UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
Daniela Motta de Oliveira
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES A DISTÂNCIA PARA A NOVA SOCIABILIDADE: Análise do “PROJETO VEREDAS” de Minas Gerais
Niterói 2008
DANIELA MOTTA DE OLIVEIRA
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES A DISTÂNCIA PARA A NOVA SOCIABILIDADE: Análise do “PROJETO VEREDAS” de Minas Gerais
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para aquisição do título de Doutor em Educação, campo de confluência Políticas Públicas, Movimentos Instituintes e Educação. Orientador: Prof. Dr. WALDECK CARNEIRO DA SILVA
Niterói 2008
O48
Oliveira, Daniela Motta de. A formação de professores a distância para a nova sociabilidade: análise do “Projeto Veredas” de Minas Gerais / Daniela Motta de Oliveira. – 2008.
323 f. Orientador: Waldeck Carneiro da Silva. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, 2008. Bibliografia: f. 290-323. 1. Professores - Formação. 2. Ensino à distância. I. Silva, Waldeck Carneiro da. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título. CDD 370.71
DANIELA MOTTA DE OLIVEIRA
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES A DISTÂNCIA PARA A NOVA SOCIABILIDADE: Análise do “PROJETO VEREDAS” de Minas Gerais Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para aquisição do título de Doutor em Educação, campo de confluência Políticas Públicas, Movimentos Instituintes e Educação.
Aprovada em 7 de março de 2008.
BANCA EXAMINADORA __________________________________________________ Prof. Dr. Waldeck Carneiro da Silva (Presidente/UFF)
__________________________________________________ Profa. Dra.Célia Frazão Soares Linhares (UFF)
__________________________________________________ Profa. Dra. Lúcia Maria Wanderley Neves (EPSJV/FioCruz)
__________________________________________________ Profa. Dra. Raquel Goulart Barreto (UERJ)
__________________________________________________ Prof. Dr. Roberto Leher (UFRJ)
Aos meus avรณs Lizote e Laura Que nรฃo se acomodavam ao mundo em que viviam; Cada um, do seu modo, Queria transformรก-lo.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, prof. Dr. Waldeck Carneiro da Silva, pelas respeitosas críticas e instigantes provocações, que certamente contribuíram para meu crescimento profissional e pessoal. Ao Grupo de Pesquisa de Formação de Professores, coordenado pelo prof. Waldeck, com quem tive a honra de compartilhar experiências, estudos e análises durante os dois primeiros anos do doutorado. Às professoras Dra. Raquel Goulart Barreto e Dra. Lúcia Maria Wanderley Neves, pela interlocução privilegiada que tivemos desde o início do meu doutorado. Muito obrigada pelas valiosas contribuições à época do Exame de Qualificação e por participarem da Banca de Defesa de Tese. Aos professores Dra. Célia Linhares e Dr. Roberto Leher, que tão prontamente aceitaram participar da Banca Examinadora. À Capes, que através do programa PQI/Capes permitiu que eu tivesse bolsa durante os quatro anos de doutorado. Ao prof. Dr. Carlos Cortez Romero, da Faculdade de Educação da UFJF, que coordenou o grupo do PQI/Educação, confiando no compromisso que assumimos coletivamente de atuarmos no Núcleo de Educação, Trabalho e Tecnologia da UFJF. À profa. Dra. Eleuza Maria Barboza, Coordenadora do Projeto Veredas – AFOR Universidade Federal de Juiz de Fora, que permitiu, sem reservas, meu acesso a todos os documentos e materiais necessários à pesquisa, além de destinar horas de seu tempo para esclarecer todas as dúvidas que tive durante o percurso. À equipe do Veredas da UFJF, em especial Waldirene e Verônica. À Direção do Colégio de Aplicação João XXIII da UFJF, professoras Terezinha Barroso Santos e Sandra Del Gaudio (gestão 2001-2005) e José Luiz Lacerda e Andréa Vassallo Fagundes Fernandes (gestão 2005-2009), que não mediram esforços para permitir minha liberação total para cursar o doutorado. Registro um agradecimento muito especial aos
atuais diretores, sem os quais não teria sido possível completar essa jornada com a mesma qualidade. Aos meus colegas professores do Departamento de Matemática e ao grupo de colegas de 1ª à 4 ª séries do C.A.João XXIII; à profa. Miriam Raquel Piazzi Machado, que muitas vezes deixou de lado suas perdas tão sentidas para ouvir minhas dúvidas e angústias intelectuais. Aos meus colegas da Turma do Doutorado de 2004, especialmente Maria Inês Bonfim (obrigada pela leitura crítica a tantos trabalhos!), Luciana Requião, Filipina Chinelli, Marisa Brandão, Ênio Serra, Jaqueline Ventura e Raimunda Assis, com quem dividi as angústias, as dúvidas, os medos, as inseguranças, os textos, os almoços, as caronas, as piadas, os e-mail e, agora, divido a alegria de terminar esta etapa. À Lauriana Paiva, minha aluna/colega/amiga; à Lorene Figueiredo, não apenas pelas boas conversas, mas pela generosidade com que me emprestou tantos documentos importantes. Aos companheiros do Coletivo de Estudos de Política Educacional, que compartilham comigo sua experiência de pesquisadores e também a percepção de que “A injustiça social ainda precisa ser denunciada e combatida. O mundo não vai melhorar sozinho” (Hobsbawm, 2002, p. 455). Ao André Silva Martins, pela valiosa contribuição através de sua produção acadêmica e também pela sua amizade e leitura crítica de meus textos. Aos meus irmãos: Marcelo e Guilherme, pelas palavras carinhosas e solidárias. À Regininha, pela compreensão de quem viveu e sobreviveu ao processo de doutoramento; obrigada pelo incentivo e pelo exemplo de profissional, professora e pesquisadora. À Flávia, Flavinha, pelos quatro anos de “casa e comida”, ombro, ouvido, sorriso, apoio; mais do que uma irmã, minha amiga. Muito obrigada! À minha mãe, Regina: tão pequenininha, criou tamanha família! Obrigada por acreditar em mim, no meu trabalho, por estar aqui, comigo, sempre; principalmente, por me ensinar que o ofício de professor não é uma vocação ou sacerdócio, mas uma profissão; profissão que deve ser exercida com ética, com amor, com dedicação e, principalmente, com respeito e seriedade. Ao Seu Mário e D.Beatriz, meus sogros, acompanhando cotidianamente as “aventuras” do meu doutorado e da minha vida.
Ao Mário Sérgio, marido, “dupla”, amigo, companheiro, sobrevivente da tempestade dos últimos meses! Apesar das divergências teóricas, apoiou e incentivou todo o meu processo de formação acadêmica, desde a graduação (!) até o doutorado. Suportou heroicamente os últimos quatro anos de viagens semanais, cansaço, ansiedade, insônia, lágrimas, irritação, falta de tempo, fins de semana de estudo, sem contar com as traduções dos resumos de artigos e da tese para o inglês... Obrigada pela paciência e pelo seu amor! “Vem devagarinho/ Para minha beira/ Em novas coutadas/ Junta de uma hera/ Nascem flores vermelhas/ Pela Primavera/ Assim tu souberas/ Irmã cotovia/ Dizer-me se esperas/ Pelo nascer do dia” (Zeca Afonso. Que Amor não me Engana).
O erro do intelectual consiste, em acreditar que se possa saber sem compreender e, principalmente, sem sentir e estar apaixonado (não só pelo saber em si, mas pelo objeto do saber), isto é, em acreditar que o intelectual possa ser um intelectual (e não um mero pedante) mesmo quando distinto e destacado do povo-nação, ou seja, sem sentir as paixões elementares do povo, compreendendo-as e, portanto, explicando-as e justificando-as em determinada situação histórica, bem como relacionando-as dialeticamente com as leis da história, com uma concepção do mundo superior, científica e coerentemente elaborada, com o “saber”; não se faz políticahistória sem esta paixão, isto é, sem esta conexão sentimental entre intelectuais e povo-nação(GRAMSCI,2004, p.221-222).
RESUMO
Esta tese foi desenvolvida com os seguintes objetivos: (i) analisar as políticas públicas de formação de professores, procurando verificar sua relação com as reformas para a educação, em sentido amplo, e com as orientações para a construção da nova sociabilidade, nas suas dimensões técnica, ética e política; (ii) investigar, na concepção político-pedagógica do Projeto Veredas - Formação Superior de Professores, as dimensões técnicas, éticas e políticas, visando analisar a sua relação com a nova sociabilidade, nos seguintes aspectos: a) concepção de formação profissional para o trabalho pedagógico; b) conteúdos curriculares propostos; c) articulação entre teoria e prática pedagógica; d) competências atribuídas ao professor das séries iniciais do ensino fundamental. Realizou-se um estudo teórico, de caráter descritivoanalítico, orientado pelo materialismo histórico, buscando, com a mediação da literatura especializada, examinar os conceitos, princípios e pressupostos que fundamentaram o Projeto Veredas. Concluiu-se que a reforma da formação de professores, no Brasil, nos seus aspectos técnicos, éticos e políticos, tornou-se necessária ao projeto da nova sociabilidade, com duas finalidades principais: formar os novos organizadores da cultura, de acordo com as demandas técnicas, éticas e políticas do capitalismo mundializado; e preparar as novas gerações para ser, pensar e agir de acordo com as exigências do capitalismo contemporâneo, além de prepará-las para a sobrevivência material e para a convivência social. Em Minas Gerais não foi diferente: o governo Itamar Franco (1999-2002) representou uma continuidade de novo tipo, pois preservou os aspectos fundamentais da reforma mineira, inclusive o papel do Banco Mundial como organismo financiador do processo. Mesmo apresentando princípios relevantes — como a valorização do magistério, a capacitação dos professores, a democratização da escola, a qualidade da educação e a universalização do acesso —, Minas deixava clara a sua orientação ética e política, nos marcos do neoliberalismo da Terceira Via: incentivo ao voluntariado, busca de novas parcerias e formas de financiamento, ênfase no aprendizado ao longo da vida, a partir dos pilares da educação, entre outros eixos. O Projeto Veredas incorporou as indicações modernizadoras para a formação de professores, em serviço e a distância, e a dimensão ético-moral necessária à formação do intelectual orgânico fundamental à nova sociabilidade. Foram apresentadas como razões para a formação superior em exercício a indicação da legislação para que os professores tivessem nível superior e a “fundamental e urgente” preparação do sujeito para o enfrentamento da nova realidade trazida pela globalização. Assumiu-se a pedagogia das competências como diretriz curricular e a transformação social, nos limites do capitalismo: o caminho seria apenas humanizá-lo, ainda que se mantenham intactas a exploração e a dominação que o engendram. Palavras-Chave: Formação de Professores. Nova Sociabilidade. Educação a Distância
SUMMARY This thesis was developed with the following objectives: (i) to analyze public policies on teachers´ formation, seeking to verify is relation to educational reformation, in a larger sense, and also to the orientations for the construction of the new sociability, in its technical, ethical and political dimensions; (ii) to investigate, in the political-pedagogical conception of Project Veredas- Superior Formation of Teachers, the technical, ethical and political dimensions, aiming to analyze its relation with the new sociability, in the following aspects: a) conception of professional formation for pedagogical work; b) proposed curricular contents; c) articulation of theory and pedagogical practice; d) competences assigned to teachers of initial grades of fundamental schooling. Oriented by historical materialism, a theoretical, descriptive-analytical, study was undertaken, seeking, with the support of specialized literature, to examine the concepts, principles and presupposes that lay the foundations of Project Veredas. In conclusion it points to the fact that the reforming of teachers formation in Brazil, in its technical, ethical and political aspects, became necessary to the project of new sociability, with two main purposes: to form the new organizers of culture, according to the technical, ethical and political demands of global capitalism; and to prepare the new generations to be, think and act according to the requirements of contemporary capitalism, besides preparing them to material survival and sociability. In the state of Minas Gerais it was not different: Mr. Itamar Franco government (1999-2002) represented a new type of continuance, once it preserved the fundamental aspects of the state reformation, including the role of World Bank as the institution in charge of financing the process. Even if grounding its reformation enterprise on relevant principles — as the valorization of teachers, the enhancement of their capability, the democratization of schools, the quality of education and the universality of access — the state kept clear its ethical and political orientation, amidst the milestones of neo-liberalism of the Third Way: incentive to voluntary participation; the search for new partnerships and forms of funding; emphasis on the life-long learning process, after educational pillars, among others. The Project Veredas incorporated modernizing indications for teachers´ formation, at work and at distance, and the ethical-moral dimension necessary to the formation of the organic intellectual fundamental to the new sociability. Reasons stated for the superior formation of teachers at work were suggestions of specific legislation and the “fundamental and urgent” preparation of subjects to the facing of the new reality brought by globalization. The pedagogy of competences as curricular norm and the social transformation in the limits of capitalism were assumed: the way would, the, be to humanize it, even if the exploitation and domination that engendered it are kept untouched. Key-words: Teachers Formation. New Sociability. Distance Learning.
RESUME
Cette thèse a été développée, avec deux objectifs principaux: (i) analyser les politiques publiques de formation des enseignants, tout en cherchant à vérifier leur rapport aux réformes éducatives, dans un sens large, et aux orientations pour la construction de la nouvelle sociabilité, dans les dimensions technique, éthique et politique; (ii) rechercher, dans la conception politico-pédagogique du Projet Veredas - Formation Supérieure des Enseignants, les dimensions techniques, étiques et politiques, pour analyser leur rapport à la nouvelle sociabilité, dans les aspects suivants: a) conception de la formation professionnelle pour le travail pédagogique; b) programme d’études proposé; c) rapport entre théorie et pratique pédagogique; d) compétences attachées au professeur des écoles. On a fait une étude théorique, à la manière descriptive-analytique, sous la orientation du matérialisme historique, en cherchant, avec la médiation de la littérature spécialisée, à examiner les concepts, les principes et les préssuposés qui ont fondés le Projet Veredas. On a conclut que la réforme de la formation des enseignants au Brésil, dans ses aspects techniques, étiques et politiques, est dévenue nécessaire au projet de la nouvelle sociabilité, avec deux finalités principales: former les nouveaux organisateurs de la culture, selon les demandes techniques, éthiques et politiques du capitalisme mondialisé, et préparer les nouvelles générations à être, à penser et à agir, conformément aux éxigences du capitalisme contemporain, au-délà de les préparer à la survie matérielle et à la vie sociale. Dans l’Etat de Minas Gerais cela n’a pas été différent: le gouvernement de M. Itamar Franco (1999-2002) a représenté un nouveau type de continuité, puisqu’il a gardé les aspects fondamentaux de la réforme mineira, y compris le rôle de la Banque Mondiale comme organisme chargé du financement de la réforme. Bien que axé sur des principes importants, tels que la valorisation du professorat, la formation continue des enseignants, la démocratisation de l’école, la qualité de l’éducation et l’universalisation de l’accès, Minas Gerais était clair dans son orientation étique et politique, sous l’égide du néolibéralisme de la Troisième Voie: soutien au volontariat; quête de nouveaux partenariats et de nouvelles formes de financement; accent sur l’apprentissage tout au long de la vie, à partir des pilliers de l’éducation. Le Projet Veredas a incorporé les indications modernisatrices pour la formation des enseignants, en service et à distance, et la dimension éthique-morale nécessaire à la formation de l’intellectuel organique, fondamental pour la nouvelle sociabilité. Ont été présentées comme des raisons pour la mise au niveau supérieur de la formation des enseignants les orientations de la Loi et la “fondamentale et urgente” préparation du sujet à l’affrontement de la nouvelle réalité placée par la globalisation. On a adopté la pédagogie des compétences comme directive pédagogique et la transformation sociale, dans les limites du capitalisme: le chemin serait donc de l’humaniser tout simplement, même si ne sont pas touchées l’exploitation et la domination qui l’engendrent. Mots-Clés: Formation des Enseignants. Nouvelle Sociabilité. Education à Distance.
QUADROS:
Quadro 1. Cursos de Graduação oferecidos tanto Presencial quanto a Distância 165 em 2006 Quadro 2. Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu oferecidos tanto Presencial 166 quanto a Distância em 2006 Quadro 3. Cursos de graduação - dados atuais segundo Subcategoria da IES
167
Quadro 4. Cursos de graduação - Formação de professor e ciências da educação 184 dados atuais (2006) segundo Subcategoria da IES Quadro 5. Objetivos Estratégicos do PMDI 2007-2023
221
Quadro 6. Locais de realização das semanas presenciais em todos os módulos
234
Quadro 7. Atividades do Curso de Formação Superior previstas e realizadas nos 263 7 módulos Quadro 8. Relação Tutores/cursistas nas diferentes AFOR em 2004
270
ILUSTRAÇÕES Fig.1. Mapa do Estado de Minas Gerais com a divisão em pólos do Veredas e 231 respectivas Agências de Formação 1 Fig.2. Matriz Curricular do Projeto Veredas
262
Fig.3. Organograma da Agência de Formação (AFOR)
269
LISTA DE ABREVIATURAS ABED – Associação Brasileira de Educação a Distância AFOR – Agência de Formação (Projeto Veredas da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais) AID – Associação Internacional de Desenvolvimento ALC – América Latina e Caribe AMGI – Agência Multilateral de Garantia de Investimentos ANDES-SN – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Professores ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento BM – Banco Mundial BRASILEAD – Consórcio Interuniversitário de Educação Continuada e a Distância CEAD – Centro de Educação a Distância da Universidade de Brasília CEB – Câmara de Ensino Básico CEDERJ – Consórcio Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe CIAC – Centro Integrado de Assistência à Criança e ao Adolescente CIADI – Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos CNE – Conselho Nacional de Educação CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CONTEE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino CRUB – Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras CRV – Centro de Referência Virtual do Professor (Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais)
CVA-RICESU – Comunidade Virtual de Aprendizagem – Rede de Instituições Católicas de Ensino Superior DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais DITEC – Departamento de Infra-Estrutura Tecnológica do Ministério da Educação EaD – Educação a Distância EJA – Educação de Jovens e Adultos ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio EPT – Educação para Todos EUA – Estados Unidos da América FHC – Fernando Henrique Cardoso FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz FUNDESCOLA – Fundo de Fortalecimento da Educação IDH – Índice de Desenvolvimento Humano INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira FMI – Fundo Monetário Internacional FORUMDIR – Fórum de Diretores das Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas do País FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação GDP – Grupo de Desenvolvimento Profissional (Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais) IES – Instituições de Ensino Superior IFC – Corporação Financeira Internacional IFES - Instituições Federais de Ensino Superior IUVB.br – Rede Brasileira de Educação a Distância – Universidade Virtual Brasileira LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação NEAD – Núcleo de Educação Aberta e a Distância do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso NTIC – Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONG – Organizações Não Governamentais ONU – Organização das Nações Unidas
OREALC – Organização Regional de Educação para América Latina e Caribe PBQP – Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PDP – Programa de Desenvolvimento Profissional de Educadores (Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais) PEC-FORPROF – Programa Especial de Formação Universitária de Professores PMDI – Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado PNE – Plano Nacional de Educação PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PRELAC – Projeto Regional de Educação para América Latina e Caribe PROCAD – Projeto de Capacitação de Dirigentes das Escolas Públicas (Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais) PROCAP – Programa de Capacitação de Professores (Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais) PROEB – Programa de Avaliação da Educação Básica (Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais) PRÓ-Médio – Programa de Capacitação e Inovação Curricular do Ensino Médio (Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais) PROINFO – Programa Nacional de Informática na Educação PROFORMAÇÃO – Programa de Formação de Professores PROGESTÃO – Projeto de Capacitação a Distância de Gestores Escolares (Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais) PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SEED – Secretaria de Educação a Distância SEEMG – Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais SESU – Secretaria de Ensino Superior SIMAVE – Sistema de Avaliação da Educação Pública do Estado de Minas Gerais SINAES – Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior STR – Sistema de Trocas de Recursos Educacionais (Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais) TECPAR – Instituto de Tecnologia do Paraná TIC – Tecnologias da Informação e da Comunicação UAB – Universidade Aberta do Brasil
UECE – Universidade Estadual do Ceará UCB – Universidade Católica de Brasília UCS – Universidade de Caxias do Sul UEM – Universidade Estadual de Maringá UEMA – Universidade Estadual do Maranhão UNIVIR-CO – Rede Universidade Virtual do centro Oeste UDESC – Universidade Estadual de Santa Catarina UFC – Universidade Federal do Ceará UFES – Universidade Federal do Espírito Santo UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina UFPA – Universidade Federal do Pará UNB – Universidade de Brasília UNED – Universidad Estatal a Distancia UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação e Ciência e a Cultura UNESP – Universidade do Estado de São Paulo UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância UNIREDE – Universidade Virtual Pública do Brasil USP – Universidade de São Paulo WB – World Bank
SUMÁRIO:
Introdução
21
Capítulo 1: A Formação de Professores e a construção da nova 41 sociabilidade 1.1. O novo capitalismo e o Estado educador
43
1.2. O papel dos intelectuais na construção da nova sociabilidade
57
1.3. A Formação de Professores: Formar para educar o consenso
64
Capítulo 2: A Formação de Professores e os Organismos Internacionais: 69 diretrizes técnicas e ético-políticas da nova sociabilidade 2.1. Os Organismos Internacionais e a nova sociabilidade
72
2.2. As diretrizes dos organismos internacionais e a formação de 79 professores para o ensino fundamental 2.3. Tecnologias da Informação e da Comunicação, Educação a 102 Distância e Formação de Professores: o que pensam os organismos internacionais
Capítulo 3: A Formação de Professores no Brasil
114
3.1. O Brasil e as Reformas da Educação nos anos 1990: uma nova 116 sociabilidade 3.2. A Formação do Educador em Nível Superior
129
3.2.1. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação 134 Inicial de Professores para a Educação Básica em Nível Superior: formando o intelectual orgânico da nova sociabilidade
Capítulo 4: A Formação de Professores e as Políticas de Educação a 150 Distância 4.1. A Expansão da EaD nos anos de 1990: estratégia de Formação de 157 Professores 4.2. A Formação de Professores através da EaD: as primeiras 167 experiências
Capítulo 5: A Formação de Professores na Reforma Educacional de Minas 187 Gerais dos anos de 1990 e 2000 5.1. A Reforma Educacional e a Formação de Professores em Minas Gerais: o “Pacto Mineiro para a Educação” (1991-1998) 191 5.2. A Reforma Educacional e a Formação de Professores na Escola Sagarana (1999-2002): o projeto Veredas 203 5.3. A Reforma da Educação e a Formação de Professores: o “desafio da qualidade” (2003-2006) 212
Capítulo 6: O Projeto Veredas — Formação Superior de Professores
223
6.1. O Projeto Veredas: Características Gerais
226
6.2. O Projeto Político-Pedagógico
239
6.3. A Proposta Curricular
258
6.4. A Organização do Sistema de EaD: Sistemas Componentes do 263 Projeto Veredas 6.4.1. Sistema Instrucional
263
6.4.2. Sistema Operacional
268
6.4.3. Sistema de Tutoria
270
6.4.4. Sistema de Monitoramento e Avaliação de Desempenho
273
6.4.5. Sistema de Comunicação e Informação
274
Considerações Finais
280
Referências Bibliográficas
290
21
INTRODUÇÃO:
[...] não se pode separar a filosofia da política; ao contrário, pode-se demonstrar que a escolha e a crítica de uma concepção do mundo são, também elas, fatos políticos (GRAMSCI, 2004, p.97).
No cenário mundial, em especial a partir dos anos de 1970, as mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais afetaram significativamente a forma de ser e de viver da classe trabalhadora. No novo cenário, caracterizado como um patamar superior do capitalismo monopolista1, alterou-se significativamente o conteúdo e a forma de organização do trabalho e da produção, bem como as relações de poder e as relações sociais. As transformações no modo de produção, nessa nova fase do capitalismo monopolista, passaram a exigir do trabalhador conhecimentos mais complexos, capacidade de se adaptar ao incerto, flexibilidade. Ao mesmo tempo, do ponto de vista ético-político, surge a necessidade de se construir uma nova sociabilidade, ou seja, uma nova cidadania, uma nova politização, de modo a conformar a sociedade com os novos rumos do capitalismo mundial.
1
A expressão capitalismo monopolista denomina uma fase do desenvolvimento histórico do capitalismo que se inicia mais organicamente nos primórdios do século XX. Esta fase sucede o capitalismo concorrencial (capitalismo industrial num período de crescimento rápido e de progresso técnico, consistindo de pequenas empresas de propriedade individual, com um mínimo de participação do Estado e concorrência generalizada). No capitalismo monopolista, ou capitalismo financeiro, os processos industriais de grande escala se tornaram possíveis em decorrência da Segunda Revolução Industrial (BOTTOMORE, 2001). A expansão dos mercados internacionais, o papel desempenhado pelos Estados nacionais na assistência ao desenvolvimento capitalista, foi considerado por Lênin como uma fase superior do capitalismo, denominado por ele de imperialismo; neste sentido, não via o capitalismo monopolista de Estado distinto do capitalismo monopolista. Poulantzas (2000) aprofunda a análise sobre o capitalismo monopolista de Estado, compreendendo-o também como uma fase do imperialismo. Sem negar as atuais mudanças qualitativas ocorridas no desenvolvimento capitalista na atualidade, compreendemos que elas fazem parte de um momento novo no desenvolvimento do capitalismo monopolista, denominado por alguns autores de novo imperialismo, entre eles, Fontes (2006) e Harvey (2005a).
22
A nova sociabilidade2, ou o conformismo social — ou seja, a criação de novos e mais elevados tipos de civilização, a adequação da sociedade a uma nova moralidade às necessidades do desenvolvimento contínuo do aparelho econômico de produção — é, segundo Gramsci (2000, p. 23), tarefa educativa e formativa do Estado, razão pela qual o Estado capitalista veio redefinido suas práticas de forma a formar ética, técnica e politicamente o novo homem coletivo, desenvolvendo assim uma pedagogia da hegemonia. Evidentemente, dados as contradições e conflitos que ocorrem simultaneamente na aparelhagem estatal e também na sociedade civil, ocorrem também movimentos de resistência ou de contrahegemonia, comprometidos com outro projeto de sociedade. Para a construção dessa nova sociabilidade, a educação escolar tornou-se imprescindível (mesmo considerando o incremento em ações de formação profissional nos locais de trabalho e/ou nas residências, utilizando-se para tanto a Educação a Distância), como atestam os documentos do Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) nos anos de 1990. A educação, de acordo com os organismos internacionais, aparece tanto como estratégia de “alívio da pobreza” quanto na difusão de novos valores, habilidades e atitudes desejáveis para o desenvolvimento do “capital humano” adequado aos novos tempos. Nesta direção, o processo pedagógico, num movimento de rompimento com o passado, no qual o modelo tradicional representa um pensamento ultrapassado, é expresso no discurso que valoriza a competição, a individualização, a responsabilização e a performance (APPLE, 2000). Consoante com os pilares para a educação no século XXI (DELORS, 1998), as reformas educacionais brasileiras enfatizam a capacidade de aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a viver juntos e a aprender a ser. Com tais premissas, ampliou-se o incentivo à autodidaxia permanente, a ênfase na necessidade de suporte tecnológico para o acesso à informação, na formação permanente, na capacidade de adaptação às incertezas. A formação do professor para o ensino fundamental passou a ocupar um lugar de destaque na reforma educacional, tanto para formar o intelectual urbano de novo tipo, necessário ao novo projeto de sociabilidade do capital, quanto para difundir a nova forma de ser, pensar e agir desde os primeiros anos de escolaridade. Por essa razão, o papel do professor passou a ser questionado e redefinido com base no “impacto da tecnologia da 2
Padrão de sociabilidade é a forma com a qual os homens e as classes produzem e reproduzem as condições objetivas e subjetivas de sua própria existência, num dado momento histórico, sob a mediação das relações sociais de produção e como resultado das relações de poder (MARTINS, 2007).
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informação e das comunicações sobre os processos de ensino e de aprendizagem, suas metodologias, técnicas e materiais de apoio” (BRASIL, 2000, p.2). Contraditoriamente, o papel dos professores foi substituído, passando de “solista ao de acompanhante, tornando-se não mais alguém que transmite conhecimentos, mas aquele que ajuda os seus alunos a encontrar, organizar e gerir o saber” [...] (DELORS, 1998, p.155). Desse modo, a categoria trabalho, no que diz respeito ao professor, teve seu sentido esvaziado, sendo substituído por outras conotações, tais como atividades, tarefa docente (BARRETO, 2004), ou substituído pelas categorias de prática, prática reflexiva (FREITAS, 2003). Dessa maneira, formar o professor de novo tipo significa formar para educar o consenso, e não para formar um sujeito autônomo, criativo, crítico, com sólida formação teórica e prática, que seja, como afirmou Gramsci, especialista + dirigente. Nessa trajetória, particularmente na última década, as Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (NTIC) e a Educação a Distância (EaD) têm estado em maior evidência: as NTIC, apontadas pelos organismos internacionais e por diferentes intelectuais como necessárias e inelutáveis à educação, e a EaD, por sua vez, reverenciada pelas políticas públicas expressas nos documentos e propostas oficiais, como solução para as graves demandas de formação docente para o ensino fundamental. Essa indicação já figurava entre os Objetivos e Metas constantes no Capítulo 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), no qual se recomendava “Iniciar, logo após a aprovação do Plano, a oferta de cursos a distância, em nível superior, especialmente na área de formação de professores para a educação básica”. Na prática, a EaD tornou-se, ao final dos anos de 1990 e início dos anos 2000, o veículo mais eficaz para a difusão acelerada da nova sociabilidade (ou seja, a nova cidadania, o novo homem coletivo), posto que, através do ensino a distância, é possível formar um número expressivo de professores em nível superior e em serviço. O investimento público e privado em projetos como o PROINFO, a TV Escola e o PROFORMAÇÃO3; a explicitação no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 3
O ProInfo (Programa Nacional de Informática na Educação) é um programa educacional criado em 9 de abril de 1997 pelo Ministério da Educação por meio da portaria 522, para promover o uso da Telemática como ferramenta de enriquecimento pedagógico no ensino público fundamental e médio. Suas estratégias de implementação constam nas Diretrizes do Programa Nacional de Informática na Educação, de julho de 1997. A TV Escola é um Programa da Secretaria de Educação a Distância, do Ministério da Educação, dirigido à capacitação, atualização e aperfeiçoamento de professores do Ensino Fundamental e Médio da rede pública. Segundo o MEC, este recurso didático permite à escola entrar em sintonia com as grandes possibilidades pedagógicas oferecidas pela educação a distância. O canal, via satélite, entrou no ar em todo o Brasil em 4 de março de 1996. O Programa de Formação de Professores em Exercício - PROFORMAÇÃO é um curso a distância, em nível médio, com habilitação para o magistério na modalidade Normal, realizado pelo MEC em parceria com os estados e municípios. Destina-se aos professores que, sem formação específica, encontram-se
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da Educação a Distância como modalidade; as possibilidades de financiamento conferidas pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF) na área de formação de professores, vieram garantindo as bases de um crescimento sem precedentes nessa área. Assim, uma nova ótica de capacitação emergiu, estruturada a partir de uma nova estratégia, a da qualificação e requalificação docente, visto que o tempo para a reflexão e a sedimentação do conhecimento tornou-se cada vez mais reduzido. Aliada a essa nova dimensão, a EaD, que nos anos de 1970 tinha um caráter suplementar e era destinada à chamada educação permanente4, nos anos de 1990 e 2000 tem sido apresentada, nos documentos oficiais, como a estratégia de ensino favorável para, em primeiro lugar, democratizar o acesso ao ensino superior e, em segundo, para minimizar a falta de qualificação dos professores brasileiros, especialmente em programas de certificação em larga escala. Ao mesmo tempo, o discurso oficial salienta que, com os recursos de EaD, é possível atender a um número maior de alunos, com a vantagem adicional de uma formação docente mais flexível e de acordo com o mundo globalizado. Concomitantemente, esta necessidade da formação em nível superior levou as Secretarias de Educação estaduais a estabelecer convênios com universidades para formar, a distância, seus professores. É o caso do Estado de Minas Gerais, que, em dezembro de 2001, iniciou o seu Projeto Veredas, visando a formação superior, em serviço5, dos professores das séries iniciais do ensino fundamental da rede pública. Longe de ser uma unanimidade, as NTIC e a EaD mantêm-se como áreas de forte embate entre os educadores,6 tanto no plano teórico como no plano operacional, expressando lecionando nas quatro séries iniciais, classes de alfabetização, ou Educação de Jovens e Adultos - EJA, nas redes públicas de ensino do país. (início: 1999). Disponível em http://www.mec.gov.br/seed acesso em 25/06/2005. 4 Com a Lei nº. 5692/71, o ensino supletivo passou a ter uma nova conotação e amplitude, assumindo uma dimensão de “educação permanente” ou de “educação continuada”, alargando o conceito restrito anteriormente concedido a esse tipo de ensino, que, até então, tinha um caráter de alfabetização de adultos e adolescentes. Assim, a legislação da época previu que o ensino supletivo tinha, como finalidade, também, “proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte” (BRASIL, Lei nº5692/71. Art.24, alínea b). 5 Segundo Aquino & Mussi (2001), a formação docente em serviço pode ser vista como uma das propostas do poder público para a requalificação da ação escolar. Para os autores, as práticas formativas docentes, que passam a ocorrer justapostas à experiência do trabalho e também no próprio local de trabalho, recebem essa nomenclatura. Se no final dos anos 70 o modelo foi colocado sob suspeita devido ao caráter homogeneizador das condutas dos professores, operando como um aumento dos mecanismos de poder sobre a profissão, a partir de novas perspectivas teórico-metodológicas permitiram-se novas formulações para a formação em serviço. 6 É oportuno lembrar que não apenas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) como também o Plano Nacional de Educação (PNE) foram objetos de disputa no Congresso Nacional, sendo as propostas do Fórum em Defesa da Escola Pública, no caso da LDB, e da Sociedade Brasileira, no caso do PNE, derrotadas em favor daquelas do Ministério da Educação – MEC (FRIGOTTO, 2006; LEHER, 2000). Waldeck Silva (2001)
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concepções de educação e de sociedade em disputa, onde se enfrentam finalidades e interesses contraditórios. Para analisar a problemática que envolve a nova formação humana para uma nova sociabilidade do capital, de forma geral, e de forma específica, o papel do intelectual (o professor) e a materialização dessa formação consubstanciada no projeto Veredas, foi necessário buscar informações no confronto entre o movimento da nossa sociedade e a teoria que foi produzida nessa mesma sociedade. Em outros termos, para explicar e compreender a natureza das políticas públicas de formação docente na sua especificidade atual foi necessário ir além dos limites do empirismo e compreender o seu caráter histórico, a sua totalidade. No esforço de construir um arcabouço teórico capaz de dar suporte para esta tarefa, a concepção de história formulada por Marx e as reflexões de Antônio Gramsci, contidas nos Cadernos do Cárcere7, foram fundamentais para o entendimento dos problemas educacionais que enfrentamos no atual momento brasileiro. Não obstante esta opção teórica — a crítica do capitalismo — estar “fora de moda” para muitos, concordamos com Wood (2003) no sentido de que, ao contrário, é exatamente durante uma época de triunfo do capitalismo que a sua crítica deve ter mais espaço. Assim também compreende Saviani (1991), quando afirma:
o desmoronamento dos regimes do Leste Europeu, em lugar de significar a superação de Marx, constitui, ao contrário, um indicador da sua atualidade. Levando-se em conta que uma filosofia é viva e insuperável enquanto o momento histórico que ela representa não for superado, cabe concluir que se o socialismo tivesse triunfado é que se poderia colocar a questão da superação do marxismo, uma vez que, nesse caso, os problemas que surgiriam seriam de outra ordem. Mas, os fatos o mostram, ele não triunfou. O capitalismo continua sendo ainda a forma social predominante. Portanto,
destaca positivamente a elevação dos requisitos de escolaridade para os professores do ensino fundamental proposto na lei, embora ressalte que, contraditoriamente, “a política oficial de formação de professores no Brasil induz à privatização e ao aligeiramento desse processo, pois preocupa-se mais com a certificação em massa do professor do que com a sua formação propriamente dita” (ibid., p. 131). 7 Embora já tivesse escrito inúmeros artigos para a imprensa operária, informes para o Partido, entre outros documentos e registros, foi ao ser preso pelo regime fascista de Mussolini em 8 de novembro de 1926 e condenado a mais de 20 anos de prisão, que Gramsci escreveu os textos mais importantes de sua produção intelectual (BOTTOMORE, 2001; COUTINHO, 2004; NOSELLA, 2004). No cárcere, Gramsci escreveu 33 cadernos, abordando diferentes temas e, muitas vezes, anotando em vários cadernos ao mesmo tempo; além disso, redigiu várias versões sobre o mesmo tema. Por estas razões, os Cadernos não foram escritos numa seqüência linear e cronológica. A edição brasileira dos Cadernos do Cárcere, elaborada por Coutinho (2004) foi baseada na edição de Valentino Gerratana, que se empenhou em encontrar para eles uma datação a mais exata possível.
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Marx continua sendo não apenas uma referência válida, mas a principal referência para compreender a situação atual (SAVIANI, 1991, p.14).
O pressuposto do materialismo histórico é o de que os fatos sociais estão imbricados em uma materialidade objetiva e subjetiva, de tal forma que a construção do conhecimento se dá a partir da análise e compreensão das múltiplas determinações de um fenômeno. Marx (1977) mostrou que a apreensão do real feita de forma superficial pode ocultar as reais determinações dos fenômenos sociais. Ao mesmo tempo, nos sinalizou que a dimensão da totalidade supõe a contextualização do fenômeno ao momento histórico, econômico e social. Isto porque, na perspectiva de Marx,
O concreto é concreto por ser síntese de múltiplas determinações, logo, unidade na diversidade. É por isso que ela é para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e, portanto, igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação (MARX, 1977, p.229).
Em outros termos, a atividade de teorização histórica significa partir do empírico (o que é observável, a realidade) para o concreto pensado ou conhecimento, que, para Marx, é sempre relativo. Ao compreender a realidade social como uma totalidade, onde o conjunto das relações sociais e econômicas constitui a base a partir da qual a vida social se estrutura, entender a educação e a formação humana não pode significar reduzir essas dimensões da prática social a demandas do processo de acumulação do capital. Ou seja, a educação é uma atividade humana e histórica que se define no conjunto das relações sociais, ao mesmo tempo em que ela própria também é uma relação social. Esse compromisso com a totalidade implica uma busca não só de compreensão do objeto de estudo, em sua dimensão mais restrita, como também da intrincada rede de relações que se estabelecem entre ele e a realidade em que se insere. Gramsci percebeu as mudanças qualitativas que ocorriam na sociedade de sua época, mas compreendia que essas mudanças eram mais uma fase do capitalismo, que se manifestava de forma mais brutal, “mas que também seria superada através de um novo nexo psicofísico
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de um tipo diferente dos anteriores e, certamente, de um tipo superior” (GRAMSCI, 2001b, p.266. grifo do autor.). Por essa razão, Gramsci anteviu uma seleção forçada da classe trabalhadora, na qual uma parte seria eliminada do mundo do trabalho. Parece-me que as mudanças ocorridas no final dos anos de 1990 e no início do século XXI, no mundo e no Brasil, podem ser entendidas da forma como Gramsci analisou: trata-se, na verdade, de um capitalismo de novo tipo, mas não menos brutal e não menos explorador da condição humana. E, nesse contexto, pensar o trabalho, de forma geral, e o trabalho docente, de forma específica, desvinculado da inserção do homem na produção da existência e na sua possibilidade de ser, pensar e agir no mundo reduziria nossa possibilidade de compreensão da história. Esta é uma lição importante de Gramsci: as categorias e conceitos são históricos, por isso variam de acordo com a situação concreta vivida e com as disputas políticas travadas no âmbito das lutas de classe. Por esta razão, não podemos analisar a sua contribuição, desvinculando-a de sua época, nem podemos nos utilizar de suas categorias sem inseri-las no nosso contexto político e econômico. Na realidade, na perspectiva gramsciana, filosofia (ou concepção de mundo) e política não se separam: “ao contrário, pode-se demonstrar que a escolha e a crítica de uma concepção de mundo são, também elas, fatos políticos” (GRAMSCI, 2004, p.97). Neste trabalho, compreender a formulação do projeto Veredas em suas múltiplas determinações só foi possível inserindo esse projeto no contexto mais amplo das contradições e direções dadas ao projeto de sociabilidade para o século XXI, no qual a formação de professores tem papel estratégico para a sua difusão. A preocupação expressa por Marx e Engels de definir o homem em sua historicidade, como ser constituído pelo e através do trabalho — aqui entendido não como “processo de auto-alienação do homem” (MARX; ENGELS, 2002, p.84)—, mas como uma atividade intelectual, criadora, decisória e dirigente na cultura urbano-industrial, encontrou no pensamento de Gramsci grande destaque para a dimensão intelectual8 do trabalho humano.
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As referências aos intelectuais, bem como às questões educacionais e à escola estão presentes no conjunto dos Cadernos. Mas será no Caderno 11 – Introdução ao Estudo da Filosofia, e no Caderno 12 – Os Intelectuais e o princípio educativo onde Gramsci irá aprofundar a sua concepção de intelectual e sobre a escola, sendo estes, portanto, as principais referências utilizadas neste texto.
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Ao longo dos seus cadernos, constatamos a defesa intransigente da filosofia da práxis9 como a verdadeira concepção científica da realidade social e o ponto de partida para a construção de uma nova ordem política. A filosofia da práxis seria a base filosófica para a construção da nova cultura10, pois, segundo o autor, todas as filosofias deixaram a massa à parte. O marxismo é, portanto, a primeira tentativa de elevação das massas na construção de uma nova intelectualidade. Nesse sentido, para Gramsci, a teoria marxista não é uma doutrina, mas um método de apreensão do real, um sistema de pensamento. Para o autor, a “filosofia da práxis” é uma teoria completa, que não se subordina a outra filosofia. Nas palavras do autor, “Se a filosofia da práxis é pensada apenas como subordinada a uma outra filosofia, é impossível conceber a nova dialética, na qual, precisamente, aquela superação se efetua e se expressa” (GRAMSCI, 2004, p.143), e ainda, “[...] a grande conquista da história do pensamento moderno, representada pela filosofia da práxis, é precisamente a historicização concreta da filosofia e sua identificação com a história” (GRAMSCI, 2004, p.144). Para mudar a concepção de mundo, não são suficientes as transformações econômicas, mas também a transformação da dimensão político-cultural, através da realização plena da existência humana. Na fase atual do capitalismo, as mudanças na formação humana, embora tenham como determinação fundamental as atuais mudanças no conteúdo e na forma do trabalho, têm ainda uma outra determinação tão importante quanto a primeira, que é a construção de uma nova sociabilidade para o capital. Para Gramsci, o objetivo da luta revolucionária seria criar condições para que se possa conquistar a direção ética, política e cultural da sociedade — hegemonia —, o que exigiria a elaboração de um homem de novo tipo, que tivesse uma nova relação com a sociedade e com o mundo. O grupo subalterno só pode se converter em hegemônico ao superar o plano econômico-corporativo, passando ao plano ético-político (catarse), “pondo todas as questões em torno das quais ferve a luta não no plano corporativo, mas num plano “universal”, criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental em uma série de grupos subordinados” (GRAMSCI, 2000, p. 41). A análise empreendida por Gramsci teve como centralidade as mudanças ocorridas na passagem do século XIX para o século XX, época em que não apenas o Estado se tornava 9
Gramsci refere-se ao materialismo histórico como “filosofia da práxis” que, para ele, é a única filosofia de massa. Ao superar, individualmente, o senso comum, o indivíduo aceita uma nova filosofia (GRAMSCI, 2004a, p.116). 10 Cultura, em Gramsci, refere-se à orientação para a prática, para a formação de normas de conduta.
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mais complexo, como se aprofundavam as transformações no modo de produção capitalista e nas relações de poder. A partir daí, explicou a forma encontrada pela burguesia para garantir a adesão dos grupos subalternos ao seu projeto de sociedade. Para manter a hegemonia, o Estado não recorreu somente à coerção, à força, mas também procurou obter consenso, a adesão espontânea. A hegemonia, assim, significou um equilíbrio de compromissos, nos quais a classe dominante fez concessões, não apenas econômicas, mas também ético-políticas. O sufrágio universal, a jornada de trabalho de oito horas, a livre associação dos trabalhadores em sindicatos e partidos políticos, entre outras concessões, contribuíram para a adesão espontânea ao projeto de sociabilidade burguesa:
O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será exercida, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica (GRAMSCI, 2000, p.48).
De fato, como Fontes (2006) ressaltou, o convencimento tornou-se uma tarefa permanente e fundamental, se consolidando em duas direções: dos aparelhos privados de hegemonia, ou seja, dos organismos da sociedade civil em direção à ocupação da aparelhagem estatal e também no sentido inverso, do Estado em direção ao fortalecimento e à consolidação da direção imposta pelos grupos dominantes. Nas palavras de Gramsci:
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Por enquanto, podem-se fixar dois grandes “planos” superestruturais11: o que pode ser chamado de “sociedade civil”, isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como “privados” e o da “sociedade política ou Estado”, planos que correspondem, respectivamente, à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”. Estas funções são precisamente organizativas e conectivas. Os intelectuais são os “prepostos” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político (GRAMSCI, 2001a, p.20-21)
Reside aqui a originalidade do pensamento gramsciano, conforme nos explicou Coutinho (1994, p.53): “A real originalidade de Gramsci, sua “ampliação” do conceito marxista de Estado, aparece, ao contrário, na definição do que ele entende por sociedade civil”. Com efeito, sociedade civil, para Gramsci, compreende tanto o conjunto das instituições que representam os interesses dos diferentes grupos sociais, como também é responsável por elaborar e difundir os valores simbólicos e as ideologias. Assim, a sociedade civil envolve todas as organizações da sociedade, os aparelhos privados de hegemonia: as escolas, as Igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, a mídia, etc. A sociedade civil é o espaço no qual as classes sociais disputam a hegemonia cultural e política sobre o conjunto da sociedade. Gramsci enfatizou que essa mesma organização da sociedade civil pode se transformar em meio de emancipação política dos grupos subalternos, já que é na sociedade civil onde ocorrem as disputas entre os diferentes projetos sociais. Se a supremacia de um grupo social se dá ou pela dominação ou pela direção moral e intelectual, é preciso que o grupo subalterno se torne também dirigente: “um grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente já antes de 11
Na formulação de Marx, a estrutura, a base econômica da sociedade, tem um papel determinante, porquanto a superestrutura jurídica e política (as formas do Estado e da consciência social) seriam condicionadas pela estrutura. No Prefácio da Contribuição para a crítica da Economia Política Marx (1974, p. 135-136), escreveu: “[...] na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social, político e espiritual”. Gramsci recolocou as relações entre estrutura e superestrutura ao ampliar o conceito de superestrutura; nesse sentido, atribuiu grande importância à superestrutura na análise do desenvolvimento capitalista nas sociedades ocidentais. Para o autor, estrutura e superestrutura formam um bloco histórico, “no qual, precisamente, as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, distinção entre forma e conteúdo puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais” (GRAMSCI, 2004, p. 238). Liguori (2003, p.178), reforçando essa percepção, enfatizou que embora Gramsci seja o maior estudioso marxista das superestruturas, nem por isso perde de vista o papel determinante da estrutura, ainda que no interior de uma concepção dialética da relação entre estrutura e superestrutura.
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conquistar o poder governamental (esta é uma das condições principais para a própria conquista do poder) [...]” (GRAMSCI, 2002a, p. 62). A sociedade política é, por outro lado, constituída pelos aparelhos coercitivos do Estado, através dos quais se dá a dominação e o comando das classes subalternas. Os aparelhos coercitivos do Estado — poder judiciário, o aparato militar e a força policial, entre outros — são responsáveis por manter, pela força, a ordem estabelecida. Na realidade, porém, Gramsci mostrou que não há oposição entre sociedade civil e Estado. O Estado stricto sensu e a sociedade civil constituem uma totalidade, um bloco histórico12, “sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção” (GRAMSCI, 2000, p. 244). Isto porque, para Gramsci, tanto o convencimento quanto a força são empregados alternadamente pela classe dominante em qualquer forma de Estado moderno. Segundo Coutinho (1994, p.57),
o fato de que um Estado seja menos coercitivo e mais consensual (ou que se imponha menos pela dominação e mais pela hegemonia) ou vice-versa, isso irá depender sobretudo do grau de autonomia relativa das esferas, bem como da predominância no Estado em questão dos aparelhos pertencentes a uma ou a outra. E essa predominância, por sua vez, depende não apenas do grau de socialização da política alcançado pela sociedade em tela, mas também da correlação de forças entre as classes que disputam a “supremacia”.
Concomitantemente, a sociedade civil, politizando-se a partir das mudanças qualitativas na estrutura e nas relações de poder observadas por Gramsci, “passa a se constituir também em locus de organização da vontade política” (NEVES & SANT’ANNA, 2006, p.23) e, através dos aparelhos privados de hegemonia civil, irão buscar a adesão aos seus projetos de sociabilidade, bem como passarão a exigir do Estado um alargamento dos direitos políticos, econômicos e sociais. Isso significa que a sociedade civil e a sociedade política estão em permanente relação e em permanente tensão, sendo a sua separação apenas didática.
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Sobre a concepção de bloco histórico, Gramsci diz: “[...] precisamente, as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, distinção entre forma e conteúdo puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais sem as forças materiais” (GRAMSCI, 2004, p.238).
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O Estado se ampliou nas sociedades ocidentais, complexificando tanto o aparelho jurídico e militar como também os aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil: “o Estado redefine, ainda, suas funções, acrescentando às tarefas de comando, governo e domínio a função de direção cultural e política das classes dominadas (hegemonia civil), por meio da adesão espontânea (consenso), passiva e indireta e/ou ativa e direta ao projeto de sociabilidade da classe dominante e dirigente” (NEVES & SANT’ANNA, 2005, p.25). Esse novo “Estado deve ser concebido como “educador”, na medida em que tende precisamente a criar um novo tipo ou nível de civilização”, diz Gramsci (2000, p.28), reorientando suas práticas para formar ética e tecnicamente o novo homem coletivo ao projeto de sociabilidade do capital. Desta forma, cabe ao Estado capitalista, através dos aparelhos privados de hegemonia13, garantir a educação para a “adaptação do homem individual e coletivo aos novos requerimentos do desenvolvimento do capitalismo monopolista. Na condição de educador, o Estado capitalista desenvolveu e desenvolve uma pedagogia da hegemonia, com ações concretas na aparelhagem estatal e na sociedade civil” (NEVES & SANT’ANNA, 2005, p. 26-27). Dito de outro modo, a obtenção do consenso em torno de uma nova sociabilidade se deu tanto através dos organismos da sociedade civil, que, historicamente, tornaram-se aparelhos privados de hegemonia da classe dirigente, quanto através de políticas sociais que vieram a garantir o papel educador do Estado capitalista. Isto porque, para Gramsci, a educação não se restringe às relações escolares; para ele, “esta relação existe em toda a sociedade no seu conjunto e em todo indivíduo com relação aos outros indivíduos, entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre governantes e governados, entre elites e seguidores, entre dirigentes e dirigidos, entre vanguardas e corpos de exército” (GRAMSCI, 2004, p.399). Nesta perspectiva, continua, “toda relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma ação pedagógica, que se verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em todo o campo internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais” (GRAMSCI, 2004, p.399). No final do século XX, o Estado capitalista redefiniu suas estratégias de obtenção do consenso, posto que as medidas neoliberais preconizadas pelo Consenso de Washington, no final dos anos de 1980, foram insuficientes para a retomada do crescimento econômico e a 13
Segundo Gramsci (2000, p.28), “Se todo Estado tende a criar e a manter um certo tipo de civilização e de cidadão (e, portanto, de conivência e de relações individuais), tende a fazer desaparecer certos costumes e a difundir outros, o direito será o instrumento para essa finalidade (ao lado da escola e de outras instituições) [...]”.
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redução das desigualdades sociais. As reformulações teóricas e ações político-ideológicas, realizadas a partir de então, foram as estratégias de legitimação social do capital para assegurar o consenso (coesão social) nas sociedades contemporâneas, caracterizando assim a nova pedagogia da hegemonia. Ao propor uma análise da formação humana para a nova cidadania e para a nova politização, de modo geral, e da sua expressão na formação de professores, de forma específica, compreendo ser necessário, portanto, partir do imediato, para posteriormente apreender suas múltiplas determinações, de forma a produzir conhecimento. A educação, de acordo com Gramsci, é uma estratégia fundamental no processo de formação do homem de novo tipo, tanto na perspectiva de manutenção quanto na perspectiva de superação do modo de produção capitalista; e a escola é um dos espaços nos quais se dá a luta pela hegemonia e pelo consenso. Mais ainda, é a escola a maior responsável, na sociedade atual, pela formação de pessoas capazes de exercer a função de intelectual, ou seja, de especialista ou dirigente. Visto desse modo, a formação do professor assumiu uma importância fundamental para a reforma intelectual e moral, razão pela qual a reforma educacional brasileira, orientada pelos organismos internacionais, não secundarizou o preparo dos docentes. Na mesma direção, o Estado de Minas Gerais realizou a sua reforma, seguindo, ou mesmo antecipando, a reforma nacional. A utilização de estratégias de EaD para a formação dos professores mineiros foi paulatinamente ampliada, até a proposição e realização do projeto Veredas — Formação Superior de Professores, entre os anos de 2002 e 2005. Paralelamente, a compreensão de que a discussão sobre a EaD é um processo historicamente construído me leva a fugir das armadilhas simplificadoras, que a priori poderiam emitir um juízo de valor. Sendo assim, é imperioso analisar, no âmbito do projeto Veredas, conteúdo e forma. Em outros termos, os cursos desenvolvidos através da EaD têm se pautado em teorias, concepções e metodologias que estão diretamente articuladas com os cursos presenciais. Portanto, cabe indagar se o problema estaria na modalidade em si ou na concepção, finalidades e princípios da proposta; mais ainda, cabe analisar de que maneira esse projeto contribuiu na difusão de novos conhecimentos e valores ligados ao novo modelo de sociabilidade. Estas observações iniciais serviram de base para apresentar, de forma sucinta, algumas questões que nortearam a presente tese de doutorado. A primeira questão diz respeito às
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mudanças na formação humana nas sociedades capitalistas, cuja finalidade é a construção de uma nova sociabilidade para o capital e também a formação técnica para o trabalho. O suposto consenso derivado da emergência de um novo paradigma pós-moderno, pós-fordista ou de uma nova sociedade da informação ou do conhecimento, a partir das transformações sociais deste início de milênio, imprimiram uma nova forma de pensar a formação de professores e a sua qualificação para o trabalho pedagógico. Essa nova forma de pensar está baseada na idéia de desenvolvimento de capacidades e habilidades, de caráter individual, que expressam as novas exigências tanto do mundo produtivo quanto de caráter ético-político. O impacto dessas mudanças tem relação direta com as reformas curriculares para a educação de forma geral e para a formação de professores de forma específica. A direção dada ao currículo expressou uma necessidade de atualizar a formação docente a partir da nova visão de mundo nos seus aspectos tanto técnicos quanto ético-políticos, com dois propósitos concomitantes. O primeiro, formar novos organizadores da cultura segundo as demandas técnicas e ético-políticas do capitalismo atual. O segundo, de preparar as novas gerações para pensar, sentir e agir de acordo com os novos valores, de forma geral e, de forma específica, preparar para a sobrevivência material e para a convivência social em tempos de superexploração do trabalho e dos apelos à participação. Não sem razão, os documentos dos organismos internacionais, como o Relatório Delors (1998, p.156), reconhecem a importância do professor para o sucesso das reformas: “nenhuma reforma da educação teve êxito contra ou sem os professores”. Concomitantemente à necessidade de formação de um profissional de novo tipo, a Educação a Distância foi amplamente incentivada pelos organismos internacionais, orientadores da reforma, para a implementação de programas de formação inicial e continuada de professores, também num quadro de suposto consenso sobre essa utilização em larga escala e em substituição aos processos de formação tradicionais, presenciais, escamoteando o papel da EaD como veículo de aceleração do processo de conformação da nova sociabilidade. Essas questões se imbricam e se materializam em vários programas e propostas de formação de professores. Nessa pesquisa, interessou o projeto Veredas – Formação Superior de Professores, na modalidade EaD da Secretaria de Estado de Minas Gerais, eleito como o campo de pesquisa empírica, que objetiva analisar o papel do Veredas na construção de uma nova sociabilidade do capital.
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Minha hipótese de trabalho é de que as atuais mudanças na formação humana têm como determinação fundamental a construção de uma nova sociabilidade. Esta sociabilidade tem componentes técnicos ligados às mudanças no conteúdo e na forma do trabalho no capitalismo contemporâneo, bem como aspectos ético-políticos ligados à constituição de uma nova cultura cívica (formação de um novo homem coletivo, de uma nova cidadania). O professor das séries iniciais do ensino fundamental desempenha um papel fundamental, tanto para a formação das futuras gerações para a nova sociabilidade, quanto para a preparação para o trabalho num ambiente de incertezas. Sendo assim, este trabalho teve como objetivos: - Analisar as políticas públicas para a formação de professores, procurando verificar sua relação com as reformas para a educação em sentido amplo e com as orientações para a construção da nova sociabilidade do capital, nas suas dimensões técnica e ético-política. - Investigar, na concepção político-pedagógica do Projeto Veredas, os aspectos técnicos e ético-políticos, tendo como foco identificar e analisar a sua relação com a nova sociabilidade nas seguintes dimensões: a) a concepção de formação e qualificação profissional para o trabalho pedagógico; b) os conteúdos curriculares mínimos propostos; c) a articulação entre teoria e prática pedagógica; d) as competências atribuídas ao professor das séries iniciais do ensino fundamental.
Os objetivos estabelecidos levaram-me a optar por um estudo teórico, de caráter descritivo-analítico, orientado pelos pressupostos do materialismo histórico. Compreender a concepção político-filosófica e pedagógica que embasou a proposta do projeto Veredas implicou buscar na literatura especializada os conceitos, princípios e pressupostos que o fundamentou. Para dar conta da tarefa, busquei procedimentos que permitissem a construção e a análise do objeto em estudo, realizando uma ampla pesquisa bibliográfica e revisão de literatura, bem como a análise documental, entendendo, com Lüdke e André (1986), que esta análise permite identificar fatos nos documentos a partir de questões ou hipóteses. Esta opção considera, em primeiro lugar, que documentos são todos os materiais escritos que possam ser utilizados como fonte de informação; em segundo lugar, que os documentos são uma fonte
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estável, rica, natural, não-reativa e poderosa, dos quais se podem retirar evidências que sustentam afirmações e declarações do pesquisador (LÜDKE & ANDRÉ, 1986, p.38). Além desse olhar para o imediato, para o mais próximo, foi necessário, como ensinou Marx, compreender o Veredas na sua totalidade. Por essa razão, tornou-se imprescindível entender os contextos mineiro, o nacional e o internacional, posto que a lógica que articula as políticas para a educação, de forma geral, e para a formação de professores, de forma específica, está consoante com o projeto ético-político, social, econômico e cultural hegemônico, ainda que conflitos e disputas ocorram permanentemente, dado o caráter contraditório da sociedade. A seleção, catalogação e leitura dos documentos levaram-me a organizá-los e classificá-los a partir de questões/proposições iniciais orientadoras da pesquisa, de acordo com os objetivos: 1. A formação de educadores e a construção da nova sociabilidade do capital: o novo capitalismo (mudanças qualitativas nas relações econômicas, nas relações de poder e nas relações sociais) exige uma nova forma de ser e de viver; qual o papel do intelectual e do professor na construção dessa nova sociabilidade? 2. A formação de educadores da educação fundamental no Brasil de hoje e as diretrizes ético-políticas dos organismos internacionais: qual o papel dos organismos internacionais na orientação das políticas públicas educacionais dos países periféricos? 3. Brasil e neoliberalismo da Terceira Via. A formação de professores em nível superior e a educação a distância: quais os impactos das reformas educacionais brasileiras dos anos de 1990? Qual o cenário da formação de professores do ensino fundamental? Qual o seu papel na construção da nova sociabilidade? 4. Minas Gerais e neoliberalismo da Terceira Via. A formação dos professores em Minas Gerais na atualidade: o projeto Veredas de Formação a Distância de Professores. Organizei os diferentes documentos14 em cinco grandes blocos, de acordo com os objetivos da tese e a definição dos capítulos: (i) documentos técnicos ou literatura especializada, que estão ligados ao referencial teórico no qual meu trabalho se fundamenta; (ii) documentos oficiais, tanto de caráter internacional, como os produzidos pelos organismos internacionais como o Banco Mundial e a UNESCO, quanto de caráter nacional, 14
Alguns documentos e livros utilizados no meu trabalho foram escritos em inglês, francês ou espanhol. A sua tradução para o português é de minha inteira responsabilidade.
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especialmente aqueles relacionados à reforma da educação de forma geral e da formação de professores, de forma específica; (iii) literatura produzida pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (SEEMG) para a implementação da reforma educacional dos anos de 1990, de forma geral, e para a formação de professores, de forma específica, bem como para o processo de implantação e desenvolvimento do projeto Veredas; (iv) literatura especializada que orientou a formulação do projeto Veredas, bem como os Guias de Estudo, Manuais e legislação específica do projeto Veredas e (v) trabalhos acadêmicos sobre o programa. Composto o quadro teórico, organizei a tese em seis capítulos. No primeiro, examino as mudanças na direção ética, política, social e econômica do novo capitalismo, verificando que, para a construção de uma nova sociabilidade do capital, o Estado (no sentido gramsciano) assumiu a sua função de “educador”, ao mesmo tempo em que se redefiniu o papel do intelectual na construção dessa nova sociabilidade. As mudanças na direção política do capitalismo a partir dos anos de 1990, assumindo uma face mais humanizada (mas não menos exploradora das relações humanas) tomaram forma com a difusão dos pressupostos políticos e ideológicos da Terceira Via. A educação ocupou um lugar ainda mais estratégico nesses anos, para formar os novos trabalhadores e também para disseminar a atual forma de ser, pensar e agir e formar os intelectuais necessários à nova sociabilidade. Com efeito, as mudanças qualitativas nas relações econômicas, nas relações de poder e nas relações sociais do mundo contemporâneo imprimiram um reordenamento na vida individual e coletiva, necessitando, portanto, de um novo padrão de politização e de cultura, para o que a educação é chamada a contribuir. Assim, foi necessário que o professor se tornasse um intelectual orgânico de novo tipo, com capacidade técnica e relativa autonomia, difusor dessa nova sociabilidade do capital. O segundo capítulo se articula com o primeiro, no sentido de mostrar que as diretrizes técnicas e ético-políticas da nova sociabilidade também foram assumidas pelos organismos internacionais, em especial o Banco Mundial e a UNESCO, que elegeram a educação como estratégia para o alívio da pobreza e para o desenvolvimento econômico. Ao escolherem a educação básica como prioridade — educação básica correspondendo, no sistema brasileiro de educação, às séries iniciais do ensino fundamental —, os organismos estabeleceram uma relação direta entre a qualidade da educação e a formação dos seus professores. Por essa razão, a formação dos professores para o ensino fundamental, em nível superior, mereceu destaque nos diferentes documentos, bem como a utilização da EaD como estratégia mais
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eficaz e menos onerosa para a formação desses professores. O exame dos documentos produzidos pelos organismos internacionais e também pelos seus intelectuais orgânicos foi essencial, dado que, a partir dessas orientações, a reforma educacional dos países periféricos, em especial a brasileira, se construiu e se consolidou. No terceiro capítulo, examinamos o Brasil e a nova sociabilidade do capital, situando a formação do professor das séries iniciais do ensino fundamental em nível superior no contexto das reformas iniciadas nos anos 1990. Mostramos que a consolidação do projeto de sociabilidade neoliberal da Terceira Via se processou no Brasil em três etapas, que correspondem às conjunturas de desenvolvimento do neoliberalismo no Brasil. Dessa forma, a direção da reforma iniciada no governo de Collor de Melo (1989-1991) se manteve e se consolidou nos governos posteriores, chegando até o governo de Lula da Silva (2003-2006; suposto 2007-2010). A reforma da educação, de forma geral, e da formação dos professores, de forma específica, seguiu na mesma direção e foi objeto de disputa de conceitos, idéias e ideais; de um lado, as orientações dos organismos internacionais e a aparelhagem estatal, subserviente a essas regras e, de outro, o movimento social organizado, através de suas entidades representativas. Entretanto, o que se depreende é que, embora as discussões tenham sido acaloradas, a reforma se concretizou nos marcos da nova pedagogia da hegemonia. Nesse capítulo examinamos também os documentos orientadores da reforma da formação de professores, que serão retomados posteriormente ao analisarmos o projeto Veredas. As políticas de Educação a Distância e Formação de Professores foram o objeto do quarto capítulo. Em franca expansão no Brasil, especialmente a partir da publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a EaD, associada às novas tecnologias da informação e da comunicação, foi apresentada pelos documentos oficiais internacionais e nacionais como a possibilidade de democratização do acesso ao ensino superior, bem como a melhor e mais eficaz resposta para a formação de professores do ensino fundamental. Sem desconsiderar as possibilidades de utilização dessa tecnologia de ensino, é importante compreender que, se nos países centrais as TIC trouxeram novas perspectivas aos processos educacionais, nos países periféricos, como é o caso do Brasil, foram reduzidas a estratégias de EaD para formação de professores em larga escala e em serviço e para o treinamento de trabalhadores. Ao mesmo tempo, essa expansão levou em conta os interesses do mercado da educação superior, também largamente incentivado. O Estado de Minas Gerais e a reforma educacional mineira são discutidos no quinto capítulo. A partir de 1991, Minas Gerais, assumindo o discurso modernizador, adotou um
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novo modelo de gestão da escola, estabelecendo medidas que visavam, de um lado, a integração dos sistemas estaduais e municipais com o objetivo de racionalizar a cobertura das redes e, de outro, a autonomia das escolas para, junto com suas comunidades, resolver problemas cotidianos. A reforma mineira se antecipava, nesse sentido, às reformas que seriam implementadas nacionalmente. Tanto é assim que o Banco Mundial financiou o projeto de “Melhoria da Qualidade da Educação Básica em Minas Gerais, Pró-Qualidade”, já que foi o primeiro Estado brasileiro a implantar a autonomia e a responsabilidade (accountability) na reforma escolar. A formação dos professores, tanto para favorecer a proposta mineira de reestruturação educacional quanto para assumir os novos valores éticos, políticos e culturais da reforma teve uma atenção especial dos governos de Minas a partir dessa época. No âmbito do Pró-Qualidade foram dados os primeiros passos para a utilização da EaD para essa formação, inicialmente em programas de treinamento e aperfeiçoamento. Com o governo de Itamar Franco (1999-2002) teve início o projeto Veredas, para formar, em nível superior, cerca de 15000 professores mineiros. O governo Aécio Neves (2003-2006; suposto 20072010) deu continuidade ao Veredas, ao mesmo tempo em que tomou outras medidas, dentre elas o “Choque de Gestão”, que consolidaram a reforma educacional mineira. O sexto capítulo foi destinado ao exame mais detalhado da proposta políticopedagógica e curricular do projeto Veredas. Compreendido como uma política pública inserida no bojo da reforma educacional mineira, incorporou as orientações modernizadoras para a formação de professores — em serviço e a distância — quanto a dimensão ética, política e moral necessária à formação do intelectual orgânico de novo tipo para a nova sociabilidade. Nesse sentido, o projeto Veredas teve como referências os ideais, concepções e idéias que orientaram a reforma educacional brasileira. Apoiado na pedagogia das competências (RAMOS, 2001), a proposta assumiu os pilares da educação (DELORS, 1998), numa perspectiva centrada no fazer e na ação cotidiana, privilegiando a preparação técnica para o exercício da docência. Dessa forma, a concepção de currículo por competência herdou a importância dada à definição precisa dos objetivos (comportamentos esperados e produtos a serem mantidos), estabelecendo uma estreita relação entre currículo e avaliação dos comportamentos. A reforma educacional dos anos de 90, ao direcionar o currículo para o desenvolvimento de competências, materializou a reforma intelectual e moral necessária à nova sociabilidade. Subjazem a esta orientação que o desempenho do profissional possa ser desdobrado em várias competências (habilidades, atitudes, valores), que haja consenso em
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relação ao que constitui essas competências e que a organização do currículo a partir dessas habilidades15 acabe resultando, ao final, no profissional competente16. Tomando a análise de Bernstein (2003) para compreender essa idéia, o currículo por competências não significou apenas procedimentos pedagógicos de aquisição de conhecimentos, antes se estrutura sobre um novo conceito de “trabalho” e de “vida”, por ele denominados “modos genéricos”.
Em outros termos, considerando a mudança, o
desaparecimento ou a substituição das formas habituais de trabalho, a perda das expectativas de um futuro estável, tornou-se necessário o desenvolvimento de uma nova habilidade para o enfrentamento das novas exigências. Assim, as reformas pedagógicas se baseiam na aquisição de modos genéricos, não se limitando a desempenhos específicos e se estruturam num conceito de “capacitação”: “Tal capacitação acentua “algo” que o ator deve possuir para que possa ser formado e reformado da maneira mais apropriada, de acordo com as contingências tecnológicas, organizacionais e de mercado” (BERNSTEIN, 2003, p.100). Sendo crucial para a sobrevivência pessoal e da sociedade, o que se requer é a habilidade de ser ensinado e de responder ao futuro de forma eficiente, construindo uma identidade especializada para a qual não é suficiente a “habilidade de responder a programas de reciclagem concomitantes e subseqüentes” (BERNSTEIN, 2003, p.100). Nesse capítulo, retomamos os documentos orientadores da reforma da formação de professores e buscamos os teóricos que analisam currículo no Brasil, para compreender a afiliação teórica do Veredas.
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Na perspectiva da análise do discurso, tal como o compreende Fairclough (2001), trata-se do discurso educacional “comodificado”, ou seja, uma dimensão discursiva de uma tentativa de reestruturação das práticas de educação sobre um modelo de mercado que pode ter efeitos claros sobre a elaboração e o ensino de cursos, o esforço e o dinheiro investido, entre outros. Ao ser dominado por um vocabulário de habilidades e palavras associadas como competência permite que duas construções contraditórias possam coexistir, dado que se ajusta tanto a uma visão individualista e subjetiva da aprendizagem quanto a uma visão objetiva de treinamento. 16 Cabe aqui observar, tal como fez Chauí (2003), que não estamos fazendo a apologia da incompetência; trata-se de compreender que o discurso da competência, ao tornar-se um “discurso neutro da cientificidade ou do conhecimento” [...] “tem o papel de dissimular sobre a capa da cientificidade a existência real da dominação” (CHAUÍ, 2003, p. 10-11). Nesta direção, alerta-nos a autora, ao não nos submetermos à nova linguagem do especialista detentor do conhecimento corremos o risco de ver-nos, a nós mesmos, como incompetentes, anormais, a-sociais.
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1. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A CONSTRUÇÃO DA NOVA SOCIABILIDADE
O significado e a função social da profissão docente variaram de acordo com o desenvolvimento e com as transformações sociais, políticas, econômicas e culturais das sociedades modernas. Com efeito, compreender as políticas de formação de professores para as séries iniciais do Brasil de hoje supõe a percepção de como essas políticas se inserem no conjunto das mudanças no mundo do trabalho, nas relações de poder e nas relações sociais. Neste capítulo, analisaremos, inicialmente, o processo de redefinição das estratégias de legitimação social do Estado brasileiro, ocorrido em meados dos anos de 1990, fundamentado no programa político-econômico da Terceira Via. A concepção hegemônica — o neoliberalismo da Terceira Via —, embora distinga o Estado (poder político e seu aparato coercitivo) da “sociedade civil” (espaço não estatal, que abrange uma gama variada de instituições como sindicatos, “comunidades”, associações de voluntariado, igreja, etc.) e do mercado17, definiu como uma das funções da aparelhagem estatal a educação escolar e política da população para garantir a “coesão social”.
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Segundo Wood (2003), essa divisão entre o Estado e a sociedade também foi responsável pela separação entre a apropriação privada e as responsabilidades públicas que se realizou no capitalismo, que representa tanto a culminância de um longo desenvolvimento quanto um rompimento qualitativo: “Ele [o capitalismo] não se caracteriza apenas por uma transformação do poder social, uma nova divisão de trabalho entre o Estado e a propriedade privada ou classe, mas também marca a criação de uma forma nova de coerção, o mercado — o mercado não apenas como uma esfera de oportunidade, liberdade e escolha, mas como compulsão, necessidade, disciplina social capaz de submeter todas as atividades e relações humanas às suas exigências” (ibid., p. 216).
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A educação, assim, foi reconhecida como uma importante estratégia para formar diferentes intelectuais que vão aprofundar as relações humanas a partir dos pressupostos da nova sociabilidade e a partir da tese do individualismo reformado:
[...] a principal força do desenvolvimento de capital humano obviamente deve ser a educação. É o principal investimento público que deve estimular a eficiência econômica e a coesão cívica [...]. A educação precisa ser redefinida de forma a se concentrar nas capacidades que os indivíduos poderão desenvolver ao longo da vida (GIDDENS, 2001b, p. 78).
Com tal proposição, a Terceira Via retomou os pressupostos da Teoria do Capital Humano18, em voga nos anos de 1960 e 1970, agora com nova roupagem. Ao mesmo tempo, como destacaram Lima & Martins (2005), trouxe a noção de “capital social”, difundida por intelectuais estadunidenses (como Francis Fukuyama, James S. Colleman, Robert Putnam). Empregada nos documentos de organismos internacionais, como a ONU e o Banco Mundial, designa a capacidade de articulação dos grupos de pessoas ou de toda uma comunidade na busca de soluções para seus problemas mais imediatos; ou seja, a noção de capital social é utilizada na perspectiva de orientar as políticas sociais focalizadas, ao lado das noções de “pobreza” e de “desenvolvimento social sustentado” (LIMA & MARTINS, 2005, p.62-63). Nessa direção, a cultura assume um papel central, conforme sinaliza Kliksberg (2002), pois diz respeito a todas as dimensões do capital social de uma sociedade. A cultura “fica subjacente aos componentes básicos considerados capital social, tais como a confiança, o 18
Os anos de 1990 vão recuperar, em parte, os estudos que procuravam demonstrar a relação entre escolaridade e renda, sintetizados por Theodore Schultz na Teoria do Capital Humano, em voga nos anos 60 e 70, especialmente no que se refere à percepção da educação como fator primordial para o desenvolvimento das sociedades e das nações. De acordo com Schultz (1973), ao se instruírem, as pessoas atribuem mais valor às suas capacidades, quer como produtores, quer como consumidores, de tal modo que o gasto que as pessoas fazem com a sua educação constitui um custo-investimento. Com isso, o valor econômico da educação depende tanto da procura quanto da oferta de instrução, e o valor deste investimento pode ser medido analisando-se não só as despesas diretas com a instrução como os salários não recebidos pelo estudante durante os anos de escolarização, comparando-se então aos ganhos advindos do acréscimo de instrução. Nesta perspectiva, Schultz (1973, p.19) afirma que as escolas podem ser consideradas “empresas especializadas em produzir instrução. A instituição educacional congrega todas as escolas, pode ser encarada como uma indústria”. Ainda que o autor reconheça que as instituições educacionais não possuam todas as características econômicas da indústria convencional, os defensores da Teoria do Capital Humano partem da idéia de que desenvolvimento econômico e educação estão intimamente associados, e que a educação é fator estratégico para o progresso. Assim, os recursos aplicados na educação são um investimento e, por isso, deve-se observar se eles, de fato, estão sendo aplicados de forma a garantir o desenvolvimento sócio-econômico pretendido. Esta concepção, portanto, considera que a instrução – definida por Schultz (1973) como aquela decorrente da educação escolar – deve ser um atributo que garanta a elevação da produtividade e os salários futuros (Oliveira, D. M., 2002).
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comportamento cívico, o grau de associativismo” (KLIKSBERG, 2002, p. 27). É por essa razão que, para a difusão da nova pedagogia da hegemonia, tornou-se necessária a criação de um sistema educativo tanto nos meios de comunicação de massa quanto em outros meios de formação de valores; segundo o mesmo intelectual, tais valores “podem estimular ou obstruir a formação de capital social que, por sua vez, tem efeitos de primeira ordem sobre o desenvolvimento” (KLIKSBERG, 2002, p.27). Do ponto de vista gramsciano, criar uma nova cultura — um modo de viver que se produz e se reproduz por meio de um projeto de transformação — é uma das tarefas mais importantes para desenvolver uma nova sociedade. Se a cultura se forma a partir das relações sociais gerais e de produção, conduzida por uma determinada direção moral, intelectual e política (hegemonia) de uma classe sobre o conjunto da sociedade, torna-se fundamental a existência de intelectuais19 de diferentes níveis para auxiliar na construção e aperfeiçoamento da hegemonia burguesa ou contestação e construção de uma contra-hegemonia. Nesta perspectiva alargada, a educação assume um papel ético-político especial, uma vez que, ao se pretender conduzir a massa a uma “concepção de vida superior” (GRAMSCI, 2004a, p.103), torna-se imprescindível o contato entre os intelectuais e os “simples”, de forma a “forjar um bloco intelectual-moral” (GRAMSCI, 2004a, p.103) que torne possível o avanço de um novo projeto de sociedade. Com efeito, a escola ocupa, cada vez mais, um lugar privilegiado enquanto estratégia de difusão dos conteúdos, valores e habilidades necessários à obtenção de consenso e à formação dos intelectuais necessários para o desenvolvimento da nova sociabilidade do capital e para a ocupação dos postos de trabalho, conforme veremos na segunda e terceira parte deste capítulo.
1.1. O novo capitalismo e o Estado Educador
A expansão do Estado de Bem-Estar Social no pós-guerra, que Hobsbawm (1995) denominou a “Era de Ouro” do capital, trouxe transformações excepcionais na vida dos operários nos países desenvolvidos. Ao assegurar benefícios sociais, a generalização das 19 “Por intelectuais deve-se entender não só aquelas camadas comumente compreendidas nesta denominação, mas, em geral, todo o estrato social que exerce funções organizativas em sentido lato, seja no campo da produção, seja no da cultura e no político-administrativo: correspondem aos suboficiais e oficiais subalternos do exército e também, em parte, aos oficiais superiores de origem subalterna.” (GRAMSCI, 2002a, p. 93).
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convenções coletivas de trabalho, a organização dos sistemas de previdência, o sufrágio universal, entre outras medidas que ampliaram a participação política e reduziram a pobreza contribuíram não apenas para garantir a conformação ético-política da sociedade, como para conter as aspirações de transformação social:
Em suma, o pleno emprego e uma sociedade de consumo orientados para um verdadeiro mercado de massa colocavam a maior parte da classe operária nos velhos países desenvolvidos, pelo menos durante parte de suas vidas, bem acima do patamar abaixo do qual seus pais, ou eles próprios, tinham vivido outrora, quando se gastava a renda, sobretudo com necessidades básicas (HOBSBAWM, 1995, p.301).
De fato, a complexidade do capitalismo industrial, como Gramsci percebeu, envolveu dialeticamente estrutura e superestrutura, ou seja, a cultura, os valores éticos e morais, e não apenas a produção de riqueza. Como sintetizou André S. Martins (2007, p.7), estas “foram as formas adotadas para mostrar que o mundo capitalista estava no “rumo certo”, e que, portanto, as regras de convivência burguesa deveriam ser tomadas como padrão”. A conversão do trabalho em mercadoria, alienado e fetichizado, convertido em meio e não mais como primeira necessidade de realização humana, tornou-se ainda um fenômeno mais complexo nos novos tempos do capitalismo. Gramsci analisou que a organização do sistema produtivo se espraiava tanto pelo âmbito econômico quanto ético, político e cultural. Por essa razão, era necessário elaborar um novo tipo de homem, um homem coletivo, com as qualidades necessárias para a obtenção do consenso à nova ordem — tarefa levada a cabo pelo Estado educador fordista. Da mesma forma, o estágio atual do capitalismo exige uma reestruturação em todas as esferas da vida, requerendo um novo padrão de sociabilidade. A crise do Estado de Bem-Estar e do modelo fordista de acumulação e regulação social nos anos 70/90 contribuíram para o retorno das concepções do liberalismo, propugnando a liberdade de mercado e a crítica às políticas igualitárias. O chamado neoliberalismo veio, no final do século XX, sustentar um imaginário social que procura justificar, legitimar e dissimular as formas contemporâneas de exploração e dominação, características do capitalismo no seu estágio atual (CHAUÍ, 1999). Isso significa que, para a manutenção da hegemonia, foi preciso adaptar o conjunto da sociedade a uma determinada forma de cultura, de civilização, de valores, uma das razões pela qual o Estado capitalista
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tanto em nível mundial quanto no Brasil redefiniu suas práticas e suas diretrizes educativas para formar o novo homem coletivo. Perry Anderson (1995), ao fazer um histórico do neoliberalismo, demonstrou que este foi uma reação, tanto teórica quanto política, contra o Estado de Bem-Estar Social e ao seu caráter intervencionista. O autor afirma que Hayek, principal formulador do projeto neoliberal, localizava as raízes da crise do capitalismo no poder excessivo dos sindicatos, que haviam consumido as bases de acumulação capitalista a partir de suas reivindicações salariais e sua pressão para que o Estado aumentasse os gastos sociais. A solução estava, portanto, na capacidade de se manter um Estado forte, disposto tanto a romper o poder dos sindicatos e a controlar o dinheiro, quanto a diminuir os gastos sociais e as intervenções econômicas (ANDERSON, 1995, p. 9-11). Os governos neoliberais reformularam as funções do Estado, cuja ação ficou restrita à fiscalização da economia, à promoção do livre mercado e à livre concorrência. Várias reformas foram empreendidas visando garantir o novo modelo, com graus diferenciados de aprofundamento, acarretando a diminuição da proteção social, a flexibilização e a precarização dos contratos de trabalho, num quadro de desemprego estrutural. Segundo Martins (2007), essas mudanças articularam-se com a valorização dos mercados, de forma a atender a quatro objetivos:
(i) o princípio geral da ortodoxia orçamentária para desonerar progressivamente os cofres e os orçamentos públicos, visando restaurar a capacidade dos aparelhos de Estado em honrar as dívidas contraídas; (ii) o incentivo para ampliação e/ou criação de mercado de serviços abertos às empresas estrangeiras; (iii) a criação dos fundos de pensão dos trabalhadores que passariam a operar no mundo das finanças, ampliando a liquidez do mercado financeiro internacional; (iv) o enfraquecimento político dos trabalhadores organizados pelo combate direto e aberto aos sindicatos 20 (MARTINS, A. S., 2007, p.54).
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É bom lembrar que, não obstante o combate direto aos sindicatos, ocorreu também, como Figueiredo (2006) observou, o transformismo, no sentido gramsciano, como forma de revolução passiva, como cooptação pelo bloco no poder de frações dos movimentos organizados e sindicais. Pode ocorrer “molecularmente” quando personalidades políticas elaboradas pelos partidos democráticos de oposição se incorporam individualmente à “classe política” conservadora ou quando grupos inteiros migram para esse campo (GRAMSCI, 2000, p 201; 2002a, p 63; 93; 286; 287).
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A difusão da ideologia neoliberal nos diferentes países não se deu, conforme já assinalado, de maneira uniforme e, como é importante frisar, sem resistências. Entretanto, do ponto de vista do desenvolvimento de uma nova cultura, uma nova forma de ser, pensar e agir foram disseminados; Bourdieu & Wacquant (2000) afirmaram tratar-se da “difusão da nova vulgata planetária — na qual os termos capitalismo, classes, exploração, dominação e desigualdade são excluídos por sua ausência, sendo destituídos peremptoriamente sob o pretexto de serem obsoletos e não pertinentes”, resultado de um novo tipo de imperialismo. Assim, sempre associado à idéia de modernidade, o conceito de direitos sociais, na chamada pós-modernidade, foi ressignificado na noção de prestação de serviços sociais, que não são necessariamente responsabilidade do Estado, já que, segundo a lógica neoliberal, as políticas sociais do Estado de Bem-Estar Social foram responsáveis pela derrocada da estrutura financeira e administrativa estatal. Em substituição, o Estado neoliberal implementou as diretrizes de focalização, fragmentação e flexibilização das ações sociais, especialmente reguladas pelo mercado. Por outro lado, valores como a competitividade, o individualismo, o empreendedorismo, entre outros, substituíram aqueles que embasaram as formas coletivas de reivindicação e de representação dos interesses dos trabalhadores. As diretrizes neoliberais difundiram-se nos países periféricos a partir de 1989, através do que se chamou Consenso de Washington. O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) foram os principais aparelhos privados de hegemonia do capital a apresentarem as propostas de ajustes estruturais que reafirmavam o neoliberalismo enquanto referência política bem como organizavam as práticas econômicas e culturais na mesma direção, visando a:
[...] 1. Disciplina fiscal; 2. Priorização dos gastos públicos; 3. Reforma tributária; 4. Liberalização financeira; 5. Regime cambial; 6. Liberalização comercial; 7. Investimento direto estrangeiro; 8. Privatização; 9. Desregulação; 10. Propriedade intelectual (BATISTA, 2001, p.33).
Não obstante todas as medidas, Anderson (1995, p.15) mostrou que as experiências neoliberalizantes nos países centrais evidenciaram a sua hegemonia principalmente enquanto ideologia. Isso porque, no conjunto, embora tenham alcançado avanços (do ponto de vista neoliberal) em muitos aspectos — controle da inflação dos anos de 1970; recuperação dos lucros devido a deflação; derrota do movimento sindical; crescimento das taxas de
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desemprego, mecanismo natural e necessário a qualquer economia de mercado; ampliação do grau de desigualdade salarial, outro objetivo importante para o neoliberalismo, segundo o autor —, não conseguiram restaurar as altas taxas de crescimento que existiam no mundo capitalista antes da crise dos anos 7021. Por essa razão, nos anos de 1990, os países centrais reviram o modelo neoliberal, redefinindo, de um lado, aspectos da política econômica e, de outro, criando estratégias para a edificação de um novo pacto social. Longe de ser um resgate do Estado de Bem-Estar Social, o novo modelo significou uma adaptação ao mundo pós Guerra Fria, dado o crescimento e a complexificação da sociedade. André S. Martins (2007) destacou dois aspectos relevantes, contrários à ortodoxia neoliberal, impulsionados nesta definição: o primeiro, diz respeito à organização da sociedade civil e a sua relação com o aparelho de Estado que, ao invés de ser reprimida, foi reconhecida como articuladora da nova sociabilidade; o segundo, foi a reorientação das políticas sociais a partir da reforma de Estado, incluindo-se a reeducação política da sociedade tanto para viverem com novos parâmetros de proteção social e com novo estilo de vida, quanto para consolidar o capitalismo “humanizado” proposto a partir de então. Esse movimento revisionista ocorreu em vários países europeus e nos Estados Unidos e também em países periféricos, como o Brasil (a partir de 1995, com o governo de Fernando Henrique Cardoso). As mudanças que deram maior visibilidade ao programa da Terceira Via aconteceram nos EUA, com a eleição de Bill Clinton em 1992 e no quadro político inglês, com o Novo Trabalhismo, que criou as condições necessárias para a eleição de Tony Blair em 1997. Participação, diálogo e parcerias entre governo e sociedade civil, especialmente com as Organizações Não Governamentais (ONG) tornaram-se referência para as ações do Banco Mundial na promoção do desenvolvimento econômico e social, sistematizados no projeto da Terceira Via. A partir da “tese da sociedade sem antagonismos e [d]o modelo “alternativo” de Estado e desenvolvimento” construiu-se o novo consenso em torno do projeto capitalista (MARTINS, A. S., 2007, p.64). No que diz respeito às políticas sociais, o Banco Mundial passou a enfatizar a educação não apenas como estratégia de alívio da pobreza, mas como fator essencial para a formação do novo “capital humano” adequado ao novo padrão de acumulação. O caráter 21
Ainda que se possa registrar um crescimento pequenos ciclos, bolhas de crescimentos: nos últimos cinco anos houve crescimento sistemático na China, Índia e, parcialmente, na Rússia.
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instrumental dessas medidas não apenas estava subordinado à necessidade de se evitar as tensões sociais causadas pelas reformas econômicas em curso, como estavam lado a lado com as propostas de flexibilização do mercado de trabalho, de privatização da previdência social e do ajuste econômico (SOARES, 1998). Dessa maneira, com as mudanças dos anos de 1990, o novo bloco histórico buscou a humanização do capitalismo, apontando para uma nova redefinição no projeto de sociabilidade capitalista, cujo resultado pode ser visto no programa denominado Terceira Via (também denominada centro radical, centro-esquerda, nova esquerda, nova social-democracia, social-democracia modernizadora ou governança progressista). As teses da Terceira Via22 foram sistematizadas pelo sociólogo britânico Anthony Giddens23, um dos principais articuladores políticos do novo trabalhismo inglês e também da Cúpula (Mundial) da Governança Progressiva24. Ao mesmo tempo em que criticou o neoliberalismo, a Terceira Via reconheceu a pertinência de seus pressupostos, necessários à modernização do Estado, uma vez que políticas como o welfare state, propostas pela “velha esquerda” — a social-democracia clássica—, geraram mais problemas do que foi capaz de resolver. Segundo Giddens (2001a), a gravidade do neoliberalismo estaria no abandono das medidas de caráter social, afetando, portanto, a “coesão social”. As críticas também são dirigidas ao socialismo. O fim do regime soviético significou a morte do socialismo que, entre outras observações, teria uma concepção instrumental da história e da natureza e uma concepção redutora de democracia. Assim, dada a “inviabilidade histórica” do socialismo e as inadequações do neoliberalismo e da socialdemocracia clássica, foi necessário criar uma nova plataforma política, econômica e social, ou
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Na percepção do planejador e coordenador da Reforma de Estado do governo Fernando Henrique Cardoso, Bresser Pereira (2000, p.2), “a novidade de Blair e da Terceira Via estava no fato de que, pela primeira vez, políticos e intelectuais de esquerda desenvolviam de forma sistemática uma justificação ideológica e um programa coerente para a nova esquerda. [...] Blair chamou um conjunto de notáveis intelectuais, entre os quais o mais importante foi Tony Giddens, para definir os novos valores e as novas propostas”. Para Bourdieu & Wacquant (2000), entretanto, Anthony Giddens seria o exemplo planetário do que chamaram “consultor de comunicação do príncipe”, um intelectual, “desertor do mundo acadêmico, que, estando a serviço do imperialismo da razão neoliberal, tem a missão de dar um verniz acadêmico aos projetos políticos do novo estado e dos nobres negócios”. 23 Anthony Giddens é diretor da London School of Economics e professor da Universidade de Cambridge. É considerado um dos principais teóricos do Novo Trabalhismo britânico e autor ou editor de mais de trinta livros, entre eles Para além da esquerda e da direita e A Terceira Via, que influenciaram o debate sobre o futuro da social-democracia em muitos países. Agraciado com muitos títulos honoríficos e condecorações em vários países, recebeu também a Ordem do Cruzeiro do Sul, no Brasil. 24 A Cúpula da Governança Progressiva reúne governantes de diversos países e vêm se reunindo desde 1999. Contou com a presença do presidente Fernando Henrique Cardoso até 2002 e, posteriormente, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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seja, uma nova ideologia, uma nova sociabilidade, na qual a educação torna-se imprescindível como estratégia política para a obtenção do consenso em torno dessa nova ordem. O programa político da Terceira Via se estendeu por todas as áreas e abrange os principais temas em debate na sociedade. Ao partir do pressuposto da morte do socialismo e da defesa do capitalismo como sistema social, assumiu o “mercado” como “lei natural, universal e inevitável” (WOOD, 2003). Dessa forma, as classes sociais e as contradições de classe teriam desaparecido, em favor de uma política sem antagonistas — o “Estado sem inimigos” —, numa suposta possibilidade de harmonia social e de reforma do capitalismo. Essa “fatal inalterabilidade” do atual estágio de desenvolvimento do capital, como ressaltou Mészáros (2002), expressa o consenso ao qual todos devemos nos resignar, onde não existem ou mesmo não importam as classes e as contradições de classe. Lima & Martins (2005) enumeram três noções fundamentais para a Terceira Via. Trata-se, em primeiro lugar, de se romper com a tradição conservadora e fazer surgir uma tradição reflexiva inspirada num modelo dialógico e reflexivo. Em segundo lugar, está a compreensão do fenômeno da “globalização intensificadora”, cujos efeitos no plano cultural, intensificados pela comunicação global instantânea e pelo transporte de massa, favoreceram mudanças no estilo de vida, nos hábitos e nos costumes tanto das pessoas individualmente quanto de comunidades inteiras, que assumiram valores universais. E, em terceiro lugar, a noção de “reflexividade social”, que, para Giddens, “se refere ao uso de informações sobre as condições de atividade como um meio de reordenar e redefinir singularmente o que essa atividade é. Ela diz respeito a um universo de ação onde os observadores sociais são eles mesmos socialmente observados; e, hoje em dia, ela é verdadeiramente global em sua abrangência” (GIDDENS, 1996, apud LIMA & MARTINS, 2005, p.50). Segundo Giddens (2001a), os dilemas básicos da contemporaneidade que precisam ser respondidos pelos programas políticos a partir das mudanças das últimas décadas são cinco: a globalização, o individualismo, a esquerda e a direita, a direção da ação política, e os problemas ecológicos. Para responder a estas questões, Giddens vai articulá-las numa proposta política para a Terceira Via, que tem como objetivo geral “ajudar os cidadãos a abrir seu caminho através das mais importantes revoluções de nosso tempo: globalização, transformações na vida pessoal e nosso relacionamento com a natureza” (Giddens, 2001a, p.74. grifos do autor).
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A globalização econômica “pura e simples”, conforme nos explica o autor, pode, de fato, ter efeitos destrutivos, mas a política da Terceira Via não apenas adota uma atitude positiva em relação a ela como contesta “o protecionismo econômico e cultural, o território da extrema esquerda, que vê a globalização como uma ameaça à integridade nacional e aos valores tradicionais” (GIDDENS, 2001a, p.74). Os processos de globalização estão intimamente relacionados à revolução das comunicações e à expansão das tecnologias da informação, o que interfere não apenas nos mercados financeiros, mas até mesmo nos padrões cotidianos da vida em todas as partes do mundo. Embora atento ao fato de que as TIC representem uma mudança nos processos de trabalho, significando uma nova organização tanto da produção como da atividade econômica, Giddens observa que na “economia do conhecimento” são criadas novas formas de incertezas que são “intrínsecas ao sucesso da economia” (GIDDENS, 2001a, p.72). Assim, “à medida que crescem as incertezas, também aumentam as oportunidades para a inovação e o lucro, especialmente em áreas tecnologicamente rápidas na indústria” (GIDDENS, 2001a, p. 73). Supondo que não se pode ter tudo, Giddens reconhece que “os trabalhadores não estão isentos deste processo. As recompensas podem ser consideráveis em empresas de alta tecnologia, mas como o ritmo da mudança tecnológica é muito rápido, é mais provável que não haja segurança nos empregos” (GIDDENS, 2001a, p. 73). Nesta direção, o incentivo ao “empreendedorismo” e a “responsabilidade social”, além do estímulo aos “empresários sociais” tornaram-se fundamentais para garantir a coesão social. Parece que a Terceira Via se aproxima, desse modo, dos teóricos da “sociedade da informação”25 — que Giddens se refere como ‘economia do conhecimento’—, para os quais a categoria trabalho perde a centralidade dado o desenvolvimento das novas tecnologias da informação e da comunicação e com a automação flexível. Isso porque, de acordo com esse ponto de vista, a classe trabalhadora tradicional desapareceu em grande parte e as comunidades de classe trabalhadora tiveram o seu caráter alterado (GIDDENS, 2001a, p.113). O que essa ideologia não revela é que a mudança qualitativa do trabalho tem duas dimensões importantes: a primeira, a necessidade real de maior qualificação e escolaridade para desempenhar o trabalho complexo; a segunda, a exploração ao limite das forças de trabalho (ANTUNES, 2001).
25 Segundo Armand Mattelart (2002, p.9), “foi sob a sombra da tese dos fins, começando com a do fim da ideologia, que foi incubada, ao longo da Guerra Fria, a idéia da sociedade da informação como alternativa aos dois sistemas antagônicos. [...] Os neologismos lançados na época para designar a nova sociedade só mostrarão seu verdadeiro sentido geopolítico às vésperas do terceiro milênio com o que se convencionou chamar de “revolução da informação” e com a emergência da Internet como nova rede de acesso público”.
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A globalização também afeta as fronteiras dos Estados-nações, criando novas regiões econômicas e culturais. De todo modo, “[...] tomada como um todo, a globalização está transformando as instituições das sociedades em que vivemos. É com certeza diretamente relevante para a ascensão do ‘novo individualismo’ que figurou com tanto destaque em debates democráticos” (GIDDENS, 2001a, p. 43). Assim, Giddens apresenta o individualismo como “valor moral radical”. O novo individualismo não é o individualismo de mercado, mas trata-se de um fenômeno ligado à transição moral que marca a libertação das pessoas de algumas “fixidades do passado”:
Temos de moldar nossas vidas de uma maneira mais ativa do que o fizeram gerações anteriores, e precisamos aceitar mais ativamente responsabilidades pelas conseqüências do que fazemos e dos hábitos e estilo de vida que adotamos (GIDDENS, 2001a, p. 47).
Dessa forma, cabe ao indivíduo responsabilizar-se por todos os âmbitos da vida — planejar-se, compreender-se, projetar-se a si mesmo como indivíduos26 — inclusive pela sua capacidade de empregar-se e pela sua educação, embora Giddens continue afirmando que sua definição não corresponde ao individualismo de mercado do neoliberalismo. O novo individualismo é fundamental para se estabelecer uma nova relação sujeitocomunidade, abandonando-se o “coletivismo” e redefinindo-se os direitos e obrigações. O mote não há direitos sem responsabilidades (GIDDENS, 2001a, 2001b) precisa tornar-se o novo principio ético que deve reger as relações entre o governo e o indivíduo, dado que
Com o individualismo em expansão deveria vir uma extensão das obrigações individuais. Auxílios-desemprego, por exemplo, deveriam acarretar a obrigação de procurar trabalho ativamente, e cabe aos governos assegurar que os sistemas de bem-estar social não desencorajem a procura ativa (GIDDENS, 2001a, p.75).
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Giddens usou as palavras do sociólogo Ulrich Beck para explicar o novo individualismo (GIDDENS, 2001a, p. 46).
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A modernização também é fundamental para a Terceira Via, mas “a modernização da própria social-democracia”, significando, portanto, “o afastamento de posições socialdemocráticas clássicas” (GIDDENS, 2001a, p.77). A reforma de Estado, a renovação e o desenvolvimento da comunidade através de parcerias entre governo e sociedade civil são básicos para que se desenvolva a “nova economia mista”, base econômica desta parceria, que só será eficiente se estas instituições forem modernizadas. Se os neoliberais querem encolher o Estado e os social-democratas foram ávidos em expandi-lo, a Terceira Via deseja sua reconstrução, indo além das propostas da “direita e da esquerda”. A crise da democracia liberal “vem de ela não ser suficientemente democrática”. Para democratizá-la, propõe que o Estado: (i) reaja estruturalmente à globalização, o que implica a descentralização; (ii) deva expandir a esfera pública, significando a realização de Reforma constitucional que permita maior transparência e abertura e a introdução de novas salvaguardas contra a corrupção; (iii) eleve a sua eficiência administrativa, aprendendo com a prática empresarial para recuperar a sua legitimidade; (iv) restabeleça um contato direto com os cidadãos, e vice-versa, através de “experimentos com a democracia”; (v) seja capaz de administrar riscos, pois “Estados sem inimigos” dependem dessa capacidade para garantir a sua legitimidade; (vi) tenha uma perspectiva cosmopolita, para a qual é necessária a renovação da sociedade (GIDDENS, 2001a, p. 82-87). Em outros termos, o novo Estado democrático, o Estado sem inimigos, segundo Giddens, se configura através da “descentralização, dupla democratização, renovação da esfera pública, eficiência administrativa, mecanismos de democracia direta, governo como administrador de riscos”, sendo “um ideal, e uma espécie de ideal sem restrições de tempo” (GIDDENS, 2001a, p.87). Wood (2003) explicou a capacidade do capitalismo de distribuir, de forma universal, uma igualdade jurídica e política sem, no entanto, arriscar suas relações constitutivas tanto no que se refere à manutenção das desigualdades quanto à coerção, reduzindo dessa forma a ênfase na cidadania e na democracia. Essa parece ser a proposta da Terceira Via, à medida que compreende a democracia nos marcos da democracia liberal, ou seja, restrita ao direito à participação formal, à livre iniciativa dos indivíduos na vida em sua comunidade e à possibilidade de mediação do Estado na resolução de conflitos. Assim, a Terceira Via não explicita, mais uma vez, a contradição na qual o Estado liberal democrático deixa intocada a exploração capitalista.
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A “sociedade civil ativa” é um dos pilares da política da Terceira Via. Para Giddens, o governo não só pode, como deve, desempenhar um papel importante na “renovação da cultura cívica”, para o que uma sociedade civil renovada será de suma importância. Os princípios que deverão nortear a renovação da sociedade civil são: governo e sociedade civil em parceria; renovação comunitária através da iniciativa local; envolvimento do terceiro setor, as associações voluntárias; proteção da esfera pública local; prevenção do crime baseada na comunidade; a família democrática (GIDDENS, 2001a, p. 89). Nesta perspectiva, a sociedade civil deve agir em parceria com o aparelho de Estado e está reduzida a esfera da comunidade; na comunidade, especialmente nas mais pobres, é que o estímulo à ajuda mútua, à solidariedade, ao engajamento cívico, à colaboração, se incentivados, trazem mais retorno para a sociedade. A atividade empresarial também é importante para contribuir nas políticas de “renovação comunitária”. Por essa razão,
Uma sociedade civil saudável protege o indivíduo do poder estatal avassalador. No entanto, a sociedade civil não é, como alguns pensam indulgentemente, uma fonte de ordem e harmonia espontâneas. A regeneração comunitária pode criar seus próprios problemas e tensões [...]. O Estado deveria também proteger indivíduos dos conflitos de interesses sempre presentes na sociedade civil. O Estado não poderia transferir todos os seus poderes à sociedade civil: “Se o Estado está em toda parte, não está em parte alguma” (GIDDENS, 2001a, p. 96)
A “boa sociedade”, enfim, é a que alcança um equilíbrio entre governo, mercado e ordem civil. A proteção e o fortalecimento da sociedade civil são fundamentais, já que “sem uma sociedade civil estável, que incorpore normas de confiança e decência social, os mercados não podem florescer e a democracia pode ser arruinada” (GIDDENS, 2001b, p.167). Com efeito, como observaram Lima & Martins (2005), é através da construção da “sociedade civil ativa”, que seus componentes, mais bem informados e educados, assumem uma nova postura social que se expressa na prestação de serviços e não na reivindicação coletiva de direitos. Gramsci (2000) observou o grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização alcançados pelos diferentes grupos sociais, mostrando que esse momento pode ser analisado e diferenciado em vários estágios da consciência política coletiva. O primeiro e mais elementar é o econômico-corporativo; o segundo, é ainda econômico, mas há uma
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consciência da solidariedade de interesses entre os membros do grupo e o reconhecimento do papel do aparelho de Estado no atendimento desses interesses. O terceiro é o momento éticopolítico, o momento no qual se adquire consciência dos interesses corporativos, superando-os e transformando-os nos interesses do grupo subordinado, ou seja, a hegemonia. Ora, ao estimular a organização e dinâmica da sociedade civil no nível de consciência mais elementar, a Terceira Via busca, de fato, a conformação social e a adesão ao seu projeto de sociabilidade, já que, sem alcançar o nível ético-político, não será possível vislumbrar possibilidades de alternativas ao projeto hegemônico. É fundamental destacar, ainda, que para a Terceira Via o aparelho de Estado é responsável pela educação para a nova sociabilidade, na medida em que deve “ter um propósito civilizatório — o governo reflete normas e valores amplamente sustentados, mas pode também ajudar a moldá-los, no sistema educacional e em outros setores” (GIDDENS, 2001a, p.57). Dessa forma, o aparelho de Estado tem a tarefa de “impulsionar uma nova cultura cívica por meio da renovação organizativa da sociedade civil, visando consolidar a coesão social, o empreendedorismo social e a ação voluntária dos indivíduos” (LIMA & MARTINS, 2005, p.57). O Estado educador, nos anos de neoliberalismo da Terceira Via, estimulou a autoorganização da sociedade civil na defesa de interesses individuais e corporativos, remodelando a cidadania nos marcos de uma participação política limitada. Assim, a nova pedagogia da hegemonia, num movimento que Neves e Sant’Anna (2005) chamaram de movimento de repolitização da política, estaria atuando a partir de alguns traços definidores: o primeiro, caracterizado por manter os agrupamentos sociais no plano econômico-corporativo, estimula um tipo de participação de caráter individual. A participação política tornou-se restrita às ações nos espaços de obtenção do consenso, numa perspectiva adequada ao novo modelo de cidadania. Dito de outro modo, o estímulo à participação em associações comunitárias, sindicatos, entre outros espaços de atuação política, tendo em vista a articulação das pessoas em torno da nova sociabilidade. O segundo movimento refere-se ao desmantelamento e/ou refuncionalização dos aparelhos privados de hegemonia da classe trabalhadora. Se até então os trabalhadores se organizavam para buscar a ampliação de seus direitos e até mesmo para a construção de um projeto de sociabilidade diferente do hegemônico, agora as ações se tornam restritas a programas voltados ao indivíduo, e não para o coletivo, para as questões sociais gerais. Aqui
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se inclui a precarização das relações de trabalho, a desregulamentação dos direitos trabalhistas, o enfraquecimento dos sindicatos, entre outros. O terceiro aspecto destacado diz respeito ao estímulo aos grupos ligados às minorias, enfraquecendo as dimensões da luta de classes e reforçando o individualismo como valor moral radical. Finalmente, os autores destacam o papel dos organismos internacionais, em especial o FMI e o BM, de estímulo à expansão dos aparelhos privados de hegemonia (NEVES & SANT’ANNA, 2005, p.34-36). As reformas educacionais dos anos de 1990 refletiram essa nova, ou antes, essa atualização da concepção hegemônica. Justificadas a partir da necessidade de atender aos novos requerimentos da sociedade contemporânea que, com o desenvolvimento científico tecnológico, os novos modos de gerenciamento do trabalho e do saber dos trabalhadores, a difusão das TIC, as transformações nas relações de poder, entre outros aspectos, passou a exigir tanto uma nova forma de ser quanto de agir. De fato, as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, apontam, contraditoriamente, para uma nova relação entre homem e trabalho, o que requer uma educação de novo tipo, associando conhecimentos sistematizados, experiências e comportamentos. Nas palavras de Mattelart (2002),
Ora, está claro que o liberalismo de rosto humano da “sociedade de mercado” preconizado pelo partido neotrabalhista britânico e sua “Terceira Via” se acomoda mal à idéia de política pública. Uma vez que o indivíduo é promovido a eixo da auto-regulação, o sistema educacional não é mais a fábrica que tende a reforçar as desigualdades sociais que devem ser remediadas, mas o local em que o indivíduo flexível constrói sua “empregabilidade” no quadro da competitividade escolar. O local em que, no presente caso, ele se torna o único responsável por seu eventual desemprego (MATTELART, 2002, p. 137)
De fato, para a Terceira Via, a educação deve ser o principal investimento público para o desenvolvimento do capital humano, para estimular a eficiência econômica e a coesão cívica. Além disso, a educação precisa ser redefinida de maneira a privilegiar as capacidades a serem desenvolvidas pelos indivíduos ao longo da vida. As novas tecnologias trouxeram mudanças no trabalho, para o que é necessário desenvolver novas competências, entre as quais a aprendizagem e o esquecimento — “ser capaz de descartar os velhos hábitos” — são fundamentais na ‘economia do conhecimento’ (GIDDENS, 2001a, 2001b).
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Não é demais lembrar que a educação, como um fenômeno próprio do homem e, enquanto tal, síntese das determinações e relações sociais, é um espaço de disputa de concepções e projetos. Desta forma, a educação pode contribuir tanto para manter a concepção de mundo adequada à manutenção do consenso27, de acordo com o bloco no poder, quanto pode também contribuir para a produção da contra-hegemonia28; sendo assim, embora a nova sociabilidade esteja alicerçada na sociedade, outros projetos e outras concepções de mundo, ainda que em menor intensidade e abrangência, se colocam em oposição ao projeto hegemônico. De todo modo, para se responder a uma educação segundo os objetivos burgueses neste início de século, delineou-se uma nova pedagogia e um outro perfil de professor. Assim, as reformas educacionais dos anos 90 foram bastante amplas e envolveram todos os aspectos da escola: a estrutura administrativa e pedagógica, a formação de professores, as diretrizes curriculares e o aporte teórico para a construção das mesmas, a gestão da escola, entre outros. As reformas apoiaram-se, ainda, na tese da modernização da sociedade e da escola, da urgência de ajustes e avanços em direção ao novo consenso mundial. As políticas para a educação, embora indicando uma ampliação dos patamares de escolaridade, tornaram o indivíduo responsável por sua própria formação, que deve levar os requisitos para o “mercado de trabalho”. Desta forma, temas como “auto-avaliação”, polivalência, flexibilidade, passam a fazer parte do currículo escolar, evidenciando a emergência da noção de competência, restrito ao conjunto de atitudes e habilidades necessárias aos novos tempos, sendo esta a base para a formação do intelectual urbano de novo tipo, necessário aos interesses do capital. Ao contrário da perspectiva hegemônica, compreendemos que, para a formação do conjunto da sociedade, passou a ser imprescindível fundamentar a educação em uma sólida base de educação geral, para além das dimensões meramente acadêmicas que caracterizaram o
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Neves e Sant’Anna (2005, p.27) observaram, a esse respeito que “Por intermédio de ações, proposições e concepções, instituições como a Igreja Católica, os meios de comunicação de massa, as associações recreativas e sindicais, as associações de defesa de interesses corporativos distintos, dentre outras, articulam-se às classes socialmente dominantes, constituindo-se num bloco histórico responsável pela dupla e complexa tarefa de, preservando suas maneiras específicas e próprias de atuação nas questões sociais, harmonizar os interesses das classes e frações de classes em nome das quais atuam, como também organizar e organicizar as proposições mais afeitas a esses interesses particulares constituindo-os como gerais”. 28 Neves e Sant’Anna (op.cit., p.27) enfatizaram que, na visão gramsciana, os aparelhos privados de hegemonia não são apenas instrumentos reprodutores de uma lógica que lhes é imputada externamente. “Sob perspectiva radicalmente distinta, tais aparelhos guardam em si mesmos a possibilidade de, conforme a conjuntura histórica, responder contraditoriamente a determinadas demandas e orientações, abrindo espaço para a possibilidade de uma contra-hegemonia”.
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ensino básico. Nesta perspectiva, dois aspectos se tornaram essenciais: o primeiro, a urgente universalização da educação básica. Parece-me não estar ultrapassada a formulação gramsciana, de que esta escola fosse única, de cultura geral, humanista, formativa e não assentada sobre um modelo destinado a manter a marca social de uma escola excludente. O segundo aspecto, ligado ao primeiro, diz respeito à formação daqueles que formarão esses intelectuais, ou seja, a formação de professores para atuarem nessa escola. Inegavelmente, uma escola de novo tipo requer um professor também de novo tipo. É preciso considerar, nesse caso, que a formação, a qualificação para esse trabalho está ligada ao trabalho do professor enquanto intelectual, ou seja, enquanto organizador da cultura.
1.2. O papel do intelectual na construção da nova sociabilidade
Historicamente, formaram-se categorias especializadas para exercerem a função intelectual, especialmente a partir do desenvolvimento da sociedade urbano-industrial Gramsci atribuiu grande importância aos intelectuais; aliás, para o autor, os intelectuais têm uma importante função na sua concepção de Estado, como sintetizou numa de suas cartas a Tatiana, em 7 de setembro de 1931:
O projeto de estudo que fiz sobre os intelectuais é muito amplo e, na realidade, não acredito que existam livros sobre esse tema. [...] Por outro lado, eu amplio muito a noção de intelectual e não me limito à noção corrente, que se refere aos grandes intelectuais. Esse estudo também leva a certas determinações do conceito de Estado, que, habitualmente, é entendido como sociedade política (ou ditadura, ou aparelho coercivo, para moldar a massa popular segundo o tipo de produção e a economia em dado momento), e não como um equilíbrio da sociedade política com a sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social sobre toda a sociedade nacional, exercida através das organizações ditas privadas, como a igreja, os sindicatos, as escolas, etc.), e é especialmente na sociedade civil que operam os intelectuais (GRAMSCI, 2005, p.84).
Na sua concepção, todos os homens são intelectuais, todos os homens são filósofos, mas nem todos exercem esta função. Isso porque, para o autor, ser filósofo significa “ter uma concepção do mundo criticamente coerente” (GRAMSCI, 2004, p. 95), tendo consciência da
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própria historicidade e das suas relações sociais. Por isso, a noção de intelectual está sempre relacionada a um grupo social: “pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir [...] somos sempre homens-massa ou homens-coletivos” (GRAMSCI, 2004, p.94). Gramsci considerava que são intelectuais não apenas aqueles que se dedicam a atividades literárias e filosóficas ou que exercem na sociedade a função de intelectuais, mas também os que, nas relações sociais, desempenham a função de manter a formação social vigente, difundindo e legitimando seus respectivos valores, práticas sociais, atividades produtivas. Essa capacidade dirigente e técnica é necessária a toda atividade intelectual. Por essa razão, Gramsci vai rejeitar a idéia de que os intelectuais sejam um grupo autônomo e independente. A ênfase na dimensão ético-política da atividade intelectual é, no dizer de Neves (2004), a contribuição original de Gramsci a esse conceito. Para o autor, todo grupo social cria para si uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, em todos os aspectos da vida (social, econômico e político), e que têm certa capacidade dirigente, técnica e organizativa. São os intelectuais orgânicos. Ao mesmo tempo, Gramsci distingue o que chamou de grupo social “essencial” (GRAMSCI, 2001a, p.16), que, emergindo na história a partir da estrutura econômica anterior ao capitalismo, encontrou categorias intelectuais preexistentes, representantes de uma continuidade histórica que não foi modificada apesar das mudanças sociais e políticas. Gramsci diz que o exemplo mais típico dessa categoria são os eclesiásticos, “que monopolizaram durante muito tempo [...] alguns serviços importantes: a ideologia religiosa, isto é, a filosofia e a ciência da época, com a escola, a instrução, a moral, a justiça, a beneficência, a assistência, etc.” (GRAMSCI, 2001a, p.16). São os intelectuais tradicionais, que vêem a si mesmos como autônomos e independentes do grupo social dominante. A importância que Gramsci conferiu aos intelectuais o levou a analisar o seu papel nos processos históricos concretos; assim, percebeu que, tradicionalmente, os grupos dominantes especializaram-se em produzir intelectuais, de acordo com seu projeto de sociabilidade. Por essa razão, explicou o autor, há diferentes “tipos de escolas (clássicas e profissionais) no território ‘econômico’ e as diferentes aspirações das várias categorias determinam, ou dão forma, à produção dos diferentes ramos de especialização” (GRAMSCI, 2001a, p.20).
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Gramsci distinguiu ainda os intelectuais urbanos e rurais. Os primeiros são os que surgiram a partir do desenvolvimento das sociedades urbano-industriais, cuja tarefa está ligada à indústria. O autor os compara aos oficiais subalternos do exército, posto que
[...] não possuem nenhuma iniciativa autônoma na elaboração dos planos de construção; colocam em relação, articulando-a, a massa instrumental com o empresário, elaboram a execução imediata do plano de produção estabelecido pelo estado-maior da indústria, controlando suas fases executivas elementares. Na média geral, os intelectuais urbanos confundemse cada vez mais com o estado-maior industrial propriamente dito (GRAMSCI, 2001a, p. 22).
Os intelectuais de tipo rural são, por outro lado, em grande parte, “tradicionais”. Ligados aos grupos sociais do campo e de cidades (principalmente as menores), cuja função tinha grande relevância político-social (os advogados, tabeliães, padres, professores, médicos, etc.), representam para o camponês um modelo social a ser seguido na perspectiva da elevação do nível social da família. O intelectual urbano, ao contrário, não exerce nenhuma função política sobre as massas instrumentais. Os intelectuais urbanos, no dizer de Neves (2004), educavam e eram educados para a submissão. Os intelectuais orgânicos da burguesia, que surgiram no capitalismo moderno (tais como os dirigentes e técnicos da grande empresa) se contrapõem aos intelectuais tradicionais. São os intelectuais orgânicos que possuem uma relação mediata com o mundo da produção. Para Gramsci, seria possível verificar a relação mais ou menos estreita entre os grupos intelectuais e um grupo social fundamental a partir das funções que exercem na sociedade. Dessa forma,
Podem-se ficar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como “privados”) e o da “sociedade política ou Estado”, planos que correspondem à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico” (GRAMSCI, 2001a, p.21).
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Embora essas funções fossem de caráter organizativo e conectivo, Gramsci mais uma vez observou que os intelectuais são os “prepostos” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas destinadas a manter tanto a hegemonia social quanto a hegemonia do governo político, ou seja:
1) do consenso “espontâneo” dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce “historicamente” do prestígio (e, portanto, da confiança) obtido pelo grupo dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de coerção estatal que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos que não “consentem”, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais desaparece o consenso espontâneo (GRAMSCI, 2001a, p.21).
É por essa razão que Gramsci deu importância fundamental à necessidade de formação de intelectuais orgânicos do proletariado, que seriam aqueles que, na luta pela hegemonia, buscam instaurar uma nova concepção de mundo, difundindo-a na sociedade, gerando uma nova consciência política e a base social para um novo modelo. Esta não é uma tarefa simples, e Gramsci destacou que cada nova classe social não apenas elabora seus intelectuais orgânicos como busca assimilar os intelectuais tradicionais, em favor da construção ou conservação da sociedade. Para o autor, o papel dos intelectuais é o de ser organizador e dirigente, determinar e organizar a reforma moral e intelectual, adequar a cultura à função prática. “Uma massa humana não se “distingue” e não se torna independente “para si” sem organizar-se (em sentido lato)”, escreve Gramsci, “e não existe organização sem intelectuais, isto é, sem organizadores e dirigentes, ou seja, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-prática se distinga concretamente em um estrato de pessoas “especializadas” na elaboração conceitual e filosófica” (GRAMSCI, 2004, p.104). Isso é muito importante para que possamos compreender, na atualidade, tanto como se formam os intelectuais necessários ao trabalho, quanto o papel daqueles intelectuais que formulam, propõem e difundem a hegemonia. O Estado capitalista, enquanto educador, assumiu a tarefa de elaboração dos intelectuais de diferentes níveis. A escola, durante o século XX, tornou-se cada vez mais um importante instrumento para a elaboração dos intelectuais necessários ao capitalismo
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monopolista. Assim, durante o século passado, o patamar de escolarização ampliou-se, dadas as necessidades da sociedade moderna. Neves (2004) explicou que, durante o fordismo, a escola teve como função social a formação de um intelectual de tipo urbano em sentido amplo e em sentido estrito. Segundo a autora, no primeiro caso estariam as massas trabalhadoras que conquistaram a ampliação dos patamares de escolarização, nos quais os conhecimentos científicos e tecnológicos foram ampliados, ao mesmo tempo em que se obteve o consenso em torno do projeto de sociabilidade burguesa. No sentido estrito, os intelectuais urbanos, formados em nível superior, especialistas necessários para ocupar tanto os postos de direção na produção quanto na aparelhagem estatal e na organização da sociedade civil, tornando-se fundamentalmente “prepostos” da classe dirigente. A educação, nos países centrais, tornou-se universal e buscouse a formação de um novo homem coletivo de acordo com as idéias, ideais e práticas do grupo dominante. Isto significa que, para garantir a adesão ao projeto de sociabilidade do capital, foi necessário reordenar as ações do grupo hegemônico, de forma tanto a manter seus parceiros intelectuais históricos quanto a trazer novos parceiros intelectuais; ou, como diz Gramsci, são importantes tanto os intelectuais orgânicos quanto garantir a adesão de intelectuais tradicionais ao projeto de sociabilidade do capital. Dessa forma, tornaram-se mais sofisticados e influentes os aparelhos formuladores e também os aparelhos difusores da nova pedagogia da hegemonia. Para os novos tempos do capitalismo, no qual as tecnologias, ao mesmo tempo em que diminuem a necessidade quantitativa de trabalho humano e exigem muito mais conhecimentos dos trabalhadores, à escola se coloca a tarefa de desenvolver, nos indivíduos, as habilidades cognitivas e comportamentais adequadas aos processos de trabalho e também à nova concepção de cidadania. Kuenzer (1999) enunciou os novos requisitos:
Análise, síntese, estabelecimento de relações, rapidez de respostas e criatividade em face de situações desconhecidas, comunicação clara e precisa, interpretação e uso de diferentes formas de linguagem, capacidade para trabalhar em grupo, gerenciar processos, eleger prioridades, criticar respostas, avaliar procedimentos, resistir a pressões, enfrentar mudanças permanentes, aliar raciocínio lógico-formal à intuição criadora, estudar continuamente e assim por diante (KUENZER, 1999, p. 169).
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Evidentemente, essas exigências requerem uma escola muito mais complexa, capaz de produzir social e historicamente o conhecimento. Apesar desse nível de necessidade, Neves (2004) nos alertou, destacando que, contraditoriamente, a escola tornou-se imediatamente interessada, mais pragmática — não obstante a crescente ampliação dos processos escolares — tornando-se restrita, de um lado, à “adaptação do conhecimento tecnológico produzido nos países de capitalismo central29 e, no nível mais elementar, à simples operacionalização das inovações tecnológicas no trabalho e no seu cotidiano” (NEVES, 2004, p. 10). O que se verifica é que as rápidas transformações sociais, econômicas, políticas e culturais requerem o acesso ao conhecimento e exigem uma formação técnico-científica, mas as reformas educacionais priorizaram a universalização do ensino fundamental e não do ensino básico como um todo. Ao mesmo tempo, as reformas educacionais colocaram a educação como serviço e não como direito, regida pelas idéias de gestão, planejamento, provisão, controle e êxito, com ênfase na transmissão rápida de conhecimento. Talvez esteja aí encerrada uma das mudanças que nos parece fundamental no que se refere às políticas educacionais: deixa-se em segundo plano a idéia de formação para se colocar a idéia de educação permanente, ao longo da vida ou educação continuada. Ou seja, face à necessidade de se ampliar a formação de um intelectual de novo tipo, capaz de conhecer a sociedade de seu tempo e analisar as profundas mudanças que ocorrem no mundo econômico, político e social, que percebe e articula ciência, cultura, cidadania e trabalho, mantém-se a formação de um intelectual de tipo urbano, tecnicamente apto para o trabalho e para ocupar cargos de gerência e direção, porém não criativo e não questionador. Significa, portanto, que os conhecimentos e habilidades adquiridos em instâncias educativas devem ter uma "utilidade prática e imediata", cuja “qualidade da qualificação passa a ser avaliada pelo "produto" final, ou seja, o trabalhador instrumentalizado para atender às necessidades do processo de racionalização do sistema produtivo” (DELUIZ, 2001). Em outros termos, não se trata de uma educação que aprofunde a dimensão intelectual através da capacidade de usar conhecimentos científicos e saberes tácitos, de forma a possibilitar a construção de novas relações sociais e produtivas, mas uma educação na qual se torna urgente “estimular ativamente a aquisição de conhecimentos e competências com o fim de transformar a sociedade da informação emergente em uma sociedade do saber” (MATTELART, 2002, p.137), o que reflete o caráter pragmático e instrumental sobre a tarefa dos sistemas educacionais e também dos professores. 29
Ver Lei C&T; Reforma da Educação Superior.
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Em síntese, a direção dada à reforma educacional conforma técnica e éticopoliticamente o novo intelectual urbano. Para o conjunto da sociedade, incluindo-se os que não exercem a função de intelectuais na sociedade, a educação deverá preparar o indivíduo para:
sentir-se responsável individualmente pela amenização de uma parte da miséria do planeta e pela preservação do meio ambiente; estar preparado para doar uma parcela do seu tempo livre para atividades voluntárias nessa direção; exigir do Estado em senso estrito transparência e comprometimento com as questões sociais, mas não deve jamais questionar a essência do capitalismo (FALLEIROS, 2005, p. 211).
Em outras palavras, essa formação tem como pressuposto a aceitação do discurso ideológico30 que apresenta a nova ordem econômica, política e social como conseqüência natural do processo de desenvolvimento científico e tecnológico; como nos diz Wood (1998), trata-se da “universalização [...] do capitalismo, [de] suas relações sociais, [das] leis de seu movimento, suas contradições — a lógica da comodificação, acumulação e maximização de lucros penetrando em todos os aspectos de nossas vidas” (WOOD, 1998, p. 41). O novo intelectual urbano, como compreendido por Gramsci, está na fábrica; mas é também necessário para construir a nova sociedade civil ativa, o novo capital social, a nova cultura cívica e a nova cidadania, ou seja, a nova superestrutura jurídico-político-ideológica.
30
Discurso ideológico no sentido dado por Chauí (2003, p.3): “aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a diferença e o pensar, o dizer e o ser e, destarte, engendrar uma lógica da identificação que unifique pensamento, linguagem e realidade para, através dessa lógica, obter a identificação de todos os sujeitos sociais em uma imagem particular universalizada, isto é, a imagem da classe dominante”.
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1.3. A Formação de Professores: Formar para educar o consenso
Para criar uma nova cultura, uma nova civilização, o Estado capitalista, através dos seus aparelhos privados de hegemonia e de seus intelectuais orgânicos, garantiu a educação tanto individual quanto coletiva ao seu projeto de sociabilidade. Ainda que o capital, nos seus projetos educacionais ao longo do século XX, enfatizasse o capital humano, atualmente, ampliou-se uma outra dimensão, o capital social, através da educação política dentro dos aparelhos privados de hegemonia. Dentre os aparelhos privados de hegemonia mais relevantes para a obtenção do consenso (e também como possibilidade de construção de uma contra-hegemonia), Gramsci deu grande importância à escola31: primeiro, porque considerava a escola um dos espaços adequados para desenvolver o grau de consciência individual dos trabalhadores e também a capacidade técnica e dirigente necessárias ao trabalho numa sociedade que se tornava cada vez mais urbana e industrial; segundo, porque é na escola que se formam os intelectuais, ou seja, aqueles que vão exercer a função de organizar e dirigir a sociedade. Como destaquei anteriormente, Gramsci rompeu com o entendimento de que os intelectuais constituíam um grupo em si, e mostrou a centralidade dos intelectuais no mundo moderno. Para formar a nova sociedade, defendia o rigor científico, a escola, ao mesmo tempo em que demonstrava que o desenvolvimento de uma reforma moral e intelectual só se daria no âmbito das lutas de classe, na medida em que se elevassem intelectualmente as massas. Reportando-se a Marx, Gramsci descreveu pedagogicamente as estratégias necessárias para essa mudança de concepção de mundo, apontando duas necessidades: a primeira, repetir sempre os mesmos argumentos, variando a forma; a segunda, “trabalhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo, que surjam diretamente da massa e que permaneçam em contato com ela para se tornarem seus ‘espartilhos’”. Esta segunda necessidade “é a que realmente modifica o “panorama ideológico” de uma época” (GRAMSCI, 2004, p.110).
31
Segundo Nosella (2004, p.161-162), o Caderno Especial n.12 sintetiza não apenas o que seria uma possível proposta do Partido Comunista para a sociedade italiana, como também ecoa as discussões de Gramsci por ocasião da Reforma Gentile (1923), das reformas na Rússia e também as suas propostas formativo-escolares. No entanto, é fundamental explicitar que, entendendo o conceito alargado de educação que Gramsci desenvolveu, é necessário ver no conjunto dos Cadernos e também nos seus outros escritos (inclusive nas cartas) o quão rico é o seu pensamento.
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Gramsci deixou claro que o grande compromisso político dos intelectuais está ligado não às instituições estabelecidas, mas a um projeto amplo de sociedade democrática. A questão do trabalho não se inseria apenas no âmbito da produção, mas também na escola: trabalho como princípio educativo, como base para a busca da liberdade, liberdade histórica que só ocorrerá com o efetivo desenvolvimento intelectual das massas. No dizer do autor, é necessário que a filosofia da práxis se torne senso comum para a classe trabalhadora, ou seja, que exista uma outra forma de pensar e agir na sociedade a partir da classe trabalhadora (GRAMSCI, 2004, p.118). Em outros termos, as classes subordinadas precisam elaborar sua própria concepção de mundo e de vida. Quando Gramsci concebeu a filosofia como uma concepção de mundo, que pretende superar a maneira de pensar precedente, que rompa com o senso comum e com o conformismo, apresentou a filosofia da práxis, o materialismo histórico, como “uma poderosa antítese das filosofias dominantes e dirigentes” (MARTINS, M., 2005). Isso porque, para Gramsci, a filosofia da práxis não pretende limitar a atividade científica e manter a unidade no nível inferior das massas32, mas se tornar “um guia para a ação” (GRAMSCI, 2005, p.153). Se a escola ocupa um lugar de destaque na sociedade moderna, o professor, sendo o intelectual responsável pela formação das novas gerações, passa a ser também fundamental para a consolidação de um projeto de reforma moral e intelectual e/ou de manutenção da coesão social. Gramsci via o professor como um intelectual tradicional, ou seja, como representante de uma continuidade histórica que não foi modificada apesar das mudanças sociais e políticas. Isso não significa desconhecer, de um lado, a importância do professor e da sua formação para o desenvolvimento de uma educação necessária à difusão da filosofia da práxis; de outro, a necessidade de se arregimentar os intelectuais tradicionais (tanto os grupos dominantes quanto os subalternos) para que pudessem se tornar intelectuais orgânicos. Esta compreensão de Gramsci nos ajuda a entender porque a tarefa de ensinar se revestiu, inicialmente, da idéia de ser uma “missão”, uma “vocação”: tradicionalmente, a profissão docente esteve ligada à Igreja e aos valores por ela difundidos. Com efeito, ao sintetizar as origens da profissão docente em Portugal, Nóvoa (1995) mostrou que do 32 Gramsci (2004), examinando o papel da Igreja católica não apenas à sua época, mas desde a Idade Média, observa que a instituição sempre impôs uma “disciplina de ferro” não apenas para limitar a elevação dos “simples” ao nível dos intelectuais, quanto para manter o seu poder e conservar as suas posições políticas (o que, de resto, contribuía para manter a ordem vigente – ou seja, a Igreja era um aparelho privado de hegemonia do Estado capitalista).
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surgimento da profissão nas congregações religiosas no século XVI até a sua consolidação nos séculos subseqüentes, foi possível estabelecer um corpo de saberes e técnicas, normas e valores específicos dessa profissão. Influenciado por crenças e pela moral religiosa, esse ideário coletivo dos professores permaneceu mesmo depois que a “missão” de educar tornouse prática do trabalho docente e a vocação transformou-se em profissão. O desenvolvimento econômico, político, social e cultural dos países industrializados no pós-guerra, articulados aos ideais do Estado-de-Bem-Estar Social, resultou na ampliação do aparelho escolar ao mesmo tempo em que também ocorreram a massificação e democratização do ensino. A educação escolar adquiriu relevância, agora da perspectiva do valor econômico da educação e da relação estreita entre a promessa de qualificação, status, inserção no mundo do trabalho e renda, característicos da Teoria do Capital Humano. Assim, a escola e o professor tornaram-se, para a maioria da população, a perspectiva de ascensão e mobilidade social, ao mesmo tempo em que assumem a preparação para o trabalho necessária ao país que se industrializava rapidamente. Kuenzer (1999) observou que a pedagogia dominante, à época, estava estreitamente relacionada à divisão social e técnica do trabalho e da sociedade baseadas no paradigma fordista/taylorista e buscava atender às necessidades de educação de trabalhadores e dirigentes a partir de uma definição muito clara entre as ações intelectuais e instrumentais; como destacamos anteriormente, a educação escolar brasileira assumia a formação do novo homem coletivo, do intelectual urbano necessário ao desenvolvimento da sociedade. De outro lado, esse modelo definiu, no dizer de Kuenzer (1999, p.168), “um perfil de professor cujas habilidades em eloqüência se sobrepunham à rigorosa formação científica que contemplasse, de forma articulada, os conteúdos da área específica e da educação”. A formação do professor, nesse caso, poderia ser eminentemente técnica, “suficiente [para] compreender e bem transmitir o conteúdo escolar que compunha o currículo” (KUENZER, 1999, p. 168). Entretanto, as mudanças que se viram nos últimos anos, com a mundialização da economia e a reestruturação produtiva, o avanço da ciência e a incorporação da tecnologia nas relações produtivas e sociais aumentaram a exigência de escolaridade tanto para a realização do trabalho simples quanto do trabalho complexo. Assim, o papel do professor adquiriu uma importância cada vez maior, devido às funções necessárias à educação política e técnica das novas gerações e para a “sedimentação de uma lógica mercantilista que passa a predominar no
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campo educacional, submetendo o profissional da educação às contingências do capital” (ANFOPE, 2004, p.7). Já não basta o domínio da técnica, mas é preciso ampliar os conhecimentos. Na nova fase do capitalismo, a educação tornou-se fundamental para o alívio à pobreza e para a edificação da coesão social; caberá ao professor ser peça-chave na difusão, na escola, dos valores, dos ideais e idéias da nova sociabilidade do capital. Como vimos, as mudanças qualitativas nas relações econômicas (conteúdo e forma do trabalho), nas relações de poder e nas relações sociais exigem uma nova sociabilidade. Por essa razão, o Estado, aqui entendido no sentido gramsciano — sociedade política + a sociedade civil —, cumprindo o seu papel educador, orienta ética e politicamente a construção de uma nova cultura cívica. A tese da Terceira Via, apresentada por Anthony Giddens como uma alternativa ao neoliberalismo, ao socialismo e à social-democracia clássica, indicou a necessidade de reordenamento da vida individual e coletiva, apresentando como eixo articulador dessa nova sociabilidade a relação entre o “novo” individualismo e a solidariedade social, a responsabilidade individual e a responsabilidade social, esvaziando a luta coletiva e eliminando os conflitos da sociedade, num suposto consenso entre capital e trabalho. A pobreza e o desemprego foram alçados à condição de infortúnio ou conseqüência da incapacidade individual, razão pela qual é preciso desenvolver as competências e as habilidades pessoais, além da capacidade de se ajustar à instabilidade. A esses conceitos, vinculou-se também a idéia de justiça social, articulada na concepção de igualdade de oportunidades e de solidariedade ou apoio mútuo entre pessoas ou grupos sociais. O Estado, nesta perspectiva, continuou a ter um papel essencial na vida econômica; para Giddens (2001b), o Estado deve intervir tanto na sociedade civil quanto nos mercados, de forma a “criar a estabilidade macroeconômica, promover o investimento em educação e infraestrutura, refrear a desigualdade e garantir oportunidades para a realização pessoal dos indivíduos” (GIDDENS, 2001b, p. 166). Essa direção expressou a necessidade de se organizar, a partir dos interesses da classe dominante, os aspectos técnicos e ético-políticos da formação docente, com dois propósitos concomitantes: (i) formar novos organizadores da cultura segundo as demandas técnicas e ético-políticas do capitalismo mundializado; (ii) preparar as novas gerações para pensar, sentir e agir de acordo com os preceitos capitalistas contemporâneos, de modo geral e, de modo específico, preparar para a sobrevivência material e para a convivência social nos tempos de superexploração do trabalho e de apelos à participação.
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Essas questões são de importância fundamental para compreendermos porque a noção de competência passou a orientar não apenas as relações de trabalho, como também a educação; trata-se de formar o novo intelectual urbano, adequado aos princípios que organizam a sociedade e também necessários ao trabalho. Sendo a escola permeada pelas disputas e valores que se enfrentam na sociedade, o professor e a sua formação irão refletir essas disputas. A nova pedagogia da hegemonia, redefinindo o padrão de politização, cultural, econômico e social necessita formar os professores para formar a nova sociabilidade; nos temos gramscianos, é necessário que o professor se torne um intelectual de novo tipo, com uma certa capacidade dirigente e também técnica, para formar o consenso. Por essa razão, o preparo do professor foi consolidado no desenvolvimento de competências, numa formação eminentemente prática e prescritiva, bem como na ampla divulgação de teorias e idéias através das quais os valores adequados à nova sociabilidade lhe são incutidos. A Educação a Distância, como veremos, será um dos veículos mais importantes para acelerar a formação docente em serviço e em larga escala.
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2. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS: AS DIRETRIZES TÉCNICAS E ÉTICO-POLÍTICAS DA NOVA SOCIABILIDADE
A reforma da educação nacional, de forma geral, e da formação de professores, de forma específica, estão inseridas no processo mais abrangente de transformações econômicas, políticas, sociais e éticas que, como vimos, tornou-se estratégico para os ajustes necessários à inserção do Brasil no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo. As políticas de formação do professor, o novo intelectual urbano necessário, tanto para a difusão da nova cultura, preparando as novas gerações para o consenso em torno da sociabilidade requerida na contemporaneidade, quanto na preparação para o trabalho, foi considerada fundamental para a garantia do sucesso da conformação social. A influência dos organismos internacionais, em especial Banco Mundial (BM), Organização das Nações Unidas para a Educação e Ciência e a Cultura (UNESCO) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) na direção política, cultural e econômica, se localiza nesse processo amplo de reordenamento do Estado capitalista nos países periféricos. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional surgiram no pós-guerra, a partir das negociações originadas dos Acordos de Bretton Woods, pactuados na Conferência Monetária e Financeira Internacional, realizada nos EUA em 1944, objetivando a reconstrução e o desenvolvimento internacionais dos países aliados, tornando-se os pilares da ordem econômica e político-social internacional. Assim, o FMI foi criado com o propósito de evitar que desequilíbrios nos balanços de pagamentos e nos sistemas cambiais dos países membros pudessem prejudicar a expansão do comércio e dos fluxos de capitais internacionais. Segundo o site do FMI, o Fundo favorece a progressiva eliminação das restrições cambiais
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nos países membros e concede recursos temporariamente para evitar ou remediar desequilíbrios no balanço de pagamentos, além de planejar e monitorar programas de ajustes estruturais e oferecer assistência técnica e treinamento para os países membros, de acordo com os preceitos do liberalismo econômico. O Grupo do Banco Mundial é constituído por cinco instituições estreitamente relacionadas e sob uma única presidência, quais sejam: BIRD33 - Banco Internacional para a Reconstrução
e
o
Desenvolvimento;
AID34
-
A
Associação
Internacional
de
Desenvolvimento; IFC35 - Corporação Financeira Internacional; AMGI36 - Agência Multilateral de Garantia de Investimentos; CIADI37 - Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos. O site do Banco Mundial informa que este é o principal organismo multilateral internacional de financiamento do desenvolvimento social e econômico, formado por 184 países-membros, entre os quais o Brasil. Dedica-se ao alívio a pobreza em todo o mundo e, além de financiar projetos, também oferece sua grande experiência internacional em diversas áreas de desenvolvimento. Tornou-se, por isso, um dos pilares do desenvolvimento social e econômico mundial desde a Segunda Guerra, sendo a única agência supranacional de financiamento com presença e impacto globais. Além disso, angaria fundos nos mercados financeiros internacionais para combater a pobreza através do financiamento de projetos nos países periféricos, atraindo investimentos privados através de co-investimentos, garantias e seguros de risco político, bem como oferece aconselhamento econômico e técnico aos países membros.
33
O BIRD proporciona empréstimos e assistência para o desenvolvimento a países de rendas médias com bons antecedentes de crédito. O poder de voto de cada país-membro está vinculado às suas subscrições de capital, que por sua vez estão baseadas no poder econômico relativo de cada país. O BIRD levanta grande parte dos seus fundos através da venda de títulos nos mercados internacionais de capital. Juntos, o BIRD e a AID formam o Banco Mundial. 34 Desempenha um papel importante na missão do Banco que é o alívio a pobreza. A assistência da AID concentra-se nos países mais pobres, aos quais proporciona empréstimos sem juros e outros serviços. A AID depende das contribuições dos seus países membros mais ricos - inclusive alguns países em desenvolvimento para levantar a maior parte dos seus recursos financeiros. 35 A IFC promove o crescimento no mundo em desenvolvimento mediante o financiamento de investimentos do setor privado e a prestação de assistência técnica e de assessoramento aos governos e empresas. Em parceria com investidores privados, a IFC proporciona tanto empréstimos quanto participação acionária em negócios nos países em desenvolvimento. 36 A AMGI ajuda a estimular investimentos estrangeiros nos países em desenvolvimento por meio de garantias a investidores estrangeiros contra prejuízos causados por riscos não comerciais. A AMGI também proporciona assistência técnica para ajudar os países a divulgarem informações sobre oportunidades de investimento. 37 O CIADI proporciona instalações para a resolução — mediante conciliação ou arbitragem — de disputas referentes a investimentos entre investidores estrangeiros e os seus países anfitriões.
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A Organização das Nações Unidas (ONU) também criada em 1945, com o objetivo de garantir a “manutenção da paz e da cooperação entre os países e a segurança internacional”. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), organismos integrantes da ONU, são criadas na mesma época. A primeira, para desenvolver ações e projetos para a área de educação, ciência e cultura, de forma a “estabelecer a solidariedade intelectual e moral da humanidade” e “instituir uma verdadeira cultura da paz” (www.portal.unesco.org). A segunda, para desenvolver e acompanhar políticas econômicas e sociais na América Latina. A partir dessa concepção de solidariedade e cooperação entre os países, a UNESCO estabeleceu como meta, a partir de 1990, a democratização da educação básica, através do programa Educação para Todos. Com efeito, os principais marcos para o conjunto das reformas educacionais brasileira, de forma geral, e para a formação de professores, de forma específica, são documentos produzidos no âmbito dessa instituição e do Banco Mundial. De resto, ambas as instituições se alinharam no sentido de que a educação seria considerada estratégica para o alívio da pobreza e para a difusão dos valores morais e ético-políticos e econômicos que sustentam o novo projeto de sociabilidade. Neste capítulo, examinaremos as propostas dos organismos internacionais, a partir dos anos 1990, de forma a compreendermos as reformas educacionais enquanto um elemento fundamental do projeto neoliberal para a sociedade. Assim, organizamos o capítulo em três seções: na primeira, o objetivo foi verificar as diretrizes técnicas e ético-políticas da nova sociabilidade, de forma a mostrar que as mudanças na concepção de Estado e sociedade que ocorreu na década de 90 vieram a consolidar o projeto neoliberal da Terceira Via. Essas mudanças são sintetizadas mais especificamente no Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial do BM, de 1997, intitulado “O Estado num mundo em transformação”. Na segunda seção, veremos como as diretrizes técnicas e ético-políticas para a educação, de forma geral, e para a formação de professores, de forma específica, se coadunam com esse projeto. Para os organismos internacionais, a educação tornou-se estratégica para o desenvolvimento econômico e para o alívio a pobreza, razão pela qual as reformas no setor educacional seriam fundamentais. Finalmente, veremos as diretrizes dadas pelos organismos internacionais para a utilização das TIC na educação, enquanto estratégia de inserção dos países periféricos na “sociedade da informação”. Nos documentos examinados, as TIC foram reduzidas a estratégias de Educação a Distância, destinando-se à democratização do acesso ao ensino
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superior e à formação de professores do ensino fundamental, não obstante as necessidades de um maior domínio das TIC numa sociedade em que o trabalho se complexificou.
2.1. Os Organismos Internacionais e a nova sociabilidade
Entendemos, com Chesnais (1999), que a mundialização é mais do que um fenômeno econômico, pois se trata das formas de domínio social próprio de uma fase histórica na qual adentramos não em 1989, com a queda do muro de Berlim ou em 1991, com o fim do regime soviético, mas dez anos antes, na mudança dos anos de 1970 para os anos de 1980. Segundo o autor, “foi nesse momento que as forças políticas mais anti-sociais dos países da OCDE38 engajaram-se no processo de liberalização, desregulamentação e privatização” (CHESNAIS, 1999, p. 86). A teoria neoliberal ganhou hegemonia nas décadas seguintes, constituindo-se, como assinalou Soares (1998), no “alicerce ideológico que vem fundamentando a atuação do Banco Mundial e do FMI desde então” (SOARES, 1998, p. 20). A partir dos anos de 1980, os organismos internacionais se constituíram como agentes centrais do gerenciamento das relações de crédito internacional, e o BM assumiu importância estratégica nas reformas econômicas dos países periféricos através de programas de ajuste estrutural. De acordo com Soares (1998),
o Banco Mundial tornou-se o guardião dos interesses dos grandes credores internacionais, responsável por assegurar o pagamento da dívida externa e por empreender a abertura dessas economias, adequando-as aos novos requisitos do capital globalizado (SOARES, 1998, p. 20-21)
Para conceder empréstimos aos países da periferia do capital, o BM e o FMI passaram a impor condicionalidades, intervindo não apenas econômica, mas política, cultural e 38
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma organização internacional e intergovernamental que agrupa os países mais industrializados da economia do mercado. Tem sua sede em Paris, França. A Organização foi criada depois da Segunda Guerra Mundial com o nome de Organização para a Cooperação Econômica Européia e tinha o propósito de coordenar o Plano Marshall. Em 1961, converteu-se no que hoje conhecemos como a OCDE, com atuação transatlântica e depois mundial. Originalmente 20 países firmaram a Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico em 14 de dezembro de 1960. Desde então, mais 10 países se tornaram membros da Organização.
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eticamente nas ações dos governos com os quais realizam seus acordos de cooperação técnica e financeira, incluindo-se o que Soares (1998) chamou de “condicionalidades cruzadas”, ou seja, articuladas entre os vários organismos (BID, BM, FMI). A autora observou, nesse sentido, que o FMI atua na direção das políticas que dizem respeito à economia (taxa de câmbio e déficit orçamentário) enquanto o BM se espraia pelas diversas áreas (saúde, educação, agricultura, indústria, juventude, meio ambiente, entre outros), articulando as reformas neoliberais nos países “em desenvolvimento”. De fato, nas propostas de reformas e de ajustes que o FMI e o BM impuseram aos países devedores desde os anos de 1970 se incluíam não apenas a garantia de pagamento da dívida, como o desenvolvimento de políticas sociais compensatórias com o objetivo de aliviar a pobreza ou a desigualdade social. Fonseca (1998a), analisando as mudanças no projeto de desenvolvimento do BM a partir dessa época, afirmou que havia razões óbvias do ponto de vista do Banco para essas novas posições: em primeiro lugar, os benefícios do crescimento econômico, ao se concentrar nos setores mais modernos da economia, promoveu o crescimento descontrolado da pobreza nos países periféricos. Em segundo lugar, devido à eclosão, especialmente na América Latina, de intensas reações sociais, dada a “destruição de todo o tecido da economia doméstica” (CHOSSUDOVSKY, 1999, p.60). Assim, concluiu Fonseca (1998a), as medidas de caráter humanitário no sentido de uma distribuição mais justa de riqueza estavam relacionadas não somente a objetivos morais, mas a objetivos políticos para garantir a estabilidade econômica e social no mundo ocidental, conforme o próprio presidente do Banco Mundial, Robert S. McNamara, teria afirmado em seu discurso em 1972 (FONSECA, 1998a, p. 231). É preciso destacar, entretanto, que, embora o BM ressaltasse a importância do crescimento econômico para o alívio a pobreza, num primeiro momento a compreensão de pobreza tinha um enfoque limitado na renda e no consumo: o crescimento para o Banco significava a criação de novas oportunidades econômicas que possibilitassem aos “pobres” a obtenção de rendimento, ultrapassando a “fronteira” da pobreza. Dessa forma, no que se refere ao papel do Estado no desenvolvimento de políticas sociais, prescreveu políticas focalizadas de ampliação do “capital humano” dos pobres, com o objetivo de aumentar a renda nacional. Na segunda metade da década de 1990, os organismos internacionais introduziram novas mudanças na direção de suas políticas que, de acordo com Melo (2005), se concretizaram “na inserção da ciência e da tecnologia na produção social, na reprodução
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ampliada do capital e do trabalho, bem como delinearam transformações nas relações de poder do Estado” (MELO, 2005, p. 69). Essas mudanças foram fundamentais para a consolidação da nova pedagogia da hegemonia:
As diferenças entre público e privado, entre indivíduo e coletividade, os movimentos de socialização da política e do trabalho confundem-se nesse novo projeto capitalista de sociabilidade. Manter a realização de uma hegemonia ativa (sob uma leitura gramsciana), de direção e dominação indissociadas, exige uma complexa disciplina de planejamento e formação de consenso, a fim de destruir paulatinamente o nível de consciência atingido pela classe trabalhadora e substituir seus desejos e ações pelo projeto hegemônico de sociabilidade capitalista (MELO, 2005, p. 69)
Dessa forma, ao longo dos anos 90, o FMI e o BM ajustaram a sua orientação política, resultado do aumento da concentração de renda e da desigualdade social nos países periféricos, gerando um conjunto de análises que criticavam a ortodoxia do neoliberalismo. Estas análises propiciaram a difusão das novas idéias, na perspectiva da construção de um ‘estado mais próximo do povo’, de um ‘estado em um mundo em transformação’ (BM, 1997). Nos documentos mais recentes, a pobreza passou a ser definida como a “incapacidade de alcançar padrões e saber se são ou não alcançados”, ou seja, segundo a definição do Banco, “a pobreza absoluta é atualmente reconhecida como a incapacidade de alcançar os padrões básicos em nutrição, saúde, educação, meio ambiente e participação nas decisões que afetam a vida das pessoas de baixa renda” (BM, 2004, p. 4). Embora ampliando o seu conceito de “pobreza”, ao invés de tratar das conseqüências negativas do ajuste, como o desemprego estrutural e o aumento da informalidade, para o BM as estratégias de combate aos custos sociais das políticas neoliberais continuaram reduzidas ao alívio da pobreza, resolvidas através de políticas sociais focalizadas e compensatórias, e não através de políticas sociais universais. Na realidade, os organismos internacionais assumiram a nova agenda do neoliberalismo da Terceira Via39, na perspectiva de humanizar o capitalismo, valorizar a
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Na construção do conceito neoliberalismo da Terceira Via, Lima & Martins (2005, p.76) escrevem: “O projeto político da terceira via representa uma perspectiva de “modernização política”, que procura orientar o ajustamento dos cidadãos, do conjunto sociedade civil e da aparelhagem de Estado na justa medida das
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responsabilidade social e individual, transferindo para o indivíduo a responsabilidade sobre a sua empregabilidade, descartando a dimensão coletiva das relações sociais, esvaziando o conceito de sociedade civil, favorecendo as saídas individuais aos problemas de ordem social e política. Na mesma direção ocorreram as mudanças nas orientações do FMI, nos anos de 1990. Melo (2004) sinalizou para o objetivo da agência: construir uma “economia mundial para todos”. Assim, se durante a década de 1980 as ações tinham como objetivo políticoeconômico a idéia de ajuste, mas com crescimento e através de reformas de cunho neoliberalizante, nos anos de 1990 o objetivo era o de reforçar as ações de supervisão e coordenação internacional das políticas articuladas com outros organismos e, especialmente, as ações específicas de alívio à pobreza. A partir dos anos 2000, a questão ambiental e os efeitos negativos do crescimento mundial passaram a fazer parte da agenda do Fundo (MELO, 2004, p. 125). Nos primeiros anos da década de 1990, as políticas elaboradas pelos organismos internacionais pautavam-se pelo Consenso de Washington; a partir da segunda metade do decênio passaram a elaborar novas estratégias para a sociabilidade através de críticas ao neoliberalismo radical. O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1997, intitulado “O Estado num Mundo em Transformação” explicitou as mudanças necessárias ao novo consenso, a partir da construção de uma nova relação entre o Estado e a sociedade. A crítica ao neoliberalismo ortodoxo e ao esvaziamento das funções das instituições públicas surgiu na defesa de que o Estado seria fundamental para o processo de desenvolvimento econômico e social, mas como um elemento impulsionador desse processo e não enquanto agente direto do crescimento:
[...] o Estado é essencial para o desenvolvimento econômico e social, não como promotor direto do crescimento, mas como parceiro, catalisador e facilitador (BM, 1997, p. 1).
demandas e necessidades do reordenamento do capitalismo. As referências indicadas pela Terceira Via como de modernização estão ligadas organicamente ao (neo)liberalismo. Portanto, ela pode ser apresentada como um programa comprometido com a atualização do projeto burguês de sociedade e pela geração de uma pedagogia voltada a criar uma unidade moral e intelectual comprometida com essa concepção”.
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Para isso, o Estado deveria tornar-se mais capaz — no sentido de promover, de maneira eficiente, ações coletivas em áreas como a saúde pública, infra-estrutura básica, aplicação da lei e da ordem — e mais eficiente, entendendo como eficiência o resultado que se obtém ao utilizar essa capacidade para atender à demanda daqueles bens por parte da sociedade. Isso significa, para o BM,
[...] sujeitar as instituições públicas a uma concorrência maior, a fim de aumentar a sua eficiência. Significa melhorar o desempenho das instituições, melhorando os salários e incentivos. E significa fazer com que o Estado seja mais sensível às necessidades da população, aproximar mais o governo do povo, mediante uma maior participação e descentralização. Assim, o Relatório não só dirige a atenção para a redefinição do papel do Estado, mas também mostra como os países podem começar o processo de fortalecimento da capacidade do Estado (BM, 1997, p.4).
Dessa maneira, o BM não apenas justificou, como conduziu as reformas para ajustar o Estado às novas funções, de modo a diminuir o seu tamanho, sem aumentar a sua capacidade de intervenção (deixou, portanto, de ser o “Estado mínimo” para se tornar o “Estado necessário”). O Estado deveria, por outro lado, facilitar e garantir o bom funcionamento dos mercados. Para isso, seria preciso desenvolver a “boa governança”, o que inclui: a) a criação de um regime regulatório que atue com os mercados para promover a competição; b) a criação de um ambiente macroeconômico estável para a ação dos mercados; c) eliminação da corrupção, evitando-se não apenas a subversão dos objetivos das políticas, quanto assegurando os direitos de propriedade (WB, 2002, p.99). Entretanto, o relatório de 1999 alertou que esses esforços não lograrão efetividade se impedirem o acesso às ações do Estado a “outros grupos”. Isso porque para o BM há uma separação explícita entre Estado e sociedade e nesta, entre cidadãos e empresários. Assim, os pontos de partida para a aproximação entre o povo e o Estado devem contemplar: ampla discussão e avaliação pública dos rumos e prioridades das políticas maiores, para o que é preciso buscar os “conselhos deliberativos e comissões cívicas para recolher as opiniões e preferências dos grupos afetados”; a participação direta de organizações de usuários e beneficiários na elaboração, implementação e monitoria de bens e serviços públicos locais; a descentralização da prestação de serviços, iniciando em áreas prioritárias como a saúde, educação ou infra-estrutura (devendo o Estado introduzir mecanismos de acompanhamento e
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criar normas que impeçam ações arbitrárias nos níveis local e central); no nível local, o Estado deve concentrar-se nos processos para melhorar a responsabilidade e a competição (BM, 1997, p.137). Como se vê, a tese da sociedade sem antagonismos, na qual sobressai a participação, o diálogo e as parcerias entre governo e sociedade civil, tornou-se central no modelo de desenvolvimento econômico, político e social proposto pelos organismos internacionais. Tal qual Giddens (2001a) sinalizou, o novo “Estado democrático” deve ser capaz de garantir a sua legitimidade não apenas através da eficiência administrativa, mas aperfeiçoando seus mecanismos de democracia direta; propiciando a descentralização; despolitizando as organizações da sociedade civil e estimulando novos mecanismos de associação. A crítica ao neoliberalismo radical não significa, portanto, rejeição à concepção liberal de mercado, Estado e sociedade civil. Seria o mercado o motor do crescimento econômico; o Estado, responsável por garantir o contrato social e o ambiente adequado ao desenvolvimento econômico; e a sociedade civil, refere-se “a uma gama ampla de segmentos nãogovernamentais e sem fins lucrativos” (GARRISON40, 2000, p.13), ou, ainda, como representantes dos interesses dos cidadãos que “utilizam a ação cívica como forma de promover a democracia, a transparência dos governos e a igualdade social” (GARRISON, 2000, p.17). A tarefa educativa da aparelhagem de Estado foi considerada fundamental para o sucesso das reformas, tanto que, para o BM, o primeiro passo para aproximar o governo do povo consistiu em tornar os objetivos da reforma claramente inteligíveis para os cidadãos e a comunidade empresarial. Sendo assim, “as iniciativas para melhorar a comunicação e o consenso gerarão um duplo benefício: aumentar o apoio à reforma e dotar o governo de uma melhor compreensão de como levá-la a cabo corretamente” (BM, 1997, p.137). Os documentos mais recentes do BM confirmam as suas orientações da década de 1990, tanto no que diz respeito à relação entre Estado e mercado quanto entre Estado e sociedade. Mantém a crítica à ortodoxia neoliberal, observando que a década de 1990 testemunhou a “queda de muitos dogmas antigos sobre desenvolvimento” (BM, 2004). Conforme o Banco, a “comunidade do desenvolvimento foi muito além da oposição entre planejadores e neoliberais”, estabelecendo novos caminhos para a tomada de decisões nos
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Especialista em Desenvolvimento Social e Sociedade Civil no escritório do Banco Mundial em Brasília, elaborou o estudo intitulado “Do Confronto à Colaboração: Relações entre a Sociedade Civil, o Governo e o Banco Mundial no Brasil”, em 2000.
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diferentes países. Assim, para o BM, a segunda metade dos anos de 1990 “presenciou a consolidação gradual do consenso de que Estados e mercados são complementares. A iniciativa privada operando por meio do mercado é o principal motor do crescimento econômico sustentado” (BM, 2004, p. 5). Entretanto, para garantir essa complementaridade ao mesmo tempo em que haja o alívio da pobreza, o Estado deve ser ativo em dois aspectos fundamentais. O primeiro, diz respeito à garantia do clima de investimento propício ao desenvolvimento. Por essa razão, o Estado precisa oferecer um ambiente adequado, o que implica:
A garantia de direitos de propriedade e de contratos, a manutenção da estabilidade política e macroeconômica, o fornecimento de bens públicos e o uso (eficiente) de regulamentação e serviços públicos para cobrir os hiatos deixados pelos mercados e tratar de fatores externos (BM, 2004, p. 5).
O segundo aspecto diz respeito ao investimento nas pessoas e ao seu emponderamento, especialmente os mais pobres, para que não sejam excluídos através da educação, saúde, proteção social e dos mecanismos de participação democráticos. “Sem participação ampla, sem mais capital humano e capital social, é improvável que o desenvolvimento seja rápido e sustentável — pois a exclusão de grandes segmentos da sociedade desperdiça recursos potencialmente produtivos e gera o conflito social” (BM, 2004, p.5). Conquanto se afirme a necessidade de um Estado mais próximo do povo, a concepção liberal de Estado, mercado e sociedade civil, na perspectiva de humanização do capitalismo, tornou-se a tônica dos documentos dos organismos internacionais a partir de meados da década de 1990. Dessa forma, o projeto de sociabilidade ou de conformação social estimula a capacidade e habilidade individual, por um lado, e, de outro, incentiva o capital social, via políticas que levem à participação cívica e ao associativismo envolvendo tanto o setor privado como grupos da sociedade civil. E nessa direção, o setor social, incluindo a educação, foi assumindo, desde os anos de 1970, um papel privilegiado no projeto de financiamento do Banco Mundial. Neste sentido, há um consenso entre os diversos pesquisadores (DE TOMMASI; WARDE e HADDAD, 1998; LIMA, 2005; MELO, 2004, 2005; FONSECA, 1998A; 1998B; MAUÉS, 2003; TORRES, 1998; SANTOS, 2000; BARRETO & LEHER, 2003, entre outros) que nos
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autoriza a afirmar que o BM, nos últimos anos, tornou-se o organismo internacional com a maior influência na educação mundial. Essa influência se deve não tanto pelo volume de financiamento41, mas porque não apenas tornou-se a principal instituição de assistência técnica a educação nos países periféricos, quanto fonte e referencial de pesquisa na área de educação no plano internacional, substituindo, em parte, até mesmo a UNESCO (TORRES, 1998). Dessa forma, os organismos internacionais se tornaram fundamentais para a construção da nova sociabilidade do capital, na medida em que tanto nortearam o reordenamento da aparelhagem estatal quanto a formação de uma nova cultura, que se espraiou em todos os âmbitos da sociedade. Como veremos neste capítulo, a educação, orientada principalmente pelo BM e pela UNESCO, passou a ter um papel fundamental na formação do novo intelectual urbano e na difusão dos novos modos de ser, pensar e agir. A formação de professores assume um papel estratégico para garantir tanto a formação da cultura cívica quanto para capacitar os trabalhadores, tornando-se também um intelectual urbano de novo tipo. A Educação a Distância e a formação em serviço assumirão uma importância fundamental como estratégia de formação de professores, responsável pela aceleração da conformação à hegemonia do capital.
2.2. As diretrizes dos organismos internacionais e a formação de professores para o ensino fundamental
As reformas educacionais empreendidas na América Latina e Caribe a partir do final dos anos de 1980, encaminhadas pelo projeto neoliberal, cumpriram tanto a meta de redução do gasto público quanto a preocupação dos organismos internacionais com o alívio da pobreza e a garantia da coesão social nos países periféricos, resultado das mudanças na produção, da restrição da criação científico-tecnológica na periferia do capital, dos movimentos de 41
Segundo o BM (1996, p. 17), “a principal contribuição deve consistir no assessoramento destinado a ajudar aos governos a elaborar políticas de educação adequadas às circunstâncias dos países. O financiamento do Banco se destinará, em geral, para fomentar o gasto e as reformas das políticas por parte das autoridades nacionais”. Em 1999, avaliando as reformas educacionais da América Latina e do Caribe (ALC), diria que: “O Banco considera que sua função de apoio ao setor da educação não se limita a de provedor de fundos, como também a de servir de fonte de informações pertinentes que possam ajudar aos governos de ALC a planejar reformas, executar planos de ação e avaliar os resultados” (BM, 1999, p.112)
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flexibilização do trabalho e das relações trabalhistas, impactando diretamente nas expectativas educacionais. Essas mudanças se realizaram concomitantemente às mudanças no próprio neoliberalismo, quando o novo projeto de sociabilidade passou a ter um caráter menos economicista e mais “humanizado”, no momento em que a social-democracia se atualizou na Terceira Via (MELO, 2004). A educação, ao fazer parte da agenda do BM desde o início dos anos de 1960, apresentou, conforme Fonseca (1998a), duas tendências: a primeira diz respeito à busca de integração dos objetivos dos projetos educacionais à política de desenvolvimento econômico do Banco para a comunidade internacional; a segunda tendência foi a de se atribuir à educação um caráter compensatório, como estratégia de alívio à pobreza (FONSECA, 1998a, p. 231-232). A compreensão do BM a respeito das políticas de investimento e de orientação para a educação sofreu mudanças significativas desde os primeiros financiamentos para o setor: nos anos finais de 1960, os empréstimos tinham como foco principal a estrutura física e a educação para o provimento de técnicos para o setor produtivo, portanto, voltada para o então nível de segundo grau. A partir dos anos finais de 1970 ocorreu um redirecionamento radical de sua ação, quando passou a assumir o alívio à pobreza como a meta de suas ações sociais. O que se viu, então, foi um incremento na educação primária (anos iniciais do ensino fundamental) e também no seu papel de assistência técnica42, concomitantemente à redução dos empréstimos para a educação secundária (TORRES, 1998, p. 128). A ação coordenada e integrada entre as ações do BM e a UNESCO se delineou e se consolidou em 1990, quando se estabeleceu uma agenda mundial para a educação e para as reformas educacionais nos países periféricos. A Conferência Mundial sobre Educação para Todos, ocorrida em março de 1990, em Jomtien, Tailândia, realizada e financiada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Banco Mundial significou um marco nessas ações coordenadas. Embora os diferentes organismos organizadores da Conferência expressassem concepções diferenciadas, tanto no que se refere à relação educação e desenvolvimento social e econômico quanto sobre políticas de universalização da educação básica, isso não representou 42
De acordo com o BM, o aumento do financiamento para a educação foi acompanhado de uma série de documentos e estudos sobre política educacional nos “países em desenvolvimento”: Educação na África SubSaariana (1988), Educação Primária (1992), Educação Técnica e formação profissional (1992) e O Ensino Superior (1992). Além desses estudos setoriais, os Relatórios sobre o Desenvolvimento Mundial mais recentes, A pobreza (1990), A tarea acuciante del desarrollo (1991), Investir em Saúde (1993) e O Mundo do Trabalho em uma economia integrada (1995) evidenciaram o relevo da educação para o desenvolvimento (BM, 1996, p.xiii).
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uma ruptura, já que expressavam muito mais pontos em comum do que divergentes. Assim, a Conferência definiu a universalização do acesso à educação básica (com ênfase na educação primária) e a redução da taxa de analfabetismo entre os adultos como prioridades para a década da educação, revigorando as prioridades já definidas pelo BM. A partir de Jomtien, todas os documentos dos organismos internacionais sobre educação aprofundaram as orientações do encontro. A UNESCO passou a utilizar o lema Educação para Todos (EPT) em todos os seus relatórios a partir desse evento. A “Declaração Mundial de Educação para Todos”, documento final da Conferência, indicou, entre outros, o compromisso e a participação de todos os segmentos da sociedade — famílias, professores, comunidades, empresas privadas, organismos governamentais, instituições etc. —, no planejamento, gestão e avaliação das diretrizes para a educação básica, de forma a promover a transformação da escola num centro de qualidade e cidadania. A estas questões agregaram-se estratégias de análise de eficiência, de utilização de tecnologia e de gestão, de forma a melhorar a qualidade da educação. O papel do professor também foi destacado, bem como a necessidade de melhoria das condições de trabalho, capacitação inicial e em serviço, remuneração e carreira (UNESCO, 1990). O fato é que esse documento terá uma importância fundamental nas reformas educacionais do início dos anos de 1990, imprimindo uma relação estreita entre qualidade, eqüidade e financiamento, estabelecendo a idéia de que a gestão de qualidade garante o acesso, o progresso e o sucesso do aluno na escola que administre bem os seus (parcos) recursos. A partir da Conferência, a “nova agenda para a educação básica” (educação básica correspondendo, no sistema educacional brasileiro, às séries iniciais do ensino fundamental) significou a renovação das políticas do BM para a educação. Em documento de 1991, o Banco se referiu a um estudo que realizou, a partir da Conferência, para “ajudar os governos nas difíceis decisões entre oportunidades de investimento para a priorização da educação básica” (BM, 1991, p.59). E concluiu que três áreas devem ser contempladas: a primeira, o ambiente de aprendizagem, que deve oferecer aos estudantes uma educação de qualidade, “definida como a que permite aos estudantes adquirir conhecimentos e habilidades principais especificadas nos currículos nacionais”; a segunda, a estrutura, a administração e gerenciamento mais efetivos; o terceiro requisito para a melhoria do sistema educativo são a preparação e a motivação dos professores, que deverão ser
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graduados em escolas secundárias, eliminando a necessidade de resoluções acadêmicas caras em faculdades de formação de professores. Competências pedagógicas, hoje largamente negligenciadas, podem ser adquiridas em programas curtos de treinamento de professores, seguindo o conteúdo da educação geral de nível secundário. Professores devem ser melhor pagos (com salários ligados a possibilidades de progressão na carreira); eles também devem ter melhores condições de trabalho e reforço a capacidade institucional do sistema educativo (BM, 1991, p. 59-60).
Como se vê, os pilares da “educação de qualidade” são claramente esboçados: a aquisição de competências e habilidades, tão em voga na reforma educacional em todos os níveis e modalidades, orienta a educação como um todo, aliada à centralidade em conteúdos que enfatizem a idéia de valorização do “capital humano” e da necessidade de flexibilização da formação para o trabalho. Como destacou Melo (2004), o desemprego estrutural “estimula a aceitação dos termos do conceito de empregabilidade pelo próprio movimento organizado dos trabalhadores” (MELO, 2004, p. 190), razão pela qual, para a formação do trabalhador, os conceitos de “educação ao longo da vida” e “educação permanente”, ao se associarem à obtenção de competências e habilidades, delinearam a dimensão ético-política da formação para a nova sociabilidade. Nessa direção, a CEPAL/UNESCO publicaram, em 1992, o documento “Educación y conocimiento: eje de la transformación productiva con equidad”, no qual afirmaram a importância da educação para formar os recursos humanos para os novos tempos:
A difusão de valores, a dimensão ética e os comportamentos próprios da cidadania moderna, assim como a geração de capacidades e competências indispensáveis para a competitividade internacional (crescentemente baseada no progresso técnico) recebem um aporte decisivo da educação e da produção de conhecimento em uma sociedade. A reforma do sistema de produção e de difusão do conhecimento é, assim, um instrumento fundamental para enfrentar tanto o desafio no plano interno, que é a cidadania, como o desafio no plano externo, que é a competitividade. Se entende assim que esta dimensão seja central para a proposta da CEPAL sobre transformação produtiva com eqüidade (CEPAL/UNESCO, 1992, p.17).
A formação do professor para atender aos novos requisitos obteve uma atenção relativa nesses primeiros anos da década de 1990, restrita à sugestão de que tal formação fosse
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realizada através de cursos e treinamentos rápidos, dispensando-se a formação universitária. Nos documentos, o professor passou a ser considerado um insumo fundamental para a aprendizagem. Conforme veremos, embora a formação do professor, ao longo dos anos de 1990, atravesse um processo de “universitarização” (SILVA, W., 2001)43, o caráter técnico, traduzido em habilidades e competências a serem adquiridas em cursos mais rápidos, centrado na prática pedagógica e com um esvaziamento da dimensão teórica necessária à uma formação “teoricamente sólida e fundada nos princípios de uma formação de qualidade e relevância social” (ANFOPE, 2004, p.14), se torna cada vez mais consolidado no conjunto das propostas dos organismos internacionais. O fato é que, ao longo dos anos de 1990, os organismos internacionais constroem um perfil definido do professor adequado aos novos tempos, envolvendo desde a formação inicial aos salários e condições de trabalho e a necessidade de profissionalização do professor. A proposta de educação e de formação de professores assumiu mais vigor no documento “Prioridades y Estrategias para la Educación”, publicado originalmente em inglês em 1995 e reeditado em espanhol em 1996, no qual o Banco explicitou as seis mudanças mais importantes ocorridas nos 15 anos que antecederam a publicação deste documento setorial: (i) o volume total de empréstimo para a educação foi triplicado; (ii) aumentou a importância da educação primária e secundária, que em 1994 e 1995 passaram a receber a metade do total de empréstimos para a educação; (iii) os empréstimos passaram a ocorrer em todas as regiões do mundo, já que anteriormente se concentrava na África, Ásia oriental e Oriente Médio; (iv) a educação das meninas passaram a receber uma atenção especial; (v) os recursos para a construção de prédios passaram a ser menos prioritários do que outros insumos educacionais (livros, capacitação de professores, tempo de instrução, avaliação da aprendizagem, entre outros); (vi) aumentou-se o enfoque setorial mais amplo, ao invés do enfoque restrito anterior (BM, 1996, p.162). Com efeito, o BM afirmou que seus programas incentivariam os governos a dar mais prioridade à educação e à reforma da educação, especialmente na medida em que a reforma econômica se tornasse um processo permanente (BM, 1996, p.17), ao mesmo tempo em que evidenciou que a educação, principalmente a primária e a secundária, é essencial para o 43
Segundo o autor, o processo de universitarização significa a tendência preconizada pela LDB, pelos movimentos organizados (sendo também uma tendência internacional) de que a formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental ocorra em nível superior (Silva, W., 2001, p. 120). A universitarização, diz Maués (2003), é uma forma de qualificar melhor a formação e contribuir para a profissionalização dos professores, pois representa um aprofundamento dos conhecimentos e a possibilidade de um maior domínio no exercício do magistério. Contraditoriamente, em vários países, como é o caso do Brasil, seguindo as orientações dos organismos internacionais, o processo de universitarização ocorreu fora das universidades.
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crescimento econômico e alívio à pobreza, ao aumentar a produtividade do trabalho dos pobres, reduzir a fecundidade e melhorar a saúde, além de preparar as pessoas para que participem plenamente tanto da vida econômica quanto na sociedade (BM, 1996, p.21). Para o BM, a educação se constituiu numa importante ação para garantir o consenso mundial: “a educação produz conhecimentos, capacidades, valores e atitudes. É essencial para a ordem cívica, para a cidadania e para o crescimento econômico sustentável e para diminuir a pobreza” (BM, 1996, p.xi.). Esse propósito cívico atribuído à educação “consiste em que toda a sociedade compartilhe os mesmos valores”, tanto mais que a educação pode contribuir para o crescimento econômico, para o alívio à pobreza e para um bom governo, essenciais para que políticas sociais e econômicas racionais sejam postas em prática (BM, 1996, p.xi.). A partir do objetivo explícito de delinear as opções de política educacional para os países periféricos para enfrentar os desafios educacionais, na medida em que se aproxima o século XXI (BM, 1996, p.xii), o documento explicitou os desafios mais importantes a serem vencidos: (i) o acesso à educação em alguns países, especialmente na África, Ásia meridional e no Oriente Médio e no Norte da África, onde o índice de evasão e analfabetismo é altíssimo; (ii) a melhoria da eqüidade, que afeta principalmente os pobres, as minorias lingüísticas e étnicas, nômades, refugiados, crianças de rua e que trabalham; (iii) elevação da qualidade, em todos os países “em desenvolvimento”, cujo nível de rendimento está muito abaixo dos países industrializados; (iv) em alguns casos, acelerar o ritmo das reformas educacionais (BM, 1996, p.2-3). A reforma do financiamento e da administração da educação se articula com uma redefinição do papel do governo em seis aspectos essenciais, cuja prioridade, para o BM, dependerá das especificidades de cada país. Sinteticamente, essas prioridades eram: a prioridade para a educação básica (entendida pelos organismos internacionais como os quatro primeiros anos de escolaridade), dada a sua importância para o desenvolvimento econômico e o alívio à pobreza; a atenção aos resultados, que significa a necessidade de, através de análises econômicas, do estabelecimento de normas e da avaliação dos resultados através da avaliação educacional, se constituírem não somente como prioridades para a política educacional, mas também para verificar o aprendizado; investimento público para a educação básica, diminuindo os recursos para o ensino secundário e para o ensino superior, para o qual se sugere a cobrança de mensalidades e outros investimentos privados; atenção à eqüidade, que supõe dois eixos: a) o direito de todos à educação básica e b) a obrigação do governo em universalizar esse nível de educação; participação dos pais, da comunidade, que
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é uma tendência mundial; finalmente, a autonomia das instituições, através de medidas administrativas e financeiras, garantindo-se os limites dessa autonomia através da avaliação nacional. Dessa maneira, priorizando a educação fundamental e deixando o ensino médio e o superior à mercê de investimentos privados, esboçaram-se os contornos das políticas de financiamento educacional, deixando claro o empenho na redução dos investimentos públicos, num processo de desresponsabilização direta do Estado e privatização da educação superior. Fundamental para o processo educativo, o professor também foi considerado um dos insumos mais caros do sistema educacional, conforme antecipava o Documento para Discussão do Banco Mundial intitulado “Mejoramiento de la Calidad de la Educación Primaria en América Latina y el Caribe: Hacia el Siglo XXI”, de 1994
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(WOLFF;
SCHIEFELBIN & VALENZUELA, 1994, p. 5). Isso porque, para o BM, a qualidade da educação é determinada tanto pelas condições de aprendizagem quanto pelos resultados obtidos pelos estudantes. Assim, a presença da “tecnologia” da aprendizagem tornou-se importante, a partir de alguns insumos: “a capacidade e a motivação do aluno para aprender; a matéria que deve aprender; um professor que conhece a matéria e que é capaz de ensiná-la; tempo para a aprendizagem; as ferramentas necessárias para o ensino e a aprendizagem” (BM, 1996, p.81-82). Assim, adjetivado como insumo necessário para a qualidade educacional, o professor, na percepção do BM, tem um papel estratégico, uma vez que o seu conhecimento da matéria está estreita e sistematicamente relacionado ao rendimento dos alunos (BM, 1996, p. 90, 1999, p.96), devendo, inclusive, ter o seu “rendimento” avaliado através de provas: “As prioridades educacionais devem estabelecer-se, tendo em conta os resultados, utilizando-se análises econômicas, estabelecendo normas e medindo os resultados através da avaliação da aprendizagem” (BM, 1996, p.10). Para os consultores do Banco, a reforma do ensino na América Latina e Caribe deveria se constituir em cinco estratégias: (i) a adequação do ensino a uma população determinada e ao contexto específico ao qual se destina, para o que é necessário que o professor se conscientize que o processo de ensino-aprendizagem está ligado ao ambiente ao qual se 44 Os Documentos para Discussão do Banco Mundial são assinados: Laurence Wolff, oficial sênior de operações da Divisão de População e Recursos Humanos do Departamento Técnico da Região da América Latina e do Caribe; Ernesto Schiefelbein, Diretor do Escritório Regional para América Latina e Caribe da UNESCO; Jorge Valenzuela é economista de recursos humanos do Departamento Técnico da Divisão de Recursos Humanos da Região da América Latina e Caribe.
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desenvolve. Por essa razão, é indispensável dar ao professor ferramentas adequadas, além de assegurar-se da definição e implementação dos objetivos da aprendizagem; (ii) é preciso dispor de técnicas eficientes de ensino para classes multisseriadas para atender às escolas rurais; (iii) é importante também implementar novas técnicas eficientes de ensino de leitura; (iv) favorecer o enfoque bilíngüe nos países onde se falam línguas nativas e (v) a aprovação flexível dos alunos (WOLFF; SCHIEFELBIN & VALENZUELA, 1994, p. 5-6). A fim de garantir o cumprimento das estratégias, tanto os livros e materiais educativos eram essenciais, quanto a capacitação dos professores em serviço, diretamente relacionada ao trabalho a ser desenvolvido. A formação inicial dos professores deverá ser encurtada, além de ter uma ênfase maior na prática pedagógica (WOLFF; SCHIEFELBIN & VALENZUELA, 1994, p. 7). A formação em nível superior, que não aparece no documento de 1996, deverá ser apenas para os professores do ensino secundário, pois pode ser “contraproducente na preparação dos professores da escola primária”, que, ao ingressarem na universidade, poderiam optar por outras profissões mais rentáveis (WOLFF; SCHIEFELBIN & VALENZUELA, 1994, p. 80). Vistos dessa forma, a formação/capacitação docente não ocupou um lugar importante nas políticas do BM nos primeiros anos da década de 1990. O professor foi considerado apenas como um insumo a mais ao lado de outros (livros, biblioteca, tempo para aprendizagem, entre outros). Para ser competente e atender à reforma, preparando as novas gerações para ajustar-se ao padrão de desenvolvimento contemporâneo, inserindo-as no mercado de trabalho e colaborando para a “redução da pobreza”, necessitava de uma formação mais técnica e voltada para a prática, cujo resultado deveria ser medido através de avaliação do seu rendimento e da aprendizagem do aluno. Como Torres (1998) analisou sobre esse momento, no que se refere aos docentes, o Banco Mundial tinha duas questões “particularmente embaraçosas”: o salário e a formação/capacitação dos professores. Ainda que se reconheça na recente trajetória do Banco Mundial uma preocupação na direção de que a formação dos docentes é fator determinante para a qualidade da educação e o rendimento escolar, a formação/capacitação continuou ocupando um lugar (e um investimento) marginal entre as prioridades e estratégias propostas pela instituição. Entretanto, na segunda metade dos anos de 1990 esse quadro se modificou. A importância do professor para a aprendizagem foi ampliada nos documentos dos organismos internacionais, que passaram a dar ênfase à educação/formação docente, indicando também, de forma mais objetiva, o perfil do professor que se quer formar. Dito de outro modo, a partir dessa época o papel pedagógico da educação escolar na conformação do novo homem
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coletivo tornou-se ainda mais imprescindível e, por essa razão, os contornos da formação do professor enquanto intelectual difusor dessa nova sociabilidade assumiu uma nova dimensão. Se, nos primeiros anos, sob os auspícios da Conferência de Jomtien, as orientações para as reformas foram muito mais técnico-políticas, na perspectiva de se garantir a educação fundamental para todas as pessoas, condição necessária para o desenvolvimento dos países e para diminuir a pobreza, doravante se ampliaram, assumindo cada vez mais um caráter éticomoral, razão pela qual o foco da educação tornou-se o desenvolvimento de capacidades que envolvem o “aprender a aprender”, o acesso e o domínio das TIC, o relacionar-se com os outros e o sentido ético necessário à conformação social, preparando as pessoas para viverem em um mundo em constante mudança e extremamente competitivo (UNESCO, 1998). Durante toda a década, os documentos tanto do BM quanto da UNESCO trarão a formação docente inicial e continuada como estratégia fundamental para o sucesso da reforma escolar, mantendo, todavia, a mesma direção apontada para a educação em geral. Assim, nos documentos iniciais da década de 1990 (WOLFF; SCHIEFELBIN & VALENZUELA, 1994; BM, 1996), o professor seria nada mais que um “insumo”, com o mesmo grau de relevância de outras “tecnologias educacionais”, no momento subseqüente, passou a assumir um certo protagonismo na reforma educacional, uma vez que se alargou o papel e a concepção da educação como mecanismo de manutenção da hegemonia:
Acredita-se que a educação pode contribuir para: promover o desenvolvimento sustentável que favoreça a superação da pobreza, a redução das desigualdades e o aumento da coesão social. Fomentar e concretizar relações estáveis e harmônicas entre as comunidades e promover a compreensão mútua, tolerância, democracia e a paz (UNESCO, 1998, p. 17).
Isso se verifica, por exemplo, no documento do BM de 1998, intitulado “Desarrollo Profesional del Maestro: creando un impacto”45. Nesse documento, a importância da “educação do professor” para o sucesso dos alunos foi apresentada, ao lado de outros aspectos ligados às habilidades e competências necessárias para o bom desempenho docente. Nesse
45
Helen J. Craig, Especialista en Educación da Academia para el Desarrollo Educativo, Washington, DC; Richard J. Kraft, Profesor Universitario, Universidad de Colorado-Boulder; Joy du Plessis, Asociado de Investigación, Universidad de Colorado-Boulder
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momento, o professor deixou de aparecer como mais um “insumo” educacional. A importância da participação do professor para o sucesso das reformas é bastante enfatizada:
a informação disponível e os estudos de caso prático confirmam que quando os professores participam ativamente da tomada de decisões sobre as reformas [...] sua motivação é mais alta e o sucesso dos estudantes tende a aumentar ainda mais” (CRAIG; KRAFT & PLESSIS, 1998, p.xi).
Essas mudanças são explícitas no documento do BM de 1999, em que avalia “a primeira geração de reformas” da educação na América Latina e Caribe. Segundo o Banco, essas reformas tiveram pouco impacto na pedagogia e formação de professores, dado que a mudança de atitude e de comportamento necessários para modificar a prática em sala de aula exigiria um forte apoio profissional, através de capacitação inicial e continuada. Assim, para a segunda etapa das reformas, seria urgente que se criassem
[...] maneiras de desenhar incentivos que facilitem o desenvolvimento de uma ‘instituição de aprendizagem’ em cada escola e na profissão docente em conjunto. Os professores devem desenvolver a capacidade de avaliar seus próprios métodos pedagógicos, identificar problemas e buscar soluções, e para este tipo de desenvolvimento profissional necessitarão contar com o apoio de supervisores, instrutores de professores e com o desenvolvimento de redes locais de apoio aos professores (BM, 1999, p.95).
Em consonância com os documentos da UNESCO, novos conceitos e expressões passaram a fazer parte das publicações orientadoras do conjunto das reformas educacionais: educação ao longo da vida, treinamento de habilidades, desenvolvimento de competências, harmonização de práticas e padrões educacionais com vistas à formação da força de trabalho, voluntariado, parcerias entre empresas e governo, responsabilidade, novo individualismo, correspondem à renovação da concepção hegemônica para a educação e para a nova sociabilidade. Bernard Kliksberg46 recomendou a necessidade de, na América Latina, realizar um amplo trabalho em cultura com vistas à difusão sistemática de valores, tais como
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Consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento e Consultor da UNESCO.
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a solidariedade [...] a cooperação, a responsabilidade de uns pelos outros, o cuidado conjunto do bem estar coletivo, a superação das discriminações, a erradicação da corrupção, atitudes pró-melhoramento da eqüidade [...] e de atitudes democráticas (KLIKSBERG, 2002, p.55).
Essas questões poderiam “claramente contribuir para o desenvolvimento, além de ajudar a definir o papel final da sociedade” (KLIKSBERG, 2002, p.55). Em documento de 2002, intitulado “Construyendo Sociedades del Conocimiento: Nuevos Retos para la Educación Terciaria” (SALMI, 200347), o BM assumiu, com a OCDE, um novo conceito: o conceito de “Educação Terciária”, significando
[...] um nível ou uma etapa de estudos posterior a educação secundária. Estes estudos são realizados em uma instituição de educação terciária, como universidades públicas e privadas, institutos de educação superior e politécnicos, assim como em outros locais como escolas secundárias, locais de trabalho ou cursos livres, através da tecnologia informática e grande variedade de entidades públicas e privadas (WAGNER, 1999 apud RAMPHELE, 200348, p.xi).
Considerada pelo BM um pilar fundamental para o desenvolvimento humano em todo o mundo, a educação terciária não se destina somente à aprendizagem continuada, mas ao “treinamento” essencial de “professores, médicos, enfermeiros, funcionários públicos, engenheiros, humanistas, empresários, cientistas, sociólogos e especialistas”, intelectuais orgânicos fundamentais para formar a nova sociabilidade:
São estes indivíduos que desenvolvem a capacidade e as atitudes analíticas necessárias para impulsionar as economias locais, apoiar a sociedade civil, educar as crianças, liderar governos eficazes e tomar decisões importantes que afetam ao conjunto da sociedade (RAMPHELE, 2003, p.xi).
47 O documento original foi publicado em inglês, em 2002. A versão em espanhol, utilizada aqui, foi publicada em 2003. Jamil Salmi foi o líder da equipe que preparou o informe, com o apoio do grupo de Educação Terciária do Banco Mundial. 48 Mamphela Ramphele é Diretora Geral de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial, e escreveu o prólogo do documento “Construyendo Sociedades del Conocimiento: Nuevos Retos para la Educación Terciaria”.
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As instituições de educação terciária assumiram, portanto, importância fundamental para a construção de “sociedades civis saudáveis e cultura de coesão social”, por serem capazes de “transmitir os conhecimentos, as normas e as atitudes” necessárias para formar o “capital social” para a nova sociabilidade (SALMI, 2003, p. 5). Por essa razão, a capacitação de professores e diretores escolares também seria uma das principais responsabilidades das instituições de educação terciária, considerando que
O vínculo entre a educação terciária e os demais níveis educativos pode estimular um círculo virtuoso de capacitação na medida em que a qualidade da educação terciária afeta a qualidade da primária e secundária, enquanto a qualidade dos egressos da secundária, por sua vez, influenciam na qualidade da educação terciária (SALMI, 2003, p.6)
Para o BM, a reforma da educação superior nos países periféricos, que passaram a possuir um “sistema de educação terciária”, é necessária para a criação, divulgação e aplicação do conhecimento de maneira eficaz, além de construir capacidade técnica e profissional para a sua inserção na “economia mundial altamente competitiva”. Ao mesmo tempo, o acesso à “educação terciária” contribuiria para o “alívio das desigualdades e dos problemas sociais” (SALMI, 2003, p. 24). É fundamental compreendermos que, para o BM, as universidades tradicionais continuarão existindo, “com um papel muito importante tanto nos países industrializados como nos países em desenvolvimento, sobretudo no que concerne à formação e investigação avançados” (SALMI, 2003, p. 48). Significa dizer que, para poucos, a universidade; para “todos”, educação terciária. Nos temos do documento, são “novos programas educativos e [para] novos clientes”. Assim, se nesta etapa os organismos internacionais ampliam a idéia de “educação para todos” (ou massificação da educação primária) para atingir novos patamares de escolaridade, esta ampliação se mantém circunscrita também à idéia de massificação, agora do ensino superior, com vistas à difusão dos aspectos técnicos e ético-políticos da nova sociabilidade. Nesta direção, “a Educação a Distância e as Universidades Abertas representam novos veículos para aumentar a cobertura e facilitar o acesso à educação terciária” (SALMI, 2003, p. 104). Nessa direção, essa estratégia — a educação como principal instrumento de difusão da nova sociabilidade e a formação de professores enquanto estratégia para realizar essa educação — teve como reforço notável o relatório da Comissão Internacional sobre a
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Educação para o Século XXI, cuja tradução para o português recebeu o título sugestivo de Educação: um tesouro a descobrir. Esta Comissão, criada oficialmente pela UNESCO no início de 1993, foi financiada pela instituição e presidida por Jacques Delors49 e contou ainda com a participação de catorze especialistas de diversas regiões do mundo. Além de ter à sua disposição um secretário da UNESCO, a Comissão “pôde tirar partido dos preciosos recursos ao dispor da UNESCO e da sua experiência profissional, assim como de um impressionante acervo de informações”. Entretanto, a Comissão conduziu “os seus trabalhos e elaborou as suas recomendações com toda a independência” (DELORS, 1998, p. 268). Inspirador da reforma educacional tanto no nível básico quanto na formação de professores, os pressupostos do Relatório foram amplamente incorporados pelo discurso oficial, razão pela qual pode se afirmar que os objetivos enunciados no documento foram cumpridos:
Este relatório deverá propor perspectivas, tanto políticas como relacionadas com a prática da educação, que sejam ao mesmo tempo inovadoras e realistas, tendo em vista a grande diversidade de situações, de necessidades, de meios e de aspirações, segundo os países e as regiões. Destinar-se-á, principalmente, aos governos, mas sendo um dos seus objetos tratar do papel da cooperação e da ajuda internacional em geral e, mais em particular, do papel que cabe à UNESCO, a Comissão deverá também esforçar-se por formular, nesse relatório, recomendações úteis aos organismos internacionais (DELORS, 1998, p.272).
A partir de um discurso que objetiva romper com práticas e princípios do ensino tradicional, que não atendem ao mundo em transformação, o relatório apresentou a necessidade de um novo paradigma para a educação.
A definição do papel a ser
desempenhado pela educação, pela escola e pelo professor, as competências necessárias à formação para a nova sociabilidade, os valores a serem disseminados em toda a sociedade, as recomendações técnico-políticas e éticas para a aparelhagem estatal e para os organismos internacionais, enfim, a sua abrangência tornou-o um dos mais importantes documentos norteadores para a educação na direção da consolidação da nova pedagogia da hegemonia, se articulando, de resto, com os pressupostos do neoliberalismo da Terceira Via.
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Antigo Ministro da Economia e das Finanças da França e ex-presidente da Comissão Européia (1985-1995), foi convidado pelo diretor geral da UNESCO, Frederico Mayor, para presidir uma “comissão internacional encarregada de refletir sobre educar e aprender para o século XXI” (DELORS, 1998, p. 268)
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Segundo Abramovay et al. (2004)50, dois documentos se constituem os marcos balizadores das ações da UNESCO. O primeiro deles é de autoria de Morin (2000) – “Os sete saberes necessários à educação do futuro” – que, como sugere seu título, situa sete condições necessárias ao professor para a construção da educação do futuro, quais sejam: analisar as condições psíquicas e culturais que conduzem ao erro e à ilusão; situar informações em um contexto e um conjunto/estabelecer relações entre as partes e o todo; colocar a condição humana como centro de todo ensino; compreender que todos os seres humanos compartilham de um destino comum, diante dos problemas planetários; construir educação para a compreensão; estabelecer relação de controle entre indivíduo e sociedade pela democracia e pela concepção de humanidade como comunidade planetária; enfrentar imprevistos e incertezas. O segundo documento é o Relatório Delors (1998), que aponta como pilares para a educação no milênio recém-iniciado as seguintes condições: aprender a conhecer, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, agir no ambiente; aprender a conviver, participar e cooperar; aprender a ser, via essencial que integra os três pilares precedentes. Segundo os autores, os fundamentos presentes nestes dois documentos constituem referenciais não apenas nos processos de reorientação curricular correntes em diversos países, mas igualmente em propostas e ações de formação docente (ABRAMOVAY et al., 2004, p. 32). Essa articulação entre os pressupostos do Relatório e os da Terceira Via pode ser percebida ainda no prefácio do documento, no qual a face humanizada do novo capitalismo se revela com a afirmação de “fé na educação”:
Não como um “remédio milagroso”; não como um “abre-te sésamo” de um mundo que atinge a realização de todos os seus ideais, mas, entre outros caminhos e para além deles, como uma via que conduza a um desenvolvimento humano mais harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as guerras (DELORS, 1998, p.9).
O mundo em transformação e as mudanças necessárias à vida na sociedade da informação são norteadoras da proposta apresentada no documento. Assim, as competências,
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Abramovay et al. (2004) coordenou uma pesquisa patrocinada pela UNESCO sobre o Perfil dos Professores Brasileiros, que se articula com a pesquisa coordenada por Fanfani (2005), intitulada “La condición docente: analisis comparado de la Argentina, Brasil, Perú y Uruguay”, também patrocinada pela UNESCO.
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desenvolvidas ao longo da vida de cada pessoa se relacionam com estas mudanças e devem estar de acordo com o “mundo em transformação”. Por essa razão, o conceito de educação ao longo da vida é central no documento da Comissão e um dos pressupostos centrais da reforma da formação de professores. Este conceito, que parte do enunciado aprender a aprender, tornou-se a condição que permitirá que a educação ocupe cada vez mais espaço na vida das pessoas, constituindo-se num investimento estratégico, pois “já não é possível pedir aos sistemas educativos que formem mão-de-obra para empregos estáveis” (DELORS, 1998, p.72). Com essa proposição, para o Relatório, a distinção entre educação inicial e educação permanente estaria superada diante das realidades do mundo contemporâneo e das exigências do futuro. A educação ao longo da vida
Deve fazer com que cada indivíduo saiba conduzir o seu destino, num mundo onde a rapidez das mudanças se conjuga com o fenômeno da globalização para modificar a relação que os homens e mulheres mantêm com o espaço e o tempo (DELORS, 1998, p.105).
Embora tais mudanças ainda estejam circunscritas a uma parte do mundo, como lembra a Comissão, o processo de globalização levará à sua generalização. Como conseqüência, será necessário reorganizar os ritmos de vida, e a educação ao longo da vida permitirá “o equilíbrio mais perfeito entre trabalho e aprendizagem bem como ao exercício de uma cidadania ativa” (DELORS, 1998, p.105), nos moldes já defendidos pelo neoliberalismo da Terceira Via: “a educação precisa ser redefinida de forma a se concentrar nas capacidades que os indivíduos poderão desenvolver ao longo da vida” (GIDDENS, 2001b, p.78). Ou seja, como na “nova ordem” capitalista, é necessário um trabalhador “flexível” e “colaborador”, isto é, capaz de se adaptar aos processos de trabalho e à nova dinâmica social, a educação ao longo da vida torna-se fundamental; ou, ainda, como observou Chauí (2003, p.11), passou-se a confundir educação, entendida num sentido amplo, como “movimento de transformação interna daquele que passa de um suposto saber (ou da ignorância) ao saber propriamente dito (ou à compreensão de si, dos outros, da realidade, da cultura acumulada e da cultura no seu presente ou se fazendo)”, com “reciclagem”, exigida pelas condições do mercado de trabalho.
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Na mesma direção, ou seja, buscando construir a nova cultura cívica, o Relatório enfatizou que, dos quatro pilares-base da educação (aprender a viver juntos; aprender a conhecer; aprender a fazer e o emblemático aprender a ser), o mais importante é o aprender a viver juntos, já que os valores mais necessários ao mundo estão relacionados aos requerimentos de compreensão e ajuda mútua e harmonia. A partir do aprender a viver juntos seria possível ter o homem de novo tipo:
E a partir daí, criar um espírito novo que, graças precisamente a esta percepção de nossas crescentes interdependências, graças a uma análise dos riscos e dos desafios do futuro, conduza à realização inteligente e apaziguadora dos conflitos. Utopia, pensarão alguns, mas utopia necessária, utopia vital para sair do ciclo perigoso que se alimenta do cinismo e da resignação (DELORS, 1998, p.19).
A proposição do relatório, mais uma vez, reforça a nova concepção de cidadania da Terceira Via, que tem o individualismo como valor radical e compreende uma sociedade sem conflitos. Assim, a capacidade individual é exaltada, numa sociedade que, por não ter antagonismos, tem igualdade de oportunidades para todos. Através da responsabilidade e da solidariedade social alcança-se a “utopia” do capitalismo humanizado. Os demais pilares se articulam com esse princípio. Assim, o aprender a conhecer se constitui num “passaporte” para a educação permanente, para a aprendizagem ao longo da vida. Aprender a fazer é fundamental, pois além da sua profissão será necessário adquirir uma competência mais ampla que permita ao indivíduo enfrentar situações imprevistas e que o prepare para trabalhar em equipe. Ou seja, o indivíduo deve adaptar-se às incertezas e responsabilizar-se por sua capacidade de empregar-se, sendo tolerante com os problemas que a sociedade enfrenta e para os quais não há solução (ao menos, nessa perspectiva restrita do neoliberalismo da Terceira Via). Esta perspectiva traz uma mudança substancial em relação à qualificação profissional, já que as incertezas quanto ao emprego são fato consumado nesse início de milênio. Dessa forma, a Comissão indicou que a aprendizagem deva se adaptar às transformações no mundo produtivo, razão pela qual a aprendizagem permanente ou ao longo da vida pode contribuir para a “empregabilidade”. O aprender a ser, um dos pilares da educação para o século XXI, foi recuperado pela Comissão de um outro documento da própria UNESCO, coordenado por Edgar Faure e
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publicado em 1972. Segundo a Comissão, essa competência continuaria atual, “dado que o século XXI exigirá de todos nós grande capacidade de autonomia e discernimento, juntamente com o reforço da responsabilidade pessoal, na realização de um destino coletivo” (DELORS, 1998, p.20). A sociedade educativa baseia-se “na aquisição, atualização e utilização dos conhecimentos [...]” razão pela qual “a educação deve permitir que todos possam recolher, selecionar, ordenar, gerir e utilizar as mesmas informações” (DELORS, 1998, p.20-21). Além disso, a educação ao longo da vida implica que se estudem novas formas de certificação dos diplomas e das competências individuais adquiridas. Ao compreender que o papel dos professores é determinante na formação de atitudes que criem as condições para o sucesso da educação formal e da educação ao longo da vida, a comissão reconheceu a necessidade de “melhorar o recrutamento, a formação, o estatuto social e as condições de trabalho dos professores”; por outro lado, esses aspectos são importantes porque “estes [os professores] só poderão responder ao que deles se espera se possuírem os conhecimentos e as competências, as qualidades pessoais, as possibilidades profissionais e as motivações requeridas” (DELORS, 1998, p.153). É por isso que o relatório detalha os aspectos que contribuem para a melhoria da qualidade e da motivação dos professores. Em primeiro lugar, sugerindo a necessidade de melhorar a seleção de professores, ampliando a base de recrutamento. Em segundo, tratando da formação inicial, que deve ter como base os quatro pilares da educação e ocorrer em cooperação com as universidades ou em ambientes universitários. O documento enfatizou que a formação contínua é tão ou mais determinante para a qualidade do ensino que a formação inicial. Para essa finalidade, a Comissão observou que
o recurso a técnicas de ensino a distância pode ser uma fonte de economia, além de permitir que os professores continuem a assegurar o seu serviço, pelo menos em tempo parcial. Pode, também, ser um meio eficaz de introduzir reformas, novas tecnologias ou novos métodos. A formação contínua não deve desenrolar-se, necessariamente, apenas no quadro do sistema educativo: um período de trabalho ou de estudo no setor econômico pode também ser proveitoso contribuindo para a aproximação do saber e do saber fazer (DELORS, 1998, p.160).
O recrutamento e o aperfeiçoamento de professores de formação pedagógica também receberam destaque, com a observação de que estes, com o tempo, também possam contribuir
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para novas práticas pedagógicas. Há uma ênfase especial no controle do desempenho dos professores, de forma a identificar e recompensar os que se destacam. Para isso, seria necessário avaliar a aprendizagem dos alunos, relacionando-a ao papel desempenhado pelos professores na obtenção dessa aprendizagem. Nesse sentido, mantém a linha pela qual a UNESCO e o BM já defendiam desde o final dos anos de 1980 e início de 1990. Outro aspecto apontado pela Comissão diz respeito à reforma nos sistemas de gestão, também necessário para “libertar os professores das tarefas administrativas que os ocupam diariamente e levar a uma concentração sobre os fins e métodos de ensino, em determinados contextos” (DELORS, 1998, p. 160). A participação dos pais e de outros agentes exteriores à escola também se tornou uma recomendação do documento. Finalmente, as condições de trabalho foram mencionadas. Segundo o relatório, é preciso oferecer condições de trabalho satisfatórias e remuneração adequada, de acordo com o nível de formação. Ao mesmo tempo, sugere a concessão de incentivos para a permanência dos professores em “zonas afastadas ou locais pouco convidativos” (DELORS, 1998, p. 161). O Relatório Delors (1998) explicitou objetivamente a necessidade de adesão do professorado à reforma, sem os quais o seu sucesso ficaria comprometido. A importância dessa adesão será reafirmada em vários documentos subseqüentes (UNESCO, 1998; UNESCO/OREALC, 2007; BM, 1999; BM 2006, entre outros). Para conquistar a adesão à reforma, de um lado, os organismos passam a reconhecer a necessidade de revalorização do estatuto do professor, o seu pleno acesso à formação inicial e continuada; de outro, desenvolvem argumentos que visam educá-lo para educar o consenso das novas gerações. Assim, como vivemos numa sociedade sem antagonismos, as organizações sindicais, embora tenham um “espírito corporativo na defesa dos próprios interesses”, devem superar as “desavenças” e encarar sob uma “nova luz” o diálogo entre os professores e a sociedade, entre os poderes públicos e suas organizações sindicais (UNESCO/PRELAC, 1998, p.27). Ao mesmo tempo, os professores precisam estar preparados para encarar os novos desafios, como os problemas que se colocam “à porta da escola” (pois pertenciam às crianças não escolarizadas) e que agora “entram com os alunos nos estabelecimentos de ensino”. A “pobreza, fome, violência, droga”, portanto, são problemas a ser enfrentados pelos professores, que precisam “esclarecer os alunos sobre o conjunto das questões sociais desde o desenvolvimento da tolerância ao controle de natalidade, mas também que obtenham sucesso em áreas em que os pais, instituições religiosas e poderes públicos falharam, muitas vezes”
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(UNESCO/PRELAC, 1998, p. 154). A exploração e a dominação da sociedade capitalista não são objeto de discussão na escola, já que não existe alternativa para essa situação. Assim, os problemas sociais, conseqüência dessa exploração, devem ser tratados como parte integrante da sociedade, para os quais é necessário ter tolerância e compreensão. A primeira Reunião Intergovernamental do Projeto Regional de Educação para América Latina e Caribe (PRELAC) 2002-2017, como mais um desdobramento das ações da UNESCO sobre Educação para Todos, ocorreu em Havana, Cuba, em novembro de 2002. O projeto foi aprovado pelos Ministros da Educação da região, como o foi o modelo de acompanhamento proposto, além de promulgarem a Declaração de Havana em que ratificam seu apoio político ao projeto. Também para esse fórum, os professores constituem o aspecto mais importante na organização e na prestação dos serviços educacionais. Por isso, recomendaram: a adoção de políticas integrais de formação inicial e em serviço; revisão dos requisitos de admissão, permanência e desenvolvimento na carreira; observância do desempenho,
o
compromisso
com
os
resultados
e
a
remuneração
docente
(UNESCO/PRELAC, 2002, p.13). Em 2007, a UNESCO/OREALC (2007) publicaram um documento para oferecer subsídio às deliberações da Segunda Reunião Intergovernamental de Ministros de Educação do Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (Prelac), realizada em março daquele ano em Buenos Aires, Argentina. Nesse documento, a UNESCO reconheceu que, embora os indicadores econômicos da América Latina e Caribe tenham melhorado, a pobreza e a desigualdade social se agudizaram num quadro de exclusão e violência. Assim, tornar-se-ia necessário pensar sobre o papel da educação para o “crescimento econômico, reduzir as desigualdades, promover a mobilização social e ajudar a conviver na diversidade, logrando-se maior coesão social e o fortalecimento dos valores democráticos” (OREALC/UNESCO, 2007, p. 9). Como podemos notar, os objetivos que se colocavam para a educação desde os anos de 1990 se mantém atuais e continuam a ser perseguidos. Ao perguntar sobre o tipo de docentes requeridos pelas sociedades latino-americanas e caribenhas, o documento recuperou as diferentes habilidades que se espera do professor (diálogo com os alunos, capacidade de estimular o interesse por aprender, incorporação das TIC, desenvolvimento moral e afetivo, atenção à diversidade, gestão da aula e trabalho em equipe), e a sua co-responsabilização pelos resultados do trabalho da escola. Não obstante as reformas educacionais dos anos de 1990, “as ações dos países para melhorar a qualidade do trabalho docente tiveram menor impacto do que o esperado”, diz o documento, concluindo:
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Lamentavelmente, pela maneira deficiente em que formularam as políticas educacionais voltadas para a profissão, os professores converteram-se em parte do problema, muitas vezes por sua falta de preparo e seu excessivo corporativismo (OREALC/UNESCO, 2007, p. 60).
Nesse sentido, como já observavam Barreto & Leher (2003), certos setores “modernos” têm desqualificado a luta dos professores e de seus sindicatos como “corporativistas”; é interessante perceber, ressaltaram os autores, que em nenhum momento estes setores realizam a crítica às corporações de banqueiros, por exemplo. Barreto & Leher (2003) observaram ainda que o significado atribuído à palavra não levou em conta seu sentido histórico, que remonta às organizações francesas que surgiram em defesa dos trabalhadores transformados em proletários no século XIX, cujos objetivos “eram a defesa dos interesses econômicos e morais de todo o corpo profissional (daí o nome de ‘corporativismo’), para limitar o efeito do capitalismo selvagem que esmagava os indivíduos isolados” (BARRETO & LEHER, 2003, p. 50). Assim, a OREALC/UNESCO (2007) recuperaram o que os autores identificaram como uma estratégia cuidadosa dos organismos internacionais para construírem uma imagem do professor —
corporativista,
desqualificado,
obsessivo por
reajustes
salariais,
descomprometidos com a educação dos pobres, partidários da oposição, entre outros —, de forma a criar o ambiente favorável para as reformas: “Uma vez fixada a imagem negativa, o Banco Mundial propõe alternativas para impedir que o sistema de ensino fique subjugado à corporação dos professores” (BARRETO & LEHER, 2003, p. 49). Com efeito, a OREALC/UNESCO (2007) retomou e aprofundou a tônica das propostas de reforma da formação docente, reafirmando os conceitos ético-políticos e ideológicos que constituíram o “consenso” em torno dessa formação: as políticas públicas devem orientar-se de maneira que os professores desenvolvam tanto uma dimensão relacionada às competências racionais e técnicas específicas do seu trabalho, quanto uma dimensão ligada a competências ético-sociais que dizem respeito à responsabilidade com o seu trabalho e compromisso com a aprendizagem. Nessa perspectiva, as duas dimensões sobre as quais a identidade da profissão docente deverá se configurar são o profissionalismo e a profissionalidade:
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O profissionalismo é um processo contínuo que desenvolve as capacidades para “aprender a ensinar” e “ensinar a aprender”. É um aprendizado que requer adquirir durante a vida profissional, competências cognitivas (conhecer, manipular informação e continuar aprendendo acerca do que é próprio da disciplina) e competências pedagógicas (saber como ensinar a disciplina, como trabalhar em ambientes diversos, como gerar condições adequadas para a aprendizagem em contextos de alta dificuldade e com grupos heterogêneos e utilizar criativamente os recursos didáticos disponíveis). A profissionalidade é o cumprimento responsável da missão atribuída pela sociedade aos docentes: garantir o desenvolvimento integral dos alunos por meio de aprendizagens relevantes e pertinentes para todos. A profissionalidade implica o desenvolvimento de competências éticas e sociais. As competências éticas habilitam um docente cumprir o compromisso social inerente a sua profissão. As competências sociais são aquelas que o habilitam a satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem; adaptar-se e responder à permanente mudança do conhecimento; trabalhar em redes; promover diálogos e consensos; em suma, exercer sua responsabilidade e direito de cidadão nas decisões relacionadas com a educação, a escola e sua própria prática . (OREALC/UNESCO, 2007, p.61-62).
Dessa maneira, a ênfase na profissionalização docente baseada em competências e habilidades cognitivo-comportamentais, sem as quais o professor não se tornará um profissional, caracteriza os documentos51 que orientam as propostas dos organismos internacionais e consagra a noção de competência como ideal de formação e capacitação dos professores. Recuperam-se, dessa forma, os estudos sobre eficiência e eficácia do professor dos anos 60 e 70: em primeiro lugar, esta eficácia está relacionada ao desenvolvimento do currículo por competências; em segundo lugar, há uma correlação estreita entre competência e profissionalização que, associadas a uma demanda para avaliação da atuação do professor e do processo de formação, permite definir o perfil profissional a partir das competências que deve demonstrar. Como enfatizaram Barreto et al. (2005, p.5), Intocados mesmos, são os pressupostos e implícitos da formação baseada em competências: (1) o ensino pode ser decomposto em habilidades e competências básicas, a respeito das quais existe consenso; e (2) a formação dos professores pode ser organizada a partir dessas habilidades e
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O Relatório Jacques Delors (1998) trouxe, além da indicação de que a formação inicial dos professores deva estar baseada nos quatro pilares da educação (as competências), a necessidade de o professor atuar fora do sistema educativo para que possa se beneficiar com a aproximação do saber com o saber-fazer de outras profissões. Dias (2002, p. 72), comentando sobre essa indicação, diz que “Interessante é que o único espaço do mundo do trabalho indicado pelo Relatório para o alargamento da experiência do professor são as empresas, demonstrando com o exemplo uma clara opção às necessidades do mercado”.
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competências, cujo somatório equivale ao perfil profissional em que se baseia, “garantido”, por sua vez, o desempenho docente competente.
Os conceitos de identidade e de profissionalização, somados ao de autonomia, reforçam a imagem do professor como protagonista privilegiado da ação escolar; como diz Freitas (2003, p. 1096) “o abandono da categoria trabalho pelas categorias da prática, da prática reflexiva [...] terminou por centrar a ação educativa na figura do professor e da sala de aula”. Ao lado de outras idéias não menos importantes, como o alívio à pobreza, empregabilidade, flexibilidade, eficiência, eficácia e tolerância constrói-se o novo consenso subjacente à nova sociabilidade. Afinal, “a utopia” agora se tornou “necessária” (DELORS, 1998). Nesse contexto, a OREALC/UNESCO (2005, 2007) recomendou, ainda, as características que os programas de formação de professores deverão assumir, com base em experiências inovadoras nessa direção. A primeira característica, com efeito, é o enfoque no desenvolvimento de competências, formando profissionais capazes de adaptar-se a novas situações e contextos. Em segundo lugar, a sugestão de que seja feita uma nova conceitualização das práticas, ampliando seu papel nos currículos e incorporando os futuros professores na escola o mais cedo possível (OREALC/UNESCO, 2007, p. 63). Tal ênfase na prática pedagógica, de resto comum nos documentos dos organismos internacionais, reduz o trabalho do professor à prática cotidiana e da sala de aula; em outros termos, permite-lhe uma certa capacidade de direção e de organização, mas não lhe garante uma formação intelectual mais ampla e condizente com a sociedade contemporânea. O fomento da pesquisa deve transformar as instituições formadoras em “centros geradores de conhecimento onde se desenvolvem competências investigativas e se estimula a capacidade de reflexão dos tutores-mestres” (OREALC/UNESCO, p. 63). Assim, a pesquisa não é parte da formação do professor, que apenas tomaria conhecimento do que é produzido nas universidades, empobrecendo a formação e não permitindo que o professor insira as práticas cotidianas nas relações sociais nas quais são produzidas. A quarta característica seria o enfoque transdisciplinar, de forma que os professores de diferentes especialidades promovam o planejamento e o trabalho em conjunto. A sugestão de que haja uma combinação de uma forte formação geral de base com uma sólida especialização final se colocaria na perspectiva da formação de profissionais que respondam a
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diferentes perfis e possam trabalhar de acordo com as possibilidades de cada contexto. Ainda que consideremos que o trabalho coletivo e interdisciplinar seja de fundamental importância para a formação do professor, que, através da vivência dessa forma de trabalho e da produção do conhecimento poderá, não apenas compreender o trabalho pedagógico, como as formas de sua inserção na construção do projeto pedagógico e curricular da escola, a concepção apresentada não permite essa construção: traz a formação docente para um campo eminentemente prático, sem reflexão e pesquisa e centrada na aquisição de competências. Finalmente, o estímulo a ofertas abertas baseadas em tecnologias da informação e da comunicação, aproveitando seu uso intensivo, mas garantindo espaços de trabalho presencial com o apoio de professores universitários. Dessa forma, consagra-se a Educação a Distância como mecanismo de formação de professores, o que, na nossa percepção, foi o modelo mais rápido, eficaz e de grande alcance para a formação político-ideológica da nova sociabilidade para preparar o professor para exercer a sua função intelectual na sociedade contemporânea. A questão salarial, nesse quadro, se articula com os princípios já apresentados. Em documentos recentes, como por exemplo, o “Relatório Conciso sobre Educação Para Todos” (UNESCO, 2006), o “Relatório Educação de Qualidade para Todos: um assunto de direitos humanos” (OREALC/UNESCO, 2007) ou em documentos de trabalho do BM, como o intitulado “Mejorar la enseñanza y el aprendizaje por medio de incentivos: ¿Qué lecciones nos entregan las reformas educativas de América Latina?” (VEGAS & UMANSKY52, 2005) recuperam algumas preocupações que surgiram durante os anos 1990, quais sejam, o desafio de atrair para o magistério pessoas qualificadas e que dominem as competências e os conhecimentos necessários e mantê-las na profissão motivadas para o trabalho, de forma a melhorar a qualidade da educação. Para atender a esse desafio, a remuneração dos professores é fundamental. Entretanto, para os organismos internacionais, com base na literatura que diz respeito aos incentivos aplicados nas empresas, é importante que o pressuposto para a remuneração dos docentes seja dividido entre esquemas de retribuição monetária não salarial, sob a forma de gratificações e bonificações (por exemplo, por trabalhar em escolas rurais ou por melhorar o desempenho acadêmico dos alunos) e os benefícios não salariais como os seguros de saúde, benefícios de moradia e pensões (VEGAS & UMANSKY, 2005, p.4). Embora as experiências nesse sentido sejam poucas (Chile e México), a implementação dessas medidas em outros países, para o BM, não somente possibilitará a avaliação do impacto sobre a qualidade do ensino e os resultados dos alunos, quanto servirá para verificar 52
Emiliana Vegas, líder da equipe de trabalho, e Ilana Umansk, ambas do Banco Mundial.
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se de fato esses incentivos contribuem para atrair e manter os professores eficazes no sistema educacional. No exame dos documentos do BM e da UNESCO, embora possamos identificar algumas diferenças específicas, é notável a percepção de que refletem a perspectiva do neoliberalismo da Terceira Via. Nesse sentido, enfatizam duas dimensões fundamentais: a do desenvolvimento dos capitais humano (com a idéia da empregabilidade) e social (com as idéias de alívio à pobreza e coesão social). Assim, situam a necessidade de adaptação de todas as pessoas a “um mundo em rápida transformação”; compreendem a educação como estratégia de alívio da pobreza, na medida em que prepara o trabalhador para a “empregabilidade”; constroem um consenso para legitimar a exploração e a dominação do capital. Dessa forma, propiciam os elementos necessários à reforma moral e intelectual, sustentáculo da nova cultura cívica. A formação de professores nesta direção tornou-se estratégica, na medida em que o professor deverá ser um intelectual de novo tipo, com alguma capacidade de dirigir e organizar a cultura e com capacidade técnica para educar as novas gerações.
2.3. TIC, EAD e Formação de Professores: o que pensam os Organismos Internacionais
A presença das TIC, tidas como passaporte necessário à “sociedade da informação e do conhecimento”, ocupou lugar de destaque nos documentos dos organismos internacionais, num discurso muito semelhante ao de alguns intelectuais, que, assumindo a idéia de uma “sociedade global da informação”, alçaram essa ideologia à categoria de paradigma dominante das mudanças na economia, na política, na sociedade e na cultura. Para alguns desses autores, como Castells53 (2002), a revolução da tecnologia da informação possibilita até mesmo a mudança na base material da sociedade a partir do surgimento do informacionalismo. Castells (2002) defende que a Era da Informação é marcada por uma nova estrutura social dominante, que ele denomina “sociedade em rede”; uma nova economia, capitalista, informacional/global, e também uma nova cultura, a cultura da virtualidade real (CASTELLS, 2002, p.412). Assim, embora reconhecendo diferenças 53
Sociólogo espanhol, sua obra principal é a trilogia publicada com o título geral A Era da Informação: cultura, economia e sociedade: 1) A Sociedade em Rede (1996); 2) O Poder da identidade (1997); 3) Fim de Milênio, 1998. A trilogia foi publicada em 23 idiomas
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culturais e sociais entre os países (especialmente entre os centrais e os da periferia do capital, e percebendo as contradições internas desses países), pela primeira vez, praticamente todo o mundo estaria regido pelas mesmas regras econômicas, o capitalismo informacional, “que conta com a produtividade promovida pela inovação e a competitividade voltada para a globalização, a fim de gerar riqueza e apropriá-la de forma seletiva. Está, mais do que nunca, inserido na cultura e é equipado pela tecnologia” (CASTELLS, 2002, p. 414). Numa perspectiva um pouco diferente, Adam Shaff54, sustenta que estaríamos na era da “sociedade informática”, característica da Segunda Revolução Industrial, que trouxe uma mudança qualitativa em relação à primeira. A segunda revolução, segundo o autor, consiste em que as capacidades intelectuais do homem são ampliadas e até mesmo substituídas por autômatos, que eliminariam com êxito o trabalho humano na produção e nos serviços (SHAFF, 1995, p. 22). Ou ainda, com Peter Drucker55 (1993) e a “sociedade pós-capitalista” ou “sociedade do conhecimento”, na qual uma das mudanças fundamentais seria aquela relativa ao conhecimento, um recurso econômico básico, sinônimo de informação. A revolução tecnológica, para o autor, transformaria totalmente o que aprender e o que ensinar e, mais ainda, traria mudanças na posição social e no papel da escola (DRUCKER, 1993, p. 151). Malgrado as diferenças no pensamento desses autores, que não são poucas, podemos identificar uma convergência de pensamento sobre os seguintes pontos: o primeiro, é a absoluta importância assumida pelas TIC nas sociedades modernas, tanto para a economia quanto para a política, a cultura e o trabalho, num discurso, muitas vezes, de um absoluto determinismo tecnológico. Decerto fundamentais nas sociedades contemporâneas, as TIC não podem ser analisadas sem considerarmos as relações sociais que as engendram, sem o que poderíamos cair nas armadilhas de concepções despidas de historicidade. A “revolução tecnológica”, como também disse Hobsbawm (2005, p.484), trouxe de fato mudanças políticas, sociais, econômicas e culturais. Essa nova cultura, que caracteriza o estilo de vida do capitalismo contemporâneo e está subjacente aos conceitos de sociedade informacional, sociedade da informação e/ou do conhecimento, difundiu-se através das novas tecnologias da
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Quando publicou “A sociedade informática” pelo Clube de Roma, em 1985, Adam Schaff era doutor em Filosofia e professor da universidade de Varsóvia, membro da Academia Polonesa de Ciências e depois diretor de seu Instituto de Filosofia e Sociologia. 55 É considerado um dos maiores pensadores da administração moderna. Escritor austríaco, mas radicado nos EUA, Drucker é consultor de várias empresas e professor da Universidade de Claremont. Atua na sistematização dos estudos sobre a sociedade pós-capitalista ou sociedade do conhecimento, além da produção de programas de ensino para comercialização na internet.
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informação e da comunicação, sustentando o ideário segundo o qual não há escapatória senão a adesão aos novos tempos da globalização e da reestruturação produtiva. O segundo ponto, diz respeito a necessidade de mais educação e maior tempo de escolaridade, sem os quais não será possível a inserção dos trabalhadores nos postos de trabalho dado o aumento da informacionalização, o que torna o trabalho mais complexo; como vimos, as noções de competência, habilidades, qualidade total, empregabilidade tornaram-se fundamentais para a inserção na sociedade da informação. Na perspectiva que nos apresentou Castells (2002), somente permanecerão no mercado de trabalho os trabalhadores “autoprogramáveis”, ou seja, aqueles que atingiram os níveis mais altos de escolaridade, capazes de reprogramar-se para as tarefas em contínua mudança no processo produtivo (CASTELLS, 2002, p. 417) Nesse quadro, a globalização representa uma “nova consciência mundial trazida pela compressão do tempo e do espaço” (BELLONI, 1998, p.6); em outras palavras, sob os efeitos das tecnologias da informação, tudo se passa aqui, sem distância nem fronteiras, e agora, sem passado e sem futuro. É nesse contexto que a EaD assumiu um espaço cada vez maior, na medida em que através dela é possível atingir mais pessoas com um custo muito menor; ao mesmo tempo, favorecida pelas TIC, a EaD pode ser oferecida até mesmo em programas on-line. Evidentemente, a necessidade de adequar-se às mudanças rápidas impostas pela “sociedade da informação” não será, e nem foi, menosprezada pelos organismos internacionais. Em documento da CEPAL, Hopenhayn (2003)56 salientou tal necessidade no âmbito produtivo e comunicacional, obrigados a uma rápida e ágil adaptação para a transmissão de conhecimentos, a comunicação a distância e ao uso da informação. Especialmente na área educacional, diz o autor, mais do que conteúdos curriculares, é requerida uma capacidade de aprender, comunicar e produzir, razão pela qual tornou-se urgente a melhoria da qualidade do sistema educacional. Somente dessa forma a educação pode cumprir sua função estratégica para levar as sociedades nacionais a participarem do mundo globalizado, “competitivo e altamente interconectado, centrado no paradigma da sociedade do conhecimento” (HOPENHAYN, 2003, p. 12). Não obstante o potencial das TIC e a sua relevância no mundo contemporâneo (reconhecidos pelos organismos internacionais), o que observamos, no entanto, é que as tecnologias, ao serem trazidas para a educação, tiveram seu papel reduzido a estratégias de 56 Martín Hopenhayn, Oficial de Asuntos Sociales de la División de Desarrollo Social de la CEPAL.
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Educação a Distância, com o objetivo de democratização do acesso ao ensino superior, permitindo maior “eqüidade e eficácia em função dos custos e como meio de ampliar o acesso ou preencher lacunas nos programas locais de ensino” (BM, 1999, p. 46). Paralelamente, nos documentos sobre a reforma escolar, a tecnologia passou a ocupar um lugar de destaque na perspectiva de trazer “soluções inovadoras” para os problemas educacionais, particularmente para solucionar os problemas decorrentes de “brechas” na oferta de educação. Conforme o BM,
A tecnologia também é utilizada em nível terciário. Como resultado, as universidades tradicionais têm gerado uma gama de modelos institucionais para difundir programas de aprendizagem a distância como um mecanismo de abordar problemas de acesso, eqüidade e eficácia em função dos custos e como forma de ampliar o acesso e cobrir as “faltas especializadas” nos programas locais de ensino (BM, 1999, p.46).
Essa redução das TIC a estratégias de EaD contradiz até mesmo os próprios documentos do BM, para os quais a utilização das tecnologias seria uma demanda crescente para a inserção dos trabalhadores nos postos de trabalho (BM, 1999; GILL et al., 2005)57. Assim, embora o BM enfatize a necessidade de que a escola seja capaz de educar os trabalhadores para que dominem competências específicas que lhes permitam adaptar-se a mudanças, inclusive as tecnológicas, reconhece que
[...] grande parte da América Latina e do Caribe está encerrada em um círculo vicioso, no qual pouca educação significa trabalhadores carentes de competências necessárias; o déficit de trabalhadores qualificados limita a importação de tecnologia e a inovação nacional; a falta de tecnologia deprime a produtividade e o crescimento econômico e, portanto, a demanda de trabalhadores qualificados (GILL et al., 2005, p. 8).
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INDERMIT S. GILL é assessor econômico do Departamento Econômico de Redução da Pobreza do Banco Mundial. J. LUIS GUASCH é atualmente Assessor Regional para América Latina e Caribe do Banco Mundial em Washington. É também professor de economia na Universidade da Califórnia, San Diego, desde 1980. WILLIAM F. MALONEY é o economista principal do escritório do Banco Mundial para América Latina e Caribe. GUILLERMO PERRY tem sido economista chefe para América Latina e Caribe o Banco Mundial desde 1996. NORBERT SCHADY é PhD pela Universidade de Princeton e é economista sênior do Grupo de Investigação de Desenvolvimento do Banco Mundial, com ênfase na América Latina e Ásia Oriental.
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Nessa linha, o Banco reconheceu também que os sistemas educativos, mesmo recebendo tecnologias como computadores, ainda têm métodos de ensino conservadores e sem nenhuma interação com as TIC, mesmo que elas sejam uma demanda crescente da comunidade escolar, da escola e do mercado de trabalho. Para resolver o problema, o BM sustentou a importância da participação do setor privado “que freqüentemente encabeça a demanda e o uso competente de tecnologia, [e que] se tornará cada vez mais importante como um meio de colaborar com o setor público para introduzir a tecnologia nas escolas e universidades” (BM, 1999, p.87). E essa tecnologia pode mudar radicalmente a educação, diz o BM (1999), por exemplo, oferecendo a educação superior através da internet ou a formação docente a distância, razão pela qual o Banco está apoiando uma série de atividades relacionadas com a tecnologia educacional:
Como o desenho, a implantação e a avaliação de projetos piloto, o estabelecimento de sistemas de ensino a distância para estender o acesso a todos os níveis de educação e para programas de capacitação de professores, a disseminação de conhecimento e informação sobre métodos eficazes e o desenvolvimento de capacidade para utilização das tecnologias nas aulas e na instrução. [...] Se dará assistência aos países que desejem enfrentar a escassez crônica de professores altamente competentes e capacitados na ALC mediante uma expansão através de cursos a distância das atividades de formação inicial de docentes e de formação em serviço (BM, 1999, p. 102. grifos nossos.).
Nesses termos, a EaD se qualifica, cada vez mais, como a estratégia para a formação de professores. O que no início dos anos 1990 aparecia como saída emergencial para a solução de problemas pontais, se consolida como o mecanismo de formação desejável para o professor. Com efeito, o papel das TIC na transmissão de conhecimentos essenciais e também para a informação e educação dos indivíduos sobre as questões sociais foram destaque na Conferência de Educação para Todos (UNESCO, 1990). Entretanto, a gestão e a Educação a Distância (EaD) aparecem como uma das esferas58 nas quais o conjunto dos países poderia
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São seis as esferas nas quais as ações conjuntas são indicadas no documento da UNESCO (1990, p. 32): (i) capacitação dos planejadores, administradores, professores das escolas de formação docente, pesquisadores, etc.; (ii) esforços para melhoria da coleta e análise de informações; (iii) pesquisa; (iv) produção de material educativo;
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desenvolver ações conjuntas, na perspectiva de propiciar a educação básica universal e da erradicação do analfabetismo entre jovens e adultos. A utilização das TIC como estratégia de EaD na formação de professores nos países periféricos está presentes nos documentos do BM orientadores das reformas educacionais do início da década de 1990. Em documento técnico do Instituto de Desenvolvimento Econômico do BM (IDE) intitulado “Educación a Distancia em América Latina: analisis de costoefectividade”, de 1992 (OLIVEIRA & RUMBLE, 1992)59, foram apresentados estudos de caso sobre a relação custo-efetividade de quatro projetos de EaD realizados na América Latina e Caribe entre 1988 e 1989: na República Dominicana, curso para jovens e adultos de “grupos sócio-econômicos mais baixos e de zonas rurais de educação básica e média”; no México, a Telesecundaria se utilizou de EaD para apoiar os professores de ensino médio em zonas rurais, “a um custo substancialmente inferior” ao do ensino através dos meios tradicionais de educação; na Costa Rica, a Universidad Estatal a Distancia (UNED) ofereceu acesso à educação superior aos que abandonaram a escola e aos adultos que não desejavam assistir às aulas nas universidades tradicionais do país e no Brasil, uma experiência da Petrobrás, que ofereceu cursos técnicos de nível básico ou intermediário aos trabalhadores que se encontravam nas plataformas de petróleo. Para os consultores do BM, a grande questão a ser analisada naquelas situações e que poderia ser generalizada é se a EaD se constitui num substituto aceitável à educação presencial para a solução de alguns problemas educativos mais urgentes, quais seriam as suas características e objetivos e como aperfeiçoá-la. Segundo os autores, a conclusão geral a que chegaram é que a EaD poderia ter o mesmo êxito em temos da graduação tradicional, embora o abandono escolar, por ser muito alto em programas de EaD, representa, de fato, um problema muito sério. Os sistemas de EaD aumentam os custos, dependendo dos meios que utilizados (se impresso, via televisão, rádio, computador, etc.), mas, evidentemente, quanto maior for o número de alunos, mais se repartem os custos fixos e menor é o custo médio por educando, se comparado à educação presencial (OLIVEIRA & RUMBLE, 1992, p. 5-9). Finalmente, alertaram que os desafios de todos os educadores da região (inclusive os educadores a distância) é a manutenção da qualidade e efetividade da educação de forma geral, e a tomada de decisões a respeito da EaD. (v)a utilização dos meios de comunicação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem; (vi) a gestão e utilização da EaD. 59 João Batista Araújo e Oliveira é especialista em educação da Divisão de Recursos Humanos do IDE, do BM; Grenville Ruble é East Anglia Regional Director na Open University do Reino Unido.
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Sem dúvida nenhuma, como o estudo muito bem demonstra, a EaD pode se tornar um importante recurso para o atendimento a situações de exceção. O que nos parece preocupante foi constatar que, ao longo dos anos 1990, a ênfase na formação de professores em serviço, à distância, e em cursos mais rápidos, não apenas foi indicado como desejável, como passou a se constituir na formação prioritária para os professores. Para difusão da nova cidadania e para a formação do novo intelectual urbano necessário à sociedade contemporânea, a EaD representa o veículo que permite tanto o alcance a um número cada vez maior de pessoas, quanto um custo mais reduzido, aumentando, portanto, a “eficiência do sistema”. Uma outra questão que merece ser destacada na discussão que envolve os professores e a utilização das TIC na educação é a possibilidade de substituição tecnológica. O texto de G. Labarca (1995), Consultor da CEPAL, é emblemático nesse sentido. Para ele, os desafios mais importantes para melhorar a qualidade da educação na América Latina são: (i) a realização das adequações curriculares e didáticas necessárias para os avanços da ciência, tecnologia e pedagogia; (ii) o estabelecimento de uma relação mais próxima entre o mercado de trabalho e a educação superior; (iii) a criação de condições educativas que contribuam para transformar as estruturas produtivas da região e que ampliem a eqüidade social; (iv) a necessidade de privilegiar um ensino centrado no desenvolvimento das habilidades dos indivíduos; (v) a formação de valores e princípios éticos que ajudem a construir um bom desempenho nos diferentes âmbitos da vida social; (vi) o acesso universal aos códigos da modernidade, o que implica melhorar o ensino das ciências e das tecnologias (LABARCA, 1995, p.1). Ao mesmo tempo em que Labarca enfatizou a importância do professor, o “outro componente essencial da tecnologia educativa” — devendo ser, por isso, altamente especializado e qualificado —, reconheceu que, nos países da América Latina, tendo em vista as dificuldades de se manter um alto salário, tornava-se necessário investir nas TIC. Assim, considerando que a formação e a remuneração sejam peças centrais, mas de maior custo, as TIC se apresentam como a solução para o problema:
Os sistemas tendem a proteger o monopólio dos docentes na transmissão do conhecimento, enquanto a tecnologia da informação vem se desenvolvendo muito rapidamente nos últimos vinte anos e poderia ser muito melhor aproveitada. Isto pode ser favorecido pelas altas taxas de desempenho, que permitem seguir empregando professores com taxas mais baixas de remuneração. (LABARCA, 1995, p. 8)
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Trata-se, desse modo, de uma estratégia de substituição tecnológica, na qual a “tecnologia” a ser substituída é o professor, como o denunciou Barreto (2002). A substituição tecnológica que Labarca (1995) sugeriu foi reforçada explicitamente pelo BM no documento de 1996, quando analisou as vantagens da utilização da EaD no ensino superior: “a tecnologia pode substituir, ao menos em parte, os professores. Por exemplo, os cursos por correspondência e as universidades a distância podem aumentar a eficácia em função dos custos” (BM, 1996, p. 94). Dessa forma, para formar professores não é necessário que se tenha muitos professores60! A importância das TIC no mundo e, por conseguinte, na educação, não foi matéria de menor importância no Relatório Delors (1998). No mundo em transformação, as TIC têm um impacto fundamental nas sociedades, embora existam diferenças profundas na “capacidade de investimento, de potencial de pesquisa e concepção de resultados comerciais ou de taxas de rentabilidade” entre os “países industrializados e os países em desenvolvimento” (DELORS, 1998, p. 187), e, portanto, diferenças entre as prioridades educativas, tendo em vista os níveis de escolarização e infra-estrutura também diferenciados. Por essa razão, as prioridades no que diz respeito à utilização das TIC também serão distintas: nos países periféricos, o interesse imediato seria a possibilidade de aumentar e de realizar “economias de escala”, motivo pelo qual a maior parte dos projetos educacionais envolvendo as tecnologias nesses países procura alcançar um público muito numeroso ou que está situado em locais muito distantes. A Comissão observou ainda que
a tecnologia não pode, por si só, constituir uma solução milagrosa para as dificuldades sentidas nos sistemas educativos. Deve, evidentemente, ser utilizada em ligação com formas clássicas de educação e não ser considerada como um processo de substituição, autônomo em relação a elas (DELORS, 1998, p.188).
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Referindo-se ao professor do ensino superior, o documento do BM intitulado “ConstruyendoSociedades del Conocimiento: Nuevos Retos para la Educación Terciária”, já referido em outro momento, afirmou que o professor, dadas as transformações de métodos acadêmicos, pode converter-se em “facilitador da aprendizagem”. Para o BM, a Educação Terciária pode ser flexível também quanto a lotação dos professores e a avaliação do seu desempenho; possivelmente, diz o documento, todos os ajustes poderão levar a retirar os professores das normas do serviço público e até mesmo suprimir a titularidade dos cargos docentes da trajetória acadêmica: “Em uma situação mais radical ainda, a multiplicação de programas e cursos on line poderia induzir as instituições de educação terciária a contratar professores independentes, não vinculados a nenhuma instituição de educação superior ou universidade em particular, para preparar cursos adaptados às suas necessidades” (SALMI, 2003, p. 47).
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Não obstante essas recomendações, é perceptível, para nós, que o relatório trata as TIC numa perspectiva que as reduz em estratégias de EaD. Tanto é assim que a Comissão passou a descrever experiências como a escola nacional para todos (National Open School), criada em 1989 pelo governo indiano para generalizar a educação básica e oferecer programas de ensino primário, secundário, secundário superior, profissional e de “enriquecimento da vida cotidiana”. Atendendo majoritariamente os grupos marginalizados, dentre eles as mulheres, o ensino seria baseado em técnicas de texto, embora se utilize também de outras tecnologias “mais avançadas”. O custo unitário, observa o Relatório, é inferior a um quarto do custo por aluno nas escolas de tipo tradicional (DELORS, 1998, p.188). Outra experiência de relevo na utilização de tecnologias e EaD é o da Open University, do Reino Unido. O documento recordou que a EaD se utilizou de muitos meios diferentes, como os cursos por correspondência, rádio, televisão, suportes audiovisuais, telefone ou teleconferências; os diferentes meios de comunicação e de tecnologias educacionais podem ser adaptados às situações particulares e de infra-estrutura de cada país. O importante, ainda com o relatório, seria a capacidade de as TIC terem um papel relevante para desenvolver a educação ao longo da vida nos termos defendidos pela Comissão. De todo modo, o relatório também não deixou de recomendar a utilização das novas tecnologias da comunicação como estratégia para
tornar mais eficaz a aprendizagem e oferecer ao aluno uma via sedutora de acesso a conhecimentos e competências, por vezes difíceis de encontrar no meio local. A tecnologia pode lançar pontes entre países industrializados e os que não o são, e levar professores e alunos a alcançar níveis de conhecimento que, sem ela, nunca poderiam atingir. Meios de ensino de qualidade podem ajudar os professores com formação deficiente a melhorar tanto a sua competência pedagógica como o nível dos próprios conhecimentos (DELORS, 1998, p.161).
A Comissão fez ainda referência à necessidade de que as universidades se tornem “abertas” e ofereçam a possibilidade de aprender a distância e em vários momentos da vida:
A experiência do ensino a distância demonstrou que, no nível do ensino superior, uma dose sensata de utilização dos meios de comunicação social, de cursos por correspondência, de tecnologias de comunicação
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informatizadas e de contatos pessoais, pode ampliar as possibilidades oferecidas, a um custo relativamente baixo. Estas possibilidades devem incluir, ao mesmo tempo, a formação profissional e os ensinamentos de enriquecimento pessoal (DELORS, 1998, p.144).
A Comissão lembrou que, na sociedade da informação, o professor já não é o único detentor do saber, para o que a formação inicial e a continuada deverão propiciar-lhe o domínio das TIC, tornado-se a “alfabetização informática” cada vez mais necessária a vida. Assim, o relatório recomendou:
A diversificação e aperfeiçoamento do ensino a distância recorrendo às novas tecnologias; a crescente utilização dessas tecnologias no âmbito da educação de adultos, em particular, para a formação contínua de professores; o reforço das infra-estruturas e capacidades dos países em desenvolvimento neste domínio, assim como a difusão das tecnologias por toda a sociedade: trata-se, em quaisquer dos casos, de pré-requisitos à sua utilização no contexto dos sistemas educativos formais; o lançamento de programas de difusão das novas tecnologias sob os auspícios da UNESCO (DELORS, 1998, p.194).
No documento de Havana (UNESCO/PRELAC, 2002) foram reafirmadas as indicações do Relatório Delors, no sentido de consagrar a necessidade de os professores se capacitarem para o uso das TIC, tanto na formação inicial quanto em serviço, além de considerar que as tecnologias são ferramentas excelentes para a autoformação docente e para a modernização dos métodos de ensino. Vale dizer, também, que as TIC estão relacionadas entre os aspectos a serem levados em conta por uma gestão escolar a serviço da aprendizagem: assim, uma progressiva reestruturação dos processos formais de educação deve considerar variados espaços, tempos e canais de formação, tendo em vista que a distinção entre educação presencial e a distância é cada vez menos nítida. Além disso, a utilização das TIC permite personalizar as trajetórias individuais de formação, sendo estes recursos fundamentais nas modalidades semipresenciais e a distância que, dentre outras, são requeridas pela diversificação e flexibilização da oferta educacional; o rádio e a televisão, importantes aliados para alcançar toda a população, constituem um recurso precioso para ações de alfabetização (UNESCO/PRELAC, 2002, p. 28).
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Em síntese, a questão da incorporação das TIC na educação, de forma geral, e na formação de professores, de forma específica, a partir dos organismos internacionais, foi apresentada sob três formas fundamentais: a primeira, como estratégia de EaD tanto para a formação docente quanto para democratizar o acesso aos cursos superiores e como estratégia de ações de alfabetização; a segunda, como a possibilidade de preparar o professor para que utilize as TIC na sala de aula, de forma a propiciar a inserção dos alunos na sociedade do conhecimento; a terceira, como estratégia de substituição tecnológica, na qual a tecnologia a ser substituída é o professor, reduzindo os custos da educação. Como vimos neste capítulo, a “reinvenção do Estado” (BM, 1999) orientou muitas metas diferentes, dentre as quais a necessidade de aumentar a eficiência dos gastos públicos e dos serviços essenciais prestados pelo governo; de limitar a participação do governo apenas às atividades nas quais o setor privado não pode executar eficazmente; de tornar o serviço público mais “sensível às necessidades da sua clientela” e de promover a eqüidade e a participação em todos os aspectos da gestão dos serviços sociais. Colocar tais metas em prática teve efeitos significativos na educação em toda a América Latina e Caribe. Assim, embora a educação básica para todos continue sendo responsabilidade da aparelhagem de Estado, outros “atores” se tornaram responsáveis pela educação: as comunidades, as famílias, as pessoas individualmente e também o setor privado. Dentre as medidas educacionais mais importantes da reforma educacional do ensino fundamental estão a descentralização, a autonomia escolar, a privatização, a participação da família e da comunidade nas instituições escolares e a avaliação educacional. A formação de professores tornou-se estratégica para implementar a reforma, pois o sucesso das medidas não seria possível sem o apoio dos docentes (BM, 1996; 1999; CRAIG, KRAFT & PLESSIS, 1998; DELORS, 1998; UNESCO/OREALC, 2007; UNESCO, 2006; UNESCO/PRELAC, 2002, entre outros). A formação dos professores, na perspectiva dos organismos internacionais, tem alguns traços constitutivos. Em primeiro lugar, é centralizada na aquisição de competências e habilidades, para o que a formação inicial deve ter ênfase na prática e deve se realizar em cursos mais curtos, já que a aprendizagem ao longo da vida, nesse caso, a formação continuada, deve ser política usual. Em segundo lugar, e como conseqüência do anterior, é uma formação que visa conformar os professores à nova sociabilidade, preparando-os para educar as novas gerações nos preceitos da sociedade da informação. Finalmente, a utilização das TIC, reduzidas a estratégias de EaD, reduz custos e acelera o processo de formação.
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Ao longo dos anos de 1990, as orientações, principalmente do BM e da UNESCO, direcionaram a construção de um arcabouço bastante amplo no que se refere aos professores da educação básica. Assim, foram contempladas a formação inicial e a continuada, com severas críticas a certas experiências de formação em serviço: “A formação em serviço, em muitos casos, são reduzidas à soma de eventos desconexos, sem avaliação nem seguimento, nem acompanhamento técnico para os professores; não se conhece o impacto nas práticas e na vida escolar” (CEPAL/UNESCO, 2005, p.92); o desenvolvimento de sistemas de gratificações e incentivos monetários para estimular a permanência dos professores mais eficazes no sistema educacional e melhorar a qualidade do ensino, sendo que tais incentivos deveriam estar acompanhados de processos de avaliação docente. Finalmente, o desenvolvimento profissional, na perspectiva do incremento da profissionalidade e do profissionalismo, centrados na aquisição de competências cognitivo-comportamentais e morais. Assim, o professor tornou-se um intelectual orgânico de novo tipo do capital, na medida em que as transformações contemporâneas, de ordem econômica, social, política e cultural requerem uma maior escolaridade e uma capacidade de intervenção e de adaptação à superexploração no trabalho. Entretanto, ao reduzir a formação profissional aos aspectos mais diretamente ligados à rotina cotidiana e aos conhecimentos necessários à realização dessas tarefas, tem-se um intelectual também com reduzida possibilidade técnica e direção. Apesar disso, como Gramsci enfatizou, é preciso entender a história como possibilidade. Nesse sentido, embora as reformas educacionais orientadas pelos organismos internacionais conduzam a formação docente para a conservação, as contradições próprias do capitalismo permitem que, no embate travado entre capital e trabalho, os professores construam a sua formação e a sua profissionalização.
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3. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL
Como prática social, humana e histórica, a educação tornou-se, no capitalismo, mais um dos espaços de disputa de projetos. Nesta concepção alargada, a educação assumiu um importante papel ético-político. Afinal, sendo a escola o espaço privilegiado de formação de intelectuais (especialista e dirigente), ela se ajusta para a formação adequada tanto à nova etapa do capitalismo quanto à construção de alternativas para a transformação social. Evidentemente, tais pressupostos causaram um grande impacto na formação docente. Afinal, se uma nova cultura se coloca para a vida contemporânea (envolvendo os aspectos econômicos, políticos, sociais, éticos e morais) é fundamental preparar o professor para se tornar tanto um especialista quanto um dirigente, capaz de formar cidadãos aptos a aderirem aos princípios que orientam o “novo capitalismo”, que se pretende mais humano. A concepção hegemônica — o neoliberalismo da Terceira Via —definiu como função da aparelhagem estatal assegurar a “educação para todos”, de forma a garantir a “coesão social”, a adesão ao novo modo de ser e de viver. Assim, como observou Fanfani61 (2005), será necessário que o professor incorpore, no seu desempenho profissional, novos conceitos
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Emilio Tenti Fanfani é investigador independente do Conselho de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet), professor titular da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires e consultor do Instituto Internacional de Planejamento da Educação (IIPE/UNESCO). Coordenou a investigação sobre “A profissionalização dos docentes”, desenvolvida pelo IIPE em sua sede em Buenos Aires a partir do ano 2000. A investigação envolveu amostras representativas nacionais dos professores de nível primário e secundário dos setores público e privado da Argentina, Brasil, Peru e Uruguai. Em todos os países os estudos se realizaram com o apoio financeiro dos ministérios da educação (no caso do Brasil, Argentina e Peru) e da Administração Nacional da Educação Pública do Uruguai (ANEP). Os resultados foram publicados no livro “La condición docente: análisis comparado de la Argentina, Brasil, Peru y Uruguai”, Siglo XXI Editores, Argentina, 2005. Abramovay et al. (2004) publicaram os dados brasileiros da mesma pesquisa.
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importantes “nos marcos de um projeto político dirigido a construir sociedades justas dentro desse novo capitalismo”:
[...] a confiança na capacidade de aprendizagem de todos os alunos, independentemente de sua condição social ou pertencimento cultural, o compromisso com a tarefa, a responsabilidade pelos resultados, a paixão pelo conhecimento, a não discriminação a pessoas que pertencem a culturas, condições sociais ou grupos específicos, são aspectos cruciais do desempenho técnico dos docentes e da escola [...] (FANFANI, 2005, p. 13).
Se em outras épocas a escola tinha o papel de formar para o trabalho e para a construção da sociedade, a nova divisão internacional do trabalho, as mudanças nas relações sociais e de poder trouxeram tanto a exigência de uma escolarização cada vez maior para a realização do trabalho simples e do trabalho complexo, quanto a ênfase no “papel da educação na promoção de valores e atitudes de cidadania responsável e no cultivo do desenvolvimento criativo e emocional” (UNESCO, 2004, p.2). A educação a distância, aliada às Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), é apresentada como a “modalidade” de ensino que mais atende às necessidades de formação em nível superior, especialmente para a formação de professores. Através da EaD é possível formar, de forma flexível e aberta, em larga escala e em serviço, um amplo contingente de professores, o que a tornou foco das políticas públicas para atender à demanda de acesso ao ensino superior e para garantir a formação docente em nível superior. Nesse capítulo, nosso objetivo é analisar as reformas educacionais brasileira dos anos de 1990, de forma geral, e a reforma da formação de professores, de forma específica, cujos marcos, em consonância com os pressupostos da Terceira Via e, portanto, orientadas pelos organismos internacionais, expressaram esses princípios e valores; os professores do ensino fundamental, de forma geral, e das séries iniciais, de modo específico, tornaram-se os novos intelectuais orgânicos necessários à difusão da nova sociabilidade no âmbito escolar. Na primeira parte do capítulo, situaremos as reformas educacionais no bojo do receituário neoliberal, e a sua posterior adaptação aos princípios da Terceira Via; em seguida, veremos as políticas de formação de professores nesse contexto, bem como analisaremos os principais documentos orientadores da reforma.
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A reforma da formação de professores, com efeito, consagrou a subordinação da educação brasileira aos organismos internacionais e teve, como estratégia para esta formação em larga escala, a ampliação dos mecanismos de EaD; entretanto, não é demais lembrar que, embora hegemônica, a perspectiva ora em tela não é a única, nem a sua implantação se deu sem resistências.
3.1. O Brasil e as reformas da educação nos anos 90: uma nova sociabilidade
O início dos anos de 1990 redefiniu as relações econômicas, sociais, políticas e culturais, conseqüência da crise do desenvolvimento do capitalismo desde os anos de 1970. O aprofundamento das medidas neoliberais, iniciadas no governo Collor (1990-1992), consolidou-se a partir de 1995, com o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), chegando ao governo Lula da Silva (2003-2006; suposto 2007-2010). Neves (2005) compreendeu que a consolidação do projeto de sociabilidade neoliberal da Terceira Via aconteceu em três etapas, referentes às diferentes conjunturas de desenvolvimento do neoliberalismo no Brasil. A primeira fase, de ajuste econômico, coincidiu com o início dos anos de 1990 e se encerrou com a implementação do Plano Real, que, ao fim e ao cabo, também se tornou um importante instrumento de obtenção do consenso em torno da sociabilidade requerida pelos novos tempos do capitalismo (NEVES, 2005, p. 91). A necessidade de reduzir o tamanho do Estado, inclusive via privatização das empresas estatais, o controle dos gastos públicos, a abertura da economia, entre outros, trouxeram ganhos que, no dizer de Paulani (2006, p. 90), “[...] iam do lugar ao sol no mercado global ao desenvolvimento sustentado, da manutenção da estabilidade monetária à distribuição de renda, da evolução tecnológica à modernização do país”. Embora Collor não tivesse tempo para desenvolver esse projeto, o discurso não foi abandonado pelos governos subseqüentes. Na análise da mesma autora, foi no governo Itamar Franco que as primeiras medidas substanciais foram tomadas para inserir o país no mercado financeiro internacional. Dentre as principais medidas desse governo, destacam-se a liberalização financeira, que veio garantir o livre trânsito dos capitais internacionais, bem como o Plano Real que, mais do que um plano de estabilização econômica, permitiu a consolidação do país como
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plataforma de valorização financeira internacional. Ao mesmo tempo, o plano favoreceu outras mudanças que se deram no governo FHC, consolidando um sentimento identificado por Paulani (2006) como de “emergência econômica”, que justificou “qualquer barbaridade em nome da necessidade de salvar o país, ora do retorno da inflação, ora da perda de credibilidade, ora da perda do bonde da história...” (PAULANI, 2006, p.92). Em outros termos, os dois governos de FHC corresponderam à segunda fase da implementação dos ideais, idéias e práticas da pedagogia da hegemonia, reestruturando o Estado tanto no que diz respeito às suas funções na economia quanto nos aspectos ético-políticos:
De produtor direto de bens e serviços, o Estado passou a coordenador de iniciativas privadas. A privatização se impôs como principal política estatal. Na área social, a privatização, complementada por políticas de descentralização, fragmentação e focalização (NETO, 1999; BOITO JR., 1999; LAUREL, 2000), constituiu-se em importante instrumento viabilizador das estratégias governamentais de coesão social e da educação de uma nova cidadania, “ativa e responsável”, baseada na prestação pelos indivíduos e por grupos de “serviços sociais” (NEVES, 2005, p. 92).
Nesse sentido, concretizou-se a renovação da aparelhagem estatal e da sociedade civil na direção pretendida pela Terceira Via: parceria entre o governo e a sociedade civil; a criação de novos canais de participação e controle público, a ampliação do envolvimento do chamado terceiro setor, a organização da comunidade e o envolvimento das associações voluntárias. A terceira etapa desse projeto de sociabilidade neoliberal da Terceira Via iniciou-se com o governo de Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010). Segundo Paulani (2006), mais do que pela ortodoxia na condução da política macroeconômica, há três razões pelas quais este governo também é neoliberal: a primeira, é exatamente a adesão inconteste ao processo de transformação do Brasil em plataforma de valorização financeira internacional, razão pela qual a mais importante justificativa para a política ortodoxa seja a credibilidade entre os mercados internacionais de capital. A segunda é conseqüência do discurso do governo Lula de que só há uma política macroeconômica correta e cientificamente comprovada; ou seja, não há outra escolha senão a política econômica de matriz ortodoxa. A terceira razão está na política social implementada pelo governo, que tem nas políticas compensatórias de renda o seu principal alicerce. Como a autora explicou, essas políticas aprofundaram as fraturas sociais ao invés de promoverem a “inclusão” que propagaram (PAULANI, 2006, p. 99).
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Como analisou Sguissardi (2006), o que se percebeu durante os primeiros anos do governo Lula da Silva foi
[...] uma clara continuidade das políticas do octênio anterior, tanto no campo da macroeconomia, dos compromissos com o mundo financeiro, quanto nas alianças políticas com partidos de centro e de centro-direita. Isto justificado pelo busca da governabilidade. O fiel pagamento da dívida pública (principalmente a externa), com elevação do superávit primário para tanto; as taxas de juros básicos, a reforma da Previdência que feriu interesses de aliados históricos dos mandatários e as concessões doutrinárias e ideológicas em campos essenciais da administração pública; todos esses fatos revelam que a Carta ao Povo Brasileiro, de julho de 2002, constituiu-se no efetivo plano de governo (entre eles o da educação superior), em substituição ao plano laboriosamente elaborado para todas as áreas de atuação do governo (SGUISSARDI, 2006, p. 1039-1040).
Dessa forma, o governo Lula da Silva manteve a direção ético-política, econômica e cultural dos governos anteriores, promovendo, através da aparelhagem estatal e dos aparelhos privados de hegemonia na sociedade civil, a reeducação para a nova sociabilidade, não sem contradições e tensões. Do ponto de vista das reformas educacionais, os governos Collor (1990-1992) e Itamar (1992-1994), embora introduzissem ações de cunho modernizador, apresentaram propostas que buscaram o resgate da dívida social, o que demonstrou uma certa ambivalência quanto aos objetivos da educação (NEVES, 1997). Isso pode ser exemplificado por projetos como a criação dos Centros Integrados de Assistência à Criança e aos Adolescentes (CIAC’s), as tentativas de privatização do Ensino Superior via reforma constitucional e até mesmo pela instituição do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) durante o governo Collor; no governo Itamar, as contradições internas se aprofundaram, especialmente quando da elaboração do Plano Decenal de Educação, sob a orientação do PBQP e da UNESCO (NEVES, 1997; 2000; OLIVEIRA, D. M., 2002; 2003). Tais iniciativas indicavam a nova relação entre a educação e o trabalho e entre educação e democracia, necessárias aos novos tempos da acumulação flexível, aprofundadas no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Ainda que esta etapa da produção capitalista sugerisse um novo perfil da qualificação profissional e um conseqüente aumento na escolaridade do trabalhador, as iniciativas educacionais assumiram como prioridade a
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preparação da mão de obra para atender às demandas empresariais. Desta maneira, há o retorno da oferta precoce de formação profissional para as camadas populares, retomando a separação tradicional entre a educação geral e a educação profissional. Na prática, a elevação da escolaridade da população ficou subordinada à preocupação com a racionalização dos gastos com a educação, consolidando a idéia de que o problema da educação brasileira não seria a falta de investimentos, mas o mau uso dos recursos públicos. Assim sendo, na primeira metade dos anos de 1990, o discurso em defesa das reformas educacionais sustentava que os sistemas educacionais não eram capazes de enfrentar a crise de eficiência, eficácia e produtividade pela qual passavam, razão pela qual essas políticas passaram a ser referenciadas por certa noção de qualidade, mais especificamente pela noção de “qualidade total” (Total Quality Control). Assim, as propostas de reforma basearam-se na racionalização dos gastos, no aumento da produtividade e da eficiência via os novos mecanismos de gestão da educação e do trabalho docente. Não somente as propostas submeteram a educação aos mecanismos da empresa, como se adotava uma nova linguagem para tornar a mudança mais coerente62. Retomando Gramsci, tratava-se de difundir uma nova cultura escolar, educando para uma nova racionalidade. É preciso demarcar, ainda, que a reforma do aparelho de Estado e educacional receberam a influência direta dos organismos internacionais, em especial Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização das Nações Unidas para a Educação e Ciência e a Cultura (UNESCO), como vimos no capítulo dois. Não é irrelevante que o BM tenha publicado, em 2005, o documento “O Banco Mundial no Brasil: uma parceria de resultados”, no qual relembrou que a sua presença em nosso país data de 1949, e avaliou todos os projetos desenvolvidos no país nos últimos anos. Desse modo, a elaboração das políticas setoriais, e aqui se inclui as políticas públicas para a educação, ficaram subordinadas às políticas de reforma estrutural, não sem contradições. A Conferência Mundial de Educação para Todos, ocorrida em Jomtien, Tailândia (UNESCO, 1990) e a sua atualização através da Declaração de Nova Delhi (UNESCO, 1993) tornaram-se um marco para a reorientação das políticas educacionais para as massas de todos os países periféricos. A conferência apontou, dentre os desafios para a educação, a necessidade de responder ao novo perfil de qualificação da mão-de-obra, razão
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Como veremos no capítulo 5, o Estado de Minas Gerais até mesmo se antecipou às políticas nacionais para a educação. Já em 1992 criaria um novo modelo de gestão escolar, o Programa de Implantação da Qualidade Total, com o intuito de difundir novos valores, procedimentos e atitudes na escola para melhorar a produtividade.
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pela qual a educação formal foi prioritária para preparar os trabalhadores para as novas formas de trabalho e para o atendimento de suas necessidades básicas, que envolvem tanto o domínio dos códigos fundamentais (linguagem, matemática e conteúdos científicos) quanto a formação de competências sociais (liderança, iniciativa, autonomia, etc.). O Plano Decenal de Educação para Todos (Brasil, 1993), segundo Silva Jr. (2002, p.208),
é a expressão brasileira do movimento planetário orquestrado por UNESCO, BIRD/Banco Mundial e assumido pelo Brasil como orientador das políticas públicas para a educação que resultaram na reforma educacional brasileira dos anos de 1990, realizada em todos os níveis e modalidades, com diretrizes curriculares, referenciais curriculares, Parâmetros Curriculares Nacionais para níveis e modalidades de ensino, produzidos estes de forma competente por especialistas – em geral pesquisadores e professores universitários – de nossas melhores universidades e instituições de pesquisa, afinados com o compromisso assumido pelas autoridades políticas brasileiras em todas as áreas de ação do Estado, particularmente para a educação.
O documento retomou os compromissos de Jomtien, cujo horizonte previa a reformulação do sistema nacional de educação básica63, traçando as diretrizes políticoeducacionais que vieram a se constituir no novo padrão ético-político de sociabilidade do capital:
No plano político, em que importantes mudanças já se evidenciam, fazem-se novas exigências à educação. Valores e padrões de conduta requeridos para o aperfeiçoamento democrático desafiam o formalismo e a alienação dos programas escolares, exigindo processos e modos de relacionamento capazes de formar o cidadão para o pluralismo, para o senso de tolerância, de solidariedade e de solução pacífica de conflitos. Trata-se não só de educação para a democracia, mas também do estabelecimento de ambiente de relações educativas democráticas, voltadas para a participação societária, para o engajamento nas distintas estruturas de representação e para o exercício dos direitos de cidadania (BRASIL, 1993, p. 21).
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Não é demais lembrar que, embora a expressão utilizada nos documentos dos organismos internacionais seja “educação básica”, corresponde, no sistema educacional brasileiro, ao ensino fundamental.
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Dessa forma, as orientações para a educação se apoiaram em ações que procuravam não apenas formar novos valores, como também incentivar uma nova forma de participação das pessoas na sociedade e também uma nova cultura cívica. Assim, essas idéias, sustentadas na compreensão de que a educação tanto contribui para o alívio à pobreza quanto para o crescimento econômico se tornaram o terreno fértil para as reformas educacionais, que inicialmente preocuparam-se com a busca de estratégias de gestão e de financiamento, bem como com o estímulo à participação da comunidade através do voluntariado e de parcerias. A educação a distância recebeu atenção especial no Plano Decenal, com ênfase na sua integração às TIC’s, em apoio às redes escolares através de programas de educação aberta e a distância e criação de centros de difusão cultural, bibliotecas, núcleos multimeios, entre outros. Nesse sentido, recuperou os pressupostos de Jomtien, na medida em que, para o Plano, a EaD teria duas funções prioritárias na educação básica. A primeira, propiciar aos jovens e adultos o acesso ao conhecimento e a segunda, a melhoria da qualidade do processo ensino/aprendizagem presencial, tendo em vista a utilização dos meios de informação como ferramenta pedagógica. A educação a distância foi mencionada, ainda, como possibilidade para programas diferenciados para a educação permanente e continuada, de trabalhadores e também para alunos e professores de todos os níveis de ensino. A formação de professores, estratégica para as reformas educacionais, mereceu destaque na perspectiva da valorização social e profissional do magistério, que se deu através de “programas de formação permanente, plano de carreira, remuneração e outros benefícios que estimulem a melhoria do trabalho docente e da gestão escolar” (BRASIL, 1993, p.88). Com efeito, as políticas de formação de professores seguiram as orientações em curso, em especial aquelas oriundas especificamente do Banco Mundial e da UNESCO. Com a mesma direção, a educação a distância aparece tanto como a possibilidade mais rápida e eficaz de difusão da nova sociabilidade (e daí a centralidade nos aspectos cognitivos e comportamentais das diretrizes curriculares) quanto como a melhor forma de equacionar a relação custoefetividade e expandir o ensino superior, inclusive através da iniciativa privada. Essas ações tomam corpo com a assinatura de um Protocolo de Intenções entre o MEC e o Ministério das Comunicações, também em 1993, com o objetivo de criar e desenvolver um Sistema Nacional de Educação no Brasil. O “Consórcio Interuniversitário de Educação Continuada e a Distância – BRASILEAD”, formado por 54 instituições de ensino superior públicas, seria proposto pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB) com a intenção de catalisar, potencializar, ampliar e articular iniciativas de EaD, além de
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fomentar o desenvolvimento de ações cooperativas, o que deu início ao processo de construção de um aparato jurídico e político para a democratização do acesso à educação superior via educação a distância que, como veremos, será consolidado nos anos subseqüentes. Particularmente na gestão FHC (1995-1998; 1999-2002), as reformas educacionais buscaram adaptar o sistema de ensino às reformas do Estado, em consonância com as orientações dos organismos internacionais que, não apenas destacaram o papel prioritário da educação para o desenvolvimento econômico e para o alívio à pobreza, como indicaram, conforme vimos no capítulo 2, uma série de medidas para colocar em prática os pressupostos defendidos pelo capital. Assim, a política educacional passou a se caracterizar pela focalização no ensino fundamental para as crianças e jovens dos 7 aos 14 anos; flexibilização do sistema educacional, mas garantindo o controle da direção curricular através de mecanismos de avaliação institucional e de desempenho; privatização de alguns setores, particularmente do ensino superior e também pelo incentivo às parcerias — públicas e privadas, tais como Organizações não Governamentais (ONG), fundações empresariais, movimentos sociais. Ao divulgar os cinco pontos64 para a melhoria da educação pública, o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) colocou em destaque a importância da educação e da formação de professores, que teriam uma posição estratégica no projeto governamental, como fundamentos para a reforma intelectual e moral necessárias à inserção do país à mundialização do capital. Várias ações foram desenvolvidas, demonstrando quais seriam as prioridades naquele momento, destacando-se o aprimoramento do sistema de estatística, a elaboração das diretrizes curriculares nacionais, os programas de aceleração da aprendizagem, a mensuração da aprendizagem via mecanismos de avaliação, tais como o Exame Nacional dos Cursos de Graduação (Provão), ou do Ensino Médio (Enem), que, entre outros, vieram reforçar duas idéias: a primeira, de que era necessário estabelecer mecanismos de controle da educação nacional através da avaliação do resultado, ainda que se apontasse para uma suposta 64
Segundo Freitas (2002, p.141), os pontos eram: a distribuição das verbas federais diretamente para as escolas, sem passar pelos estados e municípios; criação do Sistema Nacional de Educação a Distância, com a instalação de aparelhos de TV em cada escola, com o objetivo de "preparar os professores para que eles possam ensinar melhor"; a melhoria da qualidade dos 58 milhões de livros didáticos distribuídos anualmente para as escolas; a reforma do currículo para melhorar o conteúdo do ensino, com o estabelecimento de matérias obrigatórias em todo o território nacional; e a avaliação das escolas por meio de testes, premiando aquelas com melhor desempenho.
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autonomia para as escolas e currículos. A segunda, a de que mais uma vez o governo repetiria manobras já realizadas anteriormente, como a de antecipar-se à aprovação da LDB, regulamentando-a via Leis, Decretos e Portarias65 (NEVES, 1997; OLIVEIRA, D. M., 2002, 2003). Dessa maneira, a implementação desses mecanismos (os manuais contendo os Planos Curriculares Nacionais (PCN), bem como o sistema anual de avaliação da escolarização básica para efeito de “controle de qualidade”, as novas formas de gestão e de financiamento da educação) complementaram a reforma da educação brasileira iniciada nos anos de 1990. Segundo Dalila A. Oliveira (2005, p. 763), foram
Medidas políticas e administrativas de regulação dos sistemas escolares [...], implantadas em contexto de reformas que muitas vezes extrapolam o setor educacional surgem como supostas soluções técnicas e políticas para a resolução de problemas de ineficiência administrativa dos sistemas escolares ou da busca de racionalização dos recursos existentes para a ampliação do atendimento, vindo ainda acompanhadas da idéia de transparência (prestação de contas e demonstração de resultados) e de participação local. De uma maneira geral, têm acompanhado a tendência de retirar cada vez mais do Estado seu papel executor e transferir para a sociedade – esta muitas vezes traduzida de forma simplificada como o mercado – a responsabilidade pela gestão executora dos sérvios, alterando a relação com o público atendido.
No conjunto, as políticas educacionais do período FHC envolveram questões básicas e históricas da educação brasileira, razão pela qual as justificativas para essas políticas sempre se apoiaram em problemas relevantes e diziam ter como objetivo explícito a democratização de uma educação de qualidade para “todos”. As reformas educacionais, adequadas à nova ordem capitalista, envolveram desde a formação de professores leigos através de cursos à distância, até a avaliação de sistemas educacionais, no sentido de monitorar a qualidade do ensino oferecido à população em idade escolar das diferentes regiões do país. Ao mesmo tempo, as reformas atenderam aos interesses do mercado, permitindo não apenas o acesso da população mais pobre a um mínimo de conhecimento favorável ao desempenho de trabalho
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Antes mesmo da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o governo já tinha aprovado: Lei 9.131, de 24 de novembro de 1995 (cria o Conselho Nacional de Educação); Emenda Constitucional n. º 14, em setembro de 1996 (institui o FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério); Lei n. º 9192/95 (escolha de dirigentes das universidades) e Decreto 2.026, de 10/10/96 (avaliação dos cursos e instituições de ensino superior).
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simples, como também a exploração do novo mercado, o do ensino superior, pela iniciativa privada, de acordo com as orientações do Banco Mundial. Como bem analisou Coraggio (1998),
O Banco [Mundial] sabe que a iniciativa e os recursos privados preencherão a lacuna de retirada parcial do subsídio de outros níveis da educação pública e, principalmente, sabe que é a melhor situação porque, se todos devem pagar pelo que recebem, não serão gerados comportamentos considerados perversos do ponto de vista do mercado (CORAGGIO, 1998, p.100).
O que ficou evidente é que toda essa “contextualização” das políticas educacionais dos anos de 1990, apoiadas nas bandeiras da melhoria da qualidade, autonomia da escola, busca de parcerias e flexibilização do sistema educacional não apenas realizou as mudanças no sistema educacional brasileiro, como contribuiu para aprofundar a dicotomia entre educação para as massas e educação para as elites, tal a deterioração da qualidade do ensino oferecido nas redes públicas de educação básica66 (OLIVEIRA, D. M., 2002, 2003). Sem contar que o acesso à escola também não garantiu o alívio à pobreza, dado a retração do número de empregos formais, o crescimento insuficiente do setor de serviços e o aumento da informalidade. Segundo Haddad & Graciano (2004)
O cenário econômico incidiu sobre as demandas por escolarização, tida como critério fundamental na disputa por postos e melhores salários no restrito mercado de trabalho, embora tenha havido redução na remuneração. Entre 1992 e 1999 (IBGE/PNAD, 1999), o ganho de uma pessoa com ensino fundamental completo passou de 1,03 para 0,89 do salário médio, e de 1,49 para 1,25 para concluintes do ensino médio. Mais de 60% das vagas oferecidas no mercado de trabalho requerem no máximo o ensino 66
Ao discutir os resultados das avaliações do SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico) dos anos de 1995, 1997 e 1999, destaquei, (OLIVEIRA, D. M, 2002), para exemplificar, o desempenho em Língua Portuguesa dos alunos da 4ª série do ensino fundamental, no Brasil. A média de desempenho por ano desses alunos foi de 188,4, 186,46 e 170,73, respectivamente. Nota-se um decréscimo em cada avaliação. O mesmo ocorre quando se observa o desempenho dos alunos das escolas públicas: as médias nacionais das crianças que estudam nas escolas municipais correspondem a 180,92, 177,02 e 164,65 respectivamente. Os que freqüentam escolas estaduais alcançaram médias 187,62, 183,28 e 167,25. Além de decrescentes, as médias alcançadas pelos alunos das escolas públicas são sempre inferiores às da rede privada. Desta forma, as avaliações do SAEB têm mostrado que, na rede pública, a qualidade do ensino básico vem baixando, na média nacional e na maioria dos estados, o que se constitui em forte argumento de que a prioridade do MEC tem sido a quantidade em detrimento da qualidade.
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fundamental (MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO/RAIS, 1999; IBGE/PNAD, 1999). Dentre os 40 milhões de trabalhadores com oito anos ou menos de escolaridade, apenas 10% possuem diploma de ensino fundamental; pouco mais de 20% dos empregos oferecidos exigem curso médio e estão concentrados nas regiões mais industrializadas; e menos de 10% exigem curso superior completo.
Os anos 2000 aprofundaram o reordenamento do Estado capitalista que perpassou o governo FHC e se ampliou nos anos do governo Lula da Silva (2003-2006; suposto 20072010). O programa de governo do presidente Lula da Silva estabeleceu a defesa da educação como direito social básico e universal, propondo democratização do acesso e garantia de permanência, defesa da educação com qualidade social, valorização do trabalho docente e dos profissionais da educação e democratização da gestão escolar. Conforme analisa Lima (2005, p.375-377), muitas foram as “fragilidades” apresentadas nessa proposta. Dentre as fragilidades apontadas pela autora, destacamos três: a democratização do acesso ao ensino superior, o financiamento da educação e a educação a distância. Isso porque, no programa, não estava explícito que a democratização do acesso à educação superior se daria através de políticas que estimulassem a iniciativa privada, com recursos públicos, e não a expansão das vagas nas universidades públicas através de EaD — políticas como o PROUNI e a Lei que trata da contratação de parceria público-privada (PPP)67 são exemplo concreto da preocupação anterior. O documento também não deixava claro qual a meta a ser atingida no que se refere ao financiamento da educação superior, não havendo uma proposta de índice sobre o PIB ou sobre a verba orçamentária destinada ao MEC. Por último, a educação a distância, apresentada como via de democratização do acesso, especialmente para a formação de professores para o ensino básico, para a formação continuada de professores em serviço e para a ampliação das vagas nas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas.
67
A Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004, institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada (PPP) no âmbito da administração pública. Prevê a parceria do Estado com empresas privadas, nas mais diferentes áreas da produção, comércio de bens e serviços de natureza pública e coletiva, isto é, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, meio ambiente, patrimônio histórico e cultural e serviços de educação e ensino. Segundo Sguissardi (2006), justificaram essa lei a baixa capacidade de investimento estatal e a suposta superioridade gerencial privada; no caso da educação, a crítica deve-se ao fato de que, além do fortalecimento do pólo privado ou parte dele, amplia-se a utilização dos recursos públicos por entidades privadas com ou sem fins lucrativos. A Lei n. 11.096, de 13 de janeiro de 2005 instituiu o Programa Universidade para Todos (PROUNI), regulando a atuação de entidades beneficentes de assistência social no ensino superior, fortalecendo as instituições privadas de ensino, especialmente aquelas com fins lucrativos, já que, em troca da isenção de impostos, permite a troca de cerca de 10% das vagas na forma de bolsas para alunos egressos de escola pública, entre outros.
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A partir do governo Lula da Silva, outras contradições puderam ser percebidas. De um lado, partindo de um discurso voltado para a justiça social, o governo apresentou o Programa Universidade para Todos (PROUNI), em 2003, na prática atendendo à demanda dos empresários do ensino superior, cujas instituições estavam, no dizer de Carvalho (2006), ameaçadas pelo peso do excesso de vagas; com esta atitude, manteve o incentivo recomendado à iniciativa privada pelo Banco Mundial desde o governo anterior. Por outro lado, contraditoriamente, é preciso registrar a expansão do sistema federal, o que representou uma diferença em relação à era FHC68:
Segundo o INEP (2006) 10 novas instituições federais encontram-se em processo de institucionalização além da criação ou consolidação de 42 campi. O MEC autorizou a contratação de 5.000 professores — 4.000 para docentes do ensino superior e 1.000 para professores de ensino básico — e cerca de 2.100 técnicos administrativos para hospitais universitários e 1.600 para as demais unidades das IFES e dos Cefets (CARVALHO, 2006, p.134).
No segundo mandato do presidente Lula da Silva (2007-2010) o governo lançou o seu Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), através do Decreto 6.094, de 24 de abril de 2007 (Brasil, 2007), conhecido como o “Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) da Educação”. Embora indicando um programa integrado, o PDE é um conjunto de 39 projetos específicos (alguns deles já desenvolvidos no governo Lula) ou “ações”, conforme o site do MEC69. Dentre essas ações, podemos destacar: a criação do Fundeb (Fundo de 68
É preciso destacar, entretanto, que o orçamento foi praticamente o mesmo do governo anterior e que o número de concursos foi ligeiramente superior. 69 1) Fundeb: Mais recurso para educação básica; 2) Incentivo à ciência: Menos tributo para quem investir em pesquisa; 3) Transporte escolar: Alunos da área rural terão ônibus para ir à escola; 4) Plano de metas do PDE: (IDEB); 5) Brasil Alfabetizado: Nordeste será prioridade do programa; 6) Luz para todos: escolas brasileiras terão luz elétrica; 7) Piso do magistério: Acordo do governo e entidades, em negociação no Congresso Nacional: piso será de R$ 950,00; 8) Formação: UAB vai formar professores no interior do país;9) Educação superior: Plano vai duplicar as vagas nas universidades federais; 10) Acesso facilitado Fies: mais prazo para pagar; 11) Biblioteca na escola: obras literárias para alunos do ensino médio; 12) Educação profissional: novo modelo vai reunir estudo e vocação; 13) Estágio: Projeto de Lei estabelece novas normas; 14) Proinfância: governo financiará construção de creches e pré-escolas; 15) Salas multifuncionais: classes receberão equipamentos para educação especial; 16) Pós-doutorado: doutores terão apoio do governo para continuar no Brasil; 17) Censo pela internet: Educacenso: gestores conhecerão detalhes da educação no Brasil; 18) Saúde nas escolas: alunos receberão atendimento sem sair da escola; 19) Olhar Brasil: crianças com dificuldade visual ganharão óculos; 20) Mais educação: alunos terão mais atividades e mais tempo na escola; 21) Educação Especial: programa vai acompanhar beneficiários do BPC; 22) Professor equivalente: medida facilita contratação de docentes nas federais; 23) Guia de tecnologias: boas práticas para reforçar a educação básica; 24) Coleção educadores: Obras de mestres da educação serão enviadas às escolas; 25) Dinheiro na escola: Municípios que cumprirem metas terão mais recursos; 26) Concursos: Concursos ampliam quadros do FNDE e da rede profissional; 27)
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Desenvolvimento da Educação Básica, substituindo o Fundef, Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental); a instituição de um piso salarial nacional para o magistério; a reforma da educação superior; mais recursos para os municípios que cumprirem as metas definidas pelo PDE; criação do “provinha Brasil”, avaliação das habilidades de leitura e escrita de crianças até oito anos de idade; a ampliação da formação de professores através da Universidade Aberta do Brasil (UAB), ou seja, através da EaD; a criação do PRODOCÊNCIA, Projeto que apoiará a formação do professor de educação básica; a Nova Capes, que passa a assumir a gestão da UAB. Dessa forma, o novo governo Lula da Silva (2007-2010) consolidou e ampliou as medidas tomadas nos governos anteriores, no sentido de aprofundar os mecanismos de avaliação e classificação das instituições, ampliar o acesso ao ensino superior através de EaD e centralizar a formação de professores através dessa metodologia de ensino. Acompanhando as reformas educacionais, as políticas de formação de professores nos anos de 1990 estiveram estreitamente ligadas às exigências colocadas pela reforma da educação básica, trazendo como conseqüências soluções que se estabeleceram num âmbito restrito, desconsiderando a discussão do ensino superior de maneira global, conforme analisava Freitas (2002); as políticas de formação docente nos anos 2000 estão fortemente articuladas com a reestruturação interna das universidades, bem como com a organização das chamadas universidades abertas que, utilizando-se das NTIC´s em programas de educação superior a distância, entre outras medidas, permitirão a adequação da universidade à nova realidade mundial. Conforme discutimos no primeiro capítulo, esta nova realidade é caracterizada pelo capitalismo flexível, que superou as formas tradicionais hegemônicas de produção fordista voltadas para um mercado organizado e previsível; as mudanças no mundo do trabalho vêm exigindo um novo perfil dos trabalhadores, com ênfase na formação de competências Acessibilidade: Universidades terão núcleos para definir ações de inclusão; 28) Cidades-pólo: Brasil ganhará 150 novas escolas profissionais; 29) Inclusão Digital: todas as escolas públicas terão computadores; 30) Gosto de ler: a Língua Portuguesa estará no centro da sala de aula; 31) Conteúdos Educacionais: Universidades e centros de pesquisas podem contribuir com o projeto; 32) Livre do analfabetismo: MEC certificará cidade que reduzir analfabetismo; 33) Planos escolares: cada escola pública terá seu próprio plano de ação; 34) Formação da saúde: Ações melhoram educação de profissionais da saúde; 35) Literatura para todos: MEC abre segunda edição do concurso; 36) Extensão, ensino e pesquisa: programa financia projetos e programas de extensão; 37) Licenciatura de qualidade: projeto apoiará formação de professor da educação básica; 38) Nova Capes: Instituição irá colaborar na qualificação de professores; 39) Provinha Brasil: Ler e escrever até os oito anos de idade. (MEC, 2007.) <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=content&task=view&id=593&Itemid=910&sistemas=1> acesso em 5 de agosto de 2007.
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múltiplas, na capacidade de trabalho em equipe, de aprender e adaptar-se a novas situações. O foco da reforma escolar foi, portanto, a formação para a aceitação da nova cidadania e a preparação para o trabalho adequado ao contexto da reestruturação produtiva, do desemprego estrutural e da precarização das relações profissionais; em outros termos, o foco está na necessidade de formação de um novo intelectual urbano. Como Neves (2004) analisou, a educação escolar brasileira até o final dos anos de 1980, ainda que também formasse um intelectual urbano, especialmente nas regiões de capitalismo mais avançado, manteve uma educação fortemente direcionada à formação de um intelectual de tipo tradicional nas regiões nas quais a industrialização e a urbanização se deram mais tarde e também como conseqüência da presença ainda forte da Igreja Católica na formação social e na educação brasileira. A educação brasileira, nos anos do fordismo, manteve de fato a separação entre trabalhadores e dirigentes, entre os que fazem e os que pensam, o que deu origem a “tendências pedagógicas que, embora privilegiassem ora a racionalidade formal, ora a racionalidade técnica — nas versões sempre conservadoras das escolas tradicional, nova e tecnicista —, sempre se fundamentaram no rompimento entre pensamento e ação” (KUENZER, 1999, p.167). O caráter ambíguo da formação do intelectual brasileiro se modificou na medida em que o Brasil se modernizou, nas décadas de 70 e 80. As mudanças qualitativas no trabalho e no modo de produção capitalista — a partir do regime de acumulação flexível70 —, a falência do socialismo real e a difusão das teses apologéticas da nova fase do capitalismo ofereceriam diretrizes para a reconfiguração da formação do intelectual urbano em nível mundial e também no Brasil. Ainda apoiada na perspectiva defendida por Neves (2004), compreendo que a formação do intelectual de novo tipo teve como características fundamentais: o aumento da capacitação técnica, fundamental para garantir a reprodução das relações de produção, e uma nova capacitação dirigente, com o objetivo de “humanizar” as relações de dominação e de exploração, garantindo o consenso em torno das idéias e ideais que garantem a harmonia social.
70
De acordo com Harvey (2005b, p. 140), podemos dizer que a reestruturação econômica, social e política, a partir da crise do fordismo, marca a passagem para um regime de acumulação totalmente novo, como também são novos os sistemas de regulação social e político. A acumulação flexível “se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo”. As inovações científicotecnológicas, os novos modos de gerenciamento do trabalho e do saber dos trabalhadores vão reorganizar não apenas o processo de acumulação do capital, como “gestar um projeto de recuperação da hegemonia do capital não só na esfera da produção, mas nas diversas esferas da sociabilidade” (DELUIZ, 2001), inclusive através da educação, conforme veremos.
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Se compreendemos, com efeito, que a cada etapa de desenvolvimento social, político e econômico aumentou-se a necessidade de escolarização, bem como a relação sempre presente entre educação e trabalho tornou-se mais estreita, compreendemos também a urgência da formação de professores com perfis adequados ao sistema social e produtivo hegemônico (KUENZER, 1999). Nesse sentido, a reforma da educação empreendida no Brasil a partir dos anos de 1990 aprofundou esta relação, trazendo para a escola novas orientações que expressam uma concepção de educação, de trabalho e de sociedade, para a qual concorrem também novas propostas de formação de intelectuais; evidentemente, não pensamos aqui que a escola apenas reproduz o que o grupo dominante deseja difundir, uma vez que diferentes idéias circulam na sociedade e, portanto, no ambiente escolar.
3.2. A formação do educador em nível superior
Às tensões entre a direção política do país e a crescente organização da sociedade civil, ocorridas nos anos de 1980, que pressionavam pela restauração dos direitos políticos e pela democracia, somou-se a reivindicação dos professores de todos os níveis em torno do reconhecimento de um estatuto profissional, valorização do magistério, e em favor da formação de professores que considerasse o modelo de sociedade, as condições da universidade e a valorização do professor (ANFOPE, 1992). No entanto, se a década de 1980 se configurou como um marco da reação ao pensamento tecnicista que orientou as políticas de formação de professores nas décadas de 60 e 70, os anos de 1990, contraditoriamente, foram marcados pela centralidade no conteúdo da escola (habilidades e competências escolares), em detrimento da centralidade da escola como um todo (BARRETO et al., 2005; FREITAS, 2002, 2003). Esses embates vão culminar na aprovação da nova LDB, em 1996, que, objetivamente, regulamentou uma série de dispositivos implementados ainda antes da promulgação da lei pelo governo federal, e que estavam comprometidos com as indicações dos organismos internacionais para a definição das políticas públicas para a educação em consonância com a reforma de Estado, a partir da reordenação política neoliberal da Terceira Via. Por essa razão, a criação dos Institutos Superiores de Educação e do Curso Normal Superior, a partir da LDBnº9394/96, específicos para a formação de professores e
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desvinculados das Universidades foram, no dizer de Freitas (1999, p.23), “parte da estratégia adotada pelo governo brasileiro, em cumprimento às exigências dos organismos internacionais, para o que seria a segunda etapa da reforma educacional: a reforma no campo da formação de professores”. Essa estratégia, no governo Lula da Silva, vem se consolidando, segundo vários pesquisadores, via Reforma da Educação Superior e também pelo incremento dos cursos de formação de professores via EaD, ainda que esta análise não seja consensual. O conjunto das medidas em favor da reforma da formação de professores teve um amplo espectro legal e, embora muitas vezes apresentados para os movimentos organizados e entidades científicas e acadêmicas para serem discutidos, foram, de forma geral, considerados marcos autoritários do governo neoliberal; tanto é assim que o posicionamento oficial das diferentes entidades foi, ao longo dos anos de 1990 e também nos anos 2000, marcados pelo tom
denunciatório
e
crítico,
como
se
viu,
por
exemplo,
nos
documentos
ANFOPE/FORUMDIR (2001a; 2001b), ANPED (2001a, 2001b, 2001c), ANFOPE (2004), acerca da concepção das entidades sobre a formação do professor e em defesa da base comum nacional como eixo orientador da organização curricular, bem como em defesa da universidade como lócus de formação docente. Isso sem mencionar a ação contundente das entidades organizadas através do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública71, que, desde os debates para a Constituição de 1988 tiveram um papel de extrema relevância no cenário educacional brasileiro. Além desses posicionamentos, a crítica à submissão da reforma educacional aos organismos internacionais também foi (e tem sido) muito relevante, não obstante o sucesso da difusão dos valores da pedagogia da hegemonia e a sua assimilação pela escola e pelos professores72, bem como por grande parte dos pesquisadores das universidades 71
Dentre as entidades que compõem o Fórum estão o Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior — ANDES-SN, a Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação — ANPED, o Centro de Estudos Educação e Sociedade — CEDES, a Associação Nacional de Profissionais de Administração Educacional – ANPAE, a Confederação dos Professores do Brasil – CPB, a Confederação Geral dos Trabalhadores – CGT, a Central Única dos Trabalhadores – CUT, a Federação das Associações de Servidores das Universidades Brasileiras – FASUBRA, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, a Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas – SEAF, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES e União Nacional dos Estudantes – UNE. A atuação do Fórum não se restringiu à Constituição de 1988. Na seqüência, as entidades buscaram acompanhar e apresentar proposta para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que veio a ser aprovada somente em 1996, substituído o texto original, discutido pelo Fórum e Câmara dos Deputados, pelo projeto Darcy Ribeiro/MEC, resultando na Lei nº 9.394/96. Através da realização do I e II CONED – Congresso Nacional de Educação, o Fórum propôs, então, o Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira. 72 Na pesquisa patrocinada pela UNESCO, coordenada por Abramovay (2004) e por nós referida no capítulo 2, verificou-se que várias mudanças introduzidas pela reforma dos anos de 1990 obtiveram concordância dos professores apesar das críticas que sofreram. A institucionalização da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico obteria elevado grau de concordância dos professores (90,9%); Outra mudança introduzida pela LDB e bem aceita pelos docentes seria a nova estrutura da educação básica, que passou a englobar a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, aprovada por 87,7% dos
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brasileiras que, em última instância, são responsáveis pela divulgação e apropriação das idéias dos diferentes intelectuais que são referência nas reformas. Se nos primeiros anos da década de 1990 as reformas educacionais ainda estavam em sua fase incipiente, a partir de 1995 percebe-se claramente uma nova ênfase nas políticas educacionais, agora mais voltadas para a nova coesão social, nova cidadania e nova cultura cívica. Conforme Arelaro (2005), as medidas tomadas a partir de então vieram, paulatinamente, criar as condições para a introdução de mudanças importantes nas convicções dos professores e também na cultura pedagógica:
[...] se no governo militar resistir a um “modelo” único era sinal de coerência, em defesa da autonomia e da pluralidade de pensamento pedagógico, para o professor, nesses novos tempos, ter a “possibilidade” de “adotar” um programa único — não porque ele seja “único”, mas porque ele contém as mais “adequadas” sugestões do saber-fazer docente — passa a ser considerado critério de “competência” profissional (ARELARO, 2005, p. 1055).
Dentre as medidas mais importantes da reforma da formação de professores, destaco: (i) a promulgação da Resolução 02/97 que estabeleceu a possibilidade de complementação pedagógica para qualquer portador de diploma em nível superior que queira atuar na Educação básica; (ii) a criação de novas organizações institucionais como os Institutos Superiores de Educação e os Cursos Normais Superiores; (iii) a regulamentação do Curso Normal em nível médio, sem apontar a política de formação em nível superior dos estudantes que finalizam esse curso (embora as medidas subseqüentes tenham dado pistas de que a política é a consolidação da EaD como “modalidade” preferencial para a formação de professores, conforme veremos); (iv) o Decreto n° 3.276/99, que proibia os cursos de
professores. Os Parâmetros Curriculares Nacionais receberiam a aprovação de 86,2% dos professores. Entretanto, cerca de 8,6% deles – o que representa 146.401 pessoas, em números absolutos – manifestariam discordância. Um percentual bastante elevado de professores concordaria com a criação do FUNDEF (79,6%). Esse percentual é ligeiramente maior entre os professores do Norte e do Nordeste (87%), onde, historicamente, os salários dos docentes da educação básica são inferiores aos vigentes em outras áreas do país. Na análise dos autores, seria possível que isso ocorra pelo fato de seus professores serem mais afetados positivamente pelo FUNDEF. O Plano Nacional de Educação receberia o aval de 74,8% dos professores. De todos os aspectos da política nacional tratados nesse item, o PNE é o que apresentaria o maior percentual de “não opinou” (14,5%). Dentre as principais ações do Ministério da Educação, o SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica – foi o que recebeu o menor percentual de aprovação entre os professores – 1.105.663 em números absolutos, equivalentes a 65,1% do total, sendo também o segundo menos conhecido, ou sobre o qual 13,3% dos pesquisados – o que significa 225.885 pessoas – não quiseram opinar (ABRAMOVAY et al., 2004, p.112-113).
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Pedagogia de formar os professores da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, o que seria feito exclusivamente pelo curso normal superior (modificado posteriormente pelo Decreto n° 3.554/00, após uma forte pressão dos movimentos organizados do campo da educação e, também, pelos empresários do setor, que já tinham o curso de Pedagogia consolidado); (v) as determinações do Parecer 133/2001, que impediram os cursos de pedagogia das IES não-universitárias de formar professores de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental; (vi) a regulamentação dos cursos seqüenciais; (vii) a implementação de políticas de avaliação na perspectiva de controle e rankeamento, obedecendo ao que é ditado pelos organismos internacionais; (viii) a implementação de Diretrizes Curriculares para a formação de professores da Educação Básica, em nível Superior (Resolução CNE/CP 01/2002 e Resolução CNE/CP 02/2002), separada das Diretrizes para o Curso de Pedagogia; (ix) a ênfase no treinamento em serviço, utilizando-se prioritariamente de EaD como substituto dos modelos presenciais, como forma de aligeirar e baratear a formação inicial e continuada. A publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, em 2006, embora não esgote os debates sobre o caráter e a identidade do pedagogo e do curso de Pedagogia, conforme salientam Aguiar et al. (2006), aponta para novas perspectivas em torno de uma política global de formação de professores. Para Libâneo (2006), no entanto, o documento é insuficiente, tanto do ponto de vista teórico quanto prescritivo, para dar conta da formação profissional dos professores ou especialistas, contribuindo pouco para a melhoria qualitativa da educação básica brasileira. De todo modo, compreender a direção da reforma da formação docente na construção de um intelectual urbano de novo tipo supõe compreendermos que a formação se insere nas relações sociais de produção e, como tal, é síntese de múltiplas determinações. É possível entender porque a formação de professores assume importância ao longo dos anos e, ao mesmo tempo, situar a contradição entre a direção dada ao currículo pela reforma e a luta pela profissionalização e valorização do magistério. Evidentemente, não se questiona aqui a urgência de uma profissionalização docente; aspectos como a valorização do magistério, a sua formação, a construção de uma carreira e de um estatuto profissional democrático é objeto de um importante e necessário debate ao longo das últimas décadas, ainda que não haja consenso sobre a direção a ser dada a essa questão. No entanto, podemos perceber, como ocorreu no mundo do trabalho, um deslocamento da noção de qualificação do emprego ou profissional para a qualificação do indivíduo, a partir do
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desenvolvimento de habilidades e competências de base cognitivo-comportamental, sem as quais o professor não se tornaria profissional: “Para serem profissionais de forma integral, os professores teriam de construir e atualizar as competências necessárias para o exercício, pessoal e coletivo, da autonomia e da responsabilidade”, afirma Perrenoud (2002, p.12). E continua: “A profissionalização do ofício de professor exigiria uma transformação do funcionamento dos estabelecimentos escolares e uma evolução paralela dos outros ofícios relacionados ao ensino: inspetores, diretores, formadores” (PERRENOUD, 2002, p.12). Essa orientação de Phillipe Perrenoud está expressa no perfil profissional do professor de novo tipo apresentado pelo MEC:
Profissionalismo exige compreensão das questões envolvidas no trabalho, competência para identificá-las e resolvê-las, autonomia para tomar decisões, responsabilidade pelas opções feitas. Requer também que o professor saiba avaliar criticamente a própria atuação e o contexto em que atua e interagir cooperativamente com a comunidade profissional a que pertence. Além disso, ele precisa ter competência para elaborar coletivamente o projeto educativo e curricular para a escola, identificar diferentes opções e adotar as que considere melhor do ponto de vista pedagógico. Essa perspectiva traz para a formação a concepção de competência profissional, segundo a qual a referência principal, o ponto de partida e de chegada da formação é a atuação profissional do professor (BRASIL, 1998, p.61).
Esse ponto de vista não considera a inserção do professor numa perspectiva de totalidade, ou seja, não lhe permite relacionar as atividades docentes e o conjunto das relações sociais, políticas, econômicas e culturais nas quais se insere o processo educacional; numa perspectiva realmente transformadora, é preciso construir essa profissionalização enquanto parte de um projeto de sociedade que o situe historicamente, e que possibilite a compreensão de que as contradições existentes entre o capital e o trabalho vão trazer mudanças na sua tarefa e na sua forma de ser, pensar e agir. Certamente, construir um perfil profissional para a profissão de professor encontra muitas dificuldades, devido à heterogeneidade desta categoria. Entretanto, o modelo de profissionalização que subjaz à reforma da formação do professor, marcado pelo viés da ética e da concepção política neoliberais, não lhe permite, nem pela formação, nem pela
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profissionalização, superar o nível de consciência política coletiva econômico-corporativo73. Dito de outro modo, as políticas de formação do professor, na prática, têm, como limite, a conservação das relações capitalistas.
3.2.1. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica em Nível Superior: formando o intelectual orgânico da nova sociabilidade
As contradições na direção dada à reforma da formação de professores não são poucas. Ao mesmo tempo em que a legislação incorporava alguns itens caros aos movimentos sociais organizados, como a formação docente em nível superior, o MEC enviava às universidades o documento preliminar intitulado “Referencial Pedagógico-Curricular para a Formação de Professores da Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental” (Brasil, 1998). Neste documento, o governo estabeleceu a conformação da formação de professores à nova sociabilidade. Vimos que o reconhecimento da importância da formação de professores para o sucesso de uma reforma intelectual e moral já estava presente nos documentos dos organismos internacionais que orientaram as reformas educacionais brasileira. Essa preocupação estará presente também nos documentos oficiais: as Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em nível superior (Brasil, 2001, 2002) explicitaram objetivamente a necessidade de adesão do professorado às novas orientações, sem o que o sucesso das reformas ficaria comprometido. Estes documentos, ao lado do Relatório Delors (1998), foram os documentos-base da reforma da formação de professores dos anos de 1990, citados como referência teórico-metodológica na estruturação dos Cursos Normais Superiores desenvolvidos a partir da nova LDB. As Diretrizes (Parecer CNE/CP, de 2001 e a Resolução 73
Exemplo desse fato é a discussão sobre a criação de um órgão regulamentador da profissão docente. A discussão sobre a criação de um Conselho ou Ordem de Professores foi “atropelada” pelo envio, ao Congresso Nacional, do Projeto de Lei n.4748/1998, que criaria o Conselho Federal de Pedagogia e, em 2001, do Projeto de Lei n.4412/2001, para regulamentar a profissão de Supervisor Educacional. No dizer da ANFOPE (2004, p.35), “a criação de Conselhos profissionais é uma estratégia equivocada que aponta para o passado, para as medievais corporações de ofício, e não atende à demanda atual da categoria e sua luta em prol de uma organização democrática. As corporações constituem-se, enquanto associações profissionais de participação compulsória, fechadas em si mesmas, com características paraestatais e têm o poder de ignorar a legitimidade e legalidade de órgãos educacionais formadores dos respectivos profissionais”.
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CNE/CP, de 2002), enquanto documentos oficiais do MEC deixam claro a obrigatoriedade da sua utilização nos cursos de formação de professores74:
Art. 15. Os cursos de formação de professores para a educação básica que se encontrarem em funcionamento deverão se adaptar a esta Resolução, no prazo de dois anos. § 1º Nenhum novo curso será autorizado, a partir da vigência destas normas, sem que o seu projeto seja organizado nos termos das mesmas (BRASIL, 2002).
O Relatório Delors (1998), enquanto síntese das discussões ocorridas no âmbito dos organismos internacionais iniciados em 1990, em Jomtien, embora tenha um caráter indicativo, terá suas principais prescrições (como os pilares da educação) referidas nos documentos brasileiros. As Diretrizes afirmam que “só a existência de professores preparados e comprometidos com a aprendizagem dos alunos pode dar sustentação, a médio e longo prazo, à reforma da educação básica e abrir caminho para que novas gerações da mesma surjam, a partir da avaliação e ajustes das medidas que estão sendo implementadas agora (BRASIL, 2000, p.6. grifos meus). Por essa razão, os professores “só poderão responder ao que deles se espera se possuírem os conhecimentos e as competências, as qualidades pessoais, as possibilidades profissionais e a motivação requeridas” (DELORS, 1998, p.153). Dentre os elementos fundamentais, condutores da formação de professores, estão a formação inicial e continuada como partes integrantes da consolidação da identidade profissional docente; a vinculação da formação ao projeto pedagógico das escolas e uma matriz curricular baseada no trinômio ação/reflexão/ação enquanto aporte para a superação das práticas reprodutivistas nos processos educacionais, além da ênfase aos Institutos Superiores de Educação como lócus privilegiado para a formação desses docentes. Sem sombra de dúvida, a formação em nível superior tornou-se um imperativo numa sociedade que se complexificou; entretanto, naquele momento já se mostrava que a
74
CNE. Resolução CNE/CP 1/2002. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de abril de 2002. Seção 1, p. 31. Republicada por ter saído com incorreção do original no D.O.U. de 4 de março de 2002. Seção 1, p. 8.; Alterada pela Resolução CNE/CP n.º 2, de 27 de agosto de 2004, que adia o prazo previsto no art. 15 desta Resolução; Alterada pela Resolução CNE/CP n.º 1, de 17 de novembro de 2005, que acrescenta um parágrafo ao art. 15 da Resolução CNE/CP nº 1/2002.
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diversificação das instituições de ensino superior assumia duas características importantes: o aligeiramento da formação profissional e o processo de certificação em larga escala. Como veremos, tais características serão enfatizadas para a formação de professores através da utilização massiva de Educação a Distância. A descentralização proposta pelos Referenciais (BRASIL, 1998), traduzida na relação formação/projeto pedagógico não refletiu o controle que seria exercido sobre a educação através dos mecanismos de avaliação nacional implantados, que impactaram objetivamente na “flexibilidade” que os Referenciais se propuseram permitir. A direção dada ao currículo (tanto via os Parâmetros Curriculares Nacionais quanto nas Diretrizes Curriculares), de forma geral, trouxe a conformação do homem de novo tipo:
[...] reforça-se a concepção de escola voltada para a construção de uma cidadania consciente e ativa, que ofereça aos alunos as bases culturais que lhes permitam identificar e posicionar-se frente às transformações em curso e incorporar-se na vida produtiva e sócio-política. Reforça-se, também, a concepção de professor como profissional do ensino que tem como principal tarefa cuidar da aprendizagem dos alunos, respeitada a sua diversidade pessoal, social e cultural (BRASIL, 2001, p.9).
Com esta perspectiva, a direção dada ao currículo dos cursos de formação de professores não apenas incorporou essa diretriz, como, em primeiro lugar, definiu o perfil técnico e ético-político (através da ênfase na aquisição de competências). Assim,
Conceber e organizar um curso de formação de professores implica: a) definir o conjunto de competências necessárias à atuação profissional; b) tomá-las como norteadoras tanto da proposta pedagógica, em especial do currículo e da avaliação, quanto da organização institucional e da gestão da escola de formação (BRASIL, 2001, p.37-37).
Em segundo lugar, se colocou o caráter desejável para o professor necessário à difusão da pedagogia da hegemonia e à formação para a nova cidadania, caracterizando a dimensão ético-política da formação. Dessa forma, o documento explicitou que
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As novas tarefas atribuídas à escola e a dinâmica por elas geradas impõem a revisão da formação docente em vigor na perspectiva de fortalecer ou instaurar processos de mudança no interior das instituições formadoras, respondendo às novas tarefas e aos desafios apontados, que incluem o desenvolvimento de disposição para atualização constante de modo a inteirar-se dos avanços do conhecimento nas diversas áreas, incorporandoos, bem como aprofundar a compreensão da complexidade do ato educativo em sua relação com a sociedade. Para isso, não bastam mudanças superficiais. Faz-se necessária uma revisão profunda de aspectos essenciais da formação de professores, tais como: a organização institucional, a definição e estruturação dos conteúdos para que respondam às necessidades da atuação do professor, os processos formativos que envolvem aprendizagem e desenvolvimento das competências do professor, a vinculação entre as escolas de formação e os sistemas de ensino, de modo a assegurar-lhes a indispensável preparação profissional (BRASIL, 2001, p.1011).
Essa direção visava tanto formar os novos organizadores da cultura — os intelectuais orgânicos necessários às demandas ético-políticas do capitalismo mundializado — quanto garantir o preparo das novas gerações para a nova sociabilidade e para o trabalho. Com efeito, o papel do professor passou a ter um caráter estratégico na nova configuração. Caberia ao professor ser peça-chave na difusão, na escola, dos valores, dos ideais e idéias da nova sociabilidade do capital. Em outras palavras, no contexto das políticas públicas para a educação brasileira em meados dos anos de 1990, cuja orientação se deu no campo da hegemonia neoliberal da Terceira Via, a formação dos professores tornou-se estratégica para a difusão da nova pedagogia da hegemonia. As proposições para essa sociabilidade proposta pela Terceira Via estarão presentes em todos os documentos, tanto os dos organismos internacionais, detalhados no capítulo 2, quanto nos documentos oficiais brasileiros, que, com nítida influência dos primeiros, orientaram a reforma educacional. O Relatório Delors (1998) também foi citado como justificativa teórica para a emergência de EaD. Nos Referenciais para a Formação de Professores (BRASIL, 1998), esta influência é explícita, já que, segundo o documento, aquele relatório destacou “a relevância do papel dos professores para a formação dos alunos [...], a urgência de uma formação adequada ao exercício profissional e de condições necessárias para um trabalho educativo eficaz” (BRASIL, 1998, p. 26). Assim, os conceitos-chave do Relatório já orientavam os documentos iniciais da reforma, e foram apropriados definitivamente nos documentos subseqüentes.
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Dias (2002) observou que os documentos norteadores da reforma curricular para a formação docente buscaram legitimidade a partir da crítica aos modelos curriculares anteriores, em especial, o chamado “ensino tradicional”. Isso pode ser verificado tanto no Relatório quanto nas Diretrizes Nacionais para a Formação Inicial dos Professores para a Educação Básica em Nível Superior (BRASIL, 2001). O Relatório Delors (1998) apontou a necessidade de um novo paradigma para a educação, a partir de um discurso que objetivaria romper com práticas e princípios do “ensino tradicional”, que não atenderiam “ao mundo em transformação”. As DCN apresentaram três críticas à formação inicial de professores estabelecida pela legislação anterior: a primeira, diz respeito à separação entre o bacharelado e a licenciatura. Assim, a ênfase dada nos cursos de formação, nos quais o bacharelado surgiu como a opção natural que possibilitaria, como apêndice, o diploma de licenciado, permitiu que a licenciatura fosse vista, dentro da Universidade, como algo “inferior” em meio à complexidade dos conteúdos por “área”. A segunda crítica do documento refere-se às deficiências da estrutura curricular e à abreviação dos cursos via licenciaturas curtas ou complementação pedagógica, que diminuíram a carga horária relativa aos conteúdos profissionalizantes de natureza pedagógica. A terceira questão diz respeito à ausência de um projeto institucional que focalizasse os problemas e especificidades das diferentes etapas e modalidades da educação básica, de forma a estabelecer um equilíbrio entre o domínio dos conteúdos curriculares e a sua adequação à situação pedagógica. Tânia Silva (2005) disse, ainda a esse respeito, que os documentos oficiais são tão enfáticos na crítica aos modelos anteriores que muitas vezes dão a impressão de que “o Estado é contra a ordem estabelecida” (SILVA, T., p.73). A reforma educacional e a formação de professores refletiram, assim, os novos valores necessários ao novo padrão social, ainda que nos diferentes documentos a “transformação social” seja apontada como um dos desafios que se colocam à educação. Vemos, por exemplo, na proposta de Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica em nível superior (BRASIL, 2000, p.4), que
[...] a educação escolar passa a ter papel essencial no desenvolvimento das pessoas e da sociedade, a serviço de um desenvolvimento sócio-cultural e ambiental mais harmonioso. É indicada como um dos elementos essenciais para favorecer as transformações sociais e fazer recuar a pobreza, a exclusão, a submissão, as opressões de todas as ordens (grifos nossos).
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A educação também seria importante para o desenvolvimento de uma sociedade mais harmoniosa, associada à idéia de uma cidadania ativa e a adequação à sociedade da informação, pressupostos também presentes tanto no documento citado quanto em Giddens (2001a; 2001b); Relatório Delors (1998); Relatório do Banco Mundial (1997), entre outros. É possível depreender, assim, que a transformação social a que os documentos se referem não é incompatível com os pressupostos neoliberais da Terceira Via que orientaram as reformas educacionais. Tanto é assim que a justificativa para a direção dada à reforma estaria no processo de globalização, ou mundialização do capital; no discurso que enfatiza o abandono do modelo fordista/taylorista da racionalidade técnica em favor da flexibilidade e criatividade diante das incertezas do mundo contemporâneo; no declínio do poder e autonomia dos estados-nação; na reconfiguração das políticas sociais e no crescimento da reivindicação por mais participação na vida política do país; na flexibilização dos contratos de trabalho e na terceirização dos processos de trabalho; na responsabilização do indivíduo pela “empregabilidade”; na difusão da ideologia do “empreendedorismo”, da responsabilidade social; na valorização do mercado. Enfim, tornou-se fundamental formar o indivíduo criativo, responsável, flexível, capaz de adaptar-se às mudanças, mesmo que estas signifiquem a perda de direitos, do emprego, da qualidade de vida ou até mesmo a exclusão social. Embora criticando a estrutura e funcionamento dos cursos de formação de professores anteriores às reformas, as novas diretrizes, na prática, reproduziram muitos aspectos criticados. Ainda que se dirigindo ao processo de universitarização da formação para a educação básica, a reforma iria manter, por exemplo, a possibilidade de complementação pedagógica para os que possuem diploma de bacharel. Esta complementação poderá ser feita inclusive fora das universidades, nos Institutos Superiores de Educação. Outro exemplo importante seria a abreviação dos cursos via formação inicial em serviço e através de EaD, bem como a prevalência da prática sobre os conteúdos teóricos. As Diretrizes deixaram claro, ainda, qual é o perfil que se delineou para a formação de professores para a educação básica. Seu conteúdo explicita as competências e habilidades necessárias aos futuros professores, a carga horária, a avaliação dos cursos e a organização institucional e pedagógica das instituições formadoras. De acordo com o documento, as mudanças apresentadas na LDB se tornaram os eixos norteadores das Diretrizes para a formação de professores:
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(a) a integração da educação infantil e do ensino médio como etapas da educação básica, a ser universalizada; (b) o foco nas competências a serem constituídas na educação básica, introduzindo um paradigma curricular novo, no qual os conteúdos constituem fundamentos para que os alunos possam desenvolver capacidades e constituir competências; (c) importância do papel do professor no processo de aprendizagem do aluno; (d) fortalecimento da escola como espaço de ensino e de aprendizagem do aluno e de enriquecimento cultural; (e) flexibilidade, descentralização e autonomia da escola associados à avaliação de resultados; (f) exigência de formação em nível superior para os professores de todas as etapas de ensino; (g) inclusão da Educação de Jovens e Adultos como modalidade no Ensino Fundamental e Médio (BRASIL, 2001, p.8).
A reforma curricular em tela tem a perspectiva de concretizar os pressupostos legais. Assim, a normatização e recomendações nacionais situam-se num quadro legal de flexibilização da gestão pedagógica, reafirmação da autonomia escolar e diversidade curricular, sinalizando para um regime de colaboração e um modelo de gestão mais contemporâneo para reger as relações entre as administrações dos sistemas e as unidades escolares (BRASIL, 2001). Nesta perspectiva, a revisão da formação de professores para a educação básica deverá ser “um desafio a ser enfrentado de imediato, de forma inovadora, flexível e plural, para assegurar efetivamente a concretização do direito do aluno de aprender na escola” (BRASIL, 2001, p.17). Aos professores, dada a sua “incapacidade pessoal” decorrente dos problemas da sua conhecida “má formação” inicial, caberia aceitar, pacificamente e em nome da “democracia”, a avaliação da sua competência profissional a partir das provas nacionais a que seus alunos se submetem, até a sua própria avaliação, de acordo com a Resolução CEB/CNE n.3, de 1997 (ARELARO, 2005, p. 1055-1056). Ao assumir essas idéias, podemos verificar, na prática, que a nova pedagogia da hegemonia foi se espraiando pela organização escolar, instituindo novos padrões de comportamento. As Diretrizes conceberam, ainda, “a educação como tendo papel fundamental no desenvolvimento das pessoas e da sociedade, sendo um dos elementos essenciais para favorecer as transformações sociais necessárias” (BRASIL, 2001, p.9). As transformações sociais, para o documento, são aquelas decorrentes da “sociedade da informação”, sendo a educação a estratégia para promover o ajuste da sociedade brasileira aos novos tempos. A integração da escola ao mundo do trabalho, às novas formas de convivência social e de exercício da cidadania também são estratégias essenciais para garantir a “transformação social”. Para tanto, o documento recuperou a idéia do aprender a aprender e da educação ao longo da vida, porque a modernização e a adaptação ao mundo trabalho são tarefas urgentes:
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“sabe-se que um dos fatores de produção decisivo passa a ser o conhecimento e o controle do meio técnico-científico-informacional, reorganizando o poder advindo da posse do capital, da terra ou da mão de obra” (BRASIL, 2001, p.9). As novas tarefas que se colocaram para a escola exigiriam uma revisão nos aspectos essenciais da formação para se responder aos novos desafios. Assim, seria necessário rever:
A organização institucional, a definição e estruturação dos conteúdos para que respondam às necessidades da atuação do professor, os processos formativos que envolvem aprendizagem e desenvolvimento das competências do professor, a vinculação entre as escolas de formação inicial e os sistemas de ensino, de modo a assegurar-lhes a indispensável preparação profissional (BRASIL, 2001, p.11).
Dessa forma, as DCN recuperaram a importância do desenvolvimento das competências, de modo a trazer para a formação de professores o novo paradigma que orienta a reforma curricular em outros níveis e modalidades, especialmente no ensino profissional. Como se lê no documento do MEC, por “formação profissional, entende-se a preparação voltada para o atendimento das demandas de um exercício profissional específico que não seja uma formação genérica e nem apenas acadêmica” (BRASIL, 2001, p.29). A fim de se alcançar a meta de “fazer da formação de professores uma formação de alto nível”, o documento estabeleceu que: a) a concepção de competência é central na orientação dos cursos de formação de professores; b) a coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor; c) a concepção de aprendizagem; d) a concepção de conteúdo; e) a pesquisa como elemento essencial na formação do professor. A formação de professores, portanto, teve como princípio a construção das competências consideradas necessárias a um bom desempenho pedagógico, o que remete a uma concepção de competência centrada no fazer, na ação cotidiana em seus diferentes aspectos. A concepção de aprendizagem que se explicitou no mesmo documento também supõe a aquisição de competências, que determinaram, em última instância, não apenas a concepção de currículo como a concepção de avaliação. Por essa razão, a avaliação das competências tornou-se parte integrante do processo de formação, reforçando-se, então, que a concepção e organização de um curso de formação de professores implicam a definição do conjunto de competências necessárias à atuação
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profissional que norteará a proposta pedagógica, a organização institucional e a gestão da escola de formação. Essas indicações dos documentos oficiais, tanto nacionais quanto internacionais, encontrarão respaldo, como dissemos, nos intelectuais que, nos últimos anos, têm dado o suporte teórico para as reformas educacionais e, notadamente, para a reforma da formação de professores. Perrenoud (2000a), por exemplo, ao apresentar seu livro Dez novas competências para ensinar, explicou que tais competências são prioritárias e compatíveis com o novo papel dos professores, com a evolução da formação continuada, com as reformas da formação inicial e também com as pretensões das políticas educacionais. Assim, diz o autor, o referencial que escolheu é compatível com os eixos de renovação da escola. Para Nóvoa (1995), a escola tem, provavelmente, um papel primordial na tarefa de pensar o futuro; paralelamente, a evolução social e a transformação dos sistemas educativos exigiram que se reexaminassem os ideais da escola, pois já não serviriam para orientar a ação pedagógica e a ação docente. Por essa razão, os professores precisam reencontrar novos valores que lhes permitam atribuir um sentido à ação presente. Para Tardiff (2004), o professor, enquanto ator social, tem a tarefa de ser um “agente de mudanças, ao mesmo tempo em que é portador de valores emancipadores em relação às diversas lógicas de poder que estruturam tanto o espaço social quanto o espaço escolar” (TARDIFF, 2004, p. 303). A contradição evidente, no caso desses intelectuais, é que embora se coloquem no campo crítico, portanto, contrários à posição hegemônica, constituem referência bibliográfica dos diferentes documentos orientadores da reforma75, ao mesmo tempo em que se tornaram parte da “sociedade do espetáculo”76. Desse modo, a transformação social defendida por tais autores está relacionada à defesa de uma sociedade mais “eqüitativa” e não igualitária, na qual os indivíduos, dotados de responsabilidade social (e que, por isso, tornam-se voluntários),
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Evidentemente, todos os textos produzidos, em todos os momentos históricos, após a sua divulgação em livros ou artigos, tornam-se públicos, não sendo responsabilidade dos intelectuais apropriações e/ou interpretações indevidas da sua obra. Sem menosprezar outras contribuições relevantes desses autores para a construção do conhecimento, chamamos a atenção, especificamente, para o fato de que a idéia de transformação social, ligada a uma concepção de mundo e de sociedade oposta ao capitalismo, foi apropriada e utilizada para justamente significar a sua humanização e, portanto, a sua legitimação. Assim, embora as palavras sejam as mesmas, o sentido é bastante diferente. 76 Phillipe Perrenoud tornou-se “conferencista cativo” da Futura Produções e Eventos, empresa privada que organiza eventos de caráter Regional, Nacional e até mesmo Internacional. Esses congressos e seminários, envolvem uma grande logística, e alcançam um número em torno de mil participantes por evento. Note-se que muitas prefeituras enviam ônibus fretados para garantir a presença de seus professores. Dessa forma, essa empresa, ao que parece, tem atingido muito mais docentes do que outros eventos de caráter acadêmico e científico, tornando-se, com efeito, mais um aparelho privado de hegemonia a difundir os ideais e valores da reforma educacional entre os professores, bem como a consagrar os intelectuais que a legitimam.
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respeitam as diferenças77, têm acesso aos bens de consumo e não exigem uma mudança estrutural na sociedade; em outros termos, significa formar para o consenso. Como afirma Perrenoud (2002), formar o professor reflexivo78 seria um emblema da profissionalização docente, e requer que os professores se assumam como tal e também se incomodem com “a forma como as burocracias os tratam”. Entretanto, alerta: “eles não devem reagir por meio do ressentimento nem dos protestos sindicais, mas pela construção negociada do sistema educativo” (PERRENOUD, 2002, p. 216. grifos nossos). Ou seja, tal qual a orientação neoliberal da Terceira Via, ou as observações dos organismos internacionais, as formas coletivas de reivindicação e de representação dos professores são esvaziadas de sentido; ser reflexivo, aparentemente, se aproxima da idéia do individualismo como valor moral radical defendido por Giddens (2001a), ou seja, trata-se de abandonar, como já fiz referência anteriormente, as “fixidades do passado” (GIDDENS, 2001a, p.47) É, também, nesse período que o debate sobre a importância de se formar o professor pesquisador se amplia. No entanto, este é um conceito que ganhou contornos distintos conforme o aporte teórico que lhe deu sustentação (SILVA, T., 2005). Assim, de um lado, vários documentos das entidades acadêmicas e científicas, como a ANFOPE (2004), ANPED (2001a, 2001b, 2001c), ANFOPE/FORUMDIR (2001a, 2001b), apresentam a defesa de uma base comum nacional com enfoque na docência, tendo a pesquisa como parte essencial na formação do professor; de outro lado, nos documentos oficiais de orientação curricular e
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É preciso deixar muito claro que o respeito às diferenças é um valor absolutamente importante, que deve ser defendido e difundido. O destaque, nesse ponto, nos remete ao que analisamos no capítulo 1, no que diz respeito aos movimentos de “repolitização da política”, que caracterizariam a nova pedagogia da hegemonia, através de práticas e proposições que têm sido chamadas de “reinvenção da democracia”, características do programa político da Terceira Via. Um dos movimentos consiste no estímulo à expansão de grupos de defesa de causas extra-econômicas na sociedade civil (homossexuais, crianças, jovens, mulheres, terceira idade, ecologia, etc.) Sem negar que são discussões importantes e relevantes, nosso destaque é para lembrar, como Wood (2003) analisou, que uma das características mais notáveis do capitalismo é exatamente essa característica de ocultar-se atrás de uma máscara de mistificações ideológicas. Assim, embora seja verdadeiro que as pessoas tenham outras identidades sociais além de classe, o efeito do capitalismo é criar uma aparência de que classe seja apenas uma categoria econômica, e que existe um mundo muito além da “economia” para o qual essa categoria já não é mais válida; assim, continua a autora, “a indiferença estrutural do capitalismo pelas identidades sociais das pessoas que explora torna-o capaz de prescindir das desigualdades e opressões extra-econômicas. Isso quer dizer que, embora o capitalismo não seja capaz de garantir a emancipação da opressão de gênero ou raça, a conquista dessa emancipação não garante a erradicação do capitalismo. Ao mesmo tempo, essa mesma indiferença pelas identidades extra-econômicas torna particularmente eficaz e flexível o seu uso como cobertura ideológica pelo capitalismo” (WOOD, 2003, p. 241). 78 A tese do professor pesquisador reflexivo está apoiada teoricamente nos estudos de Schön (2000) que, embora não tenha se preocupado especificamente com a educação, teria, como diz Perrenoud (2002), revitalizado e conceituado a figura do profissional reflexivo, propondo uma epistemologia da prática, da reflexão e do conhecimento na ação. Outros autores, como Zeichener e Stenhouse, escreveram também sobre a formação de um profissional reflexivo No o Brasil, a temática específica do Professor Pesquisador Reflexivo, foi divulgada pelo português Antonio Nóvoa. Articula-se a essa perspectiva a chamada “epistemologia da prática78” (TARDIFF, 2004; TARDIFF & LESSARD, 2005), cuja matriz teórica se aproxima do profissional reflexivo.
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também através de vários pesquisadores brasileiros, o professor pesquisador é também o “professor reflexivo”. Em sua tese sobre a formação do professor pesquisador reflexivo, Tânia Silva (2005) demonstrou que essa vertente é muito importante especialmente quando articulada com outras perspectivas que enfatizam os “saberes docentes” (a “epistemologia da prática”). Nesse sentido, trouxe novas categorias para a transformação da atuação dos professores (a pesquisa, a reflexão e a memória docente), de forma a “responder às necessidades postas pelas mudanças históricas advindas de um processo que culminou na promoção de reformas educacionais em vários países, dentre eles, os da América Latina” (SILVA, T., 2005, p. 2). Assim, se de um lado é possível percebermos nessas teorias uma preocupação em romper com a fragmentação da formação de professores, de forma a tornar a prática profissional como um lugar de aprendizagem, ao mesmo tempo se verifica que a prática assume uma dimensão “autônoma”, ou seja, ao invés da articulação entre teoria e prática, a segunda torna-se central, já que seria “lugar tradicional de mobilização de saberes e de competências específicas”; assim, “a prática é considerada uma instância de produção desses mesmos saberes e competências”; nesse sentido, continua Tardiff (2004), “ao incorporar uma parte da formação, a prática torna-se enfim um espaço de comunicação e de transmissão desses saberes e competências” (TARDIFF, 2004, p. 288). A perspectiva da formação do professor reflexivo exige que a ação do professor seja embasada na reflexão e na pesquisa sobre a sua prática cotidiana, como também o enfatizam os documentos orientadores da reforma curricular da formação de professores. Entretanto, ao comentar a reforma da formação de professores estadunidenses dos anos de 1990, Tardiff (2004), ainda que apresente os vários problemas tanto da proposta em si quanto da sua implementação, deu ênfase ao que denomina Knowledge base das pesquisas sobre o ensino, que receberam censuras por estarem distantes das práticas cotidianas dos professores; serem fragmentadas devido a subdivisões das disciplinas científicas; terem pouco impacto sobre as práticas dos professores tanto devido à linguagem na qual são formuladas quanto por não serem pertinentes e úteis aos professores e alunos. Essas críticas, ainda segundo o autor, se dirigem à ausência de profissionalização dos formadores universitários da área educacional que deixaram de articular suas pesquisas com a área específica de sua formação. Apesar dessas críticas, a situação vem se modificando, segundo o autor:
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Um número cada vez maior de pesquisadores sai dos seus laboratórios, dos seus centros de pesquisa e dos seus gabinetes para ir diretamente ao ambiente escolar, principalmente às salas de aula, a fim de analisar as situações concretas do trabalho docente em interação com os alunos. Nos Estados Unidos, calcula-se que existem, atualmente, milhares e milhares de pesquisas realizadas nas salas de aula. Essas pesquisas produzem resultados que podem ser utilizadas pelos professores para melhorar suas práticas profissionais (TARDIFF, 2004, p.290).
Visto dessa ótica, não nos parece descabido pensar que, ao direcionar a pesquisa apenas para esse aspecto, o autor empobrece a formação docente e retira dela a possibilidade de pensar a educação inserida num contexto mais amplo; em outros termos, ao não permitir que os futuros professores compreendam as práticas cotidianas inseridas nas relações sociais que as engendram, tornamos o professor incapaz de constituir-se num especialista + dirigente para a construção de um projeto de sociedade e de sociabilidade diferentes do projeto burguês, como esperava Gramsci. Nesse sentido, a direção apresentada nestas propostas reveste-se de características que as tornam eficazes e sedutoras: de um lado, apresentam, de fato, propostas para dificuldades reais dos professores, quais sejam aquelas ligadas imediatamente ao seu cotidiano, à sua prática diária; de outro lado, ao criticarem e indicarem o seu rompimento com o “modelo tradicional” (em geral os modelos mais fortemente tecnicistas), permitem desenvolver um imaginário no qual a sua atuação, a partir desses pressupostos, estará em consonância com a decantada “transformação social”, entendida como modernização capitalista. Merece destaque a formulação da concepção de cidadania que norteia as normas e recomendações nacionais, pela qual se reforçam a concepção de escola voltada para a construção de uma cidadania consciente e ativa, que ofereça aos alunos as bases culturais que lhes permitam identificar e posicionar-se frente às transformações em curso e incorporar-se na vida produtiva e sócio-política. Em outros termos, trata-se da nova cidadania, caracterizada pelo individualismo, pela competitividade, pela busca de adaptação à sociedade vigente e ao trabalho precarizado, pelo enfraquecimento das organizações políticas e das formas de reivindicação coletiva. Se, de um lado, é possível perceber uma relação que Dias (2002) chamou de tradicional, com base na concepção curricular da eficiência social, como a preocupação de a escola preparar para o mercado e para o trabalho, esses novos elementos, que caracterizam a nova pedagogia da hegemonia, também estão presentes, especialmente no que diz respeito aos novos bens culturais a serem desenvolvidos na escola.
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Nesta direção, o conjunto de normas legais traça, com clareza, o perfil profissional do professor, envolvendo os aspectos técnicos, éticos e políticos necessários à sua formação, bem como os fundamentos metodológicos que orientam tal formação, com destaque para as seguintes necessidades:
Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; Responsabilizarse pelo sucesso da aprendizagem dos alunos; Assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos; Incentivar atividades de enriquecimento cultural; Desenvolver práticas investigativas; Elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos curriculares; Utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio; Desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe (BRASIL, 2001, p.5. grifos nossos.).
A partir do ensino/formação por competências, espera-se a superação da dicotomia teoria-prática, já que a aquisição de competências só se daria “em situação e, portanto, não podem ser aprendidas apenas no plano teórico nem no estritamente prático” (BRASIL, 2005, p.30). A concepção de aprendizagem que se explicita no mesmo documento também supõe a aquisição de competências, uma vez que “não há real construção do conhecimento sem que resulte, do mesmo movimento, a construção de competências” (BRASIL, 2005, p.32). E são as competências que, por sua vez, determinariam a concepção de currículo, já que
No seu conjunto, o currículo precisa conter os conteúdos necessários ao desenvolvimento das competências exigidas para o exercício profissional e precisa tratá-los nas suas diferentes dimensões: na sua dimensão conceitual – na forma de teorias, informações, conceitos; na sua dimensão procedimental – na forma do saber fazer e na sua dimensão atitudinal – na forma de valores a atitudes que estarão em jogo na atuação profissional e devem estar consagrados no projeto pedagógico da escola (BRASIL, 2005, p.33).
A avaliação das competências no processo de formação do professor é, de acordo com o documento, parte integrante do processo de formação: “a avaliação destina-se à análise da aprendizagem dos futuros professores, de modo a favorecer seu percurso e regular as ações de sua formação e tem, também, a finalidade de certificar sua formação profissional” (BRASIL, 2001, p.34). É também central na avaliação da formação docente:
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As competências profissionais a serem construídas pelos professores em formação, de acordo com as presentes diretrizes, devem ser a referência de todos os tipos de avaliação e de todos os critérios usados para identificar e avaliar os aspectos relevantes (BRASIL, 2002, p. 51).
As Diretrizes para a formação de professores, bem como as Diretrizes para a organização da matriz curricular são apresentadas nos capítulos 5 e 6, do documento. Nestes capítulos estão a concepção, o desenvolvimento e a abrangência dos cursos de formação inicial, bem como os eixos articuladores para a organização da matriz curricular. Reforça-se novamente que a concepção e a organização de um curso de formação de professores implicam a definição do conjunto de competências necessárias à atuação profissional, o que nortearia, não apenas a proposta pedagógica, como a organização institucional e a gestão da escola de formação. Em consonância com este dispositivo, no item 5.2. do documento são apresentadas as competências a serem desenvolvidas na formação da educação básica, destacando-se que elas devem ser complementadas e contextualizadas pelas competências específicas próprias de cada etapa e de cada área do conhecimento a ser contemplada na formação. São listadas então as competências referentes ao comprometimento com os valores inspiradores da sociedade democrática; as referentes à compreensão do papel social da escola; ao domínio dos conteúdos a serem socializados, de seus significados em diferentes contextos e em sua articulação interdisciplinar; as referentes ao domínio do conhecimento pedagógico; ao conhecimento de processos de investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica; as referentes ao gerenciamento do próprio desenvolvimento profissional (BRASIL, 2001, p.37-44). Em síntese, ao analisar o texto apresentado pelo MEC, nota-se que o documento reconhece a existência de uma desarticulação no interior do sistema de ensino e na formação de professores, o que certamente vem colaborando para o fracasso escolar, bem como tem comprometido a qualidade da formação e da atuação docente. Neste sentido, o documento expressa a necessidade de integração da educação básica, e destaca os problemas decorrentes da separação entre a formação de professores das séries iniciais e a formação dos demais professores da Educação básica. Consoante com o texto da Lei 9394/96, o documento mantém a separação na formação de professores para a Escola Básica, já que a formação poderá ocorrer em espaços
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diferenciados: nas IES, nos Institutos Superiores de Educação. A formação de professores e de especialistas mantém o mesmo espírito, pois serão formados em cursos e escolas distintas (ao menos até a publicação, em 2006, das Diretrizes para o Curso de Pedagogia, que mantém a formação de professores e de especialistas no seu escopo). É preciso fazer menção, ainda, à profissionalização do professor. Caracterizada como formação permanente ou ao longo da vida, está fortemente articulada aos princípios da flexibilidade, eficiência e produtividade dos sistemas de ensino, bem como está vinculada ao exercício profissional. As DCN tomaram como desafio tornar a formação de professores uma formação de alto nível, “que não seja genérica nem apenas acadêmica” (BRASIL, 2001, p. 28), de forma a permitir que o profissional saiba mobilizar seus conhecimentos para atender às múltiplas demandas do seu trabalho. É importante registrar, ainda, que, embora os documentos oficiais critiquem os modelos do passado, Dias (2002) mostrou com clareza que o repertório de competências listados nas DCN aproxima-se muito, especialmente na sua formulação, do modelo de objetivos, principalmente na organização de competências de três tipos: conceituais, procedimentais
e
atitudinais.
Para
a
autora,
essas
competências
correspondem,
respectivamente, aos objetivos cognitivos, psico-motores e afetivos formulados por Bloom, a partir de verbos que visam desempenhos que podem ser avaliados de modo mais objetivo. Centradas no discurso da valorização do magistério e sua profissionalização, as políticas de formação do professor dos anos de 1990 vieram aprofundado a desqualificação e a desvalorização deste profissional. Não é demais acrescentarmos a esse panorama o impulso dado ao setor privado: as políticas públicas oficiais facilitaram o aprofundamento da participação da iniciativa privada na operação de instituições educativas, descentralizando o papel e a responsabilidade do Estado. Retomando o foco desse capítulo, é fundamental observar a articulação entre os documentos dos organismos internacionais, como o Relatório Delors (1998) e os nacionais, como as Diretrizes (2001). Ambos responsabilizaram os professores pela formação do homem de novo tipo. A crítica à escola tradicional e conservadora e a ênfase na escola como espaço de transformação social — ainda que não se proponha uma nova sociedade —, se justificam face à necessidade de adequar-se aos novos processos econômicos e sociais que demandam novas formas de ser e de se viver no mundo. As mudanças no mundo produtivo acompanhadas do desenvolvimento expressivo das TIC, que trazem novos problemas e
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demandas à escola, exigem processos de educação ao longo da vida, formação continuada e/ou permanente. Em resumo, as políticas públicas para a formação de professores nos anos de 1990 e 2000 estão pautadas na aquisição de competências, na certificação em larga escala, no treinamento em serviço e na formação em nível superior via educação a distância. Os documentos oficiais atestam esses objetivos técnicos e ético-políticos. Ao mesmo tempo, essas proposições são referendadas por pesquisadores brasileiros importantes, que também influenciaram o campo educacional, tornando legítima a mudança de ênfase das políticas educacionais. Assim, embora se saiba que grande parte da produção intelectual utilizada como base para a construção da reforma tenha sido produzida em outras realidades bastante diferentes da brasileira, os autores vêm se constituindo como matrizes teóricas para a nossa reforma, de forma geral, e para a formação de professores, de forma específica. A noção de competência, a idéia do professor como mediador e reflexivo, a centralidade na ação individual e na prática, sugerem uma valorização da democracia, da liberdade, da justiça social, que não são incompatíveis com a direção dada pelas políticas públicas para a formação de professores, particularmente para o projeto Veredas. Na perspectiva desse trabalho, é fundamental compreender as matrizes teóricas que fundamentam essas propostas, até mesmo para verificar como o pensamento dos intelectuais se imbrica e se cruza, contribuindo para a consolidação da nova pedagogia da hegemonia.
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4. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
A educação a distância, ao ocupar um espaço estratégico nas políticas públicas para o ensino superior, com destaque para a sua emergência na formação superior de professores, reacendeu entre os educadores o debate a seu respeito. Essas discussões são históricas e envolvem aspectos tanto pedagógicos quanto ético-políticos: em tela, estão as análises sobre as possibilidades e sobre a qualidade da EaD, concomitantemente à preocupação sobre a ênfase na EaD como solução para a democratização do acesso ao ensino superior e para a formação de professores para a educação básica. Ao mesmo tempo, estes debates estão inseridos no debate mais geral sobre a educação e o seu papel nos novos tempos do novo imperialismo (HARVEY, 2005a; CHESNAIS, 1996, 1999; FONTES, 2006), e com a formação dos intelectuais necessários à difusão de um novo modo de ser, pensar e agir, de acordo com os valores ético-morais, políticos e econômicos da contemporaneidade. Assim, torna-se possível compreender a emergência da EaD no ensino superior, de forma geral, e na formação de professores, de forma específica, na perspectiva do novo princípio educativo, mediador das mudanças para a educação que se iniciou, no Brasil, nos anos de 1990, a partir de quatro aspectos distintos, mas profundamente articulados: na perspectiva didático-pedagógica, com o estabelecimento de parâmetros de qualidade de ensino a partir do desenvolvimento de competências, habilidades, atitudes e hábitos relativos ao estudo, à profissão e à própria vida das pessoas; na perspectiva econômica, através da elevação mínima do patamar de conhecimento científico da futura força de trabalho (simples e complexa) de acordo com as exigências do novo paradigma produtivo; no plano político,
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significando a afirmação do consenso em torno do padrão neoliberal de desenvolvimento como o único e verdadeiramente possível neste início de século, legitimando o novo modelo de participação na sociedade e a despolitização dos sujeitos coletivos; na perspectiva social, representando a solidificação do novo individualismo como valor moral radical, a valorização do mercado enquanto regulador das relações sociais e na ressiginificação das noções de igualdade e de liberdade, garantindo os fundamentos da nova cidadania. Quando retrocedemos aos seus primórdios, em fins do século XVIII, até as primeiras décadas do século XX, temos que a EaD sempre esteve ligada à formação profissional. No caso do Brasil, por exemplo, excetuando-se as escolas de língua estrangeira, este caráter foi assumido nos casos do Instituto Rádio-Técnico Monitor, fundado em 1939, e do Instituto Universal Brasileiro, a partir de 1941. Tinha então um caráter supletivo, destinado àqueles que não tiveram oportunidade de acesso a uma educação formal, o que veio a contribuir fortemente para que a EaD fosse vista como uma forma de educação “menor”. A fundação das universidades abertas e a distância, nos anos de 1960 – Open University (OU) na Inglaterra, e posteriormente o surgimento da Universitat Oberta de Catalunya (UOC) e Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED,)79 na Espanha – impulsionou fortemente essa forma de ensino em todo o mundo. Estas universidades se estruturam a partir do tripé ensino, pesquisa e extensão, desenvolvem pesquisas mais afeitas à EaD e possuem corpo docente próprio, embora a Open University, a mais conhecida e tradicional, não desenvolva cursos de graduação, e sim, cursos rápidos de 20 semanas, 10 a 16 semanas e de 9 meses80.
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Open University:< http//: www.open.ac.wk >; Universitat Oberta de Catalunya: < http//: www.uoc.edu >; Universidad Nacional de Educación a Distancia: < http//: www.uned.es/portal/ > Acesso em 9 de agosto de 2007. 80 Documento publicado pelo Grupo de Trabalho em Política Educacional (GTPE) do Andes/SN informa que, segundo o estudo Megatrends in e-Learning Provision, apenas uma desconhecida e comercial “Learn Direct” atinge números como 400 mil matrículas; a “Open” britânica contabiliza, ao todo, meros 11 mil estudantes em estudos virtuais; a universidade catalã tem 94 mil estudantes; e a Universidade Virtual de Barcelona conta com 21,9 mil matrículas. As demais IES européias de e-learning contabilizam menos de 45 mil matrículas,cada uma, portanto atendem um décimo daquilo que a UAB pretende atingir, num horizonte de menos de 4 anos. Na verdade, das 27 instituições européias citadas como sendo as maiores no estudo MegaTrends, executado por um consórcio de universidades que já oferecem EaD, apenas 5 concentram um número total de estudantes que exceda 15 mil. Outros dados interessantes podem ser extraídos do estudo acima mencionado: um número expressivo dessas 27 instituições deve estar lutando com dificuldades, pois, pelo menos 13 delas, ou seja da ordem de metade, não contabilizam, em média, mais do que 50 estudantes por curso, havendo casos extremos, como o de duas universidades inglesas, a de Leicester e a de Ulster, que, novamente em média, têm, respectivamente, 7 e 6 estudantes por curso. Turmas tão pequenas, provavelmente, significam alto índice de abandono, fenômeno bastante bem documentado para EaD, especialmente para matrículas de estudantes jovens em sua primeira graduação. Mesmo a muito conceituada ”Open University” britânica tem, em média, apenas 29 estudantes matriculados em cada um dos 375 cursos que oferece. Neste ponto vale alertar que, na denominação inglesa, course se refere a uma disciplina e não a um curso de graduação; se houver pesquisa no sítio da "Open"
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No Brasil, no início da década de 1970, a emergência do conceito de “educação permanente”, a partir da exigência de respostas rápidas e eficazes às mudanças que ocorriam no mundo do trabalho, assegurou novos espaços para a EaD. A defesa da educação permanente tinha como pressuposto a possibilidade de se romper a dicotomia entre a escola e o trabalho, de forma a elevar o nível científico e tecnológico dos trabalhadores e contribuir para a formação profissional. Nessa direção, implicava compreender que o “significado da educação não estava na noção segundo a qual se pode dispor de uma bagagem cultural intelectual ou técnica suficiente para toda a vida [...]” (ALVES, 2001, p.50). Ou seja, a educação deve permitir que o indivíduo seja responsável pelo “seu próprio crescimento, através das várias formas de autodidatismo” (ALVES, 2001, p. 50). A EaD, associada à televisão, à época, era a melhor possibilidade para cumprir essa finalidade, já que alcançava um grande número de pessoas. Ao mesmo tempo, estava lançada a semente da autodidaxia permanente, tão cara à “modernização” da formação para o trabalho requerida nesses tempos de automação flexível. As críticas ao conceito de educação permanente não foram poucas e estavam ligadas às críticas ao tecnicismo que marcou a educação da época, bem como se relacionavam à discussão sobre a articulação da EaD com as exigências do modo de produção capitalista, tanto no que dizia respeito à metodologia de educação que melhor favorecia ao treinamento da mão-de-obra, quanto à sua adaptação a técnicas fordistas de educação. Aliás, essa relação não foi vista apenas pelos críticos da educação permanente e da EaD; Otto Peters81 (2004) relacionou os principais aspectos dos processos de produção industrial na EaD, identificandoa como forma industrializada de educação. O “modelo fordista” de educação tinha, como princípios fundamentais, a racionalização, a divisão do trabalho e a produção em massa, além de o ensino se reestruturar gradualmente através da mecanização e da automação crescente (BELLONI, 2001). Em estudos mais recentes, Peters (2004), mostrou que a produção em massa de materiais impressos, pré-preparados e pré-fabricados foram sendo substituídos pelas novas tecnologias da comunicação, permitindo uma mudança na EaD, tornando-a mais importante do que antes e trazendo novas características, como o “considerável progresso na criação e no britânica, notar-se-á que vários cursos foram descontinuados, possivelmente por falta de inscrições (GTPE/Andes-SN, 2007). 81 Foi Reitor da Universidade Aberta de Hagen, Alemanha, durante os anos 70, e se tornou um especialista reconhecido em Educação a Distância. Em 1967 publicou um trabalho que seria referência para a área, intitulado “A educação a distância nas universidades e nas instituições de ensino superior: estrutura didática e análise comparativa – uma contribuição para a tória da educação a distância”, na qual o autor concebe a EaD como a forma de ensino e aprendizagem mais industrializada.
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acesso à educação superior para grupos de adultos, experimentação pedagógica, a aplicação cada vez maior de tecnologias educacionais, a introdução e a manutenção de aprendizado aberto e permanente e o início da educação superior em massa” (PETERS, 2004, p.32). Ao recuperar as concepções de EaD em seu livro “Educação a Distância”, a pesquisadora brasileira Maria Luíza Belloni (2001) informou que as análises de Otto Peters foram muito criticadas, especialmente por membros da Open University e por estudiosos australianos. Durante os anos de 1980, duas concepções teóricas predominaram no cenário educacional: de um lado, o modelo fordista e, de outro, uma proposta de educação mais aberta e flexível, mais condizente com os novos tempos do capitalismo. Para a autora, nos anos 90 a lógica industrialista ocupou cada vez menos espaço em detrimento da ampliação e difusão das “teorias da pós-modernidade e de modelos pós-fordistas de organização industrial”. Nas suas palavras, “a maioria dos estudiosos concorda que os objetivos e estratégias de EaD estão sendo (ou devem ser) redefinidos em função de análises e críticas orientadas pelos paradigmas pós-modernos e desconstrucionistas” (BELLONI, 2001, p.11). O fato é que, enaltecidas nas políticas educacionais como estratégias de inclusão na “sociedade da informação”, as TIC representaram a possibilidade de acessar, selecionar e processar informações diante das condições definidas por uma nova geografia política, pela globalização e pela revolução tecnológica.82 De acordo com Mattelart (2002), a chamada “sociedade da informação” e a “era da informação” são expressões indissociáveis do vocabulário da “era global”. Segundo o autor, os discursos apologéticos que acompanham essas noções anunciam uma nova sociedade “mais solidária, mais aberta e mais democrática”, induzindo uma definição da mudança e do novo baseados na presença de dispositivos tecnológicos. Essa noção se formaliza na seqüência das máquinas inteligentes, no avanço da robótica e na emergência da Internet como nova rede de acesso público e, principalmente, “foi sob a sombra da tese dos fins, começando com o fim da ideologia, que foi incubada, ao longo da Guerra Fria, a idéia da sociedade da informação como alternativa aos dois sistemas antagônicos” (MATTELART, 2002, p.8). Para os seus defensores, as tecnologias estão criando novas formas de convívio social, dispensando a presença física; é a “cibercultura”, ou seja, “um conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem paralelamente ao crescimento do ciberespaço” (LEVY, 1999, p.17). Significa, portanto, que, para a educação para a modernidade, tornou-se urgente a integração das TIC, 82
Sobre essa argumentação, ver as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (1998)
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não apenas como meios de melhorar a eficiência dos sistemas, mas principalmente como ferramentas83 pedagógicas efetivamente a serviço de formação do indivíduo autônomo, conforme exigido pelas novas condições socioeconômicas (BELLONI, 2001, p.6). Tais mudanças indicam ser necessário um novo modelo educacional, de acordo com as exigências dos novos tempos: mais flexíveis, em menos tempo e mediado pelas novas tecnologias. Trata-se, portanto, da apropriação de tecnologias que, descontextualizadas de suas áreas de origem, passaram a ser utilizadas na educação, embora não sejam desconhecidas as dificuldades operacionais para a utilização da Internet nas escolas pelos professores e pelos alunos84. Nesse sentido, embora a emergência da EaD esteja, no discurso, apoiada nas possibilidades trazidas pelo expressivo desenvolvimento das TIC, nos países periféricos a expansão do ensino superior, de forma geral, mas principalmente da formação de professores, está calcada nos materiais impressos, televisão e rádio, salvo algumas exceções, reduzindo-as a estratégias de EaD. A difusão dos meios eletrônicos para diferentes atividades do dia-a-dia, desde o trabalho até mesmo o entretenimento tem sido a justificativa para a aceitação da EaD através de meios virtuais, especialmente aquelas chamadas e-learning, que inclui universidades, qualificação
profissional
(universidades
corporativas)
e
sites
de
educação
para
entretenimento. Como não necessita de investimento físico, o investimento necessário é o que garante a estrutura tecnológica para o seu funcionamento. Segundo informações extraídas do site E-Learning Brasil85, o crescimento da educação virtual em todo o mundo deve movimentar U$50 bilhões até 2010, razão pela qual seria um mercado extremamente promissor (E-MARKETER, 2003). Ainda segundo o site, o número de organizações de ELearning, que se utiliza de meios virtuais para capacitar funcionários, saltou de 5, em 1999,
83
A esse respeito, Belloni (2003) destaca uma dupla dimensão da integração de meios técnicos na educação: consideração integrada do recurso técnico como ferramenta pedagógica e como objeto de estudo. Segundo a autora, somente considerando essa dupla dimensão é que a utilização das TIC pode se tornar um processo de apropriação criativo e não apenas de consumo instrumental e passivo (p. 289). 84 De acordo com os dados publicados na pesquisa de Fanfani (2005), o uso de computadores pelos professores para a produção textos escritos é corriqueiro para um terço dos docentes, que o utilizam todos os dias ou ao menos a cada quinze dias, especialmente os da rede privada de ensino. Entretanto, o uso do correio eletrônico é ínfimo entre os professores (no Brasil, 8,5% usam diariamente; 29,5% utilizam ao menos uma vez a cada quinze dias e 56,2% nunca se utilizam do correio eletrônico; não sabem ou não responderam 5,8% dos entrevistados), especialmente entre os professores do ensino primário, mantendo-se a maior utilização pelos docentes da rede privada e os de maior nível socioeconômico. A navegação pela Internet também é muito pequena, sendo que o acesso é mais freqüente entre os professores do ensino médio, homens (exceto no Peru), que trabalham na iniciativa privada, mais jovens e que ocupam posições mais favoráveis na estrutura de distribuição do ingresso (no Brasil, 6,9% dos professores navegam diariamente, 32,2% ao menos a cada quinze dias. 54,8% dos docentes jamais se utilizam da internet, e 6,1% não souberam ou não responderam a essa pergunta) (ibid. p. 253-258) 85 <http://www.elearningbrasil.com.br> Acesso em 18 de agosto de 2007.
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para 566 em 2007, e a maior concentração estaria na região sudeste do país, com 400 organizações. Além da capacitação de funcionários, o e-learning também é utilizado em universidades virtuais. Segundo a United Nations University (UNU)86, há quatro tipos de universidades virtuais: (i) aquelas baseadas em campi tradicionais, que articulam ensino presencial com ensino a distância, tais como a Stanford University e Western Governors University; (ii) aquelas formadas por instituições abertas, que oferecem EaD para grupos restritos de alunos, em tempo parcial, como a UK University; (iii) universidades virtuais, que não possuem campus e utilizam a Internet como o principal veículo de atuação, tais como a African Virtual University e Jones International University e (iv) consórcios de educação on line, formados por redes de universidades e instituições não acadêmicas, como a Virtual Learning Consortium – University of Cambridge. A última forma seria a mais atraente para os investidores, já que permite a divisão de custos entre os consorciados, na maioria dos casos instituições públicas e privadas. Nos países centrais, as TIC trouxeram novas possibilidades aos processos educacionais; nos países periféricos se tornaram estratégia para formação de professores em larga escala e em serviço, bem como para o treinamento de trabalhadores e para a expansão do ensino superior de massa, sem nos esquecer que tal expansão levou em conta os interesses do mercado da educação superior. Nesse sentido, o impulso à EaD, no Brasil, está coerente com a sua expansão na periferia do capital. Essa parece ser também a avaliação do presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), Michael Frederic Litto. Ao apresentar o “13º Congresso Internacional de Educação a Distância: Em busca de novos domínios públicos através de Educação a Distância”, realizado em setembro de 2007 em Curitiba, o presidente reconheceu que a prática de EaD é ainda uma réplica do ensino presencial, não explorando todas as potencialidades que as TIC oferecem para dinamizar essa forma de ensino. Assim, anunciou que o 13º Congresso tinha a finalidade de estimular novas idéias para descobrir aplicações de EaD “inovadoras”, ao mesmo tempo em que chamou todos os que desenvolvem programas na área (universidades, ONG, empresas, sindicatos, entidade cultural ou educacional multifacetada) a buscarem essas saídas, que envolve riscos, mas também pode tornar-se um mercado promissor:
86
<http://www.unu.edu> Acesso em 21 de agosto de 2007.
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Mas a boa pesquisa da possibilidade de um mercado viável para um novo serviço educacional através de EaD, o bom planejamento do negócio, a formação de uma equipe não apenas adequada, mas um verdadeiro “dream team”(time dos sonhos) e o bom apoio ao aluno, durante e depois do curso, garantirão o sucesso do empreendimento (LITTO, 2007).
Assim, a EaD foi se constituindo tanto como possibilidade de capacitação dos trabalhadores através de e-learning, quanto como um mercado para a educação superior. Para se adaptar às mudanças da sociedade contemporânea, como vimos, é preciso adotar um novo estilo de vida e novos valores. Esta nova forma de ser, pensar e agir implica uma responsabilização do indivíduo pelo seu sucesso ou fracasso, para o que a educação passou a ter um papel também para a “formação ao longo da vida”, necessária para garantir os requisitos exigidos pelas novas formas de trabalho e de vida. Nesta ótica, pensar na EaD associada às TIC´s significa pensar em uma nova educação e em novos requisitos para o trabalhador. Em primeiro lugar, como analisa Frigotto (2003, p.154. grifos do autor), porque “o capital não prescinde do saber do trabalhador e do saber em trabalho e é forçado a demandar trabalhadores em um nível de capacitação teórica mais elevado, o que implica mais tempo de escolaridade e de melhor qualidade”. Nesse sentido, a EaD aparece como uma importante perspectiva para atender à exigência de uma educação pós-obrigatória e também como treinamento profissional. Em segundo lugar, ainda como afirma o mesmo autor, “o capital, mediante diferentes mecanismos, busca manter tanto a subordinação do trabalhador quanto a qualidade da sua formação” (FRIGOTTO, 2003, p.154). Mais uma vez, as propostas de EaD permitem aos trabalhadores não apenas realizarem sua formação durante seu tempo livre, sem dispensa do trabalho, como possibilitam um razoável controle sobre os conteúdos dessa formação. Na perspectiva do ensino superior formal, representa “a clara intenção do atual governo de investir na EaD e nas TIC como uma estratégia para democratizar e elevar o padrão de qualidade da educação brasileira” (MEC/SEED, 2007). Assim, no bojo das reformas educacionais dos anos de 1990, a EaD tornou-se uma estratégia fundamental para a expansão do ensino superior, tendo a formação de professores como o seu carro-chefe. Nessa direção, a EaD, considerada um “recurso moderno”, na prática não moderniza a educação. Ao contrário, reforça a conservação das relações capitalistas.
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4.1. A Expansão da EaD nos anos 90: estratégia de formação de professores
No caso brasileiro, é possível observar a tímida presença das Universidades na proposição inicial em EaD. Dentre as primeiras iniciativas, estão o Centro de Educação a Distância – CEAD – da Universidade de Brasília, que começou a funcionar em 1980; o Núcleo de Educação Aberta e a Distância do Instituto de Educação – NEAD – da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), criado em 1995; o laboratório de EaD do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também em 1995. No contexto de um expressivo estímulo financeiro e técnico para a utilização de EaD, especialmente para a formação de professores, incentivo tanto dos organismos internacionais, quanto das políticas públicas brasileiras para a educação superior, a partir da nova LDB e legislação complementar, as iniciativas das Instituições de Ensino Superior (IES) significaram um incremento nas ações nos anos de 1990. As bases legais para a educação a distância foram estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no seu artigo 80. Regulamentada pelo Decreto nº. 5.622, publicado no Diário Oficial da União de 20/12/0587, a EaD teve a sua normatização definida na Portaria Ministerial n.º 4.361, de 2004 (que revogou a Portaria Ministerial n.º 301, de 07 de abril de 1998). A publicação do Decreto n º. 6.303, de 12 de dezembro de 2007, alterou dispositivos dos decretos anteriores, adequando os processos de regulação, supervisão e avaliação da EaD às regras da educação superior presencial, conseqüência da política para a formação de professores anunciada no PDE do governo Lula da Silva. A SEED será responsável pelos processos de autorização, reconhecimento e renovação de cursos, além de supervisioná-los. O recredenciamento das instituições estará vinculado ao ciclo do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), concluído a cada três anos, além de estabelecer que a Capes deverá se manifestar em processos de reconhecimento de cursos de pedagogia, licenciatura e normal superior. De todo modo, os Decretos e a Portaria publicados ainda em 1998 marcaram o início da regulamentação da EaD, e tiveram alguns aspectos importantes: o primeiro, a definição de educação a distância, ou seja, todos os cursos que não sejam integralmente presenciais; o segundo, a delegação do credenciamento e da autorização de programas de EaD para a educação básica, para a educação de jovens e adultos e para a educação profissional de nível 87
Esse Decreto revogaria os anteriores, Decreto nº. 2.494/98 e Decreto n º 2.561/98.
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técnico aos conselhos estaduais de educação. O terceiro, foi a nomeação, ao menos nos documentos legais, da EaD como modalidade de ensino. Cabe aqui um breve comentário sobre esses três pontos, que à primeira vista não seriam passíveis de discussão. A distinção entre ensino presencial e ensino a distância foi uma “novidade” introduzida pela LDB n. 9394/96, e representou, como bem o analisou Barreto (2002), uma “qualificação que desqualifica, desgasta, esvazia”. Isso porque essa qualificação do ensino produz efeitos de sentido importantes, na medida em que o ensino a distância, sempre relacionado às novas tecnologias (ao menos no discurso), parece tornar o ensino presencial velho, obsoleto, distante das novas linguagens e tecnologias. No que diz respeito ao ensino fundamental e ao ensino médio, a EaD ficou restrita à complementação de aprendizagem ou para atender a situações emergenciais, resguardando-se a educação de jovens e adultos e a educação profissional de nível técnico (Artigo 30 do Decreto nº. 5.622/05). Neste caso, o credenciamento dos cursos poderá se dar através dos Conselhos Estaduais de Educação (exceto no caso de instituições vinculadas ao sistema federal de ensino, submetidas ao MEC). Com efeito, o foco da expansão da EaD é a Educação Superior e a Educação Profissional em nível tecnológico, credenciadas pelo Ministério da Educação. Concomitantemente à perspectiva de democratização do acesso, nos marcos limitados a que tais políticas se circunscrevem, reforça-se o ideal de igualdade de oportunidades, ou seja, de responsabilização dos indivíduos pela escolarização (muitas vezes ruim), apostando-se na possibilidade de atenuar as desigualdades, e não de superá-las. O fato é que a EaD, embora envolta em polêmica, tanto conceitual quanto formal — trata-se de uma forma de ensino, uma tecnologia educacional ou uma modalidade? —, constituiu-se como um dos elementos fundamentais na reforma da educação nos anos 90 e nos anos 2000. Sem entrar nesse debate, a legislação passou a tratar a EaD como modalidade. Com efeito, muitos pesquisadores defendem que a EaD, ao ser tratada como “uma forma de ensino” e não mais como mero recurso suplementar de educação formal, tornou-se uma modalidade88 de ensino de fato; entretanto, trata-se da única modalidade que não é nomeada em função do nível de ensino (educação infantil, ensino fundamental, médio, profissional, superior) ou da clientela a que se destina (crianças, jovens e adultos), mas ao seu modus operandi que, por sua vez, se baseia na centralidade das TIC como suporte para a veiculação 88
O Decreto 5.622 caracteriza a EaD como “modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares e tempos diversos” (http://www.uvb.gov.br).
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dos materiais de ensino, não havendo espaço, como salientou Barreto (2002), para o debate sobre a apropriação educacional das TIC, que são reduzidas a ferramentas com fins específicos, “subsumidas na nova modalidade de educação” (BARRETO, 2002, p. 100).89 Significa, portanto, que mais do que questionar a polêmica conceitual ou formal, é preciso compreender que a EaD tornou-se uma estratégia política de formação de professores, não se colocando a centralidade das TIC, ausência prevista inclusive nos documentos dos organismos internacionais, como vimos anteriormente. No que se refere ao ensino superior, a normatização dispôs sobre a oferta de cursos de graduação nas modalidades de bacharelado, de licenciatura e de formação de tecnólogo, bem como a previsão de regulamentação para o credenciamento das instituições federais de ensino e sobre a autorização e reconhecimento de programas e cursos a distância de todos os sistemas de ensino. A Resolução n.º 1, de 3 de abril de 2001, mais o Decreto nº. 5.622/05, estabeleceram finalmente as normas para a pós-graduação lato e stricto sensu. No seu conjunto, formado pelo disposto na LDB, em decretos, na portaria mencionada e nos Padrões de Qualidade90 propostos pela Secretaria de Educação a Distância (SEED), têm-se o quadro normativo que possibilitou a introdução da EaD no nível superior, particularmente na graduação91. Em sua ampla maioria, a oferta inicial de cursos se destinava à graduação de professores para o ensino básico, em especial para as séries iniciais, o que já se confirmava no Relatório final da Comissão Assessora da Secretaria de Ensino Superior – SESu92, criada para
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Com base nessa análise, todas as vezes que eu utilizo a expressão modalidade para referir-me a EaD, a palavra aparece em itálico, demarcando que essa expressão não é compatível com a perspectiva com a qual compreendo a EaD. 90 No portal da Secretaria de Educação a Distância encontram-se os Referenciais de Qualidade de EaD de Cursos de Graduação a Distância. São dez os itens básicos que devem merecer a atenção das instituições que preparam seus programas de graduação a distância: 1. integração com políticas, diretrizes e padrões de qualidade definidos para o ensino superior como um todo e para o curso específico; 2. desenho do projeto: a identidade da educação a distância; 3. equipe profissional multidisciplinar; 4. comunicação/interatividade entre professor e aluno; 5. qualidade dos recursos educacionais; 6. infra-estrutura de apoio; 7. avaliação de qualidade contínua e abrangente; 8. convênios e parcerias; 9. edital e informações sobre o curso de graduação a distância; 10. custos de implementação e manutenção da graduação a distância. Além desses aspectos, a Instituição proponente poderá acrescentar outros mais específicos e que atendam a particularidades de sua organização e necessidades sócio-culturais de sua clientela, cidade, região. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/seed/index > acesso em 15/03/2005. 91 Em 2001 o Ministério da Educação publicaria a portaria 2.253, permitindo às universidades, centros universitários, faculdades e centros tecnológicos oferecer até 20% da carga horária de cursos já reconhecidos na modalidade a distância. A portaria nº. 4059/2004 estabeleceu a possibilidade de se atribuírem 20% da carga horária nos cursos de graduação presenciais à modalidade semi-presencial 92 O MEC criou, em janeiro de 2002, uma Comissão Assessora para Educação Superior a Distância (segundo as Portarias nº. 335, de 6 de fevereiro de 2002, nº. 698, de 12 de março de 2002 e nº. 1786, de 20 de junho de
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construir um arcabouço normativo e político para fundamentar a política de educação superior a distância. Segundo o documento, o público-alvo desses cursos iniciais foram os atuais professores do ensino fundamental, afetados pelo artigo 87, § 4º, da LDB, que estabeleceria que até o final da Década da Educação somente seriam admitidos “professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”. A ênfase na formação de professores através da EaD também apareceu no Plano Nacional de Educação (PNE) do MEC, no qual se lê, nos Objetivos e Metas do Capítulo 6, que se deveria “Iniciar, logo após a aprovação do plano, a oferta de cursos a distância, em nível superior, especialmente na área de formação de professores para a educação básica” (BRASIL, 2001. grifos nossos). É necessário frisar que a disposição da impossibilidade de se admitir professores sem formação superior a partir de 2007, tal como está expressa na LDB, suscitou debates. A discussão principal referia-se ao fato de que o artigo 62 da lei admitiria a formação mínima em nível médio, na modalidade Normal, para os professores da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. Sendo assim, as disposições transitórias não tinham o poder de alterar o estabelecido pela Lei; em outros termos, ainda que desejável, a formação em nível superior para esses professores não se tornou um imperativo legal (OLIVEIRA, 2002; LINHARES & SILVA, 2003). Ao mesmo tempo, esse dispositivo contemplava uma reivindicação histórica dos movimentos sociais organizados, tais como ANPED, ANFOPE, FORUMDIR e também do movimento sindical, como o Andes/SN, no sentido de que a formação docente deveria ocorrer em nível superior e tendo a universidade como lócus de formação; dessa maneira, a reforma educacional ressignificou a proposta historicamente construída, propondo a formação em nível superior, mas subordinada aos indicativos dos organismos internacionais; como vimos anteriormente, o processo de “universitarização” da formação de professores se deu fora da universidade. A formação dos professores, em nível superior, tornou-se, portanto, fundamental, dada a necessidade de formação de um novo intelectual que fosse capaz de difundir, na escola, os valores ético-políticos, bem como preparar as novas gerações para o trabalho. Um segundo aspecto a ser considerado é que o relatório da Comissão Assessora não levou em conta a EaD em articulação com a política educacional como um todo. Dessa forma, não fez qualquer referência a fontes de financiamento tanto para a aquisição de equipamentos quanto para manutenção e assistência técnica, como também não havia, no Relatório,
2002), com o objetivo de avaliar a regulamentação, verificar necessidades de alteração na normatização e rediscutir as políticas para a EaD.
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nenhuma análise sobre o conteúdo do material didático elaborado para os cursos de graduação a distância (LIMA, 2005, p. 359). O grupo de trabalho concluiu com a indicação de uma nova regulamentação, na forma de um novo Decreto, destacando, ainda, entre as necessidades de mudança, a revisão dos critérios e procedimentos adotados pelo MEC para autorizar e reconhecer cursos a distância; a construção de Padrões Nacionais de Qualidade para EAD; o fim da necessidade de credenciamento específico para EAD para as instituições já autorizadas pelos sistemas para atuar no ensino presencial; a integração da EAD ao planejamento pedagógico das instituições através do Plano de Desenvolvimento Institucional, a partir das diretrizes curriculares e dos padrões nacionais de qualidade dos cursos e o comprometimento dos projetos pedagógicos com a justiça social e com a heterogeneidade, em direção a um patrimônio social comum. A constituição de consórcios nacionais entre instituições de ensino superior foi fundamental para estabelecer uma política nacional de educação superior a distância: o consórcio UNIREDE — Universidade Virtual Pública do Brasil (www.unirede.br) 93, foi um
93
CEDERJ - Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro; CEFET/MA - Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão; CEFET/MG - Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, CEFET/Paraná - Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná; CEFET/RJ - Centro Federal de Educação Tecnológica Celso S. da Fonseca; CEFET/RS-PELOTAS - Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas; EFEI - Escola Federal de Engenharia de Itajubá; FFCMPA - Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre; UFAM - Universidade Federal do Amazonas; FUNREI - Fundação de Ensino Superior de S. João Del Rei; FURG - Fundação Universidade Federal do Rio Grande; UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina; UECE - Universidade Estadual do Ceará; UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana; UEG - Universidade Estadual de Goiás; UEL - Universidade Estadual de Londrina; UEMA - Universidade Estadual do Maranhão; UEMaringá - Universidade Estadual de Maringá; UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais; UEMS - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul; UEPA - Universidade do Estado do Pará; UEPG - Universidade Estadual de Ponta Grossa; UERJ - Universidade do Estado do RJ; UERN - Universidade Estadual do Rio Grande do Norte; UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; UESC-BA Universidade Estadual de Santa Cruz; UESPI - Universidade Estadual do Piauí; UFAC - Universidade Federal do Acre; UFAL - Universidade Federal de Alagoas; UFBA - Universidade Federal da Bahia; UFCE Universidade Federal do Ceará; UFES - Universidade Federal do Espírito Santo; UFF - Universidade Federal Fluminense; UFG - Universidade Federal de Goiás; UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora; UFLA Universidade Federal de Lavras; UFMA - Universidade Federal do Maranhão; UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais; UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso; UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto; UFPA - Universidade Federal do Pará; UFPB Universidade Federal da Paraíba; UFPE - Universidade Federal de Pernambuco; UFPel - Universidade Federal de Pelotas; UFPI - Universidade Federal do Piauí; UFPR - Universidade Federal do Paraná; UFRGS Universidade Federal do RS; UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro; UFRN - Universidade Federal do RN; UFRPE - Universidade Federal Rural de Pernambuco; UFRR - Universidade Federal de Roraima; UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; UFS - Universidade Federal de Sergipe; UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina; UFSCar - Universidade Federal de São Carlos; UFSM - Universidade Federal de Santa Maria; UFU - Universidade Federal de Uberlândia; UFV - Universidade Federal de Viçosa; UnB Universidade de Brasília; UNEB - Universidade do Estado da Bahia; UNEMAT - Universidade do Estado do Mato Grosso; UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas; UNICENTRO - Universidade Estadual do Centro Oeste do Paraná; UNIFAP - Universidade Federal do Amapá; UNIFESP - Universidade Federal do Estado de SP; UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes Claros; UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná; UNIR - Fundação Universidade Federal de Rondônia; UNIRIO - Universidade do Rio de
162
consórcio interuniversitário criado em dezembro de 1999. Com a bandeira da democratização do acesso ao ensino superior público, gratuito e de qualidade e visando o processo colaborativo na produção de materiais didáticos e na oferta nacional de cursos de graduação e pós-graduação através da EaD, a UniRede constituiu-se essencialmente numa instância de articulação de ações implementadas pelas universidades consorciadas. É importante destacar que o foco principal da proposta foi a de construir uma rede pública centrada, principalmente, na formação de professores da rede pública de ensino. Abarcava 80 instituições de ensino, entre universidades federais, estaduais e CEFET’s, que viriam, posteriormente, a integrar a Universidade Aberta do Brasil (UAB); o CEDERJ, Consórcio Centro de Educação a Distância do Rio de Janeiro (www.cederj.br) 94, consórcio de universidades públicas do estado do Rio de Janeiro; a Rede Brasileira de Educação a Distância — Universidade Virtual Brasileira (http://www.uvb.br/)95, integrada por 10 instituições de ensino superior privadas; o projeto VEREDAS (www.veredas.mg.gov.br), em Minas Gerais, organizado pela Secretaria de Estado da Educação e integrado por 18 instituições públicas, particulares, comunitárias e confessionais e a CVA-Ricesu, Comunidade Virtual de Aprendizagem — Rede de Instituições Católicas de Ensino Superior (www.ricesu.com.br)96, formada por instituições católicas de ensino superior. Esses consórcios mostram claramente o avanço da EaD no âmbito das IES a partir de 1999, movido pela forte presença das TIC, ao menos no discurso educacional, e pela demanda por formação de professores em larga escala, ao mesmo tempo em que fundamentaram a expansão dos projetos de ensino superior a distância, especialmente a UNIREDE. Cabe lembrar, portanto, que ocorreu, dessa forma, uma mudança qualitativa na oferta de políticas de qualificação docente: em lugar de treinamento, capacitação ou atualização, oferecidos pelas universidades aos professores das redes estaduais e municipais, em geral Janeiro; UPE - Universidade do Estado de Pernambuco (disponível em <www.unirede.com.br> acesso em 26 de outubro de 2006). 94 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade Federal Fluminense (UFF); Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO). (disponível em <www.cederj.edu.br> acesso em 26 de outubro de 2006). 95 Unimonte - Centro Universitário Monte Serrat – SP; UnP - Universidade Potiguar – RN; Uniderp Universidade para o Des. do Estado e da Região do Pantanal – MS; Unicentro - Centro Universitário Newton Paiva – MG; Universidade Anhembi Morumbi – SP; Unit - Centro Universitário do Triângulo – MG; Uvv Centro Universitário Vila Velha – ES; Unama - Universidade da Amazônia – PA; Unisul - Universidade do Sul de Santa Catarina – SC; Uva - Universidade Veiga de Almeida – RJ. 96 Centro Universitário La Salle – UNILASALLE; Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCampinas; Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC-PR; Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS; Universidade Católica de Brasília; Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP; Universidade Católica de Santos – UNISANTOS; Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS; Universidade Católica do Salvador – UCSAL; Universidade Católica Dom Bosco - UCDB
163
através de parcerias com as Secretarias de Educação, são promovidos cursos superiores com metodologia de EaD. Outras
iniciativas,
como
a
Biblioteca
Virtual
de
Educação
a
Distância
(www.prossiga.br/edistancia), do CNPq, congregando diferentes instituições que atuam nesse campo; a criação, em dezembro de 1995, da Secretaria de Educação à Distância (SEED) no âmbito do Ministério da Educação; a presença, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, da EaD em artigo específico (Artigo 80)97, e toda a legislação sobre a veiculação, o credenciamento de instituições e registro de diploma, entre outros aspectos, impulsionaram e legitimaram a EaD nos últimos anos. Esse impulso se traduziu na oferta de uma grande variedade de cursos de formação de professores em nível superior, tanto inicial quanto continuada, além de cursos de pós-graduação98, freqüentemente utilizando, principalmente, materiais impressos, a TV, o vídeo, e, em alguns casos, a Internet, já absorvidos pela escola e agora também utilizados de forma articulada nas propostas de EaD. Assim, se nos anos de 1990 a EaD experimentou um crescimento ímpar, nos anos 2000 se consolida como política para o ensino superior. Tanto é assim que, em janeiro de 2005, o MEC divulgou o “Documento de Recomendações: Ações Estratégicas em Educação Superior a Distância em Âmbito Nacional”, contendo as recomendações elaboradas por um Grupo de Trabalho de Educação a Distância (GTADS)99, criado pela portaria 37, de 2 de setembro de 2004, pelo Secretário da Sesu/MEC. A discussão do grupo de trabalho tinha como objetivo subsidiar a política de EaD a ser desenvolvida nas Universidades. Assim, contém, além de uma série de discussões sobre Políticas e Legislação, Avaliação em EaD, Educação Especial, Divulgação e Relação com a Comunidade e Tecnologia da Informação e Comunicação, indicações para uma legislação específica sobre a EaD no ensino superior. Nesta perspectiva, o documento apresenta proposta de emendas ao Anteprojeto de Lei da Reforma da Educação Superior, com a justificativa de que o Anteprojeto silencia sobre a EaD
97
“O poder público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino e de educação continuada” (BRASIL, 1996. LDB nº9394, Art.80). 98 Não apenas são oferecidos cursos pelas Universidades, como o Ministério da Educação viria incentivando a sua criação. Exemplo disso é a Chamada Pública MEC/SEED – n º 01/2004 para selecionar Projetos de Curso de Licenciatura a Distância em Física, Química, Biologia, Matemática, Pedagogia (nas modalidades de Educação Infantil, Jovens e Adultos, Educação Especial, Anos Iniciais do Ensino Fundamental), de 06/07/2004. 99 Adja Ferreira de Andrade, Adriana Miranda, Alberto N. de Castro Júnior, Aloyison G. de T. Pinto, Beatriz Regina Tavares Franciosi, Cândido Gomes, Celene Cunha M. A. Barreira, Felipe Leitão Roquete, Fernando José de Almeida, Gilda Helena Bernardino de Capôs, José Antônio Borges, Marcos da Fonseca Elia (Coordenador), Maria Rosa Abreu Magalhães, Nelson Pretto, Rubens de Oliveira Martins, Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Weber Martins, Ana Lúcia Bezerra Pedroza.
164
no ensino superior, modalidade plenamente reconhecida pela LDB, o que constituiria uma lacuna:
Não deve deixar de ser mencionada, de modo apropriado, uma modalidade que contribui internacionalmente para elevar a qualidade e o grau de democratização da educação superior e que assumiu proporções excessivas no País (BRASIL, 2005, p.16).
O ponto alto da expansão da EaD nas universidades públicas brasileiras se deu com a criação, em 2005, da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Projeto do Ministério da Educação, no âmbito do Fórum das Estatais pela Educação, tinha como objetivo explícito a articulação e integração experimental de um sistema nacional de educação superior na modalidade a distância; dessa forma, mostra bem o crescimento e a importância que a EaD veio assumindo nas políticas públicas nacionais para a expansão e ampliação do acesso à Educação Superior. A expansão da EaD, dessa forma, foi a resposta governamental à pressão das camadas populares por mais escolaridade, garantindo, através da massificação do ensino superior, a coesão social. Como o MEC explicou, tratar-se-ia de um “sistema”, formado por instituições públicas de ensino superior e não de uma Universidade, na qual o tripé ensino, pesquisa e extensão sejam indissociados. Consiste, como afirma o MEC, numa “rede nacional experimental” voltada para a educação superior (formação inicial e continuada) e articulada com os municípios, os quais podem construir um pólo de apoio presencial para servir de suporte ao atendimento de estudantes (www.uab.mec.gov.br). O Decreto Presidencial nº. 5.800, de 8 de junho de 2006 instituiu efetivamente a UAB, ainda em caráter experimental. As ações preparatórias tiveram início no segundo semestre de 2007, e os cursos de graduação e pósgraduação lato sensu foram previstos para 2008. Os cursos foram organizados por 47 IFES, das quais 36 são Universidades, 10 são CEFETs e a FIOCRUZ, instituição de pesquisa, que em 2007 ofereceu dois cursos de especialização. Como se vê, a UAB é completamente distinta dos projetos de “Universidades Abertas” estrangeiras, já que, sendo um “sistema” que articula várias instituições, não se configura como Universidade; além disso, o número limitado de vagas oferecidas pelas IES não permite que ocorra oferta efetivamente aberta pela UAB (ANDES-SN, 2007)
165
É preciso destacar, no entanto, que, embora a formação de professores tenha sido o foco inicial dessa expansão (o que ainda se configura, como veremos nos quadros a seguir), houve grande diversificação nos cursos oferecidos. Dados coletados por Vianney, Torres e Silva (2003)100 mostraram que, em 2002, havia 26 cursos de graduação e 31 cursos de pós-graduação lato sensu através de EaD. Atualizandose os mesmos dados, a partir das informações constantes no banco de dados do Inep/Sinaes, temos o seguinte quadro:
Quadro 1. Cursos de Graduação oferecidos tanto Presencial quanto a Distância em 2006 Área do Curso
Graduação presencial
Graduação a Distância
Tecnológico Presencial
Tecnológico a Distância
Total de Cursos
Agricultura, florestas e recursos pesqueiros
314
1
70
1
386
Ciências sociais e comportamentais
905
3
2
0
910
Comércio e administração
3.730
56
1.619
28
5.433
Computação
1.039
4
807
3
1.853
Direito
1.065
1
0
0
1.066
898
1
294
0
1.193
7.348
191
0
0
7.539
542
2
5
0
549
11
9
14
0
34
671
3
258
1
933
Engenharia e profissões correlatas Formação de professor e ciências da educação Humanidades e letras \Não Informada Serviços pessoais
Fonte: MEC/Inep/Sinaes. <http://sianes.inep.gov.br/sinaes> Acesso em 20/08/2007
100
Um trabalho importante para compreendermos o rápido desenvolvimento da EaD no Brasil foi elaborado por Vianney, Torres e Silva (2003) Encomendado pelo Instituto Internacional para la Educación en América Latina y el Caribe para ser apresentado no Seminário sobre Universidades Virtuais na América Latina e Caribe, realizado em Quito, Equador, em fevereiro de 2003, o documento teria por objetivo traçar um histórico da implementação da EAD no país com o foco no uso das NTIC na Educação a Distância, em especial a internet e a videoconferência como instrumentos da Universidade Virtual. Apresentaria, ainda, dados das atividades de EaD desenvolvidas, em 2002, pelas instituições públicas e privadas, bem como discutiria os paradoxos da Universidade Virtual.
166
Como se vê, embora a diversificação das áreas seja maior, os cursos da área de Educação correspondem à grande maioria. Em relação aos cursos de pós-graduação Lato Sensu, temos a seguinte situação: Quadro 2. Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu oferecidos tanto Presencial quanto a Distância em 2006 Área do Curso Administração
Lato Sensu Presencial
Total de Cursos
Lato Sensu a Distância
1.709
6
1.715
Agronomia
21
1
22
Artes
86
2
88
Biologia Geral
42
1
43
1
1
2
Ciência da Computação
190
5
195
Direito
571
4
575
1.986
21
2.007
Educação Física
153
1
154
Enfermagem
212
4
216
Engenharia Agrícola
6
1
7
Engenharia Sanitária
34
1
35
Geografia
38
1
39
História
83
1
84
Letras
219
4
223
Matemática
103
1
104
Medicina
447
2
449
\Não Informada
246
1
247
Psicologia
273
6
279
Zootecnia
5
1
6
Carreira Religiosa
Educação
Fonte: MEC/Inep/Sinaes. <http://sianes.inep.gov.br/sinaes> Acesso em 20/08/2007
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Esses dados não apenas nos indicam a consolidação da EaD enquanto estratégia de ampliação do ensino superior, e enquanto estratégia de formação de professores, quanto indicam que a democratização do acesso tem se dado no âmbito das IES privadas:
Quadro 3. Cursos de graduação - dados atuais segundo Subcategoria da IES IES
Graduação Presencial
Graduação a Distância
Tecnológico Presencial
Tecnológico a Distância
Total de Cursos
Estadual
3.564
44
107
0
3.715
Federal
2.344
39
304
2
2.689
Municipal
719
7
47
7
780
Particular
15.142
181
3.292
25
18.640
Fonte: MEC/Inep/Sinaes. <http://sianes.inep.gov.br/sinaes> Acesso em 20/08/2007
4.2. A Formação de Professores através da EaD: as primeiras experiências
Como dissemos, os debates sobre a EaD não são poucos e nem são recentes. Mas foi a partir das reformas educacionais dos anos de 1990, especialmente a partir da promulgação da LDB e da legislação complementar sobre a EaD, e da conseqüente expansão das ações das universidades que a discussão tomou vulto, se articulando também com as concepções de educação e de sociedade em disputa. À parte os organismos internacionais e suas prescrições para os países periféricos, há entre os pesquisadores da área uma discussão bastante ampla. Em comum, os pesquisadores apontaram a preocupação com o acesso pleno às tecnologias pela escola e pelos professores, com a sua rápida obsolescência, em especial dos computadores, com o seu domínio pelos docentes e não apenas na condição de usuários. Também em comum os pesquisadores evidenciaram os problemas decorrentes da formação de professores, que, dentre outros aspectos, não propiciaria um aporte teórico suficiente para o domínio das TIC´s com as quais deverão trabalhar na escola. A associação das TIC´s com a EaD, enfatizada pelas políticas governamentais como forma de democratização do acesso ao ensino superior, em especial para a formação inicial de professores, constitui-se também em objeto de discussão, mas com um caráter diferenciado.
168
Se, de um lado, pesquisadores brasileiros como Belloni (1998, 2001, 2003), Rover (2003), Fragale Filho (2003), Pretti (2000), Lobo Neto (2001), Silva (2003), Kenski (2003), para citar alguns, têm se posicionado claramente em favor do grande potencial da EaD, especialmente quando associadas às TIC´s, vendo na modalidade EaD a forma de educação adequada aos novos tempos da sociedade da informação, de outro lado pesquisadores como Barreto (2002, 2003 a, 2003b, 2004); Zuin (2006); Silva Jr. (2003), entre outros, veriam com reservas essa questão. Direcionando seu trabalho para a análise do discurso das políticas governamentais para a formação de professores, em cursos a distância, Barreto (2003, 2003a, 2003b, 2004) pesquisou os sentidos atribuídos às tecnologias na educação e os modos como as TIC têm sido incorporadas aos processos educacionais. A especial recomendação para o emprego da educação a distância na formação de professores e os modos da sua apropriação educacional, em diferentes contextos, também seriam objeto de seus estudos. Lima (2005), em sua tese de doutorado, levantou a discussão sobre a utilização das TIC´s para a expansão e democratização do acesso à educação superior que, na sua percepção, são sinônimos de diversificação das instituições e das fontes de financiamento da educação superior, marcado pelo crescente processo de mercantilização da educação. A essa discussão subjaz o debate em torno de concepções de sociedade, de educação, de formação, enfim, de sociabilidade, que permeia toda a reforma educacional brasileira. Assim, na minha percepção, as preocupações com a pertinência, ou não, de se utilizar a EaD como recurso para ampliar a oferta de cursos de graduação em nível superior não podem estar centradas na suposta eficácia da educação a distância, embora seja necessário destacar os problemas dessa forma de ensino. No meu ponto de vista, duas grandes questões estão em jogo: em primeiro lugar, a justificativa teórica na qual se apóiam muitos defensores da EaD, incluindo não apenas os pesquisadores mas também os organismos internacionais: a necessidade de adequação aos novos tempos do capitalismo contemporâneo, para o que esta tecnologia é fundamental. Nesse sentido, a EaD poderia acelerar a formação humana para adentrar a “inelutável” era da “sociedade da informação”, da qual não haveria escapatória. Assim, não há espaço para críticas ou posicionamento contrário, uma vez que “toda atitude contrária a esse positivismo é rapidamente rotulada de tecnofóbica ou antimoderna” (MATTELART, 2002, p.172); para muitos, as TIC e a EaD respondem à necessidade de colocar os indivíduos inseridos nos novos requisitos para o trabalho flexível e adaptado aos marcos de uma nova cidadania. A segunda questão, ligada a primeira, é que não se pode separar a concepção e a direção dada
169
aos currículos utilizados nos cursos a distância dos presenciais, posto que partem dos mesmos princípios. Portanto, não se pode desvincular o debate em torno da EaD, enquanto forma, do debate sobre as teorias, concepções e finalidades da educação, ou seja, do conteúdo. Nesse sentido, é preciso retomar a dimensão da totalidade para se compreender o papel da educação na formação do homem de novo tipo, e o papel do professor, enquanto intelectual responsável por difundir essa educação na escola. Nessa direção, a integração das TIC e a emergência da EaD nos processos educacionais estão ligadas ao desafio de adaptar-se a esse tempo, abandonando as “velhas e obsoletas” tecnologias e incorporando as “novas”: se é “contemporâneo”, “moderno”, logo, “é bom”. Ao professor, treinado para a utilização dessas tecnologias, não é mais necessário realizar o trabalho docente. Seu papel desloca-se para o de “facilitador”, “tutor”, “animador”, entre outros (Barreto, 2002, 2004), ou, quando aplicado o conceito de aprendizagem aberta ou autônoma, “o professor deve assumir-se como recurso do aprendente” (BELLONI, 2001, p.39. grifos da autora). Essa transformação do professor em um “prestador de serviços” significaria o que Zuin (2006, p.47) definiu como um processo de “coisificação” do professor. No discurso oficial, as tecnologias se tornaram as “ferramentas” num sentido bastante restrito, sendo medida estratégica para a construção de um “novo paradigma para a educação brasileira”, não havendo espaço para a discussão sobre a apropriação das tecnologias; ou seja, as tecnologias são inseridas não para aperfeiçoar o processo de formação como um todo, mas para serem utilizadas pelos professores. Nessa direção, a lógica da flexibilização, reafirmada no modelo econômico, e ainda como eufemismo para precarização, é evidenciada pela associação entre as TIC e a EaD. Ao tratar a EaD como um instrumento de formação e capacitação em serviço, a “EaD subsume as TIC e ela mesma é reduzida de modalidade a ‘instrumento’ para uma ‘finalidade’, formar professores a distância, com certificação ou diploma”, como assinalaria Barreto (2003b, p.23). Esta é uma associação simplista da presença das tecnologias à modernização, e parece ser a intenção das políticas de educação a distância, uma vez que têm sido fortemente apresentadas pelo discurso oficial como uma modalidade de educação desejável e adequada para atender às atuais demandas educacionais decorrentes das mudanças da nova ordem política, social econômica mundial. Complementar a essa observação, a Lei nº. 9394/96 apontou como fundamentos para a formação de professores “a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a
170
capacitação em serviço (art.61, inciso I); previa ainda que fossem realizados “programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também, para isso, os recursos da educação a distância” (art.67, § 3º, inciso III). Esta priorização responde, num primeiro momento, à racionalidade econômica e às orientações dos organismos internacionais, confirmando a afirmação de Torres (1998) de que “a capacitação em serviço (é) considerada mais efetiva em termos de custo – e recomenda (o Banco Mundial) que ambas aproveitem as modalidades à distância, também mais efetivas em termos de custo que as modalidades presenciais”(TORRES, 1998, p. 162); em segundo lugar, indica o aligeiramento da formação de professores e a escola como lócus de formação de professores, “o termo treinamento em serviço traz embutida a concepção de trabalho docente como algo técnico, treinável” (TOSCHI, 2003, p. 87), o que pode ser feito, portanto, a distância, na escola e num curto espaço de tempo. Como se percebe, o rápido incremento da EaD como estratégia política de formação de professores não apenas atendeu aos indicativos dos organismos internacionais para a reforma da educação escolar, como foi especificado pelos dois documentos mais importantes da reforma educacional brasileira, a LDB e o PNE. As Secretarias de Educação estaduais, a partir da nova LDB, com o objetivo de formar, em nível superior, seus professores da educação básica, especialmente os das séries iniciais do ensino fundamental, passaram a estabelecer convênios com universidades para formá-los a distância. Além destes cursos de formação em serviço, outros programas de treinamento a distância foram desenvolvidos pelo Ministério da Educação (MEC) nos anos de 1990, na perspectiva de implementar os conteúdos curriculares da escolarização nacional selecionados pelo governo e fundamentais para a conformação social. Entretanto, as iniciativas de grande porte na perspectiva de utilização da educação a distância para formação docente em larga escala ocorreram logo nos primeiros anos da década de 1990, ainda na fase inicial das reformas da educação brasileira. Nesse sentido, a EaD assumiu o papel de difusora das reformas, convertendo-se no mecanismo através do qual se tornava mais rápido e eficaz a divulgação dos novos conteúdos curriculares, novos valores morais e éticos sob os quais a educação está circunscrita.
171
Em 1992, o MEC criou o programa “Um Salto para o Futuro”101, de âmbito nacional, transmitido pela televisão via satélite e destinado à capacitação de professores das séries iniciais do ensino fundamental, estendendo-se também aos da pré-escola. Foi considerado como “o meio mais viável de obter, a curto e médio prazos, uma renovação do sistema educacional”. Nesse sentido, tratava-se dos primeiros passos para a difusão dos aspectos técnicos do trabalho do professor, como se verifica através dos objetivos do programa: a) levar o professor à formulação de um referencial teórico-metodológico adequado às quatro séries iniciais do 1º grau e à pré-escola, focalizando conceitos básicos relativos às disciplinas do núcleo comum do currículo; b) ampliar o nível de conhecimento geral dos professores, acoplando textos com informações atualizadas, veiculadas através de diferentes formas de uso da imagem (TVEBrasil, 2007). A partir de 1995, com a criação da SEED/MEC, durante o governo FHC, as políticas de formação e treinamento em serviço em larga escala de professores se intensificaram. Foram desenvolvidos os programas “TV Escola”, o “ProInfo”, Programa Nacional de Informática na Educação, o “Proformação”, Programa de Formação de Professores em Exercício102. É preciso mencionar ainda o “Paped”, Programa de Apoio à Pesquisa em Educação a Distância, que, embora não tenha relação direta com a formação de professores, consistiu no apoio financeiro à realização de dissertações e teses sobre temas relacionados às TIC e à EaD103. A “TV Escola” surgiria em 1996 como uma política ampla para melhorar e atualizar a formação de professores, inicialmente no âmbito das séries iniciais do ensino fundamental, posteriormente se dirigindo a todos os níveis da escola básica. Segundo Silva Jr. (2003), a TV Escola não apenas foi criada como parte do “Planejamento Político Estratégico 1995-1998”, 101
Programa televisivo, tendo como parceiros iniciais o Ministério da Educação, através da Secretaria Nacional de Educação Básica (Seneb), a Fundação Roquette Pinto, responsável pela Televisão Educativa do MEC, bem como as Secretarias Estaduais de Educação. Em 1995, chamando-se Salto para o Futuro, foi incorporado à grade da programação da TV Escola. 102 A SEED desenvolvia, ainda, o Programa Rádio Escola. Segundo Silva JR. (2003), esse último, por ser articulado com o programa de Alfabetização Solidária, colocaria em ação a transferência de responsabilidades da aparelhagem de Estado para a sociedade civil, na prática significando a mudança da educação, de um direito social, a um serviço ou bem adquirido. Uma visita ao site do MEC em setembro de 2007 nos apresenta a consolidação da EaD como importante investimento governamental, “como uma das estratégias para democratizar e elevar o padrão de qualidade da educação brasileira”. Nesse sentido, além dos cinco programas iniciados nos anos 90 (TV Escola, Paped, Proinfo, Proformação, Rádio Escola) acrescentam-se: Portal Domínio Público, DVD Escola, e-Proinfo, e-Tec Brasil, Formação pela Escola, Mídias na Educação, Pro-Letramento, ProLicenciaturas, RIVED (Rede Interativa Virtual de Educação) e UAB, perfazendo 15 programas institucionais (<www.portal.mec.gov.br/seed> Acesso em 5 de setembro de 2007). 103 Vale mencionar que todos os programas continuam a ser desenvolvidos ao menos até 2007, conforme pode ser verificado no Portal do MEC: < http:// www.portal.mec.gov.br/seed>
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do governo FHC, como se constituiu uma atualização do Plano Decenal de Educação para Todos. Nesse sentido, foi parte do movimento da reforma educacional mundial dos anos 90, cuja reforma, no Brasil, se deu com a assessoria dos organismos internacionais que influenciaram, até mesmo, o arcabouço jurídico e normativo da educação brasileira. Os programas eram transmitidos através de um canal próprio, devendo ser gravados pela escola para que os professores pudessem assisti-lo nos períodos em que não estivessem em sala de aula; para permitir o acesso ao programa, foram enviados para as escolas públicas com mais de 100 alunos televisor, videocassete, antena parabólica, receptor de satélite e um conjunto com dez fitas de vídeo para iniciar as gravações dos programas. Essa foi uma diferença fundamental em relação ao “Um Salto para o Futuro”, que funcionava através de “telepostos”, nos quais os “telealunos” assistiam as “teleaulas”. Belloni (2003) avaliou que tanto o primeiro quanto o segundo programa não atingiram seus objetivos prioritários, tanto por razões técnicas e operacionais quanto pela sua concepção:
Confirmando a lógica comunicacional e mercadológica das políticas do setor, a TV Escola investe na produção, de modo centralizado e arbitrário (quem é o grupo de iluminados do MEC que decide o que deve ser veiculado?), e descentraliza completamente a recepção, desinteressando-se totalmente de tudo o que se refere à utilização. A distribuição de recursos (escassos) para aquisição de equipamentos transfere para as instâncias estaduais e municipais não apenas a responsabilidade mas também o poder político, propiciando toda sorte de desvios e problemas técnicos. Quando analisamos a experiência catarinense de uso do Programa Um Salto para o Futuro, encontramos problemas análogos, tanto em termos de equipamentos e questões técnicas quanto no que se refere a questões conceituais e pedagógicas e, principalmente, no que diz respeito às condições de trabalho do professor. Tal continuidade negativa – de problemas e precariedades – corresponde certamente a uma continuidade política, que define políticas públicas a partir dos mesmos modelos tecnocráticos elaborados sob a ótica das agências internacionais (BELLONI, 2003, p. 299).
De todo modo, a TV Escola foi (e é) um instrumento importante de difusão das Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental e também dos Parâmetros Curriculares Nacionais, além de “treinar” os professores para a utilização das TIC (televisão, vídeo, rádio e o computador) como instrumentos pedagógicos. Ao mesmo tempo, através dos programas produzidos pela SEED, buscou-se produzir tanto a institucionalização da EaD quanto um novo paradigma educacional que, dentre as características analisadas por Silva Jr.
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(2003), inclui a entrada do capital industrial nessa esfera, através, por exemplo, do kit tecnológico da TV escola:
[...]a possibilidade de migração do capital industrial para a esfera educacional é bastante larga, quando se observa tão somente o kit tecnológico. No entanto, para além da racionalidade carregada com ele, de natureza privada, no plano econômico, as práticas sociais também são orientadas por essa mesma racionalidade, no que toca aos valores que orientam essa mesma prática social dos professores, condicionando, assim, a formação orientada pelos valores mercantis, o que põe o campo profissional em evidência para o docente e seus alunos. No âmbito pedagógico, as novas tecnologias educacionais trazem consigo a limitação de opções para a formação, além de tornar rígido o campo de ação dos professores multiplicadores e, consequentemente, mais rígida a ação dos professores cursistas. A base tecnológica orienta o campo de alternativas da prática formativa ancorada nas relações sociais. Quando a prática se realiza de forma presencial, o campo de alternativas se faz na relação entre a objetividade social compartilhada pelos atores das práticas sociais na instituição escolar. Através da educação a distância torna-se impossível a transferência da objetividade social entre os especialistas e os professores em formação no exercício da profissão. Essa parece ser uma das razões para as reformas estarem embasadas no império do cognitivismo, da adaptação e da instrumentalidade, como mostram os pressupostos da reforma educacional da segunda metade dos anos de 1990 (SILVA JR., 2003, p.84).
Desenvolvido pela Secretaria de Educação a Distância (SEED), por meio do Departamento de Infra-Estrutura Tecnológica (DITEC), em parceria com as Secretarias de Educação estaduais e municipais, o Programa Nacional de Informática na Educação (ProInfo) foi um programa educacional criado pela Portaria nº. 522, de 9 de abril de 1997, pelo Ministério da Educação, para promover o uso pedagógico da informática na rede pública de ensino fundamental e médio. Cysneiros (2003) avaliou positivamente vários aspectos desse programa, dentre eles a alocação de recursos do Estado para a formação de recursos humanos, montagem de suporte nos estados, preocupação com questões pedagógicas, exigência de instalações adequadas nas escolas. Entretanto, destacou entre os problemas mais significativos o pouco conhecimento das escolas sobre o funcionamento dos aplicativos das redes NT Windows e do pacote Office, que foram instalados nos computadores; a ligação com a Internet foi sido extremamente precária, dado que em algumas escolas foram utilizados, por exemplo, apenas uma linha telefônica comum a 20 ou mais máquinas; não foi formado pessoal de apoio nos estados. Além disso, entre a entrega, pelo MEC, das máquinas, e o seu uso efetivo pelos
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alunos e professores, ocorreu um espaço enorme de tempo, o que prejudicou a garantia do equipamento. Isso sem contar que, com o envelhecimento das máquinas, aumentará a necessidade de assistência técnica, já bastante precária em muitas localidades. Cabe mencionar ainda que o autor destacou, como problema, a formação dos professores para o trabalho com a tecnologia, realizado a distância: “embora a formação a distância tenha algumas vantagens, um dos problemas que saliento é o mesmo tratamento para todo o país” (CYSNEIROS, 2003, p. 137). Com efeito, ao se tratar de programas padronizados, para atingir uma grande massa, não é possível se observar as especificidades regionais e locais; nesse sentido, um dos problemas da educação em larga escala seria o descolamento entre a proposta e a realidade dos professores. O Proformação — Programa de Formação de Professores em Exercício — é um projeto da Secretaria de Educação a Distância (SEED/MEC) e do Fundo de Fortalecimento da Educação (FUNDESCOLA). Mediante parcerias entre estados e municípios, este programa foi voltado para a habilitação de professores sem a titulação mínima legalmente exigida, como estratégia para melhorar o desempenho do sistema de Educação Fundamental em todas as regiões do país. A primeira turma foi implantada em 1999, como um Projeto Piloto, nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, habilitando em julho de 2001, 1.323 professores. Em 2000, foram implantados os Grupos I e II, envolvendo os estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rondônia, Sergipe e Tocantins, diplomando-se mais 22.056 professores. É importante destacar que o projeto foi financiado pelo FUNDESCOLA, que administra recursos oriundos do Banco Mundial104. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD –, desde o lançamento do PROFORMAÇÃO, tem sido parceiro da SEED/MEC na execução do Programa. A partir de 2002, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) assumiu o financiamento do programa por meio de convênio com a SEED/MEC. Nesse mesmo ano, iniciou-se o Grupo III, implementado nos seguintes estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Paraíba, 104
Segundo o Boletim Em Breve, do Banco Mundial, o programa Fundescola seria criado para ajudar aos governos locais a reduzir as disparidades na qualidade da educação de suas escolas básicas e aumentar a sua eficiência, dentro de suas próprias restrições financeiras. O Fundescola desenvolveu-se a partir de três níveis de intervenção: o primeiro, estratégia de desenvolvimento centrada na própria escola, a partir do pressuposto de que a reforma escolar toma forma quando todo o pessoal da escola assumem maior responsabilidade pelo melhoramento escolar; recebem orientação estruturada para desenvolver as ações; recebem assistência técnica e acompanhamento regular. A segunda estratégia de intervenção é o apoio institucional para o desenvolvimento escolar, envolvendo planos estratégicos dos estados e municípios no sentido de coordenar programas centrados na melhoria da escola e promovam a equidade, a eficácia e a efetividade no interior de seus sistemas. A terceira estratégia consistiria na mobilização social e responsabilidade pública (HORN, 2002)..
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Pernambuco, Piauí, Rondônia e Sergipe, formando em julho de 2004, mais de 6.000 professores. Cada módulo do Proformação envolveu uma fase presencial, que incluía, além de encontros quinzenais aos sábados para estudos e trabalhos nos quais há a presença de um tutor, aulas ministradas por professores formadores no início de cada semestre. Essas aulas e encontros foram apoiados em materiais didáticos, textos e vídeos, além do material instrucional e prática pedagógica orientada durante a fase a distância, além de um serviço de comunicação via telefone e fax, oferecidos pelas agências formadoras, para atendimento dos tutores e professores cursistas. Entretanto, como também alertava Silva Jr. (2003), não é possível desconsiderar também aqui a influência das orientações do Banco Mundial para a formação dos professores. Como analisamos no capítulo dois, a importância da formação dos professores na visão dos organismos internacionais foi reduzida na sua dimensão profissional, ao mesmo tempo em que as políticas tinham como “critério a eficiência, a eficácia e a produtividade — a razão mercantil —, o que implica dizer que o critério fundamental é a razão de proporcionalidade custo/benefício, sem a preocupação do educador com a formação voltada para a elevação da condição humana” (SILVA JR., 2003, p.86 ) O esforço dos governos estaduais na formação em nível superior, e em serviço, dos professores de suas redes, especialmente a partir dos anos 2000, fica evidente tanto nos exemplos citados em diferentes pesquisas, incluindo-se a de Vianney; Torres & Silva (2003), quanto observando os dados disponíveis nos sites oficiais. Das parcerias iniciais entre Estados e/ou municípios e universidades à construção de consórcios e modelos organizativos mais complexos, envolvendo diferentes instituições num mesmo projeto, o processo de universitarização da formação docente recebeu enorme impulso, seja pela expansão do Curso Normal Superior, seja pelo alcance das políticas públicas de formação docente em larga escala através de EaD. Ao mesmo tempo em que verificamos o papel importante das Universidades públicas e privadas na implementação desses cursos e programas percebe-se também que, para os cursos de formação de professores, ainda há uma forte presença de materiais impressos e uma limitada utilização das TIC, especialmente da internet. De modo geral, as justificativas para que as secretarias estaduais buscassem a oferta de cursos a distância são semelhantes e podem ser resumidas em três pontos: a dificuldade de se atender à indicação da LDB de que, até 2007, todos os professores das redes públicas tivessem formação em nível superior; a dificuldade de acesso às IES pelos professores do
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interior; o fato de os professores, por estarem em exercício, não poderem se afastar da sala de aula para estudar. Aliado a estes fatores, tornou-se também fundamental garantir que os pressupostos filosóficos e pedagógicos das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação Básica, em nível superior, fossem consolidados de forma a que todos adquirissem as competências necessárias para a educação para o século XXI e para a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Concomitantemente, a formação em serviço poderia garantir a ênfase na prática pedagógica. Na Conferência Regional “El desempeño de los Maestros em América Latina y el Caribe: Nuevas Prioridades”, promovida pela UNESCO/BID/MEC, Dellanoy (2002), analisando a reforma educacional brasileira e o investimento na formação de professores para melhorar a qualidade da educação, observou, a esse respeito: “para as Secretarias da Educação, os programas de preparação de docentes [oferecidos nas IES tradicionais] são deficientes desde o ponto de vista acadêmico, demasiado teóricos, e desvinculados da realidade da sala de aula” (DELLANOY, 2002, p. 7). Para resolver o problema, continua Dellanoy, dever-se-ia “apoiar qualquer instituição de formação que demonstre capacidade de “produzir” graduados com o perfil expresso nos ‘estándares’”; uma outra opção seria “o uso da tecnologia e da educação a distância, já bem instalada na cultura brasileira” (DELLANOY, 2002, p. 8). Sem dúvida, a formação dos professores em larga escala, a partir de um conjunto de valores ético-políticos e morais, já enunciados pelos organismos internacionais desde o início dos anos de 1990 como base da reforma, se consolida a partir dos últimos anos da década, chegando a 2007 como política efetiva de formação docente. Muitos exemplos de cursos e consórcios para formação de professores da educação básica, em exercício, com metodologia de EaD, podem ser citados desde a publicação da LDB até os dias atuais. A primeira universidade brasileira a apresentar um pedido de credenciamento de um curso superior de graduação a distância após a promulgação LDB foi a Universidade Federal do Pará – UFPA, em 1998, para um curso de Licenciatura. O Programa de Ensino de Matemática a Distância da UFPA foi inspirado no modelo de Universidade Aberta da Open University, inglesa, segundo Niskier (2000). O projeto previu que os cursos seriam desenvolvidos nos campi de Belém, Santarém, Altamira, Bragança e Marabá. O
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material instrucional, produzido e fornecido pela Open University – OU105, foi traduzido pela UFPA. Além de textos e exercícios, se utilizaram de fitas de vídeo e áudio. No mesmo ano, o CNE aprovou a proposta da Universidade Federal do Ceará (UFC) para ministrar cursos de graduação a distância nas áreas de Biologia, Física, Matemática e Química. A UFC justificou o seu pleito a partir da necessidade de se formar, à época, 20 mil professores para a educação básica, tanto nos municípios do interior quanto na capital, razão pela qual o projeto seria desenvolvido em parceria com as prefeituras. Previram também a participação de tutores e professores e os materiais impressos, fitas de áudio e de vídeo, seriam adquiridos pelos alunos (NISKIER, 2000). No que se refere especificamente à formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental, há muitos outros exemplos por todo o Brasil. A Universidade Estadual do Ceará (UECE) oferece, desde 2001, o curso Formação de Professores para o Ensino Fundamental – 1ª a 8ª série - Licenciatura Plena, utilizando principalmente materiais impressos e encontros presenciais. A utilização de vídeos, telefonia e de internet é complementar, e a mesma estrutura dá suporte ao curso de habilitação (licenciatura Complementar) para bacharéis (www.uece.br). A Secretaria de Estado do Paraná, através da Universidade Estadual de Ponta Grossa, promoveu a formação dos professores do Estado, utilizando-se de videoconferência para integrar os pólos de atendimento aos alunos do seu Curso Normal Superior. As aulas ao vivo eram transmitidas a partir das cidades de Curitiba e Ponta Grossa, duravam quatro horas por dia, de segunda a sexta-feira, dentro dos ambientes de aprendizagem preparados pela Universidade Eletrônica, que oferecia a infraestrutura de tecnologia utilizada. De acordo com Mello & Dallan (2002), a experiência do Estado do Paraná com formação no âmbito de PósGraduação (Especialização, Mestrado e Doutorado), com o uso de videoconferências a partir da parceria entre a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), daria condições para a criação da Universidade Eletrônica do Brasil. Trata-se de uma fundação de direito privado, integrada por um consórcio de entidades, com o objetivo de disponibilizar ensino superior de graduação e pós-graduação através de rede telemática e mídias interativas. Em São Paulo, o consórcio formado pela Secretaria de Estado da Educação, com a participação da Universidade de São Paulo (USP), da Pontifícia Universidade Católica de São 105
Segundo Niskier (2000), esta parceria entre as duas universidades não seria a primeira da OU, que já mantém relações semelhantes com países da África e da Ásia e mantém cursos no Caribe e no Canadá
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Paulo (PUC-SP), e da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP), criaria o PEC – Programa Especial de Formação Universitária de Professores, iniciado em 2000. Tratou-se de um curso de licenciatura para formar professores para as séries iniciais do ensino fundamental. O modelo foi baseado na experiência do Paraná, e previu o uso intensivo de novas tecnologias para atividades de mediação à distância, apresentação de teleconferências, sessões interativas de videoconferência e uso de ambiente virtual de aprendizagem. Entretanto, o curso foi registrado como semi-presencial no Conselho Estadual de Educação, pois foi implementado com centros de apoio com biblioteca, tutoria, laboratórios de informática e salas de videoconferência em unidades presenciais no interior do estado. Ainda com Mello & Dallan (2002), o PEC-FORPROF, não obstante tivesse os mesmos princípios do programa paranaense, diferenciar-se-ia do primeiro em alguns aspectos políticos: no Paraná, a iniciativa partiu do ensino superior, que buscou a Secretaria de Educação para oferecer o curso, e atendeu tanto professores da rede estadual quanto da rede privada. Em São Paulo, a iniciativa partiu da própria Secretaria de Educação do Estado, que buscou a cooperação do ensino superior, tornando o projeto paulista estreitamente articulado com as políticas educacionais do Estado. Também inspirado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação Básica, em nível superior, e por isso tendo o enfoque curricular no desenvolvimento de competências, o PEC criaria um curso de Licenciatura Plena de 1ª a 4 ª séries. Uma outra diferença é que no caso do Paraná, embora a Secretaria de Educação estadual arcasse com os custos de infra-estrutura e equipamentos, os 2.700 professores cursistas pagariam cem reais de mensalidade. Os 7.000 professores paulistas foram isentos de mensalidade. Ainda que a Secretaria de São Paulo estivesse investindo cerca de cinqüenta milhões de reais, as autoras informaram que um estudo prévio para avaliar os custos do deslocamento dos professores para o local mais próximo de capacitação representaria um custo duas vezes maior que o necessário para realizar o projeto, garantindo a infra-estrutura para formá-los através de mídias interativas (MELLO & DALLAN, 2002, p. 19). A Universidade do Tocantins (2006) ofereceu, em 2001, o Curso Normal Superior, com habilitação para as séries iniciais do ensino fundamental. Atingindo mais de oito mil professores leigos em atuação em 85 municípios do interior do estado do Tocantins, as aulas do curso foram geradas num estúdio na capital do Estado, Palmas, e transmitidas ao vivo para 125 telesalas, nas quais havia um professor responsável pelo controle da freqüência dos alunos, distribuição de material didático, esclarecimento de dúvidas e aplicação de avaliações.
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O telefone, através de serviço de discagem direta gratuita, foi utilizado para que os professores das telesalas e os alunos recorressem aos professores especialistas responsáveis pelo curso, por sistema de discagem direta gratuita (www.unitins.br). A Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), através do Centro de Educação Aberta e a Distância (CEAD), operou em um sistema de parcerias com instituições públicas e privadas, oferecendo cursos a distância. Neste sistema de parcerias a UDESC (2006) viria, desde 2000, implementando o Curso de Pedagogia - Licenciatura Plena, na modalidade de educação a distância, com o objetivo de capacitar 3.800 professores, sem graduação, que atuavam no ensino fundamental, de 1ª à 4ª séries, em escolas da rede estadual e municipal (www.virtual.udesc.br). O pioneirismo da Universidade Federal de Mato Grosso, que desenvolve desde 1995, através do Núcleo de Educação Aberta e a Distância (NEAD), licenciatura plena em educação básica, tornou-se referência para as iniciativas em EaD. Tanto é assim que a segunda versão do projeto subsidiou outras universidades públicas que, a partir de 2000, passaram a oferecer o curso de Pedagogia, na modalidade a distância e, sobretudo, aquelas que estabeleceram parceria com o NEAD na oferta do curso de Licenciatura em suas regiões, como foi o caso da Universidade Estadual de Maringá (UEM), da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e, também, da Universidade de Caxias do Sul (UCS) (NEAD/UFMT, 2003). O NEAD desenvolveu, ainda, em parceria com a Secretaria Estadual de Educação, secretarias municipais de Educação e a Universidade Estadual de Mato Grosso, o projeto de Licenciatura em Educação Básica — 1ª a 4ª séries, como parte do Programa Interinstitucional de Qualificação Docente em Mato Grosso, cujo objetivo seria profissionalizar106, até 2011, todos os professores das redes estadual e municipais. Com atividades a distância e presenciais, o curso teria, como recursos didáticos, material impresso, CD Rom e textos audiovisuais, através de vídeos produzidos pelos professores e também outros recomendados pelos autores e orientadores da área (NEDER, 2000). A organização de consórcios por afinidade regional, consórcios temáticos e também redes de instituições públicas, privadas e confessionais, a que nos referimos na seção anterior,
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Segundo Neder (2000, p.84), os objetivos do programa vão além da profissionalização, compreendida como obtenção de um diploma. Nesse sentido, “apontam para perspectivas de continuidade e de abrangência que contemplem a qualificação acadêmica, plano de carreira e política de remuneração”.
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foi fundamental para a consolidação tanto da EaD quanto da formação de professores em serviço nessa modalidade. Nesses termos, situa-se o já citado consórcio Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (CEDERJ), que surgiu, em 2000, no Estado do Rio de Janeiro, com proposta inicial de formação de uma rede regional de educação a distância, coordenando as ações das universidades públicas federais e estaduais ali instaladas. A iniciativa recebeu o apoio do governo estadual, que criou projeto de lei oficializando o projeto, alocando recursos e criando infra-estrutura para a instalação de unidades de apoio para descentralizar o atendimento de tutoria e monitoria dos alunos dos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas, Matemática e Física, e Pedagogia para as séries iniciais. O credenciamento desses cursos, junto ao MEC, foi de responsabilidade direta das IES consorciadas. As primeiras turmas atendidas pelas universidades integrantes do Cederj, em 2002, foram circunscritas em 13 pólos regionais no interior do estado. Os alunos receberam o material didático das disciplinas em forma de material impresso e material digital, disponibilizado na Internet, contando com infra-estrutura de atendimento presencial, em centros
locais,
e
a
distância,
por
professores
das
universidades
consorciadas
(www.cederj.edu). A iniciativa de maior visibilidade, segundo Vianney, Torres & Silva (2003), foi o também mencionado consórcio Unirede. Criado oficialmente em 2002, o consórcio surgiu como proposta em 1999, com o objetivo de democratizar o acesso à educação de qualidade por meio da oferta de cursos à distância, nos níveis de graduação, pós-graduação, extensão e educação continuada. A Unirede promovia programas de capacitação de professores das instituições associadas para o uso de NTIC e gestão de EAD, e atendia a demandas do Ministério da Educação na disseminação do uso de NTIC junto a professores do ensino fundamental e médio (www.unirede.br). A principal iniciativa de instituições particulares em direção à formação de redes de cooperação surgiu no ano de 2000, sob a denominação de Rede Brasileira de Educação a Distância – Universidade Virtual Brasileira. Um grupo de 10 instituições de ensino superior se organizou, visando o compartilhamento de suas estruturas físicas, a integração virtual de bancos de dados, a criação de serviços de suporte acadêmico e a criação de metodologias e tecnologias inovadoras para a oferta de educação a distância, alcançando como resultados iniciais, em 2001, a criação de ambiente virtual de aprendizagem próprio, realização de
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programas de qualificação em uso de NTIC para os professores em atuação nas IES que formaram a rede e lançamento de cursos de extensão a distância. Em 2002, a rede criou um instituto para credenciar e oferecer cursos superiores a distância, denominado IUVB.br (www.iuvb.edu.br). Maia (2003) observou, em sua pesquisa sobre a IUVB.br, que o Instituto foi criado como uma nova instituição de ensino superior. Assim, os cursos seriam oferecidos, não pelas instituições associadas, mas pelo IUVB, embora o aluno matriculado pudesse acompanhar os momentos presenciais na conveniada mais próxima de sua residência. O projeto de formação docente de maior expressão foi o Projeto Veredas – Formação de Professores a Distância. Objeto desta pesquisa, seria criado em 2000, a partir de um consórcio estimulado pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais e formado por instituições de ensino superior públicas, comunitárias, particulares e confessionais para criar um programa especial destinado a formar, em nível superior, 15 000 professores em atuação nas séries iniciais do ensino fundamental. Como veremos no capítulo 5, o Veredas foi estruturado a partir de articulação internacional com o Programa Anchieta de Cooperação Interuniversitária (PACI). Este programa surgiu como uma proposta de um grupo de universidades, que formam a Red Unitwin/UNESCO de Universidades em Islas Atlánticas de Lengua y Cultura Luso-españhola (Red ISA). O Curso Normal Superior, a distância, com atividades presenciais, iniciou-se em 2002 e destinava-se aos professores das redes estadual e municipais em efetivo exercício nas séries iniciais do ensino fundamental. Os alunos receberam kits de materiais impressos com Guia Geral, para informação dos professores cursistas em relação à proposta do Curso, à Prática Pedagógica Orientada, às estratégias de estudo e verificação da aprendizagem; Guias de Estudo para os módulos de conteúdos e vídeos de apoio. A tutoria ocorreu em regime presencial, nos pólos, sub-pólos e diretamente nas escolas onde os cursistas atuavam (www.veredas.mg.gov.br). Após o término das atividades da primeira turma do Veredas em 2005, a Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais cedeu a coordenação geral do projeto para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, 2006), através de um Termo de Cooperação. Assim sendo, foram abertas as inscrições para o processo seletivo para o Veredas II, de 15 de dezembro de 2006 a 16 de janeiro de 2007, com previsão de, no mínimo, 3500 vagas para professores em exercício nas redes estadual e municipais, sendo que a maior parte das vagas destina-se aos docentes desta última. Embora alguns aspectos organizacionais tenham sido modificados em relação ao primeiro curso, a estrutura, o material, os princípios pedagógicos e
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filosóficos, bem como as instituições de ensino superior da rede, permanecem os mesmos (www.fae.ufmg.br:8080/veredas/). Universidades, centros universitários e outras instituições de ensino superior católicas criariam em 2001 a Comunidade Virtual de Aprendizagem – Rede de Instituições Católicas de Ensino Superior (CVA-RICESU), para compartilhar esforços com o propósito de desenvolver processos e produtos educacionais de EaD, com foco na interação entre os “agentes da aprendizagem na busca permanente de inovação educacional” (www.ricesu.com.br). Estas instituições, que já ofereciam formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental em cursos presenciais, agora passaram a oferecê-los via EaD, até mesmo para outros países107. A Universidade Católica de Brasília (UCB), para citar apenas um exemplo da rede, passou a oferecer, a partir de 2004, tanto o curso de Pedagogia quanto um programa emergencial de complementação pedagógica (PROFORM), na modalidade EaD. Segundo o sítio da UCB (2006), cada Unidade de Estudo é acompanhada virtualmente por um professortutor (mestre ou doutor) que, por meio de e-mail, chat e outras ferramentas de interação disponibilizadas no Ambiente Virtual de Aprendizagem, faz o acompanhamento sistemático dos alunos, esclarece dúvidas e estimula atividades colaborativas para aprofundar e discutir os conteúdos. Ao longo do curso serão realizados, também, encontros presenciais. São três momentos de Encontro Presencial por semestre letivo, sendo um no início do semestre, outro no meio e outro ao final, todos realizados nos Pólos de Educação a Distância (PEADs) (www.catolicavirtual.br). A Rede Universidade Virtual do Centro-Oeste (Univir-CO)108 foi criada em julho de 1998, integrando esforços em tecnologia e produção acadêmica de sete universidades estaduais e federais da Região Centro-Oeste. Entre os objetivos da rede estavam promover a democratização do acesso à educação e realizar pesquisa sobre novas formas de aprendizagem em ambientes on-line, estratégias de planejamento, desenvolvimento e de avaliação para a 107
No sítio da Universidade Católica de Brasília encontram-se listados os PÓLOS DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (PEADs). Os peads são extensões da UCB nas diferentes regiões do Brasil, Japão e Angola, viabilizados por uma aliança estratégica entre as Instituições de Ensino e a Universidade, e conformando uma grande Rede de Educação a Distância. Representam uma forma de democratização da oferta do ensino superior. É a possibilidade das instituições atenderem também às suas comunidades com educação de qualidade, marca das Universidades Católicas. Nos Pólos, os alunos de qualquer parte do País prestarão o vestibular para os cursos de graduação, farão suas inscrições e matrículas e participarão dos Encontros Presenciais (<www.catolicavirtual.br> Acesso em: 29 de novembro de 2006). 108 Universidade Estadual de Goiás – UEG; Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul – UEMS; Universidade Federal de Goiás – UFG; Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS; Universidade Federal do Mato Grosso – UFMT; Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT; Universidade de Brasília - UnB
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formação de professores. Entretanto, Moran (2002) já observava que, com a criação da UNIREDE, a atuação específica da UniVirCO como uma rede menor parecia pouco definida dentro da rede nacional. Talvez por essa razão não encontramos mais a página dessa rede na web, embora na literatura até 2002 a UniVirCo conste como um importante exemplo de integração virtual entre instituições públicas de ensino superior. A expansão da EaD no Brasil, como estamos vendo, com diferentes usos de tecnologias da informação e da comunicação, se deu de forma rápida e envolveu fortemente as instituições públicas de ensino superior, especialmente no que se refere aos cursos e programas de formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental. Se num primeiro momento esses cursos foram criados com o objetivo de propiciar, em caráter emergencial, a formação superior (e mesmo a de nível médio) para professores em exercício nas redes públicas brasileiras, rapidamente se constituíram como cursos regulares, oferecidos pelas IES públicas e privadas, inclusive organizadas pela UAB. Concordando com Barreto (2003), verificamos também que os programas de formação de professores têm, em comum com os países ricos, a presença de algumas tecnologias; por outro lado, têm, como diferença, o modo de incorporação dessas tecnologias, caracterizando o que Leher (1998) denominou apartheid educacional. Isso significa que, para os organismos internacionais, a intensificação do uso das TIC poderia substituir o monopólio do conhecimento detido pelo professor, da mesma forma que nas fábricas pela “conversão da subsunção formal pela subsunção real do trabalho ao capital” (BARRETO, 2003, p.277). Como já analisamos, com os recursos de EaD seria possível atender a um número maior de alunos, com a vantagem adicional de uma formação docente mais flexível e de acordo com o mundo globalizado. Um outro aspecto muito relevante na análise dessa problemática pode ser visto a partir dos dados apresentados por Campos (2004). Esses dados mostram que, no seu conjunto, a oferta dos cursos de formação docente (Pedagogia e Normal Superior — e aqui, sem entrar na polêmica sobre o locus de formação, ou se presenciais ou a distância) concentra-se nas instituições privadas de ensino. Em sua pesquisa, a autora verificou que, considerando a natureza jurídica das instituições a que os cursos se vinculam, dos 2.138 cursos voltados para a docência da educação infantil, séries iniciais do ensino fundamental (765 cursos normais superiores e 1.373 cursos de Pedagogia), 824 (38,54%) estavam ligados a instituições públicas, federais ou estaduais. As instituições privadas eram responsáveis por 1.314 cursos (61,31%). Outro dado importante é que a presença das instituições públicas na oferta de Curso
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Normal Superior estava relacionada aos programas de formação de professores em serviço, oferecidos em várias regiões do país a partir dos anos 2000. O quadro 4 mostra que a situação atual (2006) de acordo com os dados extraídos do Sinaes não é diferente daquela vista por Campos (2004):
Quadro 4. Cursos de graduação - Formação de professor e ciências da educação dados atuais (2006) segundo Subcategoria da IES IES Estadual
Graduação Presencial
Graduação a Distância
Total de Cursos
2.285
31
2.316
Federal
811
34
845
Municipal
229
3
232
Particular
4.017
123
4.140
Fonte: MEC/Inep/Sinaes. <http://sianes.inep.gov.br/sinaes> Acesso em 20/08/2007
Penso que podemos retomar agora o início deste capítulo, em especial algumas questões levantadas: no aspecto político-pedagógico, temos que os programas de formação de professores desenvolvidos em larga escala apoiaram-se fortemente nas Diretrizes Curriculares para Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, garantindo a difusão dos conteúdos, competências e habilidades e valores necessários à educação de novo tipo, não obstante as críticas a esse documento, incluindo-se aquelas oferecidas pelas associações científicas da educação. Nesse sentido, a EaD contribuiu fortemente para consolidar a formação do novo intelectual necessário à coesão social, uma vez que atinge muito mais pessoas ao mesmo tempo. Por outro lado, as TIC, especialmente a Internet, não foi apropriada pelos professores nesses programas, já que, pelas características dos mesmos, outras mídias, principalmente o meio impresso, foi muito mais utilizado como estratégia metodológica. Gramsci compreendia as tecnologias como “instrumentos intelectuais[...] que são adquiridos e se desenvolveram e desenvolvem historicamente” (GRAMSCI, 2004, p. 139). Tecnologias que, ainda na percepção gramsciana, são frutos do progresso científico e que são a aplicação das próprias ciências, que deveriam ser apropriadas pelos trabalhadores para permitir a conversão histórica para o reino da liberdade. Compreendendo dessa maneira,
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criticar o caráter salvacionista da EaD na formação dos professores não pode ser entendido como um desprezo a essa forma de educação, ou até mesmo a uma redução da EaD e das TIC como possibilidade de ação educativa. Recorrendo a Lobo Neto (2001, p.58), qualquer proposição e “análise consistente do ensino a distância só é possível a partir da aceitação do duplo desafio de tratá-la ao mesmo tempo como objeto específico, mas também, como parte solidária da educação, assumida em toda a sua dimensão e complexidade”. Com efeito, muitas outras questões devem ser evidenciadas quando se discute a formação de professores — e aqui não se trata apenas de programas de formação de professores com metodologia de EaD, tendo ou não incorporação das TIC —, tais como: o privilégio dado à idéia de “formação ao longo da vida” em detrimento da formação inicial sólida oferecida nas universidades, ou seja, o aligeiramento da formação; ou, como destacou Barreto (2003b, p.21), “uma nova roupagem para o velho determinismo técnico com a valorização da técnica em si e, conseqüentemente, com a ênfase posta no treinamento para a sua utilização correta”. Ao determinismo técnico acrescenta-se o “fetiche da comunicação secundária”, como explicou Zuin (2006), que significa a compreensão de que a comunicação mediada pelas novas tecnologias pode tornar-se hegemônica em relação à comunicação presencial. Assim, privilegiar os meios – as tecnologias – empobrecidos pela redução a programas de certificação em larga escala é deixar de lado a possibilidade de incorporação das TIC na perspectiva de criar novas possibilidades e desafios para o trabalho docente, bem como enquanto estratégias para aperfeiçoar o processo de formação como um todo. Ao mesmo tempo, “isso não pode ser confundido com ‘proximidade humana’ no sentido da participação mútua e da identificação, que só podem ser gradativamente construídas ao longo do convívio mútuo e da troca de experiências” (TÜRCKE, 2002, apud ZUIN, 2006, p. 941), requisitos fundamentais para a formação humana. A formação de professores não pode prescindir de um ambiente educacional que valorize a criatividade, a reflexão, a pesquisa, a interação, o aprofundamento das questões políticas, metodológicas, sociais, éticas e culturais. Vale então perguntar se a EaD permitiria esse ambiente. Retomando Zuin (2006), se de um lado um dos desafios da EaD é exatamente criar condições para que os professores ausentes (os professores formadores) se tornem presentes, por outro lado essa presença se faz virtualmente, correndo o risco de “pulverizar a autoridade de tal professor a ponto dela se rearticular na forma do autoritarismo imagético que arrefece o desenvolvimento das representações e, portanto, do raciocínio crítico” (ZUIN,
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2006, p.949). Evidentemente, alerta-nos o autor, não se pode ser ingênuo a ponto de acreditar que a simples presença física do professor seja garantia de um ensino de boa qualidade, o que nos leva a retomar a idéia inicial que a análise das políticas de formação de professores não podem excluir a forma (EaD) do conteúdo (aspectos técnicos e ético-políticos). Em outros termos, as políticas de formação docente se articulam não apenas com as reformas educacionais de forma geral, mas com um movimento mundial que, guardadas as especificidades históricas de cada país, “mantém traços de identidades em todos eles, segundo a racionalidade da transição do metabolismo social capitalista” (SILVA JR., 2003). E, nessa direção, articulam-se com a nova sociabilidade requerida pela contemporaneidade. Não é demais assinalar que, na maior parte dos programas de EaD para a formação de professores – tanto formação continuada como inicial –, não é destinado, na jornada de trabalho, nenhum tempo para essa atividade; assim, a formação do professor torna-se mais uma tarefa a ser realizada nas “horas vagas”, que deveriam contemplar o lazer daqueles que trabalham, na maioria das vezes, em mais de uma escola. Em síntese, a ênfase na EaD como política pública para a chamada “democratização do acesso” ao ensino superior, de forma geral, e para a formação de professores, de forma específica, apresenta-se como a possibilidade de ensino favorável à minimização da falta de qualificação dos professores brasileiros, utilizadas em programas de certificação em larga escala. Ao mesmo tempo, essas políticas estão articuladas com uma perspectiva de adequação da formação às exigências decorrentes do desenvolvimento tecnológico e social, de maneira a conformar o cidadão/trabalhador para o atual momento do capitalismo brasileiro, de acordo com os requerimentos epistemológicos e ético-políticos dos organismos internacionais, em especial o Banco Mundial e a UNESCO.
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5. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA REFORMA EDUCACIONAL DE MINAS GERAIS DOS ANOS DE 1990 E 2000
Ao discutir as reformas educacionais nos anos de 1990 nos capítulos anteriores, assinalei que as transformações políticas, econômicas e culturais decorrentes da crise mundial a partir dos anos de 1980, que propiciaram a reforma e a reestruturação do Estado nos marcos do capitalismo, partiram de uma nova racionalidade, que não apenas recriou as condições de vida como consolidou um novo contrato social (CHESNAIS, 1996, p.35). A educação tornouse uma política estratégica, necessária ao desenvolvimento do capital e à conformação social. Nesse contexto, os organismos multilaterais (BIRD/BM, FMI, entre outros) ampliaram sua inserção na definição das políticas educativas nos países da periferia, como é o caso do Brasil, promovendo o ajuste estrutural e criando projetos para a educação com o objetivo de aliviar a pobreza e promover o desenvolvimento econômico, de modo a garantir a inserção destes países na “sociedade da informação”. O conjunto das mudanças propostas por esses acordos internacionais repercutiu no Estado de Minas Gerais nos anos de 1990, que, conforme André S. Martins (1998, 2000), repetiu o papel de laboratório do padrão de desenvolvimento do país nos anos de 1950. Assim, o estado esteve na agenda nacional e internacional nos anos 1990 como modelo a ser seguido (FLORESTA, 2002; DE TOMMASI, 1998; WB, 1994). Para Martins (1998, 2000), Minas Gerais teria mesmo se antecipado ao governo federal na implementação das medidas que reorganizaram a educação em todo o estado. Com efeito, a partir de 1991, Minas Gerais passou a adotar um novo modelo de gestão da escola, visando “fortalecer e democratizar” a escola. Para tanto, a reforma tomou como
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medidas, a nível macro, a integração entre os sistemas estadual e municipais, visando a racionalização da cobertura de ambas as redes. No nível micro, a reforma buscou dar autonomia às escolas estaduais e a suas comunidades para resolver os problemas cotidianos, realizando, entre outras medidas: (i) a descentralização de determinadas funções administrativas ao nível das escolas; (ii) a transferência de recursos diretamente às escolas; (iii) o processo de escolha de diretores escolares; (iv) a transferência aos conselhos escolares de diversas atribuições da administração escolar e (v) estabeleceu o Programa de Avaliação da Escola Pública, através de testes padronizados. Tais medidas foram fundamentais para que o Banco Mundial financiasse o projeto de “Melhoria da Qualidade da Educação Básica em Minas Gerais”, o Pró-Qualidade. Segundo o BM, Minas Gerais seria o primeiro Estado a tomar “iniciativas concretas para implementar a autonomia e a responsabilidade (accountability) — dois ingredientes críticos para a educação de qualidade — na escola básica” (WB, 1994, p.5). Floresta (2002) observou ainda que o investimento feito pelo Banco Mundial para Minas Gerais desenvolver a sua reforma educacional109 é uma forte evidência da vanguarda mineira no ajuste aos novos interesses e práticas, expressas, por exemplo, na contratação de consultores externos e no incentivo à consolidação de um mercado educacional:
Novas mercadorias pedagógicas seriam adquiridas e incorporadas ao imaginário da escola — microcomputadores, telefones, videocassetes, aparelhos de TV, livros de literatura, antenas parabólicas—, como se fossem bens a que a escola não tivesse direito, mas que se tornaram dádivas de um governo da Nova Era. Ao incorrer nessa reversão econômica do público pelo privado e ao privilegiar determinados interesses econômicos, a Reforma se expressou de forma clara nas formas de financiamento que o governo contratou junto ao Banco Mundial, ficando altamente comprometida a sua autonomia. (FLORESTA, 2002, p.15).
Ademais, para garantir o sucesso da reforma educacional mineira, tornou-se fundamental a formação de um intelectual orgânico de novo tipo, que se articulasse tanto com a proposta de reestruturação da educação quanto com a nova cultura (apoiada no tripé da 109 Segundo De Tommasi (1998, p.205), “o próprio Walfrido dos Mares Guia Neto, então Secretário de Estado da Educação, foi quem assimilou e reproduziu com mais eficácia no país algumas orientações que caracterizam o discurso do Banco: a importância de investir em educação para sustentar o crescimento econômico, a rentabilidade desse investimento em termos de uma análise de custo-benefício, a questão da “qualidade total” e da reforma do sistema gerencial para atingir níveis de eficiência comparáveis àqueles das empresas”.
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gestão, das competências e das novas relações institucionais) quanto assumisse os novos valores éticos, políticos e habilidades cognitivas e comportamentais: o professor. Assim, a capacitação e formação docente receberam uma atenção especial na reforma de Minas Gerais, para o que a Secretaria de Estado da Educação (SEEMG) buscou capacitar a grande maioria dos professores estaduais, de acordo com o novo pacto educativo proposto pelos organismos internacionais. Para desencadear o processo de formação de professores, em serviço, em larga escala, a EaD tornou-se estratégica para a SEEMG, configurando a tendência indicada pelos organismos internacionais e também pelo governo federal, através do MEC/SEED. As indicações feitas pela LDB nº. 9394/96 sobre a formação de professores em nível superior trouxeram um novo caráter para a capacitação em Minas Gerais, como de resto no campo educacional brasileiro, visto que as prescrições legais foram largamente implementadas. O quadro que emergiu dessa implementação foi marcado, em primeiro lugar, pelos Cursos Normais Superiores110, oferecidos em larga escala por instituições privadas de ensino—, não obstante iniciativas isoladas de formação continuada, e em serviço, de professores, conforme referido por Linhares & Silva (2003, p.22). Em segundo lugar, por políticas públicas que visavam atender a exigência de formação superior e que buscavam qualificar os professores da rede pública. É esse o caso das políticas públicas para a formação de professores do Estado de Minas Gerais a partir do governo de Itamar Franco (1999-2002). Após a publicação da LDB, foram mantidos os cursos “emergenciais” para os professores sem licenciatura e atuantes na rede estadual. Através de convênios estabelecidos entre o Estado de Minas Gerais e algumas universidades, foram realizados cursos em regiões denominadas “pólo”, para onde os professores se deslocavam no período de férias e tinham acesso a cursos modulares de licenciatura em diversas áreas do conhecimento. A principal característica desses cursos é que as Universidades envolvidas mantinham sob seu controle a autonomia didático-científica, sem nenhum tipo de interferência da Secretaria de Estado da Educação. Para construir uma ação conjunta entre o ensino superior e a educação básica em Minas Gerais, a Secretaria de Estado da Educação estabeleceu parcerias para propiciar uma “gestão consorciada” da educação, de forma a viabilizar as mudanças propostas pelo governo 110
A publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia (Pareceres CNE/CP n.05/2005, n.01/2006 e Resolução PNE/CP n.01/2006) apontam para novos debates sobre a formação do professor, já que a formação do pedagogo abrange a docência, a gestão e a produção do conhecimento em educação. Ao explicitar esses requisitos, o “legislador afasta a possibilidade de redução do curso a uma formação restrita à docência das séries iniciais do ensino fundamental” (AGUIAR et al., 2006, p.830), o que apontaria, em última instância, à necessidade de se rever a criação dos ISE e do Curso Normal Superior.
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Itamar Franco (1999-2002), dando seqüência à Reforma da Educação em Minas Gerais. Assim, o governo mineiro propôs o seu Projeto Veredas — Formação Superior de Professores, com o objetivo de formar, em nível superior, em serviço e a distância, os professores das redes públicas estadual e municipais, de forma organizada e articulada pela SEEMG, no sentido de garantir as competências, habilidades, valores éticos e morais requeridos ao novo padrão de sociabilidade. Embora organizado e iniciado no governo Itamar Franco, o projeto teve continuidade durante o governo de Aécio Neves (2003-2006). Em 2006, formadas todas as turmas do primeiro curso, a Secretaria de Estado da Educação cederia a coordenação do Veredas para a UFMG, que mantém todas as características, objetivos e materiais instrucionais pensados pela SEEMG. Na primeira parte deste capítulo analisaremos a Reforma Educacional dos anos de 1990 no Estado de Minas Gerais, de forma a compreender que a direção ético-política dada esteve na vanguarda e, também, em consonância, com a reforma da educação nacional, cujas orientações se deram nos marcos das políticas neoliberais que grassaram nesta década. Nesse primeiro momento, que compreende os governos Hélio Garcia (1991-1994) e Eduardo Azeredo (1995-1998), a concepção de qualidade, pautada no enxugamento dos gastos, na racionalização do trabalho e na formação que atendesse à inserção de Minas Gerais no capitalismo mundial, preparou o terreno para o aprofundamento do padrão neoliberal no Estado, que, no momento subseqüente, se apresentava já com as características do capitalismo humanizado da Terceira Via. Na segunda parte, veremos a continuidade da reforma, com ênfase no governo Itamar Franco (1999-2002), que, embora tenha se colocado na oposição ao governo central, manteve a direção da reforma mineira e propôs, para a formação de professores, o projeto Veredas, num esforço amplo de formar os intelectuais necessários à nova sociabilidade no âmbito do Estado de Minas Gerais. Veremos ainda a continuidade do projeto durante a gestão de Aécio Neves (2003-2006; 2007-2010) e o aprofundamento da reforma, traduzido pelo “Choque de Gestão”, projeto governamental implementado em todas as áreas, inclusive na educação.
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5.1. A Reforma Educacional e a Formação de Professores em Minas Gerais: o “Pacto Mineiro para a Educação” (1991-1998)
Na apresentação do documento “Minas Século XXI – Plano de Governo Hélio Garcia 1991-1994”, Garcia (1991) chamou a atenção para o fraco dinamismo da economia mineira, face à crise econômica brasileira nos anos de 1980, ao mesmo tempo em que alertou para a crise do setor público que se avizinhava, em função do crescente endividamento, na disfuncional idade de suas instituições, no uso indevido dos recursos públicos e no crescente desestímulo do funcionalismo. A crise social também se aprofundava, derivada dos desequilíbrios estruturais da economia. Estes eram os desafios que o governo Hélio Garcia teria que enfrentar durante a sua gestão (GARCIA, 1991, p.9). Com o objetivo de alcançar as metas do crescimento com justiça social, o ajustamento macroeconômico, da adequação às novas condições criadas pelas reformas estruturais da economia brasileira (para o que a integração de Minas exigiria rápida modernização dos setores produtivos, visando eficiência, produtividade e competitividade), da descentralização e a reinstitucionalização do planejamento, se rearticulando com a iniciativa privada e o mercado, estabeleceram-se os aspectos fundamentais que orientaram o plano de governo (GARCIA, 1991, p. 9-11). Condizente com o Consenso de Washington e com os rumos assumidos pelo governo Federal (ainda que se leve em conta que a eleição de Hélio Garcia para o governo de Minas expressou o descontentamento popular com a eleição de Collor de Mello à presidência da República), Minas Gerais assumiu a idéia de progresso econômico com redistribuição, para o que a recuperação do setor público seria fundamental. Isso porque “cabe ao poder público estadual a liderança do processo de desenvolvimento de Minas” (GARCIA, 1991, p.12), embora o papel da aparelhagem estatal devesse ser modificado:
O setor privado e as forças do mercado deverão ser fortalecidas, abstendo-se o Estado de arranjos que ele próprio figure como investidor direto. Ao poder público estadual caberá identificar oportunidades de desenvolvimento, mobilizar recursos e concatenar esforços públicos e privados para a realização dos objetivos de progresso econômico e melhoria da qualidade de vida dos mineiros. Tudo isso em moldes que não reduzam o espaço do setor privado em Minas (GARCIA, 1991, p.12).
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Dessa maneira, as ações de cunho modernizador, nos marcos do neoliberalismo, foram tomadas, de forma a que o Estado atraísse novos investimentos para elevar a capacidade produtiva do Estado e permitisse a dinamização da economia, criando condições para novos investimentos. Embora fortemente articulado com o empresariado mineiro, valorizando as parcerias com entidades privadas, o governo Hélio Garcia buscou o consenso popular em torno das suas propostas, falando diretamente à população, na perspectiva de esvaziar a representação dos partidos políticos e dos sindicatos. Entretanto, como lembra André S. Martins (2000, p. 2), “não faltaram denúncias de corrupção por parte de partidos de esquerda e de organizações sindicais do funcionalismo público estadual”. Do ponto de vista educacional, o governo estadual conseguiu se estruturar e aprofundar as medidas modernizantes propostas, tornando-se um exemplo a ser seguido no Brasil e na América Latina111, razão pela qual o BM se tornou um importante aliado. Assim, as políticas adotadas tiveram como premissa a garantia da eqüidade na distribuição de recursos públicos, a promoção de capacitação continuada de professores, o estabelecimento de mecanismos de avaliação da qualidade e a garantia de padrões básicos para o funcionamento das escolas (MINAS GERAIS, 1994a), a fim de superar a crise de “produtividade e eficiência” do sistema educacional. O governo Eduardo Azeredo (1995-1998) manteve a subordinação do Estado às exigências das agências internacionais e os princípios definidos no governo Hélio Garcia. Os resultados imediatos do Plano Real e as metas do governo Federal permitiram “promover um crescimento da economia estadual de maneira diretamente proporcional ao endividamento público, uma vez que as ações governamentais exigiram uma efetiva intervenção econômica, possibilitada por empréstimos e emissão de títulos estaduais” (MARTINS, A. S., 2000, p.4). Com efeito, o governo Azeredo, ao traçar seu plano de ação, reconheceu o já feito anteriormente e aprofundou as medidas já em curso: a descentralização administrativa, a Reforma do Estado e do funcionalismo público, a promoção do desenvolvimento regional com eqüidade, o estímulo às micro e pequenas empresas, favorecidas pela estabilidade criada
111 No Plano de Ação do Governo Eduardo Azeredo, lê-se, a respeito da reforma mineira em curso: “A reforma do ensino em curso em Minas Gerais foi premiada pelo Unicef, dado seu arrojo e inovação, serviu de modelo ao programa educacional do candidato Fernando Henrique Cardoso e conquistou admiração e o respeito de dirigentes e pensadores educacionais de várias tendências político-partidárias em todo o país” (AZEREDO, 1994, p.102-103)
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pelo Plano Real, a criação de estratégias para geração de empregos, entre outros (AZEREDO, 1994). Do ponto de vista da política educacional, o documento distinguiu o trabalho de Walfrido dos Mares Guia Neto à frente da Secretaria de Estado da Educação, “que iniciou a implantação do mais avançado projeto de reforma do ensino público a que se tem notícia no Brasil” (AZEREDO, 1994, p.100-102). Assim, as políticas de descentralização da gestão, participação da comunidade e autonomia da escola foram mantidas. Acrescentou, ao realizado, a necessidade de enfrentar o
imenso problema da capacitação dos professores da rede, tendo garantido para esta finalidade recursos da ordem de 300 milhões de dólares, com a participação do Banco Mundial, que serão aplicados tanto no treinamento gerencial dos dirigentes quanto na reciclagem e aperfeiçoamento profissional e pedagógico dos docentes (AZEREDO, 1994, p.102).
Com efeito, os governos Hélio Garcia (1991-1994) e Eduardo Azeredo (1995-1998) representaram uma continuidade na direção da reforma educacional. Isso porque, no primeiro governo, ocorreu a nomeação de Walfrido dos Mares Guia Neto112 para a Secretaria de Estado da Educação, que viria oportunamente a compor a chapa com Azeredo na condição de vicegovernador. Nesse caso, estrategicamente assumiu a Secretaria de Educação em substituição aos seus irmãos Ana Luisa e João Batista, sempre que havia algum interesse específico nas negociações com o Banco Mundial. Dessa forma, garantiu-se pouca rotatividade nos quadros da Secretaria durante os primeiros oito anos da década de 1990, bem como uma perspectiva de continuidade e coerência nas reformas (FLORESTA, 2002; MARTINS, A. S., 1998, 2000). Os consultores do BM também avaliaram positivamente essa continuidade:
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O Secretário de Estado da Educação de Minas Gerais representaria o Conselho de Secretários de Educação (CONSED) no Comitê Executivo do Plano Decenal de Educação para Todos. Posteriormente, a Secretaria publicaria, em 1993, o Plano Decenal de Educação do Estado de Minas Gerais, consolidando os compromissos assumidos pelos municípios mineiros em favor da oferta de Ensino Fundamental de qualidade para os mineiros. Segundo Floresta (2002, p.1), “a partir da lógica empresarial, acumulada à frente de uma das maiores empresas de ensino do Brasil — o Colégio Pitágoras — Mares Guias mostrou-se atento às transformações políticas e econômicas na sociedade contemporânea e, em especial, no Brasil, da mesma forma que correspondeu às demandas da burguesia industrial para a Educação no país, dando início à mais audaciosa e politicamente articulada reestruturação educacional dessa década”.
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A continuidade na nova administração oferece uma excelente oportunidade para impulsionar os aspectos favoráveis e tratar de ajustar os pontos que, todavia, apresentam problemas. Desta maneira, o projeto ProQualidade de Minas Gerais, financiado parcialmente pelo BM, ajudará muito a alcançar esse resultado. Seu desenho geral abarca a maior parte das medidas necessárias para reforçar o processo de reforma (GUEDES et al., 1997, p..22).
Paralelamente, ao apresentar o documento “Educação de Qualidade para Todos: política pública de eqüidade e de garantia dos padrões básicos”, o governador Eduardo Azeredo comemorava:
Afortunadamente, esta [a prioridade do Ensino Fundamental nas políticas públicas mineiras] tem sido a compreensão e a conseqüente determinação do governo, dos profissionais de educação, das famílias e de amplos segmentos da sociedade de Minas Gerais, os quais, de mãos dadas, empreendem, desde 1991, a abrangente e exitosa experiência educacional brasileira, assim reconhecida, hoje, não só no Brasil, como internacionalmente, inclusive por instituições devotadas à causa de crianças e adolescentes, como UNICEF, e apoiada por outros, como o Banco Mundial (MINAS GERAIS, 1997a, p.3. grifos nossos.).
Os pressupostos da Reforma estavam relacionados aos problemas históricos da educação, especialmente à baixa produtividade do Sistema e à burocratização da administração. Por essa razão, as propostas diziam respeito à racionalização dos gastos, ao aumento da produtividade e da eficiência do sistema através de novos mecanismos de gestão escolar e do trabalho docente, de acordo com as orientações dos organismos internacionais, como vimos no segundo capítulo. Ao mesmo tempo, a Reforma estava situada nos marcos da “necessidade” de reforma de Estado neoliberal e se apoiava no discurso da falência e da incapacidade da aparelhagem estatal. Guia Neto (1999) assim explicou a reforma mineira:
Quando essa mudança começou em 1991, vivia-se o momento do conceito de que o Estado era incapaz e não dava conta do recado. Mexia com tudo e fazia quase tudo mal ou mais ou menos mal. Poucas vezes fazia bem (...). O Estado mexe um pouco com tudo mas não tem eficácia (...) (GUIA NETO, 1999, p.54).
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Floresta (2002) observou também que, para o sucesso da nova política educacional, era necessário criar mecanismos de legitimação do processo, o que se deu a partir de estudos tecnicamente realizados, através de diagnósticos, avaliações e auditoria. Ao mesmo tempo,
[...] a idéia de um novo caminho rumo à mudança e ao sucesso foram postas na fidelidade entre a escola e a sociedade, cuja mediação legítima seria feita por um Estado interessado no bem comum (Guia Neto, 1991:23-4; MEC, 1993: 21-2). Esse bem comum, na perspectiva da Secretaria, estava associado à universalização das oportunidades, bem traduzida pela idéia de equidade, autonomia, descentralização e participação. Quase como uma conjugação ética ao propalado bem comum, foi definido um espaço de qualificação profissional e critérios de avaliação de desempenho cuja dimensão de dignidade se relacionaria com a criticidade e com a criatividade do novo profissional, agora muito mais competente. O compromisso da Secretaria com o ensino de qualidade se respaldaria numa qualidade social da educação (grifos da autora. FLORESTA, 2002, p.9).
Assim, a aparelhagem estatal, no esforço de garantir o consenso em torno da reforma, criou, com o apoio da UNICEF, o chamado “Pacto Mineiro da Educação”. Nas palavras do Banco Mundial, “foi uma grande campanha, que visava envolver a família, as crianças, os jovens, os políticos, as associações de trabalho, a sociedade civil, enfim, toda a comunidade, na política governamental de educação de qualidade" (WB, 1994, p.7). Nesse sentido, o estado de Minas Gerais contribuiu e consolidou, no seu projeto de reforma da educação, a nova pedagogia da hegemonia, na medida em que tornou fundamental a formação de novas competências que articulassem o saber, os novos valores políticos e éticos e também as habilidades cognitivas e comportamentais necessárias ao novo modelo. Não sem razão, o governo criou, em 1992, um novo modelo de gestão escolar, o Programa de Implantação da Qualidade Total113, com o objetivo de instituir novos valores, procedimentos 113
André Martins (2000) salientou que este projeto, pioneiro no Brasil, surge como desdobramento do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), especialmente do Subprograma de Capacitação de Recursos Humanos, programa este articulado e implementado no governo Collor de Mello (1990-1991). O autor observa ainda que esse fato demonstrou a agilidade com que Minas Gerais aderiu às diretrizes neoliberais, em especial na educação. Entretanto, o Programa de Gerenciamento da Qualidade Total parece não ter alcançado os objetivos definidos pelo governo. É possível concluir que a desativação do programa correspondeu a problemas de ordem cultural (conflito entre o movimento de mudança e a cultura escolar preexistente); de produtividade (relacionado ao baixo desempenho obtido em relação ao custo/benefício e baixa “taxa de retorno”) e político (através da resistência dos professores mais identificados com um outro projeto de educação e organizados no Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais — Sind-UTE). Entretanto, a SEE manteve os objetivos mais amplos da política educacional, alterando, somente, a sua estratégia de implantação, ao priorizar, em primeiro lugar, ações que modificassem qualitativamente o trabalho pedagógico (MARTINS, A. S., 2000, p.3).
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e atitudes no âmbito político-pedagógico e administrativo da escola, de forma a melhorar a produtividade, adotando uma “ótica econômica, pragmática, gerencial e administrativa” (SACRISTÁN, 1996b). Para estabelecer as condições favoráveis para a reforma, garantindo o controle, a padronização e a legitimidade necessários, vários programas foram criados: Programa de Avaliação da Escola Pública, Programa de Avaliação de Desempenho, Plano de Desenvolvimento da Escola, Programa de Apoio a Inovações Escolares, Programa de Desenvolvimento Curricular. Sintetizada no documento A Promoção da Autonomia Escolar em Minas Gerais, a reforma mineira, iniciada em 1991, estabeleceu os compromissos, metas, objetivos e diretrizes de implementação e operacionalização das estratégias da reforma. A partir de 1994 e durante todo o governo Azeredo, as cinco áreas de atuação previstas no documento anterior (Autonomia da Escola; Fortalecimento da Direção da Escola; Capacitação e Carreira; Avaliação do Ensino e Integração com o Município) foram incorporadas no Projeto “Melhoria da Qualidade do Ensino e do rendimento dos alunos do Ensino Fundamental”, Projeto Qualidade na Educação Básica em Minas Gerais – PróQualidade (MINAS GERAIS, 1994b). Considerada prioridade para a SEEMG, a autonomia da escola se justificava na perspectiva de rever a estrutura burocrática, verticalizada e hierarquizada do sistema educacional mineiro, permitindo às escolas certa descentralização em relação ao órgão central. Se, de um lado, esse programa criou uma série de procedimentos que de fato permitiram que a escola resolvesse questões pedagógicas, administrativas e financeiras, por outro lado o governo instituiu o que Floresta (2002) denominou “autonomia decretada”, através de normas, decretos, resoluções, portarias e avisos que, na prática, evidenciaram as contradições da implementação da autonomia nas escolas. Evidentemente, é preciso levar em conta que o conceito de autonomia da escola utilizado pela SEEMG está atrelado a um determinado conceito de “qualidade de ensino”, relacionado à produtividade, à lógica empresarial e, principalmente, aos valores difundidos pela nova pedagogia da hegemonia. Nesta perspectiva, a educação deve envolver relevância, eficácia, pertinência, eficiência e eqüidade. A educação será relevante quando atende às necessidades e desejos dos sujeitos que estão sendo formados; será eficaz quando é capaz de executar as metas propostas no currículo, de forma que os alunos adquiram aprendizagem relevante para a sua vida; será pertinente quando os conteúdos e métodos são adequados para possibilitar a aprendizagem; será eficiente quando alcança os resultados mediante o
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aproveitamento dos recursos destinados aos serviços educativos; será eqüitativa quando consegue distribuir oportunidades educativas com igualdade e com critério, compensando os diversos setores sociais (LEVER, 1998). Entretanto, a qualidade que se busca é da unidade escolar, e não do sistema de ensino, numa perspectiva restritiva da abrangência e do alcance das medidas educacionais. Melhorar a qualidade, nesses termos, significa a melhoria do desempenho pedagógico, ou do desempenho do aluno, referindo-se ao nível de eficácia alcançado entre os objetivos propostos e os resultados obtidos. Dessa maneira, a qualidade da educação, tema afeto ao conjunto das políticas públicas para a educação, tornou-se uma questão puramente técnica, relacionada à racionalização e à otimização da administração dos recursos humanos e educacionais. Os problemas estruturais (a falta de vagas, de investimentos, o salário e a capacitação dos professores e demais funcionários) embora reconhecidos até mesmo pelos organismos internacionais, são discutidos à luz da eficiência e eficácia da escola, ou seja, à aprovação e reprovação dos alunos. Em outros termos, a qualidade da educação deixa de ser uma questão eminentemente política, relacionada à luta pela igualdade, pela justiça, pelo fim da dominação, e passa a ser uma questão “única, inquestionável, inevitável, neutra, técnica, apoiada pelos fatos” (Silva, T.T., 1996. p. 171. grifos do autor). As dificuldades de implementação das reformas passaram a ser falta de profissionalismo dos professores e resistência às mudanças Como avaliaram os consultores do BM,
Sem dúvida, há aspectos negativos que ameaçam a sustentabilidade [do PróQualidade e da Reforma Mineira], nos quais estão relacionados principalmente às limitações estruturais que o setor educativo enfrenta: falta de profissionalismo, resistência à mudança, isolamento municipal. A falta de profissionalismo se relaciona a duas questões importantes: as remunerações e a preparação do pessoal. As remunerações baixas, um estrangulamento histórico no setor de educação do Brasil, e o nível de preparação deficiente afetam o compromisso de introduzir mudanças. O melhoramento da capacitação dos professores é um tema prioritário para o governo do Estado, como o provam o já feito. É necessário estender esse aperfeiçoamento aos demais grupos do sistema, tanto administrativo como técnicos, o que está relacionado diretamente com a necessidade de aplicar um plano apropriado de avanço profissional e de garantia dos funcionários capacitados na escola (GUEDES et al., 1997, p.22).
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A segunda prioridade da reforma mineira foi o Fortalecimento da Direção da Escola através da adoção de mecanismos de gestão democrática e participação nas instâncias de decisão das escolas, traduzidos na “escolha de dirigentes” e na “instituição dos colegiados escolares” e no repasse de recursos financeiros às escolas. A mudança no processo de escolha dos dirigentes das escolas foi uma reivindicação que atravessou os anos de 1980. Em 1989, a partir da promulgação da nova Constituição Estadual de Minas Gerais, estabeleceu-se que o provimento do cargo de diretor de escola se daria através de uma seleção competitiva interna, artigo que foi regulamentado através da Lei n° 10.486, de 1991114. O processo original tinha duas etapas: na primeira, os candidatos a diretor — profissionais que trabalham ou tenham trabalhado na escola — eram submetidos a uma prova de títulos e a uma escrita, que tinha como objetivo testar os conhecimentos específicos e as habilidades gerenciais necessários ao exercício do cargo. Os classificados elaboravam e apresentavam à comunidade escolar uma proposta de trabalho, em uma assembléia geral convocada pela escola. O colégio eleitoral — formado pelos pais, alunos maiores que 16 anos e profissionais da escola — através de voto secreto, elegia o diretor. Assim, ao combinar os dois critérios para a escolha de diretores — a avaliação de competências e a capacidade de liderança — a proposta mineira consolidava a sua concepção de gestão. Não podemos nos esquecer que a autonomia e a gestão democrática atendiam a uma reivindicação e também eram concessões que representam interesses contraditórios; como vemos, a reforma mineira buscou a descentralização administrativa, declarou a autonomia das escolas, preconizou a flexibilidade curricular, a participação dos pais e a eleição dos diretores, num furor democratizante. Na prática, significou o aumento do controle através de mecanismos formais, mais centralizados e padronizados, através dos testes e avaliações que vão “medir” o desempenho dos estudantes e dos professores na perspectiva e na ótica de qualidade definida pelos organismos internacionais. A capacitação dos profissionais da educação de Minas Gerais — diretores, professores, especialistas e demais funcionários da escola —, uma das prioridades da Reforma, buscava a eliminação do fracasso escolar e a redução dos índices de repetência e evasão, em consonância com os indicadores da ineficiência da rede estadual de ensino. A ênfase na capacitação dos professores e dos diretores se dava em duas direções: a primeira, 114
Além desta Lei, normatização da escolha de diretores de escolas foi complementada pelo Decreto n° 32.855, de 17 de agosto de 1991; pelas resoluções da SEEMG n° 6.890/91; 7.157/93; 7.253/93.
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através de capacitação em serviço, cursos promovidos pelas Superintendências Regionais de Ensino e encontros realizados pelas escolas; a segunda, a criação de um plano de carreira que diferenciasse os salários a partir da avaliação de desempenho115. No período de 1991-1994, durante o governo Hélio Garcia, prevaleceu um conjunto de cursos e treinamentos promovidos pela Secretaria e Superintendências. Durante o governo Eduardo Azeredo (1995-1998), a organização da capacitação de professores se deu através de estratégias definidas no Pró-Qualidade. Segundo a SEEMG (1997a), as medidas implementadas no primeiro momento, foram medidas emergenciais para atender aos problemas de capacitação e de formação de professores. Assim, para a SEEMG, os programas são um conjunto limitado de ações dentro de um plano; os projetos, definidos como ações específicas que se desagregam de um programa, são um instrumento que traduz os objetivos e metas de um plano em um período definido e em âmbito mais específico. Num primeiro momento, foi criado o programa de aperfeiçoamento e capacitação, Projeto Chama — Curso de Habilitação para o Magistério —, dirigido aos professores sem habilitação que atuavam no Ensino Fundamental. A partir de 1993, através de convênios e parcerias com instituições de ensino superior, surgiu o Programa Emergencial de Licenciatura, destinado à formação em nível superior em diferentes áreas. O Programa de Aperfeiçoamento de Professores, direcionado aos professores de Ciências e Matemática nas séries finais do ensino fundamental, foi conseqüência de um convênio com a Universidade Federal de Minas Gerais. Além desses projetos, os professores de Língua Portuguesa receberam treinamento à distância, além do oferecimento de cursos de pós-graduação lato sensu em diferentes áreas, sempre via convênios com as Instituições de Ensino Superior do estado. Dados publicados no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais (Minas Gerais, 1997) informam que, nesse período, as ações para capacitação do professorado atingiram cerca de vinte e dois mil professores do ensino fundamental.
115
Não houve condições políticas para a implantação do Plano de Carreira. No entanto, a SEEMG desenvolveu, à época, um mecanismo de incentivo aos profissionais que investissem na sua qualificação. Os professores e especialistas que concluíssem cursos de aperfeiçoamento passaram a receber uma gratificação de 10%; os que terminassem cursos de mestrado e doutorado compatíveis com seus cargos incorporavam, em seus vencimentos, gratificações de 30% e 50%, respectivamente. Somente em 5 de agosto de 2004 foi sancionada a Lei nº. 15.293, que institui as carreiras dos profissionais da Educação Básica. A Lei nº. 15.784/2005 estabeleceu as tabelas de vencimentos e o enquadramento dos servidores nas respectivas carreiras. A lei previu o reajuste de 5% do valor básico dos salários a partir de 1º de julho de 2006, e também a promoção através de avaliação de desempenho. Em setembro de 2007, o governador Aécio Neves sanciona a lei que reajusta em 5% os vencimentos dos professores e institui o piso salarial de R$850,00 a partir de janeiro de 2008, para a jornada de 24 horas semanais.
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Vale salientar que a maior parte dessas ações iniciais caracterizou-se pela autonomia didático-científica e política das Instituições de Ensino Superior em relação à SEEMG, o que se modificaria a partir dos projetos desenvolvidos pelo programa Pró-Qualidade e também nos governos Itamar Franco (1999-2002) e Aécio Neves (2003-2006; suposto 2007-2010), quando então a Secretaria assumiu o controle didático-pedagógico e curricular, tornando as IES parceiras na execução dos projetos, e não mais formuladoras. O contrato firmado com o Banco Mundial, através do projeto Pró-Qualidade, representou, segundo Martins (2000), o aprofundamento e a consolidação das medidas neoliberais na educação em Minas Gerais. Assim,
acentuou-se a racionalização instrumental do sistema público mineiro, alterando a natureza e o ritmo do trabalho educacional. As tarefas tradicionais foram consolidadas em uma novo patamar no Pró-Qualidade a partir dos novos pressupostos mercadológicos, num ritmo estranho à escola (MARTINS, A. S., 2000, p.5).
Dando continuidade à política de capacitação de professores, o governo Eduardo Azeredo (1995-1998), após a assinatura do Pró-Qualidade, criou o Programa de Capacitação de Professores (PROCAP), programa de formação continuada dos professores, com o objetivo de, intervindo na prática da sala de aula, reduzir a repetência e melhorar a aprendizagem no ensino fundamental. Dividido em dois grupos, PROCAP I e PROCAP II, o projeto atendeu aos dois ciclos do ensino fundamental (as séries iniciais e as séries finais). Para dar suporte ao regime de progressão continuada instituído a partir de 1997, criou-se o Projeto Acertando o Passo — Aceleração da Aprendizagem para alunos do 2º Ciclo do Ensino Fundamental (Minas Gerais, 1998a), e o Projeto A Caminho da Cidadania (Minas Gerais, 1998b), destinado aos alunos em atraso na escolarização do Ensino Médio. Os professores do ensino médio participaram do Programa de Capacitação e Inovação Curricular do Ensino Médio (Pró-Médio). O Projeto de Capacitação de Dirigentes das Escolas Públicas (PROCAD) destinou-se a subsidiar os diretores e vice-diretores para a gestão e gerenciamento da escola. A EaD torna-se a estratégia política que permitiria a implementação de todos esses projetos. Esses projetos, embora realizados em convênio com as Universidades Públicas mineiras, tiveram como característica o controle da Secretaria de Estado da Educação. Assim, se nos primeiros anos da reforma mineira os projetos de formação ou capacitação docente se
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deram sob a autonomia das universidades, a partir do Pró-Qualidade o papel das instituições de ensino superior passou a ser o de executora do projeto da Secretaria. Com efeito, ao reconhecer a importância do desempenho docente, no âmbito do PróQualidade, a secretaria iniciou, efetivamente, uma mudança tanto na estrutura do ensino quanto na formação de professores, na perspectiva de formar o novo intelectual necessário à difusão da nova sociabilidade do capital nas escolas mineiras, trazendo como referências o Relatório Delors (1998) e também o conceito de competências de Phillipe Perrenoud (1999; 2000a; 2000b). Nesse sentido, o PROCAP tornou-se uma das mais importantes estratégias da SEEMG para melhoria do ensino fundamental, preparando as novas gerações para se inserir no mundo “globalizado” e atendendo às diretrizes do governo Fernando Henrique Cardoso para a formação dos trabalhadores de novo tipo, adequando a escola às necessidades contemporâneas. Como explicou Gramsci (2004, p. 125),
Todo novo organismo histórico (tipo de sociedade) cria uma nova superestrutura, cujos representantes especializados e porta-vozes (os intelectuais) só podem ser concebidos também como “novos” intelectuais, surgidos da nova situação, e não como continuação da intelectualidade precedente.
A formação de novas competências para o trabalho simples e também para o trabalho complexo, fundamentais para a ampliação da direção econômica, política, técnica, ética e cultural necessária à ampliação do capital na contemporaneidade foram fundamentais para o novo pacto educativo. A formação dos professores, compreendida enquanto formação de intelectuais orgânicos, “prepostos do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político” (GRAMSCI, 2005, p. 21), teve seus contornos delineados com mais clareza a partir do PROCAP, tanto pela abrangência do programa (buscava atingir cerca de 90.000 professores das redes municipais e estaduais) quanto pela direção ético-política. A Avaliação da Escola Pública de Minas Gerais116 foi a quarta prioridade da reforma mineira. Considerada pela Secretaria como complemento fundamental da autonomia escolar,
116
Duas legislações foram criadas à época: a Resolução n° 6.908, de 17 de janeiro de 1992 (Institui o Programa de Avaliação da Escola Pública de Minas Gerais) e a Lei n° 11.036, de 14 de janeiro de 1993 (Obriga as escolas públicas a tornarem públicos os dados escolares relativos ao desempenho).
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o programa foi instituído com o propósito de medir o domínio dos conteúdos e das habilidades básicas desenvolvidos pelos alunos. Embora a medida supostamente estivesse de acordo com a prioridade da reforma educacional mineira, que era a autonomia das escolas, o programa foi amplamente rejeitado pelos professores, dado que, na prática, representava o uso de instrumento de controle da educação estadual e a publicização dos resultados, uma forma de promover a competição entre as escolas. A integração com os municípios constitui a quinta prioridade. Essa prioridade do governo mineiro se concretizou através do "Programa de Cooperação Educacional entre Estado e Município", reforçado pela LDB, que dispõe sobre a integração dos estados com os municípios e até mesmo, a opção de formarem um sistema único de educação básica. A estratégia de integração com os municípios visava assegurar que tanto as escolas estaduais quanto as municipais deveriam oferecer ensino de qualidade, razão pela qual o Secretário lançava mão da proposta de parceria com os municípios para uma distribuição racional dos recursos da área do ensino. Com o argumento de que é responsabilidade do Estado e dos Municípios garantirem ao aluno o ingresso, o regresso, a permanência e o sucesso na vida escolar, as escolas foram adaptadas às políticas de eqüidade e aos padrões básicos de educação, o que, em Minas Gerais, se traduziu na proposta de municipalização do ensino fundamental. Definiu-se explicitamente, que cabia ao Estado controlar as instituições de ensino fundamental e médio em parceria com os municípios. Na prática, o que se observou foi que, prioritariamente, os municípios tiveram como responsabilidade o investimento na educação básica, com ênfase no ensino fundamental e, ao Estado, coube o ensino médio. O projeto mineiro, ainda que tivesse como objetivo explícito a descentralização, como analisou Floresta (2002), (re)tecnificou a gestão da educação, mantendo competências estratégicas para a Secretaria e atribuindo novas responsabilidades para os professores, diretores e para a escola. A gestão para a qualidade, os princípios da descentralização e da autonomia contidos na proposta foram muito mais amplos que os programas como a eleição de diretores ou instituir os Colegiados Escolares. Assumindo a posição da autora, compreendo que ambos os programas foram, na realidade, uma estratégia do Estado na perspectiva de obtenção do consenso entre a comunidade escolar. Entretanto, incorporavam os pressupostos do novo princípio educativo, apoiados em parâmetros de qualidade subordinados ao modelo empresarial.
203
Os compromissos e prioridades para a educação, estabelecidos pelo governo de Minas Gerais, concretizaram as medidas nacionais em direção à transformação do aparelho de Estado em órgão regulador e a transferência de responsabilidades para a sociedade civil. Ou seja, a reorganização da rede de ensino acompanhou as diretrizes neoliberais que, num primeiro momento, se centraram na qualidade, eficiência e eficácia das escolas, apoiadas em políticas de descentralização e focalização. Nos governos Hélio Garcia e Eduardo Azeredo foram dados os passos fundamentais para a implementação da nova pedagogia da hegemonia no Estado de Minas Gerais, o que se efetivou nos governos Itamar Franco e Aécio Neves. A vitória de Itamar Franco nas eleições de 1998, embora criasse uma grande expectativa de mudanças (uma vez que o novo governador impediu a continuidade de Eduardo Azeredo, bem como se colocou na oposição ao governo federal), na prática, e principalmente nas políticas de formação de professores, representou uma continuidade de novo tipo.
5.2 A Reforma Educacional e a Formação de Professores na Escola Sagarana
117
(1999-
2002): o Projeto Veredas
Ao apresentar o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado118, o governo Itamar Franco enfatizou que o seu projeto apresentava novos rumos aos mineiros, diferentes daquele trilhado na última década, reafirmando sua oposição política ao governo federal:
[...] o Plano procura retomar o papel de Minas Gerais na Federação de diferentes maneiras: ao recusar a subordinação estrita aos interesses 117
A escolha do termo Sagarana para denominar o projeto educacional do governo Itamar Franco teve, como motivação, “a busca de uma expressão que representasse a consciência da mineiridade, o regionalismo típico de nossas montanhas, sem perder o caráter universal do humanismo e da democracia”, razão pela qual se buscava a “expressão criada pelo mais universal dos escritores mineiros, João Guimarães Rosa”. A palavra Sagarana resulta da união do radical germânico SAGA – que significa narrativa épica em prosa, ou história rica em acontecimentos marcantes ou heróicos – com o elemento RANA, que é de origem tupi e representa a idéia de “à maneira de”; “típico ou próprio de” (IMPRENSA OFICIAL DE MINAS GERAIS, 2007). 118 O documento “Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado – Uma estratégia para o desenvolvimento sustentável” abrange o período de 2000/2003 e seria a “resposta” do atual governo à obrigação expressa na Constituição do Estado, que prevê a apresentação de um plano plurianual de desenvolvimento por parte do executivo (Minas Gerais, 1999, p. 4). Como veremos, o governo Aécio Neves (2003-2006; 2007-2010) também apresentou seus planos de desenvolvimento.
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econômicos e financeiros que dominam o país, ao propor a reconstrução das instâncias estadual e municipal de planejamento do desenvolvimento, fragilizadas ao longo de vários governos e decisivas para a construção de um perfil econômico e social mais adequado às potencialidades regionais e ao sublinhar nosso papel histórico na vida nacional (MINAS GERAIS, 1999, p.4).
Ao concluir a crítica à política econômica nacional, o documento
[...] coloca no centro das preocupações governamentais o crescimento com eqüidade social e a sensibilização do poder público com a construção de uma sociedade mais justa e mais humana, não sendo apenas o instrumento de prevalência dos interesses materiais mais poderosos (MINAS GERAIS, 1999, p. 4).
Desse modo, a crítica ao modelo neoliberal adotada pelos governos Estadual e Federal, “que coloca o mercado acima e fora do controle do Estado” é feita para mostrar o papel da aparelhagem do Estado que, para o governo Itamar, seria “regular e corrigir as disparidades do mercado”; em outros termos, já conhecidos por nós, o Estado tornou-se fundamental como parceiro, catalisador e facilitador do desenvolvimento social, devendo garantir e facilitar o bom funcionamento dos mercados, desenvolvendo assim a “boa governança” (BM, 1997; 2000). Dessa forma, o que o governo mineiro critica — o neoliberalismo — aparece no seu caráter mais humanizado, aqui entendido como neoliberalismo da Terceira Via. Por essa razão, como pretendo demonstrar, a gestão de Itamar Franco, no ponto de vista da reforma educacional, apreendeu e aprofundou os mecanismos já em curso, numa face mais humanizada e apoiada no discurso da transformação social. Assim, torna-se essencial para a consolidação da nova sociabilidade, propiciando, inclusive, a formação de um grande contingente de professores para garantir a difusão, na escola, da nova forma de ser, agir e pensar, de acordo com o capitalismo humanizado da Terceira Via. A realização do Fórum Mineiro de Educação119, promovido pela ONG Instituto Mineiro de Desenvolvimento Comunitário, do ex-ministro da educação e futuro Secretario de 119
Foram realizados dois Fóruns Mineiros de Educação. O primeiro, ainda na época da campanha eleitoral, em 1998; o segundo, em 2001. É importante destacar que ambos os documentos, mais o da Escola Sagarana e o Plano Decenal de Educação, que seria publicado em 2002, mantém uma importante coerência interna, o que também foi percebido por Figueiredo (2006).
205
Estado da Educação de Minas Gerais, Murílio Hingel, apontou, de um lado, para a crítica à política educacional mineira e, de outro, para a construção de uma nova política. O que se viu foi que as críticas efetuadas durante o período eleitoral, embora sugerissem uma nova direção ético-política, na prática representavam uma continuidade de novo tipo. Isto porque as referências para o projeto mineiro estavam nas diretrizes da Conferência de Jomtien e no Plano Decenal de Educação para Todos; assim, “a base para formulação da crítica foi ao mesmo tempo o objeto criticado” (MARTINS, A. S., 2000, p.7), O candidato Itamar Franco assumiu as duras críticas do documento elaborado pelo Fórum, entre as quais estava a submissão das políticas para a educação sujeitas às exigências dos organismos internacionais, mas na prática preservou os aspectos fundamentais da reforma mineira, incluindo os mesmos organismos financiadores, como o BM. Especialmente no que diz respeito à formação dos professores, as políticas anteriores foram aprofundadas, mantendo-se o controle e a centralização da sua direção no âmbito da SEEMG. Como Figueiredo (2006) observou com muita propriedade,
Habilidosamente, o governo conseguiu implementar e aprofundar todas as reformas pela via do consenso, pela institucionalização das políticas fragmentadas e compensatórias, pela formação tecnicista com discurso emancipatório com o respaldo de fóruns que aparentemente foram democráticos (FIGUEIREDO, 2006, p.189).
Nesta direção, o Secretário de Educação, Murílio Hingel garantia:
Enquanto a onda “educar para o mercado” invade inúmeras escolas, a mídia e as associações empresariais buscando, freneticamente, capacitar alunos para arrumar um emprego, a Secretaria da Educação de Minas Gerais vem acrescentando um outro componente, baseado no Humanismo, na busca de formação integral do cidadão. Nossa política educacional tem por objetivo educar para a vida com dignidade e esperança (MINAS GERAIS, 1999a).
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Contraditoriamente, a direção política da SEEMG privilegiava as parcerias entre as escolas públicas e empresas privadas120, financiamento privado, programas de voluntariado, programas focalizados, como o Bolsa Familiar para Educação – Bolsa/Escola. A Escola Sagarana — Educação para a Vida com Dignidade e Esperança (1999-2002) (MINAS GERAIS, 2001a; MINAS GERAIS 1999a, 1999b) anunciou sua oposição à padronização, à racionalização e ao autoritarismo dos programas anteriores e tinha como focos principais: a garantia do acesso e permanência do aluno na escola; a construção do projeto político-pedagógico com qualidade para todos; autonomia e gestão democrática da escola;
valorização
dos
profissionais
da
educação
e
a
ampliação
da
relação
escola/comunidade. O processo de municipalização das séries iniciais do ensino fundamental, durante os governos anteriores, foi suspenso. Entretanto, a conformação da formação humana pelos organismos internacionais foi mantida; a Escola Sagarana assumiu os “pilares da educação” (DELORS, 1998): aprender a aprender, aprender a fazer; aprender a viver e a conviver; aprender a ser, como referências para a organização curricular, que deveria estar pautada nas habilidades e competências necessárias ao mundo moderno. Para tanto, era preciso colocar “[...]a educação a serviço da coesão social e da participação democrática, preocupada com o desenvolvimento humano e com a cidadania” (MINAS GERAIS, 2001a121, p.3). Em outros termos, os princípios elencados pela Escola Sagarana se colocavam em torno de aspectos importantes, como a valorização do magistério, a capacitação, a democratização, a qualidade da educação e a universalização do acesso, tendo a avaliação como instrumento de controle e de orientação das ações, por outro lado ficava clara a orientação para a “transformação social” nos marcos do neoliberalismo da Terceira Via: o incentivo ao voluntariado e às parcerias, a busca de novas formas de financiamento, a ênfase ao aprendizado ao longo da vida a partir dos pilares da educação. Por essa razão, para a educação para o século XXI “é indispensável que haja uma reforma no modo de pensar”, diz Hingel (2001, p. 10), com o que apóia os quatro objetivos fundamentais do ensino sugeridos 120
Um bom exemplo é o Programa de Ensino de Qualidade (PEQ), da Fundação Belgo-Mineira, que, a partir de 1999 passou a investir na área educacional, priorizando o ensino fundamental, considerado pela empresa uma área estratégica e com vistas a adequar a educação fundamental pública “as necessidades e interesses da Fundação Belgo-Mineira" (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, apud TOMAZ, 2005, p. 238). Assim, e articulando-se com a Rede Pitágoras, de Walfrido dos Mares Guia, implementou seu projeto, a princípio, em quatro escolas públicas (duas estaduais e duas municipais) em cada um dos seis municípios indicados pela Belgo-Mineira (TOMAZ, 2005, p.239).. 121 A primeira edição do texto Escola Sagarana – Educação para a Vida com Dignidade e Esperança, foi publicado em 1999. Neste trabalho, estou usando a Segunda Versão, revista e ampliada em 2001, já apresenta alguns resultados de políticas propostas na versão original.
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pelo sociólogo Edgar Morin, a partir do pensamento de vários filósofos: “Mais vale uma cabeça bem feita que uma cabeça bem cheia (Montaigne); Eu quero ensinar-lhe a condição humana (Rousseau); Eu quero que ele aprenda a viver (Rousseau); O cidadão do mundo deve estar consciente de sua dupla relação: nacional e planetária” (HINGEL, 2001, p.10). Assim, conclui o Secretário, a “reforma do pensamento” responde a uma necessidade fundamental para que a humanidade possa regular as forças desagregadoras que ela mesma criou. Com tais premissas, penso que, como analisou Gramsci, o Estado, de fato, redefiniu suas práticas para formar ética e tecnicamente o novo homem coletivo, adequado ao projeto de sociabilidade do capital. Em consonância com esses princípios, a valorização dos professores e a formação docente permaneceram alçadas à condição estratégica para a implementação da reforma, prevendo uma parceria sistemática com as IES na perspectiva tanto de atender à LDB (formação em nível superior) quanto na perspectiva de racionalizar gastos e serviços. As estratégias para viabilizar a formação de professores envolveram três aspectos principais: o primeiro, a implementação de políticas de formação e aperfeiçoamento do magistério, em parceria com as IES mineiras, com ênfase, entre outros aspectos, no desenvolvimento nas áreas de informática e TIC’s aplicadas à educação. O segundo, o estímulo à utilização da Educação a Distância nesses programas; e o terceiro, a definição de políticas para o ensino superior em Minas, de forma a estabelecer um compromisso entre as IES e a educação básica, resguardando as diferenças e especificidades de cada uma. Com efeito, o governo mineiro implementou as concepções e princípios da Escola Sagarana, no que diz respeito à formação de professores e à valorização do magistério através de cinco programas principais, previstos no Plano de Programas e Ações Permanentes da SEEMG122: 1. Programa de Educação a Distância, com o objetivo de incentivar e 122
São Programas Permanentes da SEEMG: 1. Programa Agenda da Paz, para discutir e enfrentar a questão da violência; 2. Programa de Democratização da Gestão Escolar, visando fortalecer o colegiado, garantir a autonomia financeira e pedagógica das escolas, preservar a escolha de dirigentes; 3. Programa Travessia para o Futuro, visando implantar os ISES para capacitar e formar pessoal docente; 4. Programa de Educação Infantil; 5 Programa de Fortalecimento do Ensino Fundamental; 6. Programa Estadual do Ensino Médio; 7. Programa de Educação Profissional; 8. Programa de Educação Especial; 9. Programa de Educação de Jovens e Adultos; 10. Programa de Educação Indígena; 11. Programa de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente; 12. Programa de Educação a Distância; 13. Programa de Avaliação do Desempenho; 14. Programa de Capacitação de Recursos Humanos; 15. Programa de Valorização do Magistério; 16. Programa de Capacitação de Dirigentes; 17. Programa de Capacitação de Professores; 18. Programa de Formação continuada de professores; 19. Programa de Educação Inclusiva; 20. Programa de Apoio às Inovações Educacionais; 21. Programa de Equipamento e Expansão da Rede Escolar; 23. Programa do Livro Didático; 24. Programa de Alimentação e Nutrição Escolar; 25. Programa Dinheiro na Caixa da Escola; 26. Projeto de Educação Afetivo-Sexual; 27. Programa Lições de Minas (MINAS GERAIS, 2001a, p.26-31).
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desenvolver metodologias para uso de técnicas e recursos de monitoramento a distância e ensino semi-presencial aplicáveis nos vários programas educacionais de Minas, inclusive para formação continuada de professores, articulados em regime de cooperação com o Ministério da Educação (Salto para o Futuro, TV Escola) e com as universidades e outras instituições que utilizem ou desenvolvem a modalidade de educação a distância; 2. Programa de Valorização do Magistério, visando a melhoria da qualidade do ensino, estabelecendo novo plano de carreira, cargos e salários para garantir direitos e meios dignos para o exercício do magistério; 3. Programa de Capacitação de Dirigentes, visando a melhoria da qualidade da gestão administrativa, financeira e pedagógica do Sistema Estadual e das escolas públicas; 4. Programa de Capacitação de Professores, visando melhorar a qualidade do ensino mediante aperfeiçoamento de professores e pedagogos, e a valorização dos profissionais da educação, além de melhorar os padrões de sucesso escolar e combater a evasão e a repetência; 5. Programa de Formação Continuada de professores visando a melhoria da qualidade do ensino, valorização e progressão dos profissionais do Magistério; 6. Fortalecer as ações do Centro de Referência do Professor, instalando agências ou laboratórios do Centro nas superintendências de ensino (MINAS GERAIS, 2001a). O Plano de Ação da SEEMG também previu 6 programas considerados estratégicos: 1. Programa de Modernização Tecnológica, de forma a modernizar a administração central e interligar através da internet com as superintendências regionais de ensino e escolas; 2. Programa de Modernização Administrativa e Valorização do Pessoal da Educação, de forma a tornar mais transparente a estrutura organizacional da Secretaria, valorizar os profissionais da educação, democratizar as informações da SEEMG, garantir a eficiência e a eficácia às ações no campo da educação; 3. Sistema de Avaliação da Educação Pública (SIMAVE), considerado um mecanismo estratégico de diagnóstico e planejamento da política educacional de Minas; 4. Programa de Avaliação da Educação Básica (PROEB), parte do Simave e se situa no conjunto de ações do Sistema Mineiro de Avaliação, produzindo indicadores necessários à formulação e redefinição das políticas educacionais do Estado; 5. Veredas – Formação Superior de Professores, destina-se a habilitar os professores das séries iniciais do ensino fundamental em nível superior; 6. Programa Bolsa Familiar para Educação – Bolsa Escola (MINAS GERAIS, 2001a). Os recursos oriundos do Banco Mundial destinados à última etapa do Pró-Qualidade, com base no convênio firmado em 1995, foram utilizados em 1999 nos programas de capacitação de professores e dirigentes, segundo a SEEMG, agora revistos e orientados a
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partir dos princípios da Escola Sagarana. Desta forma, a SEEMG deu continuidade ao PROCAP, nas áreas de Geografia, História e Ciências, que não estiveram presentes na versão anterior e ao PROCAD, capacitando, segundo dados da Escola Sagarana, 10.584 professores em 1999 e 105.178 em 2002, além de mais de 6000 dirigentes. Outras ações de formação foram realizadas através de convênios estabelecidos entre o Estado de Minas Gerais e algumas universidades, via cursos em regiões denominadas “pólo”, para onde os professores se deslocavam no período de férias e tinham acesso a cursos modulares de licenciatura em diversas áreas do conhecimento. A principal característica desses cursos é que as Universidades envolvidas mantinham sob seu controle a autonomia didático-científica, sem nenhum tipo de interferência da Secretaria de Estado da Educação. Com a finalidade de construir uma ação conjunta entre o ensino superior e a educação básica em Minas Gerais, a Secretaria de Estado da Educação constituiu parcerias para propiciar uma “gestão consorciada” da educação, com o objetivo de “garantir a viabilidade das mudanças desencadeadas com a proposta político-pedagógica da ‘Escola Sagarana’123” (MINAS GERAIS, 2002b, p.19). Na perspectiva de discutir a proposta de gestão consorciada, em 1999 a Secretaria de Estado da Educação realizou um Seminário intitulado “Travessia para o Futuro”, elaborando com as Instituições de Ensino Superior uma agenda de consórcio que constou dos seguintes pontos:
Atuação conjunta nos processos de avaliação do sistema educacional em Minas Gerais; desenvolvimento de estudos e programas sobre a formação inicial e continuada dos profissionais da educação; implementação de fóruns de debate sobre a reforma do ensino médio e os mecanismos de ingresso no ensino superior; desenvolvimento articulado de políticas de valorização dos profissionais da educação (MINAS GERAIS, 2002b, p.20).
Nos marcos dessa proposta, foram desenvolvidos vários projetos e programas — como os já mencionados PROCAP e PROCAD — e o SIMAVE (MINAS GERAIS, 2002b, p.20).
123
A reforma do ensino básico da rede estadual, construída através da proposta político-pedagógica da “Escola Sagarana”, tem repercussões na concepção de currículo, na avaliação, na organização do tempo e espaço escolar, razão pela qual a Secretaria propõe a parceria com as Instituições de Ensino Superior, objetivando, junto com elas, nortear e subsidiar a reforma educacional (MINAS GERAIS, 2002b, p.19).
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A elaboração do Plano Decenal de Educação de Minas Gerais 2003-2012, em dezembro de 2002, foi importantíssima para atualizar a proposta educacional mineira, nos marcos da nova sociabilidade do capital e em consonância com as orientações dos organismos internacionais para a educação dos países periféricos desde a década de 1990. Como explicitado no documento, os compromissos firmados pelo Brasil e demais países membros da UNESCO124 continham os princípios, diretrizes e metas para a educação, ao mesmo tempo em que demonstravam o “reconhecimento de que a educação precisa inscrever-se no conjunto das políticas de desenvolvimento, dada a amplitude de suas implicações em todo o tecido social” (MINAS GERAIS, 2002f, p.13). Como se vê, embora o discurso do governo Itamar Franco tenha sido de oposição ao governo Federal, na prática, suas ações, especialmente aquelas no campo da educação e da formação de professores seguiram a mesma orientação nacional, e estiveram o tempo todo alinhadas com as orientações dos organismos internacionais. A realização dos Fóruns Mineiros de Educação nada mais foi do que estratégias de obtenção do consenso em torno dos princípios que norteavam a educação estadual e que se fizeram presentes nas propostas de formação de professores. Assim, compreendendo que a função da escola seria formar o ser humano, o que implicava “trabalhar, além do desenvolvimento cognitivo, aspectos relacionados à afetividade, à formação da cidadania, à ética, à sexualidade, enfim, a todas as dimensões do ser humano” (MINAS GERAIS, 2002f, p.74), a formação do professor não poderia ser apenas “técnica e acadêmica”, embora esses aspectos fossem indispensáveis. O intelectual de novo tipo, requerido para enfrentar todas as questões pelas quais a escola está envolvida, supõe a
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Os documentos orientadores do Plano Decenal de Educação de Minas Gerais são: 1. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); 2. Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959); 3. Convenção Referente à Luta contra a Discriminação no Domínio da Educação (1960); 4. Recomendação Relativa à Situação do Pessoal Docente (Paris, OIT e UNESCO, 1966); 5. Carta Internacional de Educação Física e de Esporte (1978, revista em 1991); 6.Declaração Mundial sobre Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990); 7. Cúpula Mundial para a Infância (1990); 8. Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992); 9. Conferência Mundial dos Direitos Humanos (Viena, 1993); 10Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994); 11. Declaração de Salamanca sobre Necessidades Especiais de Educação (1994); 12. Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social (Copenhague, 1995); 13. Declaração de Beijing (1995); 14. Relatório da Comissão Mundial para a Educação do Século XXI (Paris, 1995); 15. Relatório da Comissão Mundial sobre Cultura e Desenvolvimento (Paris, 1995); 16. Declaração dos Ministros da Educação sobre Educação para a Paz, os Direitos Humanos e a Democracia (Paris, 1995); 17. Declaração da Conferência Intergovernamental de Tbilísi sobre Educação Ambiental (1997); 18. Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos (1997); 19. Conferência Internacional sobre o Trabalho Infantil (1997); 20. Recomendação Referente à Condição de Pessoal Docente de Nível Superior (1997); 21. Declaração Mundial sobre a Educação Superior para o Século XXI (Paris, 1998); 22. Declaração de Budapeste sobre Ciência e Desenvolvimento (1999); 23. Marco de Ação de Dakar (2000); 24. Recomendações de Seul sobre Educação Técnica e Profissional (2000); 25. Declaração de Durban (2001) (MINAS GERAIS, 2002f, p. 12)
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“transformação cultural que por sua vez implica convencimento interior da necessidade de mudar o processo pedagógico” (MINAS GERAIS, 2002f, p.75). Para tanto, algumas diretrizes foram estratégicas, conforme o Plano Decenal, dentre elas: a rediscussão dos cursos de formação inicial de professores e pedagogos, na referência dos paradigmas norteadores da proposta político-pedagógica do Estado de Minas Gerais; a formação não se esgotará com a escolaridade formal, para o que deve ser construído um sistema permanente de formação, que se articule com as redes estadual, municipais e particular e seja integrado pelos Centros de Referência
do
Professor
de
Belo
Horizonte;
a
formação
continuada
ocorrerá
preferencialmente em serviço e será concebido e elaborado pelas IES estaduais no quadro da gestão consorciada da educação básica; a prioridade da formação em serviço não exclui a possibilidade de afastamento dos profissionais para a realização de cursos de pós-graduação; a educação a distância será intensamente utilizada na formação continuada; a valorização dos profissionais relaciona-se com a avaliação do seu desempenho; haverá garantia de formação em nível superior a todos os profissionais da educação básica (MINAS GERAIS, 2002f, p.7576). Entretanto, a iniciativa de formação de professores de maior visibilidade e importância ocorreu a partir de 2001, quando o governo mineiro apresentou o “Projeto Veredas – Formação Superior de Professores”, no marco do Programa Anchieta de Cooperação Interuniversitária.
De acordo com a apresentação do projeto Veredas, o Programa de
Cooperação Interuniversitária surgiu a partir de um grupo de Universidades a partir da Red Unitwin/UNESCO125 de Universidades em Islas Atlânticas de Lengua y Cultura LusoEspanhola (Re Isa), cujo quadro de referência está nos documentos “Declaração Mundial sobre a Educação Superior no século XXI: visão e ação” e no “Marco referencial de ação prioritária para a mudança e o desenvolvimento do ensino superior”, ambos produzidos na Conferência Mundial de Educação Superior realizada pela UNESCO em 1998. O Programa de Cooperação previu seu desenvolvimento nos diferentes países, através de tecnologias adequadas e com ênfase na educação a distância (MINAS GERAIS, 2002b). Sua implementação se deu em janeiro de 2002, com um curso que deveria atender a uma das prioridades do governo mineiro: garantir escola pública de boa qualidade para todos (MINAS GERAIS, 2000). Os objetivos enunciados no documento foram bem amplos e audaciosos: 125
A Rede UNITWIN foi uma das respostas da UNESCO à problemática da educação superior na América Latina e no Caribe; surgida em 1991, oferece apoio à criação e desenvolvimento de centros de excelência, de cátedras e redes cooperativas para o desenvolvimento de programas e projetos. (UNESCO, 1998)
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habilitar os professores das Redes Públicas de Educação de Minas Gerais, de acordo com a legislação vigente; elevar o nível de competência profissional dos docentes em exercício; contribuir para a melhoria do desempenho escolar dos alunos das Redes Públicas de Minas Gerais, nos anos iniciais da educação fundamental; valorizar a profissionalização docente.
Num primeiro momento, as ações foram destinadas à capacitação de professores do ensino fundamental que atuavam nas séries iniciais e que não possuíam formação superior; posteriormente, previa-se que as ações se orientassem para a formação de pesquisadores em educação, projetos vinculados a “experiências inovadoras”, bem como à formação de professores para os outros níveis da Educação Básica, Educação Superior e de Jovens e Adultos. Esta segunda ação não teve nenhum desdobramento. Na verdade, a partir de 2006, a UFMG assumiu a coordenação geral do Veredas.
5.3. A Reforma da Educação e a Formação de Professores: “o desafio da qualidade” (2003-2006)
Aécio Neves (2003-2006) foi eleito em 2002 e reeleito, em 2006, em primeiro turno; na primeira eleição, com 57% dos votos válidos, na segunda, com 70%. Isso significa que o projeto neoliberal da Terceira Via, em Minas Gerais, se consolidou nos últimos anos, tornando-se hegemônico. A primeira gestão Aécio Neves (2003-2006) aprofundou ainda mais as medidas modernizadoras dos governos anteriores. Ao elaborar o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado — PMDI — (MINAS GERAIS, 2003b)126, o governo expressou seu entendimento de que crescimento não significava apenas crescimento econômico; o desenvolvimento, para ser sustentável, “promove a prosperidade econômica e mostra novas faces, como educação e saúde, com a atenuação das desigualdades sociais e o equilíbrio
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O PMDI 2004-2007, plano estratégico indicativo para a elaboração de políticas públicas para o Estado de Minas Gerais, consolidava uma série de medidas que deverão ser tomadas a longo prazo. Nesse sentido, o documento estabeleceu o ano de 2020 como o horizonte. A atualização do PMDI para a segunda gestão de Aécio Neves, estende esse prazo até 2023.
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ambiental”, tornando-se uma “missão de todos” e não apenas do Estado ou do mercado (MINAS GERAIS, 2003b, p. 12). O papel do Estado, assim, seria o de facilitador, promotor e coordenador do crescimento sustentável, ao passo que, nas políticas sociais, seu papel seria tanto incentivar e articular a participação da sociedade civil organizada quanto prover serviços e equipamentos sociais fundamentais para o bem-estar da população (MINAS GERAIS, 2003b, 20). Para que Minas atinja a meta do crescimento sustentável, diz o documento, é necessário que se forme uma aliança entre o Poder Público Estadual e Municipal, o setor privado e os setores organizados da sociedade mineira. Com tal finalidade, o consenso dos mineiros (tanto da sociedade quanto dos setores da administração pública) torna-se condição estratégica: “é preciso, antes de tudo, recuperar a auto-estima dos mineiros, reconquistar seu orgulho pelo Estado e confiança na sua capacidade de construir o futuro” (MINAS GERAIS, 2003b, p. 80. grifos do autor)127. Como se vê, as orientações político-econômica e social para Minas Gerais não diferem daquelas sugeridas pelo BM, tanto no que diz respeito ao papel do Estado enquanto responsável pela garantia do contrato social e também do ambiente adequado ao desenvolvimento econômico quanto no que se refere à tarefa educativa da aparelhagem estatal, de forma a ampliar o apoio às reformas empreendidas quanto garantir a coesão social. Na perspectiva de estruturar suas ações e iniciativas, o governo sistematizou três opções estratégicas: a primeira, viabilizar um novo modelo de desenvolvimento, que priorizasse o capital humano, fomentasse o desenvolvimento econômico, reduzisse os desequilíbrios regionais e garantisse a segurança à população. O segundo, a reorganização do Estado, promovendo um “Choque de Gestão” em suas estruturas, sistemas e processos administrativos, racionalizando os gastos e produzindo mais resultados com os recursos disponíveis; e, finalmente, a recuperação do vigor político de Minas Gerais. Para tanto, o governo fez proposições no sentido de modernizar e inovar a gestão pública, com ênfase no desenvolvimento do governo eletrônico, ou seja, na informatização da administração pública; a incorporação de métodos de planejamento, organização e gestão à rotina da administração estadual; a implementação e o gerenciamento de projetos e programas
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Para a adesão da sociedade ao seu projeto, o governo realizou uma grande campanha de mídia tanto em rede nacional e, mais massivamente, em rede estadual, na qual a foi transmitida a imagem de eficiência e austeridade e onde o governador e o primeiro escalão representaram o “exemplo” da nova administração, diminuindo seus próprios salários, com a justificativa de que o corte de gastos seria necessário para o investimento nas áreas sociais e na geração de empregos (FIGUEIREDO, 2006).
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focados em resultados; modernização da infra-estrutura física, tecnológica e organizacional da administração pública estadual. Do ponto de vista dos servidores estaduais, as alterações nas relações de trabalho foram profundas e abrangem desde alterações no regime de previdência, de forma a adequá-lo à Reforma da Previdência dos Servidores Públicos Federais: “buscar-seá, em sintonia com o Governo Federal, uma solução para a questão previdenciária, uma verdadeira “bomba-relógio” (MINAS GERAIS, 2003b, p.100. grifos do autor), até aos princípios de gerenciamento do trabalho, compreendendo: a revisão do modelo de gestão de pessoal, mediante a adoção de política de carreiras, desenvolvimento e de remuneração dos servidores, vinculadas a resultados (qualidade e produtividade); avaliação de desempenho individual como requisito necessário para o desenvolvimento da carreira; sistema permanente de formação e aperfeiçoamento para fins de promoção; maior mobilidade institucional, setorial e intersetorial do servidor” (MINAS GERAIS, 2003b). A fim de viabilizar novas formas de financiamento dos empreendimentos públicos, as parcerias público-privadas foram incentivadas, bem como a captação de “recursos de Agências multilaterais até o limite permitido” (MINAS GERAIS, 2003b, p. 116). Com a intenção de retomar a interlocução internacional com os agentes internacionais de financiamento, (Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento) o governo propôs os “necessários” saneamentos das contas públicas, corte de gastos e despesas, de forma a estar em consonância com as exigências dessas agências. Dentre as Iniciativas Estratégicas do governo para implementação do PMDI, onze pontos foram considerados fundamentais para a educação, expressando os programas a serem desenvolvidos (alguns já em andamento):
1. Ampliar o ensino fundamental para 9 anos com a incorporação de alunos aos 6 anos de idade; 2. Estruturar os Centros de Formação Técnica, em parceria com a iniciativa privada, entidades de classe e municípios (pósmédio); 3. Ampliar a jornada escolar: “Aluno em tempo integral”; 4. Desenvolver o programa “Escola ativa, comunidade viva”, em áreas de vulnerabilidade social. 5. Melhorar a qualidade e universalizar o ensino médio (qualificação para o trabalho, estágio e monitoria). 6. Ampliar o “programa Bolsa Escola”. 7. Ampliar a informatização nas escolas. 8. Desenvolver o programa de alfabetização de adultos, em áreas de vulnerabilidade social. 9. Modernizar o sistema educacional, racionalizando as estruturas e informatizando os processos. 10. Estabelecer parcerias com empresas e organizações não governamentais, como entidades religiosas, para alfabetização de adultos. 11. Capacitação continuada dos docentes (MINAS GERAIS, 2003b, p. 110).
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Sob o emblema O desafio da qualidade, a proposta para a educação foi apresentada “aos educadores de Minas” como um processo no qual três condições se tornaram fundamentais: ter horizontes bem definidos, propostas claras e a disposição de implementálas. O compromisso assumido pelo governo estadual, conforme a Secretária de Estado de Educação, Vanessa Guimarães Pinto, deveria ser assumido pelos que têm responsabilidade com a educação pública: “a Secretaria de Estado de Educação, as Prefeituras e Secretarias Municipais de Educação, em primeiro lugar, mas fundamentalmente as próprias escolas, por suas diretorias, corpo docente e pessoal administrativo” (MINAS GERAIS, 2003a, p.1). As diretrizes para a educação estavam apoiadas no projeto do governo estadual, sintetizadas em dois pontos principais:
a) a urgente reforma do aparato institucional do Estado, com a introdução de verdadeiro “choque de gestão” nas estruturas administrativas, possibilitando desburocratizar, racionalizar gastos, monitorar e avaliar de forma mais eficaz as ações e os resultados das intervenções governamentais; b) o compromisso com o conceito de desenvolvimento com redistribuição, que significa correção das desigualdades inter-regionais de renda e a promoção da igualdade social (MINAS GERAIS, 2003a, p.2).
Como se vê, o governo Aécio Neves (2003-2006) deu continuidade às medidas modernizadoras das reformas educacionais em curso desde os anos de 1990. No documento da SEEMG, a perda do primeiro lugar histórico de Minas na avaliação do SAEB, em 2001, justificou a importância de que novas medidas fossem colocadas à educação. Por essa razão, a SEEMG trouxe para si a tarefa de, não somente manter as conquistas já realizadas, como ampliá-las, através da universalização do ensino médio, ampliação do ensino fundamental, do atendimento aos jovens e adultos, com ênfase na alfabetização e formação para o trabalho, entre outros “investimentos nas condições para elevar a qualidade da educação” (MINAS GERAIS, 2003a). Assim, a SEEMG se colocou cinco prioridades: as áreas geográficas mais carentes receberão atenção diferenciada; o processo de avaliação das políticas e ações educacionais será institucionalizado; a gestão educacional será racionalizada para se tornar mais eficaz e eficiente; as parcerias serão valorizadas para a busca de recursos complementares, incluindo-
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se nessas parcerias o Governo Federal, os municípios, organizações não governamentais e organismos internacionais (MINAS GERAIS, 2003a, p. 6). A manutenção da racionalidade administrativa e da modernização dos processos escolares, com a transferência de competências de gestão para as escolas, características do processo de descentralização iniciado nos governos Hélio Garcia e Eduardo Azeredo, fundamentos da autonomia escolar, são mantidos, embora com um caráter de novo tipo. Se o objetivo da descentralização era tornar mais dinâmica a prática escolar, flexibilizando as diretrizes curriculares permitindo que o projeto pedagógico tivesse a participação de toda a comunidade escolar, na prática significou, como analisou Dalila Oliveira (2003), apenas o repasse de serviços dos órgãos centrais e regionais para as escolas, uma vez que as decisões sobre gestão escolar são centralizadas. Dessa forma, as escolas estaduais, embora possuam uma relativa gestão democrática e participativa, considerando que as decisões devam se dar no âmbito dos Colegiados escolares, mantém seus projetos definidos nos limites definidos pela SEEMG. As medidas tomadas em favor de uma maior autonomia de gestão e do planejamento escolar foram medidas, de fato, executadas com o objetivo de garantir a conformação da comunidade escolar em torno dos princípios éticos, políticos e culturais que tornaram hegemônicos nos anos de 1990, a partir das reformas neoliberais da Terceira Via. No que se refere à formação de professores, as medidas também não foram diferentes. Durante o primeiro governo, foram mantidos os programas em andamento, incluindo-se o projeto Veredas, o Programa de Formação de Professores Indígenas, o Programa de Formação de Dirigentes Escolares. Entretanto, a formação e qualificação docente continuaram a ser estratégicos para o governo, “ao lado da garantia de condições básicas de funcionamento das escolas e da institucionalização da avaliação externa como parâmetro de balizamento da tomada de decisões” (MINAS GERAIS, 2003a, p. 11). Nesse sentido, Minas manteve a orientação dos organismos internacionais para a reforma educacional de forma geral, desde a década de 1990. A UNESCO, por exemplo, destacou, entre outras medidas importantes, a necessidade de
Modernização das modalidades de planejamento e gestão, vinculados a processos mais amplos de transformação do Estado, tais como a desconcentração e a descentralização, e orientada para novas funções estratégicas como a formulação de políticas de compensação ou de discriminação positiva e de sistemas de acompanhamento e avaliação que
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gerem informação necessária à tomada de decisão (PRELAC/UNESCO, 1998, p.29).
O Projeto Escola Referência, criado em 2004 com o objetivo de resgatar a “excelência e a qualidade” da educação em Minas, selecionou as melhores e mais reconhecidas escolas localizadas em municípios com mais de 30 mil habitantes. Estas escolas receberam investimentos para melhorias na infra-estrutura, aquisição de equipamentos, bibliotecas e laboratórios de física e química e para capacitação dos diretores, vice-diretores, professores e especialistas da educação (MINAS GERAIS, 2005a; 2004a). A capacitação dos gestores escolares e dos professores das Escolas-Referência foi considerada prioritária para a SEEMG. Direcionados aos diretores, vice-diretores, professores e especialistas, o Projeto de Capacitação a Distância de Gestores Escolares (PROGESTÃO), segundo a SEEMG, por utilizar a tecnologia de EaD, permitiu a formação em serviço, sem afastar os profissionais do local de trabalho, além de incentivar o uso de tecnologias na escola. O Programa de Desenvolvimento Profissional de Educadores (PDP) pretendia promover o desenvolvimento e a valorização profissional dos professores estaduais, adotando estratégias básicas como a formação de Grupos de Desenvolvimento Profissional (GDP) e a Educação a Distância. No GDP foram formados grupos para discussão do currículo escolar. A operacionalização das Escolas-Referência previu, ainda, o controle das ações e dos resultados através de avaliação e acompanhamento constantes (MINAS GERAIS, 2004b). É preciso enfatizar alguns aspectos importantes para nosso estudo: em primeiro lugar, a formação de professores da SEEMG mantém a EaD como principal estratégia, reconhecida e comemorada; segundo o secretário adjunto da educação, João Antônio Filocre, “a EaD em Minas está se tornando referência nacional para capacitação de gestores” (MINAS GERAIS, 2005c), citando, entre as experiências exitosas, o projeto Veredas. A EaD, com vistas à formação continuada de professores, toma forma através do Centro de Referência Virtual do Professor (CRV), criado com o objetivo de se tornar um suporte no processo de formação continuada. No portal, constam não apenas o currículo do ensino Fundamental e Médio, como sugestões de aulas e de planejamento e biblioteca virtual. Nesta área também há um conjunto de módulos sobre informática, sendo, para a SEEMG, adequado para a introdução dos professores à utilização das TIC. No que se refere ao desenvolvimento profissional, oferece informações sobre os programas desenvolvidos pela secretaria, além de Fóruns de debate “sobre temas de interesse do professor”. Além disso, oferece itens de avaliação sobre os
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tópicos do currículo básico comum, além de um Sistema de Trocas de Recursos Educacionais (STR) entre os professores da Rede Estadual de ensino, com o objetivo de “incentivar a colaboração entre as escolas” (MINAS GERAIS, 2007a). Vale dizer, concordando com Saviani (2007), que a EaD não deixa de ser um instrumento importante a ser utilizado para enriquecer os cursos de formação de professores. Entretanto, tornar a EaD a principal estratégia de formação inicial e continuada de professores (não nos esqueçamos que o PDE, do Governo Federal, coloca esta tarefa para a UAB), não apenas reduz a formação a mecanismos de certificação em massa, dada a transmissão rápida dos conhecimentos e na perspectiva de adestramento, quanto se esvazia a “marca essencial da docência”, que é a formação (CHAUÍ, 2003, p.7). Em segundo lugar, a formação do professor, embora incentivada e implementada de forma institucional, supõe a adesão voluntária do professor e é desenvolvida em horário extra. Nesse aspecto, retoma-se a idéia do individualismo como valor moral radical, inclusive pela capacidade do próprio indivíduo empregar-se e também pela sua educação. Em terceiro lugar, a implementação desses programas se deu através de parcerias tanto com entidades públicas, como a conexão para a internet através do Programa Gesac, do Ministério das Comunicações, quanto privadas. É o caso do grupo Syst, empresa de Tecnologia da Informação, que a partir de 2005, com a assinatura de convênios entre a Intel do Brasil e a International Syst e o governo do Estado de Minas, buscou fortalecer o programa Escolas em Rede128, além de implantar o projeto “Computador do Professor” (INTERNATIONAL SYST, 2005; MINAS GERAIS, 2005b). O programa Escolas em Rede, criado em 2004, visava instalar laboratórios de informática e acesso à internet em todas as escolas da rede estadual,e se articula com a criação do Centro de Referência Virtual do Professor. Segundo o site oficial, Minas on line (MINAS GERAIS, 2007b), mais da metade das escolas já estão envolvidas no projeto, com a instalação de laboratórios e conexão à Web. O objetivo do Escolas em Rede é o combate à exclusão digital, a melhoria da qualidade do ensino público e a preparação do aluno do ensino médio para o mercado de trabalho. Como afirmado anteriormente, esse projeto também contribui para a capacitação e a preparação dos professores, através do CRV.
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Sobre a implementação desse programa e a visão dos gestores, especialistas e professores sobre o Escolas em Rede, ver PAIVA, Lauriana. Do giz colorido ao data show: uma conexão desconectada da realidade escolar. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação, UFF, Junho de 2006.
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Nesta perspectiva, segundo a SEEMG (MINAS GERAIS, 2007b), o CRV não é somente uma ferramenta essencial para um melhor uso dos computadores, mas fundamental para o desenvolvimento de uma cultura de trabalho em rede, permitindo aos professores aperfeiçoar o seu trabalho e compartilhar experiências e tecnologia. De todo modo, a parceria entre o governo estadual e a Syst previu três ações: o treinamento de dez mil professores das escolas estaduais na metodologia do programa Educação para o Futuro da Intel, com o objetivo de formar professores que usem todo o potencial do computador para o ensino e, ainda, formar replicadores para repassar a metodologia da Intel para os cerca de 170 mil professores de Minas. A segunda ação seria a produção de um programa educacional com roteiros pedagógicos que apoiassem o professor e o aluno no ensino e aprendizado. Na terceira ação, a empresa apoiaria a implementação do programa Aluno Técnico, da Intel, nas escolas de Minas (International Syst, 2005). Como se vê, o incentivo às parcerias público-privadas não ficou apenas no papel. O governo Aécio Neves não apenas as realizou, como deixou a cargo de empresas multinacionais a formação de professores para a utilização das TIC, como também preparando programas educacionais para as escolas e para os professores, sem mencionar os processos de compra dos equipamentos para as escolas, algumas até mesmo sem energia elétrica para instalá-los.129 Não obstante, a construção dos novos valores, atitudes, enfim, da nova cultura cívica vai se consolidando pela via do consenso, havendo pouco espaço para a realização de uma contra-hegemonia. No Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) 2007-2023, o governo mineiro retomou, para os próximos anos, os princípios orientadores assumidos na versão anterior. No que se refere a educação, o documento manteve a proposta renovada de desenvolvimento da teoria do capital humano: “indivíduos mais escolarizados têm melhor inserção no mercado de trabalho, maior produtividade, maior remuneração e acrescentam ao capital social da sua região” (MINAS GERAIS, 2006B. p.21). Como bem alertou Saviani 129
Figueiredo (2006. p. 221-222) observou, durante as visitas de pesquisa que fez às escolas da região de Juiz de Fora que participam do projeto entre 2005 e 2006, que, de forma geral, as escolas receberam apenas as verbas para reformas na estrutura e os computadores, comprados com a logomarca da “Rede Positivo”, que servirão para a racionalização da gestão através do Projeto Escola em Rede. Não é demais lembrar que a Rede Positivo é uma grande empresa de serviços ligados à educação que funciona com sistema de franquias e consultorias. Junto com o Positivo, o Objetivo, de São Paulo, o Pitágoras, de Belo Horizonte, (de propriedade de Walfrido dos Mares Guia Neto), os paulistas COC e Anglo e o paranaense Expoente vendem seus serviços para 4.000 escolas, com 80.000 professores e 1,5 milhão de alunos e movimentam 6 bilhões de reais por ano. Disponível em <http://veja.abril.uol.com.br/idade/educação/270202/p_092.html> Acesso em 27 de agosto de 2007.
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(2007) em entrevista recente publicada no site da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE)130, é fato que o acesso a diferentes graus de escolaridade aumente as chances de empregabilidade do indivíduo; no entanto, “não lhe garante emprego, pelo simples fato de que, na forma atual do desenvolvimento capitalista, não há emprego para todos”. Dessa forma, continua o autor, “a teoria do capital humano foi refuncionalizada, com isso alimentando a busca de produtividade na educação. Nessa situação, acaba por prevalecer um clima pragmático, individualista e imediatista”. A fim de superar os desafios para a melhoria da qualidade do ensino, o PMDI preconizou, para os próximos 17 anos, os seguintes objetivos estratégicos: a promoção de um salto na escolaridade média da população, a redução das disparidades regionais de aprendizado no Estado e a promoção da melhoria da qualidade no ensino a partir de padrões educacionais internacionais, visando os seguintes resultados:
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SAVIANI, Demerval. Professor Demerval Saviani analisa PDE. In: CONTEE. Secretaria de assuntos educacionais. 2007. (Disponível em < http://www.contee.org.br/secretarias/educacionais/materia_116.htm> Acesso em: 25 de setembro de 2007).
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Quadro 5. Objetivos EstratĂŠgicos do PMDI 2007-2003
Fonte: Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) 2007-2023 (Minas Gerais, 2006b. p. 22)
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Para atingir tais metas, as iniciativas prioritárias do governo são:
• A construção de sistemas de avaliação, com o objetivo de verificar periodicamente a qualidade do ensino em todas as escolas de Minas Gerais e subsidiar a gestão escolar orientada para resultados; • A Escola em Tempo Integral, para aumentar o aprendizado dos alunos, por meio da ampliação do tempo diário de permanência em aula e reduzir a exposição de crianças e jovens às condições de vulnerabilidade social; • O monitoramento do desempenho e da qualificação de professores, visando elevar a performance profissional dos professores dos ensinos Básico, Fundamental e Médio; • A ampliação do atendimento das creches e pré-escolas às crianças em situação de vulnerabilidade social; • A concepção e a implantação de um novo padrão de Gestão e de atendimento da Educação Básica, o qual propiciará a melhoria do desempenho das escolas por meio da gestão orientada para o aprendizado do aluno e para a eficiência operacional (MINAS GERAIS, 2006b, p. 23).
O governo deverá manter, ainda, a direção do compromisso com o equilíbrio fiscal, bem como a manutenção e aprimoramento da gestão fiscal e administrativa, em curso desde a primeira gestão de Aécio Neves. No seu conjunto, as reformas educacionais que ocorreram em Minas Gerais entre 1991 e 2007, cujos objetivos eram a elevação dos patamares de qualidade e eficiência da educação pública, através do seu discurso modernizador, adequaram a educação às exigências e demandas do capital e inseriram o estado nos novos rumos do capitalismo mundial. Nas palavras de Floresta (2002, p.22), “um olhar mais atento pode revelar as implicações que trouxe, não somente porque compôs uma outra cultura institucional, mas porque reestabeleceu novas relações entre a sociedade civil e o Estado, tendo a classe empresarial como mediadora de uma reconfiguração educacional necessária às mudanças que se processam no mundo”.
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6. PROJETO VEREDAS – FORMAÇÃO SUPERIOR DE PROFESSORES
A Reforma Educacional mineira, iniciada nos anos de 1990, consolidou-se nos primeiros anos de 2000. Como vimos, Minas Gerais se colocou na vanguarda dos ajustes e reformas preconizados pelos organismos internacionais para os países periféricos, tornando-se exemplo para o Brasil e para a América Latina131. No que se refere à formação dos professores, a reforma não poderia ser diferente. Das medidas iniciais, tomadas em favor de processos de capacitação e reciclagem de curta duração, às medidas atuais, que envolvem desde a formação em nível superior, em serviço, à distância, até a implementação da avaliação de desempenho e adicionais por produtividade, o receituário técnico e ético-político do BM e da UNESCO parece ter sido a orientação teórica. Tanto é assim que em todos os governos, as referências à Conferência Mundial de Educação para Todos, de 1990, foi o ponto de partida para as propostas para a educação de forma geral, e para a formação dos professores, de forma específica. O projeto Veredas — Formação Superior de Professores, tanto incorporou as indicações modernizadoras para a formação de professores (em serviço e a distância) quanto a dimensão ético-moral necessária à formação do intelectual orgânico fundamental à nova sociabilidade, uma vez que, da mesma forma que a Escola Sagarana e as políticas educacionais que a antecederam, teve como princípios os ideais, idéias e concepções que se tornaram hegemônicos no Brasil e em Minas Gerais a partir dos anos de 1990. Com efeito, o 131 Analisando as reformas educacionais na América Latina e no Caribe, o BM diria, sobre a emergência da formação de professores: “Além da capacitação pedagógica em serviço, há outras oportunidades de desenvolvimento profissional através de uma variedade crescente de programas inovadores. [...] também estão instaurados uma variedade de programas de Educação a Distância, tal como no Estado de Minas Gerais, Brasil” (BM, 1999, p. 94).
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Guia Geral do Veredas — Formação Superior de Professores trouxe, como razões para a formação superior em exercício não apenas a indicação da LDB, como, principalmente, a “fundamental e urgente preparação do sujeito para o enfrentamento dessa nova realidade e para os avanços que levem também à justiça, tolerância e diálogo, num desenvolvimento sócio-cultural e ambiental harmonioso” (MINAS GERAIS, 2002a, p.15). A escola, nesta perspectiva, tem um papel importante para essa transformação social, para o que deve estar preparada. Necessita, portanto, de “profissionais cada vez mais capazes de aprender a aprender, de buscar informações em diversas e de variadas formas, de analisar adequadamente situações e problemas novos e tomar decisões convenientes para diferentes realidades” (MINAS GERAIS, 2002a, p.16). Nesse sentido, como já afirmamos no capítulo 5, a proposta trouxe a sua filiação explícita aos documentos dos organismos internacionais dos anos de 1990, assumindo a pedagogia das competências (RAMOS, 2001) como diretriz curricular. E, sem dúvida, a transformação social que se deseja produzir se mantém nos limites do capitalismo, assumindo a tese de que se não é possível outra saída, o caminho é humanizá-lo, ainda que se mantenham intactas a exploração e a dominação que o engendram. Como recomendava a UNESCO, em suas linhas de ação para o desenvolvimento sustentável, é necessário, através da educação,
Provocar mudanças de valores, comportamentos e estilos de vida necessários para o desenvolvimento sustentável; divulgar o conhecimento, técnicas e habilidades necessárias para criar perfis de produção e consumo sustentáveis e melhorar a gestão dos recursos naturais; garantir uma população informada, preparada para respaldar as mudanças para a sustentabilidade emergentes em outros setores (UNESCO/PRELAC, 1998, p.30).
Partindo de um breve histórico sobre a formação de professores no Brasil, o projeto Veredas apresentou os Antecedentes do contexto de sua formulação, no qual recupera a equiparação do Curso Normal às demais modalidades do curso médio pela Lei n° 4024/61, que permitiria o acesso de seus egressos a todos os cursos superiores; contraditoriamente, segundo a SEEMG, na medida em que se dava a expansão do ensino ocorria a perda de prestígio desse curso, que não mais atendia às exigências de formação intelectual das mulheres da classe média e alta.
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O documento evidenciou ainda que, na formação oferecida no curso Normal, os aspectos metodológicos eram privilegiados, enfatizando a “vocação” e as características pessoais em detrimento de uma formação sistemática e que aprofundasse os aspectos científicos. Ainda que a partir de 1970 os cursos de Licenciatura e de Pedagogia se expandissem, não foi suficiente para garantir a titulação dos quadros necessários para o magistério, havendo no País um grande contingente de professores sem a habilitação mínima exigida por lei. Os debates sobre a formação de professores ocorrido nos anos de 1980 é o segundo ponto destacado pelo documento, de maneira breve. Assinala que a formação em nível superior foi gradualmente fortalecida, destacando o papel das entidades representativas dos professores na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, reconhecendo que o debate sobre a formação continua presente no país e é objeto de disputa. O terceiro ponto de destaque são as novas exigências de formação presentes na LDB e no PNE no que se refere às novas funções dos professores (como a construção do projeto pedagógico, por exemplo) e à necessidade de professores “mais profissionais que no passado, quando as administrações centrais dos sistemas educacionais tutelavam de perto as unidades escolares” (MINAS GERAIS, 2002b, p.18). O desenvolvimento científico e tecnológico, o papel fundamental da informação e da comunicação, as novas formas de organização do trabalho e das relações políticas e sociais num mundo em processo crescente de “integração planetária” trouxeram novas exigências para a educação, fator essencial para incluir o país no mundo globalizado e permitir o desenvolvimento da cidadania da população. Ao lado da universalização da educação fundamental, a qualidade da educação tornou-se uma grande preocupação. A formação dos professores, em nível superior, principalmente em regiões menos desenvolvidas seria um desafio, sem mencionar os professores que se encontram em exercício, que quase não têm possibilidade de capacitar-se. Assim,
a formação de docentes em larga escala, por meio de estratégias que vinculem a formação à prática pedagógica no dia-a-dia, constitui um dos mais importantes fatores que contribuem para a melhoria da qualidade da educação ofertada à população” (MINAS GERAIS, 2002b, p.19).
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Portanto, o projeto Veredas, na perspectiva dos seus formuladores, representou o esforço para essa formação, como forma de melhorar a qualidade da educação no Estado de Minas Gerais. Neste capítulo, examinaremos o projeto Veredas — Formação Superior de Professores, realizado em Minas Gerais entre os anos de 2002 a 2005, procurando mostrar que este projeto se colocou como uma estratégia para a formação técnica e ético-política dos intelectuais necessários à nova sociabilidade do capital, com dois propósitos que se articulam e se complementam: o primeiro, formar os novos organizadores da cultura, a partir tanto das exigências técnicas quanto ético-políticas do capitalismo mundializado e o segundo, formar esses intelectuais para preparar as novas gerações para pensar, sentir e agir de acordo com a sociabilidade vigente, bem como para prepará-los para o trabalho e para a convivência social nos tempos de superexploração do trabalho e de apelos à participação.
6.1. O Projeto Veredas: Características Gerais
Como vimos, o projeto Veredas — Formação Superior de Professores, surgiu no contexto de discussões sobre a educação superior promovidas pelos organismos internacionais, e mais explicitamente, pela UNESCO132, durante os anos de 1990. Dessa forma, podemos afirmar que o projeto se inseriu no âmbito da reconfiguração da educação superior nos países periféricos, nos quais é dado apoio “vigoroso” às universidades abertas e virtuais, de modo que a sua potencialidade seja plenamente utilizada (UNESCO/PRELAC, 1998). O caráter inovador do Veredas foi ressaltado pelo Secretário de Estado de Educação, Murílio Hingel. Ao apresentar o projeto aos professores cursistas, no Guia Geral do Veredas — Formação Superior de Professores, fez referência à satisfação em apresentar “um projeto que tem a ousadia dos antigos educadores mineiros, que tanto contribuíram para fazer de Minas Gerais um Estado pioneiro em inovações pedagógicas” (MINAS GERAIS, 2002a, p.5). Ainda segundo o Secretário, esta iniciativa refletiu a preocupação da SEEMG com a qualidade do ensino e valorização do magistério, além de ressaltar que 132
No capítulo 5 fizemos referência ao fato de que o projeto Veredas surgiu no contexto do Programa Anchieta de Cooperação Interuniversitária, ligado à Red UNITWIN/UNESCO de Universidades.
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A parceria com as Instituições de Ensino Superior vai permitir que o curso seja ministrado simultaneamente em todas as regiões do Estado, incorporando a experiência de ensino e pesquisa dessas instituições — fator importante para a garantia do nível de qualidade do curso — e democratizando as oportunidades de formação superior a todos os professores (MINAS GERAIS, 2002a, p.5).
O projeto Veredas foi organizado como um Curso de Formação Superior de Professores, de graduação plena, sendo caracterizado como formação inicial em serviço, visando habilitar os professores para o exercício do magistério nos primeiros anos do ensino fundamental. Realizado entre os anos de 2002 a 2005133, através de metodologia de educação a distância, assegurou também atividades presenciais. Embora o modelo — formação inicial, em serviço, graduação plena e a distância — viesse, segundo a SEEMG, estimular a estreita e desejada colaboração entre o ensino básico e o superior, além de permitir aos professores a vivência no ambiente universitário (MINAS GERAIS, 2002b, p.10), é preciso destacar que tal vivência só se deu nas semanas presenciais (que ocorreram sempre antes de cada módulo, durante o período de férias) ou de avaliação. Com efeito, se a reivindicação histórica dos professores através das entidades sindicais e acadêmicas sempre foi a de que a formação docente se desse em nível superior e nas universidades, não podemos nos esquecer que o Veredas, por ser a distância, reduziu enormemente a vivência que desejava, ao mesmo tempo em que reduziu as possibilidades de os professores cursistas se engajarem em atividades que formam, de fato, o tripé ensino, pesquisa e extensão, característica basilar da universidade. O alto número de professores da rede pública sem habilitação em nível superior — 60 mil, sendo 18 mil no Estado e 42 mil nas escolas municipais134 — justificou a escolha da metodologia de educação a distância, “considerada a política capaz de produzir um grande impacto na solução do problema” (MINAS GERAIS, 2006b, p. 7), além de garantir a permanência do professor na sala de aula. Além desses dois pontos, para a SEEMG o Veredas apresentou outras vantagens da formação de professores em serviço a distância: igualdade de oportunidades de formação a todos os professores do Estado, independentemente do local onde reside ou trabalhe, além de ser gratuito e ajustado às condições de trabalho; mais motivante, uma vez que ocorre em
133
Como dissemos anteriormente, entre 2002 e 2005, o Veredas foi desenvolvido tendo a SEEMG na coordenação geral. A partir de 2006, a UFMG assumiu a coordenação do Veredas, mantendo, entretanto, a organização e material elaborado pela SEEMG. O objeto de nossa análise é a primeira versão do Veredas. 134 Segundo dados do Censo 2000/SEEMG, apresentados no projeto (MINAS GERAIS, 2002b, p.12)
228
situação de trabalho; material instrucional escrito para professores em exercício e em linguagem acessível; a parceria com as IES pode garantir um contato dos professores durante as semanas presenciais, bem como favorece a escolha, capacitação e acompanhamento dos tutores; a educação a distância articulada com a formação de professores em exercício favorece uma melhoria na qualidade da educação no ensino fundamental de forma quase imediata; o Portal do Veredas permitiria o fluxo constante de comunicação entre todos os envolvidos no curso; o projeto foi oferecido em uma única turma, o que supõe simultaneidade do desenvolvimento da aprendizagem (MINAS GERAIS, 2002c, p.14). Apesar do discurso democratizante (igualdade de oportunidade de formação a todos os docentes, por exemplo) não foi exatamente isso que verificamos ao analisar o Edital do Processo Seletivo para o Veredas, no qual constam as exigências para a inscrição:
2.1 - ser professor efetivo, do quadro do magistério da rede estadual de ensino, em exercício de atividade específica nos anos ou séries iniciais do Ensino Fundamental, detentor de cargo efetivo de nível P1 ou P2; 2.2 - ser professor efetivo do quadro do magistério da rede municipal de ensino, em exercício de atividade específica nos anos ou séries iniciais do Ensino Fundamental e estar em exercício em escola cujo município tenha manifestado adesão ao projeto "VEREDAS - Formação Superior de Professores" e se comprometido a firmar convênio com a Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, para esse fim; 2.3 - comprovar a necessidade de, pelo menos, mais sete anos de efetivo exercício de magistério, para implementar condições para a aposentadoria, contados a partir de 02 de janeiro de 2002; 2.4 - ter concluído o Curso Normal em nível médio; 2.5 - ter disponibilidade de tempo para estudos; 2.6 - estar ciente dos termos e compromissos exigidos para a matrícula e freqüência ao curso, estabelecidos na Resolução acima citada. 2.7 - O professor que já tiver concluído curso superior de licenciatura, em qualquer área de conhecimento, não poderá candidatar-se ao processo seletivo. 2.8 - O professor que já tenha cursado disciplinas em outros cursos superiores, poderá candidatar-se, desde que cumpra todos os módulos do projeto, sem aproveitamento de créditos, por ausência de pressupostos de equivalência de estudos (MINAS GERAIS, 2001b).
Assim, o Veredas deixou de contemplar situações funcionais de outros professores que não se encaixavam nessas exigências, além de impedir o aproveitamento de disciplinas cursadas em outros cursos superiores, condição inclusive prevista pela LDB. Além dessas exigências, para a efetivação da matrícula, o candidato aprovado e classificado deveria satisfazer a pelo menos uma das seguintes condições: (i) estar em regência de turma nos anos
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ou séries iniciais do Ensino Fundamental; (ii) estar em regência de turma do 3° período da Pré-escola ou (iii) ser excedente em escola estadual, desde que estivesse em função de recuperação ou em atividade pedagógica de apoio ao aluno, ligados aos anos iniciais de Ensino Fundamental, ficando obrigado, após a efetivação da matrícula, a manter-se em uma das situações descritas durante o dobro do período de duração do curso e a não solicitar transferência de município enquanto estivesse cursando o Veredas. O descumprimento dessas normas implicava o desligamento do curso, devendo o cursista ressarcir o Estado de todo o gasto com o servidor (MINAS GERAIS, 2001c, p.30-31). Recuperando as orientações presentes nos documentos dos organismos internacionais durante toda a década de 1990, é possível perceber a preocupação, ao criar o Veredas, com o atendimento à prioridade para a educação fundamental nos países periféricos e com o papel estratégico do professor para a realização da reforma educacional, preocupações também expressas pelo Planejamento Político-Estratégico (1995-1998) do governo Federal:
Todos os estudos e diagnósticos apontam a escola fundamental como a raiz dos problemas educacionais do povo brasileiro. Portanto, prioridade absoluta será a de promover o fortalecimento da escola de primeiro grau. Há escolas, há vagas, há evasão, há repetência, há professor mal treinado, professor mal pago, há desperdício. Para trilhar um caminho de seriedade, é preciso, acima de tudo, valorizar a escola e tudo o que lhe é próprio: a sala de aula e os professores; o currículo e a formação dos mestres; o resultado da aprendizagem (BRASIL, 1995, p.3).
A gestão consorciada via parcerias entre a SEE-MG e 18 instituições de ensino superior do estado de Minas Gerais (4 universidades federais, 2 universidades estaduais, 3 instituições de ensino superior agregadas à UEMG, 3 universidades particulares, 3 instituições isoladas de ensino superior particulares), que foram denominadas Agências de Formação (AFOR) 135
135
, formou a Rede Veredas. É fundamental observar que, nesse caso, o consórcio
Agências de Formação (AFOR) são as instituições de ensino superior incumbidas de implementar, em determinada região de Minas Gerais, o Curso Normal Superior destinado à formação em serviço dos professores dos anos iniciais de ensino fundamental, em parceria com a Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (SEE-MG). As AFOR foram escolhidas em decorrência de Licitação Pública, do qual puderam participar todas as universidades, centros universitários e estabelecimentos isolados de ensino superior que comprovassem experiência em ensino, pesquisa e extensão na área de formação de professores, públicas ou particulares.São elas: Centro Universitário do Sul de Minas – UNIS; Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Carangola – FAFILE; Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM; Faculdade de Filosofia e Letras de Diamantina – FAFIDIA; Fundação de Ensino Superior de Passos – FAFIPA; Fundação Educacional de Divinópolis – FUNEDI-UEMG; Fundação Educacional de Machado – FAFIMA; Fundação Educacional de Patos de Minas –
230
envolveu também as IES particulares, o que equivale dizer, claramente, que o Governo do Estado de Minas Gerais financiou a formação dos seus professores também através da iniciativa privada. O modelo adotado para a implementação do Veredas não é novo; a diferença nesse caso foi a concessão de diploma de nível superior aos que concluíssem o curso pelas Instituições de Ensino Superior. Além do diploma, coube à AFOR implementar o curso, participar do Fórum das Agências de Formação e contribuir para a melhoria da qualidade da escola pública (MINAS GERAIS, 2002c). Como se vê, as IES, no caso do Veredas, tiveram um papel de implementação da formação, centralizada e padronizada pela SEEMG, exceto nas atividades presenciais intensivas, nas quais houve certa liberdade de organização das conferências, palestras, mesas redondas, “de acordo com a tradição e com os recursos de cada instituição”. Tanto foi assim que a SEEMG elaborou o Manual da Agência de Formação, com o propósito de:
Orientar as ações das AFOR na implementação do curso; dar unidade às ações do Projeto Veredas nas diferentes regiões de Minas Gerais, para que não haja disparidade entre as instituições que oferecem o mesmo curso; estabelecer com clareza os aspectos pedagógicos e acadêmicos em que a AFOR terá autonomia para desenvolver o projeto de acordo com as suas condições de infra-estrutura e com a sua própria experiência de ensino e pesquisa (MINAS GERAIS, 2002c).
Apesar do reconhecimento da experiência de ensino e pesquisa das IES, seu papel foi, de fato, o de executora do projeto governamental, garantindo a uniformidade das ações e a padronização da formação dos professores adequados ao desenvolvimento da sua Escola Sagarana, que, como vimos, manteve a diretriz ético-política e pedagógica da reforma iniciada em 1991, embora se utilizasse de um discurso crítico em torno daquelas propostas e da sua articulação às indicações dos organismos internacionais. As vagas foram distribuídas em 21 pólos regionais e 29 Subpólos (lotes), para possibilitar aos professores cursistas participar das atividades do curso sem se afastarem de suas atividades de ensino. Nos pólos em que havia um elevado número de prováveis UNIPAM; Fundação Educacional do Nordeste Mineiro – FENORD/FAFITO; Fundação Mineira de Educação e Cultura – FUMEC/FCH; Universidade de Uberaba – UNIUBE; Universidade Estadual de Minas Gerais – UEMG; Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF; Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG; Universidade Federal de Viçosa – UFV; Universidade Federal de Uberlândia – UFU; Universidade do Vale do Rio Verde de Três Corações – UNICOR.
231
candidatos foram organizados Subpólos, que permitiram a atuação de mais de uma AFOR, conforme se vê no mapa: Fig.1. Mapa do Estado de Minas Gerais com a divisão em pólos do Veredas e respectivas Agências de Formação
Fonte: Minas Gerais, 2006a
A população-alvo do projeto Veredas – Formação Superior de Professores foi constituída por docentes em exercício nos anos iniciais do ensino fundamental, e que não possuíssem a habilitação em nível superior, aos quais foram oferecidas 15.000 vagas, sendo 12.000 para a rede estadual e 3.000 para as redes municipais de ensino. Entretanto, como a demanda da rede estadual foi menor do que a das redes municipais, as vagas foram preenchidas com professores da rede municipal aprovados na seleção. Assim, enquanto os professores da rede estadual ocuparam 49% das vagas, os da rede municipal ocuparam 51%136.
136
Dados constantes do Relatório Final do Veredas, versão preliminar, mostram que das 15 mil vagas, foram preenchidas 14.136; dessas, concluíram o curso, 13.811, totalizando uma evasão de 2,30% (MINAS GERAIS, 2006a, p.29).
232
Mas quem eram esses professores cursistas? Segundo dados apresentados pelo Relatório Final do Veredas (MINAS GERAIS, 2006), a grande maioria (97,46%) era do sexo feminino, dado que não surpreende, considerando-se o perfil do Magistério das séries iniciais do Ensino Fundamental em Minas Gerais e no Brasil. Em relação à idade, observou-se que 46% estavam na faixa etária entre 30 e 40 anos; 32,6% entre 40 e 50 anos; 16,6% tinham menos de 30 anos e 4,8%, mais de 50 anos. Ainda em relação ao perfil da clientela do Veredas, temos que a grande maioria (75,2%) atuava na zona urbana dos municípios (periféricas e centrais) e 22,4% na zona rural. Dentre os dados recolhidos sobre a situação sócio-econômica das famílias dos cursistas, é importante destacar: (i) nível de escolaridade dos pais. Tanto os pais quanto as mães tinham, em média, quatro anos de escolaridade (63%); (ii). Ocupação principal dos pais: 68% das mães eram donas de casa e 33% dos pais, trabalhador rural. Outras ocupações como operário, funcionário público e comerciante também tiveram uma incidência alta. (iii) Família dos cursistas: 73,3% dos cursistas são casados ou vivem com companheiros, além de ser predominante a família composta por quatro pessoas (35%), havendo pouca diferença entre a família composta por cinco ou mais pessoas (33%). (iv) Renda familiar: em sua maioria (70,6%), não ultrapassa R$1 000,00. Esses números nos ajudam a pensar sobre a importância e o significado do Veredas no contexto do Estado de Minas Gerais e na vida desses professores. Isso porque Minas é um estado de grandes contrastes, caracterizado pela presença de pequenos municípios e amplas áreas rurais, nos quais convivem tanto as relações capitalistas mais modernas, quanto os sistemas mais rudimentares de produção de riqueza e de trabalho (meeiros, bóias-frias, escravos) (FIGUEIREDO, 2006). Dados oficiais apresentados no PMDI (MINAS GERAIS, 2003b, 2006b) mostram que as disparidades regionais atingem traços marcantes tanto na dimensão social quanto na dimensão econômica. Os indicadores econômicos e demográficos destacam, por exemplo, que a Região Central produz praticamente metade do PIB estadual (46%), é onde se localiza 35% da população residente no estado e assegura uma renda per capita 31% superior à média estadual. A Região Sul de Minas Gerais é a segunda no ranking regional, responsável por 13% do PIB, seguida pela Zona da Mata (8,5% do PIB estadual), pelas Regiões do Triângulo Mineiro e do Rio Doce (cada uma responsável por cerca de 8,0% do PIB) e pelas Regiões Centro-Oeste e Alto Paranaíba, as quais contribuem com 4,9% e 3,5%, respectivamente, do PIB estadual. No extremo oposto, estão as regiões Noroeste e Jequitinhonha/Mucuri, que têm participações inexpressivas no PIB, embora se trate de realidades bastante diferentes. Os Vales do Jequitinhonha/Mucuri respondem pelo menor PIB
233
por habitante, pouco mais de 35% na média estadual. A Região Noroeste, embora registre o menor PIB regional, também possui a menor área e abriga o menor contingente populacional (1,9%), o que faz o seu PIB equivaler a 90% da média do Estado. As maiores carências do Estado se encontram na Região central, em função das aglomerações urbanas, e a do Norte de Minas e a do Jequitinhonha/Mucuri, cuja pobreza é dramática, segundo os dados oficiais: “O Estado pode claramente ser dividido em duas regiões por uma linha imaginária (em formato de hipérbole). Acima dessa linha, os indicadores de analfabetismo e de mortalidade infantil observados, aliados à baixa renda per capita produzem um dramático mapa de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)” (MINAS GERAIS, 2003b, p. 25). Ora, não é de menor importância verificarmos que, em primeiro lugar, os professores atingiram um nível de escolaridade muito acima daquele dos seus pais; em segundo, possivelmente aumentaram significativamente a renda familiar após a conclusão da certificação de curso superior, lembrando que a renda de servidores públicos e aposentados representa, em grande parte dos municípios mineiros (e até mesmo brasileiros), um importante fator de desenvolvimento da economia local. E, finalmente, considerando as desigualdades regionais do Estado de Minas, obtiveram um status social considerado importante, a medida que o diploma de curso superior traz prestígio social, lembrando ainda que os professores exercem a função de intelectuais para o desenvolvimento da nova sociabilidade do capital. A SEEMG firmou, assim, convênios de parceria com as Prefeituras municipais que aderiram ao projeto, cabendo ao Estado realizar a seleção e custear, a partir das cotas Estaduais do Salário Educação, a participação dos professores efetivos das redes municipais em todas as fases do projeto, financiando, portanto: a ajuda de custo aos professores cursistas (no valor de R$200,00 – duzentos reais – para o deslocamento de seu município para participação nas atividades presenciais); o custo de instalação do projeto em cada lote adjudicado (repassando a cada AFOR, por lote adjudicado, R$ 72.000,00 – setenta e dois mil reais – para custear os gastos iniciais para implantação e estruturação administrativa do curso); o custo relativo à manutenção do professor cursista no Veredas, ou seja, o preço contratado (pago em cinco parcelas, com base no número de alunos freqüentes no mês anterior. O custo individual, por etapa, será multiplicado pelo número de alunos apurados na data base de cada etapa. O produto constituiu o valor a ser faturado na etapa137.); os
137
Por exemplo: O preço por aluno/módulo contratado é igual a R$620,00. Preço por etapa, R$124,00 x n° de alunos freqüentes em outubro = 532. Valor da fatura nesta etapa = R$65.968,00 (MINAS GERAIS, 2002c, p.41).
234
procedimentos relativos ao faturamento e relatório de aplicação de recursos (MINAS GERAIS, 2002c, p.39-41). Às prefeituras, coube assegurar aos cursistas da rede municipal as condições funcionais e ambientais para o desenvolvimento do curso, colaborar na organização das reuniões mensais, zelar pela correção das informações e documentos de seus professores e reembolsar a SEEMG dos gastos dos professores cursistas municipais que desistissem ou fossem excluídos do curso (MINAS GERAIS, 2002c, p. 20-21). O fato é que das 853 prefeituras do Estado, 680 aderiram ao projeto inicialmente, sendo firmados 648 convênios, dado que em algumas dessas prefeituras os alunos não foram aprovados no processo seletivo. Em 2004, a ajuda de custo dada aos professores cursistas foi cortada, devido às mudanças na forma de repasse dos recursos do Salário-Educação, em decorrência de alterações na legislação. Embora a SEEMG tivesse decidido pela manutenção do projeto até o seu encerramento, previsto para julho de 2005, foi recomendado aos cursistas que procurassem as Secretarias Municipais de Educação e até mesmo os prefeitos para que obtivessem a cooperação destes para a sua manutenção durante as semanas presenciais previstas (julho de 2004 e janeiro de 2005). Segundo o Relatório Final do Veredas, as Prefeituras foram solicitadas a colaborar e muitas atenderam a solicitação, de tal forma que as faltas às semanas presenciais foram relativamente poucas (MINAS GERAIS, 2006a). Entretanto, é necessário registrar algumas questões: em primeiro lugar, o valor da ajuda de custo foi muito abaixo das necessidades dos cursistas para hospedagem, alimentação e deslocamento por uma semana, haja vista as cidades nas quais se realizavam as semanas presenciais, conforme o quadro abaixo: Quadro 6 - Locais de realização das semanas presenciais em todos os módulos Item
AFOR
Sede da AFOR
Subpólos 20 e 22
Semana Presencial
1
UFMG
BH
2
UFU
Uberlândia
3
UFV
Viçosa
4
UFJF
Juiz de Fora
3
5
UFJF
Juiz de Fora
14 e 15
Janaúba
6
UEMG
Belo Horizonte
21 e 23
BH
9
UNIMONTES
Montes Claros
13
2 8 e 11
Observações
BH Uberlândia Viçosa Juiz de Fora
Montes Claros
*
235
10
UNIMONTES
Montes Claros
18
Pirapora
11
UNIMONTES
Montes Claros
18
São Francisco
12
UNIMONTES
Montes Claros
19
Januária
13
UEMG-UNIPAM
Patos de Minas
12
Patos de Minas
14
UEMG-FAFÍDIA
Diamantina
16
Diamantina
15
UEMG-FUNEDI
Divinópolis
26
Divinópolis
16
UEMG-UNIS
Varginha
27 e 28
Varginha
17
UEMG-UNIS
Varginha
29
Almenara
18
UEMG-FAFIPA
Passos
6
Passos
19
UEMG-FAFILE
Carangola
5
Carangola
20
UNIUBE
Uberaba
25
Belo Horizonte
**
21
UNINCOR
Três Corações
7
Lagoa Santa
***
22
UNINCOR
Três Corações
7
Ribeirão das Neves
***
23
UNINCOR
Três Corações
17
Sete Lagoas
***
24
UNINCOR
Três Corações
17
Curvelo
***
25
UNINCOR
Três Corações
24
Ipatinga
***
26
UNINCOR
Três Corações
24
Cel. Fabriciano
***
27
FUMEC
BH
1
Belo Horizonte
28
FENORD
Teófilo Otoni
10
Teófilo Otoni
29
FINOM
Paracatu
9 Araçuaí
Paracatu
30
FEM/FAFIMA
Machado
4-G.Valadares
Machado
****
Observações: * Em alguns módulos cerca de 300 alunos participaram da semana presencial em Juiz de Fora. ** Um dos módulos foi realizado em Uberaba *** Os cinco primeiros módulos foram realizados em Caxambu e os demais foram descentralizados para as cidades de maior porte do Pólo. **** O 7º Módulo foi realizado em Governador Valadares. Fonte: Minas Gerais, 2006a, p. 15.
Acrescenta-se a isso o fato de que aos professores não foi assegurada nenhuma parte da sua carga-horária para dedicar-se aos estudos, tornando-os, de fato, responsáveis diretos pela sua própria formação — coube ao professor, individualmente, “identificar melhor as suas necessidades de formação e empreender o esforço necessário para realizar sua parcela de investimento no próprio desenvolvimento profissional” (BRASIL, 1998. p.42)—, embora a
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exigência fosse em caráter institucional e até mesmo legal138. Esta perspectiva — a de que todos têm que colaborar, a da responsabilidade individual sobre o desenvolvimento profissional através das idéias de educação ao longo da vida e educação continuada — também aparece explicitamente no material instrucional, bem como outros aspectos de aproximação com as idéias e ideais da nova pedagogia da hegemonia, como exemplificaremos ao longo do texto. Não é demais registrar que a educação continuada é, inequivocamente, um direito de todos os profissionais da educação, além de ser também um dever das instituições nas quais estes profissionais atuam. É fundamental, portanto, que as condições para a operacionalização da formação continuada sejam criadas. Compartilho a compreensão da ANFOPE (2004, p.30), de que a educação continuada deve estar associada ao exercício profissional do magistério, possibilitando atualização, aprofundamento, complementação e ampliação de conhecimentos profissionais que permitam ao professor inclusive, ascender na carreira e ocupar funções mais elevadas. Ao mesmo tempo, deve ser capaz de fundamentar o profissional da educação para contribuir para o desenvolvimento de projetos político-pedagógicos das instituições educativas em que atua, de respeitar a área de conhecimento do trabalho e de resguardar o direito ao aperfeiçoamento permanente do professor, incluindo os níveis de pós-graduação. A valorização da produção de conhecimentos construídos no trabalho docente e o desenvolvimento de pesquisas no campo de conhecimento do profissional da educação são aspectos importantes a serem considerados na educação continuada. É preciso também que a educação continuada se torne um elemento de avaliação, reformulação e criação de cursos de formação de profissionais da educação, ao mesmo tempo em que seja garantido o direito do profissional da educação e do trabalhador da educação de intervir na definição das políticas de sua formação, inclusive através de suas organizações sindicais. Sem dúvida, essa compreensão alargada da formação continuada não significa prescindir de uma sólida formação inicial para os professores das séries iniciais do ensino fundamental; ao contrário, são formações que se complementam. No caso da formação continuada, um dos aspectos que quero enfatizar aqui é de que a responsabilidade não é, e 138
Tânia Silva (2005, p. 33-34), em sua tese de doutorado, faz uma observação irônica a esse respeito: “Domina, no mundo, a crença de que diante da dinâmica acelerada de produção de conhecimento, de novas tecnologias e de novos problemas, os profissionais, de modo geral, devem passar por processos cada vez mais longos de educação e por processos curtos, não raro intensos, de capacitação, formação permanente ou atualização. A crença dominante penaliza os profissionais, caso não invistam em atualização, com a ameaça de ficarmos ao largo da mudança e, mais ainda, de nos tornarmos profissionais de segunda categoria. Os profissionais da docência, os professores, não escapam da crença nem de suas ameaças. Os organismos encarregados da educação criam estímulos para aqueles que atuam segundo a crença”.
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nem pode ser, de caráter individual, responsabilidade única e exclusiva do professor, ao contrário do que tem sido apregoado em diferentes documentos dos organismos internacionais e também nos documentos das políticas públicas para a educação brasileira. Com efeito, no componente curricular Economia e Educação, Unidade 2: Educação e Trabalho139: Desafios da Formação dos Trabalhadores, a noção de empregabilidade foi apresentada sob dois aspectos: o de que a formação do trabalhador deve ter utilidade prática e imediata para o trabalho na empresa e o de que o indivíduo, o trabalhador, é o único responsável pela sua formação e pelo seu emprego. O texto reconhece que tal responsabilidade é muito pesada para o trabalhador e que se levada a termo exclui totalmente o Estado do “cenário da atualização profissional, isto é, não se considera a oferta de educação pública e gratuita, por parte dos governos, nem a de cursos profissionalizantes” (VELOSO, 2002g, p. 105). Entretanto, como estamos na sociedade do conhecimento, a formação continuada ou ao longo da vida tornou-se fundamental:
Hoje em dia, certamente devemos continuar a festejar a nossa conclusão de um curso superior. No entanto, a palavra formatura já ganhou um significado diferente daquele que tinha antes; já adquiriu um novo sentido. Na sociedade do conhecimento, a formatura é um estágio na vida do professor. É sem dúvida um estágio muito importante, que o habilita a ensinar melhor, que lhe concede uma nova qualificação profissional. Mas quando nos diplomamos em um curso superior, isto não mais significa que estamos sempre preparados para exercer a profissão. Pelos mesmos motivos, o substantivo “educação”, na sociedade do conhecimento, ganhou um adjetivo. Hoje já não se fala apenas de educação, mas sim de educação continuada. Como vimos, um professor, depois de concluído seu curso superior, continua a desenvolver habilidades e também precisa atualizar-se periodicamente, pois na nossa profissão estão sempre surgindo novos e importantes conhecimentos. Esta necessidade de constante desenvolvimento e atualização profissional traz um desafio para a atuação dos professores nas escolas. O desafio é formar alunos que aprendam a aprender. Os alunos de hoje, alguns que já trabalham e outros que serão trabalhadores de amanhã, não basta apenas dominar conhecimentos e habilidades que sempre foram importante é preciso também desenvolver habilidades de estudo que no futuro facilitem seu constante aperfeiçoamento profissional. Este é um dos grandes desafios na educação dos trabalhadores (VELOSO, 2002g, p.107108). 139
O texto compõe o Guia de Estudo do Módulo 2, Volume 2 da Coleção Veredas, e foi escrito por Jacques Veloso, “Doutor em Economia da Educação pela Universidade de Stanford. Professor Titular de Economia da Educação da Universidade de Brasília. Foi professor visitante da Universidade de Stanford, presidente e vicepresidente da Anped e conselheiro da SBPC. Suas publicações incluem artigos no país e no exterior, principalmente sobre questões da universidade, da pós-graduação e da Economia da Educação, bem como vários livros, como organizador ou co-autor. Nos últimos anos tem coordenado pesquisas sobre a pós-graduação no Brasil” (MINAS GERAIS, 2002g, p.6).
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Embora constasse do projeto inicial que o Curso de Formação Superior de Professores faria “uso da moderna tecnologia da informação”, no Relatório Final existe a observação de que o uso da informática como ferramenta principal de estudo não foi considerada essencial para os alunos. Isso porque não houve possibilidade de contar com a existência de computadores em todas as regiões do Estado, principalmente na zona rural. No entanto, segundo o documento, foram envidados esforços para viabilizar e estimular o uso da informática pelos alunos, em cursos introdutórios para a utilização da ferramenta e para a Internet. No caso dos Tutores, a partir da constatação das suas dificuldades, também se organizaram cursos para a utilização da Informática. Em face desses problemas, segundo a SEEMG (MINAS GERAIS, 2006), o Portal do Veredas foi útil para serviços de comunicação e informação aos cursistas e às agências de formação, bem como para outras pessoas/instituições interessadas em conhecer o curso Veredas. Na prática, a parte do Portal que permitia a interatividade através de grupos de discussão foi pouco utilizada. O que nos parece intrigante é exatamente a compreensão externada por pesquisadores como Mello & Dallan (2002), a respeito de outros programas de formação de professores a distância, de que as TIC, embora não sendo largamente utilizadas nesses projetos, estão instaurando, na realidade, um novo conceito, qual seja o de conteúdos independentes das mídias, aonde o mesmo conteúdo chega a alguns pela internet, outros pelo correio, etc., inovando não somente a Educação a Distância, como inovando o conceito de educação presencial:
Substitui a improvisação que depende do estilo do professor, pela prática de utilizar materiais diversos com situações de aprendizagem ordenadas, cujos conteúdos são selecionados e organizados de acordo com certa lógica didática previamente negociada (grifos nossos. MELLO & DALLAN, 2002, p.23).
Reforça-se, desse modo, a idéia de substituição tecnológica, na qual a tecnologia a ser substituída é o professor, conforme já havíamos sinalizado nos capítulos anteriores, bem como a explicação para que as reformas educacionais dos anos de 1990 estivessem apoiadas nas teorias cognitivistas, do aprender a aprender, do desenvolvimento de competências, numa racionalidade adaptativa. Ao mesmo tempo, é possível também verificar o discurso curricular híbrido do Veredas, ao combinar distintas tradições e movimentos disciplinares, construindo
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coalizões que dão lugar a consensos particulares (DUSSEL, 2002, p.70). Como se vê nos documentos, embora assuma a importância das TIC e do domínio das mesmas pelos professores e pela escola, o desenvolvimento dos cursos não comprova essa importância. Dito de outro modo: no discurso, as TIC se tornaram fundamentais, mas na prática, são relegadas a estratégias de EaD, já que “nem sempre estão disponíveis”. Através da EaD, torna-se possível garantir que os pressupostos, princípios, valores ético-políticos e morais da nova sociabilidade sejam difundidos da mesma forma, ao mesmo tempo, para um número cada vez maior de professores.
6.2. O Projeto Político-Pedagógico
O projeto Veredas – Formação Superior de Professores (MINAS GERAIS, 2002b), sob o título Educação e vida contemporânea, traz a justificativa para a apresentação desse projeto aos professores. Entendendo que a escola, enquanto espaço privilegiado de prática educacional sistemática e planejada, pode “contribuir para transformações sociais que resultem em maior justiça, tolerância e diálogo, e para um desenvolvimento sócio-cultural e ambiental harmonioso” (MINAS GERAIS, 2002b, p.13), o projeto Veredas ressalta o caráter central da educação no mundo contemporâneo. O desenvolvimento científico e tecnológico, a relevância da informação e da comunicação, as novas formas de organização do trabalho e de relações sociais e políticas são razões pelas quais a educação ganha centralidade, visto que colabora tanto para definir as condições de inserção de um país no cenário internacional quanto para a construção da cidadania da população (MINAS GERAIS, 2002b, p.13). Nesta perspectiva, a justificativa para a formação em nível superior através do Veredas explicitou a importância da conformação social aos pressupostos neoliberais da Terceira Via — o Estado sem inimigos, a transformação social como sinônimo de adaptação aos novos requisitos do capitalismo mundial, humanizado — como também mostrou a importância da formação dos professores para a difusão desses princípios. Com efeito, a universalização da educação básica, que é, sem dúvida, condição para o desenvolvimento dessas novas relações e também para a preparação para o trabalho, tem uma relação direta com o profissional da educação. O documento mineiro salientou que o profissional da educação requerido pelos novos tempos tem a necessidade de desenvolver
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capacidades e habilidades, incluindo aprender a aprender, buscar informações de modo a tomar decisões de acordo com as diferentes realidades culturais, bem como atuar coletivamente com algum grau de autonomia, de forma a enfrentar problemas e dificuldades com soluções competentes e criativas. Dessa forma, o documento não deixa dúvidas quanto à sua filiação aos princípios defendidos pela UNESCO — “os professores só poderão responder ao que deles se espera se possuírem os conhecimentos e as competências, as qualidades pessoais, as possibilidades profissionais e a motivação requeridas” (DELORS, 1998, p.153) —, além de se alinhar explicitamente aos demais documentos internacionais e nacionais sobre a reforma da educação e da formação de professores140. Consequentemente, segundo a SEEMG, a qualificação do professor tornou-se estratégica para garantir o domínio do seu instrumental de trabalho, “forçosamente vinculado a uma visão específica de prática pedagógica e de seus pressupostos relativos às concepções de sociedade, educação, escola, aprendizagem, ensino, prática pedagógica e conhecimento [...]” (MINAS GERAIS, 2002b, p.14). Nesta direção, o documento mineiro reconheceu a necessidade de que o professor tenha clareza sobre a dinâmica da sociedade, requisito essencial para compreender a escola como instituição social e como local específico onde o profissional da educação desempenha a atividade docente. A atuação competente seria condição básica para compreender como a escola e a educação podem cooperar para a transformação democrática da sociedade, colaborando, dessa maneira, para o sucesso da reforma intelectual e moral, já que, de acordo com os princípios da Terceira Via, a aparelhagem estatal não apenas reflete as normas e os valores difundidos socialmente, mas também contribui para moldar esses valores, especialmente no sistema educacional. Estas questões podem ser vistas, por exemplo, quando lemos no Guia de Estudo do Módulo 2, Volume 2 (MINAS GERAIS, 2002g), que
Os conhecimentos que você adquiriu neste módulo podem lhe ajudar muito em seu trabalho cotidiano na escola. Eles permitirão que você e seus alunos conheçam melhor e criticamente o mundo do trabalho, assim como as 140
Constam na Bibliografia do projeto Veredas, dentre outros documentos oficiais do MEC: A Proposta de Diretrizes para a Formação inicial de professores da educação básica em nível superior (BRASIL, 2000); as Diretrizes para a Formação inicial de professores da educação básica em nível superior (BRASIL, 2001); O Referencial Pedagógico-Curricular para a Formação de Professores da Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental (Versão Preliminar) (BRASIL, 1997); os Referenciais para a Formação de Professores (BRASIL, 1999). Outras referências a serem destacadas: a Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação (UNESCO, 1998) e o Marco referencial de ação prioritária para a mudança e o desenvolvimento do ensino superior (UNESCO, 1998).
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relações deste com a escola. Esses conhecimentos são importantes para a cidadania ativa, para a participação na construção da democracia. Esse desafio esteve sempre presente no trabalho cotidiano do professor, mas atualmente ganha uma nova dimensão, pois trata-se de educar para a cidadania numa sociedade na qual vem crescendo o uso de novas tecnologias. Você, prezado cursista, como professor, já pode estar enfrentando bem esses desafios. Ao terminar o Veredas, certamente poderá dar uma contribuição ainda maior para a educação voltada para a cidadania nessa nova sociedade (VELLOSO, 2002g, p. 109).
Estas questões colaboram para caracterizar a identidade do profissional da educação, eixo articulador da proposta, devendo este, simultaneamente, ser:
(a) um profissional que domina um instrumental próprio de trabalho e sabe fazer uso dele; (b) um pensador capaz de ressignificar criticamente sua prática e as representações sociais sobre seu campo de atuação; (c) um cidadão que faz parte de uma sociedade e de uma comunidade (MINAS GERAIS, 2002e).
Dessa forma, o projeto mineiro retomou o indicativo dado pelo MEC (BRASIL, 1998), no qual a formação do professor deve ser planejada com o objetivo de formar o perfil profissional, tendo em vista três dimensões: pessoal, profissional e cidadã; ao mesmo tempo, as DCN preconizaram que se torna “imprescindível que haja coerência entre o que se faz na formação e o que dele se espera como profissional” (BRASIL, 2001, p.30). Como observou Dias (2002) a esse respeito, o perfil profissional do professor construído nesses documentos é muito semelhante aos das propostas curriculares de formação baseadas em competências e performance dos Estados Unidos, em voga nos anos de 1960 e 1970, deixando claro o viés de treinamento subjacente a essas concepções: “Contrariamente ao defendido em relação a singularidade do trabalho do professor, a idéia do perfil profissional ganha força com um argumento que busca a padronização” (DIAS, 2002, p.143) delineando-se tanto nos documentos nacionais quanto no documento mineiro o conjunto de características comuns à maioria dos professores. Se retomarmos o Guia de Estudo do Módulo 2, Volume 2, encontraremos, com destaque, que
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Podemos dizer que um professor é competente quando, diante de uma situação complexa, e tendo em vista as finalidades (educacionais) buscadas, ele é capaz de identificar os pontos importantes que essa situação apresenta e de mobilizar os recursos disponíveis, tomando a melhor decisão ou fazendo o encaminhamento mais adequado. Esses recursos de que dispõe como profissional, no seu cotidiano, são principalmente seus conhecimentos (o saber), suas habilidades (o saber fazer) e suas atitudes e valores (o saber ser e conviver) (VELLOSO, 2002g, p. 103).
A formação em nível superior, conforme o mesmo documento, tornou-se assim indispensável, já que cada vez mais o profissional da educação necessita lidar com processos que envolvem a ciência, a tecnologia e a informação, de forma a dominar o instrumental de trabalho necessário para dar conta das novas demandas que a ele se faz. A formação em nível médio, admitida como um mínimo aceitável em outras épocas, deverá ser complementada em nível superior, mesmo para aqueles que já estão trabalhando – nesse caso, os professores das redes municipal e estadual de Minas Gerais. Partindo desta demanda e considerando o “[...] grande número de professores geograficamente dispersos e muitas vezes isolados em escolas da zona rural” (MINAS GERAIS, 2002b, p.15), o Projeto objetiva superar a lacuna educacional e a geográfica, contando com os recursos tecnológicos e a metodologia da EaD, bem como com a parceria entre a Secretaria e as Instituições de Ensino Superior de Minas Gerais, consideradas fundamentais para, a partir de suas pesquisas, “nortear e subsidiar os vários aspectos da reforma educacional” (MINAS GERAIS, 2002c, p.19). A formação inicial em serviço, com o objetivo de atender a esses princípios e também ao indicado pela LDB é expressa como um direito do professor, bem como torna-se sua responsabilidade; entretanto, como podemos ler no componente curricular Escola, Sociedade e Cidadania141, o professor deve reivindicar, na escola, os espaços para essa formação:
No conjunto dos direitos dos profissionais da educação, vale ressaltar a capacitação em serviço, como uma conquista, entendendo-a como processo permanente e sistemático de estudo e vendo a escola como um dos locais 141
O Texto compõe o Guia de Estudo do Módulo 2, Volume 2, de autoria de Aída Maria Monteiro Silva, “Professora do Centro de Educação da UFPE, Mestra em Educação pela PUC/RJ, doutora em educação pela USP. Especialista em Educação em Direitos pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos da Costa Rica e Coordenadora da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos. Autora de vários trabalhos nas áreas de Formação do Educador, Didática e Educação em Direitos Humanos e Cidadania” (MINAS GERAIS, 2002g, p.6).
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dessa capacitação, de forma a possibilitar ao educador a articulação dos conhecimentos teóricos com a prática pedagógica. Sabemos que o conhecimento avança de forma gradativa e, considerando que o objeto do trabalho do educador é o conhecimento, a formação continuada é inerente a sua profissão, e é um direito de todo educador. Cabe a você, professor, participar das ações de capacitação e, também, contribuir para que a escola seja, de fato, um local de aprendizagens, com momentos de estudos definidos no planejamento. [...] Como podemos observar, o Veredas é um direito seu, mas é também um dever aproveitá-lo ao máximo para que a sua ação docente contribua com a melhoria da qualidade do ensino e para que você se fortaleça como profissional da educação. Professor, você tem uma grande responsabilidade nesse processo! (grifos nossos. SILVA, A. M. M., 2002g, p. 185).
Ao estabelecer a proposta pedagógica do Veredas, a SEEMG enumerou as referências básicas do seu projeto. Desta forma, a proposta levou em conta “as características do educador preparado para atuar nos primeiros anos do ensino fundamental, a análise da natureza do fazer docente e os pressupostos pedagógicos da formação inicial em serviço” (MINAS GERAIS, 2002b, p.20). A proposta pedagógica também incluiu as diretrizes curriculares e sua concretização em uma proposta de currículo para formação inicial em serviço, com metodologia de educação a distância. O projeto Veredas valorizou três dimensões da prática pedagógica, conforme já anunciado na justificativa: o professor como profissional, como pensador e como cidadão. A partir desses eixos, a proposta apresentou as características do profissional que deseja formar. Para o Veredas, este profissional é capaz de buscar os instrumentos necessários para desempenhar com competência as suas tarefas e de refletir criticamente sobre a sua prática, conhece os conteúdos curriculares, sabe planejar e desenvolver situações de ensino e aprendizagem. Trata-se de um profissional que conhece, aceita e valoriza as formas de aprender e interagir de seus alunos, que respeita e sabe lidar com as diversidades culturais, que é comprometido com o sucesso dos educandos e com o funcionamento eficiente e democrático da escola onde trabalha. Valoriza o saber que produz cotidianamente, busca o próprio aperfeiçoamento e tem consciência de seu papel como pessoa e como profissional: “Assim, é um ser humano capaz de continuar aprendendo e um cidadão responsável e participativo, integrado ao projeto da sociedade em que vive e, ao mesmo tempo, crítico de seus problemas” (MINAS GERAIS, 2002b, p.21). Para tanto, a proposta mineira definiu com clareza os comportamentos esperados a partir da formação que propõe, indicando que o intelectual de novo tipo está comprometido
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com os valores da nova sociabilidade do capital, tanto no que diz respeito às ações e atitudes esperadas, quanto à sua inserção e adaptabilidade ao “projeto de sociedade em que vive”; desse modo, tornando o professor ética e tecnicamente preparado para o seu trabalho e com certa capacidade dirigente. A ênfase na profissionalização docente baseada nas competências, na perspectiva de capacitar o professor para lidar de forma criativa com as novas exigências que surgem no seu trabalho caracteriza a literatura142 que orientou as propostas oficiais e consagrou a “competência” como ideal de formação e capacitação dos professores. O Veredas deixou claro (em uma nota de rodapé) qual é a concepção de competência que orientou a proposta: “De acordo com PERRENOUD, pode-se definir competência como a capacidade de atuar diante de uma situação complexa, mobilizando conhecimentos, habilidades intelectuais e físicas, atitudes e disposições pessoais, de forma a identificar corretamente os elementos que estão em jogo e dar-lhes um tratamento adequado” (MINAS GERAIS, 2002b, p.21). Concordamos com o parecer da ANFOPE (2004), no sentido de que a adoção das competências, como nucleares para a proposta pedagógica (envolvendo o currículo e a avaliação) representa “uma concepção fragmentada e instrumental de formação, como também uma concepção individualista na sua essência e imediatista em relação ao mercado de trabalho” (ANFOPE, 2004, p.24). Essa observação torna-se ainda mais relevante ao lermos a afirmação de Perrenoud (2000b), segundo a qual “os professores devem parar de pensar que dar o curso é o cerne da profissão. Ensinar, hoje, deveria consistir em conceber, encaixar e regular situações de aprendizagem [...]”. Para os pesquisadores do campo do currículo, o conceito de competências, utilizado nos documentos curriculares brasileiros, se localiza na tradição pedagógica de dois movimentos: o primeiro, das teorias da eficiência social de cunho comportamentalista, da tradição americana, desde as suas primeiras formulações como campo científico no início do século XX, a partir dos trabalhos de Franklin Bobbit, Werret Charters e culminando com o de Ralph Tyler no final dos anos de 40; o segundo é decorrente dos trabalhos de Piaget e na concepção hegemônica da reforma curricular francesa. Embora a influência francesa seja 142
Podemos recuperar, dos capítulos anteriores, que o Relatório Delors (1998) traz, além da indicação de que a formação inicial dos professores deva estar baseada nos quatro pilares da educação (as competências), a necessidade de o professor atuar fora do sistema educativo para que possa se beneficiar com a aproximação do saber-fazer, de forma a aproximar também o professor de outras profissões. O BM (1991) também enfatiza a emergência das “negligenciadas competências pedagógicas”, que podem mesmo serem adquiridas em programas de treinamento de professores de curta duração. Perrenoud (2000; 1999) também se tornou um grande difusor da pedagogia das competências, influenciando sobremaneira a reforma educacional mineira e brasileira. As DCN (BRASIL, 2001) proclamam que se busque “adotar [essas] competências como norteadoras, tanto da proposta pedagógica, em especial do currículo e da avaliação, quanto da organização institucional e da gestão da escola de formação”.
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marcante, através da presença de textos e pesquisas de orientação piagetiana, direcionados à educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental143, além da já referida expressão do suíço Perrenoud no Brasil, concordo com Macedo (2002) que a influência das teorias da eficiência social, ainda que não sejam explicitadas nos textos, seja a principal fonte teórica das propostas curriculares. Conforme veremos, essa influência diz respeito, principalmente, ao que se refere aos aspectos relacionados à tese de que a eficiência e eficácia do professor podem ser garantidas a partir de uma listagem pré-determinada de habilidades e comportamentos (competências), cujo controle se dá mediante avaliação do desempenho. Esta centralidade dos objetivos comportamentais estava ligada à idéia de que a qualidade do currículo e da educação dependeria tanto de uma definição precisa dos objetivos quanto da definição do perfil profissional ou do cidadão que se deseja formar. Nesta ótica, analisa Lopes (2001; 2002), a possibilidade de que os fins da educação sejam estabelecidos durante o desenvolvimento das atividades curriculares é negada. Sendo assim, a partir de uma concepção empírico-positivista de ciência, esta perspectiva assume a idéia de que seja possível estabelecer o controle neutro do trabalho realizado:
Por isso o caráter comportamental de um objetivo é defendido, na medida em que o comportamento do aluno, como expressão objetiva, sem ambigüidades e inequívoca do produto do processo educacional, garantiria a possibilidade de avaliação da eficiência desse processo. Nesse sentido, os trabalhos de Benjamin Bloom, Robert Mager e J. Popham, visando à formulação de objetivos comportamentais, inseriram-se nessa perspectiva (LOPES, 2001).
Com base nos princípios organizados por Bobbitt e Tyler, Benjamim Bloom desenvolveu a sua teoria que, no conjunto, também ficou conhecida como Taxonomia de Bloom. A publicação do seu artigo, em 1968, intitulado Aprendizagem para o domínio, favorece o surgimento do modelo curricular baseado em competências, já que o autor se preocupava com a “primazia atribuída às metas cognitivas e propunha que as condições de 143
Tânia Silva (2005) observou que os espaços legitimadores dos autores, tendências e teorias curriculares, são os próprios cursos de formação de professores através da bibliografia utilizada pelos professores (em geral, atualizada em seus cursos de mestrado e doutorado). As próprias escolas também se tornam espaços legitimadores, já que não podemos ignorar o fato de que estes mesmos autores e literatura também são citados por revistas especializadas como, por exemplo, a Nova Escola, a que a maioria de professores e futuros professores tem acesso. Como demonstrou Vieira (1998), ao analisar a presença do construtivismo nessa mesma revista, os professores começam a seguir os modelos teórico-pedagógicos como se eles fossem dogmas.
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ensino deveriam ser ajustadas à aprendizagem, garantindo um melhor controle do processo de ensino” (MACEDO, 2002, p. 125). Sua teoria estava fundamentada em cinco princípios:
1. Toda aprendizagem é individual. 2. O indivíduo, assim como qualquer sistema, é orientado por metas a serem atingidas. 3. O processo de aprendizagem é mais fácil quando o aluno sabe precisamente o que se espera dele. 4. O conhecimento preciso dos resultados também favorece a aprendizagem. 5. É mais provável que o aluno faça o que se espera dele e o que deseja de si próprio, se ele tem a responsabilidade das tarefas de aprendizagem (BRÍGIDO, 2001, p.5-6).
As propostas de ensino baseadas nesse modelo tinham três objetivos comportamentais que envolviam três domínios: cognitivo, afetivo e psicomotor e, embora Bloom tenha se preocupado em ajustar as condições de aprendizagem às necessidades do aluno, Macedo (2002) observa a permanência de uma lógica hierarquizada própria do behaviorismo.144 O movimento humanista experimentalista, como reação ao excesso de racionalidade tyleriana das teorias da eficácia social por seu caráter a-histórico, prescritivo e utilitário de currículo, surgiu, conforme Macedo (2002), no início dos anos de 1970, e possuía as seguintes características:
a) centralidade dos problemas situacionais; b) necessidade de interação entre sujeito e ambiente para a construção do conhecimento; c) o diálogo entre as pessoas como forma de troca e crescimento do conhecimento; d) a ênfase na pessoa como um ser global em crescimento; e) a organização do conteúdo segundo os princípios psicológicos do pensamento de Dewey; f) a aceitação de diferentes alternativas na construção do conhecimento e g) a importância do reconhecimento e do encorajamento da individualidade (MACEDO, 2002, p.126).
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Ainda de acordo com Brígido, (2001), a ênfase nos modelos se deu especialmente nos departamentos de treinamento das indústrias em que ocorreria a adoção dos métodos comportamentais nos seus programas de treinamento, principalmente com a instrução programada. Esses programas eram muito mais afeitos ao tipo de treinamento requerido pela Administração Científica da Produção de estilo taylorista, particularmente para a elaboração de manuais de procedimento para uso de máquinas e para as prescrições do comportamento no posto de trabalho.
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Para usarmos o conceito de Bernstein, a recontextualização dos modelos de desempenho fez surgir o modelo de currículo por competência, que, segundo Pinar et al. (1995, apud MACEDO, 2002) possui o entusiasmo acrítico pela tecnologia. Dessa forma, a concepção de currículo por competência herdou a importância dada à definição precisa dos objetivos (comportamentos esperados e produtos a serem mantidos), estabelecendo uma estreita relação entre currículo e avaliação dos comportamentos. A partir da obra de Mager e Popham, um dos autores principais da linha do currículo por competência, Lopes (2002) afirmou que, do mesmo modo que os objetivos comportamentais, as competências foram compreendidas como comportamentos mensuráveis e, por isso, controláveis. O objetivo seria, na ocasião, o de humanizar o comportamentalismo, visando a inserção social e formando comportamentos, habilidades e o “saber fazer” adequados ao exercício profissional. “As competências consistiriam, assim, das estruturas da inteligência necessárias à execução desse “saber fazer”, dessas habilidades e desses comportamentos” (LOPES, 2002, p.149). Embora essas recontextualizações tenham se espraiado por todos os âmbitos da educação (LOPES, 2001, 2002; BRÍGIDO, 2001; DIAS, 2002; MACEDO, 2002), será na formação de professores que as teorias da eficiência educacional e posteriormente os modelos de competência teriam produzido um maior número de estudos e modelos, sempre ligados à questão da eficácia do professor, estudos que se intensificaram a partir dos anos de 1960 e 1970. As pesquisas desenvolvidas nessa época sobre a eficácia do professor e o desenvolvimento do currículo por competências foram pano de fundo para as discussões sobre a profissionalização da formação docente. Estudiosos defendiam uma correlação estreita entre competência e profissionalização que, associadas a uma demanda para avaliação da atuação do professor e do processo de formação, traziam a idéia de um perfil profissional definido a partir das competências que deveria demonstrar. Situando o movimento de mudança de foco na formação de professores nessa época, Barreto et al. (2005) registraram que a proposta de formação por competência teria sido posta como alternativa para responder a uma necessidade de ordem sócio-econômica e a uma de ordem psicológica. No primeiro caso, “à responsabilidade profissional, como forma de prestação de contas, evidência de domínio de conhecimentos a serem aplicados de forma eficaz” (BARRETO et al., 2005, p.3). No segundo caso, se refere “a necessidade de
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personalização, em uma sociedade transitória e desumana” (HOUSTON, 1974, apud BARRETO et al., p.3). Dessa maneira, esta proposta recontextualizou a anterior, apoiada nos objetivos comportamentais. Ainda com as autoras, a proposta dos anos de 1970 levou ao limite o “ensino individualizado” (o que terá reflexo importante na discussão sobre a Educação a Distância), ao mesmo tempo em que os objetivos passaram a ser o princípio da estrutura curricular. Os anos de 1990 promoveram uma nova recontextualização: o modelo de competência (no singular), recontextualizado no modelo de desempenho, revestiu-se de novos significados, traduzindo-se no que Bernstein denominou modos genéricos de “trabalho” e de “vida” — o modelo de competências (no plural). Os modos genéricos não são apenas procedimentos pedagógicos de aquisição de conhecimento, antes se estruturam sobre um novo conceito de “trabalho” e de “vida”. Dito de outra forma, considerando a mudança, o desaparecimento ou a substituição das formas habituais de trabalho e a perda das expectativas de um futuro estável, torna-se necessário o desenvolvimento de uma nova habilidade para o enfrentamento das novas exigências. Assim, as reformas pedagógicas se baseiam na aquisição de modos genéricos, não se limitando a desempenhos específicos e se estruturam num conceito de “capacitação”: “Tal capacitação acentua “algo” que o ator deve possuir para que possa ser formado e reformado da maneira mais apropriada, de acordo com as contingências tecnológicas, organizacionais e de mercado” (BERNSTEIN, 2003, p.100). Crucial para a sobrevivência pessoal e da sociedade, o que se requer é a habilidade de ser ensinado e de responder ao futuro de forma eficiente, construindo uma identidade especializada para a qual não é suficiente a “habilidade de responder a programas de reciclagem concomitantes e subseqüentes” (BERNSTEIN, 2003, p.100). O autor percebeu um vazio no conceito de capacitação, que o tornou auto-referente e, portanto, excludente. Esse
modo
pedagógico
foi
uma
outra
conseqüência
pedagogizadora
da
recontextualização do conceito de competências, e surge a partir de agências externas ao ambiente escolar. Para Dias (2002), o modelo pedagógico das competências assumiu a orientação da psicologia comportamental ao estabelecer mecanismos de controle de desempenho, a fragmentação das atividades e o estabelecimento de habilidades visando alcançar resultados que atendam às demandas do mercado de trabalho. A autora afirmou ainda, com Jones e Moore (1993 apud DIAS, 2002), que esse atual modelo rompe com os
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vínculos de raízes progressistas que existiam no modelo de competências, constituindo-se num paradigma técnico, ao mesmo tempo em que modifica o controle social do conhecimento especializado na sociedade. Entendemos, dessa forma, que o Veredas se mantém nesta perspectiva. Assim, podemos ver que o desdobramento das características desejáveis do professor enunciadas no documento são as competências específicas necessárias, que tanto definiram este profissional quanto orientaram as diretrizes curriculares. Não sem razão percebemos, ao ler a listagem de competências, a sua aproximação com o modelo de objetivos. São elas:
Atuar de forma consciente, eficaz e contextualizada como professor dos anos iniciais do ensino fundamental; organizar e coordenar o trabalho docente característico dos anos iniciais do ensino fundamental e colaborar com a coordenação pedagógica da escola. Trabalhar coletivamente, partilhando seus conhecimentos e experiências com outros professores e profissionais da educação. Participar dos processos de elaboração, desenvolvimento e avaliação do projeto político-pedagógico da escola. Cooperar na organização do ensino, identificando as implicações das diferentes formas de sua estruturação (ciclos, períodos semestrais ou anuais, etc.) e dos vários critérios de enturmação dos alunos (idade, interesses, projetos, nível de domínio do conteúdo etc.). Colaborar na formulação de propostas de intervenção pedagógica voltadas para a reorganização do trabalho escolar, tendo em vista o progresso de todos os alunos da escola. Identificar e compreender as características dos alunos quanto à sua forma de aprender, de desenvolver-se e de interagir socialmente, e dar-lhes tratamento adequado. Analisar o percurso da aprendizagem escolar dos alunos, de modo a identificar características cognitivas, detectar possibilidades de desenvolvimento e perceber obstáculos ao seu desenvolvimento. Utilizar criativamente seus conhecimentos técnico-pedagógicos para buscar soluções de problemas relacionados com a comunidade escolar e seu entorno. Organizar e desenvolver situações de ensino [...]. Utilizar com segurança e criatividade diferentes estratégias de gestão da classe e instrumentos para a organização das condições de ensino, de modo a potencializar a aprendizagem de alunos com diferentes níveis e ritmos de aprendizagem. Utilizar com desembaraço as novas tecnologias de informação e de comunicação, incorporando as contribuições dessas a sua ação docente. Articular as dimensões teórica e prática do campo educativo, apresentando uma ampla visão dos conteúdos da educação, de modo a relacionar a teoria pedagógica com os conteúdos curriculares do ensino fundamental, a didática, o planejamento e a avaliação. Elaborar e desenvolver projetos de estudo e trabalho, comprometendo-se com seu próprio desenvolvimento profissional, com a ampliação do seu horizonte cultural e sua formação permanente. Produzir saberes pedagógicos, utilizando conhecimentos sobre a realidade econômica, cultural, política e social brasileira para compreender o contexto em que está inserida a prática educativa, explicando as relações entre o meio social e a educação. Refletir sobre a própria prática, de forma a aprimorá-la, avaliando seus resultados e sistematizando conclusões a respeito. Atuar
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como cidadão e como profissional consciente e responsável [...] (MINAS GERAIS, 2002b, p.21-22).
Como previsto nas DCN, o projeto Veredas retomou a importância do desenvolvimento de competências, que se tornaram elemento central na proposta. Ao listar o rol de competências, necessárias ao bom desempenho do professor, é possível perceber uma concepção centrada no fazer e na ação cotidiana, privilegiando a preparação técnica para o exercício da docência. É possível verificar, também, a presença de elementos da epistemologia da prática, cuja ênfase está nos “saberes docentes” e não no conhecimento. Como percebemos em outros documentos orientadores da reforma da formação de professores, o Veredas faz o chamamento para que o professor se torne um “agente de mudanças”, assumindo os valores que são fundamentais para que a educação, enquanto prática intencionalizada, se torne, de fato, um processo de humanização e de construção de uma cidadania mais ética e democrática: “Pautando-se por princípios da ética democrática — dignidade, respeito mútuo, justiça, participação, responsabilidade, diálogo e solidariedade” (MINAS GERAIS, 2002b, p. 23). Entretanto, ao lado desses valores, a proposta chama o compromisso do professor com a “transformação da realidade social e educacional, participando de associações da respectiva categoria e estabelecendo intercâmbio com outros profissionais em eventos de natureza sindical, científica e cultural” (MINAS GERAIS, 2002b, p.23). Não é de se surpreender que encontremos mais uma vez a proposta de transformação social, significando com isso a adaptação e inserção à globalização, ao lado do esvaziamento das entidades de classe, nas quais não mais se participa reivindicando direitos ou construindo uma nova sociedade, mas sim, “estabelecendo intercâmbio” com outros profissionais. Dessa forma, são dados os contornos da formação do intelectual de novo tipo que, como Gramsci percebeu, vão contribuir para o aperfeiçoamento da hegemonia do capital. Podemos exemplificar, nesta direção, através do material instrucional, que a nova pedagogia da hegemonia é reforçada quando lemos, no componente curricular Política e Educação, na Unidade 3 – Estado e Educação na nova ordem mundial145, sobre a exigência de uma nova configuração no Estado e na cidadania dadas as mudanças na sociedade:
145
Texto integrante do Guia de Estudo do Módulo 2, Volume 3, da Coleção Veredas. José Vieira de Souza é “graduado em Pedagogia (AEUDF) e Letras (UNB), Especialista em Didática do Ensino Superior (CESAP/CEUB), Mestre em Educação pela UnB e doutorando em sociologia (UnB). Experiência em docência
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Considerando a necessidade da participação política do cidadão diante do mundo globalizado, o Estado precisa assumir um caráter mais democrático. Nesse contexto, um Estado democrático é aquele que considera o conflito como legítimo e permite que indivíduos e grupos organizem-se em associações, movimentos sociais, sindicatos e partidos, constituindo um poder que limita o poder do próprio Estado. A necessidade de o Estado assumir esse caráter democrático na nova ordem mundial permite-nos diferenciar dois tipos de cidadania — cidadania passiva (aquela delegada ao cidadão pelo Estado, por meio, por exemplo, da Constituição Federal) e cidadania ativa (aquela que efetivamente possibilita ao indivíduo, como portador de direitos e deveres, abrir novos espaços de participação política) (SOUZA, 2002h, p.129).
De acordo com o Projeto Veredas, o conjunto de competências se insere num campo teórico/prático e interdisciplinar, que tem como conseqüência o desenvolvimento de uma identidade e de uma consciência profissional. A identidade profissional do professor está ligada às representações sociais sobre ele, e associa-se à consciência e ao sentimento de pertencimento a um grupo: “o sentimento, a consciência têm origem nas representações sociais, que por sua vez resultam da interação de pessoas que têm sentimentos e consciência” (MINAS GERAIS, 2002b, p.23). Dessa forma, a concepção do Veredas nos remete ao que Bernstein (2003) identificou como a necessidade de formar, reformar e elaborar uma identidade especializada, que é a interface dinâmica entre as carreiras iniciais individuais e a base coletiva, que surge numa ordem particular, por meio de relações nas quais ela se insere e busca apoio, legitimação mútua e, finalmente, por intermédio de um propósito coletivo negociado, esvaziando o conceito de capacitação. Nesse sentido, a recontextualização produzida pela retomada do modelo pedagógico das competências produz e reproduz conceitos imaginários de trabalho e de vida que abstraem as relações de poder das condições vividas pelas pessoas e, por essa razão, negam as possibilidades de compreensão e de crítica. Não é demais retomarmos uma das principais questões sobre a EaD, já expressa por nós em outro momento: ao se padronizar todas as atividades através do material instrucional (considerando ainda que é o mesmo para todos os municípios mineiros, sejam de pequeno, médio ou grande porte) para atender aos professores cursistas que vivem situações no Ensino Fundamental e na Formação de Professores (Curso Normal, Licenciaturas e Pós-Graduação Lato Sensu). Autor de outros trabalhos na modalidade de Educação a Distância) (MINAS GERAIS, 2002h, p. 6).
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diferenciadas nesses municípios e em suas escolas, percebe-se um descolamento da realidade concreta, ainda que haja a mediação dos tutores. Essa compreensão é necessária para caracterizar a proposta do Veredas enquanto formação inicial em serviço, na qual assume centralidade a articulação entre os novos conhecimentos e as experiências práticas vividas pelos professores cursistas; ou seja, ao tratar do projeto pedagógico não se pode ignorar a experiência e a consciência profissional dos alunos. Para o Veredas, esse é um ponto-chave da proposta. Ao apresentar os pressupostos pedagógicos, a proposta enfatizou as concepções de educação, aprendizagem, escola, prática pedagógica,
conhecimento
escolar,
currículo,
avaliação,
relação
teoria/prática
e
interdisciplinaridade e suas implicações na formação inicial em serviço. De acordo com a proposta,
A definição do professor como profissional, pensador e cidadão, pressupõe conceber a educação como um processo construtivo e permanente, que une a escola e a vida de professores e alunos, articulando conhecimentos formalmente estruturados e saberes produzidos no cotidiano. Tem caráter histórico e cultural, formando as novas gerações de acordo com as necessidades da sociedade e, ao mesmo tempo, promovendo a autorealização e o desenvolvimento das pessoas (MINAS GERAIS, 2002b, p.24).
A concepção de educação é complementada por outro pressuposto, que se traduz na concepção de aprendizagem, definida no Veredas “como a elaboração pessoal e a ressignificação de elementos social e culturalmente definidos” (MINAS GERAIS, 2002b. p.25). As experiências culturais e profissionais dos cursistas, ressignificadas, permitem viabilizar as competências que se almejam. O caráter da escola é o terceiro pressuposto, que se articula com os anteriores. No projeto,
A escola é vista como uma instituição social que concretiza as relações entre educação, sociedade e cidadania, sendo uma das principais agências responsáveis pela formação das novas gerações. Expressa-se em uma organização com cultura própria e objetivos, funções e estrutura definidos. Faz a mediação entre as demandas da sociedade por cidadãos escolarizados e as necessidades de auto-realização das pessoas. É parte da sociedade, existe
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nela e interage com os diferentes grupos sociais. Transforma-se junto com a sociedade, mas também colabora para essa transformação (Minas Gerais, 2002b. p.25).
Sendo assim, para o Veredas, “a formação inicial em serviço oferece condições especialmente favoráveis à desejável abordagem institucional da titulação de professores, pois leva em conta a dinâmica própria da escola [...] e as relações desta com a rede de ensino” (MINAS GERAIS, 2002b, p.25). Por isso, o projeto considerou importante prever, na realização do curso: (i) mecanismos de estímulo à participação do cursista na gestão da escola; (ii) dispositivos de sensibilização dos cursistas e demais integrantes da comunidade escolar; (iii) possibilidade de intercâmbio de experiências entre os envolvidos e (iv) formas de preparação de todos os envolvidos de modo que trabalhem buscando objetivos comuns. Dessa forma, garantiu o treinamento dos professores para exercer suas funções na perspectiva da hegemonia do capital. A concepção de prática pedagógica foi definida como “uma prática social específica, de caráter histórico e cultural” (MINAS GERAIS, 2002e, p.26). Considerada como ponto de partida para a teoria, a prática pedagógica deve ser reformulada a partir da reflexão sobre a própria prática. Nas palavras do projeto, “as possibilidades da escola de colaborar com a transformação social resultam do tipo de prática pedagógica que seus professores desenvolvem” (MINAS GERAIS, 2002b. p.26). Por essa razão, a prática é o elemento central do curso e os programas de formação em serviço devem incluir “mecanismos de intervenção na atividade cotidiana do professor em exercício como parte integrante do próprio curso, contribuindo para que o processo de titulação tenha impacto efetivo sobre a escola fundamental” (MINAS GERAIS, 2002b, p.26). O Veredas reconheceu que a responsabilidade da educação não é apenas da escola, que divide com diferentes agências essa tarefa; entretanto, diz o documento, a relação estreita com o cotidiano é muito forte quando se trata de uma formação inicial em serviço. Por isso, a SEEMG enfatizou a valorização dos saberes dos professores e a sua incorporação, de forma crítica, à prática pedagógica, contribuindo para o resgate da auto-estima. Esses pontos parecem reforçar a idéia enunciada por Freitas (2003) de que a ênfase na centralidade da prática situa ação educativa na figura do professor e na sala de aula; dito de outro modo, parece-nos que aqui se reforça outro pilar da educação: trata-se do aprender a aprender. A ênfase na prática não significa, segundo o projeto, diminuir a importância da teoria:
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É preciso criar espaços e momentos que garantam as condições necessárias para trabalhar a relação entre os aspectos teóricos e práticos da ação docente, de modo que professor cursista desenvolva as competências relacionadas aos seus instrumentos de trabalho de forma articulada com os fundamentos pedagógicos dos mesmos (MINAS GERAIS, 2002b, p.27).
Entretanto, como o documento deixa bem claro, trata-se de um conhecimento construído sobre a experiência, ou seja, um conhecimento contextualizado e voltado para a prática em sala de aula. Como enfatizado na proposta, a associação dos conteúdos da base comum nacional do ensino fundamental com o ensino das didáticas específicas são essenciais no projeto, posto que a reflexão sobre a prática deve levar à reformulação da própria prática, ao mesmo tempo em que os conteúdos do ensino devem ser incorporados ao trabalho do professor. Inegavelmente, a prática é o foco do Veredas, para o que o desenvolvimento de competências tornou-se fundamental. Nesse sentido é que compreendemos que a direção dada à formação dos professores mineiros ensejou a formação de um intelectual com capacidade de intervenção na sociedade, embora distante da posição que entidades como a ANFOPE (2004) defendem historicamente e com a qual compactuamos: a unidade entre teoria e prática implica assumir uma postura em relação à produção de conhecimento que perpassa a organização curricular dos cursos; ao mesmo tempo em que o trabalho deve ser tomado como princípio educativo na formação profissional, deve também ser dada ênfase na pesquisa como meio de produção de conhecimento e de intervenção na prática social. A base para a proposta curricular do Veredas são os pressupostos apresentados anteriormente; o currículo também pressupõe uma concepção de conhecimento produzido na escola, que é
[...] visto como fruto do encontro de diferentes saberes: saber cotidiano que alunos e professores trazem de suas vivências familiares e sociais, conceitos e leis científicos, elementos estéticos e culturais, reflexões filosóficas, bem como determinações legais e diretrizes curriculares (MINAS GERAIS, 2002b, p.27).
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Mais uma vez é notável o quanto a proposta mineira se afilia à epistemologia da prática e à pedagogia das competências, levando-nos a perceber, com Freitas (2003)
a prevalência de uma concepção pragmatista de formação de professores, em curso também nas nossas universidades, em decorrência de um movimento de idéias no campo da educação, que vem abraçando desde o início da década de 1990 as idéias oriundas das concepções das reformas educativas nos diferentes países (FREITAS, 2003, p. 1102).
Evidencia-se, de fato, que o novo consenso educacional foi pautado, de um lado, pelas orientações dos organismos internacionais, em especial, o Banco Mundial, bem como através dos “intelectuais transnacionalizados (os experts) que, assumindo um papel pretensamente evangelizador, percorrem o mundo vendendo seus papers pré-fabricados a quem mais lhes oferecer” (GENTILI, 1996, p. 24)146. O fato é que autores como Phillipe Perrenoud e Edgar Morin, por exemplo, em maior ou menor proporção, tornaram-se referência teórica para a reforma educacional do nível fundamental ao superior147, tornando-se, de fato, difusores do pensamento hegemônico para educar o consenso. Ao longo da proposta lemos que a interdisciplinaridade tornou-se necessária para “integrar os conteúdos curriculares, diante do rápido envelhecimento da informação factual e o esmaecimento das fronteiras entre as disciplinas tradicionais” (MINAS GERAIS, 2002b, p.27), motivo pelo qual o currículo possui eixos integradores para articular as diferentes áreas. Segundo o projeto, o mais importante eixo do currículo foi “constituído pela ressignificação da identidade profissional do professor, que pode ser vista como um eixo repassando todo o 146
Gentili (1996) recupera o exemplo de César Coll, assíduo colaborador de alguns governos neoliberais latinoamericanos (incluindo-se Brasil e Argentina), e ideólogo da reforma educacional espanhola dos anos de 1980 e 1990. No Brasil, Coll deu consultoria técnica à Secretaria de Ensino Fundamental na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e também para o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (Profa). Também contribuiu nesses programas o suíço Philippe Perrenoud e a sua pedagogia das competências, referência importante para o projeto Veredas e para as DCN. No caso específico do projeto Veredas, verificamos que na Bibliografia constam oito livros e/ou artigos de Perrenoud, além de nove de António Nóvoa, dois de César Coll e dois livros de Fernando Hernández (em co-autoria com outros autores). Na reforma educacional brasileira de forma geral, e na reforma mineira de forma específica, ganhariam espaço os chamados “novos pensadores da educação” (o francês Edgar Morin, o suíço Phillipe Perrenoud, os espanhóis César Coll e Fernando Hernández, o português Antônio Nóvoa e o colombiano Fernando Toro, entre outros). Segundo a Revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita, “em comum, carregam o fato de serem autores de sucesso [...]. Esses autores de vanguarda não têm a pretensão de fazer descobertas geniais. O “negócio” deles é reprocessar idéias já largamente difundidas (e aceitas) e apresentá-las numa linguagem fácil, objetiva e coerente com as necessidades atuais” (MARANGON & LIMA, 2002). 147 Tanto os Parâmetros Curriculares Nacionais quanto o projeto de Reforma da Educação Superior, de 2007, trazem, por exemplo, Edgar Morin como uma importante referência bibliográfica.
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processo de formação das competências docentes e pedagógicas” (MINAS GERAIS, 2002b, p.27). Finalmente, o último pressuposto é a definição de avaliação “como processo cumulativo, contínuo, abrangente, sistemático e flexível de obtenção e julgamento de informações de natureza qualitativa e quantitativa sobre os processos de ensino e aprendizagem” (MINAS GERAIS, 2002b, p.28). Essa definição de avaliação, segundo a proposta, permite que se caracterize o desempenho escolar individual, de forma a planejar o atendimento às dificuldades específicas, bem como averiguar se os objetivos específicos foram atingidos. Permite também a obtenção de elementos que possibilitem a revisão dos materiais e do desenvolvimento do curso. Não obstante a diversificação dos procedimentos e dos processos avaliativos, associados à periodicidade e periodização, a avaliação no projeto Veredas recuperou a proposta dos documentos da reforma nacional, no sentido de articular fortemente conhecimento e desempenho, resultado e eficiência. As conseqüências dessa concepção para a formação inicial em serviço estão relacionadas, segundo o Veredas, aos seguintes aspectos do processo de avaliação:
Integrar-se ao processo pedagógico, como parte essencial, centrando-se tanto na aprendizagem quanto no ensino; envolver todas as categorias de participantes; levar em conta o contexto do curso: o que pretende, a quem se destina, como e com que matéria funciona; dar-se de maneira contínua e progressiva, abrangendo todos os momentos do curso e subsidiando o atendimento a cada cursista; focalizar os múltiplos aspectos do desempenho escolar, indo além da aferição do conhecimento e considerando atitudes, comportamentos e compromisso com o trabalho docente, entre outros pontos; ter como referência as competências que traduzem as características do profissional preparado para atuar nos anos iniciais do ensino fundamental; utilizar diferentes procedimentos e instrumentos de coleta de informações, contemplando a auto-avaliação, a avaliação dos colegas e a do tutor; oferecer critérios objetivos para a graduação do professor cursista (MINAS GERAIS, 2002b, p.28. grifos meus).
Reforça-se, portanto, a idéia de que a concepção curricular por competência, que norteia todo o documento, herdou a importância dada à definição precisa dos objetivos (entendidos como comportamentos esperados e produtos a serem mantidos), estabelecendo uma estreita relação entre currículo e avaliação dos comportamentos, típicos da tradição da
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eficiência social. Para os teóricos dessa corrente, do início do século XX, o currículo “deveria se dirigir a finalidades mais funcionais e utilitárias, relacionadas com o destino social e ocupacional dos jovens americanos” (MACEDO, 2002, p.15). Para a SEEMG, a qualidade da educação e também do currículo dependem tanto da definição do profissional quanto do cidadão que o Veredas deseja formar. Para o Veredas, os pressupostos apresentados para a formação inicial em serviço são também contribuições para programas de formação continuada e podem ser aplicados, tanto para a formação em nível médio, quanto superior. Para o projeto, o que caracteriza a formação em nível superior abrange a formação como pesquisador, a reflexão sobre a prática, a vivência em ambiente universitário e o alargamento do universo cultural do aluno. Desta forma, os eixos integradores do currículo são, além da reconstrução da identidade profissional do professor, “a articulação entre ensino e pesquisa e o contato com diferentes aspectos da cultura contemporânea” (MINAS GERAIS, 2002b, p.29). Em síntese, as diretrizes curriculares que orientaram a elaboração da proposta curricular do Curso de Formação de Professores foram definidas a partir das características do profissional que o Veredas deseja formar. Em consonância com as competências definidas, as diretrizes curriculares estão estruturadas apoiando-se na valorização da prática dos professores e na ressiginificação de suas experiências, bem como em proposições que articulam teoria e prática, valorizando tanto o domínio das dimensões da prática pedagógica quanto a participação democrática; ao mesmo tempo, enfatizam o processo de construção e reconstrução da identidade profissional (MINAS GERAIS, 2002b, p.29-30). É importante ainda frisar que a proposta do Veredas mostrou o caráter centralizador das políticas desenvolvidas pela SEEMG no período. Ao mesmo tempo, constatamos que, ao assumir os “pilares da educação” como referências para a organização curricular tanto para a educação básica quanto para a formação dos professores, a proposta mineira se inseriu nas reformas já em curso, indicando a concepção hegemônica de formação e qualificação para o século XXI, dada pelos organismos internacionais e orientadoras da reforma da educação nacional. Nesse sentido, o governo de Minas Gerais assumiu a necessidade estratégica de formação dos professores, de forma a garantir a implementação do novo modo de ser, pensar e agir, promovendo a transformação social nos marcos da humanização das relações de exploração dadas pelo capitalismo, promovendo os princípios articulados pelo neoliberalismo da Terceira Via.
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6.3. A Proposta Curricular
A elaboração da proposta curricular do projeto Veredas, em conformidade com os pressupostos político-pedagógicos apresentados, é consoante com as DCN (BRASIL, 2001). Orientou-se pelas seguintes diretrizes: valorização da experiência profissional dos cursistas; ênfase na pluralidade e suas implicações para o respeito à identidade dos professores e seus alunos; ressignificação das experiências dos professores cursistas; a utilização do esquema ação-reflexão-ação; avaliação como oportunidade de aprendizagem; a contextualização do processo de aprendizagem; incorporação nas situações de aprendizagem da realidade do mundo atual; consideração pelas questões contemporâneas sobre a produção do conhecimento; incorporação de aspectos éticos, políticos e estéticos ao currículo; ênfase no processo de construção e reconstrução da identidade do profissional (MINAS GERAIS, 2002b, 2006a). Lopes (2001) observou que, em termos de organização, o currículo por competências não é disciplinar, uma vez que as habilidades e competências a serem formadas exigem conteúdos de diferentes disciplinas. Por essa razão, a organização curricular baseada em competências seria, geralmente, por módulos, pressupondo que cada módulo compreenda conteúdos e atividades que sejam capazes de formar o conjunto de habilidades especificadas. No Veredas, a organização é modular; a palavra “disciplina” não é referida, usando-se, para apresentar a matriz curricular, a expressão “componente curricular”. Considerando a organização por módulo, Lopes (2001) analisou também que “o currículo por competências pode ser considerado um currículo integrado [...]” característica que lhe dá uma positividade. Entretanto, continua a autora, a integração curricular nem sempre é positiva e ligada à uma perspectiva crítica, sendo necessário identificar as finalidades educacionais — e aqui me permito acrescentar ao seu pensamento, as finalidades políticas, econômicas, sociais e culturais — a que tal currículo se associa. Ao trazer como característica o discurso híbrido, conforme nos referimos anteriormente, o projeto Veredas aproximou tanto elementos produzidos pelo movimento dos professores desde os anos de 1980, no âmbito de entidades acadêmicas como Anfope e Anped, e sindicais, como Andes-SN, como também elementos dos discursos internacionais da reforma. Semelhante ao que Dussel (2002) analisou no caso da reforma argentina, o Veredas apresentou, especialmente, a “idéia de management — centrado na escola e de autonomia e de
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profissionalização docentes baseadas no domínio do conhecimento especializado” (DUSSEL, 2002, p.73), rearticulando, dessa forma, discursos diferentes, mas que marcaram a estrutura do ensino e contribuíram para consolidar, no currículo, as idéias e ideais da pedagogia da hegemonia. A matriz curricular foi estruturada em três eixos fundamentais: Conteúdos do Ensino Fundamental, Conhecimentos Pedagógicos e Núcleo de Integração. De acordo com o projeto Veredas, os conteúdos do ensino fundamental têm caráter instrumental, constituindo parte do conhecimento técnico especializado. Os componentes curriculares desse núcleo dizem respeito aos conteúdos dos anos iniciais do ensino fundamental e estão de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, expedidas pelo Conselho Nacional de Educação, envolvendo três áreas de conhecimento: (1) Linguagens e Códigos; (2) Identidade Cultural e Sociedade; (3) Matemática e Ciências da Natureza. A área de Linguagens e Códigos compreende: (a) Linguagem; (b) Língua Portuguesa I e II; (c) Alfabetização; (d) Educação Artística; (e) Educação Corporal. A área de Identidade Cultural e Sociedade abrange: (a) História I e II; e (b) Geografia I e II, enquanto a de Matemática e Ciências da Natureza inclui: (a) Matemática e Lógica I, II e III; e (b) Ciências da Natureza I, II e III. O Núcleo de Conteúdos do Ensino Fundamental completa-se com os Projetos Interdisciplinares, que articula as diferentes disciplinas em projetos integrados de estudo, que os professores cursistas poderão desenvolver com os respectivos alunos. Segundo o Veredas, as experiências culturais dos alunos constituem o ponto de partida do ensino dos conteúdos, devendo-se ligar a educação escolar e a vida cotidiana, com ênfase no ensino contextualizado dos conteúdos. O Núcleo de Conhecimentos Pedagógicos se desdobra em duas grandes áreas: (1) Fundamentos da Educação e (2) Organização do Trabalho Pedagógico. Segundo o projeto, os componentes curriculares da área de Fundamentos da Educação são aqueles ligados às ciências humanas e sociais, fundamentais para a compreensão do contexto da sociedade brasileira e da educação básica, do caráter institucional da escola, das características culturais dos alunos e dos seus processos de desenvolvimento e aprendizagem, bem como da identidade profissional do professor. São elas: (a) Antropologia Cultural e Educação; (b) Sociologia da Educação; (c) Economia e Educação; (d) Ciências Políticas e
260
Educação; (e) Filosofia da Educação; (f) Psicologia Social; (g) Psicologia da Educação I e II; e (h) História da Educação (MINAS GERAIS, 2002b, p. 36-37). Também foi apresentada, no texto, a indicação sobre a forma de abordagem desses componentes: é nesse núcleo que se prioriza a reflexão sobre a prática pedagógica, a fim de que o professor cursista possa ser parceiro de sua própria formação e possa compreender melhor o esquema de ação/reflexão/ação ressignificada e aperfeiçoada que é a base desta proposta de formação148. Mas, ainda de acordo com o texto, “o objeto central desse núcleo é a compreensão das funções sociais da educação fundamental e o compromisso do professor com a construção do sucesso escolar e com a educação de qualidade” (MINAS GERAIS, 2002b, p.37). A Área de Organização do Trabalho Pedagógico envolve um conjunto de componentes que articulam teorias educacionais e práticas e compõe-se de: (1) Sistema Educacional no Brasil; (2) Política Educacional no Brasil; (3) Currículo; (4) Gestão Democrática da Escola; (5) Bases Pedagógicas do Trabalho Escolar; (6) Planejamento e Avaliação do Ensino e Aprendizagem; e (7) Ação Docente e Sala de Aula. O enfoque dessa área seria o da prática competente e integrada com o tratamento dos componentes do Núcleo de Conteúdos do Ensino Fundamental. Na perspectiva do projeto Veredas, juntamente com eles, essa área define a dimensão profissional da identidade do professor, e constitui o objeto das reflexões baseadas nos componentes de Fundamentos da Educação (professor como pensador, professor reflexivo) e no compromisso com a prática pedagógica renovadora e transformadora (a dimensão cidadã da identidade do professor) (MINAS GERAIS, 2002b). O terceiro núcleo, chamado Integrador, envolve espaços e tempos curriculares especificamente voltados para o trabalho interdisciplinar e para a relação teoria/prática, tendo como referência a escola em que trabalha o professor cursista. Inclui: (a) o Eixo Integrador Identidade Profissional do Professor; (b) Seminários de Ensino e Pesquisa; e (c) Cultura Contemporânea. Na proposta, em cada módulo o eixo integrador se desdobra em um tema geral, de caráter interdisciplinar, que perpassa todas as áreas temáticas, articulando-as entre si, ajudando a relacionar os conteúdos cognitivos com a prática, promovendo a reflexão sobre essa prática concreta, e favorecendo o compromisso com a educação e a construção do sucesso escolar. 148
Esse esquema é bem definido por Donald A. Schön (2000), o principal formulador e precursor do conceito de profissional (professor) reflexivo e da epistemologia da prática. Segundo o autor, o profissional deve ser formado a partir de um currículo que desenvolva “um currículo prático reflexivo”, que “pode somar-se a novas formas de pesquisa sobre a prática e de educação para essa prática” (SCHÖN, 2000, p. 250).
261
O conjunto dos temas relativos aos sete módulos deve propiciar a ressignificação e o desenvolvimento da noção de identidade profissional do professor, cujo processo de crescimento e desenvolvimento será registrado por meio de um Memorial feito pelo aluno cursista durante todo o Curso. O segundo componente do Núcleo Integrador são os Seminários de Ensino e Pesquisa, cuja finalidade era promover a articulação entre teoria e prática pedagógica, de forma a fundamentar a realização de trabalhos de pesquisa e de inovação educacional e, principalmente, a preparação da Monografia, um dos instrumentos de avaliação do desempenho do professor cursista. Os Tópicos de Cultura Contemporânea149, segundo o projeto, destinam-se a ampliar os horizontes dos professores cursistas e a estimulá-los a uma permanente participação em eventos educacionais e culturais. Esse componente incorpora o debate de questões relevantes do momento, a fruição de eventos artísticos, educacionais e culturais. Trata-se de um espaço a ser programado em detalhe pela própria agência formadora. A proposta previu, ainda, a descrição das Atividades de Ensino e Aprendizagem, compreendendo: Atividades Presenciais, Atividades Individuais a Distância, Prática Pedagógica Orientada, Atividades Coletivas, Atividades de Avaliação, Memorial e Monografia. Na figura abaixo, tem-se a matriz curricular do projeto Veredas:
149
Nas DCN (BRASIL, 2001) há a observação de que a ampliação do universo cultural, embora seja uma exigência colocada para a maioria dos profissionais, é mais relevante ainda para os professores, não obstante não haver compromisso com esta exigência na maioria dos cursos.
262
Fig.2. Matriz Curricular do Projeto Veredas
Fonte: Minas Gerais, 2006a, p.11.
263
6.4. A Organização do Sistema de EaD: Sistemas componentes do Projeto Veredas
O Projeto Veredas foi composto de cinco sistemas integrados para garantir a execução do curso em todos os níveis organizacionais: Sistema Instrucional, Sistema de Tutoria, Sistema de Monitoramento e Avaliação de Desempenho e o Sistema de Comunicação e Informação. Esse formato garantiu a organização, a centralização e o controle, pela SEEMG, das atividades do Veredas em todo o seu desenvolvimento. Nesta seção apresentamos sucintamente tais sistemas, com o objetivo de possibilitar a visualização do desenvolvimento do Veredas.
6.4.1. Sistema Instrucional
O Sistema Instrucional tinha como finalidade a operacionalização do currículo, responsabilizando-se pelas atividades do curso e material instrucional. O quadro abaixo mostra as atividades (previstas e realizadas):
Quadro 7 - Atividades do Curso de Formação Superior previstas e realizadas nos 7 módulos
Atividades
Atividades da fase presencial intensiva
Horas totais Previstas
Horas por módulo Horas semanais
Total por módulo
Horas Realizadas
Observações
Uma semana 280 no início do módulo
280
-
40
Atividades individuais a distância
1.120
10
160
1.120
16 semanas por módulo
Prática Pedagógica Orientada, incluindo Estágio curricular Supervisionado
1.050
10
150
1.050
15 semanas por módulo
168
-
24
Atividades coletivas
3 vezes por 168 módulo durante 8 horas
264
1 vez no final de
Atividades de avaliação
56
-
8
56 cada módulo, durante 8 horas
Memorial
Monografia
Total
280
2:30
16 semanas por
40
280 módulo
10 semanas por módulo, 246 mais 22 horas no Módulo 7
246
2
32
3.200
24:30
454
3.200
Fonte: Minas Gerais, 2006a, p.13.
De forma sucinta, as atividades desenvolvidas foram: 1. As atividades presenciais intensivas, realizadas em Belo Horizonte e em várias cidades do interior de Minas Gerais, como vimos no tópico anterior. Durante essas semanas, os professores assistiam a conferências, a palestras, mesas redondas, entre outras atividades. É necessário observar que o curso, conforme o próprio documento final, apresentou uma programação padronizada, exceto no que diz respeito a estas atividades, para as quais as Instituições tiveram “liberdade de organização de acordo com a tradição e com os recursos disponíveis em cada região” (MINAS GERAIS, 2006a, p.14).
2. Atividades coletivas mensais, realizadas nas escolas onde os cursistas estavam lotados ou em escolas próximas ou dos municípios próximos. Tais atividades foram acompanhadas pelo Tutor, a quem coube a responsabilidade de organizar as discussões, entendidas como “momento de socialização de experiências, de discussão de questões de interesse comum relativas ao curso e à escola” (MINAS GERAIS, 2002a, p. 33) É importante destacar que estas atividades, acompanhadas pelos tutores, também tinham seu conteúdo organizado e padronizado nos Guias de Estudo. De modo geral,.para esses encontros previase: 1. Oficina Integradora (90min); 2. Planejamento Preliminar de Aulas (90min); 3. Discussão de Memoriais (60min); 4. Exibição de Vídeo da Unidade e Debate (60min); 5. Oficina de Monografia (60min). A partir do módulo 3, acrescentou-se ao planejamento os itens de Avaliação da Reunião (30min), bem como tempo para Resolução de Dificuldades na leitura dos textos de alguma unidade do módulo, em geral ligadas à área de Linguagem e Códigos.
265
3. A prática pedagógica, considerada uma das atividades centrais do projeto, por ter o caráter de formação em serviço e na modalidade a distância. Estas atividades consistiam na prática desenvolvida em sala de aula, nas quais os professores receberam a visita dos tutores pelo menos duas vezes por semestre, ocasião em que os tutores acompanhavam o desenvolvimento pedagógico de cada professor. No último módulo foram organizados Projetos de Trabalho Interdisciplinar, previstos na matriz curricular. Como se vê pelo quadro, de fato, grande parte da carga horária destinava-se à prática em sala de aula. A ênfase dada a prática pedagógica, ou ao caráter técnico do Veredas, não foi apenas formal; recomendava-se, por exemplo, na introdução das Atividades Coletivas do Módulo 3, Volume 3:
Caso não haja tempo de desenvolver todas as atividades sugeridas, voltamos a insistir que o Planejamento Preliminar de Aulas nunca deve ser excluído da programação, pois ele é um elemento básico para a Prática Pedagógica Orientada, que corresponde a cerca de um terço da carga horária total do Veredas (MINAS GERAIS, 2002i, p. 259).
4. Tópicos de Cultura Contemporânea, que compreendiam as atividades culturais promovidas pelas AFOR na semana presencial. A proposta pedagógica do Veredas incluiu entre seus objetivos a “ampliação dos horizontes culturais dos professores cursistas e o estímulo a uma permanente participação deles em eventos educacionais e culturais” (MINAS GERAIS, 2002j, p.11). Isso porque, de forma geral, os professores cursistas tinham poucas oportunidades de participar de eventos culturais e artísticos em suas cidades, seja por serem poucos, caros ou até mesmo raros, em alguns locais. Com efeito, alguns dados retirados da pesquisa realizada por Fanfani (2005) e por Abramovay et al. (2004) confirmam que o acesso a bens culturais, por parte dos professores, é bastante restrito. A televisão e o rádio são os meios mais utilizados pelos professores: três em cada quatro assistem tv diariamente, enquanto a metade ouve rádio todos os dias. Segundo Fanfani (2005), 40% dos professores lêem jornais e revistas diariamente, entretanto, a maioria deles é da rede privada. Abramovay et al. (2004) mostrou que, à pergunta sobre a participação em eventos culturais e outros espaços sociais (museus, teatros, exposições em centros culturais, cinemas, fitas de vídeo, show de música popular ou sertaneja, danceterias, bailes, bares com música ao vivo e clubes), assistir a fitas de vídeo
266
(33% o fazem uma vez por semana, 32% uma vez por mês) sobrepôs-se às demais. O cinema, por exemplo, apresenta proporções bastante inferiores (49% vão ao cinema algumas vezes ao ano, 20,4% uma vez por mês e 5,8%, semanalmente), embora seja importante lembrar a inexistência de salas de cinema em muitos municípios brasileiros, o mesmo se observando em relação a teatro, museus e centros culturais. Assim, a inclusão, de forma sistemática, de “Tópicos de Cultura Contemporânea” durante as semanas presenciais, a meu ver, foi uma ação importante desenvolvida pelo Veredas, permitindo o acesso dos professores do interior do Estado a diferentes eventos culturais. Segundo o Veredas,
Como as atividades presenciais de início de cada módulo são programadas para semanas de férias escolares da rede pública e férias da própria instituição de ensino superior, os professores cursistas não poderão participar das atividades organizadas pela AFOR para os demais alunos de seus cursos regulares. Por isso, tornou-se necessário cuidar desse assunto de forma sistemática (MINAS GERAIS, 2002j, p.11).
Não podemos deixar de notar que, pela natureza do curso — a distância e em serviço — a vivência no ambiente universitário, tão desejável pelo Veredas, mais uma vez não ocorreu.
5. Excursões durante as semanas presenciais.
O material instrucional, utilizado pelos cursistas nas Atividades Individuais a Distância e nas Atividades Coletivas, foi organizado da seguinte maneira: um Guia Geral, para informação dos professores cursistas em relação à proposta do Curso, à Prática Pedagógica Orientada e às estratégias de estudo e verificação da aprendizagem em cursos a distância; sete Guias de Estudo, cada um dividido em quatro unidades (num total de 28 volumes, quatro para cada módulo), incluindo textos e orientações para o desenvolvimento: (a) do Núcleo de Conteúdos do Ensino Fundamental e da respectiva transposição didática; (b) do Núcleo de Conhecimentos Pedagógicos; (c) do Eixo Integrador; e (d) dos Seminários de Ensino e Pesquisa;
267
Além dos Guias de Estudo, foram publicados alguns guias especiais, 22 vídeos, sendo 3 por módulo e 1 de apresentação geral do Veredas - Formação Superior de Professores. Os Guias de Estudo foram preparados por um grupo de professores doutores e mestres, selecionados entre 240 profissionais inscritos em processo seletivo. Estes professores participaram de Oficina de Planejamento e de Preparação de Textos, durante uma semana, objetivando analisar as linhas teórico-metodológicas do curso, detalhar o formato dos textos, definir os objetivos de cada módulo, os respectivos conteúdos e recursos de ensino e avaliação, para que o material produzido tivesse qualidade e, principalmente, adequação ao ensino a distância. É preciso destacar que o fato de os Guias de Estudo terem sido preparados por diferentes profissionais, que não os elaboradores da proposta pedagógica do Veredas, permitiu a possibilidade de encontrarmos, nos Guias de Estudo, conceitos, concepções, idéias diferenciadas, de tal sorte que os professores cursistas puderam ter contato com aportes teóricos e perspectivas de sociedade em disputa. Na apresentação do Módulo 3, no Volume 4, por exemplo, esse fato é anunciado para os professores cursistas:
As teorias vistas nesses componentes permitem perceber com maior clareza os pressupostos e as bases da nossa política educacional, ao mesmo tempo em que esta apresenta exemplos esclarecedores da discussão teórica. Nem sempre, contudo, essa articulação é automática. Na Unidade 4 de Política Educacional no Brasil, por exemplo, você vai encontrar algumas diferenças conceituais em relação à Unidade 4 de Economia e Educação. Trata-se das noções de eficiência, eficácia e efetividade, que na verdade são mesmo polêmicas, havendo mais de uma definição ligadas a diferentes correntes teóricas nos campos de planejamento, finanças e avaliação de políticas. De qualquer maneira, você deve ler atentamente os dois textos, procurando compreender bem o que diz cada um. Consideramos que não seria o caso de pedir a um dos autores (ou a ambos) para mudar(em) seu(s) texto (s), não apenas porque isso representaria um patrulhamento que não aceitamos, mas também porque é importante para sua própria formação que você saiba como posicionar-se diante de situações como essa, em que é possível adotar perspectivas teóricas a respeito de um tema polêmico. É importante que distinga com clareza os diferentes conceitos e os contextos em que foram usados, mas não lhe cobraremos a opção por uma ou por outra linha. Quando usar esses conceitos, porém, não esqueça de explicitar o significado que você estiver dando a cada um (grifos nossos. MINAS GERAIS, 2002k, p. 15).
268
6.4.2. Sistema Operacional
O Sistema Operacional tinha como responsabilidade as providências necessárias para viabilizar a realização das atividades previstas, englobando os seguintes aspectos: organização do Veredas na Secretaria de Estado da Educação; seleção dos professores cursistas; seleção das agências formadoras; seleção e treinamento dos tutores; distribuição dos materiais do curso; planejamento e coordenação das Atividades Presenciais; planejamento e coordenação das Atividades Coletivas; gerenciamento geral e dos aspectos financeiros do curso. O grupo Coordenador Geral do Veredas foi formado pelos dirigentes dos órgãos superiores da SEEMG e dos Consultores contratados para o projeto, desempenhando as funções de Coordenador Geral, Coordenador Pedagógico e Coordenador Administrativo. O projeto contou com uma equipe pedagógica, composta de consultores especialistas em formação de professores e em educação a distância, cuja incumbência era a revisão do material instrucional (Guias de Estudos e roteiros de vídeos), bem como realizar atividades de capacitação de tutores, entre outras tarefas afins. Em cada Agência de Formação organizou-se um grupo coordenador, em geral composto por um Coordenador Geral, Coordenador de Tutoria, Coordenador de Avaliação e um de Informática, além de um Colegiado de Ensino que decidia sobre matrículas, faltas, entre outros, que contava com representantes dos tutores e dos professores cursistas. A organização da infra-estrutura necessária para o funcionamento do curso na instituição ou na região dos cursistas foi garantida pela quantia inicial de R$72.000,00 para cada Subpólo. Algumas AFOR montaram casas ou escritórios com infra-estrutura de computadores, veículos, bibliotecas setoriais e atendimento aos cursistas, como foi o caso da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
269
Fig.3: Organograma da Agência de Formação (AFOR)
Fonte: Minas Gerais, 2006a, p. 26
Foi criado um Fórum das Agências de Formação, composto pelo Secretário de Estado da Educação (Presidente), equipe de Coordenação Geral do Veredas e Coordenadores do Veredas na AFOR. O Fórum se reunia uma vez por semestre em caráter ordinário e tinha como objetivo deliberar sobre o aperfeiçoamento contínuo do curso e sobre critérios de uniformização dos processos acadêmicos. Ao longo do curso, foram nove reuniões150, nas quais foram aprovadas 15 normas destinadas ao funcionamento do curso e nas quais foram planejados os cronogramas e atividades. É preciso, mais uma vez, enfatizar o caráter de operacionalização atribuído ao Fórum e às AFOR, cuja atribuição foi a de normatizar e padronizar as ações do projeto Veredas, ficando para a SEEMG a elaboração da proposta político-pedagógica bem como a seleção e orientação dos autores responsáveis pelos textos dos Guias de Estudo. 150
A primeira reunião realizada em fevereiro de 2002 foi destinada à instalação do Curso; a segunda, no fim do primeiro semestre e início do segundo módulo, em agosto; a terceira, no fim do segundo módulo, em dezembro de 2002; a quarta, no primeiro semestre de 2003; a quinta, no segundo semestre do mesmo ano; a sexta, no primeiro semestre de 2004; a sétima, no segundo semestre de 2004; a oitava no início de 2005. A nona, em agosto de 2005, teve o objetivo de promover o encerramento do curso e de discutir critérios para aprovar planos especiais de estudo para os cursistas que, tendo tido licenças para tratamento de saúde durante o período do curso, ainda precisassem de algum tempo para completar sua Prática Pedagógica Orientada (MINAS GERAIS, 2006a, p.27).
270
6.4.3. Sistema de Tutoria
O Sistema de Tutoria previa o apoio pedagógico às atividades de todos os participantes e sua contínua capacitação, incluindo: o planejamento do esquema de tutoria; o acompanhamento das Atividades Individuais a Distância e da Prática Pedagógica Orientada; o planejamento de atividades para recuperação da aprendizagem; a elaboração dos materiais de apoio à atuação dos participantes do projeto e o planejamento do treinamento dos tutores. A previsão inicial foi de que cada grupo de 15 professores cursistas formaria uma turma e teria um tutor, geralmente professor de curso de formação de professores. Foi estabelecido também que o contato tutor-alunos ocorreria em todas as atividades presenciais realizadas no início de cada módulo, nas reuniões mensais e por correio eletrônico, além das visitas às escolas. Na prática, algumas alterações foram necessárias por diferentes razões: mudanças na composição dos grupos de cursistas face ao número e à proximidade com a escola, saída de tutores e dificuldade para capacitar novos profissionais para substituí-los, entre outros, modificando a previsão inicial.
Quadro 8 - Relação Tutores/cursistas nas diferentes AFOR em 2004 Item
AFOR
SUBPÓLO
CURSISTAS
TUTORES
Relação Tutores/cursis tas
1
FUMEC
1
503
30 (5)
14,4
2
UFU
2
610
42
14,5
3
UFJF
3, 14, 15
1.811
64 (64)
14,1
4
FEM
4
295
21
14,0
5
FAFILE
5
427
29
14,7
6
FAFIPA
6
404
28
14,4
7
UNINCOR
7, 17, 24
1.461
80
18,3
8
UFV
8, 11
991
62
15,9
9
FINOM
9
487
31
15,7
10
FENORD
10
550
27
20,4
271
11
UNIPAM
12
478
30
15,9
12
UNIMONTES
13, 18, 19
1295
92
14,9
13
FAFÍDIA
16
618
37
16,7
15
UFMG
20, 22
563
40
14,0
16
UEMG-BH
21, 23
838
58
12,7
14
UNIUBE
25
611
36
14,6
17
FUNEDI
26
567
34
16,7
18
UNIS
27, 28, 29
1.482
83 (13)
17,7
13.991
852 (82)
15,4
TOTAL
Observação: ( ) Número de professores em tempo integral, com 2 turmas. Fonte: MINAS GERAIS, 2006a, p. 38
A formação das Turmas ou Grupos observou algumas preocupações: em primeiro lugar, que os professores cursistas fossem da mesma escola, porque, além de permitir a realização de grupos de estudos, facilitava o trabalho de acompanhamento do Tutor em relação às atividades pedagógicas; na impossibilidade dessa alternativa, as turmas foram organizadas com professores de várias escolas do mesmo município ou, como última alternativa, de municípios vizinhos. Os formuladores do projeto destinaram ao Tutor um importante papel no curso, sendo estes responsáveis por ações de caráter mais geral, envolvendo tarefas orientadoras (ajudar nas dificuldades, orientar os estudos, explicar metodologias, etc.), tarefas de caráter acadêmico que envolveram a orientação e programação de estudos, orientação de Monografias e indicação de bibliografias, direção das Atividades Coletivas. Além dessas ações, o tutor também realizou tarefas de caráter pessoal, tais como orientar, animar, motivar e ajudar os cursistas. No que se refere às ações específicas, coube ao tutor reunir-se com os professores cursistas uma vez por mês para 8 horas de Atividades Coletivas programadas, visitar as escolas de cada professor cursista para acompanhar as atividades pedagógicas desenvolvidas e o progresso dos alunos, programar atividades de recuperação; orientar a elaboração do Memorial e da Monografia; controlar a freqüência dos alunos às Atividades
272
Coletivas; preencher fichas de acompanhamento do desempenho do cursista e preencher os relatórios de Monitoramento e Avaliação151 (MINAS GERAIS, 2002b; 2002d). Não obstante o papel fundamental do Tutor para o sucesso do Veredas, conforme o próprio documento ressalta, Ferreira & Garrido (2005) observaram que o recrutamento, seleção e qualificação dos tutores para o desempenho de suas funções ocorreu em curto espaço de tempo: “não se faz milagres com a formação profissional dos implicados, nem mesmo com todo o aparato tecnológico atual. É necessário tempo para dialogar, preparar tutores, participantes e o campo de trabalho na AFOR, ou seja, dar tempo para o amadurecimento de todos os envolvidos no processo” (FERREIRA & GARRIDO, 2005, p.6). Poderiam se candidatar a tutor os professores da própria AFOR, de curso de Pedagogia ou Licenciatura em disciplinas do Ensino Fundamental, com experiência nos anos iniciais do ensino fundamental, em exercício, ou aposentado ainda atuante na área de educação; professor da rede pública de ensino, desde que tivesse graduação em cursos de Pedagogia ou Licenciatura nas disciplinas do Ensino Fundamental, e curso de pós-graduação lato sensu ou experiência equivalente; alunos de Mestrado e Doutorado da própria AFOR, desde que comprovassem experiência em anos iniciais do ensino fundamental. De acordo com o Relatório Final, dos 852 tutores das 18 AFOR que atuaram no Veredas, 47,02% pertenciam ao quadro docente da AFOR e 52,98% foram contratados para o projeto152 (MINAS GERAIS, 2006a, p.35). Ferreira & Garrido (2005) também destacaram, em sua pesquisa, o fato de que muitos tutores nunca haviam orientado a elaboração de um trabalho científico ou nem mesmo realizaram um; assim, não dominavam o conhecimento apropriado para essa tarefa, de forma a permitir-lhes orientarem os professores cursistas na elaboração da monografia. Também observaram que a maioria dos tutores tinha pouca ou nenhuma experiência no ensino superior, 151
Eram competências dos Tutores: programar e coordenar o trabalho de formação de professores, isto é, as situações de aprendizagem que a eles foram propostas; acompanhar e monitorar o percurso pessoal de aprendizagem dos professores; identificar as diferentes necessidades de estudo do grupo e propor encaminhamentos que favorecessem o avanço de todos; criar contextos favoráveis à aprendizagem de situações desafiadoras para a formação de professores; favorecer o trabalho cooperativo; participar ativamente do projeto da agência formadora à qual estavam vinculados (secretaria de educação, escola, universidade); informar aos demais atores que participam do projeto institucional da agência formadora sobre o encaminhamento dos trabalhos de formação, convidando-os a oferecer suas contribuições sempre que necessário; utilizar novas tecnologias; enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; administrar a própria formação contínua (MINAS GERAIS, 2006a, p. 37). 152 Outros dados complementam o perfil dos tutores: a) quanto ao sexo: a maior parte é do sexo feminino (88,1%); b) quanto à idade: 14,8% têm menos que 30 anos; 35,2% têm de 31 a 40 anos; 30,4%, de 41 a 50 anos; 19,5% têm mais de 50 anos; c) quanto à titulação: 3,9% doutores; 16,3% são mestres; 60,4% são especialistas e 19,4% graduados. A titulação melhorou ao longo do curso porque muitos tutores concluíram outros cursos que estavam freqüentando (MINAS GERAIS, 2006a, p.37).
273
embora o perfil requerido fosse o de um profissional da educação (pedagogo ou licenciado em disciplinas do ensino fundamental) com experiência de ensino superior e em regência de turma no ensino fundamental, especialmente nos seus anos iniciais. Os tutores selecionados foram capacitados em um programa de 40 horas, realizados nas AFOR, cuja finalidade era o estudo do Projeto Pedagógico e dos primeiros Guias de Estudo, o funcionamento do programa, discussão dos Manuais do Tutor e dos Cursistas. Além desse programa inicial, durante o curso foi realizada uma videoconferência para todos os tutores e também Seminários Regionais de tutores, com o objetivo de discutir questões sobre avaliação de desempenho, dos Memoriais e Monografias e da Prática Pedagógica. Semanalmente ou quinzenalmente os tutores se reuniam nas AFOR para acompanhamento do projeto.
6.4.4. Sistema de Monitoramento e Avaliação de Desempenho
O Sistema de Monitoramento e Avaliação de Desempenho, responsável pelo aperfeiçoamento do projeto e seu funcionamento regular, tinha como tarefa a avaliação da qualidade do Curso e a coordenação do fluxo das atividades de verificação de aprendizagem. Incluiu os seguintes componentes: visitas às AFOR pela equipe pedagógica do Veredas; análise de relatórios feitos pelas AFOR; levantamento de indicadores153 e definição de instrumentos para coleta de informações; desenho de fluxos de informações, que definiram as direções e as interligações entre os processos de avaliação do desempenho dos professores cursistas e de monitoramento154 e avaliação do próprio Projeto.
153
Segundo o Relatório, os Indicadores de Qualidade tinham como objetivo apenas a auto-avaliação das AFOR, não se constituindo em documentos e/ou ranking entre as AFOR. Entre eles: Localização da Semana Presencial no próprio Pólo ou próximo dele; Realização de todas as atividades pedagógicas no turno diurno (à noite, realização apenas de atividades culturais); Presença de cursistas em todos os eventos; Palestras com convidados de renome; Envolvimento de professores das próprias AFOR nas atividades presenciais; Envolvimento de professores da AFOR como Tutores; Qualificação dos Tutores; Experiência pedagógica dos Tutores; Relação numérica de Cursistas/Tutores; Resultado da avaliação; Atividades culturais desenvolvidas; Escritório destinado ao Veredas no pólo; Sistema de comunicação dos cursistas com os Tutores; Sistema de Informática utilizado; Disponibilidade de uso da biblioteca;Distribuição dos textos de referência; Atividades de avaliação contínua e presencial; Orientação para os Memoriais; Orientação especial para as Monografias; Organização do Colegiado do curso. (MINAS GERAIS, 2006a, p.54-55). 154 Mecanismos de Monitoramento adotados pela Coordenação: promoção de reuniões periódicas com Coordenadores de Sistemas; visitas às AFOR para acompanhamento do projeto nas instituições de ensino superior, quando foram entrevistados Coordenadores, Tutores e cursistas; reuniões do Fórum das AFOR; informações gerenciais no Portal do Veredas e nos Portais das AFOR; análise dos relatórios semestrais
274
A concepção de avaliação do Veredas apoiou-se na interdependência de suas funções diagnóstica, formativa e somativa. A função mais evidente, a pedagógica, que objetivava a verificação da aprendizagem dos cursistas, a identificação de suas necessidades e a regulação (melhoria) do processo ensino-aprendizagem, foi complementada com a certificação dos cursistas, compreendida como declaração de domínio das competências curriculares enunciadas na proposta pedagógica (MINAS GERAIS, 2006b, p. 49). Segundo o Relatório Final, o material didático possibilitou uma avaliação constante do progresso e das dificuldades dos cursistas, contribuindo tanto para uma compreensão da avaliação como parte integrante do ensino-aprendizagem, quanto para uma mudança na prática avaliativa na escola. O documento destacou ainda dois momentos da avaliação de desempenho dos cursistas155, considerando a exigência legal de avaliação presencial para os cursos de educação a distância. O primeiro momento, a avaliação de processo, tinha como característica o processo contínuo e cumulativo, aconteceu de maneira formal e informal, se relacionando mais diretamente com o sistema de recuperação. O segundo momento aconteceu ao final de cada módulo, sob a forma de uma prova.
6.4.5. Sistema de Comunicação e Informação
Este sistema possuía dois objetivos básicos. O primeiro, viabilizar o funcionamento do Sistema de Tutoria, fornecendo os meios para os contatos necessários entre as diferentes elaborados pelas AFOR; análise dos dados fornecidos pelos cursistas junto com a prova semestral; dados do gerenciamento financeiro do curso. Além dessas atividades, durante o curso foram feitas visitas de monitoramento às AFOR com o objetivo de verificar os registros dos cursistas, as condições de funcionamento do curso, a organização das turmas e da Tutoria, o desenvolvimento da Informática, a biblioteca especifica para o Veredas, acompanhar o desenvolvimento do trabalho, certificar-se que as recomendações estavam sendo cumpridas e fornecer às instituições orientação para aperfeiçoamento do projeto. Em todos os locais visitados foram, sempre que possível, realizadas reuniões com grupos de Tutores e de cursistas (MINAS GERAIS, 2006a, p.54). 155 A avaliação global do Professor Cursista no Veredas compreendeu: 1.) desempenho nos componentes curriculares, obtido nas atividades de verificação programadas por área, em cada Unidade, através do Caderno de Avaliação da Unidade e da Prova semestral realizada no final de cada módulo; 2.) as observações do Tutor no tocante à Prática Pedagógica orientada e às atividades coletivas; 3.) a análise do Memorial; 4.) a análise da Monografia. A aprovação do cursista em cada módulo ocorreu quando, no conjunto dos componentes curriculares e nas três atividades (Memorial, Monografia e Prática Pedagógica), ele obtiver notas iguais ou superiores a 60 % dos pontos. Portanto, foram 4 as notas que deveriam ser iguais ou superiores a 60% dos pontos: - Nota dos conjuntos dos componentes curriculares (0 a 100 pontos); - Nota do Memorial (0 a 100 pontos); - Nota da Monografia (0 a 100 pontos); - Nota da Prática Pedagógica (0 a 100 pontos); Além de obter 50% de aprovação em cada componente curricular, o cursista teve que obter 60% de aprovação na média final (MINAS GERAIS, 2006a, p.50-51).
275
categorias de participantes do projeto Veredas. O segundo, agilizar o fluxo das informações indispensáveis para o trabalho das AFOR e da coordenação estadual. Nas Centrais de Atendimento implantaram-se os Núcleos de informática para atender a consultas, reclamações, críticas, elogios e sugestões (que poderiam ser encaminhadas via telefone, fax ou correio) e viabilizar o fluxo das comunicações entre as AFOR, cursistas e demais participantes que porventura não tinham acesso à Internet. Incluiu também o Portal VEREDAS, na WEB, destinado a prestar serviços de comunicação e informação aos professores cursistas e às agências formadoras. No Portal havia vários menus destinados aos diferentes tipos de serviços prestados: informação geral sobre o Curso; componentes curriculares e seus conteúdos; informações sobre as AFOR e seus tutores; orientação à tutoria; intercâmbio com outros cursistas e demais participantes do Projeto Veredas; cursos virtuais de auto-aprendizagem sobre informática para os cursistas; avaliação de desempenho dos professores cursistas; cadastro dos participantes; controle de acesso à base de dados; outros sítios selecionados. Em 2004, foi organizada a Biblioteca Digital, em parceria com a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com o objetivo principal de fornecer a literatura técnico-científica para a elaboração das monografias. Esta ação foi possível pela colaboração da UFMG, que já organizava uma Base de Dados de Educação na Faculdade de Educação, onde estavam catalogados 27 mil artigos de periódicos nacionais e estrangeiros da área. A Biblioteca foi distribuída às AFOR em um conjunto de 3 CDs, sendo de grande relevância para os cursistas (Minas Gerais, 2006a). Claro está que o Sistema de Comunicação e Informação também não atendeu ao requisito de promover o domínio das TIC’s pelos professores cursistas, dado que, como os próprios documentos do Veredas registraram, o projeto, de fato, foi desenvolvido apoiado no material instrucional impresso. Os cinco sistemas componentes do Projeto Veredas foram articulados entre si, envolvendo os diferentes níveis em que se deu a implementação do Curso de Formação Superior de Professores. Para a organização desses sistemas, elaborou-se os Manuais, discutidos no Fórum de Instituições do Ensino Superior, que foi a instância de articulação política do Veredas - Formação Superior de Professores. É certo que a formação de professores em nível superior, longe de ser apenas uma formalidade legal, foi uma reivindicação histórica do movimento social organizado e tornou-
276
se uma exigência em face da complexificação do trabalho, de forma geral, e do trabalho docente, de forma específica. O projeto Veredas foi, de fato, um programa ousado da SEEMG em vários aspectos: na sua abrangência (todo o território mineiro), na sua organização e gestão (consórcio entre a SEEMG e as IES mineiras), na formulação (centralizada pela SEEMG) e na implementação (pelas IES). Inegável também a sua importância política, não apenas pelo grande número de professores formados, mas porque significou uma política concreta da aparelhagem estatal mineira visando consolidar o seu projeto de formação humana. Pensar uma formação e profissionalização do magistério supõe, como consta no projeto Veredas, a compreensão de que esse profissional domine o conhecimento específico de sua área e também os saberes pedagógicos. Entretanto, é fundamental que esse conhecimento se dê numa perspectiva de totalidade, de forma a que esse professor seja
Capaz de, apoiando-se nas ciências humanas, sociais e econômicas, compreender as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, construindo categorias de análise que lhe permitam apreender as dimensões pedagógicas presentes nas relações sociais e produtivas, de modo a identificar as novas demandas de educação e a que interesses elas se vinculam (KUENZER, 1999, p.170).
Dessa forma, é que concebemos a identidade do professor, construída como parte integrante de um projeto e de uma concepção de sociedade que, de fato, propicie a superação das desigualdades e a formação de um homem de novo tipo. As entidades organizadas através do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, tais como o ANDES-SN, a ANPED (2001a, 2001b, 2001c), a ANFOPE (2004), bem como diferentes pesquisadores já citados nesta tese, destacaram, com bastante precisão, que a dependência com os organismos internacionais, financiadores das políticas educacionais brasileiras, submeteu a formação de professores a modelos implantados em outros países, trazendo como conseqüência uma preparação centrada no desenvolvimento de competências para o exercício técnico-profissional. Dessa forma, o professor a ser formado não se torna um intelectual comprometido com uma nova forma de ser, pensar e agir, como queria Gramsci, mas sim um intelectual orgânico necessário à manutenção da sociabilidade burguesa. Não é demais recuperar as DCN (BRASIL, 2001), nas quais se estabeleceu que
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A definição do que um professor de atuação multidisciplinar precisa saber sobre as diferentes áreas de conhecimento não é tarefa simples. Quando se afirma que esse professor precisa conhecer e dominar os conteúdos básicos relacionados às áreas de conhecimento que serão objeto de sua atividade docente, o que se quer dizer não é que ele tenha um conhecimento tão estrito, basicamente igual ao que vai ensinar, como também não se pretende que ele tenha um conhecimento tão profundo e amplo como o do especialista por área de conhecimento (BRASIL, 2001, p. 38-39).
Assim, aos professores dos anos iniciais do ensino fundamental não se torna necessário, como o enfatizavam os documentos internacionais, a formação em universidades, mas sim, uma formação, embora em nível superior, centrada na prática e na sala de aula. Não nos pareceu ser diferente no projeto Veredas, embora seja importante destacar que, se nos primeiros módulos, durante as reuniões mensais com os tutores a maior parte do encontro era dedicada à prática em sala de aula, mais ao final do curso reservou-se algum tempo para as questões mais teóricas. A utilização da EaD como estratégia para atingir um grande número de professores suscita algumas questões para o debate. Apesar de constar no projeto original, não ocorreu a utilização e apropriação das TIC pelos professores cursistas, sendo utilizado majoritariamente material instrucional impresso. Embora o discurso oficial apresente a urgente e necessária incorporação das TIC pelos trabalhadores, condição para a empregabilidade e para a inserção no mundo globalizado, devendo a escola ser capaz de preparar as futuras gerações para os novos tempos, na prática, os professores não foram preparados para desempenhar essa função Não parece ser irrelevante lembrar a preocupação expressa em outros momentos da tese de que as vantagens alardeadas, inclusive pelos organismos internacionais, relativas à utilização da EaD para formação em larga escala, estão ligadas à relação “custo-benefício”, considerando-se o número de pessoas que atinge e o custo dos materiais utilizados. Não foi nosso objetivo avaliar a o material instrucional; os Guias de Estudo foram utilizados aqui apenas como exemplos. Entretanto, não podemos nos furtar a fazer algumas observações a esse respeito. Não obstante serem escritos por professores de reconhecido mérito acadêmico, a natureza do material e do público ao qual se destina — textos que substituem as aulas presenciais, para leitura e estudo individual, para cerca de 15000 professores de todo o Estado de Minas, das zonas rurais e urbanas, entre outras diferenças já assinaladas —, exige uma linguagem mais coloquial e menos acadêmica. Embora ao final de
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cada unidade exista a indicação de leituras complementares, é preciso considerar que o curso, por ser a distância e em serviço, foi realizado nas horas vagas dos professores cursistas, nem sempre em locais e em condições de estudo adequadas ao aprofundamento necessário. Os encontros presenciais com os tutores, uma vez por mês, tinham programação estabelecida antecipadamente e não previam estudo de textos teóricos, exceto esclarecimento de dúvidas que os textos constantes nos Guias de Estudo pudessem suscitar.
A padronização dos
materiais elimina as possibilidades de adequação dos conteúdos às diferenças pessoais, locais e regionais. É certo, como afirmamos anteriormente com Zuin (2006), que é ingênuo pensar que a presença física do professor por si só garanta a qualidade da educação; por outro lado, ao assumir as indicações modernizadoras para a formação de professores (em serviço e a distância), a SEEMG garantiu a difusão dos princípios ético-morais e filosóficos de sua proposta. Com efeito, em outras pesquisas, como as realizadas por Calderano et al. (2006) e Barbosa (2006), concluiu-se que a grande maioria dos professores cursistas apreenderam o discurso conceitual explícito nos Guias de Estudo do Veredas sobre o papel da educação no mundo contemporâneo. As primeiras pesquisadoras notaram uma evidência explícita de que esses conceitos/discursos podem ter sido aceitos por “estar na moda”, uma vez que são muito repetidos no material instrucional disponibilizado pelo curso. É o caso, por exemplo, da tríade ação-reflexão-ação, presente nos Memoriais dos professores cursistas analisados por Barbosa (2006). Embora as autoras tenham observado que esse resultado pode não significar uma compreensão mais profunda dos conceitos para a vida dos professores, é inegável que o discurso hegemônico vem sendo paulatinamente assumido pelos professores, confirmando também o que Abramovay et al. (2004) destacaram em sua pesquisa, no qual perceberam, por parte dos entrevistados, “[...] uma tendência em responder as questões apresentadas dentro de padrões que os possam valorizar, frente ao que hoje é estabelecido como o politicamente correto” (grifo dos autores. ABRAMOVAY et al., p. 171). Por outro lado, não nos parece ser inconveniente resgatar, mais uma vez, que a educação é um processo dinâmico, dialético e contraditório, que se insere no âmbito das disputas que ocorrem na sociedade. Assim, embora consideremos que a política pública possa fazer parte da tarefa educadora da aparelhagem do Estado, não é improvável que a ampliação dos patamares de escolaridade dos professores lhes permita novos olhares sobre a escola, a sociedade, o país e o mundo.
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Sem dúvida, é preciso lembrar que os professores e a escola estão inseridos na realidade concreta e histórica, onde estas disputas tomam forma real e se entrecruzam com os projetos pessoais e existenciais dos professores. Sendo assim, o projeto Veredas assume uma materialidade concreta, e não é irrelevante que, para muitos professores cursistas, foi a única possibilidade de retorno à escola, e de formação em nível superior. Uma questão é compreender a formação, em nível superior, em caráter emergencial, do enorme contingente de professores em exercício na rede pública, que vive nos mais longínquos recônditos mineiros, sem outra forma de acesso ao ensino superior. Outra questão é transformar a EaD, não num complemento aos processos educacionais e de aprendizagem, mas na solução dos graves problemas da formação dos professores brasileiros, afastando das salas de aula das Instituições Públicas de Ensino Superior aqueles grupos que, historicamente, jamais tiveram acesso a elas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo da hipótese de que as atuais mudanças na formação humana apresentam como determinação fundamental a construção de uma nova sociabilidade, um novo modo de ser, pensar e agir, compreendemos que essa nova sociabilidade tem componentes técnicos e ético-políticos. Os primeiros estão ligados às mudanças no conteúdo e na forma do trabalho no capitalismo contemporâneo, e os segundos, à constituição de uma nova cultura cívica, ou seja, a formação de um novo homem coletivo, de uma nova cidadania. O professor das séries iniciais do ensino fundamental tem um papel fundamental na difusão dessa nova cultura, na medida em que é responsável, na escola, pela formação das futuras gerações para a nova sociabilidade e também na preparação dos jovens para o trabalho num ambiente de incertezas. Com efeito, se queremos compreender as políticas de formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental do Brasil de hoje, precisamos inseri-las no âmbito das mudanças no mundo do trabalho, nas relações de poder e nas relações sociais. O significado e a função social da profissão docente, ao longo da história, variaram de acordo com o desenvolvimento e as transformações sociais, políticas, econômicas e culturais das sociedades modernas. Entendemos, com Gramsci, que tanto o Estado stricto sensu quanto a sociedade civil estão dialeticamente atravessados pela luta de classes. Assim, através do conjunto dos aparelhos privados de hegemonia (associações políticas, culturais, sindicatos, escolas, igrejas, clubes, entre outros), o Estado busca o consenso, educa através desses aparelhos. Em outras palavras, significa que o Estado, ao se identificar com os indivíduos de um determinado grupo social, constrói um movimento para criar uma nova civilização, um novo tipo de homem e de cidadão (o novo homem coletivo). Por esta razão, Gramsci defendeu a necessidade de se “construir, no invólucro da sociedade política, uma complexa e bem articulada sociedade
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civil, em que o indivíduo particular se governe por si sem que, por isso, este seu autogoverno entre em conflito com a sociedade política, tornando-se, ao contrário, sua normal continuação, seu complemento orgânico” (GRAMSCI, 2000, p. 279). O conformismo social — o projeto de sociabilidade — se aprofundou e se ampliou nas sociedades contemporâneas, de maneira que “a estandardização do modo de pensar e de atuar assume dimensões nacionais ou até mesmo continentais” (GRAMSCI, 2000, p.260). Além disso, o homem coletivo contemporâneo, cujo ponto de referência para a formação se situa no mundo da produção e no trabalho, “forma-se essencialmente de baixo para cima, à base da posição ocupada pela coletividade no mundo da produção” (GRAMSCI, 2000, p.260). Sendo assim, a base tanto para a análise das instituições morais e intelectuais a serem criadas quanto para os princípios a serem difundidos deve ser o utilitarismo: “a vida coletiva e individual deve ser organizada tendo em vista o máximo rendimento do aparelho produtivo” (GRAMSCI, 2000, p. 261). A explicação de Gramsci nos ajuda a compreender porque a concepção hegemônica — o neoliberalismo da Terceira Via — definiu a educação como função da aparelhagem estatal para garantir a “coesão social”, a adesão ao novo modo de ser e de viver. A educação foi reconhecida como uma importante estratégia para formar diferentes intelectuais que vão aprofundar as relações humanas a partir dos pressupostos da nova sociabilidade e a partir da tese do individualismo reformado. A educação, nesta perspectiva, é o principal investimento público para o desenvolvimento humano, estimulando a eficiência econômica e a coesão cívica, ao mesmo tempo em que deve privilegiar as capacidades que o indivíduo precisa desenvolver ao longo da vida. Retomando Mattelart (2002), o sistema educacional passou a ser o local em que o indivíduo flexível constrói a sua “empregabilidade”, tornando-se o único responsável pela sua própria
formação.
Auto-avaliação,
polivalência,
flexibilidade,
empreendedorismo,
voluntariado, treinamento de habilidades, desenvolvimento de competências, educação ao longo da vida, tornaram-se expressões que fundamentam a educação para a nova sociabilidade do capital. A emergência da noção de competências, restrita ao conjunto de atitudes, habilidades de caráter prático e utilitário tornou-se a base do currículo, incluindo-se o da formação de professores. Apoiando-se em Marx, Gramsci descreveu pedagogicamente as estratégias necessárias para realizar uma mudança na concepção de mundo. Para isso, apontou duas necessidades: a
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primeira, repetir sempre os mesmos argumentos, variando a forma; a segunda, consistia na criação de intelectuais de novo tipo, que pudessem de fato difundir esses argumentos. Esta segunda necessidade “é a que realmente modifica o “panorama ideológico” de uma época” (GRAMSCI, 2004, p.110). Esta lição parece ter sido bem apreendida pelo Estado educador para manter a sua hegemonia: a nova sociabilidade é reforçada em todas as instâncias e através de diferentes aparelhos privados de hegemonia. A idéia do voluntariado, por exemplo, é divulgada incessantemente pela mídia, inclusive pela Rede Globo de Televisão, que é a líder de audiência no Brasil, de tal forma que, além das campanhas estreladas pelos artistas mais conhecidos, até mesmo as novelas têm veiculado a importância do trabalho voluntário, especialmente na escola156.
Krawczyk (2005) localizou a transferência de funções e
responsabilidades da aparelhagem de Estado para a comunidade, através do envolvimento privado e voluntário no funcionamento e na gestão da escola como uma “via de descentralização para o mercado”, a partir da lógica da “modernização”. Dessa forma, difunde-se a idéia de que a responsabilidade pela educação e pelo bem estar não deve ficar a cargo somente do Estado, mas ser assumida pelo conjunto das pessoas, estimulando ações colaborativas dos diversos setores da sociedade, através de “slogans do tipo “amigos da escola”, “responsabilidade social”, “empresa cidadã”, entre outros” (KRAWCZYK, 2005, p.813). A Revista Veja é outro importante veículo de difusão dessas novas idéias e valores. Para a revista, é preciso que abandonemos as “velhas idéias” e adotemos as novas e modernas. Desse modo, alardeia o sucesso, por exemplo, das avaliações nacionais tanto do ensino básico quanto do superior e o seu benefício para toda a sociedade, tal como o fez na edição de n° 2015, de 2 de julho de 2007157. Ao comentar que as cinco melhores universidades do país são públicas (!), elogiou o fato de que são boas porque realizam “pesquisa que interessa ao mercado” e que, por isso, recebem verbas extras e podem se tornar melhores. Na mesma
156
Dois exemplos recentes (julho de 2007) nos mostram essa tarefa pedagógica do Estado educador, através de seus aparelhos privados de hegemonia: o conhecido ator Toni Ramos tem sido visto, todos os dias, pedindo aos telespectadores que observem “o que acontece quando a escola se integra através do trabalho voluntário”, após o que são apresentadas imagens de projetos e programas nos quais os voluntários colaboram para melhorar as escolas; na novela das 19h, os Sete Pecados, uma personagem, diretora de uma escola com sérios problemas de disciplina e, por causa disso, com baixa motivação dos professores para desenvolverem o seu trabalho, reestrutura e estabelece as condições de trabalho através do trabalho voluntário de outros personagens que assumem essa causa. 157 TODESCHINI, Marcos; EDWARD, José. Receita mineira: o bom exemplo de Minas, que emplacou as 5 universidades campeãs no novo ranking do MEC. Revista Veja. São Paulo: Abril. Edição 2015. 4 de julho de 2007. Disponível em < http://veja.abril.com.br/040707/p_104.shtml> Acesso em 6 de dezembro de 2007.
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revista, em edição anterior158, a matéria sobre educação destacava os resultados do IDEB – índice de desenvolvimento da educação básica. Desta feita, os elogios eram para as escolas que tiveram boas notas, as quais se devia à criação de prêmios para os professores. Ou seja, os professores serão bons e se envolverão com a educação se forem premiados por isso. E as escolas com boas notas deverão receber mais verbas para continuarem melhorando. Esses pequenos exemplos nos mostram as estratégias de convencimento utilizadas ao longo dos anos de 1990 e 2000, na direção da aceitação das reformas neoliberais da Terceira Via na educação e na sociedade, e como essa direção ético-política se difundiu e se tornou cada vez mais hegemônica. É interessante também percebermos que esse discurso não é diferente daquele apresentado pelos organismos internacionais ao longo dessas duas décadas. Como vimos, os organismos internacionais orientaram tanto o reordenamento da aparelhagem estatal nos países periféricos quanto a formação de uma nova cultura, uma nova sociabilidade, para o que a educação tornou-se estratégica. Em primeiro lugar, para o desenvolvimento econômico e para o alívio da pobreza; em segundo, para a coesão social e para a formação de uma nova cultura cívica, ou seja, “para que toda a sociedade compartilhe os mesmos valores” (BM, 1996, p. xi). Não sem razão, os organismos internacionais explicitaram a urgência de adesão dos professores às reformas educacionais: sem eles, o sucesso das reformas ficaria comprometido. Com efeito, nos documentos mais recentes há o reconhecimento da necessidade de valorização do estatuto do professor e do seu acesso à formação inicial e continuada; paralelamente, desenvolvem argumentos que visam educar o professor para educar o consenso das novas gerações. A reforma da formação de professores, nos seus aspectos técnicos e ético-políticos tornou-se fundamental ao projeto da nova sociabilidade para o capital, com duas finalidades principais, apontadas anteriormente: formar os novos organizadores da cultura de acordo com as demandas técnicas e ético-políticas do capitalismo mundializado e preparar as novas gerações para ser, pensar e agir de acordo com as exigências do capitalismo contemporâneo, além de prepará-las para a sobrevivência material e para a convivência social. Não apenas na perspectiva de garantir a formação docente, mas também de democratizar o acesso ao ensino superior (ou de “massificar” o ingresso à “educação terciária”, nos termos utilizados pelo Banco Mundial em 2003), a integração das TIC aos
158
ANTUNES, Camila; TODESCHINI, Marcos. Educar é medir, ter metas é cobrar. Novo indicador do MEC diz quanto cada escola do país deve progredir. Revista Veja. São Paulo: Abril. Edição 2014. 27 de junho de 2007. Disponível em < http://veja.abril.com.br/270607/p_082.shtml > Acesso em 6 de dezembro de 2007.
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processos educacionais, reduzidas a estratégias de EaD, foi amplamente sugerida e, como vimos, incorporada como a medida mais eficaz e eficiente para formar o contingente de professores necessários às reformas educacionais no Brasil e para ampliar o acesso à universidade. Se bem que a formação inicial de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental em nível superior se tornasse uma tendência nacional após a publicação da LDB em 1996, como o reivindicava a sociedade civil organizada, os embates e disputas em torno dos aspectos técnicos, ético-políticos e econômicos dessa formação não impediram que a reforma se concretizasse na perspectiva do neoliberalismo da Terceira Via; dessa forma, afirmamos que as reformas educacionais, de forma geral, e da formação de professores, de forma específica, expressaram os princípios e valores da nova pedagogia da hegemonia. Convém destacar que, embora não tenha sido objeto de análise nesta tese as ações de caráter contra-hegemônico, as reformas educacionais de forma geral, e a da formação docente, de forma específica, não ocorreram sem que houvesse muitos embates, dado que expressavam projetos de educação e de sociedade em disputa. Não podemos nos esquecer das lutas em torno da LDB e do PNE, nos quais os projetos representativos da sociedade civil organizada foram derrotados em plenário, no Congresso Nacional, em favor dos projetos apresentados pelo Governo Federal. Entretanto, é importante também deixar claro que, embora as reformas tenham se efetivado sob a hegemonia burguesa, muitos aspectos reivindicados por frações da sociedade civil organizada foram contemplados nesses mesmos projetos a partir destas disputas ocorridas ao longo desses anos. No que se refere mais especificamente à formação de professores podemos citar, como exemplo, a luta pela revogação do Decreto n ° 3276/99, que impedia os cursos de Pedagogia de formar os professores para as séries iniciais do ensino fundamental ou as inúmeras manifestações e participações das entidades dos movimentos sociais organizados (ANFOPE, ANPAE, FORUMDIR, ANPED, Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, Andes/SN, CNTE, entre outros), em audiências públicas para discutir as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, entre outros enfrentamentos importantes159.
159
A respeito dos embates sobre a LDB e o PNE, ver SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: Trajetória, Limites e Perspectivas. Campinas, SP: Autores Associados, 1997; SAVIANI. Da nova LDB ao Novo Plano Nacional de Educação: por uma outra política educacional. Campinas, SP: Autores Associados, 1998. Sobre os debates sobre a formação de professores, mais especificamente sobre o Decreto citado, ver LINHARES & SILVA. O Decreto n° 3.276/99 e um movimento nacional de resistência. In: LINHARES & SILVA. Formação de Professores: travessia crítica de um labirinto legal. Brasília: Editora Plano, 2003, p. 51-55.
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As Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, assumiram os pilares da educação (aprender a aprender; aprender a ser; aprender a viver juntos; aprender a fazer), a idéia de educação ao longo da vida, a pedagogia das competências. A epistemologia da prática e as teses do “professor pesquisador reflexivo” também contribuíram para dar o contorno curricular à reforma da formação docente. Em comum, estas teorias se apresentam no contexto de humanização do capitalismo, na perspectiva de colaborar para a “transformação social”: entretanto, esta transformação não significa uma mudança estrutural da sociedade, mas uma melhoria gradual na distribuição de renda (alívio a pobreza), adaptação às incertezas, o que tornou as mudanças nos processos escolares necessárias. Assim, enfatizam o papel da escola na construção da cidadania ativa, que permita aos alunos identificar e posicionar-se diante das mudanças em curso, incorporando-se ao trabalho precarizado e à sociedade vigente. Dessa forma, propõem uma atitude reflexiva e investigativa na prática docente, mas que é diferente da pesquisa acadêmica, além da ênfase excessiva na prática em detrimento da teoria. O individualismo na reflexão e a busca de emancipação e responsabilização individual se aproximam da idéia do individualismo como valor moral radical da Terceira Via. O predomínio das propostas que desprezam as relações entre formação humana, conhecimento e classe social deixam de considerar histórica e socialmente os processos que constituem uma nova perspectiva para a sociedade. Isso significa que tanto a naturalização das desigualdades sociais e do acesso diferenciado aos direitos sociais quanto a responsabilização dos próprios trabalhadores pelo seu sucesso ou fracasso são compreendidos como inevitáveis e em conformidade com o contexto da reestruturação capitalista. Nesse sentido, o professor se torna um intelectual de novo tipo, colaborador na conservação da ordem estabelecida, na medida em que a noção de competência, a idéia do professor reflexivo, a centralidade na ação individual e na prática se coadunam com as suas funções técnicas e ético-políticas. A Educação a Distância foi largamente utilizada a partir dos anos finais do século XX, especialmente em programas de formação de professores. A ênfase na EaD como política pública para a ampliação do acesso ao ensino superior, de forma geral, e para a formação de professores, de forma específica, recebeu amplo estímulo dos organismos internacionais. Nesse sentido, respondeu a pelo menos dois pressupostos importantes: a possibilidade de minimizar rapidamente a falta de qualificação dos professores (já que atende a um grande contingente de pessoas com custos bem menores que a formação presencial), e a de ampliar o
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acesso à educação superior160. Assim, os programas de formação em larga escala não somente difundiram os conteúdos, competências, habilidades e valores necessários ao homem de novo tipo, como consolidaram a formação do novo intelectual necessário à coesão social. Não é demais registrar que, no contexto da chamada “educação terciária”, para a qual a EaD torna-se fundamental, dada a perspectiva de massificação da educação superior, estabeleceu-se um amplo nicho de mercado, como enfatizado em documento do BM: “imediatamente detrás destes novos atores, vêm os produtores de software, as editoras, as firmas de entretenimento e outros que buscam explorar o potencial do mercado internacional emergente da educação terciária” (BENNELL & PEARCE, 1998 apud JAMIL, 2003, p.38). A análise da reforma educacional mineira que realizamos teve como objetivo situar o caso do Estado de Minas Gerais frente às reformas educacionais dos anos de 1990. Essa escolha não foi aleatória; de fato, Minas Gerais até mesmo se antecipou ao Governo Federal na implementação da reforma educacional, como vimos. Nos primeiros anos, sob os governos de Hélio Garcia (1991-1994) e Eduardo Azeredo (1995-1998) a reforma mineira se pautou na concepção de qualidade total, no enxugamento dos gastos, na racionalização do trabalho e na formação que permitisse a inserção de Minas no capitalismo mundial, nos marcos das políticas neoliberais que grassaram nesses anos. Com os governos de Itamar Franco (19992002) e Aécio Neves (2003-2006), a reforma apresentou as características do capitalismo humanizado da Terceira Via. Assim, num primeiro momento, examinamos as reformas educacionais do Estado de Minas Gerais a partir dos anos de 1990, de forma geral, e as propostas do governo mineiro para a formação dos seus professores, de forma particular. No segundo momento, analisamos o projeto Veredas com o foco na concepção de formação e qualificação profissional, nos conteúdos curriculares propostos, na articulação entre teoria e prática pedagógica e quanto às competências atribuídas ao professor das séries iniciais do ensino fundamental. A capacitação dos professores, diretores, especialistas e demais funcionários da escola foi uma das prioridades da reforma mineira nos primeiros anos de 1990. Partindo de indicadores de qualidade, eficiência e eficácia da escola, a capacitação teve como foco eliminar o fracasso escolar e a redução dos índices de evasão e repetência. Durante o governo de Hélio Garcia, prevaleceram cursos e treinamentos profissionais promovidos pela SEEMG; 160
No documento do BM, “Construir Sociedades de Conocimiento: Nuevos Desafíos para la Educación Terciaria” consta, em favor da EaD que, “no Reino Unido, o custo de produzir um egresso da Open University é cerca de um terço do correspondente a uma universidade tradicional” (JAMIL, 2003, p. 46)
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no governo de Eduardo Azeredo, os programas de capacitação se deram no âmbito do PróQualidade, Projeto Qualidade na Educação Básica de Minas Gerais, apoiado pelo BM, que tinha como objetivo instituir novos valores, procedimentos e atitudes no âmbito políticopedagógico e administrativo das escolas para melhorar a produtividade. Foram criados o Programa de Capacitação de Professores (PROCAP), o Programa de Capacitação e Inovação Curricular do Ensino Médio (Pró-Médio) e o Projeto de Capacitação de Dirigentes das Escolas Públicas (PROCAD). Tratava-se de programas de formação continuada, através de estratégias de EaD. Nesses programas, realizados em parceria com Universidades Públicas, a SEEMG assumiu o controle pedagógico e as instituições de ensino superior tornaram-se executoras dos projetos. Assim, a SEEMG iniciou uma mudança na estrutura do ensino e também na formação dos seus professores, na perspectiva de formar o novo intelectual necessário à difusão da nova sociabilidade nas escolas mineiras. O governo Itamar Franco, não obstante as duras críticas ao projeto educacional dos governos anteriores e à sua submissão às exigências dos organismos internacionais, representou uma continuidade de novo tipo. Na prática, preservou os aspectos fundamentais da reforma mineira, incluindo o BM enquanto organismo financiador da reforma. A Escola Sagarana, mesmo apresentando princípios relevantes, tais como a valorização do magistério, a capacitação dos professores, a democratização da escola, a qualidade da educação e a universalização do acesso, deixou clara a sua orientação ético-política nos marcos do neoliberalismo da Terceira Via: incentivo ao voluntariado, a busca de novas parcerias e formas de financiamento, a ênfase ao aprendizado ao longo da vida a partir dos pilares da educação, entre outros mecanismos. O projeto Veredas — Formação Superior de Professores tanto incorporou as indicações modernizadoras para a formação de professores (em serviço e a distância) quanto a dimensão ético-moral necessária à formação do intelectual orgânico fundamental à nova sociabilidade do capital, assumindo os princípios, os ideais, idéias e concepções que se tornaram hegemônicos no Brasil e em Minas Gerais, a partir dos anos de 1990. Com efeito, os documentos orientadores do projeto trouxeram como razões para a formação superior em exercício não apenas a indicação da legislação para que os professores tivessem nível superior, como assumiram a “fundamental e urgente” preparação do sujeito para o enfrentamento da nova realidade econômica, política e social trazida pela globalização. Ao mesmo tempo, os documentos expressaram ideais humanistas, afirmando ser necessária a formação para propiciar os avanços que pudessem trazer a justiça, a tolerância e o diálogo,
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num desenvolvimento sócio-cultural e ambiental harmonioso (Minas Gerais, 2002a, p.15). Embora preparando para a “vida real”, globalizada, os documentos parecem desconsiderar as tensões políticas, econômicas, sociais, éticas e morais que permeiam a escola, os professores, enfim, toda a sociedade. Como já afirmamos no capítulo 5, a proposta trouxe a sua filiação explícita aos documentos dos organismos internacionais dos anos de 1990, assumindo a pedagogia das competências como diretriz curricular. Ao mesmo tempo, a transformação social que se deseja produzir se mantém nos limites do capitalismo, assumindo a tese de que não há outra saída possível; o caminho é humanizá-lo, ainda que se mantenham intactas a exploração e a dominação que o engendram. Parece-me, como o afirmou Chesnais (1999, p.102), que
Só uma amnésia histórica, junto com apelos para se submeter à ‘inevitabilidade’ das mudanças e para se resignar à “tirania dos mercados” pode dar crédito à idéia de que um regime marcado por uma dinâmica de fraca acumulação industrial, de empregos cada vez mais raros e precários e de regressão social e política possa ser considerado “irreversível” e revestido de uma legitimidade histórica qualquer.
Não foi nosso objetivo, dado os limites deste trabalho, examinar com profundidade o material instrucional, especialmente os Guias de Estudo, nos quais buscamos apenas alguns exemplos de como se concretizou, na prática, a construção do professor de novo tipo, de acordo com os pressupostos apresentados nos documentos de caráter mais geral do Veredas, estes sim, nosso objeto de análise. Certamente, na continuidade desta pesquisa, esse material será extremamente importante, posto que, não obstante seguir a orientação da SEEMG quanto aos princípios orientadores da proposta, também apresentou, nos seus textos, perspectivas diferentes daquela inicial161; como afirmamos em vários momentos, a educação é um processo 161
Nessa direção, lemos, por exemplo, no Guia de Estudo do Módulo 2, Volume 3, no componente curricular Política Educacional no Brasil, que “Segundo essa pedagogia [a liberal], a função da escola é preparar os indivíduos para os papéis que devem desempenhar na sociedade, conforme sua aptidão, seu talento e seus próprios interesses, sem questionar a organização dessa sociedade. E a escola de nossos dias faz isso, já que procura adaptar os indivíduos às normas e valores vigentes na sociedade capitalista, contribuindo para a sua reprodução. Os conteúdos ensinados na escola e que devem ser aprendidos pelos alunos, assim como o tipo de relações que, em geral, a escola estabelece são os instrumentos por ela usados para garantir essa adaptação. A escola ergue-se como instituição neutra a serviço da coletividade, supostamente praticando a justiça social, garantindo igualdade de condições e atribuindo os êxitos e eventuais fracassos ao mérito de cada um. Quando você julga que a aprendizagem dos seus alunos depende apenas do esforço e dedicação pessoal de cada um, está procedendo em conformidade com os princípios da pedagogia liberal (Teixeira, 2002h. p. 139)”. Lúcia Helena G. Teixeira é “Professora da Faculdade de Educação da UFJF, onde ministra as disciplinas “Planejamento
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dinâmico, dialético e contraditório, síntese de múltiplas determinações, e os textos também refletem esse processo. Sendo assim, é possível pensar que a formação dos professores, de forma geral, e no Veredas, de forma específica, não ocorre sem essas contradições, de forma linear, estanque, mesmo porque, compreendemos, com Gramsci, que a natureza humana não é uma entidade estática e imutável; antes e ao contrário, é um conjunto de relações entre seres humanos concretos, “um bloco histórico de elementos puramente subjetivos e individuais e de elementos de massa e objetivos ou materiais, com os quais o indivíduo está em relação ativa” (GRAMSCI, 2004, p.405-406). Portanto, como continua Gramsci, “transformar o mundo exterior, as relações gerais, significa fortalecer a si mesmo, desenvolver a si mesmo” (GRAMSCI, 2004, p. 406). E a escola tem um papel fundamental para que isso aconteça. Lembramos que os professores e a escola estão inseridos na realidade concreta e histórica. Portanto, não é irrelevante que, para muitos professores cursistas, o projeto Veredas tenha sido a única possibilidade de formação em nível superior. Como afirmamos no capítulo 6, uma questão é compreender a formação, em nível superior, em caráter emergencial, do enorme contingente de professores em exercício na rede pública; outra questão é transformar a EaD, não num complemento aos processos educacionais e de aprendizagem, mas na política pública para solucionar os graves problemas da formação dos professores brasileiros, afastando das salas de aula das Instituições Públicas de Ensino Superior aqueles grupos que, historicamente, jamais tiveram acesso a elas. Não tenho dúvida de que há necessidade de mudanças na educação brasileira, de modo geral, e na formação de professores, de modo específico. Tal como Gramsci antecipou, para democratizar a sociedade, para criar uma nova cultura, para difundir a filosofia da práxis, é preciso que a escola seja uma escola única para todas as pessoas, onde todos podem ter acesso ao conhecimento e se tornem intelectuais. E, para isso, precisamos ter professores bem preparados, com sólida formação geral e específica, que sejam capazes de pensar e agir autonomamente. Creio que, em tempos tão difíceis, nos quais o pensamento crítico tornou-se parte de um passado que deve ser esquecido, precisamos manter viva a capacidade de nos indignarmos. “Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade” (Gramsci, 2001a, p.267).
Educacional” e “Princípios Teóricos de Administração Escolar” para o curso de Pedagogia e “Organização e Gestão da Escola” para o Mestrado em Educação. Licenciada em Pedagogia, cursou Mestrado em Planejamento Educacional na PUC/RJ e Doutorado em Educação na UNICAMP” (Minas Gerais, 2002h, p. 8).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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