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REPO RTAGEM Modelo centralizado de previsão meteorológica completa um ano

Modelo centralizado de previsão meteorológica completa um ano

O Centro Integrado de Meteorologia Aeronáutica (CIMAER) reúne evolução tecnológica, práticas de desenvolvimento e modernização na sua maneira de prestar serviço

Por Myrian Bucharles Aguiar - 1º Tenente Jornalista Fotos de Luiz Eduardo Perez

Ahistória da aviação é marcada pelo

século XVIII com a criação do balão pelo padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão. De lá para cá a evolução do mais pesado que o ar é crescente. Desde o primeiro voo do 14-BIS, em 12 de novembro de 1906, até os dias de hoje são incontáveis as tecnologias que surgiram para dar suporte à aviação de uma forma geral. No que diz respeito à segurança e à tecnologia da navegação aérea, a Meteorologia Aeronáutica não pode ficar de fora. A informação meteorológica contribui como suporte à garantia dos padrões de segurança, economia, eficiência e fluidez do tráfego aéreo.

O trabalho realizado pelo CIMAER abarca 22 milhões de quilômetros quadrados que são protegidos pela Força Aérea Brasileira por meio das ações de controlar, defender e integrar

Apesar dos avanços tecnológicos e das transformações ocorridas em busca por maior eficiência do serviço, a Meteorologia Aeronáutica manteve quase a mesma estrutura e mesmo modelo operacional por décadas, sempre baseados nas recomendações da Or ganização da Aviação Civil Internacional (OACI) e da Organização Mundial de Meteorologia (OMM).

Diante desse sistema de informação imprescindível para os diversos públicos da aviação – pilotos (civis e militares) e controladores de tráfego aéreo -, foi que, através da Portaria nº 579/GC3 de 12 de abril de 2019, o CIMAER foi ativado.

Sua criação está relacionada a uma série de ações diante da reestruturação da Força Aérea Brasileira (FAB) - Diretriz do Comando da Aeronáutica - DCA 11- 45 -, que trata da Concepção da Força Aérea 100.

Subordinado ao Departamento de Controle do Es paço Aéreo (DECEA), com sede no Rio de Janeiro, o CIMAER tem o intuito de tornar possível a otimização de recursos e o aumento da eficiência na prestação do serviço em meteorologia, aumentando a eficiência na prestação do serviço de meteorologia aeronáutica.

Para isso, a Meteorologia Aeronáutica passou por grandes transformações. Antes da criação do CIMAER, o serviço de Meteorologia era executado em várias lo calidades do País, por meio de uma rede de estações e uma rede de centros. A rede de estações manteve-se inalterada, sendo constituída por uma constelação de Estações Meteorológicas de Superfície (EMS), Estações Meteorológicas de Altitude (EMA) e Estações de Rada res Meteorológicos (ERM). Já a rede de centros, que era composta por Centro Nacional de Meteorologia Aero náutica (CNMA), Centros Meteorológicos de Vigilância (CMV), Centros Meteorológicos de Aeródromo (CMA) e Centros Meteorológicos Militares (CMM), passou a ter suas atribuições e responsabilidades abarcadas pelo CIMAER.

“Com a centralização, a meteorologia começa a agir de forma unificada, eliminando as redundâncias. As ações são padronizadas e foi dada atenção às melhores práticas utilizadas pelos Regionais, havendo, assim, uma harmonização das previsões”, disse o comandan te do CIMAER, o Tenente-Coronel Francisco Pinheiro Gomes, especialista em Meteorologia.

Com a finalidade de gerenciar a prestação do serviço Meteorológico Aeronáutico de vigilância e previsão no Brasil, o CIMAER, apoiando as atividades militares de defesa, assegura a vigilância meteorológica nos aeródromos e em todo o espaço aéreo brasileiro. Além disso, fornece prognósticos meteorológicos de interesse da aviação, apoiando as atividades militares da Meteorologia de Defesa, gerenciando, controlando e provendo os dados referentes à Climatologia Aeronáutica. Fomenta, ainda, estudos e intercâmbios, visando ao aprimoramento profissional e à qualidade na prestação de serviço. O CIMAER representa o Comando da Aeronáutica (COMAER) junto aos órgãos nacionais e internacionais relacionados à Meteorologia Aeronáutica.

