ENFIM
REPENSAR NOSSA RELAÇÃO COM A NATUREZA PODE SER UM EFEITO POSITIVO DA PANDEMIA
POLUIÇÃO DO AR DIMINUIU SENSIVELMENTE EM VÁRIAS CIDADES, MAS ISSO NÃO É SUFICIENTE PARA REVERTER AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS EM CURSO THAMIRES MATTOS
A
pandemia da Covid-19 não é novidade pa ra quem está em contato com o mundo real. Os perigos dela e os cuidados para se evitar a contaminação são amplamente divulgados diariamente. O momento é de tristeza pelos que descansam, de torcida pelos que lutam contra a doença e de ansiedade e medo em relação ao futuro. Por isso, quando os canais de Veneza, na Itália, ficaram com águas cristalinas, a internet celebrou. Um tuíte viral (perdoe o trocadilho) anunciava que a ausência de grandes embarcações na cidade marcava o renascimento das belezas naturais do local. No afã talvez de receber boas notícias, muitos podem até ter acreditado na notícia falsa de que golfinhos e cisnes teriam voltado a frequentar os canais de Veneza. A informação foi desmentida pela revista National Geographic. Seja como for, respirei aliviada. Em meio a tantas notícias trágicas, a natureza se renovava. Segundo matéria publicada no site da BBC, em 6 de maio, o 50
congestionamento despencou em metrópoles globais, como Berlim, Londres, Milão e Xangai. E nas cidades de Nova York e Paris foram resgistradas quedas de emissão de CO2. Seria a ausência humana das ruas, mares e ares a tão esperada mudança para evitar o colapso ambiental alertado pelos cientistas? Infelizmente, não! Ao menos, é isso que a história recente e a ciência parecem nos dizer. Segundo a organização Carbon Brief, as emissões de gases poluentes estão diminuindo durante a “quarentena mundial”. Para se ter uma ideia, somente o índice de dióxido de carbono (CO2) deve cair de 4 a 8% neste ano. Porém, isso não é suficiente para reverter mudanças climáticas mais abrangentes que estão em curso. Parece até pessimismo dos cientistas interpretar os dados dessa maneira. Afinal, a demanda global por eletricidade deve cair 5% em 2020, a mais baixa desde a Grande Depressão dos anos 1930; e a emissão de gases poluentes deve ser reduzida a índices mais expressivos do que os registrados na última grande crise econômica, em 2008 e 2009. O ponto é que os esforços para reanimar a economia logo após o fim da
THAMIRES MATTOS é jornalista, mestranda em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp e editora-chefe da revista eletrônica Canal da Imprensa
R e v i s t a A d ve n t i s t a // Junho 2020
Foto: Adobe Stcok
EFEITO POSITIVO
crise dos anos 2000 intensificaram o aquecimento global também. Em 2010, no contexto da retomada, a emissão de poluentes voltou a subir 6% em relação a 2009. Assim como ocorreu há pouco mais de uma década, não temos sinais claros de que hoje governos e sociedades estejam mais preparados (e, quem sabe, até dispostos) para estabelecer medidas mais alinhadas com a preservação ambiental. É verdade também que, na interpretação profética adventista, um colapso climático parece não se encaixar como a causa definitiva do fim. Ao contrário, cremos na intervenção divina na história humana por meio do breve retorno de Cristo à Terra. Contudo, enquanto estamos aqui, somos chamados a nos lembrar de que a mordomia cristã inclui o cuidado com a natureza. Afinal, adotar um estilo de vida sustentável tem impacto nos demais seres vivos (fauna e flora), inclusive na vida do nosso próximo. Prova disso é que um estudo recente divulgado pela Universidade Harvard (EUA) mostrou que pessoas expostas por muito tempo à poluição do ar têm maiores chances de morrer de Covid-19. Comunidades carentes também são mais afetadas pela nova pandemia e as mudanças climáticas. Portanto, se existe um efeito positivo da crise sanitária atual é a posibilidade de repensarmos nossa relação com a natureza, e não apenas no período da quarentena. ]