Nova Patópolis : Volume 01 - A Cidade do Futuro

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Nova Patópolis – Volume 01 Daniel Alencar

Capas: Pink Ghost Revisão Contextual: Pink Ghost Revisão Gramatical: Diversos

Críticas, elogios e sugestões: agibiteca@gmail.com


Nova Patópolis – Volume 01 : A Cidade do Futuro 2° Edição – Dezembro de 2012 Todos os personagens são de propriedade da Disney Inc. e utilizados sem a intenção de auferir qualquer valor a título de lucro direto ou indireto. As histórias são de autoria exclusiva do autor e podem ser copiadas, divulgadas e disponibilizadas à vontade. O autor se reserva ao direito de pedir que as histórias não sejam alteradas. Este livro virtual está disponível gratuitamente na Internet pelo site oficial: http://novapatopolis.blogspot.com E em diversos parceiros como: http://agibiteca.blogspot.com http://chutinosaco.blogspot.com http://quadradinhospatopolis.blogspot.com http://gibisclassicos.blogspot.com

Proibida a venda deste e-book ou sua versão impressa.


Para os meus pais. Por me colocaram nesta vida e me criarem da melhor forma possĂ­vel.


Agradecimentos A minha lista de agradecimento para este meu primeiro livro é imensa. Tenho até receio de esquecer alguém, mas vamos lá. Meu agradecimento mais distante vai a meu tio David, que me incentivou a ler e me iniciou no mundo Disney. Em seguida, aos meus pais, que nunca deixaram faltar revistas e livros. Na minha infância, lia qualquer coisa e tenho até hoje os gibis, a coleção de Super Interessante, livros de medicina, livros de história e mitologia e uma infinidade de outras coisas. Mais recentemente, agradeço a todas as pessoas envolvidas no site e blog que lancei. Desde quem simplesmente apoiou a ideia até quem me ajuda muito. Entram na lista dezenas de pessoas, então não citarei uma a uma. A todos que me ajudam no “A Gibiteca”, meu muito obrigado. E também agradeço ao grupo EsquiloScans e aos blogueiros da Internet, que acumulando ou divulgando, nunca deixarão que a nona arte morra. Entre os blogueiros meu agradecimento especial ao Luis Dias, com seu incansável Chutinosaco. E finalmente, agradeço nesta primeira edição a minha querida colaboradora Pink Ghost, pelas ideias, apoio irrestrito e revisão da obra. Um grande abraço a todos... Daniel Alencar


Índice - Reflexões do Autor - Informações - Prólogo - Capítulo 01: Bem Vindo - Capítulo 02: Novo Dia - Capítulo 03: Karen - Capítulo 04: Sobrinhos - Capítulo 05: Maga Patalójika - Capítulo 06: Reunião de Família - Capítulo 07: Escoteiros - Capítulo 08: Informação - Capítulo 09: Visitas - Capítulo 10: Jane Doe - Epílogo


Reflexões do autor Curioso como a ideia de um livro sobre os habitantes de Patópolis nasceu de um debate acalorado sobre literatura, que passou para os clássicos, adaptações e finalmente a coleção “Clássicos da Literatura Disney”. Os personagens Disney adaptaram tantas histórias, que ficamos na dúvida se eles serviriam para estrelar sua própria literatura. Após concluir que sim, a conversa mudou para qual seria o formato desta literatura. E chegamos a um consenso. Para ficar legal, teria que ser um enfoque novo, que nunca havia sido tentado. Como falamos de algo que já existe há 70, 80 anos a maioria das abordagens possíveis já foi feita (exceto algumas boas ideias novas como “Donald Duplo” e “Mágicos de Mickey”). Entretanto encontramos uma... Os personagens Disney nunca foram inseridos no mundo adulto. Eles não passavam fome, não tomavam antidepressivos, não faziam sexo, não matavam, não morriam e viviam em um local onde tudo dava certo no final. Descobrimos a abordagem, mesmo arriscando ofender pessoas sensíveis ou simplesmente puristas. E o estilo? Nada de uma história corrida, com fatos na sequência que se completavam. A partir do momento presente, o tempo iria retroagir e avançar continuamente, para demonstrar que uma atitude de hoje, nasceu de uma frustração de 30 anos atrás. Pronto, a parte fácil estava definida. Chegamos a difícil, “E a história?”. O ponto principal foi rápido. O nascimento de Nova Patópolis viria após a morte de Patópolis. Mas por que Patópolis morreria? Quem o fez, como e por quê? Para isso teremos que descrever uma infância conturbada e como tudo se desenrolou para o alcance do poder necessário para tanto. E os demais personagens? A história mais divertida que pensamos seria um caso de Donald com Ka K, uma mulher de atitude que o valorizava. Daí foi um pulo para o casamento da Margarida com Gastão.