Um grande desafio enfrentado pela unidade foi a formação do seu efetivo. Os primeiros a chegarem ao CIMAER foram os militares que já eram do Rio de Janeiro, os de Manaus e os de Recife (oriundos do

CIMAER

Centro Integrado de Meteorologia Aeronáutica

Estr utura

Comando (CMD)

Gerencia, executa e controla as atividades relacionadas à prestação do serviço de Meteorologia Aeronáutica de vigilância e previsão, entre outras atividades.

Divisão de Administração (DA)

Planeja, gerencia, controla, capacita e executa as atividades relacionadas com processos administrativos de apoio, entre outras atividades.

Divisão de Operações (DO)

Planeja, executa e controla as atividades relacionadas à Meteorologia Aeronáutica, à Climatologia Aeronáutica, ao monitoramento do Clima Espacial e à Meteorologia de Defesa. Além disso, deve propor estudos e projetos relacionados ao desenvolvimento de novas ferramentas operacionais, entre outras atividades.

Divisão Técnica (DT)

Planeja, executa e controla os serviços relacionados às atividades de tecnologia da informação, de telefonia e dos sistemas técnicos, entre outras atividades.

No salão operacional os profissionais conseguem ter acesso à vários produtos diferentes relacionados a meteorologia, por meio do vídeowall, que tem 16 monitores de 72 polegadas.

Com uma equipe altamente qualificada advinda de todo o Brasil, capaz de reunir as melhores práticas utilizadas pelos Regionais em um só ambiente, o CIMAER, hoje, presta um serviço de previsão e vigilância meteorológica padronizado e harmonizado

Quarto e do Terceiro Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo - CINDACTA IV e CINDACTA III). O Centro Meteorológico de Vigilância da Região de Informação de Voo Amazônica (FIRAZ) e o Centro Meteorológico de Vigilância da Região de Informação de Voo de Recife (FIR-RE) realizavam previsões meteorológicas da superfície até altos níveis da atmosfera, atendendo, basicamente, aeronaves militares e empresas aéreas nacionais e internacionais nas áreas de jurisdição dessas duas FIR. Essas áreas compreendem, além da esfera continental envolvendo basicamente as Regiões Norte e Nordeste do Brasil, toda a parte oceânica entre a costa brasileira e o meridiano de 10°W e entre os paralelos 7°N e 34°S.

Somente em meados e final de 2019 foi que os de mais profissionais, vindos de Brasília (CINDACTA I) e de Curitiba (CINDACTA II), compuseram o grupo, que hoje é formado por aproximadamente 130 militares.

Dentre as vitórias alcançadas neste primeiro ano, podemos citar a aprovação do Regimento Interno; o desenvolvimento em curso de alguns produtos como o TAF automático; o início e a finalização da construção do salão operacional, que é o coração do CIMAER. Com a aprovação do Manual de Meteorologia e Oceanografia de Defesa, o CIMAER assume a posição de elo do Sistema de Meteorologia e Defesa (SisMetDef).

Além das já realizadas, outras ações também estão em andamento e como exemplos citamos a revitali zação do Banco Internacional de Dados Operacionais de Meteorologia (OPMET), o desenvolvimento das ferramentas que irão automatizar a área operacio nal do CIMAER, e a previsão de absorção do Centro Meteorológico do Guarulhos, atingindo, assim, a centralização da totalidade do serviço meteorológi co aeronáutico de vigilância e previsão do Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro (SISCEAB).

O CIMAER está se preparando também para atuar na previsão de clima espacial sendo Elo do Estudo e Monitoramento Brasileiro do Clima Espacial (EMBRACE) e como Elo do Sistema de Meteorologia e Defesa (SisMetDef).

“Essas são as mais nítidas diferenças que podemos expor diante da centralização da Meteorologia Aero náutica, o que resume em maior eficiência na prestação de serviço, além de proporcionar a otimização dos recursos!” - afirmou o Tenente-Coronel P. Gomes.

