Revista Sementes Crioulas

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REVISTA SEMENTES CRIOULAS PUBLICAÇÃO BIENAL - VOLUME 1/2017 PROJETO E PUBLICAÇÃO Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas - AGEFA Rua Dom Antônio Reis, 308 - Linha Santa Cruz Santa Cruz do Sul – RS – Brasil Fone: (51) 3713-3046 Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo - SDR/RS Departamento da Agricultura Familiar e Agroindústria - DAFA Avenida Praia de Belas, 1.768 - Menino Deus Porto Alegre – RS – Brasil Fone: 51 3218-3399 ORGANIZADORES Adair Pozzebon João Paulo Reis Costa ARTE E EDITORAÇÃO Mallmann Consultoria em Marketing Ltda. Rua Ernesto Alves, 571 - Sala 104 Santa Cruz do Sul – RS – Brasil CEP 96810-144 – Fone: (51) 3053-0355 http://mallmannmkt.com.br/

FOTOGRAFIAS Acervo de EFASC - Escola Família Agrícola Santa Cruz do Sul Acervo de EFASERRA - Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha Acervo de EFASOL - Escola Família Agrícola de Vale do Sol Acervo da SDR/RS Acervo dos autores(as) Fernando Mallmann

Revista sementes crioulas [recurso eletrônico] / Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas. - Vol. 1 (2017)- . – Santa Cruz do Sul: AGEFA, 2017- . Bienal Disponível também impressa.

1. Sementes. 2. Agricultura familiar. 3. Ecologia agrícola. I. Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas. CDD: 631.52105

Catalogação: Bibliotecária Fabiana Lorenzon Prates CRB-10/1406.

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PALAVRA DA AGEFA

ASSOCIAÇÃO GAÚCHA PRÓ-ESCOLAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS ANDERSON RODRIGO RICHTER¹ PRESIDENTE DA AGEFA

Mais um ano de parceria histórica entre a nossa AGEFA e a SDR (Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo), iniciada lá em idos de 2014 através do Projeto Devir (convênio FPE nº 4385/2012), seguida em 2015 com o Projeto Diversificação (convênio FPE nº 1780/2014), mantido para 2016 com o Projeto Juventudes do Campo (convênio FPE nº 1717/2015) e para 2017, temos a expectativa de seguir essa parceria que tanto contribui para a manutenção das EFAs do Rio Grande do Sul e fortalecer a SDR enquanto secretaria de estado da Agricultura Familiar. Aqui no estado do RS, já somos 4 EFAs: Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (EFASC, Santa Cruz do Sul, 2009), Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha (EFASERRA, Caxias do Sul, 2013), Escola Família Agrícola de Vale do Sol (EFASOL, Vale do Sol, 2014) e Escola Família Agrícola da Região Sul (EFASUL, Canguçu, 2016). Nessa caminhada desde 2009, já são 218 egressos (EFASC- 175, EFASERRA – 22 e EFASOL – 21) e EFASUL ainda não tem egressos. Todos filhos/as de agricultores/as familiares, fazendo o curso Técnico em Agricultura (EFASC e EFASOL), Técnico em Agropecuária (EFASERRA) e Técnico em Agroecologia (EFASUL), através da Pedagogia da Alternância. Atualmente temos na formação de Ensino Médio Técnico, 228 estudantes envolvidos (96 na EFASC, 56 na EFASERRA, 66 na EFASOL e 28 na EFASUL), jovens oriundos de mais de 30 municípios do Rio Grande do Sul, chegando a mais de 200 comunidades do Campo gaúcho, em três regiões do estado. Assim, contamos com quase 50 profissionais de diversas áreas do conhecimento prestando serviço nas EFAs, acompanhando os/as estudantes pelos vários instrumentos pedagógicos da Pedagogia da Alternância. Toda essa estrutura, que mantém as EFAs do RS, está baseada nas associações locais, compostas por agricultores/as familiares, egressos/as e pais de estudantes, justamente porque uma EFA, na sua essência é uma associação de agricultores/as familiares. Estes se pautam, em muitos casos, em construir uma escola que dê conta as suas necessidades enquanto sujeitos do Campo, historicamente alijados dos discursos oficiais e de uma perspectiva de educação libertadora e emancipadora do sujeito. ¹Egresso da primeira turma da EFASC -2011, Agricultor Familiar e Presidente da AGEFA

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PREFÁCIO

Por isso, esta Revista de Sementes Crioulas tem um caráter essencialmente simbólico para o que estamos construindo no RS, principalmente para nós Agricultores/ as Familiares, pois as Sementes Tradicionais são juntamente com o equilíbrio do solo, a base de uma agricultura alicerçada na Agroecologia. Ao produzir esse material, que registra nosso projeto com a SDR, possibilitamos que essas informações cheguem a vários rincões do Rio Grande, o que, para nós da AGEFA, é uma enorme satisfação. Desta forma esse registro, que contém artigos, palavras e experiências da Juventude com as Sementes Crioulas, vem sintetizar o nosso trabalho e nossa preocupação, em relação a promoção de uma agricultura preocupada em produzir alimentos limpos, saudáveis, que promovam a vida das pessoas. A nossa Revista de Sementes Crioulas, como resultado final do Projeto Juventudes do Campo, vem contribuir pedagógica e politicamente com nossa caminhada, sendo um excelente material de consulta para os estudantes e para nós agricultores/as familiares, bem como um instrumento muito rico, de possibilidade a dar voz aos agricultores/ as que fazem a agricultura no seu cotidiano e produzem alimentos que vão na mesa dos brasileiros, fortalecendo diretamente a nossa economia.

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA AGEFA

Assim, a Revista de Sementes Crioulas, ajuda a mostrarmos a “nossa cara” e as nossas convicções enquanto AGEFA e EFAs do Rio Grande do Sul, bem como dá à SDR e demais parceiros das EFAs, um tom do que pensamos e acreditamos não só enquanto agricultura, mas em relação a organização da sociedade, valores éticos e visão de mundo. Isso nos torna, a cada dia, mais parceiros e companheiros/as de caminhada, sempre fortalecendo a Educação do Campo, a Agroecologia, a Pedagogia da Alternância e a Agricultura Familiar no RS. Uma boa leitura a todos e todas!

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PREFÁCIO

PALAVRA DA SDR/RS

SECRETARIA DO DESENVOLVIMENTO RURAL, PESCA E COOPERATIVISMO/RS SECRETÁRIO TARCISIO JOSÉ MINETTO

Ao firmar convênio com a Associação Gaúcha PróEscolas Famílias Agrícolas (Agefa), o Governo do Estado, por meio da Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR) reconhece a importância da formação contextualizada dos jovens rurais, visando à sua permanência no campo, bem como a sustentabilidade das unidades de produção familiares e da comunidade onde estes estão inseridos. A sucessão e a permanência da juventude rural perpassam pelo desenvolvimento sustentável da agricultura familiar e pela segurança e soberania alimentar por meio da produção de alimentos de base ecológica.

preservação dos recursos naturais, como patrimônio de todas as gerações. Neste sentido, esta revista é fruto desta parceria. Por meio da junção de esforços da Agefa e da SDR, busca sensibilizar a sociedade para a importância dos jovens da agricultura familiar na conservação da biodiversidade, elemento imprescindível para a produção agrícola sustentável, a segurança alimentar e a manutenção e a adaptação às mudanças climáticas da diversidade genética das espécies com importância socioeconômica.

Cabe destacar que a biodiversidade na agricultura familiar ainda existe devido às diversas etnias do Estado, que transmitem seus conhecimentos tradicionais de geração a geração. A prática leva à conservação de mudas e sementes crioulas, que são reconhecidas, cultivadas e selecionadas, pelas mãos de agricultores e agricultoras familiares, gerando autonomia, partilha e alimentos saudáveis. O tema apresentado nesta revista também é uma das ações que compõem o Rio Grande Agroecológico – Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (Pleapo), coordenado pela SDR. O objetivo é o uso sustentável e a valorização da agrobiodiversidade, compatíveis com a melhoria da qualidade de vida e da FOTO: KARINE VIANA/PALÁCIO PIRATINI.

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INTRODUÇÃO

FOTO: ITAMAR PELIZZARO/SDR Revista Sementes Crioulas 2017 - AGEFA

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PREFÁCIO PEDRO KUNKEL GUARDIÃO DE SEMENTES CRIOULAS

Pela importância deste trabalho sobre SEMENTES CRIOULAS, devemos iniciar dizendo: alô povo brasileiro, da roça e da cidade, em especial aos queridos jovens do campo que no momento atual, estão ansiosamente buscando alternativas de vida. Este trabalho sobre SEMENTES CRIOULAS, elaborado por muitas mãos, numa construção coletiva a partir do saber camponês com base na agricultura familiar, unindo o conhecimento científico e o saber popular com suas experiências práticas. Louvável iniciativa da Escola Família Agrícola que por meio deste trabalho, chama atenção da sociedade, sobre dois modelos de agricultura vigentes hoje no Brasil, no entanto, totalmente antagônicos. O modelo de agricultura que este trabalho apresenta, é viável, ambientalmente sustentável e saudável. Quando se fala de SEMENTES CRIOULAS, de materiais tradicionais, abre-se um grande “léque” do equilíbrio ambiental. É preciso dizer: as SEMENTES CRIOULAS trazem em seu DNA uma mística familiar, uma história milenar, são vistas como patrimônio genético e cultural vivo dos povos. As SEMENTES CRIOULAS são sagradas, saudáveis, são SEMENTES de VIDA que proporcionam soberania para quem pratica uma agricultura familiar, como também, é a base importante para uma segurança alimentar.

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Um trabalho destes, fala por si, desperta interesses, chama a atenção pelo fato de ser abraçado por uma instituição, que não é apenas uma simples escola técnica, mas é uma grande Família Agrícola com objetivos e metas direcionados firmemente em defesa da VIDA. Essa grande obra coletiva, deixa transparecer a autenticidade e a profundidade diante do tema. Inquestionavelmente, o método seguido no dia a dia dessa grande Família Agrícola, faz a diferença. Que jeito é esse de aprender e crescer juntos, caminhar juntos como grande família: a Pedagogia da Alternância, um tempo na escola e outro na comunidade junto com a família, vizinhança e comunidade. Esta prática, oportuniza um conhecimento coletivo, uma formação mais integral, levando em consideração a realidade das famílias e da escola. Quando as SEMENTES CRIOULAS e outros materiais crioulos como plantas medicinais, raças, receitas, culturas e um admirável método pedagógico participativo é o foco de um trabalho de muitas mãos, seu sucesso é alcançado como uma conquista coletiva.

Figura 1 – Atuação na formação sobre sementes crioulas junto a juventude na EFASC.


PREFÁCIO

Este trabalho procura mostrar e provar que as SEMENTES CRIOULAS, são a base de uma agricultura agroecológica, diversificada. A base da agrobiodiversidade equilibrada com presença da enorme cadeia dos materiais tradicionais crioulos. Não é difícil perceber que na grande cadeia alimentar, as SEMENTES CRIOULAS são a base da alimentação saudável, seja humana e animal. Outra percepção importante, colocada como uma máxima, é que povo saudável, feliz, realizado e com atitudes equilibradas, é aquele que planta, cultiva e se alimenta com comida saudável. As SEMENTES CRIOULAS são a base da segurança alimentar pelo seu potencial nutricional, permitindo soberania alimentar e autonomia às famílias na agricultura quando permanecem em suas mãos. Para quem conhece, defende, preserva e multiplica SEMENTES CRIOULAS e as leva para os encontros de troca-troca. Sente que as mesmas são familiares, precisam das famílias e as famílias precisam delas. Creio ser por essas motivações, que a Escola Família Agrícola está ampliando e tornando seu “Banco” ou Casa de SEMENTES CRIOULAS, uma iniciativa louvável e de profunda resistência da agricultura familiar. Como é saudável e respeitosa a produção agroflorestal, onde as SEMENTES CRIOULAS, no entender do grande “léque”, são o elo do equilíbrio, onde uma planta protege as outras. O meio ambiente precisa das sementes saudáveis. Atualmente é visível e notório o desequilíbrio do meio ambiente, do clima, da saúde humana e animal

resultado de um modelo de agricultura dependente de pacotes químicos agressivos, com sementes controladas, viciadas e manipuladas. A grande Escola Família Agrícola, irmanando prática e teoria, conhecimento científico e saber popular, mostra que é perfeitamente possível crescer juntos, construir conhecimentos coletivos trocando saberes. Assim mostrando para a sociedade, para o povo, que a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida, “entram pela boca”. Mas também alertando ao mesmo tempo, que muitas enfermidades, tristezas, entre outros males também entram pela boca. Ou em outras palavras dizer: “Que o teu alimento seja o teu remédio, e o teu remédio seja o teu alimento”!

Alô povo brasileiro! Cada vez mais não sabemos o que estamos comendo! Portanto, vamos abraçar com paixão e determinação com a Escola Família Agrícola, a defesa de um modelo de agricultura saudável, sustentável com SEMENTES CRIOULAS!

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................11 ARTIGOS...................................................................................................................................................15 RASTROS DE AGROECOLOGIA NO VALE DO RIO PARDO João Paulo Reis Costa e José Antônio Kroeff Schmitz ........................................................................16 O BANCO DE SEMENTES DA ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE SANTA CRUZ DO SUL: UM INSTRUMENTO PEDAGÓGICO DE EDUCAÇÃO DO CAMPO E SOBERANIA ALIMENTAR Antonio Carlos Gomes e Diego Henrique Limberger.............................................................................26 PERSPECTIVAS E DESAFIOS DA JUVENTUDE DO CAMPO E AS SEMENTES CRIOULAS NO VALE DO RIO PARDO Adair Pozzebon, João Paulo Reis Costa e Diego Henrique Limberger ................................................36 RELATOS DE EXPERIÊNCIAS DA ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE SANTA CRUZ DO SUL - EFASC….………...........48 Sementes Crioulas: sabedoria popular, resistência e luta! Milena Padilha .......................................................................................................................................49 Atividades e experiência da Família Scherer no cultivo de Sementes Crioulas Diego Gustavo Scherer..........................................................................................................................52 As sementes crioulas na propriedade Daniel Enoir Frantz................................................................................................................................54 O Intercâmbio Pedagógico Nacional e a troca de sementes crioulas: cultura e história de sul a norte do Brasil Adair Pozzebon, Cristina Luiza Bencke Vergutz, Heloísa Camello e Régis Dattein Solano................57 RELATOS DE EXPERIÊNCIAS DA ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE VALE DO SOL - EFASOL………….....................60 A importância das Sementes Crioulas na Propriedade da Família Weiland Rodrigo Luis Weiland..............................................................................................................................61 Sementes são pequenas cápsulas, são patrimônios, são soberania, são comida, são VIDA! Charlene De Melo Kiraly.........................................................................................................................62 RELATOS DE EXPERIÊNCIAS DA ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DA SERRA GAÚCHA - EFASERRA………................64 Sementes Crioulas: da terra à mesa unindo as sementes e as gerações Gabriel Scherner Zanotto.......................................................................................................................65 O resgate da diversidade como renovação Victor Motter Uez....................................................................................................................................66

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APRESENTAÇÃO

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Está publicação faz parte de uma das ações previstas no Projeto Juventudes do Campo, parceria entre a Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo - SDR com a Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas – AGEFA através do convênio FPE nº 1717/2015 e possibilitou executar ações de formação integral de jovens rurais por meio da troca de conhecimentos técnicos e do saber popular, visando à permanência do jovem no Campo e à sustentabilidade das unidades de produção familiares desses jovens, bem como da comunidade onde estão inseridos. As ações foram organizadas através da execução de 09 metas, com foco na formação integral da Juventude do Campo e de suas famílias nas três EFAs do RS: a EFASC – Escola Família Agrícola, de Santa Cruz do Sul, a EFASERRA - Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha em Caxias do Sul e a EFASOL - Escola Família Agrícola de Vale do Sol.

debate sobre as perspectivas de futuro para esta juventude e consequentemente para a Agricultura Familiar orientada pelos princípios da Agroecologia, tendo as Sementes Crioulas como base na construção desse conhecimento. A formação esteve articulada com a experiência e vivência pedagógica das EFAs, via Pedagogia da Alternância, sendo desenvolvidas diversas oficinas de formação que possibilitaram a realização de diagnósticos da realidade socioeconômica, a elaboração de Projetos Profissionais dos Jovens – PPJs, diversos debates sobre a organização produtiva, garantia da segurança e soberania alimentar através da produção de alimentos ecológicos, além da realização de um Intercâmbio Pedagógico Nacional, envolvendo Educadores, Jovens Egressos e Agricultores Familiares e também a realização de um Encontro da Juventude da Agricultura Familiar das EFAs, com a elaboração de uma carta com as suas demandas e necessidades de políticas públicas, bem como o fomento à criação de redes de cooperação e estímulo à comercialização nos mercados locais e institucionais.