Mas quem era Ka K de verdade? Teríamos que contar a história dela desde o início até o encontro com Donald, explicar o caso dos dois e definir o desfecho. Eu me surpreendi com a facilidade com que a história foi se montando e se encaixando na minha cabeça. Cheguei ao ponto de sonhar com uma cena detalhada de Ka K, quando ela enfrenta três inimigos ao mesmo tempo (isso rendeu um ótimo capítulo). Inicialmente, planejei apenas um livro. Mas as ideias foram surgindo e já imagino três, para poder contar todas as histórias interligadas dos personagens. Neste primeiro volume, veremos Nova Patópolis no seu auge e nossos queridos amigos vivendo suas vidas, alguns felizes, outros amargurados e outros inconformados. Voltaremos um pouco ao passado não para explicar tudo, mas para deixar mistérios em aberto que serão respondidos mais adiante. No segundo, a origem de duas personagens-chave abre a história. Em seguida o início da sequência de fatos que culminarão no incidente que destruirá Patópolis. E finalmente no terceiro e último (por enquanto), a queda de Patópolis, mais histórias de personagens antigos e o nascimento e vida de quem decidiu criar Nova Patópolis. Bom, é isto. Espero de coração que você que teve paciência para ler este texto até aqui, curta a história e entenda o meu objetivo primaz. “Transformar os nossos queridos e antropomórficos personagens Disney em seres humanos”. Boa leitura a todos. Daniel Alencar


Informações Esta obra é direcionada para qualquer leitor que se interesse em ver os personagens de Walt Disney humanizados. O grande número de citações a obra de importantes autores, busca enriquecer o contexto e manter a coerência dentro deste universo ficcional. Para compreender a maioria das citações, recomendamos a leitura das seguintes coleções (disponíveis na Internet): - O Melhor da Disney: As Obras Completas de Carl Barks, Ed. Abril. - The Fine Art of Don Rosa, Ed. EsquiloScans Já a série Donald Duplo (Double Duck no original Italiano) nos apresenta “A Agência”, uma organização secreta ao melhor estilo James Bond. Nesta série, Donald é convocado sem querer no lugar de um mercenário. Após uma análise de sua mente, o Diretor conclui que ele é apto a realizar uma missão. Como o agente especial Donald Duplo, ele assume a identidade de Hook, um lendário jogador e se infiltra em uma ilha cassino para descobrir qual organização criminosa financia um trapaceiro, que precisa acumular cem milhões nas mesas de jogo. Em outras missões, Donald Duplo faz parceria com a agente especial K Ká, uma patinha que sempre demonstrou uma simpatia exagerada por ele. Para maiores informações, recomendamos a leitura de: - Donald Duplo Cronological Collection, Ed. A Gibiteca - As Novas Aventuras de Donald Duplo 01 e 02, Ed. Abril - Tio Patinhas, Ed. Abril


Prólogo Nova Patópolis é uma referência mundial em turismo, tecnologia e conforto. Tanto os moradores quanto os visitantes tem a sua disposição itens que não são encontrados em nenhum local do globo. Para os visitantes, o Museu e o Zoológico são os mais procurados. Já para os moradores, importa mais o metrô que não se atrasa, as calçadas impecáveis e o DNID-Card. Mas nem sempre foi assim. Há apenas dois anos, Patópolis era uma das muitas cidades comuns de seu país. Até que houve o terrível Incidente que deixou centenas de mortos, milhares de desabrigados, tudo destruído e enterrou a esperança. Entretanto quando ninguém esperava, a cidade renasceu das cinzas como uma Fênix da mitologia, mais forte do que nunca. Sua reconstrução foi arquitetada por um visionário. Hoje, o mundo inteiro admira Nova Patópolis, a cidade do futuro. Mas a cidade do futuro custou o sangue, o suor e as lágrimas de muita gente.