A meteorologia nos ajuda a definir todas as ações do nosso dia a dia. As informações meteorológicas são

utilizadas para nos sugerir o que vestir, plantar, onde ir e, ainda, no planejamento de nossas atividades. Para a aviação não é diferente! Os serviços de meteorologia são essenciais, pois a partir do conhecimento de uma rajada de vento, nevoeiros, trovoadas, tempestades e turbulências, pilotos e controladores de tráfego aéreo podem tomar decisões que assegurem as viagens, ga rantindo a segurança dos voos!

Ativação do Centro Meteorológico Integrado

No dia 18 de março de 2020, o Centro Meteorológico Integrado (CMI), órgão operacional do CIMAER, passou a atuar nas novas instalações.

A coordenação da implantação do CMI ficou a car go da Comissão de Implantação do Sistema de Controle do Espaço Aéreo (CISCEA), que iniciou a obra em 10 de maio de 2019.

O CMI é a materialização da integração da presta ção do serviço meteorológico de vigilância e previsão do SISCEAB, abarcando todas as FIR, com seus res pectivos aeródromos e suas áreas de controle terminais (TMA).

Os meteorologistas que trabalham no CMI assesso ram os órgãos de controle de tráfego aéreo, a Circulação Aérea Geral e as aeronaves em emprego militar sobre as condições meteorológicas. Disponibilizam, ainda, os produtos gerados pelos Centro Mundiais de Previsão de Área (WAFC) no âmbito do SISCEAB, di vulgando e provendo informações meteorológicas aeronáuticas e espaciais necessárias para a defesa do espaço aéreo brasileiro.

“O CMI agrega todas as áreas operacionais de meteorologia aeronáutica envolvidas com previsão e vigilância meteorológica. Dentre elas, previsões de curto prazo, entrega de briefing, atendimento aos usuários, operação de radares meteorológicos, operação de Informação Meteorológica para Aeronave em Voo (VOLMET), entre outros. Tudo isso concentrado num único salão e, nesse mesmo ambiente, profissionais interagem, ampliam seus conhecimentos e, aproveitando rotinas, otimizam os recursos humanos e meios materiais”, explica o chefe do CMI, Major Especialista em Meteorologia Luiz Claudio Fernandez Junior.

Antes da ativação do CIMAER, a meteorologia era realizada de forma pulverizada, como já vimos. Depois, da entrada em operação e durante o primeiro ano, os trabalhos operacionais eram realizados dentro de uma sala, que se resumia em um espaço como de uma seção, ainda sem as condições ideais. Nesse ambiente o previsor ainda realizava a previsão de forma setori zada e isolada.

Com a inauguração do CMI houve uma mudança na forma de se fazer a previsão à medida que se tornou possível abarcar um maior número de previsores pensando a meteorologia num mesmo ambiente, podendo ser efetivada assim uma previsão de consenso. Além disso, por meio de uma visualização dos produtos meteorológicos de forma bastante ampla e amigável, o previsor tem um maior poder de análise e amplia a oportunidade de entregar produtos de maior qualidade.

O ganho operacional é fantástico! Isso se deve à centralização de todo o serviço no salão operacional, com hardware de ponta e um videowall que permite visualização em tempo real nos diversos painéis de monitoração, previsão, imagem de satélite, descargas atmosféricas, imagens de radar - ou seja, os profis sionais têm uma consciência situacional de tudo. “O ganho principal é a possibilidade da integração entre todos que estão operando. As previsões saem todas do mesmo local, não havendo mais conflitos entre as in formações, como ocorria antes, quando o trabalho era realizado de forma descentralizada. Temos integração e coerência muito maiores”, avaliou o Major Claudio.

Na estrutura do CMI há quatro Seções: Previsão de Área; Previsão de Aeródromo e Vigilância;

Sala em que funcionava a Divisão Operacional do CIMAER, antes da ativação do CMI

Um dos idealizadores do layout do salão operacional do CIMAER, o Tenente-Coronel P. Gomes comanda a OM a fim de gerenciar, executar e controlar as atividades de responsabilidade da unidade

Meteorologia Aeronáutica de Defesa; Meteorologia Espacial. Todas realizam seu trabalho operacional, transformando os seus serviços em produtos, a partir do Salão Operacional.

