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ENFIM

ENFIM

FATOS

SEDE PRÓPRIA

Você não pode controlar sua idade nem seu perfil genético, mas pode controlar suas escolhas relacionadas ao estilo de vida, a melhor defesa que temos contra o mal de Alzheimer.

Pela primeira vez em 63 anos de existência, o ministério norte-americano It Is Written (Está Escrito) funcionará em sede própria. Inaugura da no dia 22 de novembro em Collegedale, Tennessee (EUA), a nova estrutura levou dois anos para ser construída. O espaço de 3,8 mil metros quadrados conta com escritórios, estúdios e depósitos.

PREMIAÇÕES

Dean Sherzai e Ayesha Sherzai, casal de médicos que atuam como codiretores do programa de prevenção de Saúde Cerebral e Alzheimer da Universidade de Loma Linda (EUA), no site da instituição (leia mais em: bit.ly/32QQmnD)

NOVO LOGO

A rede de ensino adventista na América do Sul terá uma nova identidade visual. O logo ficou mais moderno, mas o significado e a identidade da marca foram mantidos. No ambiente digital, as mudanças serão imediatas. Porém, no caso dos uniformes, o prazo para readequação será de três anos, e no caso das fachadas, de cinco anos.

Pelo terceiro ano, o Centro Médico e o Hospital Infantil da Universidade de Loma Linda foram reconhecidos nacionalmente pela implementação de um padrão elevado de atendimento a adultos e crianças que sofreram parada cardíaca ou AVC. Em 2019, eles receberam troféus em quatro categorias do prestigiado “Get With The Guidelines”, prêmio concedido pela American Heart Association e a American Stroke Association.

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30,6 mil universitários estudam, atualmente, nas 12 instituições de ensino superior adventistas espalhadas pela América do Sul.

13.000 pessoas se reuniram no CCM Kirumba Stadium, em Mwanza (Tanzânia), no dia 21 de setembro, para celebrar os 49 anos do Clube de Desbravadores no país. A programação foi marcada pelo batismo de cem integrantes do clube.

Revista Adventista // Dezembro 2019

Fotos: Matt Disbro-ItIsWrittenMinistries / Gustavo Leighton / Adventist Review / Loma Linda University Health

OLHAR DIGITAL

NOVO TEMPO EM BELO HORIZONTE

EVENTOS

A programação da emissora adventista agora está disponível em sinal aberto para cerca de 7 milhões de pessoas que vivem na região metropolitana da capital mineira. No dia 3 de novembro, mais de mil pessoas se reuniram no Centro Adventista de Treinamento e Recreação (CATRE) de Belo Horizonte para comemorar o início das transmissões por meio do canal 39. A programação foi marcada pelo batismo de três pessoas que conheceram a mensagem adventista por meio da TV Novo Tempo.

ENCONTRO INTERNACIONAL DE MOTOCICLISTAS

Realizado no Centro Adventista de Treinamento e Recreação (CATRE), em Santa Catarina, nos dias 15 a 18 de novembro, o encontro do 1 o Encontro Mundial do AMM (Adventist Motorcycle Ministry) reuniu 600 integrantes do Brasil, Argentina, Paraguai, Chile, Bolívia, Hungria, África do Sul e Estados Unidos. Entre os que vieram ao Brasil esteve Juan García, um dos fundadores des se ministério, que há cerca de 12 anos tem incentivado a missão sobre duas rodas.

Fotos: Renata Paes / Gustavo Leighton / Jéssica Guidolin / Alonso Dávila

ATUALIZAÇÃO DO APLICATIVO

Lançado em 2018, o app 7me tem diversas funcionalidades. Por meio da ferramenta, o usuário pode ter acesso a seus dados cadastrados na secretaria da igreja, solicitar transferência de congregação, bem como efetuar doação de ofertas e devolução de dízimos. A novidade é que ago ra o aplicativo também funcionará interligado com a Escola Sabatina, proporcionando aos alunos maior discrição no re gistro da presença e envolvimento nas atividades da classe. Os líderes terão à disposição formas mais eficientes para gerenciar as informações do departamento.

Revista Adventista // Dezembro 2019

40 ANOS DA FADBA

Cerca de 4 mil pessoas, entre funcionários, colaboradores de todas as épocas, alunos e ex-alunos da Faculdade Adventista da Bahia (Fadba), se reuniram em Cachoeira (BA), no fim de outubro, para celebrar a data. Um dos destaques da programação foi a inauguração da Praça da Bíblia e a montagem de um espaço com a linha do tempo da instituição, que servirá de protótipo para o museu previsto para ser aberto em 2020. Conhecido inicialmente como Instituto Adventista de Ensino do Nordeste (IAENE), o in ternato baiano começou oferecendo educação básica, mas hoje disponibiliza doze cursos de graduação, mais de 30 opções de pós-graduação (nas modalidades presencial e a distância), mes trado em Teologia e caminha para se estabelecer como centro universitário.

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GENTE

ELEIÇÕES

De Flávio André Nunes dos Santos, que deixa a função de tesoureiro da União NorteBrasileira para dirigir a Superbom. Graduado em Ciências Contábeis e pós-graduado em gestão financeira, ele substituirá Adamir Alberto, que passa a atuar na Adventist Risk Management (ARM) como assistente de ge renciamento de riscos.

De Rogério Sousa como diretor financeiro da sede administrativa da Igreja Adventista para o Pará, Amapá e Maranhão (União NorteBrasileira). Ele era tesoureiro do escritório administrativo da denominação para o esta do de Goiás.

Do pastor José Hadson Gomes de Araújo como secretário executivo da União Noro este Brasileira (Unob). Ele substitui o pastor Waldony Fiuza, que passou a presidir a igreja na região central do Amazonas.

Do pastor Maurício Lima como presidente da União Central Brasileira (sede administra tiva adventista para o estado de São Paulo), em substituição ao pastor Domingos Sousa, que permaneceu por 16 anos na função.

Do pastor Hiram Kalbermatter, que liderava a igreja na Bolívia, como presidente da União Sudeste Brasileira, sede da denominação para Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Ele substitui o pastor Maurício Lima.

Mais de 2,5 bilhões de pessoas ajudaram um estranho na última década, segundo a edição comemorativa do CAF World Giving Index. No entanto, a disposição para doar recursos e tempo vem apresentando tendência de queda, de acordo com o levantamento que avaliou o índice de generosidade de 143 países.

