EDITORIAL Orientação José Roberto Severino Editora-chefe Iamany Santos Repórteres Christina Mariani Clara Pita Clara Vitória Souza Daniel Farias Fabiana Passos Iamany Santos Luísa Ximendes Maria Eduarda Piazza Paula Eduarda Araujo Pedro Beno Cordeiro Diagramação Luísa Ximendes Imagem da Capa Bianca Dória
Acreditamos que esse novo número da JaÉ, Passos Afora, nos traz uma discussão sobre um tema atual, relevante e fundamental para pensar o papel da UFBA a partir da rede NAMIR (Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados) coordenada pela professora Mariângela Nascimento, assim como a Rupem – Rede Universitária de Pesquisa e Estudos Migratórios - no acolhimento, acompanhamento e cobrança das políticas públicas para a mobilidade internacional. O que temos observado recentemente é uma crescente xenofobia, um crescente medo do imigrante, deste outro que se mobiliza. Mas se acionarmos o conceito de “cosmopolitismo” - um conceito fundamental que o professor Appiah, professor Francis Wolf, e lá no passado, Kant, nos trouxeram – a ideia de um ser humano capaz de circular pelo mundo, ganha potência de ser uma mobilidade na contramão da globalização, ambiente onde apenas as mercadorias circulam. Nesse sentido, a revista é uma contribuição para as reflexões dessa migração contemporânea na Bahia, de experiências variadas em relação a essa mobilidade que inclui as pessoas nas dinâmicas locais de educação, saúde e de acolhimento que os municípios são capazes de fazer. Ao mesmo tempo nos remete para o futuro, quando essas pessoas irão culturalmente se integrar num país como o Brasil, feito da imigração, forjado na mobilidade territorial e, portanto, capaz de dar respostas importantes para essa característica cada vez mais contemporânea que é a mobilidade. A revista JaÉ, a Agência Experimental – através da presença dos agenciadores que produziram essa edição - e a Faculdade de Comunicação se sentem orgulhosas de participar dessas questões do tempo presente, tão importantes para apontarmos para um devir, para um futuro dessa própria inter-relação, essa interculturalidade promovida pelos encontros. Boa leitura. José Roberto Severino, tutor da Agência Experimental
SUMÁRIO
Raiz
Comunidade
04 Culturas atravessadas
18 União de organizações sociais em Feira de Santana promove convívio e luta por direitos de refugiados
Páginas verdes 10 Camila Sombra, representante do Acnur: “Legislação brasileira é referência em direitos dos refugiados, mas, na prática, há desafios”
Perfil 16 No meio do caminho tinha uma pedra
Eixo 23 Ufba constrói pontes entre sociedade e população migrante
RAIZ
CULTURAS ATRAVESSADAS Como migrantes e refugiados tentam manter e criar raízes na Bahia. Christina Mariani e Iamany Santos O contexto de crise socioeconômica vivenciado por países do Sul Global - desde o início do século e intensificado a partir de 2007 - e os novos arranjos geopolíticos oriundos da organização de um mundo globalizado alteraram as dinâmicas das migrações internacionais, complexificando os fluxos migratórios entre países sul-sul. No Brasil, por exemplo, o aumento foi expressivo nos últimos 10 anos. Segundo dados do Relatório Anual (2020) do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), de 2011 a 2019 o Brasil recebeu mais de um milhão de imigrantes, considerando apenas os registros legais. Deste total, cerca de 660 mil são imigrantes de longo termo, isto é, que residem no país há mais de 1 ano e incorporam hábitos e historicidades específicas à sociedade brasileira.
Raiz A acolhida dos migrantes é fornecida por grupos humanitários e abrigos de refúgio, e compreender as pessoas que migram como sujeitos que trazem consigo aspectos e traços culturais bem marcados, é necessário nesse processo de recebimento e adaptação. No âmbito institucional, o órgão responsável pelo acolhimento dos migrantes na fronteira brasileira é o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Polícia Federal, exercendo a função de controle e regularização migratória. A base legal de atuação pressupõe um atendimento humanizado, fundamentado na tríade: Atendimento Inicial – Integração Laboral e Inclusão Social – e Monitoramento. O atendimento preliminar que os migrantes recebem interfere diretamente na maneira como eles se adaptarão ao novo território. A venezuelana licenciada em Educação, Adiba Sawalha, 48, conta que o tratamento recebido pela Polícia Federal ao chegar no Brasil, no início de 2020, foi muito importante para sua permanência, afinal o trabalho da instituição garantiu a regularização de suas documentações. “O acolhimento é muito bom. Através da Polícia Federal eu recebi meus documentos para poder tirar a carteira de trabalho e o cartão do SUS e estar legal no país”, afirma. Seu compatriota, Shair Solano, 33, compartilha de uma perspectiva semelhante. O ex-sargento do exército ve-
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nezuelano, que saiu do país devido à crise política e aos altos índices de desemprego, ressalta a gratuidade dos serviços oferecidos pelo órgão que regulamenta a entrada dos migrantes no Brasil.