O salão operacional conta com um vídeowall e mais 36 posições de trabalho, sendo que quatro são direcio nadas à operação da radiodifusão VOLMET, 18 posições centrais, onde hoje operam os previsores e auxiliares. Ainda há outras quatro posições que são utilizadas pela subdivisão de estudos e projetos e pela subdivi são de climatologia operacional, entre outros postos reservados para meteorologia de defesa, meteorologia espacial, operação de sistemas internos como Sistema de Tratamento de Mensagens de Serviço de Tráfego Aéreo (AMHS), OPMET e outras áreas.

Hoje, o CIMAER tem tudo que é necessário para re alizar a prestação de serviço de vigilância e previsão. A Meteorologia de Defesa, a Meteorologia Espacial, a vigilância e a previsão de todas as FIR, tudo num mes mo ambiente, prestando serviço para os 22 milhões de km² que são monitorados pela FAB.

“Os trabalhos do CIMAER, com a ativação do CMI, só precisam ser aprimorados por meio de doutrina, para cada vez mais aumentar a qualidade dos produtos ofe recidos. Além disso, dentro do salão operacional tem o cérebro, a subdivisão de estudos e projetos (SEP), que vem estudando a automatização de todas previsões por meio da modelagem numérica e inteligência arti ficial. A expectativa é de um futuro promissor”, explica o comandante do CIMAER.

“O nível de operacionalidade ainda vai subir muito. Ainda estamos engatinhando, porque acabamos de receber o salão, mas as possibilidades para os próximos meses e anos são gigantescas”, finalizou o chefe do CMI.

Transformações que vão além da operacionalidade

As modificações na prestação de serviço em meteorologia não aconteceram somente para a Aeronáutica e a sociedade brasileira, que já desfrutam dos benefí cios oferecidos, mas para muitos militares que tiveram suas vidas transformadas.

Todos os anos, pessoas de todas as localidades do Bra sil saem de suas cidades de origem para ingressar na FAB e isso também acontece com os especialistas em meteorologia. Depois de aproximadamente dois anos estudando na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR), em Guaratinguetá - SP, eles se formam e são selecionados para atuar nas diversas Unidades Milita res da FAB.

De Manaus, Curitiba, Brasília, Recife, ou de qualquer outra cidade em que tinha a prestação de serviço em previsão e vigilância meteorológica, a grande maioria dos militares especialistas em meteorologia foram transferidos para o Rio de Janeiro, onde fica a sede do CIMAER.

Um processo de transferência envolve não só trans formações na vida profissional desses militares, mas na pessoal também. A mudança para uma nova cidade pode ser marcada pela ruptura de laços, pelas diferen tes características culturais, de clima, da rotina familiar, de fuso horário, de custo de vida, entre outras.

O Capitão Vicente Batista Rangel, que serviu no CMV Recife, de 2013 até o final de 2018, trabalhando com previsão e vigilância de toda a área de responsabilida de do CINDACTA III, falou da sua vinda para o Rio de Janeiro. “A mudança causou certa apreensão, princi palmente por tudo que envolve a cidade, o alto custo de vida, a violência, e pelo fato da minha família ter se adaptado ao Recife. Então, você quebrar essa estrutu ra, faz com que a notícia seja recebida com certa repulsa”, revelou o especialista em meteorologia.

Por outro lado, contou como ele e a família procu raram encarar com bons olhos a oportunidade de vir para o Rio, assim que viu que a transferência seria

inevitável e a curto prazo. “Nós procuramos sempre enxergar coisas boas. Não somos de ficar lamentan do. Eu sou carioca, então, aproveitei a oportunidade para estar perto dos meus pais e proporcionar a eles a alegria de acompanhar o crescimento dos netos. No CIMAER estou aprendendo coisas novas e diferentes. Toda mudança causa um desequilíbrio momentâneo, mas também muitos aprendizados. Então, sigo bus cando conhecimento” - revelou o Capitão Rangel.

O Major Luiz Claudio Fernandez Junior estava ser vindo à FAB em Curitiba há 15 anos. Quando recebeu a notícia da movimentação, mesmo com receio, pro curou encontrar algo positivo: “Com a mudança veio também a expectativa de que teríamos grandes desa fios e oportunidades para a Meteorologia Aeronáutica, com a implantação da nova Organização Militar intei ramente dedicada à essa atividade".

O Major Especialista em Meteorologia Antonio Vi cente Pereira Neto viu a mudança como mais um desafio da carreira, depois de 11 anos servindo em Brasília, e encarou a transferência com otimismo.

O Suboficial Especialista em Meteorologia Sidiney Silvestre da Silva, natural de Recife, onde serviu por 17 anos, contou sua experiência. “Vim transferido compulsoriamente para o CIMAER. Não nego que o impacto inicial foi ruim, mas depois passou. Mesmo assustado com tudo o que ouvi dizer sobre a vida no Rio de Janeiro, quero aproveitar o que tiver de bom da cidade. Nossa mente precisa estar sã para manter o equilíbrio. Tenho encarado essa mudança com paciência e bastante naturalidade” - disse o militar.

A 2º Sargento Meteorologista Thalita Borgatti do Nascimento Valentim viveu em Curitiba nos últimos oito anos. “Na época da mudança, meus filhos gêmeos tinham apenas oito meses de idade, então, a logística que envolveu a mudança foi muito complicada, principalmente, para conseguir organizar tudo no prazo. Foi um enorme desafio! Outro

O Major Claudio, chefe do CMI, escolheu a meteorologia esperando uma profissão interessante e desafiadora, que fosse uma área com viés científico forte e que lhe desse a oportunidade de evoluir como profissional especializado

ponto foi a diferença de clima entre as cidades, algo que ainda estamos nos adaptando”, contou.

Algumas características inerentes à cidade-sede do Centro Integrado de Meteorologia Aeronáutica implicaram uma série de transformações na vida das pessoas. Grande parte desses já até tinha criado raízes nos lugares em que vivia. Durante esse perí odo de um ano, o CIMAER também precisou desenvolver trabalhos para fortalecer as relações éticas, transparentes e de valores, amenizando os impactos e acolhendo os militares recém-chegados e seus fa miliares.

“Costumo dizer que nós já estamos preparados para o trabalho, mas não estamos preparados para lidar com os problemas pessoais e familiares. E essa é uma das funções de um comandante, procurar so luções para resolver os problemas do efetivo!” – destacou o Tenente-Coronel P. Gomes.

O CIMAER foi criado para prestar todo o assessoramento aeronáutico relacionado à previsão e à vigilância meteorológica do Brasil

Redução do uso de químicos, um conceito de sustentabilidade

Informação, planejamento e ação na guerra contra as doenças e seus vetores

Por Ricardo Jatobá Figueiredo e Fábio dos Santos Leitão Ilustração: © freepik

É constante, em todas as mídias, ouvirmos casos de contaminação por vírus como os da dengue, chikungunya, febre amarela urbana e zika. Diariamente, estatísticas apontam para casos de contaminação que, algumas vezes, culminam com a morte de pessoas em várias partes do País. Esforços se somam na tentativa de combate ao principal vetor destas moléstias, mas os números continuam crescendo. Com isso, então, fica a pergunta: você sabe o que é necessário para combater essas doenças?

Apergunta é pertinente, mas não explica o que esse artigo tem a ver com as ações da Força Aérea Brasi leira (FAB), não é? Errado! Vamos ler neste documento sobre algumas ações que envolvem as Forças Armadas nacionais, bem como conhecer a importante partici pação que nós temos que assumir para a promoção da saúde pública, dentro e fora dos quartéis.

O que há em comum entre as doenças que citamos no início deste artigo? Todas elas são veiculadas por insetos alados que atormentam a vida das pessoas, principalmente nos países de clima tropical. Sim, os mosquitos. Uma espécie de mosquito já é muito conhe cida. Estamos falando do famigerado Aedes Aegypti, que, embora pequeno, causa danos à saúde humana em grandes proporções, podendo culminar com a morte.

Estatísticas do Ministério da Saúde apontam que, en tre 2018 e 2019, os casos de contaminação por Dengue aumentaram cerca de 264% no País, segundo informa ção do site G1, publicado em 25/03/2019.