Capítulo 01 Bem Vindo

“Nós somos o que fazemos repetidas vezes. Portanto, a excelência não é um ato, mas um hábito.” Aristóteles


“Bem Vindo” é a primeira palavra que você pode ler em oito idiomas ao desembarcar de seu avião no aeroporto internacional de Nova Patópolis, com seus cinco terminais e centenas de voos diários. Na saída do grande saguão, com pessoas indo e voltando de todas as direções, a placa de fundo amarelo e letras pretas destaca-se de tal forma que é impossível não ler. “Welcome – Bem Vindo – Bienvenidos – Bienvenu – Willkommen – Benvenuto – Salutatio – Welkom” Esta placa é apenas a primeira forma de deixar o turista à vontade em Nova Patópolis. A cidade faz questão de ser um centro de excelência para visitantes, de forma que quem vem uma vez, recomenda e sempre volta. Os voos lotados chegam e saem de Nova Patópolis todos os dias e a maioria dos hotéis está com uma longa fila de espera. Desde os mais simples até nos luxuosos Resorts Sete Estrelas. O último grupo a chegar é formado por jovens europeus que atravessaram o Atlântico em 02 horas no Jato Super Sônico da Patinhas Airlines, um dos braços da Holding Patinhas S.A., o maior conglomerado empresarial do mundo. O voo em um destes bólidos ultrarrápidos é uma das experiências mais confortáveis que alguém pode ter. Mesmo sendo um avião, o barulho interno chega próximo à zero. As poltronas são acolchoadas e o serviço de bordo fornece refeições e lanches dos cinco continentes, com um cardápio de 35 páginas. Nossos jovens turistas chegaram animados e felizes por terem a chance de conhecer uma cidade tão famosa que foi praticamente reconstruída após um infeliz incidente dois anos atrás. Sem olhar para os gastos, o acionista majoritário da grande Corporação Patinhas S.A recriou a cidade com o quê há de mais moderno no mundo, com automatização próxima a 100%. O prêmio Nobel Prof. Eugênio Pardal (quinze vezes agraciado além de inúmeras indicações) conseguiu a façanha de erguer das cinzas os prédios mais modernos, um infalível sistema de transporte e as ruas mais confortáveis que a tecnologia já criou. Voltando aos jovens, eles foram direto para seu ônibus de excursão. Suas malas seriam levadas por esteiras automáticas até o terminal correto e carregadores experientes identificariam cada uma pelo chip Wi-Fi da etiqueta e as transportariam até seu local de destino. Após entrarem no coletivo e se sentarem em locais previamente numerados, a guia entrou por último e pediu ao motorista seguir até o Hotel. - Bem vindos queridos turistas - disse ela com o maior sorriso que cabia em seu rosto. Além da simpatia, chamava a atenção o uniforme vermelho e branco impecavelmente limpo, as madeixas castanhas com um penteado moderno e uma presença que faria o


queixo de qualquer homem cair. Esta pata altiva e segura de si estava entre as melhores de sua categoria. - Meu nome é Cristina e serei sua guia. Estou à disposição para ajuda-los a aproveitar sua estadia da melhor forma possível, tornando-a inesquecível - continuou a simpática guia. - Por favor, se acomodem e liguem suas telas holográficas para acompanhar o passeio inicial. Cada um pode servir-se de bebidas ou doces á vontade – continuou. Com esta última frase, o motorista colocou o ônibus em movimento de forma suave e silenciosa. Após alguns minutos, Pietra e Sophia, duas patinhas Italianas pertencentes ao grupo, visualizaram a primeira atração, a estátua gigante do fundador Cornélio Patus, cuja base serve de Biblioteca e arquivo histórico do grande pioneiro. - Cristina, esta estátua é citada como uma das grandes obras de engenharia do mundo, mas sabemos que o motivo de sua construção não foi nada nobre - disse Pietra para puxar o assunto. - Tem razão senhorita. Tudo nasceu de uma disputa entre dois magnatas que tentaram se superar e construíram estátuas cada vez maiores - confirmou a guia - No final, a cidade demoliu todas exceto esta maior, que também foi reconstruída recentemente - concluiu Cristina, um pouco sem graça. - Mas se vocês quiserem maiores informações sobre a estátua, podem obtê-las através de suas telas que além da imagem em 3-D, trazem todos os dados disponíveis para consulta - disse a guia, finalizando a polêmica. Seguindo mais adiante, os jovens passaram pelo Zoológico Patinhas, que se tornou público ha pouco tempo e onde dizem existir animais únicos, como um Unicórnio, um Jacaré do Circo Flaminiano e até um Dinossauro. - Amanhã, eu quero só ver se o Dinossauro é de verdade - pensou Pietra de forma cética. Após alguns minutos, o Museu Patinhas se destaca por ser um prédio imenso que ocupa oito quarteirões. Se antes o desejo dos amantes de artes era o Louvre, hoje o Museu Patinhas traz maravilhas que todos julgavam perdidas, como a Arca da Aliança, o Santo Graal, a Pedra Filosofal, o Velo de Ouro, joias dos Astecas, Maias, Egípcios e tantos outros povos antigos. - Cristina, é verdade que o Mecenas responsável pelo museu encontrou também o Tesouro de Salomão e da Rainha de Sabá? - perguntou Sophia com real interesse histórico. - Sim, estes e tantos outros foram encontrados em grandes jornadas pelo mundo confirmou novamente a guia – Os Habitantes de Nova Patópolis se orgulham de ter a