Reconhecendo a importância do saber popular, articulado em permanente diálogo com o conhecimento científico, este projeto partiu da realidade dos jovens, Esta publicação está alicerçada a partir de quatro filhos/as de Agricultores/as Familiares, e culminou com o temas que permearam durante o desenvolvimento do 12

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Projeto Juventudes do Campo nas Escolas Famílias Agrícolas: a Agroecologia, a Educação do Campo, a soberania e segurança alimentar e a Juventude. Temáticas estas, que possuem um elemento comum, produtor de sinergias, unindo diferentes gerações no processo formativo, promovendo assim, trocas e intercâmbios de saberes populares, colocadas como símbolo de resistência e expressão sociocultural de um povo que ainda luta pela promoção da vida, são elas que intitulam esta publicação: AS SEMENTES CRIOULAS. Tudo que está expresso nesta revista tenta traduzir o processo de reflexão/formação crítica e contextualizada desenvolvida com a juventude das EFAs, no intuito de, através de uma ação coletiva, contribuir para termos uma Agricultura Familiar valorizada, forte e comprometida com a autonomia e o protagonismo de seus sujeitos, nesse caso, os/as Agricultores/as Familiares. A primeira temática nos traz um rápido apanhado histórico da Agroecologia no Vale do Rio Pardo, demonstrando como os/as Agricultores/as Familiares individualmente ou de forma organizada, através de entidades longevas, como o CAPA, até entidades novas no cenário regional como EFASC e EFASOL, vem resistindo e construindo nas fissuras do capital, possibilidades concretas de promover a vida, construindo articulações regionais, a Articulação em Agroecologia do Vale do Rio Pardo - AAVRP, que busca aglutinar entidades e pessoas, através da Agroecologia. A Agroecologia está ancorada em princípios bem delineados, dentre estes, destacaremos no segundo capítulo alguns de seus pressupostos: a soberania e segurança alimentar e a educação do campo, discutindo assim, a garantia de um direito básico da humanidade, o acesso a uma alimentação em quantidade e qualidade adequada. Tendo o banco de SEMENTES CRIOULAS como uma estratégia de garantir e proporcionar a interdependência e autonomia dos Agricultores/as Familiares que produzem alimentos seguindo os princípios da Agroecologia. No terceiro texto, a temática está voltada à Juventude do Campo, suas características, peculiaridades e perspectivas, bem como a interface com as SEMENTES CRIOULAS na formação desenvolvida junto à EFASC, apresentando uma pesquisa protagonizada pelos jovens com 66 famílias agricultoras familiares, em 11 municípios do Vale do Rio Pardo. Na última composição encontra-se os relatos dos/ as Jovens das três EFAs (EFASC, EFASERRA e EFASOL) Revista Sementes Crioulas 2017 - AGEFA

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que participaram do Projeto Juventudes do Campo, apresentado através de relatos de experiências, de como o trabalho com as SEMENTES CRIOULAS estabelecem possibilidades de trocas de saberes e práticas agrícolas nas famílias que as cultivam e reproduzem. Também apontam, o quanto o resgate e preservação deste patrimônio vivo, faz a diferença no meio onde esses jovens vivem, especialmente pelo envolvimento das famílias e seu entorno. Por isso a luta pela preservação e manutenção das SEMENTES CRIOULAS, símbolo de resistência dos Povos do Campo, patrimônio genético e cultural, base na construção da Agroecologia e da soberania alimentar precisa ser valorizado, mantido e conservado, saindo da condição de marginalidade e exceção, promovendo cada vez mais trocas de saberes fortalecendo a Agrobiodiversidade. Viva as sementes crioulas! Boa leitura.

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ARTIGOS

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HISTÓRICO DA AGROECOLOGIA NO VRP.

RASTROS DE AGROECOLOGIA NO VALE DO RIO PARDO JOÃO PAULO REIS COSTA¹ JOSÉ ANTÔNIO KROEFF SCHMITZ ²

O Vale do Rio Pardo é uma das 28 regiões do Estado do Rio Grande do Sul (composto atualmente por 497 municípios) e localiza-se no centro-leste do RS. Com 434.258 habitantes, residindo em 13.171,7 km², apresentando densidade demográfica de 32,1 hab/km². A taxa de analfabetismo entre pessoas com 15 anos ou mais é de 6,35% e a expectativa de vida ao nascer é de 70,58 anos, com um coeficiente de mortalidade infantil de 11,75 por mil nascidos vivos. Quanto ao PIB está em R$ 10.769.294, chegando a um PIB per capita de R$ 25.560, alcançando em exportações totais U$ FOB 1.983.842.493 (FEE, 2016). No recorte regional, estamos nos baseando na área de atuação do Conselho Regional de Desenvolvimento - COREDE do Vale do Rio Pardo, composto atualmente por 23 municípios: Arroio do Tigre, Boqueirão do Leão, Candelária, Encruzilhada do Sul, Estrela Velha, General Câmara, Herveiras, Ibarama, Lagoa Bonita do Sul, Mato Figura 1 – Mapa Político do VRP

FONTE: WWW.OBSERVADR.ORG.BR – 2015. ¹ Coordenação e Monitor da Área das Ciências Humanas e Sociais da EFASC. ² Professor Adjunto da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS - Unidade Santa Cruz.

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Leitão, Pantano Grande, Passa Sete, Passo do Sobrado, Rio Pardo, Santa Cruz do Sul, Segredo, Sinimbu, Sobradinho, Tunas, Vale do Sol, Vale Verde, Venâncio Aires, Vera Cruz. Santa Cruz do Sul se caracteriza como polo regional, concentrando boa parte dos órgãos de governo estadual e federal e liderando a indústria fumageira, que tem forte presença na economia e no cotidiano regional, além de ser o município com maior número de habitantes e também de maior PIB. Portanto, estamos apresentando uma região marcada e dependente de maneira direta pela Agropecuária, especialmente pela Agricultura Familiar e tudo que essa atividade produz de riqueza para a região, advinda especialmente da produção de tabaco, alimentos (milho, feijão, hortaliças em geral) e de criação de animais, como peixes, mas em especial sistemas integrados de frango, porco e gado leiteiro.


HISTÓRICO DA AGROECOLOGIA NO VRP.

O VRP conta com uma matriz populacional diversa, tal como o Brasil e o RS, formada por uma mistura de povos de origens distintas, desde a histórica presença indígena, passando pelos portugueses colonizadores do período colonial, que vão ocupar a região durante o século XVIII com o uso de mão de obra escrava, constituída de negros provenientes da África, além de imigrantes europeus, instalados na porção centro norte do Estado, ao longo do século XIX. Forma-se, assim, na região uma “cultura peculiar, que pode ser denominada de colonial. Ela reuniu e fundiu algumas tradições trazidas por imigrantes alemães de diferentes procedências, metamorfoseou outras e incorporou e modificou traços culturais já existentes no Rio Grande do Sul” (VOGT, 2004, p.353). O caso de Santa Cruz do Sul ilustra bem esse processo, de formação populacional na diversidade, pois “quando chegaram, os primeiros colonos [...] Rosa, (João de Faria Rosa), para resguardar-se das investidas dos bugres, então muito abundantes, fizera cercar a sua morada pelos ranchos de seus numerosos escravos” (MENEZES, 2005, p.38). Eis aqui ilustrado, os sujeitos formadores da região: Indígenas, europeus (portugueses), negros e europeus (germânicos e italianos). Trata-se de uma região que apresenta uma forte contradição em relação ao seu território, pois a maior parte da população, 55,82%, vive na zona urbana enquanto a área rural apresenta 44,18% da população, o que reflete a realidade dos sete municípios mais populosos, que são: Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires, Rio Pardo, Sobradinho, Pantano Grande, Encruzilhada do Sul, Candelária e Vera Cruz. Já os outros 15 municípios (Arroio do Tigre,

Boqueirão do Leão, Estrela Velha, General Câmara, Herveiras, Ibarama, Lagoa Bonita do Sul, Mato Leitão, Passa Sete, Passo do Sobrado, Segredo, Sinimbu, Tunas, Vale do Sol e Vale Verde) apresentam uma população rural maior que a urbana, porém tem um número de habitantes no geral menor que os citados anteriormente (OBSERVADOR, 2015). Sendo assim, a maior parte da população do Vale do Rio Pardo mora em áreas urbanas, porém a região é menos urbana do que aparenta, pois, a grande maioria dos municípios tem características marcadamente rurais, o que faz com que muitos dos seus moradores que vivem no seu perímetro urbano não tenha uma vida urbana, concentrando suas atividades no Campo (agricultura e/ou pecuária). Em relação ao complexo fumageiro instalado no VRP, é inegável a importância e a dependência regional junto a esse setor, tanto econômica- social e cultural, pois esse complexo fumageiro, engloba as indústrias de insumos, maquinários e de agrotóxicos, mobilizando todos os setores da economia. Porém, mesmo com a forte presença do setor fumageiro na região do Vale do Rio Pardo, nem tudo é só tabaco e seu complexo industrial. Prova disso, é que vai ser criada em 15 de outubro de 2013, a Articulação em Agroecologia do Vale do Rio Pardo – AAVRP, num esforço coletivo entre várias entidades que trabalham direta ou indiretamente com a Agricultura Familiar, na perspectiva da Agroecologia e do desenvolvimento do Campo na região, especialmente com foco na produção de alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos e de insumos sintéticos.

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HISTÓRICO DA AGROECOLOGIA NO VRP.

Figura 2– Criação da AAVRP

FONTE: ELABORADO PELO AUTOR.

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HISTÓRICO DA AGROECOLOGIA NO VRP.

Temos aqui um elemento central da Agroecologia, a busca por construir a emancipação das pessoas, através da autonomia produtiva, em especial dos Agricultores/as Familiares, que individual e coletivamente, podem buscar soluções para seus problemas, compreendendo que o seu saber histórico, construído ao longo dos séculos, de conhecimento da biodiversidade é valorizado, uma vez que a biodiversidade, que faz parte do cotidiano dos agricultores, “é em essência, potencial de conhecimento, assemelhando-se a uma grande biblioteca da vida” (PERICO, 2005, p.90). São dessas experiências e organizações, que brotam outras possibilidades de desenvolvimento regional, preocupada com o território e com a qualidade de vida das pessoas. Portanto, comprometida com o contexto social onde estão inseridos. Para promover o desenvolvimento regional no contexto da realidade atual é preciso estar atento à dimensão horizontal do processo, conhecer, em profundidade, a região em questão; identificar suas potencialidades e construir instrumentos de coesão social em torno de propósitos em comum à população envolvida. Pois “é preciso criar uma forma de representação da maioria, identificada a partir da participação de todos, para permitir que uma nova gestão do território seja gestada”. (ETGES, 2003, p.68).

interações. Evidencia-se assim a constatação de que a dependência do setor fumageiro não é benéfica para a região como um todo, muito menos para os próprios agricultores familiares. “Temos um patrimônio de 40 anos de reflexões sobre os processos de estruturação dos espaços disputados entre agentes e sujeitos que forjam e transformam as estruturas, estratégias, campos e arenas de luta e de conflitualidade entre projetos sócio políticos distintos” (BRANDÃO, 2014, p.19). Nessa perspectiva, a Agroecologia pode representar esse projeto alternativo, de resistência, de construção de uma nova mentalidade a respeito do que envolve a agricultura familiar, especialmente a compreensão de desenvolvimento, tão diferentemente abordado pelas pessoas no seu cotidiano, passando pela autonomia produtiva, pela formação de cadeias curtas de comercialização, respeito pelo tempo da natureza, fortalecimento das SEMENTES CRIOULAS, como base da Agroecologia. (...) Diante do cenário de exploração, segregação e destruição provenientes da agricultura industrializada e capitalista, das monoculturas (...) e da desculpa da destruição para o desenvolvimento é que surgem as mais diversas formas de resistência que trazem consigo novas situações e geram mais processos. (MEDEIROS, GONÇALVES, 2013, p.03).

Evidentemente que isso não quer dizer que não haja conflitos de interesses, porém, o exercício do debate e da organização em comum nos grupos de agricultores, cooperativas, associações, vai formando as pessoas nas

FOTO: CÍNTIA BARENHO Revista Sementes Crioulas 2017 - AGEFA

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HISTÓRICO DA AGROECOLOGIA NO VRP.

Figura 3 – As entidades que fizeram parte da histórica fundação da AAVRP

FONTE: SCHMITZ, 2013.

Antes da criação da AAVRP já havia na região do Vale do Rio Pardo um trabalho histórico na perspectiva da diversificação da agricultura regional, que colocava em cheque a dependência da região em relação ao fumo e ao setor como um todo, propondo assim alternativas de produção e de renda. Nesse contexto destaca-se a CPT, a Cáritas e do Centro Diocesano de Pastoral no Mundo do Trabalho, entidades que vem organizando, desde a década de 80, o encontro de SEMENTES CRIOULAS, que já vai para sua 17ª edição em 2017, além de cursos sobre agricultura ecológica, bem como os seminários regionais

de Alternativas à Cultura do Fumo, que já vai para o 27º encontro nesse ano de 2017. Também ligada à Igreja Católica, é criada a Escola de Jovens Rurais - EJR, em 1992, proporcionando uma formação de para filhos (as) de agricultores familiares da região, até os dias de hoje. Essas ações têm no trabalho de resgate de SEMENTES CRIOULAS um de seus objetivos mais relevantes, uma vez que “a prática de conservação de sementes nativas em bancos comunitários foi introduzida pelas Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, nos anos 80” (DUQUE, 2009, p.310).

Figura 4 – Algumas ações desenvolvidas pelas entidades católicas

FONTE: ACERVO DA CPT - ORGANIZADO PELO AUTOR, 2014.

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HISTÓRICO DA AGROECOLOGIA NO VRP.

Outra entidade que se destaca historicamente no VRP é o CAPA, ligado à Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB, desde 1980 trabalhando com a formação de grupos de Agricultores/as Familiares que buscavam a diversificação das suas propriedades, como a União Serrana de Produtores Rurais, no distrito de Trombudo, atualmente município de Vale do Sol / RS. Têm início em 1991, uma série de atividades e ações conjuntas entre CAPA, EMBRAPA, CPT e Cáritas, como por exemplo: Os Ensaios Nacionais do Milho Crioulo, no Município de Ibarama, com a parceria da Embrapa, que fizeram com que esse município se constituísse numa referência nacional em SEMENTES CRIOULAS; O Grupo do Ensaio do Milho Crioulo, realizado em Vale do Sol, em 1993; A criação da Cooperativa ECOVALE em 2002, que, gerida pelos agricultores, constitui-se num espaço em que os agricultores ecologistas organizados em seus grupos de produção, constroem juntos um espaço de comercialização de seus produtos e de debate sobre as possibilidades do cooperativismo.

preocupada com autonomia dos/as Agricultores/as Familiares, garantindo assim a reprodução das culturas plantadas pelos/as Agricultores/as Familiares. Tratase aqui da manutenção e aprimoramento genético totalmente integrados a natureza. Por isso a importância de materiais, como esse, que valorizam e visibilizam todas as possibilidades que as SEMENTES CRIOULAS proporcionam na Agricultura Familiar, de trocas, manutenções de culturas, aprimoramento genético pela sua reprodução e manejo articulado com a natureza. Portanto, uma história construída por sujeitos históricos, e perpetuadas por ações e articulações de quem hoje traz o debate e a vivência da Agroecologia nas suas práxis, aqui no Vale do Rio Pardo. Essa história continua.

Nesse caso as SEMENTES CRIOULAS têm um protagonismo muito grande no tocante a construção de uma perspectiva de sociedade baseada na Agroecologia, pois é nelas que residem a base de uma agricultura

Figura 5– Atividades realizadas pelo CAPA

FONTE: ACERVO DO CAPA - ORGANIZADO PELO AUTOR, 2014.

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HISTÓRICO DA AGROECOLOGIA NO VRP.

Em 1996 é criado nacionalmente o Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA, em uma conjuntura de grande endividamento dos agricultores em decorrência da grande seca de 1995-96. No mesmo período o MPA instala em Santa Cruz do Sul, seu centro de formação, o Centro de Formação São Francisco de Assis, abrigando na sua estrutura de movimento duas cooperativas importantes para a região, especialmente pela execução de chamadas públicas para a Agricultura Familiar na região – a COOPERFUMOS (Cooperativa Mista dos Fumicultores do Brasil Ltda) e a COOPSAT (Cooperativa de Prestação de Serviço e Assistência Técnica Educação Rural Ltda). Em 2008 é criada a Associação Pró-Escolas Famílias Agrícolas - AGEFA, que veio a ser a mantenedora da primeira Escola Família Agrícola – EFA, do sul do Brasil, a Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul - EFASC, que inicia seus trabalhos em 1º/03/2009, alugando as dependências do seminário São João Batista em Linha Santa Cruz. Ofertando os cursos de Ensino Médio e Técnico em Agricultura para jovens filhos/ as de Agricultores/as Familiares do Vale do Rio Pardo, através da Pedagogia da Alternância, a EFASC já formou 5 turmas, somando 175 estudantes, e seguem em formação mais 92 jovens oriundos de 11 municípios da região. Em 2012 é criada em Vale do Sol, a Associação da Escola Família Agrícola de Vale do Sol - AEFASOL, formada por agricultores de Vale do Sol e egressos da EFASC oriundos daquele município, que vai buscas viabilizar a

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EFASOL, que inicia suas atividades em maio de 2014, sediada em Linha Formosa, atendendo jovens agricultores familiares, também em curso de Ensino Médio Técnico em Agricultura. Tendo atualmente 21 jovens egressos e 64 jovens na formação do curso de Ensino Médio Técnico em Agricultura, com jovens oriundos de 14 municípios do Vale do Rio Pardo e Centro Serra. Assim as EFAs (EFASC e EFASOL) vem se tornando com o passar dos anos, uma força muito viva na região, justamente por trabalhar articulada com todas as entidades que trabalham com a Agricultura Familiar, somando assim nesses 8 anos de EFASC e 3 anos de EFASOL 196 egressos/as e 156 jovens em formação, em 2017. Valendo ressaltar que conforme o relatório de atividades de 2016 da EFASC, 89% dos egressos da EFASC seguem vinculados a Agricultura Familiar, seja como Agricultor/a, Técnico/a, Estudante e/ou todas as atividades conjuntamente. Experiência educativa essa da EFASC, que possibilitou a criação de mais 2 EFAs no Rio Grande do Sul, a EFASERRA – Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha, fundada em 2013. E a EFASUL – Escola Família Agrícola do Sul do RS, fundada em 2016 e sediada em Canguçu/ RS.


HISTÓRICO DA AGROECOLOGIA NO VRP.

As atividades da AAVRP A proposta inicial de constituir a AAVRP tinha como objetivo criar um espaço para reunião e aproximação das entidades que trabalham com Agroecologia na região do Vale do Rio Pardo, para trocar ideias, realizar atividades coletivas e, sobretudo, criar uma agenda da Agroecologia no VRP. Para isso, ficou definido entre as entidades que ocorreriam reuniões mensais, em espaços diferentes, ou seja, nas sedes das entidades e que nessas reuniões se definiria a agenda de atividades no decorrer do mês e se socializaria aquilo que cada entidade vinha fazendo. Por isso é fundamental, que os sujeitos do território tenham inserção regional, pois esses necessitam de articulação das suas atividades e também das atuações de entidades, para quem sabe assim, possibilitar a aproximação de agendas e a possibilidade de construção de consenso nas lutas que se apresentam. É o que as entidades que formam a AARVP vêm buscando no contexto da Agroecologia. A Agroecologia propõe uma aproximação entre a agronomia e a ecologia, de modo que possamos entender melhor o funcionamento dos agrossistemas [...] que podem ser potencializados a partir das características de cada bioma e ecossistemas, tomando em conta elementos da cultura e os saberes locais que influem no estabelecimento e no manejo das agriculturas. (CAPORAL, 2009, 29).