Mas, não é só o mosquito que nos atormenta e pode transmitir doenças. Estamos sujeitos à con taminação por inúmeras enfermidades veiculadas

por animais sinantrópicos, aqueles que se adaptaram a viver junto ao homem, a despeito da sua vontade, grande parte dentro de nossas casas e locais de traba lho. Animais que não gostamos de ter por perto, mas não os associamos, imediatamente, às doenças que eles podem disseminar, pois não aparecem na mídia como o seu representante mais famoso, o Aedes.

É o caso das baratas, que podem ser transmissoras da febre tifoide e da conjuntivite, além de infecções do sistema urinário e pneumonia, entre outras. Os ratos podem transmitir leptospirose, peste bubônica, han tavírus e outras doenças. As moscas contagiam com inúmeras enfermidades, isso porque estão em cons tante contato com material em putrefação, contaminado e, assim, disseminar, pelo toque, os organismos infestantes.

Ainda há escorpiões, morcegos, pombos, lesmas, den tre outros, que oferecem risco à saúde dos seres humanos e outros animais. É de suma importância operar o controle destes ambientes para mitigarmos o risco de contaminação por essas doenças que, em alguns casos, podem nos levar à morte.

Não é raro vermos ações de controle de mosquitos transmissores de doenças ao ser humano promovido (ou com participação) por agentes das Forças Armadas brasileiras. Campanhas de orientação em cidades com alto índice de casos de contaminação são veiculadas em mídias como o ocorrido a partir do ano de 2015, como divulgado no site do Exército Brasileiro, afirmando que, em função de seu alto grau de confiança e aceitação pela comunidade, é mais fácil para este gru po acessar as áreas e identificar focos de infestação para o controle.

Outro exemplo de sucesso vem da FAB, que, ao longo dos anos, vem somando esforços no combate ao mos quito transmissor de doenças. Citamos o caso do mutirão realizado em maio de 2019, em Guarulhos, onde 100 soldados do Grupo de Segurança e Defesa de São Paulo somaram no projeto “Forças Armadas contra as Arboviroses”. Em conjunto com agentes do serviço de saúde municipal, os soldados abordaram moradores e distribuíram folhetos com orientação para diminuir os riscos de transmissão.

A Marinha do Brasil também soma forças nestas campanhas, como ocorreu no ano de 2017, quando in tegrou equipes de combate ao vetor no Distrito Federal, em parceria com agentes de saúde local. Por meio do link “saúde naval”, em seu site, fornece informações sobre campanhas que visam conscientizar suas tropas e a sociedade em geral no combate aos transmissores de arboviroses.

Mas, e o controle às outras espécies de animais que também são vetores de outras doenças? Que medidas são tomadas atualmente e que interferem direta e in diretamente na vida da sociedade e dos próprios militares em seus quartéis? É sobre isso que iremos discorrer daqui em diante.

Uma preocupação identificada na rotina militar é a qualidade da higienização dos ranchos, onde são servi das as refeições do efetivo. Inúmeras são as atividades desenvolvidas para garantir uma alimentação segura, o que conta com uma lista de checagens que vai desde o levantamento das necessidades, obtenção, armazena mento e distribuição dos produtos utilizados nas organizações militares etc.

Em alguns estados, como o Paraná, esta preocupação considera toda a cadeia de logística e leva até a produção dos alimentos, o que se inicia nas lavouras de pequenos agricultores que participam do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) até à mesa, onde instituições, como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) são consultadas, buscando um melhor processo desde a lavoura. Também é inspirado na metodologia de controle de pragas, que acarretam a diminuição da qualidade dos produtos e o aumento do custo da produção, que é introduzida à metodologia de manejo integrado de pragas (MIP) - conjunto de atividades para a prática de empresas habilitadas que visa controlar aspectos de atração e instalação de pragas em ambientes urbanos, baseado não apenas na aplicação de agrotóxico, mas também de técnicas complementares.

