupo não era ainda tão “desenvolvida”. As mãos ainda eram prioritariamente usadas. Um ponto a ser investigado em análises futuras seriam as brincadeiras e o espaço para brincar dessas crianças fora da escola. Uma hipótese para o uso preferencial das mãos seria a restrição de espaço físico para as crianças fazerem brincadeiras de chutar. A outra brincadeira “estrangeira” foi o baseball. Não havia as bases e a brincadeira consistia em um dos meninos arremessar a bola (de tênis), outro rebater e o terceiro ser o catcher, jogador que fica atrás do rebatedor para pegar as bolas que este não rebater. O mais impressionante era que conseguiam acertar a bola de tênis com a “marreta” (maça), relativamente pequena e pesada. Atualmente, é possível encontrar com freqüência entre os brinquedos vendidos nas lojas, tacos, raquetes e outros materiais para brincadeiras de rebater, o que pode ser uma possível explicação para a habilidade demonstrada pelas crianças do baseball. Não só entre os brinquedos, como na televisão e no esporte, atualmente, estão mais presentes jogos de rebater, como o tênis.
4.2.5. “Teoria” da autopreservação do corpo No espaço de aula havia um material utilizado pelas crianças para escalar, o espaldar, o mesmo utilizado na brincadeira do Tarzan. As crianças já haviam realizado outras atividades naquele material, porém sempre havia um colchão para a segurança delas. No dia da exploração de todos os materiais, um dos meninos começou a escalar o espaldar. Apenas observei para ver o que ele iria fazer. Nas aulas, eu apenas solicitava que escalassem o mais alto que conseguissem e descessem.
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Quando se percebeu “livre”, o menino não só escalou, como soltou uma das mãos e ficou pendurado no alto do espaldar, além de outras “macaquices”. A destreza demonstrada por algumas crianças no material ia além do que era solicitado por mim, mesmo sem o colchão para protegê-las. Através da observação das crianças brincando e das lembranças de minha infância, quando brincava e arriscava-me em brincadeiras que hoje considero perigosas, perguntei-me: “será que o meu medo de vê-las se machucarem é o medo necessário ao adulto, cujo corpo já não resiste às quedas da mesma forma que o corpo de uma criança, mais flexível e que se recupera mais rapidamente?”. O medo das crianças pode ser diferente do medo do adulto por falta de maturação, por terem vivido menos experiências em situações variadas; é o medo do desconhecido. O medo pode ocorrer, também, por falta ou excesso de estimulação em situações que provocam a dor, como cair e se machucar. Evitar o tempo todo que a criança caia ou se machuque não proporciona a maturação sugerida acima. Assim como o extremo oposto, uma criança que passa por excessivas situações de dor, poderá ficar com medo de sentir mais dor, em qualquer situação, sem conseguir distinguir o que é perigoso ou não. Ambos os casos foram estudados por Hinde9. De uma forma ou de outra, muitos adultos proíbem as crianças de rolarem, escalarem, pularem e protegem-nas de seus medos. O medo é necessário para preservação do corpo, mas o medo de um adulto pode limitar o potencial das crianças, que devem ter outros medos. São apenas suposições, especulações a respeito do assunto, pois não é objetivo deste estudo esclarecer estas dúvidas, mas uma possibilidade para estudos futuros.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao observar as brincadeiras das aulas iniciais, com apenas um material, e comparar às explorações com vários materiais, ficou reforçada a idéia de que é 9
Robert HINDE, citado por Jeffrey GRAY, A psicologia do medo e do “stress”, 1976, p. 15
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imprevisível e infinita a imaginação da criança, caso seja proporcionado espaço, tempo e material para que ela explore e aprenda a brincar. Uma dúvida foi crescendo ao longo das observações: será que as crianças que tinham mais idéias para brincar e eram mais “criativas” (no sentido de demonstrarem um repertório de brincadeiras mais variado em relação às outras crianças) nos momentos livres, brincavam mais quando estavam fora do período escolar? Quais eram o espaço e os brinquedos que tinham para brincar em casa, do que e com quem brincavam? Neste estudo as crianças foram apenas observadas, porém para uma análise mais completa e aprofundada, até para tentar responder às perguntas anteriores, seria interessante realizar entrevistas com as crianças, conversar e ouvir mais o que elas têm a dizer. Com este trabalho, além de observar a riqueza de possibilidades lúdicas que materiais variados oferecem, foi possível verificar a importância da observação para melhor conhecer a criança e o quão difícil é sair do olhar sobre o mundo a partir do ponto de vista adulto e olhar sob o ponto de vista de cada criança. As minhas ações como educadora, apesar de não terem sido o foco neste estudo, foram inevitavelmente analisadas na relação com as crianças. Verificou-se um adultocentrismo 10 , tanto na maneira de conduzir as atividades, intervir nos conflitos e nas ações das crianças, quanto ao observar e analisá-las. Talvez, um resquício da educação “tradicional” pela qual passei a minha infância... Apesar de achar não ter conseguido alcançar, plenamente, o estágio do olhar fluido, por falta de experiência, acredito que é de extrema importância a observação das crianças com quem os adultos estão lidando. Será que nós, adultos, estamos realmente nos preocupando com esse olhar para as crianças? Acredito que, ainda, não! As crianças têm muito a nos dizer e com elas poderemos adequar melhor as atividades propostas, sejam na escola, em casa, na criação de brinquedos, nas produções teatrais, enfim, proporcionar PARA as crianças aquilo que é DAS crianças!
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Termo utilizado por Maria Manuela Martinho FERREIRA, “Branco demasiado” ou... Reflexões epistemológicas, metodológicas e éticas acerca da pesquisa com crianças, em SARMENTO & GOUVÊA (orgs.), Estudos da infância: educação e práticas sociais (2008) e, também, por Clarice COHN, Antropologia da criança (2005).
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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