mostra estes tesouros únicos, graças à generosidade do Senhor Patinhas - diz Cristina com pouca modéstia. A viagem segue tranquilamente por outras ruas, onde os jovens podem encher os olhos com todas as maravilhas que a cidade oferece. Eles estavam quietos até o momento em que o ônibus é obscurecido pela sombra de um prédio imenso no alto de uma colina. - Ah, finalmente a tão falada Caixa Forte da colina Mata-Motor - exclamou um rapaz do fundo do ônibus. - Sim, vocês estão vendo um dos únicos prédios históricos em sua construção original - disse Cristina - Foi um dos poucos que sobreviveu ao grave incidente de dois anos atrás. - Mas não existe a chance de isto voltar a acontecer, existe? - insistiu Sophia realmente interessada. - Não, minha querida. Felizmente todos os cientistas que analisaram os acontecimentos garantiram que o Incidente é apenas uma tragédia passada respondeu a guia – Mas foi após ele que ganhamos uma cidade única no mundo e é por este motivo que vocês estão aqui hoje. - A propósito, como estrangeiros, vocês podem continuar usando seu dinheiro, mas se assim desejarem, na entrada do hotel podem fazer seu DNID-Card. É gratuito e aceito na cidade inteira - finalizou a guia com outro sorriso. Uma das maravilhas tecnológicas de Nova Patópolis foi à criação do identificador DNID - DNA Identifier – que garante uma conformidade de 100% com o código genético de todos os cidadãos. A impressão digital, retina e documentos pessoais foram substituídos por uma chave única de um Terabyte de informação, contendo o código DNA mais as mutações de cada gene, ambos associados a um algoritmo de hash com criptografia de 2048 bits. Para o cidadão se identificar, entrar em casa, pagar o Metrô ou comprar no mercado, basta colocar o dedo dentro do leitor DNID. Uma nano-agulha de fibra de carbono com a espessura de 0,0001 cm penetrará na pele de forma indolor, pegará uma célula e confirmará o seu código único. Associado a este código, foi criado o DNID-Card, um cartão de débito de uso pessoal e intransferível que pode estar vinculado a sua conta corrente ou receber créditos em dinheiro a qualquer momento. Após mais alguns minutos, o ônibus parou em frente ao belíssimo hotel sete estrelas Gold Hilton Patinhas, onde mensageiros simpáticos recebem os hóspedes, os encaminham à recepção e levam suas bagagens.


- Pessoal - disse a guia – Agora que nós chegamos cada um pegue seu voucher com o número da reserva e se encaminhem à recepção. Lá vocês receberão todas as instruções. - E não se esqueçam de observar o programa de passeios - continuou ela de forma empolgada - Amanhã as 08:00 horas, sairemos para o primeiro tour guiado pela cidade. O grupo de jovens desce rapidamente do ônibus e se encaminha a entrada do saguão. Após um rápido Check-In e a retirada do “Guia do Turista” (com informações necessárias para se ter tudo a qualquer hora), os jovens seguiram para seus quartos e começaram a se preparar para o jantar. Caindo na cama, Sophia pensa em como é sortuda por estar em um hotel desta cidade lendária e tão avançada. Sua amiga Pietra estava no quarto ao lado, mas Sophia não se lembrava dela no momento. - Que maravilhas eu verei aqui que não existem em nenhum local do mundo? - ela pensava ansiosamente. Os próximos dias prometiam ser inesquecíveis. Com este pensamento, retirou uma toalha do suporte e foi tomar um banho para relaxar e se preparar para a aventura. Sua última lembrança antes de entrar embaixo da ducha quente do chuveiro foi o título do guia recebido na recepção. “Bem Vindo à Nova Patópolis. Bem Vindo a Cidade do Futuro”.