Uma observação importante a ser realizada, que equivocamente associamos, na maioria das vezes, o uso dos agrotóxicos restrito apenas à agricultura. Contudo, sua aplicação é bem mais abrangente, pois tais produ tos são agentes de processos físicos, químicos e biológicos, que são utilizados, de fato, nos setores de produção, armazenamento e beneficiamento de produtos agríco las, pastagens, proteção de florestas nativas ou plantadas, mas também em outros ambientes, como urbanos, hídricos e industriais, cuja a finalidade é combater ou controlar agentes nocivos à saúde humana, da fauna e da flora. Portanto, os agrotóxicos podem ser agru pados de acordo com sua finalidade de aplicação ou grupo-alvo, como: inseticidas, para insetos e larvas; fungicidas, para fungos; herbicidas, para ervas inde sejáveis; formicidas, para formigas; acaricidas, para

ácaros; rodenticídas, para roedores; nematicidas, para nematódeos; entre outros.

A preocupação com o uso adequado dos produtos quí micos é tão acentuada que há uma infinidade de instrumentos legais e normas técnicas operacionais estabelecidas por empresas registradas nos órgãos ambientais e com profissionais habilitados como responsáveis téc nicos, registrados nos devidos conselhos profissionais. No ambiente urbano, quando os agrotóxicos recebem o nome de saneantes desinfestantes, o órgão que regula seu uso é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), na esfera da União, mas nos estados há a atu ação de secretarias ou departamentos específicos atuando, como é o caso do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), no estado do Rio de Janeiro.

Esse manejo integrado aparece nos editais de contratação de empresas para o controle de pragas e vetores, sobretudo de qualidade dos ranchos militares, bem como nos manuais e regulamentos de segurança, como o publicado pelas Forças Armadas, em 2015 (MD42-R-01, 1° EDIÇÃO), com fundamentação legal por Portaria Normativa nº 753 /md, de 30 de março de 2015.

A preocupação com os organismos considerados pra gas, então, é devida às Boas Práticas de Fabricação em

Campanha do DECEA contra a Dengue (2019)

Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos. Neste manual MD42-R-01, por exemplo, no capítulo que trata das finalidades, em um de seus artigos surge claramente a preocupação definida:

Parágrafo único. Esta publicação atende à necessidade de constante aperfeiçoamento das ações de controle sanitário na área de alimentos, visando à proteção da saúde do potencial humano das OM, bem como ao imperativo de compatibilizar a legislação vigente no âmbito das Forças Armadas, relativa às condições higiênico-sanitárias no processamento e preparo de alimentos, com as normas dos órgãos de Vigilância Sanitária em vigor. (Art. 3º, CAP. I, MD42-R-01, 2015).

Então, é possível notar a preocupação com a proteção da saúde do potencial humano das Organizações Milita res e sua busca pelo aperfeiçoamento, assumindo compromisso de garantir a adoção de requisitos essenciais de boas práticas e o desenvolvimento de procedimentos de operação padrão nos serviços de alimentação.

O artigo 6° deste manual reforça:

Art. 6º - Fazem parte das boas práticas e dos POP nos serviços de alimentação: I - a sistematização de ações que contribuam para a garantia das condições higiênico-sa nitárias necessárias ao processamento seguro de alimentos nas instalações militares, respeitadas as particularidades relativas à atividade-fim de cada OM; II - a adoção de POP, em complementação às Boas Práticas de Fabri cação no preparo das refeições; III - a recomendação do destino final dos resíduos; IV - a promoção da saúde e capacitação de manipuladores de alimentos; e V - a apli cação de medidas para controle de roedores e outros animais sinantrópicos. (Art. 6º, CAP. II, MD42-R-01, 2015).

Observa-se, no elenco de boas práticas e procedimentos operacionais, a aplicação de medidas de controle de roedores e outros animais sinantrópi cos. Este manual traz, ainda, um capítulo inteiro que trata do controle de pragas e vetores. Em seu artigo 59, do Capítulo XIII, são elencadas medidas importantes para impedir o acesso e o estabeleci mento dos vetores e pragas urbanas, como segue:

Art. 59. Deve existir um plano de prevenção e combate de vetores e pragas urbanas, com o ob jetivo de impedir a atração, o abrigo, o acesso e/ ou a proliferação dessas pragas e vetores. Parágra fo único. A manipulação e a aplicação de produtos desinfetantes devem ser feitas por empresa presta dora de serviço, licenciada no órgão de Vigilância Sanitária, de modo a garantir a segurança dos pro dutos, dos operadores, dos usuários do serviço e do

meio ambiente, só podendo ser utilizados produtos registrados no Ministério da Saúde.

Art. 60. Devem ser adotadas, sempre que possível, as seguintes medidas de caráter preventivo: I - fechamen to automático de portas internas e externas; II - uso de protetores de borracha para vedar frestas das portas in ternas e externas; III - uso de telas milimétricas removíveis em janelas e outras aberturas; IV - vedação de buracos, rachaduras e aberturas; V - uso de ralos sifonados dotados de dispositivos que permitam seu fechamento, evitando a entrada de insetos e roedores; VI - correto ar mazenamento de matérias-primas e produtos acabados; VII - tratamento adequado do lixo; VIII - ausência de ve getação próxima às áreas adjacentes; IX - pátios e estacionamentos sem acúmulo de resíduos; X - recolhimento dos restos de alimentos e qualquer outro tipo de lixo em recipientes adequados; XI - manutenção de ralos limpos e desobstruídos e tampas de bueiros firmemente fechadas; e XII - utilização de cortina de ar.

Importante observar a exigência de se confeccionar e manter para consulta um Plano de Prevenção e Combate de Vetores e Pragas Urbanas, um docu mento que traça medidas de controle de instalação e proliferação de infestações. Para as áreas de ope ração em portos e aeroportos, por exemplo, é exigência legal a criação de um inventário com a fauna sinantrópica nociva nas áreas direta e vicinais, embarcações atracadas ou no mar, traçando planos de ação para o controle e a promoção de equilíbrio destas áreas.

A ANVISA regula esse controle a partir da Resolu ção do Diretório Colegiado, RDC n° 72 de 2009, trazendo um modelo de Termo de Referência no seu anexo XII. O que se busca é a promoção da saúde nos portos de controle sanitário instalados no Território Nacional e nas embarcações que transitam por eles. Há, portanto, preocupação legítima com a qualidade do alimento produzido e com a saúde dos frequen tadores dessas áreas, para evitar a proliferação de patologias.

Visando à qualidade de todos os ambientes, uma recomendação plausível é a da instituição dos pla nos de controle de pragas e vetores em todas as áreas de grande circulação e permanência de pessoas, iniciando com um inventário detalhado da Fauna Sinantrópica Nociva (FSN) - composta por um gru po de animais que interage de forma negativa com a população humana, causando-lhe transtornos significativos de ordem econômica ou ambiental,

Na campanha contra a Dengue no DECEA, a aplicação de larvicida nas caixas d'água

ou que represente riscos à saúde pública. A partir deste levantamento, que deve ser realizado por empresas habilitadas e profissionais qualificados, deve-se traçar planos de ação para prevenir que es tes animais possuam acesso e que se estabeleçam nestes locais, promovendo o controle e reduzindo os riscos de danos.

A importância do plano tem um caráter ambiental forte, quando se faz a seleção dos melhores meios de controle, adotando a política de manejo integra do, associando medidas alternativas que busquem a redução da aplicação de agrotóxicos, deixando a prática mais sustentável. Tal condição nos reme te exatamente ao bordão: “A diferença do remédio para o veneno está na dose”, evidenciando, assim, a importância da realização de um controle de pragas eficiente, mas que considere a utilização de produ tos menos impactantes possíveis, buscando a prevenção contra possíveis prejuízos ao meio ambiente.

Desta forma, a instituição militar mostra que não está apenas preocupada com as condições fitossani tárias de suas instalações e da saúde dos seus frequentadores, mas também com a aplicação do conceito de sustentabilidade em suas ações.

Em resumo, no momento em que o País rediscute suas políticas ambientais e o uso de produtos quí micos, traçando um novo rumo no caminho da sustentabilidade assertiva, torna-se, ainda, mais conveniente, considerar o desenvolvimento e colocar em prática os planos de manejo de pragas e vetores, garantindo a qualidade de vida e reduzindo o risco de contaminação por doenças transmitidas por ve tores. Isso torna os meios de controle mais seguros e o uso inteligente dos produtos químicos.

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