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DOADOR DE LONGA DATA

Durante 45 anos, o enfermeiro Dexter Emoto, da Universidade de Saúde de Loma Linda, nos Estados Unidos, já doou centenas de litros de sangue. Por essa razão, uma empresa de assistência médica global especializada em tecnologias para infusão, transfusão e nutrição clínica o colocou no “Hall da Fama da Doação”, no início de novem bro. Considerado um dos maiores doadores de sangue do oeste dos Estados Unidos, Emoto já beneficiou cerca de 1,5 mil pacientes com esse gesto de solidariedade.

BODAS DE OURO (50 ANOS)

De Aramis Galego e Cleusa Galego, em cerimônia realizada pelo pastor Paulo Dresh na Igreja Adventista do Portão, em Curitiba (PR). Adventistas desde 1969, eles têm quatro filhos e sete netos.

De Ilza Maciel Camilio e Elizeo Camilio da Silva, em cerimônia realizada pelo pastor Alexandre de Souza no salão de atos do Unasp, campus Hortolân dia (SP). O casal, que serviu à igreja durante muitos anos e hoje está apo sentado, tem dois filhos e dois netos.

DATA

14 E 15 DE DEZEMBRO

Culto de gratidão e formatura da centésima turma de pastores que se graduarão na Faculdade de Teologia (FAT) do Unasp, campus Engenheiro Coelho. O grupo é formado por 67 brasileiros, um peruano e um africano de Cabo Verde.

Revista Adventista // Dezembro 2019

Fotos: Anne Seixas / arquivo pessoal

INTERNACIONAL

DOCUMENTÁRIO

A vida de Radim Passer é uma história de sucesso, mas também de transformação. Depois da conversão, ele passou a dedicar seu dinhei ro e tempo para pregar a mensagem adventista e apoiar projetos assistenciais. O milionário e filantropo tcheco é o personagem do documentário intitulado Radim’d: Rags, Riches and Redemption. Com duração de uma hora, a produção foi gravada em Praga, capital da República Tche ca, pela equipe da Adventist Review e será disponibilizada no seguinte endereço: artvnow.com.

5.000

é o número de “embaixadores espirituais”, grupo que envolve funcionários de um dos principais hospitais adventistas da Flórida (EUA), o AdventHealth Orlando, e outros voluntários que, desde 2002, oferecem apoio espiritual aos pacientes e seus familiares.

NOTA DE FALECIMENTO

Do pastor e administrador Robert Kloosterhuis, no dia 3 de novembro, aos 87 anos, na Flórida (EUA). Antes de exercer a função de vice-presidente na sede mundial adventista por 15 anos (1985-2000), ele foi o primeiro presidente da Divisão ÁfricaOceano Índico em Abidjan, na Costa do Marfim, território administrativo que deu origem à atual Divisão Centro-Oeste Africana. Além disso, liderou a Asso ciação de Illinois e presidiu o Seminário Adventista Franco-Haitiano. Após a aposentadoria, o norteamericano, filho de holandeses, continuou colaborando com as missões mundiais. Conhecido por ser alguém à frente do seu tempo, o pastor Kloosterhuis foi também um ousado evangelista. Certa vez, em um ano, levou mais de 3 mil pessoas ao batismo no Haiti. Ele deixa a esposa, Ruth, e os dois filhos, David e Robert.

840.550 venezuelos já foram atendidos pela ADRA sul-americana por meio de 51 projetos, em seis países do continente.

476.807

Número de membros que abandonaram a igreja na América Central nos últimos quatro anos e meio.

Fotos: divulgação / Adventist Review Como uma igreja construída inteiramente em torno da geografia responderá a uma época em que as comunidades não geográficas são a norma? Como uma igreja que é quase inteiramente dirigida pelo texto se comunicará em uma época em que o símbolo é dominante? O que a religião da encarnação tem a dizer a uma cultura que relativiza o corpo humano?

Andrew Graystone, produtor e locutor da BBC, em uma palestra no Newbold College (Inglaterra), em outubro, sobre os efeitos e dilemas éticos da era digital

Colaboradores: Andrews University News, Ann Muder, Anne Seixas, Cassandra Wagner, Cassie Matchim Hernández, Gerllany Amorim, Heather Jackson, Helen Pearson, Janna Quetz, Jefferson Paradello, Jéssica Guidolin, João Cândido Martins, Lake Union Conference, Loma Linda University Health, Márcio Tonetti, Northern Tanzania Union Conference, Paulo Lopes, Penny Brink, Rebecca Denis, Trisney Bocala, Vanessa Arba e Wendel Lima

Revista Adventista // Adventist World // Dezembro 2019

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CAPA

O Fil ho de Deus

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O NATAL É UM BOM MOMENTO PARA VISLUMBRARMOS O MAGNÍFICO PROPÓSITO DE DEUS PARA A HUMANIDADE NA FIGURA DE CRISTO

Adriani Milli

Revista Adventista // Dezembro 2019

Uma das experiências mais marcantes da vida é o nascimento de um filho ou filha. Presenciamos, de forma palpável, o milagre encantador da criação divina. Mas o espetáculo de sua chegada não termina com o nascimento. Pela graça de Deus, o impacto continua na transformação que a presença desse filho ou filha exerce, abrindo novos e belos horizontes para a família. Em essência, a chegada de um filho significa nova vida não apenas para aquele que nasceu, mas também para aqueles que o recebem.

Ao celebrarmos o Natal, nos lembramos do nascimento mais especial do mundo. O nascimento do Filho de Deus não foi uma experiência singular apenas para o lar de José e Maria; ele mudou profundamente a realidade da família humana. Obviamente, o Filho já existia antes de Seu nascimento na cidade de Belém. Em Sua existência eterna, Ele agiu na criação e sustentação de todas as coisas (Jo 1:1-3; 1Co 8:6; Cl 1:16, 17; Hb 1:2, 3). Mas Seu nascimento terrestre marca o início de uma nova criação, no qual o eterno Filho de Deus Se fez carne (Jo 1:14) para participar da família humana e transformá-la em família de Deus.

Nessa perspectiva do nascimento do Filho de Deus, é instrutivo observar como a linguagem de filiação divina é utilizada na Bíblia para pessoas dos tempos do Antigo Testamento.

O CONCEITO DE FILIAÇÃO

A noção de filiação divina aparece na Bíblia para pessoas dos tempos do Antigo Testamento, especialmente com referência a Adão, o povo de Israel e o rei davídico.