Desta forma, nesses dois anos de existência da AAVRP, já foram realizadas uma série de atividades, entre elas dois Seminários Regionais de Agroecologia, em agosto de 2014, na sede da EFASC, buscando debater os conceitos que formam a perspectiva da Agroecologia, muito além da produção e em 08 de julho de 2015, na sede do MPA, focado em experiências em Agroecologia do Vale do Rio Pardo. Também houve o Cine debate do documentário: “O veneno está na mesa II”, do cineasta Sílvio Tendler, em setembro de 2014, no auditório da Faculdade Dom

Alberto, em Santa Cruz do Sul. E também em dezembro de 2014, um painel sobre o dia nacional de luta contra os agrotóxicos, evento esse que vem se desdobrando todo ano, especialmente protagonizado pela EFASC, com articulações, sempre que possíveis com as demais entidades da AAVRP. Realizou ainda em março de 2014, o I encontro de formação sobre certificação orgânica, na sede da EFASC. E também o Painel de Certificação Participativa de propriedades orgânicas na região do VRP em abril de 2015, com a presença do CAPA e das famílias com jovens fazendo a formação na EFASC, Rosa da Silveira (Passo da Areia, Rio Pardo) e Padilha (Linha Carvalho, Sinimbu), trazendo seus depoimentos com desafios e avanços no processo de certificação participativa. Promoveu também a participação de jovens no III Encontro Nacional de Agroecologia - ENA, em Juazeiro, na Bahia, em maio de 2014.Trata-se de uma série de atividades que vem mobilizando as entidades que trabalham com Agroecologia no Vale do Rio Pardo, em especial a juventude do Campo contexto em que as EFAs têm um papel muito importante, justamente por mobilizarem os jovens do Campo. Como essas entidades contam com equipes reduzidas, a organização de atividades articuladas fica prejudicada. Da mesma forma, verifica-se ainda a pouca, embora aumentada nesse 2017, a participação de agricultores/ as familiares na AAVRP, ficando uma articulação protagonizada por técnicos e professores, o que limita a ação das entidades. Por isso a entrada de entidades como a Feira Jovem de Boa Vista e da Associação dos Agricultores produtores de Alimentos de Sinimbu, vão contribuir muito para o debate da AAVRP. Por isso, é preciso mais ações conjuntas e a construção de uma agenda para a Agroecologia no Vale do Rio Pardo.

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HISTÓRICO DA AGROECOLOGIA NO VRP.

Figura 6 – Histórico de atividades da AAVRP desde sua fundação

Assim, podemos entender que mesmo numa região marcada pela presença da fumicultura e de todo o complexo industrial que a acompanha, é possível traçar uma história de entidades e pessoas na contramão dessa hegemonia, com saída na Agroecologia e toda a riqueza de possibilidades que essa perspectiva proporciona. E é justamente isso que esse trabalho tem por desafio, mostrar que é possível entidades que tem proximidade na compreensão de conceitos como diversificação da produção agrícola, Agroecologia, desenvolvimento do Campo sustentável e produção de alimentos saudáveis, com muita ênfase na produção e multiplicação das SEMENTES CRIOULAS, se aproximarem e organizarem suas ações de forma conjunta, dando visibilidade a uma agenda e um debate regional, neste caso o da Agroecologia.

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Não há nenhuma receita que garantisse o êxito em matéria de desenvolvimento. Porém há pelo menos duas afirmações certas: Se o desenvolvimento se encontra em nosso futuro, não será com as ideias do passado que o alcançaremos; se o desenvolvimento é um produto da própria comunidade, não serão outros senão seus próprios membros quem o construirão. (Tradução própria). (BOISIER, 1999, p.89).


HISTÓRICO DA AGROECOLOGIA NO VRP.

Por isso é muito importante “olhar para trás”, para buscarmos elementos que ajudem a (re)pensar o presente de maneira que possamos pensar o futuro, a partir das ações que se pretende, justamente por entendermos que a resistência social só pode ser feita de forma coletiva e organizada. Por isso a importância de terem se somado e ainda estarem se somando, universidades, EFAs, instituições de assistência técnica, movimentos sociais, cooperativas, associações de agricultores, estudantes..., para dar conta da diversidade que temos no Campo do Vale do Rio Pardo, porque todos são importantes nessa

construção, que permite a cada encontro uma rica possibilidade de troca de saberes, numa árdua tarefa que precisa compreender que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p.39). Protagonismo esse que passa diretamente pela reprodução, distribuição e partilha das SEMENTES CRIOULAS, fortalecendo assim a Agroecologia, numa perspectiva muito além da produtiva, mas de vida. Viva as Sementes Crioulas, a Agricultura Familiar e a Educação do Campo!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOISIER, Sergio. Teorias e metáforas sobre el desarollo teritorial. CEPAL: Santiago de Chile, 1999. BRANDÃO, Carlos. Crise do (s) capitalismo (s) e os espaços produzidos nas escalas mundial, nacional e regional. IN: ETGES, Virgínia Elisabeta. AREND, Silvio Cezar. Crises do Capitalismo, Estado e Desenvolvimento Regional. Santa Cruz do Sul. Edunisc, 2014. CAPORAL, José Roberto. Agroecologia: Ciência para apoiar processos de transição para agriculturas sustentáveis. IN: Revista da Formação por Alternância. Ano 5, nº9 (Dez 2009). Brasília, UNEFAB, 2009. DUQUE, Ghislaine. A Articulação do Semi-Árido Brasileiro: Camponeses unidos em rede para defender a convivência no Semi-Árido. IN: FERNANDES, Bernardo Mançano. MEDEIROS, Leonilde Severo de. PAULILO, Maria Ignez (Orgs.). Lutas Camponesas contemporâneas: Condições, dilemas e conquistas. A diversidade das formas de lutas no Campo. São Paulo. Editora da UNESP, Brasília DF: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural. Vol. II. 2009. ETGES, Virgínia Elisabeta. O Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Revista REDES – A Revista do Desenvolvimento Regional, Santa Cruz do Sul, EDUNISC, v.8, nº1, jan/abr. 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. MEDEIROS, Anamaria Melo; GONÇALVES, Claudio Ubiratan. Agroecologia e resistência camponesa: Considerações a respeito da Transição Agroecológica no Assentamento. Águas Claras, Ribeirão – PE, Vol 8, No. 2, Nov. 2013. VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia – Porto Alegre/RS – 25 a 28/11/2013. Fundação de Economia e Estatística do RS – FEE. Site: www.fee.rs.gov.br - Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/perfil-socioeconomico/coredes/ Vale+do+Rio+Pardo>. Acesso em: 11 set. 2016. MENEZES, João Bittencourt de. Município de Santa Cruz do Sul. 2ª ed / texto transcrito em ortografia atualizada por Arthur Rabuske. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2005. ObservaDR 2015 – www.observadr.org.br. Disponível em: <http://observadr.org.br/portal/banco-de-dados-regionais/vale-do-rio-pardo>. Acesso em: 11 set. 2016. PERICO, Rafael Etcheverri. RIBERO, María Pilar. Ruralidade, Territorialidade e Desenvolvimento Sustentável: Visão do território na América Latina e Caribe. Brasília: IICA, 2005. SCHMITZ, José Antonio Kroeff. Agroecologia: antecedentes históricos e perspectivas. I Seminário de Agroecologia do Vale do Rio Pardo - COMO VOCÊ VEM ALIMENTANDO SUA VIDA? Ministrada pelos Profs. José Antônio K. Schmitz (Coordenador da unidade da UERGS/Santa Cruz do Sul. Agrônomo) e João Paulo Reis Costa (Coordenador da EFASC - Historiador). Santa Cruz do Sul, Setembro / 2013. VOGT, Olgário Paulo. SILVEIRA, Rogério Leandro Lima da (orgs). Vale do Rio Pardo: (re) conhecendo a região. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2001.

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O BANCO DE SEMENTES DA ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DE SANTA CRUZ DO SUL: UM INSTRUMENTO PEDAGÓGICO DE EDUCAÇÃO DO CAMPO E SOBERANIA ALIMENTAR¹ INTRODUÇÃO Produzir alimentos deveria ser, por questões obvias, a preocupação “número um” da humanidade. Não há dignidade humana que resista à fome, à subnutrição, porém alimentar-se diariamente ainda é um desafio inalcançável para quase um bilhão de pessoas em pleno século XXI. O relatório de 2013 da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) projetou a necessidade de aumentar a produção de alimentos em 60% até 2050, considerando o esperado aumento populacional neste período. A preocupação, porém, não é apenas em combater à fome e a desnutrição,

A expressão da “semeadura ao supermercado” descreve bem o domínio da indústria de alimentos da produção, da distribuição e na venda dos alimentos. Essa indústria tem poder sobre as safras, ou porque é proprietária da terra que produz alimento, ou porque ela arrenda, ou ainda garante a compra de toda a produção (HELENE; MARCONDES; NUNES, 1994, p. 5).

O domínio sobre a produção de insumos agrícolas, sementes, fertilizantes, agrotóxicos, maquinários, confere à indústria também o domínio sobre as decisões do mercado de produtos agropecuários e consequentemente,

ANTONIO CARLOS GOMES² DIEGO HENRIQUE LIMBERGER³

mas garantir a produção de alimentos saudáveis, já que a baixa qualidade dos alimentos industrializados também tem gerado um aumento de doenças resultantes da má alimentação. E também, que estes alimentos sejam acessíveis a todas as pessoas. A questão é que, desde a emergência do paradigma da modernização da agricultura, também chamado de Revolução Verde, a cadeia alimentar humana está cada vez mais concentrada nas mãos dos grandes produtores e das grandes corporações.

sobre a produção de alimentos, que tem, por essência, o lucro como valor central. Resultado disso, o grau de autonomia dos povos em relação à produção de alimentos vem sendo perigosamente reduzido, juntamente com o conhecimento histórico cultural sobre a natureza, as sementes, a terra, sobre a diversidade de formas de se fazer agricultura. Na contramão desse processo está a Agroecologia e toda a complexidade que envolve esse conceito, que,

¹Texto adaptado do original apresentado no III Seminário Internacional de Educação do Campo e III Fórum de Educação do Campo da Região Norte do Rio Grande do Sul: Resistência e Emancipação Social e Humana, realizado de 29 a 31 de março de 2017, em Erechim – RS. ²Monitor da Área de Ciências Humanas e Sociais da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul. Email: antoniogomesrs@hotmail.com ³Monitor da Área de Produção Agropecuária da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul. Email:limbergerdiego@gmail.com

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muito além da perspectiva científica, compreende a dimensão prática cotidiana dos agricultores e se constitui como movimento social na medida em que mobiliza uma crescente parte da sociedade em defesa da justiça social, da segurança alimentar e nutricional, da questão ambiental, da economia solidária, da equidade entre gêneros e de relações mais equilibradas entre campo e cidade (PETERSEN, 2013). Dado a amplitude do conceito, a Agroecologia serve de aporte teórico para a superação do paradigma da modernização, ou seja, para o fortalecimento de uma outra estrutura de produção e de vida no campo, diferente da ideia de agricultura empresarial difundida hegemonicamente desde o pós-guerra. Autores como Ploeg (2008) tem relacionado a Agroecologia a processos de recampesinização, através dos quais a agricultura familiar, dentre as suas inúmeras formas de existência e reprodução social, adquire características mais aproximadas com o paradigma da sustentabilidade, do desenvolvimento sustentável.

Ainda no rol de conceitos que se entrelaçam no enfrentamento do paradigma da modernização agrícola está a Educação do Campo. O desenvolvimento da Educação do Campo acontece em um momento de potencial acirramento da luta de classes no campo, motivado por uma ofensiva gigantesca do capital internacional sobre a agricultura, marcada especialmente pelo controle das empresas transnacionais sobre a produção agrícola, que exacerba a violência do capital e de sua lógica de expansão sobre os trabalhadores, e notadamente sobre os camponeses (Caldart, 2009, p. 47).

A Educação do Campo abrange também um processo político, de envolvimento de seus sujeitos nos processos sociais e lutas que os cercam. É um processo histórico de crítica ao modelo de educação padronizado, supostamente imparcial, focado na preparação de mão de obra. A Educação do Campo considera o contexto social como sala de aula, o trabalho como ferramenta de aprendizagem, a realidade vivida como cenário a ser Na esteira da Agroecologia, um outro conceito reforça o analisado e compreendido. movimento contra hegemônico de crítica ao atual sistema Diante disso, a experiência do “banco de sementes” agroalimentar: a Segurança Alimentar e Nutricional da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul – EFASC SAN. Isso porque as qualificações exigidas pelo conceito se apresenta como uma possibilidade de inserção do de SAN não são atendidas pela produção em escala, pelo debate e da prática agroecológica no contexto escolar. uso intensivo de agrotóxicos, pelas modificações genéticas Trata-se de uma experiência educativa situada no seio de das sementes, pela industrialização dos alimentos e todas uma região de agricultura familiar plenamente integrada as características da agricultura modernizada. Na verdade ao sistema agroindustrial fumageiro. Daí certamente o conceito de SAN passa a questionar o modelo de resultam contradições bem como evidências da Educação desenvolvimento dos países e sua capacidade de produzir do Campo enquanto base para a transição agroecológica e alimentos de modo a atender o direito de acesso, sem para o fortalecimento da agricultura familiar produtora de prejudicar a qualidade desses alimentos, preservando o alimentos saudáveis e acessíveis, na lógica da Soberania meio ambiente e os hábitos culturais de produção e de Alimentar. consumo.

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Caracterizando a EFASC e o Vale do Rio Pardo A EFASC iniciou as suas atividades no ano de 2009 oferecendo um curso de nível médio/técnico específico para jovens filhos e filhas de agricultores familiares do Vale do Rio Pardo. Como as demais EFAs existentes no Brasil e em diversos países do mundo4 , a vivência educativa da EFASC acontece através da Pedagogia da Alternância, onde os estudantes realizam um processo de formação alternado entre o seu meio sócio familiar e a escola, sempre mediados por instrumentos pedagógicos que permitem a relação e a reflexão dialética entre estes espaços5. Tem como mantenedora a AGEFA6, que é uma associação de agricultores familiares, responsável pela manutenção financeira e pelo direcionamento político-pedagógico da escola. A manutenção se dá por um amplo arranjo de parceiros, desde o poder público a nível municipal, estadual e federal, até o setor privado (empresas, cooperativas e associações). O desafio da associação mantenedora é garantir um maior grau de autonomia possível, reservando à escola a sua função enquanto espaço de reflexão crítica sobre a realidade que a cerca. Em oito anos de trabalho na região do Vale do Rio Pardo (VRP), a EFASC já formou seis turmas, totalizando de 175 egressos/as, que atuam em diversos espaços, desde a propriedade familiar na produção de alimentos, nos estudos, fazendo o curso superior, sendo a grande maioria na área das agrárias, com foco na agroecologia e também na assistência técnica para a agricultura familiar em diversas entidades da região. Atualmente a EFASC possui 98 estudantes em formação, do 1º ao 3º ano do ensino médio e Técnico em Agricultura, abrangendo mais de 80 comunidades

de 11 municípios do VRP7. O grupo de monitores/as e professores/as é composto por 16 profissionais, que são responsáveis pela docência nas diversas áreas do conhecimento, pela parte administrativo/instrucional, pelas áreas experimentais de produção de alimentos e demais instrumentos pedagógicos que compõe o processo de formação. A área de abrangência da EFASC compreende 11 municípios do Vale do Rio Pardo, considerando o recorte regional do COREDE - VRP, que congrega 23 municípios localizados na região central do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma região bastante específica no contexto do Estado, dada a sua formação geográfica e sua ocupação histórica através da colonização germânica em meado do século XIX. Seguindo os critérios do IBGE (2010), constata-se que apenas 2,03% do território do Vale do Rio Pardo é considerado urbano. Além disso, essas áreas rurais também são as mais populosas, fato este comprovado pela baixa taxa urbanização. Também de acordo com o IBGE (2010), verifica-se que, no estado do Rio Grande do Sul, a porcentagem de pessoas residindo

4 As EFAs iniciaram sua história na França, em 1935, chegando ao Brasil em 1969. Atualmente, existem cerca de 150 escolas no país, articuladas pela União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil – UNEFAB. É importante salientar que embora exista uma base político-pedagógica comum, as EFAs se desenvolveram de forma diversa ao longo destas últimas quatro décadas, assumindo as características de cada contexto onde estão inseridas. 5 Estudos específicos já registraram e analisaram a história, a aprendizagem e os resultados do trabalho da EFASC e da Pedagogia da Alternância: COSTA (2012), Vergutz (2013), Pozzebon (2015). 6 A mantenedora da EFASC é a AGEFA - Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas, fundada em 2008, com sede no município de Santa Cruz do Sul.

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no meio urbano é de 85,1%, enquanto que, no Vale do impressionantes. O Vale do Rio Pardo foi responsável por Rio Pardo, esse número não ultrapassa 63,12%. 19,92% do fumo em folha produzido em todo o Brasil no período de 2008 a 2012. Em relação à produção do Esta região não foge à regra do estado do Rio Grande Estado do Rio Grande do Sul nestes últimos cinco anos, o do Sul e também do Brasil, em que as propriedades rurais tabaco produzido no Vale do Rio Pardo equivale a 39,89%. consideradas de agricultura familiar são em maior número. Entretanto, o diferencial fica por conta da área ocupada Entretanto, mesmo com esses números tão expressivos por estas propriedades, que, no Vale do Rio Pardo, chega economicamente, algumas contradições estão presentes a 64,55% das terras. Fato esse que diverge da realidade nesse sistema, já evidenciados em inúmeras pesquisas: estadual, na qual a agricultura familiar representa 85,70% diminuição expressiva de famílias fumicultoras8, das propriedades, porém ocupa apenas 30,3% da área. A endividamento e baixos índices de desenvolvimento dos mesma diferença se observa em relação à Região Sul que municípios com maior grau de dependência do tabaco. tem 31,25% de sua área ocupada pela agricultura familiar Se por um lado a produção de tabaco, por meio do e também quanto ao Brasil, em que a agricultura familiar sistema integrado de produção, implica em uma série de ocupa somente 24,01% das terras, mesmo representando facilidades para os produtores, especialmente em relação 84,36% dos estabelecimentos agropecuários. à compra de insumos, assistência técnica e garantia de A marcante presença da agricultura familiar nessa compra da produção; por outro lado, gera uma dependência região se soma à sua condição de liderança na produção que, por muitas vezes, pode ter consequências negativas, de tabaco. Trata-se de uma relação de interdependência, especialmente se os agricultores familiares tiverem no que é comprovada pelos números da produção que são tabaco a sua única fonte de recursos.