Lá (na Venezuela) nós temos que pagar muito dinheiro. Aqui é diferente, você vai e tira sua documentação, as coisas são “de graça”, não temos que pagar
“Lá (na Venezuela) nós temos que pagar muito dinheiro. Aqui é diferente, você vai e tira sua documentação, as coisas são “de graça”, não temos que pagar”, relata. No entanto, experiências distintas são vivenciadas por demais migrantes. O estudante de Relações Internacionais e Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal da Bahia, Francisco Kiosa, 27, natural de Angola, pontua o caráter excessivamente burocrático das instituições brasileiras. Francisco reside
no Brasil há 4 anos, quando conseguiu uma bolsa de estudos da Universidade Federal da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB). O primeiro acolhimento e trâmites legais iniciais para sua regularização no país, foram realizados pela Universidade. “Por meio dessa recepção, eu fiquei um tempo na casa de um acolhedor”, conta. Para ter o seu Registro Nacional de Imigrante (RNM), o estudante diz que a universidade contava com tutores para orientar o processo. “Uma comissão marcava as datas, organizava a documentação e algumas papeladas para que nós pudéssemos apresentar tudo completo”, finaliza. Todavia, Francisco considerou o processo longo, o que, segundo ele, afeta o processo de adaptação. “O Brasil e as instituições brasileiras são muito burocráticas. E essa questão causa desgaste, e quando não são bem claras, apenas dificultam para quem acaba de chegar”, afirma. Esses não são os únicos percalços no caminho trilhado por migrantes e refugiados em solo brasileiro. A travessia significa uma mudança completa no estilo de vida dessas pessoas, e primeiro precisam desapegar de seus objetos pessoais e suas propriedades, além disso, muitos não podem viajar com seus familiares devido às dificuldades financeiras. “Não é fácil para uma pessoa ter que deixar todas as suas coisas, e
principalmente, a sua família. Você vem determinado, mas sente saudade porque você vem lembrando”, afirma Shair que precisou vir para o Brasil sozinho e caminhou 4 dias inteiros até chegar a Pacaraima, em Roraima.
CHOQUE DE CULTURAS
A dificuldade para falar português é uma das barreiras na socialização para migrantes e refugiados. Adiba mora no Brasil há dois anos e aponta a dificuldade com o idioma como o principal problema da sua rotina.
“Eu quase não me comunicava com as pessoas por conta do idioma. Agora que já estou melhor, posso me adaptar mais ao país”, afirma
Porém, mesmo para aqueles que falam português a língua apresenta desafios. As medidas continentais do Brasil levaram a variações nas formas de se expressar e algumas palavras sofrem alterações a depender da região. “Eu acreditava que sabia falar português perfeitamente, mas aqui algumas palavras vocês pronunciam diferen-
te de Manaus”, aponta Shair, que passou o primeiro ano no Amazonas. As diferenças vão se acumulando à medida que a convivência em solo brasileiro se estende, mas, através de suas práticas diárias, Shair tenta preservar seu estilo de vida. Mesmo com dificuldade de encontrar os produtos que consumiam na Venezuela, ele e sua família procuram manter sua alimentação de origem. “Quando paro para almoçar no trabalho todos falam como é diferente a minha comida. Nós temos uma dieta diferente da de vocês.”, pontua. As hallacas, a cachapa de queijo, e a arepa - elemento fundamental para o café da manhã venezuelano são exemplos de receitas que Shair e sua família mantém em sua alimentação rotineira na tentativa de matar a saudade e não perder seus costumes. Apesar de triste, a saudade também é uma forma de lembrar e manter a conexão com a Venezuela. A música dos cantores Chino e Nacho é uma alternativa de Shair para lembrar de casa. “Tenho muita saudade da música da Venezuela, das regiões de lá. Qualquer migrante vai falar a mesma coisa, que sente tristeza porque a pessoa com quem você se juntava na tarde, com quem compartilhava alimento e visitava não está mais ali”, conta. Para Adiba, o pingente de um colar dado pela filha é a forma de guardar a Venezuela. Mas, para
Hallacas
São uma massa feita de fubá com recheio de vários alimentos, que, segundo o modo de preparo, é embalada por folhas de bananeira durante o cozimento.
Cachapa
Espécie de panqueca feita com massa de milho verde integral, assada em uma chapa de ferro e recheada com queijo.
Arepa
Comida feita à base de farinha de milho pré-cozida ou de milho seco moído. A arepa também pode ser recheada. Pode ser café da manhã, almoço ou jantar.
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Raiz ambos, o apoio da família que conseguiram trazer consigo é a estrutura que sustenta seus corações.
essas pessoas da vida social da cidade.
DEBAIXO DO TAPETE
“Essas coisas foram acontecendo e nós preferimos nos abster de fazer certas atividades para que não entrássemos em conflitos. Isso nos oprime, de certa forma. O próprio negro brasileiro acaba por nos coagir”, afirma Francisco.
Apesar de conhecido como hospitaleiro e acolhedor, o povo brasileiro não estende sua simpatia a todos. O racismo estrutural e a xenofobia são marcas na relação entre brasileiros e migrantes e refugiados, traços que evidenciam cicatrizes deixadas pelo sistema colonial, formador da estrutura social que resiste até dias atuais. Francisco Kiosa, angolano, chegou primeiramente a São Paulo e logo percebeu que o racismo era uma questão latente na sociedade brasileira. Ao chegar na Bahia conseguiu se familiarizar com a cultura - que tem muitos aspectos em comum com a de seu país –, mas a situação não foi tão diferente da enfrentada no Sudeste. Os episódios de racismo sofridos por Francisco estão intimamente relacionados aos estereótipos construídos sobre pessoas vindas de países africanos. Mesmo Salvador - onde, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 82% das pessoas se autodeclaram negras - não está livre do racismo estrutural que é capaz de separar afrodescendentes brasileiros de negros africanos. Essa estrutura nega aos migrantes e refugiados o direito de ir e vir, de usufruir e frequentar espaços públicos, excluindo
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Entrelaçada a essa problemática, está a xenofobia que sustenta muitos abusos sofridos por essas pessoas e também limita direitos legais dos migrantes e refugiados em solo brasileiro. A dificuldade de encontrar emprego e ser adequadamente remunerado é uma consequência dessa postura xenofóbica. Shair, que inicialmente viveu no norte do país, conseguiu o primeiro emprego em um lava jato da cidade de Manaus e relata os abusos que sofreu. “O patrão me pagava 32 reais semanais. Eu não sabia quanto era o salário mínimo aqui e quando me falaram que aquela pessoa estava me explorando eu fiquei preocupado”, conta.