Capítulo 02 Novo Dia

“Onde há uma empresa de sucesso, alguém tomou alguma vez uma decisão valente." Peter Drucker


Um novo dia nasce na Cidade do Futuro. O sol surge no horizonte, ao mesmo tempo em que as pessoas seguem para seus empregos, despedindo-se de seus entes queridos apressadamente. Os pássaros cantam nas frondosas árvores existentes em todas as calçadas e os carros andam pelas ruas impecáveis e sem buracos. O metrô funciona normalmente sem atrasar um minuto e a cidade flui como uma orquestra afinada e harmoniosa. Com toda a automação, dificilmente ocorrem atrasos, tráfego pesado ou acidentes. O dia nasce para toda a cidade. Mas em alguns locais ele demora mais a começar. Na mansão Patinhas, o mordomo já acordou faz tempo. Além de se certificar que tudo está dentro dos conformes, ele pega o jornal da manhã, verifica a refeição matutina, confirma o almoço e jantar, verifica o jardim e faz a agenda. A primeira tarefa deste dia é um tanto desagradável, mas o mordomo precisava fazêla mesmo assim. Subindo as escadas em direção ao primeiro andar da casa, o mordomo se aproxima de uma porta e bate timidamente nela. O motivo de tanto cuidado reside no fato de ser a porta do quarto de seu patrão, que notoriamente odeia ser acordado cedo. - Pode entrar - disse uma voz altiva, mas que soa melancólica dentro do quarto. Aliviado pelo patrão estar acordado, o mordomo acessa o aposento segurando uma tela holográfica. Patinhas estava de pé na janela, vestindo seu roupão azul com uma faixa branca. Estava de costas para o mordomo e assim permaneceu. - O quê foi desta vez? - perguntou o pato dono da maior fortuna do mundo, em um tom entediado. - O Senhor precisa aprovar a compra dos novos campos de Petróleo encontrados no Kuwait - disse o mordomo rapidamente - Só estão esperando a sua assinatura. - Diga a eles que eu estou esperando a queda de 10% no preço e até que aconteça, não tem negócio - respondeu sem hesitação o milionário. - Mas Senhor - tentou argumentar o mordomo. Antes de a frase terminar, Patinhas já tinha se virado em direção à porta e com passos decididos, estava fora do quarto, seguindo para sua sala de meditação. Após entrar e trancar a porta atrás de si, Patinhas não parava de pensar nas responsabilidades, problemas, aborrecimentos e todo o resto que vinha junto com sua fortuna. Isto o fez acordar cedo, pois não conseguia desligar nem agora, nem nos últimos meses.


Já dentro da sala, se aproximou do cofre junto à parede, colocou seu dedo no Sensor DNID e aguardou a abertura do aparato de 1 metro de altura por 30 centímetros de largura. Com um pequeno rangido, as pesadas trancas da porta do cofre se abrem. Em seguida Patinhas retira a única coisa que estava lá, um caderno velho com a capa suja e remendada, com cerca de 300 páginas, quase todas preenchidas. Sentou em sua poltrona e abriu direto na página com o título que já conhecia que era “Começando bem o dia”. “A melhor forma de começar bem o dia é com meu mergulho matinal no dinheiro. Eu mergulho no dinheiro como um golfinho, eu abro buracos como uma toupeira e jogo as moedas para cima para cair na cabeça. Não existe nada mais revigorante e calmante do que isto.”. - Pena que não está explicado o truque de como fazê-lo - pensou Patinhas. Mais uma folheada e abre na página com o título “Drogado e Roubado”. “Eu havia encontrado uma pepita de ouro do tamanho de um ovo de gansa. Não resisti à tentação de ir até o Black Jack em Dawson mostrar aqueles idiotas o quê eu tinha extraído do meu lote no Vale da Agonia Branca.” Patinhas vai lendo a história, mas não consegue avançar após a frase: “A linda Dora Cintilante, a Estrela do Norte, querida e desejada por todos, me serviu um café drogado e fui acordar quilômetros longe do Black Jack...”. – Quem diria que ela faria isto - falou para si mesmo de forma triste. Abrindo outra página, encontra outra história que o deixa emocionado toda vez que lê. “Viajando com meus sobrinhos” “A maior das alegrias de minhas viagens é mostrar o mundo a meus futuros herdeiros Huguinho, Zezinho e Luisinho. Dumbela teve os melhores filhos que poderia, Donald os criou muito bem e os Escoteiros moldaram o seu caráter irrepreensível.” “Cada tesouro, cada local visitado, desde as selvas da Índia até a América do Sul e Central ou o Oriente Médio, só fizeram sentido quando eu estava com eles.” “Afinal, após perder papai e mamãe e me distanciar totalmente de Hortência e Matilda, eles são a minha única família, os filhos que nunca tive.” Enxugando uma lágrima dos olhos, Patinhas prefere não pensar em nada quanto a isto.