A genealogia de Jesus no evangelho de Lucas é particularmente interessante. Diferente da sequência geneaológica de descendência empregada pelo evangelho de Mateus, que se inicia com Abraão e termina com Jesus Cristo (Mt 1:2-16), a genealogia de Lucas segue uma sequência de ascendência, que se inicia com Jesus e termina com Deus (Lc 3:23-37). É interessante notar que, no fim dessa sequência genealógica, Adão é chamado de “filho de Deus” (Lc 3:38).

Além de Adão, na sequência da história do povo de Deus, o A EXPRESSÃO “FILHO povo de Israel é coletivamente considerado filho de Deus. Ao ser DE DEUS” APLICADA A chamado por Deus para liderar a saída do povo de Israel do Egito, JESUS REVELA QUE EM Moisés foi divinamente instruCRISTO DEUS CUMPRE ído para dizer a faraó: “Assim diz o Senhor: Israel é Meu filho, SEUS IDEAIS PARA A Meu primogênito. Digo-te, pois: deixa ir Meu filho, para que Me HUMANIDADE COMO sirva; mas, se recursares deixá-lo UM TODO ir, eis que matarei teu filho, teu primogênito” (Êx 4:22, 23). Note

Revista Adventista // Dezembro 2019 que há aqui uma comparação entre o filho de Deus, Israel, com o filho de faraó.

Nessa comparação, a posição de primazia é retratada pela linguagem de primogênito. Israel não é considerado primogênito de Deus porque nasceu primeiro que outros povos, mas porque ele tem posição de primazia sobre outros povos. Biblicamente, essa primazia não se expressa no sentido de ser melhor ou superior aos outros (Dt 7:6-8), mas no sentido de ser um canal escolhido para abençoar os outros (Gn 12:1-3). De fato, essa linguagem de filiação divina para o povo de Israel é reforçada em Oseias 11:1: “Quando Israel era menino, Eu o amei; e do Egito chamei o Meu filho.”

Avançando do momento histórico da saída do Egito para a constituição de Israel como uma nação em seu próprio território, encontramos a linguagem de filho de Deus no contexto da aliança divina com a monarquia davídica. No belo texto que retrata a aliança de Deus com Davi, o Senhor promete um reino eterno para a monarquia davídica: “Quando teus dias se cumprirem e descansares com teus pais, então, farei levantar depois de ti o teu descendente, que procederá de ti, e estabelecerei o seu reino. Este edificará uma casa ao Meu nome, e Eu estabelecerei para sempre o trono do seu reino. Eu lhe serei por pai, e ele Me será por filho” (2Sm 7:12-14). No contexto dessa aliança divina, o rei de Israel é chamado de filho de Deus.

É interessante notar que esse conceito marca a linguagem dos salmos de entronização do rei messiânico. No Salmo 2, por exemplo, a entronização ou constituição do rei é descrita pela linguagem metafórica da geração do filho de Deus: “Eu, porém, constituí o Meu Rei sobre o Meu santo monte Sião. Proclamarei o decreto do SENHOR: Ele Me disse: Tu és Meu Filho, Eu, hoje, Te gerei” (Sl 2:6, 7).

Curiosamente, o Salmo 89 comenta a aliança que Deus fez com Davi para estabelecer o seu “trono de geração em geração” (vs. 3, 4), ecoando as palavras de filiação encontradas em 2 Samuel 7:12-14: “Ele Me invocará, dizendo: Tu és meu pai, meu Deus e a rocha da minha salvação. Fálo-ei, por isso, Meu primogênito, o mais elevado entre os reis da terra” (Sl 89:26, 27). Mais uma vez, por meio da linguagem da filiação divina, o estabelecimento do rei é descrito no sentido de Deus fazendo dele o Seu filho primogênito, o rei que tem primazia.

Embora a Bíblia utilize a linguagem de filiação divina para diferentes pessoas, em diferentes momentos históricos, essas referências podem ser combinadas em um conceito comum, ao identificarmos a noção de personalidade corporativa. O filho de Deus é tanto o povo de maneira coletiva

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quanto o líder que o representa. Em outras palavras, a figura do rei é, em certo sentido, a corporificação individual da coletividade que ele representa.

Note que nas recomendações divinas para os reis de Israel em Deuteronômio 17:14-20 há uma preocupação com o perigo de ensoberbecimento do rei. Por isso, as advertências para que “o seu coração não se eleve sobre os seus irmãos” (Dt 17:20). Em seu comprometimento com Deus, o rei não deveria se esquecer de que ele pertence a um povo e o representa.

Esse princípio de representação coletiva também pode ser iden tificado na figura de Adão. Aqui não temos apenas a representação de um líder em relação a uma nação específica, como no caso do rei de Israel, mas a representatividade do primeiro ser humano em relação à coletividade da humanidade. Embora Adão não seja explicitamente chamado de rei em Gênesis, a linguagem de domínio é bastante sugestiva. No relato da criação do homem e da mulher, é enfatizada a ideia de que eles são criados à imagem e semelhança de Deus. Essa ideia é bastante ampla, incluindo entre outros aspectos, a capacidade derivada de ter domínio sobre o resto da criação (Gn 1:26-28). Um dos exemplos desse domínio foi a atividade de Adão ao nomear os animais (Gn 2:19, 20), o que demonstra autoridade.

Esse conceito de domínio da criação parece ser ecoado no Salmo 8, em que o ser humano é coroado com glória e honra (Sl 8:5). Uma comparação entre esse salmo e o relato da criação em Gênesis sugere que o ser humano foi criado com o propósito de reinar sobre a criação, e esse reinado se inicia na figura representativa da coleti vidade humana em Adão. Nos escritos paulinos, a ideia da representatividade coletiva de CRISTO SENTE PRAZER EM Adão se torna bastante explícita (Rm 5:14; 1Co 15:22, 45). Ao NOS TRANSFORMAR desenvolver o tema do pecado, EM FILHOS DE DEUS o apóstolo Paulo ressalta que “em Adão todos morreram” (1Co 15:22).

Essas informações sobre a filiação divina nos tempos do Antigo Testamento e a ideia de personalidade coletiva constituem o pano de fundo necessário para a nossa compreensão do nascimento de Jesus Cristo e Sua identidade como o Filho de Deus encarnado.

SÍMBOLO DA COLETIVIDADE

Quando a Bíblia chama Jesus de Filho de Deus, isso não diz respeito apenas à Sua condição de Cristo encarnado, mas também à Sua condição divina entre as pessoas da Trindade. No pensamento bíblico, falar de Deus Filho e de Deus Pai não implica uma hierarquia intrínseca da Divindade, em que o Pai seria superior e o Filho inferior, mas uma igualdade. De acordo com João 5:18, os líderes judaicos queriam matar Jesus porque Ele “dizia que Deus era Seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus”. Eles corretamente entenderam as implicações das declarações de Jesus (Ele é Deus), mas, por não aceitarem Sua divindade, eles equivocadamente consideraram a linguagem de filiação divina como blasfêmia.