“Ele me humilhava muito, quando não chegavam carros para lavar ele me mandava limpar o teto, o chão. Me falava coisas humilhantes para um migrante que tinha acabado de chegar aqui”, complementa O fortalecimento de discursos xenofóbicos nos últimos anos, principalmente direcionados à Venezuela, contribui para a vulnerabilização de venezuelanos, o que, certamente, não resolve a crise migratória. O fluxo migratório tem aumentado no estado da Bahia e o despreparo das instituições públicas colabora com casos como esses. Tanto Francisco quanto Shair concordam que a população da Bahia não está preparada e não entende as possíveis consequências do aumento no número de migrantes, fato que pode justificar as dificuldades que passaram. “Eu estive em São Paulo e lá tem políticas públicas direcionadas para as questões migratórias e isso é muito bom porque a prefeitura tende a abrir espaço para essa questão e criar políticas específicas para que haja harmonia no meio em
que os migrantes estiverem inseridos, para que não se sintam excluídos, o que, de certa forma, faz com que sua liberdade e seu modo de viver sejam cerceados”, conta Francisco sobre sua experiência com órgãos públicos em São Paulo.
PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
Shair e Adiba - atualmente locados na cidade de Salvador - são dois dos mais de 500 mil venezuelanos que se tornaram imigrantes no Brasil, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). A escolha do país pode estar relacionada com questões familiares - como parentes que já residem aqui -, mas também se relaciona com um fator regulador, mais especificamente, com a mudança do marco legal. Em 2017, entrou em vigor a Lei de Migração (Lei nº 13.445/17) que substituiu o antigo Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980). O novo aparato normativo guia-se por uma perspectiva de direitos humanos, visando a garantia de direitos para os imigrantes que residem no Brasil e dos brasileiros residentes em outros países. Mais recentemente, foi aprovada no Senado a instalação da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados, com o intuito de fiscalizar e monitorar as questões referentes aos movimentos migratórios na fronteira e aos direitos dos refugiados.
A Comissão representa um importante passo para a instauração de políticas públicas mais inclusivas, visto que dos 5.570 municípios do país, apenas 215 oferecem algum tipo de serviço especializado no acolhimento e apoio à população migrante.
Na Bahia, grupos como o Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados (Namir), projeto extensionista da Universidade Federal da Bahia, oferece uma rede interdisciplinar que visa inserir os migrantes e refugiados na vida social e econômica, utilizando de mecanismos de cooperação, oferta de cursos de português, atendimento multilíngue, entre outros. Observa-se, portanto, um movimento de acolhimento e integração da população migrante ao país, e apesar da caminhada ser em passos lentos, iniciativas estão sendo tomadas.
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PÁGINAS VERDES
CAMILA SOMBRA, REPRESENTANTE DO ACNUR: “LEGISLAÇÃO BRASILEIRA É REFERÊNCIA EM DIREITOS DOS REFUGIADOS, MAS, NA PRÁTICA, HÁ DESAFIOS” Associada de Soluções Duradouras da agência da ONU para refugiados, a pesquisadora fala sobre o contexto migratório no Brasil e no mundo. Daniel Farias e Pedro Beno Cordeiro
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Páginas verdes Ano após ano, o número de refugiados cresce em todo o mundo. No Brasil, a chegada de vítimas de deslocamento forçado se intensificou a partir de 2017, devido à crise humanitária na Venezuela. Associada de Soluções Duradouras do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), Camila Sombra conversou conosco e esclareceu o contexto atual do fluxo migratório no Brasil e como a Bahia se encaixa nessa cena. 1. Nos últimos anos, as questões migratórias e de refugiados têm sido mais discutidas no Brasil. Há, de fato, uma intensificação dos movimentos migratórios e de refugiados no país e no mundo recentemente? Se sim, quais as causas?
Imagem: arquivo pessoal de Camila Sombra
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Primeiro é preciso dizer que estamos falando de um grupo muito específico de pessoas que se deslocam, que são os refugiados, vítimas de deslocamento forçado. Essas pessoas deixam seus países por um fundado temor de perseguição por raça, religião, grupo social, opinião política; ou em razão de uma situação de grave e generalizada violação de direitos humanos. Infelizmente, a cada ano, o número de pessoas vítimas de deslocamento forçado vem crescendo. É o que a gente comprova através de um relatório que o Acnur publica todo mês de junho, que se chama Tendências Globais. Na última edição, os dados indicam que
existem 82,4 milhões de vítimas de deslocamento forçado em todo o mundo. Esse número inclui, entre outros, pessoas que ainda estão dentro dos seus próprios países, mas que já foram vítimas de deslocamento forçado de uma região para outra do país - os deslocados internos, que representam 48 milhões de pessoas do valor total - e inclui também as pessoas que já cruzaram a fronteira internacional e estão na condição de refugiados - atualmente mais de 26 milhões. A proteção aos refugiados da convenção da ONU de 1951 sobre o estatuto dos refugiados nasce no contexto pós Segunda Guerra Mundial, em que, apesar do fim da guerra, havia ali um grupo grande de pessoas que não poderiam voltar para seus países em segurança e permanecem na condição de refugiados. É nesse contexto também que foi criado o Acnur, agência
da ONU para refugiados, com um mandato de trabalhar naquele momento, por três anos, como um guardião da convenção. Infelizmente, estamos aqui até hoje porque não só a situação permanece, como ela vem se agravando ano a ano. 2. Quais os países de origem dos refugiados que chegam ao Brasil? E quais fatores os trazem pra cá? No Brasil, de acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados, o Conare, nós temos mais de 62 mil pessoas já reconhecidas formalmente como refugiadas. Em sua maioria, esses refugiados são venezuelanos, em um total de mais de 48 mil pessoas. Depois vem os sírios, que são mais de 4 mil, as pessoas da República Democrática do Congo, cerca de 1600, os angolanos, que são 1500, e os colombianos, que representam mais de 1100
Entenda a diferença Imigrante Aquele que imigra, ou seja, pessoa que se instala em um país para viver.