7 8

Mais informações sobre a EFASC podem ser acessadas no Relatório de Atividades 2016, disponível em: Considerando o período entre as safras de 2010/2011 e 2012/2013, mais de 27 mil famílias deixaram de produzir tabaco na região Sul do Brasil, o que equivale a uma redução de 14,56%. (AFUBRA, 2013). Revista Sementes Crioulas 2017 - AGEFA

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O banco de sementes da EFASC Segundo a Rede Sementes Livres Brasil9, os bancos de sementes podem ser individuais, coletivos ou institucionais, mas com um princípio, que as sementes estejam disponíveis para quem quiser trocar. Aqueles/ as que protegem e armazenam sementes são chamados/ as de guardiões e guardiãs. Os bancos de sementes são espaços de armazenamento de sementes e de troca, um local onde a semente fica armazenada de forma adequada fisicamente e ambientalmente. Existem muitas iniciativas de banco de sementes pelo mundo e cada um tem sua forma de funcionamento, estabelecida pelo guardião, pela instituição ou comunidade que utiliza o banco. Nos bancos comunitários, normalmente os participantes além de armazenarem suas sementes, que pode ser em um local construído para este fim ou na casa de um agricultor, promovem feiras de trocas, para que as variedades crioulas possam ser conhecidas e apresentadas à comunidade e cultivadas em outros espaços, garantindo assim cada vez mais a especificidade daquela variedade crioula naquele local. Além do simbolismo que nos traz a semente, de forma prática e eficiente os bancos de sementes são uma forma de garantir e proporcionar a interdependência e autonomia dos agricultores e agricultoras que produzem alimentos, manejam florestas e trabalham com produção de mudas. A “propriedade” e o merecimento da semente é, e sempre será de milhões de agricultores/as que por gerações, cultivaram e mantém as variedades crioulas em suas lavouras. Proteger as sementes, compartilhar e multiplicar são formas de manter viva a história cultural de povos e da humanidade.

Atualmente há dez bancos de sementes identificados pela Rede de Sementes Livres Brasil. No Rio Grande do Sul, no município de Soledade, há um banco que compõe a rede, com nome de Banco de Sementes Proteção do Futuro, de responsabilidade da Escola Estadual de Ensino Fundamental Dona Darcila, na comunidade de Pontão da Boa União. O resgate e trabalho com as sementes crioulas é um dos princípios da agroecologia. A EFASC fez a opção de trabalhar pela e com a agroecologia na formação do ensino médio e técnicos da juventude do campo no VRP. Esta opção que perpassa as áreas do conhecimento durantes os três anos, se torna ainda mais forte com a constituição de um espaço físico para a colocação das sementes que são recebidas e entregues durante todo o ano. No caso da EFASC, o trabalho com sementes crioulas foi sendo construído aos poucos no cotidiano da escola. Inicialmente acontecia em espaços informais, em eventos, em feiras de sementes, onde os jovens compartilhavam e trocavam as suas sementes. Não havia um espaço ou uma mobilização maior a respeito das sementes crioulas, pois era trabalhado durante a formação de forma genérica, não havendo uma dedicação maior de tempo em sala de aula para discutir técnicas produtivas sobre as sementes/ materiais tradicionais. Era um debate

A Rede de Sementes Livres no Brasil é uma entidade sem fins de lucro, criada e mantida por agricultoras, agricultores, pesquisadores e outros cidadãos que propõem uma visão de liberdade para as sementes que geram nossos alimentos. Mais informações disponíveis em http://www.redesementeslivresbrasil.org/ 9

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que estava presente dentro do Rio Pardo integradas pelo Movimento dos Pequenos do amplo debate sobre a Agricultores – MPA. Agroecologia. O monitor Diego Henrique Limberger, antes de Seguindo seus ingressar na EFASC, teve a oportunidade de trabalhar princípios, a EFASC como técnico na referida ATER nos anos de 2013 e 2014, sempre buscou se realizando visitas técnicas aos agricultores familiares, nos integrar às ações de municípios de Vera Cruz, Santa Cruz do Sul e Vale do Sol, instituições parceiras que compreendiam 60 famílias beneficiárias, que estavam na região, visando o dispostas a trabalhar no resgate e na multiplicação fortalecimento de ações em das sementes crioulas. Além das visitas técnicas às conjunto, principalmente propriedades, também eram realizados “dias de campo”, as de enfoque agroecológico. em propriedades que trabalham com a agroecologia e a Felizmente, com o suporte produção de sementes, tendo sempre a contribuição do de políticas públicas pautadas senhor Pedro Kunkul, que é uma pessoa de referência pelo hoje extinto Ministério do em trabalhos com sementes dentro do Movimento dos Desenvolvimento Agrário – MDA, através de Pequeno Agricultores – MPA. Chamadas Públicas de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER, diversos trabalhos foram acontecendo na região, no âmbito da organização dos agricultores familiares para o cultivo, multiplicação e troca de sementes crioulas. É o caso da ATER - SEMEANDO AS SEMENTES DO FUTURO: Assistência Técnica para Resgatar a Biodiversidade Agrícola e Florestal, Multiplicar Sementes Crioulas e Diversificar a Produção de Alimentos, que foi executada nas em diversas regiões do estado do Rio Grande do Sul, pelo Instituído Cultural Padre Josimo, com sede em Candiota, mas com ações executadas no Vale

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Inclusive, Pedro possui um banco de sementes aberto a comunidade em sua casa, no município de Panambi, onde realiza um trabalho muito forte de multiplicação de sementes em áreas isoladas. A partir do contato com o Pedro e de seu trabalho, o mesmo foi convidado a participar de um encontro na EFASC, afim de falar sobre a importância e o papel das sementes crioulas para os agricultores familiares e o papel da juventude do campo na manutenção desta biodiversidade.

sementes. O retorno das sementes para o banco ocorreu entre os meses de maio e julho de 2016.

O banco de sementes da EFASC também está integrado com outros instrumentos pedagógicos realizados na escola, como o Estágio de Vivência (EV)10. No mês de setembro de 2016, durante o encontro de integração e envio do EV, as sementes crioulas (culturas de primavera/verão) foram novamente distribuídas aos estudantes. A escolha da quantidade e de quais sementes iriam ser levadas para o Nesta oportunidade, Pedro trouxe consigo cerca de 55 plantio em casa ficou a cargo dos próprios estudantes, de tipos de sementes crioulas – de culturas anuais e hortícolas, acordo com suas preferências, área disponível e condições esse mostruário diverso de sementes foi o que deu o ponta gerais da propriedade. pé inicial ao banco de sementes no ano de 2015, porque além das sementes que ele deixou, também os estudantes foram convidados a trazer sementes – principalmente de milho e feijão – que possuíam em casa. Atualmente, a diversidade existente no banco de sementes da EFASC é bem ampla, porém há destaque para uma maior quantidade de sementes de culturas de primavera/verão, devido à maior facilidade na produção das mesmas. No inverno sul rio-grandense, a umidade é elevada e a formação de geadas provoca em muitas vezes a interrupção do ciclo dessas cultivares, ou seja, não se alcança o ponto do estágio fisiológico da semente, para a realização da colheita e sua viabilidade germinativa para O retorno destas sementes aconteceu durante o encontro a próxima safra. de integração do EV 2017, realizado no mês de maio. Cada estudante disponibilizou as sementes produzidas, As culturas disponíveis no banco são para a que foram novamente misturadas e colocadas em vidros alimentação animal, adubos verdes e recuperadoras ou potes plásticos para o seu armazenamento. Estes são de solo, alimentação humana, com foco principal nas dois recipientes excelentes para o armazenamento, pois sementes de tomate cereja, de formato comprido e não permitem trocas intensas de umidade e temperatura, redondo. Também há algumas espécies para a realização sendo possível fazer uma boa vedação dos recipientes, do artesanato, como a vassoura e também com fins evitando o ataque de caruncho (Acanthoscelides obtectus) ornamentais/decorativos, como os porongos, de três tipos e gorgulhos (Curculionidae), que são comuns em locais diferentes. em que há armazenamento de grãos. Em meados de outubro de 2015, estas sementes foram distribuídas para os estudantes dos 1º e 2º anos da EFASC, para que eles fizessem o processo de cultivo, estudo e multiplicação. Devido ao grande período que chuvas que aconteceu no ano passado, muitas sementes foram perdidas. Porém o banco de sementes mantémse vivo em 2016 devido ao comprometimento dos estudantes e pela sua amplitude, pois algumas culturas foram distribuídas para mais de 35 estudantes diferentes, o que resultou na garantia de retorno destas sementes, mesmo com o clima adverso. Também foi realizada uma manhã de formação com os estudantes da EFASC, para tratar sobre os procedimentos Dinâmica de entrega e mistura das sementes crioulas de colheita, processamento, secagem e armazenamento produzidas pelos estudantes da EFASC no período 2016das sementes, afim de que os jovens pudessem ter 2017. conhecimento técnico, também para manter a qualidade e o vigor das sementes que viriam para o banco de O Estágio de Vivência é um intercâmbio entre estudantes realizado pela EFASC desde 2013. Neste processo, os estudantes são divididos em duplas que se visitam durantes duas semanas alternadas, um na casa do outro, vivenciando as diferentes realidades sociais, culturais, ambientais existentes no Vale do Rio Pardo. 10

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O banco de sementes está localizado no segundo piso do prédio da EFASC, denominado Sala da Biodiversidade. É um local em que não varia muito a temperatura, a qual é mais baixa do que em outros espaços da escola, sendo que também não tem umidade e intensidade luminosa direta, fatores que são importantes para que as sementes mantenham sua qualidade e vigor por um período maior.

Fica claro que o banco de sementes da EFASC consiste em um processo coletivo, construído a várias mãos, desde os estudantes, envolvendo também as famílias e entidades parcerias, sendo um importante instrumento pedagógico constituído dentro do processo de formação da escola.

Considerações finais Verifica-se que, inicialmente, o objetivo do banco da EFASC não é armazenar sementes e tê-las em quantidades disponíveis para plantio. Antes disso, é resgatar a biodiversidade e os saberes/costumes existentes no Vale do Rio Pardo, inserindo este debate no processo de formação técnica dos filhos e filhas de agricultores familiares da região.

Já outros/as, residem na parte serrana da região, situada a 500 – 650 metros de altitude, com características de solo raso e mais fértil, pelo processo de degradação da rocha e condições de temperaturas extremas, especialmente no inverno. Assim, quando as sementes de mesma cultura/cultivar chegam ao banco de sementes da EFASC, são misturadas em um único recipiente, disponíveis para distribuição. A produção de sementes em diversos locais garante uma maior qualidade, a manutenção da variabilidade/ diversidade genética das espécies, porque mesmo com os cuidados na multiplicação e seleção das plantas para fazer a semente, com a constante multiplicação da mesma, poderá ocorrer um início do processo de segregação genética.

Também não se trata de um banco de sementes fixo, ele é vivo e itinerante, considerando que fazem parte dele diversos tipos de sementes que estão em mais de 120 propriedades dos municípios de abrangência da EFA, desde o início do trabalho no ano de 2015. A intenção é ter amostras das diversas sementes crioulas existentes na região e a partir disto, as famílias serem as referências nas sementes que mais cultivam, permitindo o contato direto com quem desejar multiplicá-las. Este é o melhor Dessa forma, a conservação dessas espécies promove caminho para que os/as jovens e famílias sejam os atores o fortalecimento da soberania alimentar dos agricultores do processo, se constituindo como família guardiã de da região. sementes. GLIESSMAN (2008) escreve que, para alcançar a sustentabilidade, a conservação de recursos genéticos precisa ocorrer in situ ou no cenário da comunidade de cultivo. A conservação em in situ envolve seleção e mudança genética continua, em vez da preservação de forma estática. Ela permite que ocorra a seleção genética, mantendo e fortalecendo as variedades crioulas. Tenta imitar todas as condições – locais, época, técnica de cultivo – sob as quais ocorrerá o futuro cultivo da planta e o resultado é plantas bem adaptadas: às condições do ambiente local; às condições de manejo do ambiente local e à todos os problemas bióticos do cultivo.

“Soberania alimentar é o direito dos povos definirem suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação para toda a população, com base na pequena e média produção, respeitando suas próprias culturas e a diversidade dos modos camponeses, pesqueiros e indígenas de produção agropecuária, de comercialização e gestão dos espaços rurais, nos quais a mulher desempenha um papel fundamental (...) A soberania alimentar é a via para erradicara fome e a desnutrição e garantir a segurança alimentar duradoura e sustentável para todos os povos”. (Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar. Havana Cuba, 2001). (MALUF, 2011, p. 23.)

Esse aspecto talvez seja o que mais se contraponha ao estabelecimento das grandes corporações agroalimentares transnacionais e o modelo de produção de alimentos em larga escala. Destaca-se também no conceito de soberania alimentar a valorização da cultura dos povos e a importância do papel da mulher nos processos de produção, de comercialização e de gestão dos espaços rurais.

As sementes que os estudantes trazem após multiplicar possuem uma alta variabilidade genética, porque a mesma cultura/cultivar é produzida em diversos municípios, com diversos tipos de solo, condições de fertilidade, manejos, condições climáticas e de altitude. Por exemplo, dentre os estudantes da EFASC, existem aqueles que residem na “beira” do rio, numa região que está entre 20 e 50 metros em relação ao nível do mar, tendo solos com maior Como foi visto, no caso do Vale do Rio Pardo, o presença de areia e condições climáticas menos intensas. processo de mercantilização da agricultura, promovido

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majoritariamente pelo sistema integrado de produção de tabaco, conduz a agricultura familiar para o modelo empresarial e, portanto, mais dependente do mercado, tanto de insumos, quanto de comercialização da produção, reduzindo a importância da manutenção do conhecimento popular dos antepassados, do material genético das sementes de alimentos e inclusive do costume dos agricultores familiares de plantar o seu próprio alimento. Entretanto, sabe-se que nesta região ainda se preservam características da agricultura familiar camponesa, como a produção para o autoconsumo, as relações de reciprocidade no sistema de trocas de mão de obra entre familiares e vizinhos e certo grau de diversificação, expressa pela produção de alimentos, pelas

feiras rurais, pelas organizações cooperativas, pelo acesso dos agricultores familiares aos programas governamentais de aquisição direta de alimentos, entre outros. Essas características camponesas apontam para um processo de desenvolvimento menos dependente, marcado pela autonomia dos agricultores familiares, pela construção social de mercados, pela aproximação entre produtores e consumidores, pela economia solidária. E é justamente para somar nesse conjunto de ações, que o banco de sementes da EFASC foi criado, sendo um instrumento pedagógico de educação do campo e soberania alimentar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CALDART, Roseli Salete. Educação do campo: notas para uma análise de percurso. Trab. educ. saúde [online]. 2009, vol.7, n.1, pp.35-64. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tes/v7n1/03.pdf>. Acesso em 12 fev. 2017. COSTA, J. P. R. Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul - EFASC: uma contribuição ao desenvolvimento da região do Vale do Rio Pardo a partir da pedagogia da alternância. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional), Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2012. GOMES, Antonio Carlos. A operacionalização do mercado institucional de alimentos no contexto do Vale do Rio Pardo: o caso da cooperativa Leoboqueirense de agricultores familiares. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2014. HELENE, M. E. M.; MARCONDES, B.; NUNES, E. A fome na atualidade. São Paulo: Scipione, 1994. MALUF, Renato S. Segurança Alimentar e Nutricional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. PETERSEN, P. Agroecologia e a superação do paradigma da modernização. In: NIEDERLE, P. A.; ALMEIDA, L.; VEZZANI, F. M. (Org.). Agroecologia: práticas, mercados e políticas para uma nova agricultura. Curitiba: Kairós, 2013. PLOEG, J. D. Van der. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Tradução de Rita Pereira. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008. POZZEBON, Adair. A inserção socioprofissional dos jovens egressos da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul no Vale do Rio Pardo, RS: uma contribuição para o desenvolvimento rural. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Rural), Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. VERGUTZ, C. L. B. Aprendizagens na pedagogia da alternância da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2013.

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PERSPECTIVAS E DESAFIOS DA JUVENTUDE DO CAMPO E AS SEMENTES CRIOULAS NO VALE DO RIO PARDO ADAIR POZZEBON¹ JOÃO PAULO REIS COSTA² DIEGO HENRIQUE LIMBERGER ³

A temática da Juventude, em especial a do Campo, vem merecendo diversas pesquisas e estudos frente as dinâmicas migratórias e a falta de perspectiva em continuar a sua vida profissional na Agricultura Familiar, por diversos motivos. Esta problemática não é exclusiva do Brasil, em muitas regiões do mundo ela acontece, gerando dificuldades na reprodução social da Agricultura Familiar e, em consequência, impactando diretamente na produção de alimentos e no enfraquecimento das relações sociais existentes nas comunidades do Campo. Os dados sobre as dificuldades de sucessão da Juventude da Agricultura Familiar se acentuam principalmente na região sul do Brasil. Os dados do último Censo Agropecuário (IBGE, 2006) apontam que, no Rio Grande do Sul – RS existem mais de 378 mil estabelecimentos agropecuários de base familiar (85,7% do total), que produzem matérias-primas importantes para a agroindústria, dentre as principais: 51% da soja, 97% do fumo, 80% do leite, 69% de suínos, 80% do feijão, 65% do milho, 89% da mandioca, 83% da banana, 81% da uva, 92% da cebola e 77% da laranja. A estimativa é de que 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros vêm da Agricultura Familiar (Anuário Brasileiro da Agricultura Familiar, 2012). O RS é composto por municípios essencialmente agrícolas, conforme o Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010), existem 227 municípios com menos de cinco mil habitantes e 221 que possuem a maior parte da população morando na zona rural, isto significa quase a metade dos 497 existentes, sendo que apenas 100 municípios gaúchos têm mais de 20 mil habitantes. Este questionamento já vinha sendo levantado por Veiga (2002), chamando a atenção para o fato de que o rural é necessariamente territorial e não setorial, como os programas governamentais insistem em propor e executar nas suas políticas públicas e que o Brasil não é tão urbano como se apresentam as estatísticas. Se lançarmos um olhar, em especial ao número de jovens com idade entre 15 e 29 anos no RS, nos deparamos com uma preocupação sem precedentes, pois, em 2010, segundo dados do IBGE, existiam apenas cerca de 260 mil jovens que vivem no campo. Se possuímos um universo de

pouco mais de 378 mil estabelecimentos agropecuários de base familiar no estado, significa que distribuindo uniformemente estes jovens um por propriedade, mais de 118 mil estabelecimentos não possuem jovens para suceder as atividades da propriedade, totalizando mais de 30% dos estabelecimentos da Agricultura Familiar, sem perspectiva de sucessão. Além disso, no período entre 2000 e 2010 (IBGE, 2010), cerca de dois milhões de pessoas deixaram o meio rural, sendo que um milhão são jovens, ou seja, o “êxodo” que prevalece nos dias de hoje é da juventude. Com a perda histórica de população no Campo brasileiro, não foram embora apenas as pessoas, mas também a cultura própria do Campo, os saberes, as vivências e experiências específicas desse espaço e dessa forma de vida. Vale destaque aqui para o fechamento das Escolas do Campo, enfraquecendo ainda mais o tecido social existentes nessas comunidades. Frente a estas constatações e aos sérios problemas que isso ainda pode acarretar para a sustentabilidade do campo e das cidades, surge uma série de estudos4, que buscam compreender esse fenômeno e os fatores que estão influenciando a Juventude do Campo a não suceder os pais nos estabelecimentos da agricultura familiar. No Vale do Rio Pardo, perceberemos que se trata de um espaço rico em diversidade social, cultural e étnicoracial, e por isso, elencar fatores determinantes para a permanência ou saída da juventude na Agricultura Familiar somente é admissível num estudo de caso específico e localizado, e mesmo assim, dificilmente serão agrupados em um ou outro elemento, valendo a máxima de que: “cada caso é um caso”. Além dessa imprecisão de fatores do ambiente interno, existem os fatores externos à propriedade, em especial a restrição do acesso as oportunidades e as políticas públicas básicas no Campo. É visto que grande parte das escolas do campo desenvolvem uma educação descontextualizada e/ou encontram-se localizadas nos centros urbanos (ou sedes municipais), com um currículo que não leva em conta os aspectos do rural e suas contradições, servindo para qualificar com vistas ao ingresso no mercado de trabalho, mas pior que isso é não ter escola nas comunidades.