Contudo, além do significado essencialmente divino da lingua gem de filiação como vemos no evangelho de João, boa parte das

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referências bíblicas a Jesus como Filho de Deus diz respeito ao Cristo encarnado no contexto da salvação da humanidade, e é nesse sentido que as informações sobre a filiação divina nos tempos do Antigo Testamento e a ideia representativa de personalidade coletiva se tornam úteis para nós.

Em primeiro lugar, Jesus representa Israel. No evangelho de Mateus, a fuga de Jesus para o Egito e o Seu retorno de lá são interpretados à luz de uma declaração de Oseias 11:1: “Do Egito chamei o Meu filho” (Mt 1:15). Por ocasião de Seu batismo, Jesus é chamado de filho de Deus (Mt 3:17) e logo na sequência da narrativa essa afirmação de filiação será questionada na tentação do deserto (“Se és Filho de Deus”, Mt 4:3, 5). Além do período de 40 dias de privação de Jesus no deserto (Mt 4:1) ecoar o período de 40 anos de Israel no deserto, que foi ameaçado pelo risco das privações características da vida no deserto, todas as três respostas de Jesus ao tentador citam versos de Deuteronômio (8:3; 6:16, 13) que tratam da experiência de Israel no deserto e ensinam a importância de Israel confiar em Deus, vivendo em completa dependência Dele em meio aos desafios e provações da vida. Como Filho de Deus, Jesus é o novo Israel que passa pelo deserto e sai vencedor, afirmando Sua filiação divina por meio de Sua completa dependência do Pai.

Em segundo lugar, Jesus é o rei messiânico davídico. Essa ênfase é clara desde o início dos evangelhos. Visto que Jesus é o Filho de Davi (Mt 1:1), os sábios do oriente vão adorar o novo rei que acaba de nascer, e Herodes toma medidas drásticas para não perder o trono (Mt 2). Na explicação do nascimento de Jesus que o anjo Gabriel oferece

Revista Adventista // Dezembro 2019

Foto: Adobe Stock

a Maria, ele salienta que o Filho que irá nascer “será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, Lhe dará o trono de Davi, Seu pai; Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o Seu reinado não terá fim” (Lc 1:32, 33).

Em Romanos 1:1-4, o apóstolo Paulo enfatiza o clímax da concretização dessa promessa messiânica davídica em relação à ressurreição de Jesus, sendo “designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos” (Rm 1:4). Curiosamente, Atos 13:33 e Hebreus 1:5 aplicam o salmo de entronização real, que afirma “Tu és Meu filho, Eu, hoje, Te gerei” (Sl 2:7), no contexto da ressurreição e ascensão de Cristo ao Ele Se assentar à direita do Pai no trono celestial (Hb 1:3, 5-13; At 2:32-35). De fato, Hebreus (1:5, 6) afirma esse cumprimento em Cristo ao relacionar várias passagens davídicas do Antigo Testamento (2Sm 7:14; Sl 2:7; 89:27).

Finalmente, Jesus é o novo Adão. É curioso notar que, enquanto Hebreus 1 afirma o reinado de Cristo à luz de muitas referências ao reino messiânico davídico, Hebreus 2 fala da coroação de Cristo (Hb 2:8, 9) à luz da referência do Salmo 8:4-6 à coroação da humanidade na criação (Hb 2:6-8), vista especialmente na afirmação do domínio de Adão na narrativa da criação em Gênesis 1 e 2.

Se o relato da tentação no evangelho de Mateus enfatiza Jesus como Israel passando vitoriosamente pelas tentações de desconfiança de Deus no deserto, esse mesmo relato no evangelho de Lucas tem conotações adâmicas. Diferentemente da sequência narrativa de Mateus, em que a experiência no deserto vem logo após o batismo de Jesus, o evangelho de Lucas insere entre o relato do batismo e da tentação a genealogia de Jesus, que termina com “Adão, filho de Deus” (Lc 3:38). É com esse tom adâmico que somos introduzidos à leitura da tentação em Lucas 4.

Assim, além de ecos da experiência de Israel no relato da tentação de Jesus, temos também ecos da experiência de Adão. Onde Israel e Adão falharam ao vacilarem na sua dependência de Deus, Jesus venceu por Sua total confiança no Pai e dependência Dele.

Revista Adventista // Dezembro 2019 Além do novo Israel, Jesus é também o novo Adão. Essa ideia é trabalhada com profundidade pelo apóstolo Paulo em Romanos 5:12-20 e 1 Coríntios 15:20-28, 45-49, textos que falam do primeiro Adão e de Cristo como o segundo ou “último Adão” (1Co 15:45). Assim como em Adão a humanidade veio à morte, em Cristo a humanidade recebe a vida (1Co 15:22).

A FAMÍLIA DE DEUS

Ao compreendermos a linguagem de “Filho de Deus” aplicada ao Cristo encarnado à luz da noção de filiação de Israel, do rei davídico e de Adão, percebemos que em Jesus Deus cumpre Seus ideais para a humanidade como um todo. Ao olharmos para o Filho de Deus, vislumbramos o cumprimento do plano de Deus para o ser humano. Mas, além desse vislumbre magnífico, temos a oportunidade de nos tornarmos filhos de Deus por meio do Filho (1Jo 3:1, 2).

É nessa perspectiva que o apóstolo Paulo interpreta o nascimento de Jesus em Gálatas 4:5: “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou Seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”. Esse foi e continua sendo o propósito divino para a humanidade. Deus “nos predestinou para Ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo” (Ef 1:5).

A linguagem de adoção é utilizada em Paulo porque, antes de Cristo em nossa vida, somos “filhos da desobediência” neste mundo pecaminoso e, “por natureza, filhos da ira” (Ef 2:2, 3). Nesse sentido, é o Filho quem nos faz filhos, isto é, nos faz “herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo” (Rm 8:17). Embora Cristo seja o Filho de Deus em um sentido singular e incomparável (Jo 3:16; Hb 1:1-4), Ele sente prazer em nos transformar em filhos de Deus. Na linguagem de Hebreus 2:10-12, “Ele não Se envergonha de lhes chamar irmãos” ao conduzir “muitos filhos à glória”.