Migrante Adjetivo que qualifica a pessoa que muda de uma região para outra.
Refugiado Pessoa que está fora de seu país de ori-
gem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados.
pessoas. Esses números são de pessoas já reconhecidas formalmente como refugiadas e não incluem aquelas que ainda estão aguardando uma decisão do seu processo de refúgio. O que podemos falar do contexto de refúgio no Brasil: historicamente, o Brasil recebia pessoas refugiadas principalmente de um contexto extracontinental, ou seja, pessoas que vinham da África e Oriente Médio. Países como a Síria, República Democrática do Congo e Angola eram os principais países de origem dessas pessoas. No caso da Síria, por exemplo, que é um país em conflito há muitos anos, o que viabilizou a chegada dessas pessoas foi um visto humanitário. O governo brasileiro, através desse visto humanitário, permitiu que as pessoas vítimas do conflito sírio conseguissem chegar ao Brasil em segurança, apesar de ser uma região bastante distante daqui. Mais recentemente, esse perfil de refugiados de um deslocamento extracontinental vem se alterando no contexto da situação da Venezuela. A partir de 2017, começou a se intensificar a chegada de pessoas venezuelanas refugiadas e imigrantes ao Brasil, e hoje já são maioria. Nesse caso, o contexto é totalmente diferente, uma vez que o deslocamento se dá por fronteira terrestre. Eles chegam principalmente pela fronteira com Roraima e, seja pelo deslocamento espontâneo ou pelo
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Páginas verdes programa de interiorização federal, já estão presentes em mais de 700 municípios brasileiros. Dessa forma, os fatores que levam ao deslocamento incluem as políticas de visto humanitário - como aconteceu no caso dos refugiados sírios - e a proximidade com a fronteira - que é o que acontece entre o Brasil e a Venezuela. 3. Qual é o passo-a-passo para um refugiado buscar asilo no Brasil? Quando a pessoa chega ao Brasil, o primeiro passo é formalizar a solicitação de refúgio na Polícia Federal. Isso deve ser feito na delegacia de Polícia Federal de referência da região onde ela se encontra. Se for em Salvador, por exemplo, é na delegacia do aeroporto. Com essa solicitação de refúgio, a pessoa já vai ter um documento provisório, como solicitante da condição de refugiada, e com esse documento ela imediatamente tem direito à carteira de trabalho, ao CPF, além do acesso ao SUS e à educação. Com isso, se inicia o processo de integração no país. O pedido de refúgio é analisado pelo Conare e, enquanto isso, a pessoa já está de maneira regular no país. Porém, é preciso renovar esse documento enquanto aguarda a decisão do pedido de refúgio e, caso mude de cidade, é necessário informar à Polícia Federal. Com a aprovação do pedido,
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a pessoa terá o documento de refugiada no Brasil, pode ficar como residente por um prazo indeterminado e futuramente pode solicitar nacionalidade brasileira, se quiser. Caso o pedido seja negado, ela pode entrar com um recurso dessa decisão. É mais ou menos esse o passo-a-passo. 4. Como o Acnur atua no apoio aos refugiados no Brasil? O Acnur trabalha em parceria com organizações da sociedade civil, financiando-as para o atendimento direto a pessoas refugiadas. Várias dessas organizações fazem, por exemplo, um serviço de pré-documentação, que é um apoio para iniciar a preparação dos documentos para levar à Polícia Federal e formalizar o pedido de refúgio. Além disso, essas organizações realizam um trabalho de orientação jurídica mais abrangente, de apoio à busca de trabalho, de saúde mental, auxiliam no cadastro nos sistemas de assistência social, entre outras ações. Nós financiamos, também, abrigos. Atualmente, em Boa Vista, Roraima, estamos com mais de 8 mil pessoas vulneráveis em nossos abrigos. São abrigos voltados sobretudo para perfis de famílias, pessoas com riscos de proteção, idosos, pessoas com deficiências, enfim, perfis mais vulneráveis. Temos também abrigos de interiorização, que recebem essas pessoas pela
modalidade institucional de interiorização do Governo Federal, na qual elas saem de um abrigo em Boa Vista para um centro de acolhida na cidade de destino. Nós também trabalhamos, de maneira geral, no fomento ao acesso de direitos. Nós temos um programa de revalidação de diplomas de ensino superior com a Associação Compassiva, temos um outro programa aqui em São Paulo de apoio à inserção de crianças refugiadas na escola com acompanhamento de contraturno escolar. São várias as atividades desenvolvidas com o objetivo de fomentar o acesso à direitos e a inserção dessas pessoas na sociedade. O Acnur também trabalha muito em apoio ao poder público no fortalecimento de políticas públicas, em apoio a comitês e conselhos de refugiados, e também com o setor privado, mais voltado para a sensibilização. Temos, também, a Cátedra Sérgio Vieira de Mello, que agrega universidades que desenvolvem programas voltados para proteção e integração de pessoas refugiadas. São cerca de 30 instituições componentes e, em Salvador, já temos a Unifacs e estamos em via de assinar um convênio com a Ufba, que já vem desenvolvendo muitas ações voltadas para essa população. 5. O Brasil acolhe bem os refugiados? Você considera o Brasil um bom país para se pedir refúgio?
O Brasil tem uma legislação que é referência internacional no sentido de garantia de direitos de acesso dos refugiados a serviços e políticas públicas. Nós temos políticas universais como o Sistema Único de Saúde que, justamente por serem universais, também incluem essas pessoas imediatamente. Então, se uma mulher refugiada grávida chega a um hospital, por exemplo, ela terá acesso ao pré-natal e acompanhamento médico. Isso é muito positivo. As crianças refugiadas têm também a garantia de acesso à escola, e a própria lei de refúgio, em outras áreas, possui garantias de documentação e o direito ao trabalho. No entanto, isso não quer dizer que essas pessoas não tenham desafios ou dificuldades. Hoje temos um contexto de desemprego alto, além do fato do idioma do Brasil ser falado em poucos países. O venezuelano, por exemplo, vai enfrentar essa barreira aqui, o que não existe em países vizinhos. Além disso, a gente sabe que sem aprender português é muito difícil que essa pessoa se integre ou que ela consiga trabalhar e permanecer estudando, então a língua, às vezes, é um impedimento. Sem contar que temos, ainda, grupos de refugiados com idiomas muito mais diferentes como árabe, francês, entre outros. A revalidação de diplomas é um processo bastante burocrático, difícil, também. Isso faz com que as pessoas que
chegam com nível superior tenham dificuldade com esse processo que não é imediato e é difícil, custoso. Então, em termos de direitos de legislação, o Brasil realmente é uma referência, mas claro que, na prática, há desafios. 6. Qual a sua opinião sobre as políticas públicas para refugiados na Bahia? É dado o amparo necessário aos refugiados que chegam ao estado? O nordeste, em geral, é uma região que vem recebendo pessoas refugiadas em um período mais recente. Historicamente, regiões como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília há décadas recebem pessoas refugiadas. Esse movimento de expansão da presença de refugiados pelo Brasil - que tem a ver com o contexto de interiorização e com o próprio deslocamento espontâneo para outras regiões - é mais recente. Por isso, também é um tema novo no âmbito de políticas públicas locais. Mas o que observamos é que essas políticas estão em processo de construção. Logo, são muito importantes, nesse processo, as redes que vêm sendo formadas no sentido de fortalecimento dessa dimensão local. Hoje existe a Rede de Apoio a Migrantes na Bahia, a Ramba, que congrega várias organizações da sociedade civil local. É uma rede que vem desenvolvendo um trabalho super relevante de proteção a essas pessoas através de atendimento dire-
to, serviço de pré-documentação e apoio a políticas públicas, além de ser referência para redes locais. Há também a Rede Universitária de Pesquisas e Estudos Migratórios, a Rupem, que vem articulando esse trabalho entre as universidades públicas da Bahia. O que podemos observar é que nos últimos dois anos o tema ganhou espaço, mas ainda estamos construindo e fortalecendo essas políticas. As políticas, muitas vezes, são medidas que já existem. O que precisamos fazer é garantir que essa população tenha o acesso efetivo. Isso passa por um mapeamento dessa população, de suas necessidades, no sentido de garantir pleno acesso. O direito, o indivíduo já possui, mas muitas vezes há falta de informação, um desafio particular ou desinformação da própria rede pública na qual essa pessoa procura aquele serviço, o que pode ser um obstáculo. Quando estive em Salvador pela última vez, fizemos uma capacitação para a Polícia Militar que foi excelente, justamente para informar sobre essa população, sua presença no território e seus direitos. Estamos planejando capacitações para outros serviços e outras áreas também. É todo um processo de informação e de sensibilização que está sendo construído a muitas mãos. Então são vários atores envolvidos, desde atores públicos, sociedade civil e universidades, e é assim que a gente consegue uma resposta efetiva.
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PERFIL
NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA Clara Pita, Fabiana Passos e Paula Eduarda Araujo É comum a descrição de que novos trajetos são como “folhas em branco”, mas talvez a metáfora “um tijolo de cada vez” seja a ideia que mais se conecta com o conceito de trajetória. Entre a vida que imaginamos e a que somos capazes de construir estão os obstáculos diários que, alheios a nossos planos, modificam o rumo de nossa história. No entanto, foi com essas pedras no caminho que as venezuelanas Nadiveth Duno e Harlet Urbina construíram a estrada que as trouxe a solo baiano. A primeira pedra foi a dificuldade de conseguir emprego em seu próprio país. Com os pés sobre ela, deram início ao percurso que as levou até a fronteira. Como construtoras, sempre souberam que é preciso um conjunto de elementos para que algo seja edificado e aos poucos ambas começaram a pavimentar seu caminho com a resistência do concreto e a energia das cores com as quais transformam as moradas onde chegam. Trilhas fechadas também fazem parte da jornada e muitas vezes elas se encontraram em estradas sem saída. A língua, a cultura, o preconceito e o desemprego são componentes que formaram essa barreira. Dar de cara com esse tipo de obstáculo pode fazer com que alguém desista ou retroceda, mas para elas, foi o momento preciso de se recolher naquilo que era seguro, no que realmente importava: o amor uma pela outra e por suas famílias. Em seu companheirismo estava refletido um novo caminho e a partir dele elas recomeçaram sua trajetória. Nas praias da Ilha de Maré, as companheiras encontraram um coletivo do qual pudessem fazer parte. Ali, puderam resgatar suas memórias e reunir a coragem necessária para construir possibilidades mais ousadas. Desse atrevimento e coragem nasceu “As Meninas Venezuelanas”, canal que essas mulheres usam para criar um caminho mais afável. Com companheirismo, coletividade e empatia, Nadiveth e Harlet planejam também erguer um lar para pessoas como elas: viajantes que usam as adversidades e as pedras no caminho como impulso para lutar pelo que se deseja. Com calorosos sorrisos, tiram da própria experiência ensinamentos para serem levados até o fim.
Ilustração: Fabiana Passos
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UNIÃO DE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS EM FEIRA DE SANTANA PROMOVE CONVÍVIO E LUTA POR DIREITOS DE REFUGIADOS A Rede Alternativa tenta movimentar o poder público e a comunidade em ações para dar suporte a migrantes Clara Vitória Souza e Paula Eduarda Araujo O aumento no fluxo migratório na Bahia levou migrantes e refugiados a várias cidades do estado. A chegada de refugiados na cidade de Feira de Santana colocou em evidência a necessidade de ações afirmativas que pudessem ajudar essas pessoas. É nesse cenário que opera a Rede Alternativa, uma unidade criada em 2020 com o objetivo de atuar na garantia de direitos. Motivados pela pandemia, a Rede é formada por oito organizações, de iniciativa civil ou pública, que trabalham com grupos vulneráveis, sobretudo pessoas em situação de rua. Entre as entidades que formam a Rede Alternativa estão: Movimento Nacional População de Rua - Núcleo de Feira de Santana (MPR-FSA), Cáritas Arquidiocesana de Feira de Santana e Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
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Comunidade
Imagem: arquivo pessoal
Foi através da tentativa falha de ajudar um refugiado que a Rede percebeu a necessidade de trabalhar com a população migrante. Foi preciso localizar e conhecer esses grupos, depois desse contato as organizações da Rede começaram a se articular em diferentes áreas para que as demandas apresentadas fossem supridas. “A Pastoral de Rua lida diretamente com a caridade e a justiça social, então quando falta roupa ou alimentação avisamos e eles vão ajudar. A UEFS e a UFRB auxiliam com projetos de ensino da língua portuguesa. O Cuidando da Maloca está diretamente ligada a saúde, eles medem pressão, glicemia, fazem acompanhamento pré-natal com as mulheres grávidas. Mas nada disso impede que o poder público assuma seu papel”, explica Edcarlos Venâncio, militante e educador popular voluntário no MPR-FSA.
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Carla Silva, assistente social no MPR-FSA e indicada como referência no trabalho de acolhimento à população migrante , diz que é necessário reconhecer o espaço do outro e entender as políticas migratórias.
“Tudo o que é preciso para adquirir conhecimento eu faço, porque não quero violar direitos ou estar simplesmente direcionando eles. A escuta para mim é o mais importante, com qualquer público”, conta Carla
OS WARAOS EM FEIRA
Desde 2014, o Brasil vem recebendo pessoas da Venezuela em situação de refúgio devido aos conflitos políticos e socioeconômicos enfrentados no país vizinho. Entre eles também se encontram povos indígenas que tiveram sua permanência nos locais de origem inviabilizada por conta de tragédias ambientais, invasões em seus territórios e atos de violência, forçando-os a se deslocar para áreas urbanas de seu país ou migrar para países como o Brasil. Em março de 2020, vinte e três pessoas da etnia Warao chegaram à cidade. Apesar de não entenderem como os indígenas venezuelanos chegaram à cidade, Carla e Edcarlos iniciaram o processo de acolhimento dessas pessoas através de articulações da Rede.
“A primeira estratégia foi ‘estar com’ e não ‘para’”, afirma Edcarlos A primeira medida tomada foi a regulamentação dos documentos dos indígenas Warao. Através do NAMIR Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados da Universidade Federal da Bahia - a Rede conseguiu que todos os Warao que residem em Feira de Santana tenham documentação básica completa. Após isso, as famílias foram encaminhadas ao CRAS - Centro de Referência da Assistência Social - e unidades de saúde pública para que fossem inseridas nas políticas de saúde coletiva e assistência social oferecidas pelo município. Atualmente as famílias acolhidas vivem em uma vila no bairro Mangabeira, ocupando 8 casas conseguidas através da articulação da Rede. O aluguel das casas foi inicialmente pago pela Prefeitura, mas devido a ausência do poder público, o grupo se mantém na vila com doações feitas pelas entidades parceiras da Rede. O não atendimento por falta de documentação e dificuldades na comunicação, revelam a falta de preparo das instituições públicas. Apesar das atividades da Rede serem contínuas, é necessário que os órgãos estaduais e muni-
cipais se aproximem desses grupos de maneira adequada e que tratem a assistência aos refugiados como uma questão prioritária.
“Às vezes o que fica muito presente é a vaidade do poder público de não aceitar as estratégias de uma Rede Alternativa, [mesmo que tenhamos] profissionais de saúde, assistência e educadores populares que compreendem como [o trabalho deve ser feito]”, acrescenta Edcarlos. Carla avalia que os servidores públicos são despreparados para lidar com as questões migratórias: “Já falaram coisas como: ‘Ele tem que voltar para o país dele’. Se um servidor público fala isso você pensa: ‘Agora sim, estamos ferrados’”. A necessidade de fortalecer políticas públicas também foi uma ação apontada por Carla como essencial para a construção de um cenário social mais inclusivo. “Ficamos na esperança. As políticas públicas estão
aí, mas lei por lei não avança. Temos que cobrar porque do poder público”, pontua. A equipe da Rede Alternativa se atenta à saúde, ao lazer e à preservação da infância das crianças que vivem na vila Warao. Para a manutenção desses direitos, a Rede precisa realizar um trabalho cuidadoso e específico. Apesar da ineficiência do poder público, Carla reforça a importância da parceria com instituições públicas para a garantia dos direitos da criança.
“A unidade de saúde, o Cras, a escola, todos têm que conversar. É política transversal. Em Feira de Santana falta diálogo. É necessário se despir do achismo, entender o público com o qual se está trabalhando e avançar”, afirma.
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Comunidade ESCUTA ATIVA
Carla e Edcarlos explicam que é preciso deixar que os Warao contem sua própria história. Para isso, se faz necessário o acolhimento com escuta qualificada e constante durante o processo, uma vez que a intenção é não invadir o espaço cultural da pessoa com quem se trabalha. Carla reforça a importância da sensibilidade e da empatia no trabalho humanitário.
“Eles não são objetos. São pessoas e possuem seu próprio contexto cultural. É necessário um olhar mais antropológico para que não haja violação de direitos e preconceito”, constata. Segundo Edcarlos, a estratégia utilizada pela Rede Alternativa está fortemente ancorada nesse conceito e é a partir dessa perspectiva que o trabalho com os indígenas Warao é conduzido. Entretanto, atos e posturas xenofóbicas acontecem recorrentemente e por vezes são realizadas por instituições civis organizadas, como por exemplo, os veículos locais de comunicação. Desde a chegada dos indígenas ve-
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nezuelanos, reportagens que mencionam os Waraos de maneira xenofóbica foram publicadas, o que contribuiu para o surgimento do estereótipo de que eles são “preguiçosos, mortos de fome e porcos”. Edcarlos contou sobre o desafio constante de reverter a imagem criada por essas coberturas. “Refazer esse caminho está sendo mais difícil. Os veículos de comunicação alternativos são mais abertos, mas ainda assim tem muito equívoco”, conta. Tais equívocos não são cometidos unicamente por organizações civis. Segundo Edcarlos as universidades também erram quando exploram e objetificam essas narrativas na tentativa de legitimar temas de relevância social. “Às vezes até a Academia acha que sabe tudo e nos coloca como objetos de estudo, não somos objetos, somos os sujeitos do estudo, estamos contribuindo com a pesquisa de vocês”, pontua. A Rede conseguiu alguns avanços e segue tentando desconstruir a imagem equivocada e preconceituosa sobre os Warao e fazer com que todos entendam a situação que os levou a buscar refúgio no Brasil. “Nós conseguimos avançar com a documentação, na questão da vacina, conseguimos inseri-los na assistência e ajudá-los com o planejamento familiar. Fomos construindo isso com eles, fizemos um plano de ação.
“Nós estamos o tempo todo fomentando a Rede para que ela funcione de verdade e não seja só uma discussão. Se a Rede Alternativa consegue fazer esse caminho, por que o poder público não faz?”, questiona.
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UFBA CONSTRÓI PONTES ENTRE SOCIEDADE E POPULAÇÃO MIGRANTE Projetos como o Namir e a Rupem prestam serviços à comunidade e posicionam a universidade como defensora de políticas públicas inclusivas Maria Eduarda Piazza e Luísa Ximendes Nos últimos anos, o fluxo migratório cresceu de forma considerável no Brasil todo. O Nordeste é a terceira região que mais recebe imigrantes, e a Bahia é o estado nordestino que lidera esse quadro. De acordo com o relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), desde 2018, mais de 700 imigrantes vindos somente da Operação Acolhida do Governo Federal se instalaram no estado. Dentro desse contexto, surgiu o Núcleo de Apoio aos Migrantes e Refugiados (Namir), um programa de extensão da Ufba que busca prestar auxílio aos imigrantes e inseri-los socialmente no estado da Bahia.
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O núcleo foi formado em 2019 com a iniciativa de Mariângela Nascimento, cientista política e professora na Ufba, que na época havia sido chamada pela Secretaria do Trabalho para atender um caso de trabalho escravo envolvendo imigrantes venezuelanos. “A partir daí eu falei: não, eu vou bem mais além”, comenta a professora que hoje está à frente da comissão de direitos humanos do projeto. Mariângela apresentou a proposta de criação do núcleo à Pró Reitoria de Extensão da Ufba com a convicção de que as instituições de ensino têm um papel público de “responsabilidade ética e social” a cumprir em conjunto com o Estado. Organizado em quatro comissões – direitos humanos, trabalho e políticas sociais, saúde e educação – o Namir atua através do diálogo com o poder público, com outras universidades e organizações da sociedade civil. As principais ações do núcleo são no amparo à elaboração de políticas públicas inclusivas e na capacitação de servidores públicos acerca da questão migratória.