¹Secretário Executivo da Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas – AGEFA. ²Coordenador Institucional e Monitor da área de Ciências Humanas e Sociais da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul - EFASC. ³Monitor da Área de Produção Agropecuária da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul - EFASC. 4 Abramovay et. al. (1998, 2001); Brumer e Spanevello (2008); Carneiro (2001); Gasson e Erington (1993); Matte et al. (2010); Silvestro et al. (2001); Spanevello (2008); Spanevello et al. (2010); Stropasolas (2004); Weisheimer (2007); Weisheimer (2009) e Woortmann (1995).

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Em publicação no dia 03/03/2014, a Folha de São Paulo5 denuncia o histórico de fechamento de escolas do campo, em matéria intitulada: “Brasil fecha, em média, oito escolas por dia na região rural”, mostrando que tal situação continua ocorrendo de forma desenfreada. A matéria produzida pela jornalista Natália Cancian aponta que, nos últimos 10 anos (2000-2010), são 32,5 mil escolas a menos no campo, fruto de um processo de nucleação (aglomeração de escolas pequenas em uma escola pólo), com a justificativa de baixar custos. No Rio Grande do Sul, no período de 2003 a 2013, foram extintas 465 escolas do campo (AGUIAR, 2014), fruto de uma política de nucleação em nome da eficiência na gestão. A educação passou a ser vista como um custo e não um investimento necessário e essencial, desconsiderando, entre outras coisas, que para muitas comunidades rurais o único braço vivo do Estado era a escola, que hoje já não existe mais. Percebam que existe uma vacância nos dados sobre fechamento de escolas do campo de 2010 (Brasil) e

2013 (RS) até os dias atuais, se seguirmos as estatísticas, nos últimos 7 anos no Brasil, foram fechadas mais de 20 mil escolas. Diante deste cenário de poucas políticas públicas específicas para a juventude do campo, e das populações do campo, bem como o acesso a saúde, educação, cultura, entre outros no lugar onde mora, faz com que o caminho e as perspectivas de construção dos projetos de vida da juventude se materializem fora da agricultura e do campo. Dando valia a um forte e impactante ditado de muitos pais e mães: “quero que meu filho/a estude para sair da roça e ser alguém na vida”. Além dos aspectos apresentados, certamente existem muitos outros, que variam conforme cada contexto. O importante é apreender que a decisão dos jovens entre o ficar ou sair não é influenciada por um único elemento, mas por um conjunto deles e que este tempo de definição ou escolha pode se dar durante anos, seja após a vivência de um emprego ou, em muitos casos, a conclusão do ensino superior. A noção mais geral e usual do termo juventude se refere a uma faixa de idade, um período de vida, em que se completa o desenvolvimento físico do indivíduo e ocorre uma série de transformações psicológicas e sociais, quando este abandona a infância para processar sua entrada no mundo adulto. No entanto, a noção de juventude é socialmente variável. A definição do tempo de duração, dos conteúdos e significados sociais desses processos se modificam de sociedade para sociedade e, na mesma sociedade, ao longo do tempo e através de suas divisões internas. Além disso, é somente em algumas formações sociais que a juventude configura-se como um período destacado, ou seja, aparece como uma categoria com visibilidade social (ABRAMO, 1994, p.1).

A partir desta compreensão, Weisheimer (2004, p. 86) observou que a definição adotada pelos “[...] limites Reportagem completa no link: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2014/03/1420332-pais-fecha-oito-escolas-por-dia-na-zona-rural.shtml44

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etários é obviamente arbitrária”, pois para a sociologia o que interessa é como tais limites são socialmente construídos, enfatizando que estas fronteiras são determinadas também pelo desempenho de papéis sociais. O que parece ser consenso entre os estudiosos do tema (ABRAMO, 2004; CARNEIRO, 1998; STROPASOLAS, 2002) é que se trata de uma condição transitória, não linear e que envolve diversas dimensões para caracterizálo, entre as quais: a realidade sociocultural em que estão inseridos, empregando assim, à condição juvenil “[...] um elevado grau de ambigüidade” (WEISHEIMER 2004, p. 89). A ideia central é a de que a juventude é o estágio em que acontece a entrada na vida social plena e que, como situação de passagem, compõe uma condição de relatividade: de direitos e deveres, de responsabilidade e independência, mais amplos do que os da criança e não tão completos quanto os dos adultos (ABRAMO, 1994, p.11).

A condição juvenil se encerra com a entrada na vida social plena, sendo assim considerada numa condição de transitoriedade e que tem em sua essência, a capacidade provocativa de gerar e mobilizar processos de mudança social, com plena capacidade de assimilar e buscar novos valores e comportamentos, ainda mais quando conseguem interpretar criticamente a realidade vivida, já que nesta fase existe um confronto com os valores e ‘regras’ existentes na sociedade.

descrédito, justificado de maneira equivocada pela falta de experiência e por estarem em processo de formação (não prontos – como se isso fosse possível, resultado de uma formação educacional voltada ao mercado e não para o mundo do trabalho), na busca de construir o seu projeto de vida, o que amplia a ‘cobrança’ quando se propõem implantar novas práticas junto à propriedade da família. Por outro lado, esses jovens imersos no processo de formação, estudando a sua realidade, elaborando análises, interpretações e reflexões que culminam com a construção de seu projeto de vida. Fica inevitável, que a partir das provocações ensejadas pelas intensas pesquisas históricas da família e do meio onde vivem, conseguem ampliar os vínculos políticos e afetivos com o campo, gerando assim, sentimentos de pertença que são para uma vida inteira. Um estudo que analisou o estado da arte das sementes tradicionais, crioulas ou landraces (raças da terra) no estado do Rio Grande do Sul (PELWING et all, 2008), revela a dimensão e o papel central na vida de diversos agricultores/as a existência, multiplicação e conservação das sementes, foram amostradas 13 propriedades de agricultores que utilizam sementes próprias em 8 municípios do estado. A pesquisa aponta que para a maioria dos agricultores entrevistados uma possível causa ou fator, dentre tantas outras, que contribui para a perda de sementes tradicionais é:

As Juventudes das Escolas Famílias Agrícolas (EFASC, “O desinteresse das novas gerações, apontado por 46% dos entrevistados, se configura hoje num grande desafio à manutenção EFAERRA E EFASOL) e participantes do Projeto Juventudes da agricultura familiar e de todos os recursos manejados e mantidos do Campo se encontram numa condição juvenil, portanto, por ela, e isto inclui as sementes tradicionais, principalmente trata-se de um grupo que vive uma fase transitória, em devido ao fato da troca entre familiares ser a principal forma de constantes mudanças da vida social e profissional, ao intercâmbio de sementes”. (PELWING et all, 2008, p. 414). passo que não chegam à vida adulta, vivem processos Portanto, discutir essas questões com a juventude do conflituosos na busca de uma afirmação identitária. Campo está colocada como ponto de partida e estratégico Em função disso, são colocados constantemente em

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na preservação e manutenção das SEMENTES CRIOULAS, servindo para além de uma mera valorização e resgate de um patrimônio genético e cultural dilacerado pelos processos da modernização conservadora e excludente da agricultura desencadeado pela revolução verde, podem ter um papel de ligação entre as gerações, fortalecendo os laços identitários, possibilitando maior diálogo, troca de saberes, retratando a importância destas na promoção da segurança e da soberania alimentar, tendo-as como basilar na construção da Agroecologia. Pensar e discutir a juventude e as SEMENTES CRIOULAS no Campo brasileiro, necessariamente expõe situações e características comuns, ambas são sinais claros e pertinentes de pluralidade e diversidade, de vigor e fonte de energia, de busca e garantia por autonomia e soberania, carregando consigo o germe da mudança

e curiosidade crítica, pois trata-se de símbolos de resistência da Agricultura Familiar, na sua busca cada vez mais por autonomia produtiva e de vida. Porém, este movimento precisa acontecer de forma coletiva e articulada, pois como traz a pesquisa feita por Pelwing et all (2008, p. 415), as estratégias adotadas pelos agricultores: “(....) evidenciaram a criatividade e também a forte presença da articulação local entre os diferentes atores sociais, mostrando que a integração pode resultar em construções coletivas muito frutíferas.” Além disso, são essenciais a formulação e execução de “ políticas públicas e parcerias institucionais, nos diversos âmbitos, a fim de amenizar as dificuldades elencadas para a manutenção e promoção do uso das sementes tradicionais.”

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A Juventude do Campo em pesquisa: As SEMENTES CRIOULAS no Vale do Rio Pardo As SEMENTES CRIOULAS, pela sua importância estratégica nos processos que visam garantir a soberania alimentar dos Povos do Campo, vem chamando atenção e merecendo destaque, apesar de estarem historicamente na marginalidade produtiva, acadêmica, e de projetos e programas do poder público.

dos agricultores familiares. Esta ação foi organizada e conduzida pela área de produção agropecuária da EFASC, tendo os jovens em formação como protagonista de executar a pesquisa na base, na coleta das informações junto as suas famílias, envolvendo pai, mãe e avós.

No total foram aplicadas e sistematizadas o levantamento em 66 famílias de 11 municípios do Vale do Rio Pardo, conforme consta na figura 1. A sistematização desta pesquisa está apresentada e discutida no trabalho de conclusão de curso de Tecnólogo em Horticultura da UERGS, de Diego Henrique Limberger, intitulado Vivências na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul: Pedagogia da Alternância, Agroecologia e os Saberes em torno das Sementes Crioulas (LIMBERGER, 2016), bem como foi parte integrante de uma ação do PLEAPO Para dar conta de contribuir com esta temática foi – Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica organizada a realização de uma pesquisa, procurando realizada pela AGEFA. identificar as sementes e materiais crioulos nas mãos Embora a Revolução Verde tenha sido responsável pela perda de grande parte da diversidade e variabilidade das plantas cultivadas, em função da transformação de agroecossistemas em monocultivos de variedades de estreita base genética, existe ainda hoje um número considerável de propriedades rurais que mantêm plantas cultivadas que só foram melhoradas pelas mãos de agricultores e agricultoras, denominadas variedades tradicionais, antigas, caseiras, landraces (raças da terra) ou crioulas. (PELWING et all, 2008, p. 395).

Figura 1 - Municípios de abrangência da Pesquisa.

FONTE: LIMBERGER (2016).

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Um dado apontado na pesquisa, referenda os inúmeros estudos que retratam a região em questão: a fumicultura está colocada como a principal atividade das propriedades, ou está associada há outras atividades de mesma modalidade, como o sistema integrado do leite ou frango. Conforme Limberger (2016, p. 88), esta cadeia produtiva se estabelece, pois cria uma: “segurança de mercado que os agricultores familiares percebem, pois sempre procuram produções e criações com destino garantido”. Os dados confirmam que a idade média dos entrevistados está acima dos 50 anos, demonstrando que existe um processo de envelhecimento do campo em curso e que a maioria das propriedades não possuem sucessores

na família. Neste contexto, além da atividade agrícola e a produção de alimentos, quem fará/continuará o trabalho de manutenção e multiplicação de sementes e materiais crioulos no território do VRP? Por isto, a localização, conhecimento do que existe de sementes/materiais e a constituição de uma rede de partilha no território é de fundamental importância (LIMBERGER, 2016). O gráfico abaixo traz proporcionalidade da produção agropecuária e consequentemente das fontes de renda nas Unidades de Produção Familiares - UPFs dos entrevistados, demonstrando que 54% da renda dos agricultores familiares provém apenas da fumicultura, 16% na produção de milho, 5% com a bovinocultura de corte e 3% com a horticultura – olericultura.

Figura 2 - Gráfico da principal atividade agrícola e fonte de renda doas/as entrevistados/as

FONTE: LIMBERGER (2016).

Num contexto onde a produção de tabaco está colocada como uma das principais fontes de renda dos agricultores, surge neste cenário, como uma oportunidade a produção de alimentos, visto que a demanda estimada, conforme aponta a FAO (2016) até 2050 é de que a população mundial deverá crescer dos atuais 6 bilhões para 9 bilhões de habitantes. Para que todos tenham acesso à comida, a oferta de alimentos precisará aumentar 70% nos próximos 40 anos.

Um elemento importante apresentado pela pesquisa é que todas as famílias entrevistadas conhecem e possuem sementes crioulas em suas propriedades. Conforme Limberger (2016) os destaques são os milhos, feijões, diversos tipos de mandioca e batata doce. Essas sementes/ materiais crioulos são mais “fáceis” de manter e multiplicar pelos agricultores familiares e também o cultivo é em áreas maiores, ficando menos suscetível a perda destes materiais por fatores climáticos.

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Na tabela abaixo está apresentada as 16 famílias botânicas encontradas na pesquisa e que expressam a diversidade genética crioula existente, bem como o nome científico e os nomes que comumente são chamados pelas famílias e em suas comunidades.

FONTE: LIMBERGER (2016).

Constata-se a diversidade de plantas classificadas como hortícolas, que englobam 41% das famílias entrevistadas. Fato este pouco considerado, já que as principais variedades que circundam no debate são as culturas anuais, entre as principais o milho e o feijão.

no banco de sementes, pois há algumas culturas das famílias solanácea e brassicaceae disponíveis e de maior facilidade da obtenção de sementes, as demais não há ocorrência completa do ciclo, devido à localização geográfica e a época de baixas temperaturas e dias curtos. Outro fator é o entendimento dos entrevistados do que é Em nossa região é difícil de entrar sementes/materiais uma planta hortícola. (LIMBERGER, 2016, p. 94) de plantas hortícolas, faço esta afirmação com experiência

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O gráfico 3 traduz, a partir das informações que constam na tabela acima, as famílias botânicas mais produzidas pelos agricultores/as entrevistados, destaca-se as Fabaceae (diversos feijões e soja preta) e as Poaceae (milho, arroz, aveia, dente de burro e cana de açúcar), com 21% e 20% respectivamente. Acrescenta-se ainda que é bastante expressivo a produção das Curcubitáceas e as Euphorbiaceae. Figura 3 - Gráfico da percentagem de plantas pertencentes às famílias.

Solanaceae 7%

Zingiberaceae 1%

Rosaceae 1% Quenopodiáceas 1%

Apiaceae 3%

Brassicaceae 4% [] 1% Convolvulaceae 10%

Poaceae 20% Cucurbitáceas 16% Linacea 1% Leguminosae 2%

Fabaceae 21%

Euphorbiaceae 13%

[] 1%

Fonte: LIMBERGER (2016).

Os dados trazem uma questão interessante e que reforça algo que é defendido por quem é guardião deste material genético patrimônio dos povos, as SEMENTES CRIOULAS são as grandes responsáveis pela garantia da segurança e soberania alimentar na Agricultura Familiar, pois mais de 70% destas sementes/materiais são utilizados na alimentação humana. Conforme LIMBERGER (2016, p. 96), esse número se amplia, pois: “Outra parte se usa na alimentação dos animais, principalmente a mandioca (Manihot esculenta Crantz), cana de açúcar (Saccharum officinarum L.) e o dente de burro (Zea mexicana L.)”. Agregando estes dois aspectos, estamos falando de um universo de uso deste material genético para a produção de 83% do alimento produzido nas famílias entrevistadas. Com isso, podemos afirmar que a presença de sementes crioulas na propriedade contribui expressivamente para a melhoria da qualidade de vida, na produção de alimentos limpos, sem veneno e com isso promovendo saúde e bem-estar no Campo.

uma seleção manual de sementes crioulas, feito pelos/ as próprios/as agricultores/as a fim de melhoramento genético das mesmas), praticadas ao longo dos anos, bem como pela diversidade de variedades e cultivares, que geralmente são expressivos, conferem um aprimoramento/melhoramento constante, safra após safra, gerando assim, uma semente ou material genético adequado e adaptado as condições locais, com maior resistência fisiológica e fitossanitária.

Podemos afirmar que os agricultores/as guardiões de sementes crioulas, o fazem por uma opção e modo de vida, por qualidade na alimentação, por entender a sua função social e ambiental no planeta de forma consciente e cidadã. Na relação semente crioula-agricultor/a não predomina as relações em torno de lucro, a riqueza deste processo está, conforme conclui Meneguetti et all (2002, p. 17), “o sentido de autonomia e o controle do processo produtivo que as sementes crioulas representam para os agricultores. Eles detêm a genética, realizam As Sementes Crioulas apresentam uma ampla a experimentação, fazem a observação e a seleção, variabilidade genética, fruto dos intensos processos de repassam a experiência e os conhecimentos acumulados. adaptação e seleção massal (nesse caso, trata-se de Todo o processo está sob seu domínio”.

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SEMENTES CRIOULAS E JUVENTUDE DO CAMPO

Como forma de partilhar o conhecimento e as próprias sementes, inúmeros são os encontros de sementes crioulas que acontecem no Vale do Rio Pardo, a exemplo, por vários anos e com uma contribuição histórica ao tema, está a Comissão Pastoral da Terra da Diocese de Santa Cruz do Sul, que no presente ano irá realizar em julho o 17º Encontro de Sementes Crioulas em Santa Clara do Sul. Além deste, soma-se a EMATER/RS que possui vasto trabalho junto ao município de Ibarama, também realizando encontros anuais com ampla participação.