Neste Natal, ao pensarmos no nascimento do Filho de Deus, temos a oportunidade de vislumbrar o magnífico propósito de Deus para a humanidade na figura de Cristo Jesus. Esse propósito precisa ser real em nossa vida, na medida em que o Filho nos transforma em filhos. Assim, o Natal deve ser não apenas a celebração do nascimento do Filho de Deus na forma humana, mas também a celebração e oportunidade de nosso novo nascimento como filhos na família de Deus, por meio do Filho. ]

ADRIANI MILLI, doutor em Teologia Sistemática pela Universidade Andrews (EUA), é professor e coordenador do

curso de Teologia do Unasp, em Engenheiro Coelho (SP)

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ESPIRITUALIDADE

CENTRO DE GRAVIDADE AINDA QUE VOCÊ SEJA EMPURRADO PARA VÁRIAS DIREÇÕES, NÃO SE ESQUEÇA DE QUE SEU PONTO DE EQUILÍBRIO É CRISTO

AUDREY ANDERSSON

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Ela esticou o braço, empurrou o brinquedo e riu. O brinquedo merece o nome que tem: João Bobo. Ele é redondo, pesado na parte de baixo e, não importa quão forte você o empurre, ele se move para frente e para trás até centralizar-se outra vez. Em alguns momentos, a vida se parece com o movimento desse brinquedo, porque perdemos o equilíbrio ao sermos empurrados em várias direções. Com regularidade, é importante lembrar qual é o nosso centro de gravidade, aquele ponto fi xo com base no qual todas as coisas alcançam equilíbrio. O centro de gravidade dos cristãos é Cristo. Quando Ele está no centro, nossa vida é equilibrada. Porém, se a teoria é simples, a prática nem tanto.

Revista Adventista // Adventist World // Dezembro 2019

Foto: Marcelo Moreira

COMPANHEIRISMO COM DEUS

Às vezes reduzimos nossa caminhada de fé ao cumprimento de uma lista de regras. Sim, a obediência é importante. Adão e Eva descobriram isso por meio da dor. No entanto, não somos salvos pela obediência; somos salvos pelo que Jesus fez por nós. Ele não morreu para Si mesmo e sim pela humanidade. E é por isso que obedecemos a Ele por amor. É imprescindível perceber essa diferença.

Viver o cristianismo é fundamentalmente uma questão de companheirismo com Deus. Um relacionamento cujo centro de gravidade é o amor. Um amor tão maravilhoso e abrangente que transforma nosso ser. Nesse processo, o egoísmo deixa de ser nossa força motivadora, dando lugar a um companheirismo com Deus e nosso próximo. Evidentemente existem regras, mas elas existem para nos orientar a viver esse novo estilo de vida.

MOEDA INCALCULÁVEL

WATSON MBIRIRI

Quando vejo um banco comercial, muitas vezes penso no santuário. Como

instituição fi nanceira, o banco é parte integral da estrutura das economias

modernas. É o centro nevrálgico das transações comerciais. No coração de

todas essas transações está o princípio contábil da dupla entrada. O valor que

entra numa conta saiu de alguma outra conta. O mesmo princípio rege o serviço

do santuário, “instituição” que é o centro universal das transações salvífi cas.

Imagine Adão e Eva no Éden. Eles se tornaram culpados. Mergulharam a cabeça na vergonha e no medo. Por esse ato de desobediência ao seu Criador, contraíram uma dívida que eles e sua posteridade jamais poderiam pagar. A misericórdia se interpôs, prometendo-lhes que Alguém viria pagar o que era impagável (Gn 3:15). Podemos pensar nessa promessa como um cheque pré

datado assinado pela Divindade em favor da humanidade, que seria descontado

somente no Calvário.

No entanto, até a cruz, o cheque devia ser mantido diante de Israel por meio

dos símbolos dos serviços do santuário. Os pecadores que, a qualquer momento,

compareciam ali com um saldo devedor e reconhecendo seu fracasso espiritual

recebiam um crédito imediato que saía da conta do Cordeiro (Jo 1:29; Mt 1:21).

Ao aceitá-Lo hoje, reconhecemos nossa falência. Ao nos receber, Ele credita

Sua justiça em nossa conta e debita dela nossa injustiça. Nosso saldo devedor é pago pelo saldo credor Dele. Na transação da salvação, Jesus é a moeda de valor eterno. Por isso, pergunto: qual é o saldo da sua conta? ]

WATSON MBIRIRI, PhD em Antigo Testamento, trabalha em Harare, no Zimbábue, África

VIVER O CRISTIANISMO É FUNDAMENTALMENTE UMA QUESTÃO DE COMPANHEIRISMO COM DEUS

VIDA ÍNTEGRA

O amor de Cristo precisa permear cada aspecto de nosso ser: pensamentos, atitudes, crenças e relacionamentos. Simplifi cando, devemos viver de modo íntegro e justo, tendo Jesus como modelo. Essa não é uma opção fácil, pois requer atitudes que sempre estão fora de moda, porque contrariam nossa natureza pecaminosa: humildade, pureza, honestidade, imparcialidade, coragem, perdão e resistência. De fato, o amor de Cristo age em nós, transformandonos no melhor ser humano possível; entretanto, essa mudança não é instantânea, mas obra de uma vida.

O que ocorre é que todos os dias acontecem coisas que tentam nos afastar de Cristo, nosso centro de gravidade. Sejam pequenas irritações, como fi car preso no trânsito; ou eventos trágicos, como o diagnóstico de uma doença séria ou a perda de alguém querido. Essas circunstâncias têm o potencial de nos fazer esquecer que o amor e a bondade de Deus são o centro gravitacional do Universo.

A experiência nos ensina que, não importa quantas vezes caiamos ou falhemos, se mantivermos os olhos em Cristo, Seu amor continuará a nos puxar de volta para um relacionamento restaurador com Ele. Contudo, Ele nos atrai e restaura por meio de hábitos relacionais, como a oração e o estudo da Bíblia.

SENSO DE COMUNIDADE

Embora professemos amor por Cristo, muitas vezes nosso comportamento pode ser tudo, menos uma demonstração de amor por aqueles que se assentam ao nosso lado nos bancos da igreja. Todos já expressamos o pior da nossa natureza ou testemunhamos isso vindo de alguém.

As mesmas virtudes que buscamos desenvolver individualmente devem encontrar sua expressão coletiva na igreja. O que aconteceria se ouvíssemos com atenção o que os outros dizem? E se refl etíssemos antes de agir ou responder? O que aconteceria se demonstrássemos humildade genuína, colocando os outros em

Revista Adventista // Adventist World // Dezembro 2019

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primeiro lugar? E se tivéssemos a coragem de confrontar nossas falhas e as dos outros como Cristo faria?

Há mais ou menos 25 anos, eu me envolvi num grande projeto literário. Nos estágios iniciais desse processo, foi necessário reunir mais de 80 escritores ao longo de três semanas. Vindo de várias partes do mundo e de diversas culturas, o que vimos ali foi a soma de expectativas e habilidades diferentes. A tarefa difi - cílima de coordenar essa equipe foi confi ada à falecida Patricia Habada. Era enorme a chance de aquele projeto ter naufragado.

Parecia que Pat nunca se aborrecia com alguém. Porém, vimos que ela era alguém normal quando, na metade daquele período de reuniões, ela parou próximo ao grupo no qual eu estava para descarregar sua frustração com um dos líderes do processo. No entanto, no dia seguinte, fi camos chocados quando ela reuniu o grupo e o líder que ela havia criticado para pedir desculpas públicas a ele. Ela explicou como e por que havia se ressentido e se comportado como um cristão não deveria fazer. Ao demonstrar respeito por todos, Pat ilustrou o que é viver centrada em Cristo no contexto da comunidade local.

PERSPECTIVA GLOBAL

A maneira de nos relacionarmos com as pessoas diariamente e em nossa igreja local também tem que ver com nossa postura em relação à denominação em nível global. Nos últimos nove anos, tenho sido privilegiado em servir à Igreja Adventista na Divisão Transeuropeia, participando assim também dos processos decisórios da sede mundial da igreja.

É fácil ignorar o fato de que o adventismo é um movimento global e se surpreender com a complexidade de lidar com uma igreja mundial. Nossa denominação está relacionada com inúmeros idiomas, culturas e sistemas políticos e econômicos. Por causa dessa diversidade de costumes e expectativas, não é difícil imaginar que existam ruídos de comunicação e atritos em nossas reuniões internacionais. Isso é inevitável, pois até os apóstolos Paulo e Pedro se desentenderam.

Os líderes são humanos. Contudo, com base em minha experiência, percebo que os líderes de nossa igreja têm sido homens e mulheres justos. A maioria coloca a vontade e os propósitos de Deus acima dos sentimentos e interesses pessoais. Eles trabalham e oram pela unidade e demonstram respeito uns pelos outros. Os enormes desafi os globais para o avanço da

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PLANO PERFEITO

MARTHA MAMBO

Mamãe havia tricotado um lindo suéter para minha irmãzinha Rhonda. Era uma peça exclusiva, um belo trabalho artístico. Olhar para ele me comunicava

aconchego e calor. Era simplesmente adorável!

O suéter de Rhonda não era do tipo para ser usado “todos os dias”, mas

reservado para o sábado e ocasiões especiais. Certo dia, não encontramos

essa peça de roupa e procuramos por ela durante vários dias, com tristeza e

sem sucesso. Se minha mãe tivesse encontrado o suéter com alguém, estava disposta até mesmo a comprá-lo.

Numa escala muito maior, talvez Deus tenha sentido algo semelhante quando a humanidade, a peça central da criação, fugiu de Seus braços. Longe

Dele, Adão e Eva fi cariam vulneráveis e enfrentariam consequências de sua

decisão (Rm 6:23). Por isso, Ele colocou em execução o plano de reconciliação que havia elaborado. Enquanto o inimigo de Deus, Satanás, comemorava por ter

roubado o futuro da humanidade, o Senhor chorava a perda da Sua obra-prima.

O plano devia ser executado. A lei que previa as consequências do pecado

ainda estava em vigor. Sem derramamento de sangue não haveria perdão (Hb 9:22). A lógica era a seguinte: os pecadores transferiam seus pecados

para um cordeiro inocente. O animal morria. Os pecadores eram perdoados e

justifi cados pelo sangue do cordeiro. Cada pecador trazia seu próprio animal,

a fi m de que seus pecados e de sua família fossem perdoados. Deus também

enviou Seu cordeiro, como se Ele também tivesse pecado. O Filho de Deus

tomou nossos pecados sobre Si para que não experimentássemos a morte eterna. Assim, Deus comprou de volta Sua obra prima (Jo 19:30; 2Co 5:21). ]

MARTHA MAMBO é professora na Universidade do Leste da África,

em Baraton, no Quênia

mensagem adventista neste mundo confuso e mau só poderão ser enfrentados mediante o apoio das orações diárias dos membros pelos líderes de sua igreja.

Para todos os que desejam viver como Cristo, Jesus deixou uma ordem bem clara: amem uns aos outros como Eu os amei, pois assim todos saberão que vocês são Meus discípulos (Jo 13:34, 35). ]

AUDREY ANDERSSON, natural da Irlanda, é o secretário

executivo da Divisão Transeuropeia e vive em St. Albans,

no Reino Unido

PARA SABER MAIS

Virtuous Minds: Intellectual Character Development

(InterVarsity, 2013), de Philip E. Dow “Virtuous thinking”, de Frank M. Hasel, na Adventist

Review, de 5 de janeiro de 2018

Revista Adventista // Adventist World // Dezembro 2019

HISTÓRIA DA IGREJA

O incomparável Cristo

AS DISCUSSÕES EM TORNO DO EVANGELHO E DA LEI NA ASSEMBLEIA DE 1888 PODEM SER MAIS BEM ENTENDIDAS À LUZ DOS EMBATES INTERNOS E EXTERNOS DA IGREJA DENIS KAISER

Foto: Minneapolis, Minnesota, U.S.A., 1885 – Library of Congress, Geography and Map Division assembleia mundial da Igreja A Adventista do Sétimo Dia realizada em 1888, na cidade de Mineápolis (EUA), permanece como um paradigma para muitos outros desafi os na história da denominação. No embate entre Ellet J. Waggoner, jovem editor da revista Signs of the Times (Sinais dos Tempos), e George I. Butler, então presidente da sede mundial da igreja, a respeito da natureza da lei em Gálatas 3:24 e 25, podemos refl etir acerca das personalidades humanas, resolução de confl itos e como se dá a salvação. A dinâmica desse embate se repete muitas vezes ainda hoje.

NOVA TEOLOGIA?

Alguns consideram aquela reunião de 1888 um momento decisivo na história do adventismo, no qual os adventistas se tornaram verdadeiramente cristãos. Como não há atas dessa assembleia, o que facilitaria muito entender o que foi discutido ali, algumas pessoas estudaram os escritos de Waggoner e seu associado A. T. Jones, a fi m de reconstituir esse capítulo da nossa história.

Pouco depois da assembleia, quando perguntaram a Ellen White o que a pioneira achava da “nova luz” apresentada por aqueles jovens ministros, ela respondeu que nos 45 anos anteriores à reunião ela vinha apresentando os “inigualáveis encantos de Cristo” (Manuscrito 5, 1889, em Sermons and Talks, v. 1, p. 116, 117).

Na visão de Ellen White, aquela mensagem não era uma nova teologia. Na assembleia mundial de 1883, por exemplo, ela havia pregado 14 sermões, que não eram apenas uma apresentação clara do

Revista Adventista // Adventist World // Dezembro 2019 evangelho, mas um ataque apaixonado contra o legalismo adventista da época e as dúvidas, medos e incertezas que decorrem naturalmente dele. Essas mensagens da pioneira foram publicadas na Review and Herald de 4 de março a 22 de julho de 1884. Aquilo que alguns entenderam que seria uma “nova luz” defendida por Waggoner e Jones, Ellen White defendeu cinco anos antes da assembleia de 1888, como um contraponto à difi culdade de pastores e membros entenderem e compartilharem os “encantos incomparáveis de Cristo”.

DIFERENTES VISÕES SOBRE A LEI

Desde 1846, os adventistas têm proclamado as três mensagens angélicas, enfatizando que, no tempo do fi m, o povo de Deus guarda os mandamentos e tem a fé de Jesus (Ap 14:6-12). No entanto, apesar de ter existido entre eles um consenso a respeito da perpetuidade da lei, houve divergência sobre o papel dos mandamentos no processo da salvação. Por exemplo, enquanto José Bates considerava a obediência um pré-requisito para a aceitação do evangelho (A Seal of the Living God: A Hundred Forty-four Thousand, of the Servants of God Being Sealed in 1849, p. 60-66), Tiago White enfatizava que arrependimento, perdão e obediência só eram possíveis por meio da aceitação do evangelho (The Present Truth, agosto de 1849, p. 16).

Durante a década de 1850, as interpretações sobre a natureza da lei em Gálatas 3 estabeleceram a base das discussões da década de 1880. Vários escritores adventistas, como J. N. Andrews, argumentaram que Gálatas 3 apresentava a lei moral (os Dez Mandamentos) como um espelho para os pecadores, o qual mostrava a eles que precisavam

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de um Salvador (Review and Herald, 16 de setembro de 1851, p. 29, e Thoughts on the Sabbath, and the Perpetuity of the Law of God, p. 22, 25).

Essa comparação da lei a um espelho era pare cida com a argumentação de muitos protestantes, que, diferentemente dos adventistas, sustentavam que Gálatas 3 falava sobre a abolição dos mandamentos. Em contraponto aos protestantes, Stephen Pierce se posicionou enfaticamente, afirmando que Paulo tratou da abolição da lei cerimonial e não da moral (Review and Herald, 8 de outubro de 1857, p. 180, 181). A argumentação dele se tornou a posição vigente no adventismo nas três décadas seguintes.

De fato, ao longo do tempo, os pastores adventistas se tornaram especialistas em debater com os ministros protestantes sobre as crenças distintivas da denominação. Pelo fato de conhecerem bem a Bíblia, os pastores adventistas costumavam ganhar esses debates que valorizavam mais as peculiaridades do adventismo do que suas semelhanças com o cristianismo. Esses enfrentamentos geraram conversões entre os observadores dos debates; porém, é provável que os que abraçaram a fé adventista por meio desse método entenderam que a salvação se dava por guardar o dia certo e por fazer as coisas de maneira correta.

A DÉCADA DE 1880

Desde 1884, Waggoner e Jones ensinavam na revista Signs of the Times e na antiga Faculdade de Healdsburg (atual Pacific Union College) a inicial interpretação adventista a respeito da lei em Gálatas 3: que há distinção entre as funções da lei cerimonial e moral, e que a segunda é que leva o ser humano a Cristo. Contudo, a década de 1880

VIDA ETERNA POR MEIO DELE

HANA GREENFIELD

Já era tarde da noite quando o telefone tocou. Ela havia partido.

Foi inesperado, muito triste e definitivo. Corremos para sua casa a

fim de reunir a família. Entrei no quarto silencioso onde ela estava

deitada, como se dormisse. Toquei seu rosto ainda quente. Suas mãos estavam entrelaçadas num descanso sereno. Estar assim tão perto da morte era surreal e triste. Um sentimento se instalou como uma

nuvem escura, pesada e espessa, matizada de arrependimentos, roubando toda a alegria e ofuscando a esperança.

O corpo dela descansava em casa e os amigos e familiares a visitaram prestando sua derradeira homenagem. Durante uma semana, foi catártico o luto que se instalou ao redor do seu caixão. Ouvimos

histórias sobre sua vida de fé, e Deus transformou numa grande

esperança nossa sensação de fatalidade.

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não foi o momento ideal para apresentar essa interpretação aos adventistas.

O contexto religioso e político dos anos 1880 era de pressão de grupos protestantes para a promulgação e imposição de uma lei dominical em nível nacional nos Estados Unidos. Muitos cristãos da época viam esse movimento como um esforço de resgate da moralidade norte-americana. Segundo Woodrow W. Whidden, quando o cardeal James Gibbons usou sua influência para apoiar uma legislação desse tipo, muitos adventistas acreditaram que as profecias de Apocalipse 13, que tratam da marca da besta e da perseguição religiosa, estavam prestes a se cumprirem (E. J. Waggoner: From the Physician of Good News to Agent of Division [Review and Herald], p. 92-94).

Pelo fato de a interpretação de Waggoner sobre a lei em Gálatas se parecer muito com a visão geral dos protestantes da época, pode-se entender por que Butler se opôs à “nova” interpretação de Waggoner, considerando-a um desvio e equívoco.

Em razão de enxergar a posição de Pierce sobre Gálatas 3, publicada em 1857, como um marco doutrinário, Butler sentiu que precisava lidar com o assunto. Primeiro, ele pediu o apoio de Ellen White, para que a pioneira compartilhasse uma carta que ela havia escrito 30 anos antes para o pai de Waggoner. Ellen White respondeu que não sabia onde estava a carta e que, ainda que soubesse, não teria dado para Butler. Nessa correspondência, a profetisa aconselhava Waggoner pai a não causar agitação pública sobre o assunto da lei.

Butler entendeu que essa recusa era a justifica tiva para que ele publicasse o livro The Law in the Book of Galatians [A Lei no Livro de Gálatas], em

Jesus comparou a morte ao sono (Jo 11:11; Mc 5:39), durante

o qual o morto nada sabe (Ec 9:5). Essa linda filha de Deus estava

dormindo. Sua vida de dor, provações e desafios intransponíveis

era agora definida como alegria, propósito, perdão, comemoração e

amor. Embora o pecado leve a humanidade à morte (Rm 6:23), Deus promete vida eterna aos que creem em Jesus (Jo 3:16).

Cantamos o hino preferido dela, “Bendita Segurança” (HASD, 240),

ao lado da sua sepultura. Pensei no inexplicável amor de Deus, que

enviou Jesus à cruz, à sepultura e para fora da tumba. Esse amor

permanece conosco na vida e na morte e torna possível a eternidade. Quando a melodia do hino silenciou, gentilmente coloquei um único lírio branco sobre aquele monte de terra e sussurrei: “Mana, nos vemos quando Jesus voltar!” ]

HANA GREENFIELD mora em Auckland, na Nova Zelândia, com seu esposo

e cinco filhos. Ela estuda aconselhamento familiar e mantém um blog sobre relacionamentos, cura e discipulado

Revista Adventista // Adventist World // Dezembro 2019

1886. Nessa obra, que ele divulgou entre os delegados da assembleia mundial da igreja no mesmo ano, Butler se opunha às ideias de Waggoner. Ele concluiu que sua visão era correta quando D. M. Canright, importante pastor adventista da época, aparentemente havia se tornado “vítima” da interpretação de Waggoner, ao rejeitar a perpetuidade da lei, dois meses após a assembleia de 1886.

Para desgosto de Butler, Ellen White o repreendeu pela sua postura e disse que seria justo que Waggoner também tivesse a chance de explicar a própria posição. Waggoner fez isso em 1888 por meio do livro The Gospel in the Book of Galatians: A Review [O Evangelho no Livro de Gálatas: Uma Revisão].

Por fim, na assembleia de Mineápolis foi concedida a Waggoner e a Jones a oportunidade de apresentar seu ponto de vista a respeito da lei em Gálatas. Butler, que não pôde comparecer à reunião devido a uma doença, preparou seus aliados para se oporem àquela suposta heresia. Ellen White viu que o verdadeiro problema do encontro não era tanto a divergência teológica, mas o espírito irreconciliável e hostil dos aliados de Butler. Aquela atitude “não era o espírito de Cristo” (Carta 50, 1889, em The Ellen G. White 1888 Materials, v. 1, p. 295).

No ano seguinte, a pioneira escreveria que a mensagem pregada pelos dois jovens pastores havia revelado a “preciosa compreensão” sobre a justiça de Cristo “imputada a nós não devido a qualquer mérito de nossa parte, mas como um dom gratuito de Deus”. Ela argumentou que Satanás não queria que aquela interpretação fosse apresentada, pois, caso os adventistas a aceitassem, o poder do diabo seria vencido (Review and Herald, 3 de setembro de 1889, p. 546).

CERIMONIAL E MORAL

Muitas vezes não conseguimos pensar além dos parâmetros apresentados por alguém no início de uma discussão. Frequentemente, esses próprios parâmetros formam uma falsa dicotomia. Isso ocorre porque, quando nos apaixonamos por um tema, podemos não reconhecer a futilidade do debate. Por muitos anos, os pastores adventistas viram somente duas interpretações oposPARA ELLEN tas a respeito do papel da lei em Gálatas

WHITE, A FÉ EM 3, e entendiam que havia uma distinção JESUS É A CONFIANÇA entre os códigos cerimonial e moral. Con

DE QUE ELE TEM A tudo, mais de uma década depois de 1888, HABILIDADE DE NOS Ellen White fez um comentário que lançou

SALVAR AMPLA, nova luz sobre o tema. Ela observou que “o

COMPLETA professor que nos leva a Cristo” é “tanto

E INTEIRAMENTE o código cerimonial quanto o moral dos Dez Mandamentos” (Manuscrito 87, 1900, disponível em Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 233). Enquanto a lei moral mostra que somos pecadores e necessitados de um Salvador, a cerimonial explica como e por meio de quem Deus Se livra do problema do pecado. Pouco tempo depois da assembleia de 1888, Ellen White escreveu que os adventistas haviam pregado sobre “os mandamentos de Deus”, mas o mesmo não havia ocorrido a respeito da “fé de Jesus”. Os adventistas até falavam acerca da fé, porém não a compreendiam. Afinal, o que é a fé em Jesus? Ellen White responde: Trata-se da “fé na habilidade de Cristo para nos salvar ampla, completa e inteiramente” (Manuscrito 24, 1888, disponível em Manuscript Releases, v. 12, p. 193). ]

DENIS KAISER, PhD, é professor-assistente de História da Igreja

na Universidade Andrews (EUA)

LADO A LADO COM JESUS

WALTER STEGER

Quando pensamos na doutrina do milênio (Ap 20), costumam vir à nossa mente frases como “poço sem fundo”, “Satanás acorrentado”,

“segunda ressurreição”, “Deus e Magogue”, “julgamento” e “lago de

fogo”. Na verdade, podemos até dar um estudo bíblico completo sobre

o milênio sem sequer mencionar Cristo. Onde então encontramos

Jesus no ensino bíblico sobre os mil anos?

Apesar de geralmente passar despercebido, um dos principais aspectos dessa verdade é que o povo de Deus viverá e reinará com

Cristo por mil anos (Ap 20:4). De fato, o relato sobre o milênio descreve

o reinado de Cristo no Céu, em preparação para o estabelecimento do Seu reino eterno sobre a Terra renovada.

Revista Adventista // Adventist World // Dezembro 2019 No fim dos mil anos, a Nova Jerusalém descerá do Céu, e Satanás,

então liberto de sua prisão circunstancial, convencerá a multidão de

ímpios ressuscitados de que ele, não Cristo, é o legítimo príncipe deste mundo. Segundo Ellen White, naquele momento, Cristo aparecerá

acima de Seus inimigos, sentado num trono, cercado por súditos de todos os tempos e receberá a coroação final como Filho de Deus

(O Grande Conflito, p. 665, 666).

Talvez nossa visão acerca do milênio esteja muito centrada na desolação do planeta e no julgamento dos ímpios. Melhor seria concentrar nossa atenção no fato de que viveremos mil

anos no Céu com Cristo, nosso Salvador e Rei. E certamente nada superará isso. ]

WALTER STEGER é pastor e editor de livros e revistas na Associación Casa

Editora Sudamericana, na Argentina

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