Imagem: arquivo pessoal de Mariângela Nascimento
De acordo com Mariângela, o curso de capacitação em direitos humanos e migração produzido pelo núcleo foi o maior do Brasil nessa área, contando com 32 palestras e a presença de órgãos públicos federais e estaduais. O programa também trabalha na produção de conteúdo informativo: a cartilha “Os Caminhos dos Imigrantes e Refugiados na Bahia”, recentemente divulgada, foi desenvolvida com o objetivo de educar a comunidade e o
Acesse a cartilha “Os Caminhos dos Imigrantes e Refugiados na Bahia” no site do Namir.
https://Namir.Ufba.br/os-caminhos-dosas-imigrantes-e-refugiadosas-na-bahia
poder público acerca da nova Lei de Imigração, buscando proporcionar um acolhimento adequado aos imigrantes. Além desses projetos, são desenvolvidas uma série de outras atividades que proporcionam a integração do público migrante à sociedade baiana. O núcleo oferece cursos de português para migrantes, orientação no processo de revalidação de diplomas, organização de encontros culturais e o diálogo com o setor privado na mediação das relações de trabalho. Diante da necessidade de dialogar com o poder público nas esferas municipais de todo o estado, o Namir desenvolveu a Rede Universitária de Pesquisa e Estudos Migratórios (Rupem) . Composta por seis universidades, a Rede visa coletar e analisar dados sobre a questão migratória. Segundo a professora, a proposta é
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EIXO que essas pesquisas sirvam de base para a construção de políticas públicas inclusivas para os imigrantes e refugiados. A coleta e o mapeamento de dados acontecem através do Diálogos Afetivos, um projeto em fase inicial que propõe rodas de conversa e acolhimento aos migrantes, buscando ouvir suas experiências e compreender suas demandas. Dessa forma, o projeto possibilitará que a Rupem conheça o perfil dos grupos de migrantes que chegam à Bahia. A professora conta que os planos para os programas são de expansão: uma de suas iniciativas futuras é um balcão de assistência e apoio jurídico e social. “A Ufba e o Namir ofereceriam atendimento sobre questões de documentação, saúde, acesso à educação, e regularização da situação de refúgio“, explica Mariângela.
Acesse o Curso de Capacitação on-line em Direitos Humanos e Migração do Namir através do QR Code ou pelo link abaixo! https://www.youtube.com/ watch?v=kOcT4-s9OwM
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(UESB) Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
REDE UNIVERSITÁRIA DE PESQUISA E ESTUDOS MIGRATÓRIOS
(UFBA) Universidade Federal da Bahia (UESC) Universidade Estadual de Santa Cruz
UFOB
(UFOB) Universidade Federal do Oeste da Bahia
UFRB
UNILAB
UFBA UESB
(UNILAB) Universidade da Integração Internacional da Lusofonia AfroBrasileira
UESC
(UFRB) Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Gráfico: Agência Experimental de Comunicação e Cultura
EXTENSÃO PARA TODOS
O papel social da universidade começa dentro de sua própria comunidade acadêmica. Na Ufba, o espaço dos projetos de extensão é ocupado por todos: desde alunos na primeira graduação até professores doutores. Parte da equipe do Namir é formada por alunos bolsistas, que, segundo a professora, trabalham com muito entusiasmo. “O que seria do programa se não fossem os estudantes que são super animados? Eles colocam o programa em movimento”, comenta ela.
Esse processo de sair das quatro paredes da universidade e adentrar o contexto social permite não só o estreitamento de laços, mas o intercâmbio de conhecimentos Súlivan dos Santos é graduanda em Estudos de Gênero e Diversidade pela Ufba e bolsista do Namir. De acordo com ela, o núcleo contribui para sua formação acadêmica e social ampliando sua visão entre teoria e prática e possibilitando o exercício da empatia. “Esse processo de sair das quatro paredes da universidade e adentrar o contexto social permite não só o
estreitamento de laços, mas o intercâmbio de conhecimentos”, afirma a estudante.
PEDRAS NO CAMINHO
Apesar do empenho da equipe, os integrantes do Namir e da Rupem encontram dificuldades no desenvolvimento de seus projetos. O despreparo dos poderes públicos e o baixo orçamento das prefeituras são apontados por Mariângela como obstáculos para a inclusão dos imigrantes na sociedade baiana. “O estado desconhece essa realidade [do aumento migratório], e
Nós precisamos fazer essa interlocução para que não cresça mais ainda a xenofobia, o preconceito, o conflito as universidades não podem assumir isso sozinhas. Sem o poder público não funciona”, diz ela. Outra dificuldade no processo de inserção dos migrantes na sociedade é a xenofobia. A professora conta que a situação de desemprego no país e o desamparo dos brasileiros em situação de vulnerabilidade fomenta o preconceito com os estrangeiros, que passam a ser vistos como uma ameaça. “O que nós estamos tentan-
do fazer é que essas políticas públicas estejam vinculadas às demandas dos migrantes junto com as demandas dos nacionais, dos locais que também vivem numa situação socialmente precária. E nós precisamos fazer essa interlocução para que não cresça mais ainda a xenofobia, o preconceito, o conflito”, explica.
É uma troca de vivências, eles compartilham suas culturas, valores, anseios e necessidades De acordo com Súlivan, no projeto Diálogos Afetivos os migrantes participantes se sentem confiantes para expor situações xenofóbicas cotidianas. “É uma troca de vivências, eles compartilham suas culturas, valores, anseios e necessidades. As demandas pessoais acabam sendo [relacionadas à] questão do preconceito”.
Encontre o Namir! Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados - UFBA Rua da Paz, s/nº - Subsolo - Graça - CEP: 40.150-140 Salvador - Bahia Telefones: +55 (71) 3283-9055 Email: namirufba@ufba.br
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