Além destes encontros, ocorreram algumas ações via uma chamada pública de Assistência Técnica e Extensão Rural em 2013 e 2014, intitulada SEMEANDO AS SEMENTES DO FUTURO: Assistência Técnica para Resgatar a Biodiversidade Agrícola e Florestal, Multiplicar Sementes Crioulas e Diversificar a Produção de Alimentos, que foi executada nas em diversas regiões do estado do Rio Grande do Sul, pelo Instituído Cultural Padre Josimo, via convênio com o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA.

FONTE: COMISSÃO ORGANIZADORA DOS EVENTOS.

As EFAs (EFASC e EFASOL) vem colaborando no fortalecimento desta luta, através da realização da semana dos alimentos orgânicos que está na sua quinta edição e da realização do Encontro Regional de Trocas de Sementes Crioulas e Mudas, que já está na sua segunda edição. Este ano ocorre no município de Vale do Sol, envolvendo a Prefeitura Municipal, as EFAs, o CAPA – Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia, a EMATER/RS – Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo – SDR/ RS, Sindicato dos Trabalhadores Agricultores Familiares de Santa Cruz do Sul, EMBRAPA Clima Temperado, a Articulação em Agroecologia no Vale do Rio Pardo – AAVRP e o APL/VRP – Arranjo Produtivo Local de Agroindústria e Produção de Alimentos da Agricultura Familiar.

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Nas famílias entrevistadas, o principal meio de troca de sementes, fundamental para perpetuar e ampliar a variabilidade genética deste material, acontece via a troca com outros agricultores, seja com pessoas antigas da comunidade ou propriedade, bem como entre família, que na caracterização da pesquisa são os parentes que moram em uma mesma comunidade ou não. O gráfico 5 nos ajuda a compreender as diferentes dinâmicas e formas que as famílias têm encontrado para realizar a troca de sementes e mudas. Estes encontros regionais, que acabam, por aglutinar diversos bancos de sementes comunitários e de organizações sociais, fortalece este processo de partilha de saberes populares, trocas e ampliar o potencial genético das sementes e da soberania da Agricultura Familiar. Caracterizando assim, conforme aponta Freire, “os saberes de experiência feitos” (1992, p.10).


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Figura 5 - Gráfico percentual da origem das sementes.

FONTE: LIMBERGER (2016).

Dois temas que merecem destaque, pelo nível de aparições no relato das famílias é a questão das fases da lua, tendo como lua prioritária a minguante. Já quanto a forma de conservação, a maioria dos agricultores/as segue a mesma prática ou forma, como relata Limberger (2016, p. 100): A forma de conservação das sementes/materiais crioulos acontece principalmente em garrafas pet ou embalagem plástica (26%). Sementes menores, principalmente de hortaliças, tomate ou brássicas são armazenadas na geladeira (10%). Muitos agricultores/ as (14%) falaram que o melhor local para armazenar as sementes é em local seco/arejado, ou seja, em grande maioria dentro do galpão ou outro espaço da propriedade. Alguns agricultores familiares usam a mata para colocar principalmente ramas de mandioca em meio a mata para

se conservarem durante o inverno, pois seu plantio é nos meses de setembro/outubro. Portanto, parece básico a compreensão de que as Sementes Crioulas têm, nesse caso, um potencial de envolvimento dos sujeitos do Campo, que trabalham com elas, justamente por aglutinar as gerações de agricultores/ as familiares, passando entre os netos que vão descobrindo os seus benefícios e a própria “arte” de reproduzi-las, em nome da autonomia produtiva que elas oferecem, até os avós, passando pelos pais, que relembram com as Sementes Crioulas, de um período em que faziam esses cultivos e de todos os resultados que tinham com esse trabalho. Gerando assim, uma aproximação intergeracional no seio familiar e comunitário onde esses estudantes estão inseridos.

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Considerações finais Esse trabalho tem por fim fazer um registro do trabalho desenvolvido pelas duas EFAs do Vale do Rio Pardo, EFASC e EFASOL com Sementes Crioulas. Trabalho esse que historicamente vem sendo feito por outras entidades e agricultores/as familiares da região, preocupados com a autonomia produtiva da Agricultura Familiar, que passa inexoravelmente pela semente crioula. Assim, entidades como as EFAs que trabalham na perspectiva da Educação do Campo, reforçam essa luta coletiva e histórica na região, sendo de extrema importância, justamente porque trabalham com filhos/as desses agricultores/as. As Sementes Crioulas necessitam estar na agenda prioritária de quem vem buscando construir a Agroecologia, justamente pelo protagonismo que elas têm no Campo agroecológico, em relação a Autonomia dos/as agricultores, garantindo assim, a possibilidade da reprodução sistemática e do melhoramento genético dessas sementes. Além do papel social que as Sementes Crioulas

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cumprem, a partir do momento em que os jovens passam a trocá-las entre si, com seus vizinhos na comunidade, em feiras da Agricultura Familiar ou de Sementes Crioulas, permitindo e contribuindo frontalmente para a difusão dessas sementes, com certeza fortalecem a Agricultura Familiar. Que outros projetos como o “Juventudes do Campo”, possibilitem que as Sementes Crioulas ocupem um espaço de protagonismo junto a Agricultura Familiar, juntando assim diferentes entidades e pessoas, que compreendam que a Agroecologia depende muito das Sementes Crioulas e que estas ganhem cada vez mais espaço entre os/ as Agricultores/as Familiares, para fortalecer assim a sua produção e convicção de que precisamos construir uma outra agricultura, baseada nos saberes das gentes do Campo e que respeite e promova a vida, produzindo alimentos saudáveis.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMO, H. W. Cenas juvenis; punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scrtitta, 1994. AGUIAR, Micheli. Em uma década, RS reduz em um quarto as matrículas na rede estadual. Zero Hora, Porto Alegre, 25 jul. 2014. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/07/em-uma-decada-rs-reduz-em-um-quarto-as-matriculas-na-rede-estadual-4559162.html>. CACIAN, Natália. Brasil fecha, em média, oito escolas por dia na região rural. Folha de São Paulo, 03 de março de 2014. Disponível em http:// www1.folha.uol.com.br/educacao/2014/03/1420332-pais-fecha-oito-escolas-por-dia-na-zona-rural.shtml CARNEIRO, M. J. Ruralidade: novas identidades em construção. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, n. 11, p. 53-75, out.1998. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1992. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo agropecuário de 2006. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/ visualizacao/periodicos/50/agro_2006_agricultura_familiar.pdf ______. Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro, 2010. LIMBERGER, Diego H. Vivências na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul: Pedagogia da Alternância, Agroecologia e os Saberes em Torno das Sementes Crioulas. Santa Cruz do Sul: UERGS, 2016. Relatório de Estágio Curricular Supervisionado do Curso Superior de Tecnologia em Horticultura, Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – Unidade Santa Cruz, 2016. MENEGUETTI, G. A.; GIRARDI, J. L.; REGINATTO, J. C. Milho crioulo: tecnologia viável e sustentável. Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, v. 3, n. 1, p. 12-17, 2002. PELWING, Andréia Becker; FRANK, Lúcia Brandão; BARROS, Ingrid I. Sementes crioulas: o estado da arte no Rio Grande do Sul. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 46, n. 2, p. 391-420, 2008. VEIGA, J. E. Cidades Imaginárias. O Brasil é menos urbano do que se calcula. 2. Ed. Campinas: Autores Associados, 2002. 304p. WEISHEIMER, N. Os Jovens Agricultores e seus projetos profissionais: Um estudo de caso no bairro de Escadinhas, Feliz (RS). Porto Alegre: UFRGS, 2004. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004.

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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

FOTOS DAS ATIVIDADES DO PROJETO JUVENTUDES DO CAMPO NA EFASC 48

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RELATO DE EXPERIÊNCIAS

SEMENTES CRIOULAS: sabedoria popular, resistência e luta! MILENA PADILHA¹

Ao longo de nossa formação na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul e da participação do Projeto Juventudes do Campo, discutimos por muitos momentos a agroecologia, o que nos proporcionou o contato com a mesma, adquirir conhecimento através da teoria, mas também com contato direto com agricultores familiares já envolvidos com esta forma de fazer a agricultura, e então trazer para a propriedade, pensando-a aqui neste espaço, levando em consideração todas as relações envolvidas, bem como o fortalecimento dos laços com entidades parceiras, que vem contribuindo neste processo.

Figura 1- Pai, mãe e meu irmão mais novo, segurando três das cultivares que temos, sendo Capixaba, Uirapuru e Vagem Roxa.

A partir de entender a agroecologia, que vem como filosofia de vida, por não se limitar somente as relações com a terra, animais, produção e comercialização, mas FONTE: REGISTRO FOTOGRÁFICO DA AUTORA. também entendendo o papel da mulher neste processo, a luta pelo direito de vez e voz, que legitima a mesma e Como observado acima, minha família tem uma contribui no processo de igualdade e reflete nas relações de cumplicidade hoje existentes em nossa propriedade, relação muito próxima, de muito apresso pela cultura que me faz ter contato direto com a agricultura e estar do feijão, por ela ter uma historicidade muito forte na muito presente no que a família vem fazendo e pensando. comunidade onde moramos, e por meus avós terem realizado muito o cultivo e comercialização da mesma. Assim tornando todos nós, eu, meu pai Paulo Sergio Pensando nisso, iniciamos o plantio na propriedade, com Padilha, minha mãe Vera Salete Dias Padilha e meus o resgate de algumas variedades que eram cultivadas irmãos Guilherme Padilha e Gustavo Padilha, sujeitos aqui, conseguimos estabelecer o cultivo orgânico e então desta história enquanto agroecologia, que vem sendo realizar a comercialização, hoje adquirimos 05 variedades. construída ao longo dos últimos 05 anos na propriedade. Uma destas variedade de feijão, é o olho de pomba, que Ao longo destes anos, estamos pensando num tem grande significado para nós, por ser uma variedade redesenho da propriedade, tivemos maior contato com que meus avós maternos cultivam há muitos anos, as sementes crioulas, adquirindo muitas variedades e então podemos ter acesso à mesma e estar mantendo, multiplicando-as, sendo elas: o milho Catarina, o girassol tendo-a como uma relíquia, e que vem sendo cultivada miúdo, a cana de bugre, o arroz amarelinho, o feijão em nossa propriedade há 04 anos, com um plantio anual vagem roxa, capixaba, uirapuru e olho de pomba. de em torno de 08 a 10 quilos de semente, obtendo uma produtividade média de 30 quilos por um kg de plantio. Figura 2 – Eu e meus avós, Romildo José Dias e Maria Helena Dias com a semente do feijão olho de pomba e banana, variedades que eles mantem na propriedade e compartilharam conosco.

Figura 3 – Semente de feijão olho de pomba, em processo de secagem.

FONTE: REGISTRO FOTOGRÁFICO DA AUTORA.

FONTE: REGISTRO FOTOGRÁFICO DA AUTORA.

¹Estudante do terceiro ano da EFASC e participante do Projeto Juventudes do Campo. Revista Sementes Crioulas 2017 - AGEFA

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RELATO DE EXPERIÊNCIAS

Outro cultivar é o feijão vagem roxa, resgatamos por ter uma forte historicidade na comunidade. Meu pai no ano de 1994 debulhava feijão para os agricultores de nossa região e está era uma semente muito conhecida, que tinha muito apresso por todos, mas que ao longo dos anos foi sendo perdida, pela grande expansão da cultura do tabaco. Nós tivemos acesso a 10 quilos da mesma, através do Centro de Apoio e Promoção de Agroecologia - CAPA, de Santa Cruz do Sul, deste obtivemos uma produção de 150 quilos, que foram destinados, principalmente, ao plantio da nova safra e para as trocas com os agricultores interessados. Figura 4 – Área de plantio do feijão vagem roxa.

FONTE: REGISTRO FOTOGRÁFICO DA AUTORA.

O feijão capixaba vem sendo cultivado na propriedade há 03 anos, tivemos acesso a semente através de um agricultor da comunidade que cultiva há muitos anos está variedade e que nos forneceu 15 quilos de sementes e hoje obtemos uma produção de 400 quilos. Figura 5 - Área de plantio do feijão capixaba.

FONTE: REGISTRO FOTOGRÁFICO DA AUTORA

O feijão uirapuru existe deste 2012 na nossa propriedade, adquirimos 5 quilos da semente e estamos ao longo destes anos fazendo o processo de preservação e multiplicação na propriedade, pois é um cultivar muito importante e que vem enriquecendo o nosso processo de resgate e multiplicação de sementes crioulas.

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Figura 6 – Área de plantio do feijão uirapuru

FONTE: REGISTRO FOTOGRÁFICO DA AUTORA

A produção é totalmente orgânica, com a utilização da mão de obra familiar. Anualmente realizamos o plantio do feijão na lua nova do mês de novembro, isto é realizado por já se ter um costume e ter maior probabilidade de uma boa safra, como os avós citam e tem certa confiança no plantio nesta época, utilizamos a inoculação, como forma de fixação biológica de nitrogênio para que a planta tenha um bom desenvolvimento. Temos domínio no desenvolvimento da produção e beneficiamento desta atividade, por possuirmos grande parte dos equipamentos necessários, sejam eles para plantio, debulha ou secagem, com trator, batedeira e secador de grãos, para o armazenamento utilizamos a técnica de inibir o desenvolvimento do caruncho nos tambores de 200 litros, com a utilização de uma vela, que é acesa dentro do galão antes de vedá-lo, assim queimando todo o oxigênio existente e impedindo o desenvolvimento do caruncho. A comercialização da produção é realizada, principalmente, na Cooperativa Regional de Agricultores Familiares Ecologistas (ECOVALE), de Santa Cruz do Sul e na comunidade onde nos inserimos, de Linha Carvalho, interior do município de Sinimbu. Com base em todo este envolvimento da família com a produção de feijão orgânico, que cultivamos há 05 anos, fundamos em parceria com o CAPA, no ano de 2016, um grupo de produtores de feijão na comunidade, nomeado como Serrano, que vem se fortalecendo dentro da mesma, onde minha família foi à matriarca, pelo que acreditamos e pelo engajamento com a produção de alimentos, fortemente ligado à cultura do feijão. Este grupo surgiu como forma de construir coletivamente uma alternativa de diversificação de renda e disseminar a importância de um alimento limpo, bem como a preservação das sementes, para que tenhamos autonomia do processo de produção, com um alimento saudável e de qualidade.


RELATO DE EXPERIÊNCIAS

Figura 7 – Imagem da reunião do grupo Serrano de produtores de feijão, mostrando como se faz o processo de armazenamento que utilizamos na propriedade.

FONTE: REGISTRO FOTOGRÁFICO DA AUTORA

A constituição deste grupo representa grande alegria para a família, pela parceria e pelo movimento que vem sendo realizado dentro da comunidade, também pela oportunidade de partilha da agroecologia, compromisso que temos com a produção de um alimento limpo e disseminação das sementes crioulas, pois estamos trocando uns com os outros as cultivares que adquirimos. Enquanto família, temos isso como um princípio da agricultura familiar, garantir a preservação, acreditamos que uma das coisas mais ricas que temos é esta possibilidade de trocas, a grande diversidade e partilha, o pertencimento a mesma. Além destas serem cultivadas agroecologicamente, sendo um alimento limpo, coisa que não é comumente encontrada em minha região, nos proporciona grandes diálogos e que se tornam riquezas, por sermos preservadores de uma história e podermos estar participando diretamente de um movimento, que vem sendo feito na comunidade, ligado a isso e também pela resistência que representamos hoje, frente a agricultura

posta para muitos dos agricultores. Estas sementes representam a vida, a agricultura familiar de fato, pois faz parte dela, dessa simplicidade, rusticidade, capacidade de adaptação, oportunidade de grandes trocas, que evidencia o papel e a postura real da nossa família frente à agricultura, comprometidos com a preservação e multiplicação destas e produção de alimentos. Cuidar destas sementes significa cuidar da terra, preservar a saúde e cultivar o futuro que queremos, estas oportunidades temos que abraçar, com maior participação da juventude, das mulheres, comprometidas com a vida, com a produção de alimentos, preservação das sementes, garantindo sua existência, pensando numa agricultura diferenciada, onde todos temos espaço e conhecimento a ser partilhado.

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RELATO DE EXPERIÊNCIAS

Atividades e experiências da Família Scherer no cultivo de Sementes Crioulas DIEGO GUSTAVO SCHERER¹

A propriedade da família Scherer situa-se na entrada Lin No presente relato enfatizaremos a resolução de Tabela 01 - Lista das sementes crioulas contempladas: um relatório referente ás sementes crioulas adquiridas/ contempladas do banco de sementes da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul, reverenciando o resgate do saber popular e propriamente das sementes cultivadas por nossos ancestrais e perdidas ao longo do tempo com a explosão tecnológica e a revolução verde, e na atualidade, os jovens tendo o papel fundamental de guardiões e de percussores da multiplicação e a disseminação destas FONTE: ELABORADO PELO AUTOR sementes, resgatando a cultura popular dentro do contexto as trocas, partilhas, mutirões e nesse sentido aplicando sócio familiar e comunitário. esses conhecimentos na propriedade. Nesse contexto e propósito, em seguida a tabela dos A partir de minha realidade e vivência, irei descrever tipos de sementes crioulas contempladas por mim no um breve relato sobre a minha experiência com o cultivo processo de multiplicação e disseminação das mesmas das sementes crioulas na safra 2016/2017, sendo através do banco de sementes da EFASC: contemplado pelo banco de sementes da EFASC com o A propriedade da família Scherer situa-se na entrada milho Catarina, o milho colorado, feijão preto 60 dias, Linha Hamburgo, pertencendo á comunidade São Miguel abóbora, soja crioula e feijão carioca vermelho, todas Arcanjo de Linha General Osório, localizado no 3° distrito as culturas menos a soja foram cultivadas na área de Monte Alverne, do município de Santa Cruz do Sul/RS. experimental de 300 m² (horta) da propriedade e a soja A família é composta por quatro integrantes, meu pai cultivada no pomar do quintal orgânico que abrange uma Airton José Scherer, Minha Mãe Rosane Maria Scherer, área de 1500 m², sendo essas duas área destinados a eu Diego Gustavo Scherer e meu irmão Rafael Eduardo produção de alimentos saudáveis através do manejo Scherer, enfatizando que a família foi de fundamental orgânico, restringindo-se a aplicação de adubação importância a sua participação e apoio nesse processo, pois químico-sintético e agrotóxicos. a partir de minha iniciativa e o privilégio de poder retomar com mais intensidade a prática do cultivo de sementes crioulas. Apesar da propriedade manter e ter experiências em algumas culturas (feijão preto, feijão carioca, amendoim graúdo e miúdo, batatinha, batata-doce, abóbora de pescoço-cultivado há mais de 50 anos na propriedade, mandioca, cebolinha-família, alho miúdo entre outros) despertou o interesse do cultivo de sementes tradicionais, aquelas sementes que são cultivadas há muitos anos com variabilidade genética, servindo de alimento e também no processo de cruzamento de espécies após uma seleção Ambas as culturas tiveram uma boa adaptação as massal para adquirir variedades adaptadas e melhoradas relações ecogeográficas da região serrana, apresentando de acordo com a realidade. uma boa produtividade, apesar das chuvas acima da Além disso, a família foi sensibilizada da importância do média, em torno de 1334 mm nesse período de 06 cultivo dessas sementes crioulas, reverenciando o resgate meses de produção das sementes, apenas o feijão carioca da mesma e do saber popular do povo da comunidade vermelho acabou não germinando, a provável hipótese (experiências de vida) perante a agricultura promovendo ¹Estudante do terceiro ano da EFASC e participante do Projeto Juventudes do Campo.