Mais uma folheada e encontra um relato que o enche de raiva. “Perigo para minha moedinha” “Nunca imaginei que meu amuleto, que me fez abandonar as Highlands Escocesas sem nunca olhar para trás, que me deu força quando perdi tudo, que esteve comigo no Mississipi, nas Terras Malditas, na África, no deserto Australiano e no Klondike poderia sofrer uma ameaça igual à Maga Patalójika.” - Maldita feiticeira - pensou Patinhas mordendo com força – Ela é a responsável por eu estar aqui, mas ao mesmo tempo, retirou o único motivo que me manteria de boa vontade nesta vida louca. Após este último relato Patinhas se levanta, guarda o caderno novamente no cofre e o bate com força. Ainda dentro de sua sala, Patinhas se senta novamente e lança seu pensamento no vazio. - Vale a pena tudo isto? - ele se perguntava há semanas. Sem encontrar uma resposta satisfatória, ele se levanta e sai de sua sala privativa que se tranca após a porta fechar, anda pelo corredor e adentra em seu escritório. Dizem que Patinhas nunca fica sem informação. Sua conexão de dados de 5 Gigabytes/Segundo é dedicada, transmitida por satélite e possui três contingências de fibra ótica ligadas 24 horas com a central de informações da Holding Patinhas S.A. Não existe negócio, venda, permuta, problema, alta ou baixa de preços que Patinhas não possa acessar de seu escritório. Seus funcionários sabem disto, e enviam continuamente relatórios e análises estatísticas de seus negócios. A Patinhas S.A. têm equipes especializadas em fornecer dados em diversos formatos, como Gráficos, Cubos de Decisão, Minning e até Redes Neurais. Após entrar em seu escritório, Patinhas aperta um botão na mesa para pedir café, anda até a janela principal que possui uma cortina verde escura e a abre. A luz do sol invade o escritório e Patinhas se senta na cadeira para tomar decisões, cortar custos, comprar, vender, esmagar concorrentes, bolar estratégias e ganhar muito dinheiro. Um novo dia começa para Patinhas Cintilante MacPatinhas.


Capítulo 03 Karen

“Só a vida vivida com os outros é que vale a pena ser vivida.” Albert Einstein


Há 14 meses... As obras em Nova Patópolis estavam a todo vapor. Com recursos praticamente ilimitados, a cidade se reerguia em turnos de 24 horas, 7 dias por semana. E com tantos arquitetos, pedreiros e ajudantes, o término aconteceria em tempo recorde. Já se passara oito meses desde o incidente. A maioria dos habitantes tentava levar sua vida normalmente, tentando esquecer aqueles terríveis dias. Donald e seus sobrinhos continuavam em sua casa, uma das primeiras a ser reconstruída. Com a herança do Tio Patinhas distante, a eles só restava trabalhar e seguir em frente. A ajuda de Dumbela pagava a maioria das despesas, mas Donald fazia questão de ter alguns serviços, até como exemplo aos meninos. Mesmo não tendo mais aventuras com seu Tio Patinhas, Donald sentia falta de outra coisa. As ligações e missões da Agência, onde finalmente ele havia se destacado em alguma coisa, pois era considerado o agente número um. Fazia algum tempo que não o procuravam, mas por certo, não deveria estar ocorrendo nada que exigisse seus grandes talentos. Claro que sua vida dupla rendeu algo muito melhor que as missões, pois ter conhecido Karen finalmente o fez acreditar que havia encontrado sua alma gêmea. Donald sempre abominou a forma que Margarida o tratava, mas por puro comodismo ainda tentava agradá-la e disputa-la com seu primo Gastão. Após o incidente, a vida pareceu tão sem sentido e Donald ficou tão amargurado, que sua primeira atitude foi abandonar Margarida. Ela se recusava a acreditar que Donald nunca teve nada com Karen antes de abandoná-la e sempre fazia questão de dizer o quanto desprezava aquela vadia (nome carinhoso a qual Margarida se referia a ela constantemente). Seu último encontro com Karen foi ótimo como sempre. Após o passeio no parque, ambos foram até sua casa e Donald terminou esgotado, mas sentindo-se muito bem. Sua única preocupação era que a sua linda patinha não comentou nada a respeito sobre a frase que Donald disse a ela. