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GUIA
PRINCÍPIOS ÉTICOS
A CONDUTA CRISTÃ VAI ALÉM DO COMPORTAMENTO; ELA ENVOLVE TRANSFORMAÇÃO DO CARÁTER
WELLINGTON BARBOSA
arece que o termo “ética” tem estado mais presente em nosso cotidiano. Talvez seja pela ausência de sua prática ou pela expectativa de sua vivência. De origem grega, a palavra ethikós tem que ver com o modo de ser, o caráter e o costume das pessoas. Ou seja, está relacionada com os valores que orientam o comportamento dos indivíduos na sociedade. Por sua vez, os cristãos encontram na Bíblia, a palavra revelada de Deus, não somente instruções práticas para nortear a conduta em todas as esferas da vida, mas também os fundamentos sobre os quais a ética cristã está apoiada. Vamos a eles: P
DEUS Deus é amoroso (1Jo 4:8), santo (Lv 11:44, 45), justo (Sl 145:17), misericordioso (Tt 3:5) e verdadeiro (Sl 119:160). Assim, a moralidade e a ética encontram sua expressão absoluta Nele.
HUMANIDADE Ao criar o ser humano à Sua imagem e semelhança (Gn 1:26, 27), Deus imprimiu Seus atributos comunicáveis na natureza humana. Em virtude do pecado (Gn 3), a imagem divina nas criaturas foi deformada de tal maneira que sentimentos e comportamentos destrutivos passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas.
TRANSFORMAÇÃO Por intermédio do sacrifício substitutivo de Jesus (Gn 3:15; Jo 3:16), todo aquele que crê se torna uma nova criatura (2Co 5:17), submissa ao senhorio de Cristo (Gl 2:20) e ao trabalho do Espírito Santo (Gl 5:22-26). Nesse processo de santificação, a imagem divina é gradualmente restaurada, promovendo a transformação positiva da mentalidade (1Co 2:16) e do comportamento humano.
MOTIVAÇÃO E ATITUDE A ética cristã está enraizada no caráter divino, cuja essência é o amor. Por isso, Jesus enfatizou a necessidade de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos (Mt 22:37-39). Afinal, quem ama o próximo cumpre a lei (Rm 13:8-10). E esse amor se expressa, sobretudo, na disposição de servir desinteressadamente (Lc 22:26).
Portanto, para o cristão, ética não se limita a uma lista de comportamentos adequados ou inadequados no contexto familiar, social ou profissional, mas abrange uma discussão sobre a necessidade de a natureza humana ser transformada à semelhança de Cristo. Quando isso ocorre, a soma da motivação certa e a aceitação da verdade bíblica resultará num comportamento correto em qualquer lugar. ]
WELLINGTON BARBOSA é pastor e editor da revista Ministério
Israel e a igreja
ANDRÉ VASCONCELOS
No dia 27 de janeiro, Donald Trump propôs, ao lado de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense, um plano de paz para o conflito entre Israel e a Palestina. A proposta do presidente norte-americano incluía a adoção de dois estados livres e soberanos: um judeu, com sede em Jerusalém, e outro palestino, com sede em Abu Dis, a pouco mais de um quilômetro da cidade velha de Jerusalém. Como era de se esperar, esse plano causou revolta entre os palestinos e ameaças de retaliação por parte do Hamas, movimento islâmico extremista de tradição sunita.
As reações, porém, não foram somente entre os muçulmanos. Muitos evangélicos, chamados de cristãos sionistas, se manifestaram em favor da proposta. John Hagee, presidente da organização Christians United for Israel, emitiu uma nota afirmando que essa foi “a melhor proposta de paz apresentada por um governo americano”. Mike Evans, um dos conselheiros espirituais de Trump, em entrevista ao Jerusalem Post, também se manifestou dizendo que o acordo proposto foi “divinamente inspirado”. Esse posicionamento evangélico chama nossa atenção para algo: o lugar de Israel na teologia cristã. Ao longo dos séculos, a igreja tem debatido o papel de Israel no plano da redenção e a maneira pela qual os cristãos devem se relacionar com o povo judeu. De um lado estão os adeptos do dispensacionalismo; do outro, os defensores da teoria supersessionista, mais conhecida como teologia da substituição.
O primeiro modelo propõe que Deus tem um plano para a igreja e outro para Israel. A vertente clássica do dispensacionalismo, conforme defendida por John Nelson Darby, divide a história da redenção em sete “economias”
Revista Adventista // Março 2020 Foto: Adobe Stock
supersessionista e dispensacionalista são compatíveis com a Bíblia? O apóstolo Paulo, que também teve que mediar tensões entre judeus e gentios, nos oferece algumas respostas a essas questões em Romanos 11, especialmente na metáfora das duas oliveiras. Vamos analisar esse capítulo e comparar seu conteúdo com as posições teológicas mencionadas.
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ou “dispensações”. Segundo esse ponto de vista, a igreja cristã está sob a dispensação da graça, e Israel, sob a dispensação da lei. Logo, os dois povos têm o próprio caminho para chegar ao Céu.
Já o segundo modelo ensina que a igreja cristã substituiu o Israel do Antigo Testamento. Para os defensores do supersessionismo, o povo judeu foi rejeitado por Deus quando negou Jesus. Como desdobramento desse posicionamento teológico, acredita-se que as promessas bíblicas referentes ao antigo Israel sejam transferidas para a igreja cristã; que a lei seja substituída pela graça; que o Antigo Testamento seja substituído pelo Novo; e que o sábado seja substituído pelo domingo. A abordagem tipológica é uma variação desse modelo, pois, se o antigo Israel era apenas uma sombra da igreja (interpretação eclesiológica) ou de Cristo (interpretação cristocêntrica), ele também deixaria de desempenhar sua função como povo eleito.
Mas o que as Escrituras dizem sobre a relação entre Israel e a igreja? Será que os modelos A SUPOSTA REJEIÇÃO DE ISRAEL Paulo começou sua argumentação em Romanos 11 com uma pergunta retórica: “Terá Deus, porventura, rejeitado o Seu povo?” (v. 1). A resposta do apóstolo é enfática: “De modo nenhum! […] Deus não rejeitou o Seu povo.” É importante mencionar que Paulo tinha em mente o mesmo Israel “rebelde e contradizente” que ele havia mencionado em Romanos 10:21. O verbo apo¯theo¯, traduzido como “rejeitar”, é usado apenas seis vezes no Novo Testamento (At 7:27, 39; 13:46; Rm 11:1, 2; 1Tm 1:19). Desses versos, os únicos que discutem o status pactual de Israel, Romanos 11:1 e 2, afirmam categoricamente que o povo judeu não foi rejeitado por Deus. Isso nos mostra que a suposta rejeição de Israel não é apoiada pelas Escrituras. Como Ellen White observou, “embora houvesse Israel rejeitado Seu Filho, Deus não o rejeitou” (Atos dos Apóstolos, p. 375). Após ter afirmado que Israel não foi rejeitado, Paulo citou a experiência de Elias e os 7 mil homens que não dobraram os joelhos perante Baal para demonstrar que sempre existiu um remanescente “segundo a eleição da graça” (Rm 11:3-5, cf. 1Rs 19:10-18). É importante destacar que, conforme o exemplo mencionado, o remanescente fiel é parte de Israel e não uma nova entidade.
O TROPEÇO DE ISRAEL Romanos 11:7 menciona que, além do remanescente fiel do Israel histórico, houve uma parte do povo judeu que foi endurecida. Essa afirmação dá origem a uma nova pergunta: “Porventura, tropeçaram para que caíssem? De modo nenhum!” (Rm 11:11). Observe que Paulo tinha em mente a parte endurecida de Israel e não a totalidade do povo, uma distinção clara em toda a narrativa (v. 7, 17, 25; ver Rm 2:23). O apóstolo disse que a transgressão dessa parte endurecida levou salvação aos gentios, a fim de causar ciúmes no povo judeu. Com esse argumento, Paulo retomou o texto de Romanos 10:19 (ver também Dt 32:21) e revelou sua esperança de que a salvação dos gentios pudesse sensibilizar os judeus que haviam permanecido incrédulos.
Na sequência, o apóstolo utili zou um recurso de exegese rabínica chamado de qal vachomer para complementar o argumento (cf. Tosefta, Sanhedrin 7:11). Esse princípio de interpretação parte de uma premissa menor para outra maior, e vice-versa. Ou seja, se a transgressão de parte de Israel levou salvação aos gentios, seria natural pensar que uma “plenitude” de judeus convertida resultaria em algo ainda mais surpreendente: “Se o fato de eles terem sido rejeitados trouxe reconciliação para o mundo, que será seu restabelecimento, senão vida dentre os mortos?” (Rm 11:15).
Paulo mencionou que a parte endurecida de Israel foi “rejeitada”. Mas o que ele quis dizer com isso? Essa declaração não contradiz Romanos 11:1 e 2? A resposta para essa aparente incoerência está no texto grego. Porém, antes de responder a essa questão, duas considerações são necessárias: (1) o substantivo apobole¯, traduzido como “rejeitados”, não é a mesma palavra empregada nos versos 1 e 2, o que evidencia que Paulo tinha outra coisa em mente; (2) o termo apobole¯ ocorre apenas duas vezes no grego bíblico, uma em Romanos 11:15 e outra em Atos 27:22. Na última passagem, é evidente que o
significado pretendido não tinha o sentido de “rejeição”.
Segundo o léxico de Liddel e Scott, a expressão apobole¯ pode ser traduzida como “lançar fora” (p. 193; cf. Mc 10:50). Portanto, é provável que a intenção de Paulo em Romanos 11:15 fosse afirmar que uma parte de Israel havia sido “lançada fora”, isto é, excluída do remanescente fiel. Essa possibilidade está em harmonia com a declaração de Romanos 11:17 de que “alguns dos ramos foram quebrados”.
A METÁFORA DAS DUAS OLIVEIRAS Depois de ter afirmado que uma parte de Israel havia tropeçado, Paulo advertiu os gentios conversos a temerem a Deus e a não se considerarem superiores aos judeus (Rm 11:20, 21). Como recurso didático, o apóstolo ilustrou esse conceito por meio da analogia das duas oliveiras, na qual comparou Israel a uma oliveira boa, e os gentios, a uma oliveira brava (v. 17, 24). A parte endurecida de Israel, por sua vez, é comparada aos ramos cortados da oliveira boa. Paulo elaborou essa metáfora com base em Jeremias 11:16: “O Senhor te chamou de oliveira verde […]; mas agora, à voz de grande tumulto, acendeu fogo ao redor dela e consumiu os seus ramos.” O profeta Jeremias utilizou a imagem da oliveira que teve os ramos consumidos pelo fogo para retratar a infidelidade de Israel à aliança. Isso revela que, ao usar a metáfora da oliveira boa, Paulo tinha em mente o povo de Israel e não uma nova “árvore”.