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RELATO DE EXPERIÊNCIAS

é que o problema estava na semente (velha e/ou de má qualidade), já a soja crioula cultivada em uma área de 24 m² por questões climáticas (estresse hídrico com o excesso de chuvas) e o sufocamento das plantas espontâneas e posteriormente baixa luminosidade e circulação de oxigênio favoreceram ao não desenvolvimento das vagens. Algumas observações foram possíveis durante o cultivo, observou-se o espaçamento entre as variedades, deixando as variedades de milho mais isoladas entre uma e outra e o feijão como a polinização é mais fechada o cruzamento é muito pequeno e alguns metros (3 metros é o mínimo) de uma variedade a outra é o suficiente. Em relação aos rendimentos dos cultivares, com um punhado de sementes de cada variedade, o milho Catarina produziu 8 kg de sementes em 12 m², o milho colorado produziu 5 kg em 4 m², o feijão preto 60 dias produziu 0,5 kg em 4 m² e a abóbora rendeu 20 unidades com uma média de 4 kg cada, estimando-se uma produção de 80 kg, posteriormente a colheita se realizou a seleção massal, selecionando-se os grãos melhores, de qualidade para a nova safra. Em relação as fases da lua² e o cultivo das sementes crioulas, considero que estão atrelados diretamente, como dizem nossos ancestrais que realizavam experiências de acordo com as fases da lua. E no meu caso o milho Catarina, o milho colorado, o feijão preto 60 dias, o feijão carioca vermelho e a abóbora foram semeadas na fase de lua nova. Este período é um dos menos favoráveis ao plantio de milho, pois o mesmo fica muito alto, a maior concentração e circulação de seiva na planta e consequentemente o desenvolvimento é beneficiado, a colheita de hortaliças em geral neste período se conservam por mais tempo e são de melhor qualidade. A fase da lua nova na agricultura é indicada para tudo que floresce como morango, abóbora, melancia, entre outros e no período ascendente recomenda-se a cultura da soja cultivada na fase da lua crescente (é o período reconhecido pelo crescimento das plantas, pois a lua atrai a seiva das plantas para cima , sendo favorável o plantio de trepadeiras como o feijão vagem) e no período da lua minguante (a circulação da seiva se concentra na parte inferior da planta, fase boa para o plantio, pois o enraizamento das plantas é beneficiado. É o tempo de para realizar as podas, semear e transplantar). As culturas de verão foram semeadas no período de setembro a outubro, o intuito dessa experiência foi basear-se e observar o período de ciclo de cada produção e a interferência das fases da lua sobre a produção, relacionando o saber popular transmitido através do vínculo e das relações sociais mantidas na propriedade, comunidades, e na EFASC que proporciona o contato e experiência com uma diversidade de realidades da região

do Vale do Rio Pardo, com o saber teórico - científico. Concluo que minha experiência, foi um grande passo em prol da propriedade, cultivando a idéia da soberania alimentar e auto-suficiência perante a produção de alimentos para a subsistência da família/propriedade, o fato de resgatarmos, disseminarmos e preservarmos essas sementes crioulas reforça a idéia da juventude do campo e sua permanência na sucessão rural, bem como o direito de uma educação contextualizada voltada a realidade do jovem do campo, além da resistência dos agricultores que nesse âmbito são verdadeiros agricultores, tirando do vocabulário da sociedade a idéia de produtor, visto como um empregado de uma empresa que apenas pensa no produto final.

O agricultor pensa, observa, reflete, estuda, põem em prática, busca entender o meio agroecológico e as relações entre os elementos que constituem a realidade, sendo a profissão que se concretiza basicamente com a experiência de vida, além de ser uma ação que possui um fim e função social dentro do contexto da nossa realidade tanto familiar como da comunidade, o simples fato de darmos continuidade com a cultura e tradição repassada de geração em geração na família e perdidas com o tempo em função da explosão da revolução verde e em raros os casos preservadas com resistência, é uma grande satisfação poder cultivar essa idéia e propósito de produzir alimentos saudáveis de garantia de procedência, promovendo à autonomia da propriedade, compreendendo a complexidade e o potencial da mesma, demonstrando a diversidade que compõem a agricultura dentro da propriedade e sem dúvida a agricultura sendo uma coisa tão complexa, onde todas às práticas realizadas e que não se obteve sucesso, é uma forma de aprendizado, é a partir do erro que se constrói e se aprofunda o conhecimento e levando consigo lições para a vida, pois o agricultor concretiza a agricultura através do saber popular, aprendizado esse da escola da vida.

²Informações pertinentes ás fases da lua e o contexto praticado na agricultura são referenciados no calendário agrícola do CAPA (Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia), saber popular da família e o calendário agrícola da COOPERFUMOS (Cooperativa Mista dos Fumicultores do Brasil). Revista Sementes Crioulas 2017 - AGEFA

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RELATO DE EXPERIÊNCIAS

As sementes crioulas na propriedade

DANIEL ENOIR FRANTZ¹

Meu nome é Daniel Enoir Frantz e resido em Entrada São Martinho juntamente com a minha família, meu pai Eno, minha mãe Clarice e minha avó Veleda e eu estou estudando atualmente no terceiro ano de ensino médio e técnico na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul. Figura 1 – foto com os membros da família e as sementes crioulas por ela preservadas.

MANDIOCA E AIPIM: A família sempre está dois anos adiantado com o plantio de mandioca, essa semente está sendo cultivada faz 89 anos e é uma ótima alimentação para suínos, aves e gado. Essa semente é plantada 35 cm entre plantas e 65 cm entre linhas e o único trato cultural realizado é a roçada. Essa cultivar geralmente é plantada nos meses de setembro e outubro. Figura 2 – Cultivo de mandioca na propriedade.

FONTE: ACERVO DO AUTOR. FONTE: ACERVO DO AUTOR.

Semente crioula é uma semente que é reproduzida no mesmo local ou região por vários anos, sendo assim, ela se adapta as condições climáticas desse local. Pois se falamos em semente crioula falamos em vida saudável, em biodiversidade e é esse modelo de agricultura que a mãe terra quer ter. Semente crioula é um símbolo de resistência e de ressurreição, pois é só plantar a semente na terra que saberemos o que vamos comer. Essa é a minha compreensão sobre semente crioula.

TEOSINDO OU DENTE DE BURRO: Essa semente já está sendo cultivada há 84 anos na propriedade, sendo bastante utilizado para o trato dos animais. O espaçamento desse cultivar é de 25 cm entre plantas e 50 cm entre linhas, também e colocado o esterco compostado na lavoura antes de ser plantada. Seu processo de armazenagem é feito em sacos plásticos. Essa semente é bastante procurada pelos moradores da comunidade, pois é uma excelente alimentação para suínos e gado leiteiro e Abaixo descrevo um breve relato de cada cultivar gado de corte. Essa cultivar geralmente é plantada no mês plantado e desenvolvido na nossa propriedade. de setembro. Figura 3 – cultivo do teosinto ou dente de burro.

FEIJÃO PRETO: Essa semente já está sendo plantada em média de 80 a 85 anos na propriedade, pois são sementes que os meus bisavós paternos já cultivavam e venho passando de geração a geração e agora estão em minhas mãos e que com certeza darei continuidade a essa atividade. O feijão preto é um cultivar de grande produtividade em nossa propriedade, isso se não houver a interferência de intempéries climáticas, de 1 kg de semente a família consegue tirar tranquilamente 63 kg de feijão. Geralmente é plantada nos meses de outubro, novembro e dezembro, o espaçamento utilizado é de 30 cm entre plantas e 60 cm entre linhas. Os tratos culturais realizados são a capina e antes de ser plantado a lavoura é adubada com esterco compostado. Seu processo de armazenagem é feito em garrafa PET. ¹Estudante do terceiro ano da EFASC e participante do Projeto Juventudes do Campo.

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FONTE: ACERVO DO AUTOR.


RELATO DE EXPERIÊNCIAS

BATATA DOCE VERMELHA E BRANCA: Essa semente também é muito utilizada em nossas refeições, quase que diariamente, mas também é bastante utilizado na alimentação dos suínos, gado de corte e gado leiteiro. A batata doce é plantada 60 cm entre plantas e 70 cm entre linhas. A semente é cultivada há 80 anos em nossa propriedade. Essa cultivar geralmente é plantada nos meses de setembro e outubro. Figura 4 – cultivo de batata.

COUVE DE PORCO: Como o próprio nome já diz é uma planta muito utilizada na alimentação dos suínos que possuímos em nossa propriedade, mas também é utilizado na alimentação das aves. Essa semente é plantada 30 cm entre planta e 55cm entre linha, não é realizado nenhum trato cultural apenas é colocado esterco compostado antes de plantar a semente. E uma semente que já está sendo cultivada a 85 anos na propriedade. Essa cultivar geralmente é plantada no mês de setembro. Figura 6 – cultivo de couve de porco.

FONTE: ACERVO DO AUTOR.

SOJA PRETA: Essa semente é cultivada há 87 anos na propriedade, sendo utilizada para o trato dos animais, FONTE: ACERVO DO AUTOR. principalmente para os suínos. É plantada com 25 a 30 AVICA OU ERVILHACA: Essa semente está sendo cm entre plantas e 50 cm entre linhas. Essa semente é bastante procurada pelos moradores da comunidade, pois cultivada há 87 anos na propriedade, e além de ser uma é excelente para a alimentação dos suínos e coelhos. Essa excelente fonte de adubação verde, é uma excelente fonte de alimentação para os suínos, aves, gado leiteiro e gado cultivar geralmente é plantada no mês de setembro. de corte. A semente é semeada a lanço geralmente a FEIJÃO CARIOCA: Essa semente já está sendo semente é semeada nos meses de maio e junho. plantada em média de 80 a 85 anos na propriedade, pois BATATINHA DO ANO: Também é uma semente que são sementes que os meus bisavós paternos já cultivavam está em nossas refeições diárias, ela é plantada 30 cm e vem passando de geração em geração. entre plantas e 60 cm entre linhas. Os tratos culturais ABÓBORA: Não precisa cuidar com as fases da realizados são a capina e a aplicação de esterco lua e o espaçamento é de 4 metros entre plantas e 4 compostado. Essa semente está sendo cultivada há 76 metros entre linhas e hoje são plantados 45 m², e essas anos em nossa propriedade. Essa cultivar geralmente é sementes faz 94 anos que vem sendo cultivadas pelos plantada nos meses de junho e julho. meus bisavós. Essa cultivar geralmente é plantada nos PIPOCA BRANCA: Essa semente está sendo cultivada meses de setembro e outubro. há 63 anos em nossa propriedade, mas não é cultivada em CANA DE AÇUCAR: Vem sendo cultivada há 58 anos grande quantidade, apenas para o consumo da família. O na propriedade, porém é muita utilizada na alimentação plantio é feito com o espaçamento de 25 cm entre plantas dos animais. A parte área é utilizada na alimentação para e 50 cm entre linhas. Os tratos culturais realizados são o gado e o tronco (caule) é utilizado para alimentação dos a capina e aplicação de esterco compostado antes do suínos, o espaçamento é de 15 a 20 cm entre plantas e plantio. O plantio é realizado nos meses de setembro e de 30 a 35 cm entre linhas. Essa cultivar é plantada nos outubro. meses de agosto e setembro. FEIJÃO 60 DIAS E FEIJÃO VERMELHO: Essa semente Figura 5 – cultivo da cana de açúcar. Fonte: Acervo do autor. já está sendo plantada em média de 80 a 85 anos na propriedade, pois são sementes que os meus bisavós paternos já cultivavam. MILHO PLANALTO: Foi adquirido através dos quintais orgânicos que a Embrapa juntamente com a EFASC distribuíram para os alunos. Essa semente está sendo cultivada há 3 anos e o espaçamento é de 25 cm entre

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plantas e 50 cm entre linhas. Os tratos culturais realizados são a capina e aplicação de esterco compostado antes do plantio. O plantio é realizado nos meses de setembro e outubro. A produção é utilizada para o trato dos suínos, aves, gado de corte e gado leiteiro.

semente foi passando de geração em geração, juntamente com várias outras espécies de sementes crioulas. Para minha família este milho tem uma boa produtividade, se o clima ajudar ele produz uma planta de porte médio, sendo plantado com 45 a 50 cm de espaçamento entre plantas e de 80 a 90 cm podendo chegar até 1 metro de ARROZ SEQUEIRO: É um alimento que está todo dia espaçamento entre linhas. na nossa mesa, e está sendo cultivado há 3 anos na nossa propriedade, pois a forma de aquisição foi na EFASC com A minha família costuma debulhar e levar o milho para um outro estudante que é o Juliano Lawisch de Boa Vista um moinho que fica na minha comunidade, onde é feito a que fica a 7 km da nossa propriedade. O cultivo do arroz farinha de milho que é muito utilizado por minha família já era feita a anos atrás pelos meus pais e avós, mas para fazer o tradicional pão de milho que cada dia está deixou de ser cultivada por causa da cultura de tabaco, no café da manhã de nossa casa e é muito saudável, pois e agora eu fico feliz em ter essa semente de novo. Pelo pelo menos a minha família acha este pão melhor do que relato da família esse arroz é muito melhor que o outro os outros. que era comprado. O relato dos pais é que este milho branco, por causa O plantio é feito com 25 a 30 cm entre plantas e 60 cm da cor que os grãos apresentam, é farináceo pelo motivo entre linhas e os tratos culturais realizados são a capina de poder fazer farinha com ele, pois ele tem muita e o esterco compostado antes de plantar. E geralmente é importância na nossa culinária, pois além do pão ele pode plantado no mês de setembro. ser utilizado para fazer várias outras coisas também. O milho pode ser plantado nos meses de setembro, outubro, MILHO CRIOULO BRANCO FARINÁCEO: Esta semente novembro e até a metade de dezembro, além disso tem crioula de milho branco farináceo já está sendo cultivada uma boa aceitação no mercado, pois várias pessoas da em minha propriedade há mais de 89 anos. Aonde a comunidade vem comprar esse milho lá em casa. Figura 7 – Nesta foto três gerações da família: a Avó Veleda segurando as sementes de couve de porco, o Pai Eno com as sementes de teosinto ou dente de burro, a mãe Clarice com as sementes de feijão preto e eu, Daniel Enoir Frantz com as sementes do milho branco farináceo.

FONTE: ACERVO DO AUTOR. 56

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O Intercâmbio Pedagógico Nacional e a troca de sementes crioulas: cultura e história de sul a norte do Brasil ADAIR POZZEBON¹ CRISTINA LUIZA BENCKE VERGUTZ² HELOÍSA CAMELLO³ RÉGIS DATTEIN SOLANO4

Conforme previsto no Projeto Juventudes do Campo, a equipe pedagógica da AGEFA organizou o Intercâmbio Pedagógico Nacional realizando um grande processo nacional de trocas de experiências, vivências e aprendizados com experiências consagradas em âmbito nacional relacionadas a Educação do Campo, organização da juventude da Agricultura Familiar e Agroecologia.

Associações das Escolas Família Agrícolas do Maranhão);

Participaram do intercâmbio 28 pessoas, entre Educadores/Monitores de EFAs, jovens egressos de EFAs, agricultores familiares, todos maiores de idade, das regiões de abrangência do projeto. Metodologicamente, o grupo de 28 pessoas foi dividido em 07 subgrupos de 04 pessoas cada, que foram visitar, cada um, uma experiência diferente, de acordo com um planejamento elaborado pela Equipe Pedagógica da AGEFA. O período de realização do intercâmbio foi de 02 a 19 de setembro de 2016, respeitando a disponibilidade das entidades anfitriãs em cada estado.

• EFAs do sul do ES via o MEPES - Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo – PIÚMA-ES (Origem da Pedagogia da Alternância no Brasil);

Os grupos de intercambistas foram recebidos/acolhidos por entidades anfitriãs, que são elas: • EFAs de MG via a AMEFA (Associação Mineira das Escolas Famílias Agrícolas); • O SERTA – Serviço de Tecnologia Alternativa – Glória do Goitá/PE. •

EFAs do Maranhão via a UAEFAMA (União das

• EFAs de Rondônia via a AEFARO (Associação das Escolas Família Agrícola de Rondônia); • EFAs do norte do ES via a RACEFFAES (Regional das Associações dos Centros Familiares de Formação em Alternância do Espírito Santo);

• EFAs no Semiárido Bahiano via a REFAISA - Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido de Feira de Santana na Bahia. Um dos grupos (Figura 1) viajou para conhecer as experiências de educação do campo desenvolvido pelas EFAs do estado de Rondônia, tendo a AEFARO (Associação das Escolas Família Agrícola de Rondônia) como entidade anfitriã, através do seu Secretário Executivo Revelino Freitas, inclusive egresso de uma das EFAs do estado, que acompanhou o grupo composto por Adair Pozzebon (EFASC), Cristina Luisa Bencke Vergutz (EFASC), Régis Dattein Solano (EFASOL) e Heloísa Camello (EFASERRA) em visita às EFAs filiadas à regional, viajando quase 1.500 km pelas terras Rondonienses conhecendo experiências únicas e simbólicas no que tange a educação do campo no estado.

