Textos Críticos
Mi Muñequita Afonso Nilson
Textos Críticos
TEXTO CRÍTICO – INÉDITO / novembro 2008
Direção: Renato Turnes; Texto: Gabriel Calderón; Tradução: Esteban Campanela; Elenco: Alvaro Guarnieri (El Padre), Malcon Bauer (El Tío), Milena Moraes (La Madre), Monica Siedler (La Nena), Paulo Vasilescu (El Presentador), e Sabrina Gizela (La Muñequita); Produção: Milena Moraes; Direção de arte e figurinos: Loli Menezes; Cenografia: Marcelo Nuernberg Schroeder; Iluminação: Daniel Olivetto e Renato Turnes; Trilha sonora: Renato Turnes; Criação de trilha original, arranjos e preparação vocal: Javier Venegas; Comédia dramática - 14 anos - 80 minutos
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Mi Muñequita é um espetáculo cruel, minuciosamente brega e escancaradamente over. Esse conjunto de atributos faz com que seja uma das montagens mais marcantes do ano de 2008, onde o humor negro e a estética decadente do fim dos anos 70 assumem um patamar de grotesco capaz de fazer sorrir o mais sisudo dos remanescentes da época. A caracterização dos personagens (figurino, maquiagem, postura, voz) é minuciosa e dá o tom do universo doentio em que a família de La Nena, personagem central da trama, envolve o espectador. As relações familiares em que o jovem dramaturgo Gabriel Calderón insere as personagens, e quando eu digo relações familiares tomese no sentido mais amplo da expressão, são de um melodrama digno de uma novela mexicana, mas também de uma ironia e um sarcasmo para com o próprio formato, que extrapola o enredo 3
Textos Críticos em direção à paródia e ao pastiche. As figuras de El Padre, El Tio e La Madre são caricaturas de um tempo de moralidade e normalidade aparentes, mas que mascaram segredos inconfessáveis, ódios doentios e complexos de culpa destruidores. La Nena, a filha, conscientemente infantilóide, faz de sua boneca, La Huerfanita, o único pólo de confiança e cumplicidade em sua casa. Quando a boneca cria vida e começa a dar ordens e a tiranizar psicologicamente a menina, o terreno está armado para desfechos e atitudes tão irracionais quanto o fato de La Huerfanita estar viva. Para coroar o conjunto temos também El Apresentador, que costura a narrativa entrevistando todos os personagens, que contam suas visões dos fatos como se participassem de um programa de auditório, onde depois de desnuda4
Textos Críticos rem suas intimidades e obsessões, revelam um painel grotesco de traições e abusos. Tal como a boneca viva, esse elemento que parece fora do contexto tem um papel fundamental de conferir agilidade à trama, que se revela através das memórias das personagens, e de justificar o estranhamento grotesco das situações com a presença do fantástico e do inusitado. Convém ressaltar o conjunto de atores, que de modo uniforme, torna verossímil o grotesco e o fantástico contidos na trama. Em destaque, a atuação de Sabrina Gizela no papel de La Huerfanita, que é de um preciosismo corporal digno de nota pela impressionante caracterização da boneca. O improviso dentro do roteiro, utilizado principalmente por Paulo Vasilescu, El Apresentador, dá um caráter mais descontraído ao universo muitas vezes asfixiante da montagem, mas nem por isso deixa de transparecer certa imprecisão nas marcações e falas, fruto 5
Textos Críticos talvez do curto período em que o espetáculo esteve em cartaz. De modo geral, o espetáculo Mi Muñequita consegue, de forma competente, fazer do humor negro humor realmente. Uma direção sóbria, que facilmente desandaria em exageros inverossímeis e atuações novelescas, na mão de Renato Turnes consegue sustentar o humor contido e o sarcasmo do texto, sem deixar arestas para espaços que não contenham essencialmente o universo proposto. E de fato é este um dos pontos chave para o sucesso da montagem, a construção de um universo coeso de perversidade e ressentimento, ao mesmo tempo risível e fantástico, onde os personagens transitam e envolvem a plateia.
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