Textos Críticos
VÁRIAS FORMAS DE BRINCAR : Afonso Nilson
Foto: Júlia Amaral
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Texto crítico sobre o espetáculo Formas de Brincar, do ERRO Grupo. Inédito. Setembro de 2009. Ficha Técnica do espetáculo Concepção e Dramaturgia: Luana Raiter e Pedro Bennaton; Direção: Pedro Bennaton; Direção de arte: Júlia Amaral e Luana Raiter; Atrizes: Ana Paula Cardozo, Luana Raiter e Paula Felitto; Performers: Juarez Nunes e Rodrigo Sember; Sonoplastia: Isaac Varzim; Design Gráfico: Luana Raiter; Fotos: Júlia Amaral; Cenotécnica: Rodrigo Sember; Produção: Júlia Amaral, Luana Raiter e Rodrigo Sember; Criação: ERRO Grupo. http://www.errogrupo.com.br/v4/pt/2011/05/29/formas-de-brincar/
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Em
várias das intervenções, espetáculos e
performances do ERRO Grupo atores e público se misturam, não se identificando a não ser depois que a ação efetivamente se mostra como teatral. Também em sua mais nova montagem, Formas de Brincar, com direção de Pedro Bennaton, esse jogo se mantém de modo que a identificação das personagens com o público atualiza-se progressivamente até o momento em que os atores acabam por se mostrarem atores, mas além disso, quando os jogos de poder e de convívio a que o espetáculo faz alusão começam, de maneira cômica, a serem superdimensionados, extrapolando a mera alusão ou narração rumo a um discurso crítico sobre as convenções que estabelecem o valor da posição social e a imagem que as pessoas têm ou esperam ter de si mesmas.
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O que em um primeiro momento pode parecer meramente um show de talentos na rua, onde três mulheres competem para ver quem canta, fala, imita e seduz melhor, quando extrapolado a um nível absurdo, assume um viés reflexivo que toca de maneira incisiva no que se convencionou chamar de marketing pessoal, e não raras vezes descamba para autoajuda ou para os arroubos literários de administradores que lançam livros propondo revoluções pessoais a partir de técnicas e teorias de gestão de empresas. Quando as atrizes se insinuam e abordam os passantes competindo em chamar cada uma mais atenção do que a outra, e tiram as roupas ficando apenas com um collant cor da pele, várias questões podem ser pensadas. Uma delas, talvez a mais evidente, é a de que talvez essa luta desenfreada para chamar atenção a qualquer custo, usando todos os subterfúgios, da nudez à coerção propriamente dita, esteja tão presente e seja tão cotidiana que passa sem ser percebida perante a imensa e
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inexaurível paisagem de anúncios que assolam nossos olhos cada vez que saímos à rua. Se for assim, o ERRO Grupo não apenas recupera o que está em todos os cartazes, outdoors e anúncios televisivos, mas explicita sub-repticiamente a sensualidade acachapante da publicidade em prol de cada vez mais e mais intensamente chamar atenção dos transeuntes para um produto ou serviço. As atrizes seminuas fazendo referência à prostituição, oferecendo seus talentos e seus corpos à apreciação pública, apreciação no sentido sexual do termo, não estão sós em meio à rua. Basta olhar para os lados e uma multidão de seminus vende de meias a loterias em cartazes espalhados pela cidade. Esses jogos de sedução de uma sociedade cujo espetáculo de sua comercialização passa pelo sexo como princípio básico de atração e convencimento é um sintoma de um modo de vida, uma “forma de brincar”, em que o
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talento e a qualidade são cada vez menos importantes do que a arte de vender o talento e a qualidade. O público não está ali para saber qual das atrizes é mais talentosa, canta ou dança melhor, mas para ver quem consegue chamar mais atenção para seus atributos, sejam eles quais forem. O fato de serem qualitativamente piores ou melhores do que suas concorrentes no que estão fazendo é uma questão menor, o que importa realmente é visualidade de sua persuasão. Quando no final do espetáculo ossos de ancas de bois descem lentamente por cabos de amarrações nos prédios próximos, e as atrizes interagem com esses bichos descarnados, ora utilizando os ossos como máscaras, ora como roupas de baixo, algo fica mais explícito, terrivelmente explícito. O que é um osso, senão a verdade de um corpo nu de sua carne, de sua vida? Talvez essa verdade do que
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está por trás das máscaras dos sorrisos publicitários seja o mais apavorante na metáfora proposta pelo Erro Grupo. Para mim, pelo menos, esses ossos são mais persuasivos do que a nudez sorridente que tenta continuamente me vender uma forma de brincar cada vez mais difícil de recusar.
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