Figura 1 - Fotos dos intercambistas, da esquerda para a direita: Revelino (anfitrião), Régis, Heloisa, Cristina e Adair

FONTE: ACERVO DE FOTOS DA VIAGEM DE ADAIR POZZEBON ¹Secretário Executivo da AGEFA ²Coordenadora Pedagógica da EFASC ³Eng. Agrônoma e Monitora da área agrícola da EFASERRA 4Monitor e Coordenação da EFASOL

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No terceiro dia de viagem conhecemos a Escola Família Agrícola Vale do Paraíso, situada na Linha 200, lote 04, Km 14, gleba 26, município de Vale do Paraíso/ RO. Conforme publicado no blog da escola, a origem da EFA surge da preocupação e necessidade vislumbrada pelas lideranças religiosas, de entidades, associações e das famílias de jovens que, ao concluírem os estudos do ensino primário, não dispunham de outras possibilidades de dar continuidade aos estudos no local onde viviam, como descreve o relato no blog: A ideia de implantação da EFA surge por volta de 1986. Lideranças ligadas à Igreja Católica e motivadas pelo emergente levante da Teologia da Libertação, se deslocaram para conhecer os projetos de Escolas EFAS já desenvolvidos em outras regiões do país (Espírito Santo e Bahia). A partir de 1988 começaram os trabalhos de base nas comunidades. Vale aqui ressaltar, em nome de todos os fundadores, Sr. João Réboli (organizador, construtor e doador do terreno para implantação da Escola) e em Memória Eterna, o Padre José Simionato (Italiano que abraçou o Projeto EFA em Rondônia). (...) Em 1989 começa a construção dos prédios e seu funcionamento se dá então no ano 1990 com uma turma de 5ª série regular e outra de supletivo. Em 1992 acontece à primeira “formatura” dos jovens do supletivo, sinônimo de orgulho para os idealizadores¹ .

Ao chegarmos na escola, fomos recebidos pelo Educador José Reinaldo dos Santos (Naldo) que nos disse de pronto, que um dos fundadores da escola estava ansioso para nos conhecer, pois tinha um pedido a fazer. Conhecemos logo depois, o Seu João Réboli, agricultor familiar, oriundo de terras capixabas que chegou em Rondônia na década de 1970, hoje aposentado, com 81 anos de idade. Seu João é uma pessoa muito estimada por todos, pois no final da década de 80 doou uma área de terra com quase 7,2 hectares e ajudou na organização, mobilização e construção dos prédios que iriam abrigar a EFA Vale do Paraíso. ¹Informações extraídas do seguinte endereço eletrônico: http://educarefazervaler.com.br/a-escola/

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Figura 2 – Momento em que conhecemos o Sr. João Réboli, junto com o Monitor Naldo Santos e o Sec. Executivo da AEFARO Revelino Freitas.

Figura 2 – Momento em que conhecemos o Sr. João Réboli, junto com o Monitor Naldo Santos e o Sec. Executivo da AEFARO Revelino Freitas.

FONTE: ACERVO DE FOTOS DA VIAGEM DE HELOISA CAMELLO

A EFA Vale do Paraíso começou as atividades formativas no ano de 1990 e continua até hoje formando as crianças do campo nas séries finais do Ensino Fundamental. Atualmente possui 120 estudantes do 6º ano 9º ano, sendo a única EFA do Estado de Rondônia a ofertar o ensino fundamental. Nesta escola, os estudantes cultivam olerícolas e frutíferas nativas de forma ecológica, criam aves e suínos para sua subsistência. A organização dos tempos e espaços educativos na Pedagogia da Alternância estruturam-se em sessões de 15 dias. A EFA Vale do Paraíso possui uma área considerável de terras, doada pelo Seu João há aproximadamente 30 anos atrás. A escola vem desenvolvendo uma série de atividades e/ou práticas agropecuárias de cunho pedagógico a partir da organização pedagógica da Pedagogia da Alternância, sendo desenvolvida na área agricultável da escola com a participação de seus e suas estudantes. Enfatiza-se a produção vegetal e animal, com o cultivo de hortaliças, frutas, plantas medicinais, experiências em ambiente protegido, uso de caldas alternativas e compostagem,


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sistemas agroflorestais, produção animal em sistema siscal, entre outras práticas agroecológicas de ensino com o objetivo de frisar a importância da produção de alimentos saudáveis e suas viabilidades ambientais, técnicas, econômicas e sociais. Tendo como fundamento a Pedagogia da Alternância essas atividades se apresentam como potencializadoras para que haja a repercussão pelos jovens em suas propriedades e comunidades durante as sessões familiares, sendo elas de 15 dias.

em sua propriedade. Este material foi enviado através dos Correios - Sedex, chegando nas mãos do seu João (Figura 5) e seguindo na construção de novas histórias e experiências, agora em terras Rondonienses. Figura 4 – Material enviado pelo correio para Rondônia.

Figura 3 – Vista do pátio e estrutura da EFA Vale do Paraíso

FONTE: BLOG EDUCAR É FAZER VALER.

Após uma recepção acolhedora por todos ali presentes, seu João nos relatou que ficou muito feliz por saber que recebiriam visita de alguns gaúchos na EFA, pois há um bom tempo está em busca de uma semente de milho branco que cultivava quando estava em terras capixabas e que, por descuido, acabou perdendo o cultivar entretanto sabia que no sul poderia encontrá-la. Dessa forma, nos fez o pedido encarecidamente, que se pudéssemos ter acesso a semente de milho branco maisena, que lhe enviasse pelo correio. De pronto, entramos em acordo e vendo sobre a importância disso, assumimos o compromisso de fazer a procura com as famílias envolvidas nas EFAs do RS e cumprir o prometido. Quando retornamos, começamos a pesquisar e conhecemos a história da família do jovem Daniel Frantz, que há 89 anos cultiva o milho branco farináceo em sua propriedade, sendo cultivado por 4 gerações e que, inclusive, engloba um relato desta revista. Descobrimos também que no Vale do Rio Pardo, o milho maisena procurado pelo seu João é chamado de milho branco farináceo. A família cultiva o milho, colhe, beneficia e leva até o moinho para fazer a farinha e esta, dá origem ao pão que a família consome todos os dias em sua propriedade. Conversamos com o jovem Daniel que escreveu uma carta endereçada ao Seu João relatando a história desse cultivar na propriedade, o que simboliza para a família, bem como as técnicas utilizadas de manejo e cultivo

FONTE: ACERVO FOTOGRÁFICO DA EFASC

Assim se apresentam as sementes crioulas, não como mercadorias que aparentam apenas um interesse comercial, mas um elemento vivo que carrega cultura, história, sentimentos e, talvez, expresse o quanto a relação do ser humano com a natureza precisa ser de coexistência e perdura durante o tempo, a exemplo da ligação do Seu João Réboli do norte do Brasil com a semente de milho branco farináceo do jovem Daniel Frantz do Sul, em uma distância que ultrapassa os 3.200 Km, que agora foi diminuída a partir dessa troca solidária e humana. Figura 5 – Sementes entregues pela EFA ao Seu João Réboli em Rondônia.

FONTE: FOTO DO EDUCADOR DA EFAVP ALTAIR NASCIMENTO.

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FOTOS DAS ATIVIDADES DO PROJETO JUVENTUDES DO CAMPO NA EFASOL 60

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A importância das Sementes Crioulas na Propriedade da Família Weiland RODRIGO LUIS WEILAND¹

A expectativa ao plantar e a felicidade ao colher, com certeza é o que move um agricultor, pois ele deposita todas suas energias e esforços sobre aquela pequena semente e que juntos trazem uma grande bagagem de conhecimentos e desafios. Foi isto que a partir do início dos meus estudos na Escola Família Agrícola de Vale do Sol – EFASOL, através dos conteúdos trabalhados em aula, visitas de estudos e conversas com meus familiares, vizinhos e inúmeros agricultores, consegui compreender ao menos um pouco desta conexão e me aproximar mais das sementes crioulas e começar a ver a importância das mesmas dentro da minha propriedade. Figura 1 – Fotos da família e de algumas variedades de sementes crioulas cultivadas e preservadas na propriedade.

As variedades de milho e feijão citadas anteriormente são oriundas de um trabalho de resgate e multiplicação que a família está fazendo, pois, a partir do momento que os pacotes tecnológicos começaram a se difundir no campo, muitas das variedades crioulas foram sendo perdidas aos poucos e substituídas por sementes híbridas e transgênicas. A reprodução destas sementes ainda é em pequenas escalas, pois iniciou-se com pouca quantidade de sementes, porém temos um grande cuidado ao plantá-las, observando a distância e a época de plantio de outras variedades. As técnicas utilizadas buscam também um menor impacto sobre ambiente, mantendo a fertilidade do solo e a preservação da fauna e flora, tendo assim, um alimento mais limpo para o consumo das pessoas e animais. Figura 2 – Lavoura de batata de ano (popularmente conhecida), plantada em local protegido e de forma agroecológica pela família todos os anos.

FONTE: ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA PREFEITURA DE VALE DO SOL.

As atividades desenvolvidas na UPF² tem a intenção de melhorar a produção e garantir produtos durante o ano todo e não somente em uma época do ano, tendo diversas variedades de alimentos possibilitando uma soberania alimentar da família. Dentro da propriedade são mantidas variedades e espécies que formam um pequeno banco de sementes tocado pela família, dentre elas feijão preto e carioca, milho amarelão, branco, roxo, preto e pipoca roxa, além da batata de ano e teosinto (dente-de-burro) que são preservadas por nossa família a mais de 50 anos.

As sementes crioulas são muito importantes, pois trazem em sua genética a valorização do saber popular e a preservação de técnicas e tecnologias dos agricultores familiares já esquecidas por muitos, que atualmente foram engolidas pelo sistema em que a agricultura moderna está inserida. Sabemos que esse trabalho é lento e não se concretiza do dia para a noite, ele é fruto de muito estudo, prática e principalmente observação de todo o ambiente que as cercam.

Figura 3 – Sementes mantidas na propriedade, no caso da batata, é mantida congelada para conservar. ¹Jovem participante das oficinas do Projeto Juventudes do Campo e hoje, egresso da EFASOL e Guardião de Sementes Crioulas, tem 19 anos e mora em Linha Trombudo – Vale do Sol/RS. Todas as fotos contidas no documento são do autor. ²Unidade de Produção Familiar Revista Sementes Crioulas 2017 - AGEFA

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Sementes são pequenas cápsulas, são patrimônios, são soberania, são comida, são VIDA! CHARLENE DE MELO KIRALY¹

As sementes crioulas são patrimônios a serviço da humanidade e estão presentes no cotidiano de muitos dos camponeses, onde o saber está alicerçado com um histórico de muitas gerações que cultivam e multiplicam esse saber. No entanto, com os constantes ataques ao campesinato e a inserção da agricultura moderna por meios tecnológicos muitos dos valores e da identidade carregada pelo camponês estão se perdendo e um deles é o cultivo e a troca de sementes crioulas.

Figura 1 – Colheita de milho crioulo na nossa propriedade.

Nessa lógica durante a formação na EFASOL percebi que por muitas vezes deixamos de lado o que está no seio da nossa família para valorizar o externo, esquecemos quem somos e de onde viemos. Nesse sentido, no último ano de formação optei por escrever meu Projeto Profissional do Jovem - PPJ com base nas sementes crioulas e com o intuito de aos poucos resgatar parte da cultura que fora se perdendo dentro do campesinato. Com isso, o tema do meu projeto profissional fala sobre MULTIPLICAÇÃO, RESGATE E CONSERVAÇÃO DE SEMENTES CRIOULAS, com finalidade de resgatar parte da cultura que estava se perdendo dentro do núcleo familiar, assim como repassar estes saberes para outras pessoas da comunidade e do município onde estava inserida. O foco que o meu PPJ teve foi essencialmente de fazer trocas de sementes crioulas produzidas em nossa propriedade com outros agricultores, buscando assim aumentar o número de guardiões de sementes crioulas, de forma que os mesmos pudessem continuar a repassar esta prática para outras pessoas e se possível para outras No momento me encontro realizada com a finalidade gerações, mostrando que uma das nossas maiores riquezas é a certeza de sermos soberanos na questão alimentar, do meu PPJ. Consegui resgatar e multiplicar cerca de 21 variedades de sementes crioulas que variam entre preservando o que nos foi deixado pela mãe terra. feijões, milhos e adubações verde. Hoje estas sementes A troca de sementes crioulas é uma prática que estão sendo produzidas e multiplicadas por famílias vem sendo desenvolvida há muitos anos. Os povos da comunidade onde morava com minha família. Por indígenas, aos quais tenho orgulho em ser descendente, motivos de cunho pessoal, hoje não estou mais morando desenvolviam estas atividades antes mesmo da chegada nesta comunidade, mas sempre que possível as famílias dos colonizadores europeus, então por isso a importância nos mandam amostras das sementes que conseguimos de resgatar a história e as variedades que estávamos multiplicar com o Projeto. Ressalvo a importância de perdendo e multiplicar as que ainda temos. A escolha mantermos vivos estes patrimônios, a caminhada se dá do tema do meu PPJ não se deu somente por todo seu a passos lentos, mas a história são os povos que fazem valor histórico, mas principalmente por sua importância e não importa a velocidade da caminhada, mas sim as social, pois sementes não são mercadorias, são culturas marcas que elas deixam pelo chão. e saberes que devem ser perpetuadas, multiplicadas e valorizadas. ¹ Jovem participante das oficinas do Projeto Juventudes do Campo e hoje, egressa da EFASOL e Guardiã de Sementes Crioulas, tem 18 anos e é oriunda da Comunidade de Pedregal – Tunas/RS. ² O PPJ é um instrumento pedagógico das EFAs no qual o estudante durante o curso técnico desenvolve um projeto profissional em sua comunidade de origem com base nos diagnósticos que realiza durante as alternâncias entre os períodos na Escola e os períodos junto à sua comunidade/família.

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Sementes Crioulas: da terra à mesa unindo as sementes e as gerações GABRIEL SCHERNER ZANOTTO¹

Meu nome é Gabriel Scherner Zanotto, tenho 20 anos meus avós herdaram de seus pais e até hoje fazemos a de idade, resido com minha irmã mais nova, meus pais, reprodução destas sementes. avós e minha tia no município de Ipê, em uma propriedade Os produtos oriundos dessas sementes crioulas são de 25 hectares, onde adotamos a Agroecologia desde o ano comercializados todos os sábados na feira ecológica em 2000. Já faz 17 anos que nos dedicamos a essa atividade, Porto Alegre (Figura 2). temos a consciência de como é importante produzir um alimento limpo e saudável para os consumidores e também Figura 2: Banca de comercialização na Feira Ecológica, em Porto para nos produtores. A agroecologia engloba diversas Alegre. técnicas e cadeias produtivas, de modo consciente e buscando a preservação, com isso conseguimos produzir alimento de qualidade em harmonia com a natureza. Figura 1 Produção de tomate orgânico.

Fizemos uma experiência na EFASERRA com ervilha, onde disponibilizei algumas sementes de nosso banco para realizar essa experiência. Essa ervilha tem características distintas, como pé alto, trepador, boa floração, bom pegamento de vagem, bom enchimento de grão, é uma ervilha muito produtiva e tem um alto potencial germinativo, de cerca de 90% (Figura 3).

A agroecologia nos proporciona um trabalho de preservação das sementes crioulas, nesse trabalho somos guardiões, e devemos reproduzir e propagar esse material genético para que cada vez mais agricultores possam ser guardiões destas sementes. Em nossa propriedade trabalhamos com diversas variedades de sementes crioulas que variam desde hortaliças (Figura 1) até grãos, porém a produção mais significante de sementes é de grãos como milho, ervilha e feijões. Essas sementes são oriundas de gerações passadas,

É muito importante preservar e resgatar esses materiais genéticos, pois os mesmos são a identidade do agricultor. Trabalhar com sementes crioulas, sendo guardião é uma grande responsabilidade, pois cabe a nós preservar esse patrimônio tão importante para a agricultura. Hoje temos na agricultura as sementes transgênicas e os pacotes tecnológicos, com isso as grandes empresas tornam os agricultores reféns deste sistema. Cabe a nós reverter esse processo e cada vez mais trabalhar com sementes crioulas. Figura 3 Plantas de ervilha oriundas de sementes crioulas da família

¹Jovem participante das oficinas do Projeto Juventudes do Campo em Caxias do Sul na EFASERRA e guardião de sementes crioulas. Reside na Comunidade Nossa Senhora de Lourdes em Ipê/RS. Todas as fotos contidas no documento são do autor Revista Sementes Crioulas 2017 - AGEFA

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O resgate da diversidade como renovação VICTOR MOTTER UEZ¹

Me chamo Victor Motter Uez, tenho 16 anos e moro em Caxias do Sul com minha família, na Comunidade Caravaggio da 3ª Légua. Vivemos em uma propriedade que possui mais de 130 anos de história. A propriedade de imigrantes italianos teve no seu início muita diversificação, já que os colonos obtinham quase todo seu alimento da propriedade, comprando só alguns itens que não produziam.

Figura 1 – Minha família, eu, minha irmã Milena Elen Motter Uez, meu pai Vilmar Luis Uez e minha mãe Simone Motter Uez todos unidos em prol das sementes crioulas.

Todas essas variedades foram perdidas ao longo dos anos e a família ficou mais dependente das empresas e mercados. Após, investiu-se na produção de uvas em sistema convencional, atualmente atingindo mais de 6 hectares de parreirais. A produção comercializada atualmente é de uva das variedades Niágara Branca e Rosa, Isabel Precoce e Bordô. Também comercializa-se os citros, milho e vagem. Quando entrei na Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha observei que minha propriedade tinha perdido a vasta quantidade de alimento e produção de subsistência. Com pesquisa e apoio da família decidimos resgatar algumas variedades batata-inglesa, aipim, cana-de-açúcar, abóbora, girassol sendo elas de milho, arroz, alho, cebola, batata doce, e por curiosidade plantamos também batata cará-moela e yacon, inhame, gengibre, açafrão e outras variedades. Algumas destas foram encontradas com familiares e com a comunidade que ainda as cultivam. Com o consumo destas, a família se deparou com uma qualidade muito maior dos alimentos (de sabor e nutrientes) com a produção de farinha de milho branco e o arroz. Pudemos ter o conhecimento da origem deste alimento, acesso a soberania alimentar e independência das grandes empresas que produzem as sementes, os fertilizantes e os agrotóxicos. As sementes e as variedades crioulas trazem a soberania sobre uma parte do alimento, tendo grande importância na família. Para o futuro, pretendemos cultivar mais variedades crioulas e assim ter maior quantidade e qualidade de alimento, reduzindo a dependência da compra.

¹Jovem estudante da EFASERRA e participou das oficinas do Projeto Juventudes do Campo em Caxias do Sul e guardião de sementes crioulas. Reside na Comunidade Caravaggio da 3ª Légua em Caxias do Sul/RS.

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FOTO: CÍNTIA BARENHO

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