Ao incluir os gentios na aliança com Israel, que são retratados como os ramos de uma oliveira brava que foram “enxertados” na árvore israelita, Paulo evocou o cumprimento do propósito divino para as nações. O Senhor havia prometido ao patriarca Abraão que todos os povos da Terra seriam abençoados por intermédio da descendência dele. Em Romanos 11:17 a 24, é possível que Paulo tenha desenvolvido seu argumento a partir da promessa de Gênesis 12:3: “em ti serão benditas [venivrekhu] todas as famílias da Terra”. Segundo Jacques Doukhan, Paulo articulou sua ideia com base no uso do verbo “abençoar” (do hebraico barakh) na literatura do Segundo Templo, que também era empregado com a acepção de “enxertar” (The Mistery of Israel [Review and Herald, 2004], p. 30). O tratado talmúdico de Yevamot 63a, por exemplo, declara: “E o rabi Elazar disse: ‘O que está escrito?’ ‘E em ti serão benditas [venivrekhu] todas as famílias da Terra’ (Gn 12:3). O Santo, bendito seja Ele, disse a Abraão: ‘Eu tenho dois ramos [berakhot] bons para enxertar [lehavrikh] em você: Rute, a moabita, e Naamá, a amonita’.” Como nessa citação talmúdica, que é atribuída a um rabino tanaíta do 2º século da era cristã, Paulo enxergava a afluência de gentios para o povo de Israel como o cumprimento da promessa abraâmica (ver Is 2:2, 3; 56:6-8). Dessa forma, o apóstolo reafirmou a judaicidade da oliveira boa. O plano de Deus era que Israel tivesse florescido na igreja por meio de Jesus e que a igreja estivesse enraizada na aliança de Deus com Israel (The Mystery of Israel, p. 82).
REFLEXÕES HERMENÊUTICAS A essa altura, podem ser feitas algumas considerações sobre o papel de Israel na teologia cristã. Em primeiro lugar, podemos perceber que a interpretação supersessionista é incompatível com a metáfora das duas oliveiras. O apóstolo argumentou que a aliança de Deus com o povo judeu foi estendida aos gentios, que foram enxertados na oliveira de Israel e passaram a ser considerados descendentes de Abraão (Rm 11:17, ver 9:6-8). Paulo não falou de rejeição dos judeus, mas de graça e inclusão dos gentios (ver Rm 9:25, 26; Ef 2:11-19).
O apóstolo descartou a ideia de que Israel tivesse sido rejeitado e
O APÓSTOLO PAULO NÃO ENSINOU O DISPENSACIONALISMO NEM O SUPERSESSIONISMO, MAS UM TIPO DE “INCLUSIVISMO”
ainda fez uma advertência aos gentios e, por extensão, àqueles que defendem o ponto de vista supersessionista: “Não te glories contra os ramos; porém, se te gloriares, sabe que não és tu que sustentas a raiz, mas a raiz, a ti” (Rm 11:18). De fato, a única rejeição sugerida pelo texto bíblico é a da teoria supersessionista. Semelhantemente, a interpretação dispensacionalista também não tem sentido à luz da metáfora utilizada por Paulo. O texto deixa claro que o apóstolo não tinha em vista duas alianças diferentes. Há apenas uma árvore, um remanescente e um caminho para o Céu: Jesus Cristo! Para que fossem enxertados novamente, os judeus endurecidos não podiam permanecer na incredulidade (11:23); eles tinham que crer em Jesus da mesma forma que os gentios (Rm 3:21-31).
A inclusão dos gentios na árvore judaica ilustra a unidade da aliança de Deus com Israel e a igreja. Por meio da fé em Cristo, os gentios foram incorporados à oliveira boa e se tonaram “descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (Gl 3:29). Como Hans LaRondelle resumiu, “tanto Israel quanto a igreja são alvos da mesma ‘misericórdia’ do Deus-Criador. Consequentemente, a igreja não se coloca ‘ao lado’ de Israel [dispensacionalismo], tampouco o substitui [supersessionismo]. A igreja apostólica restaurou o Israel da fé, continuou o Israel de Deus pela fé no Messias da profecia e esperou com ansiedade a herança de Israel: a Nova Jerusalém” (Nosso Criador Redentor [Unaspress, 2016], p. 150).
Portanto, podemos dizer que a metáfora das duas oliveiras em Romanos 11 não ensina o dispensacionalismo nem o supersessionismo, mas um tipo de “inclusivismo”. Afinal, o evangelho “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê: primeiro do judeu, depois do grego” (Rm 1:16, NVI). ]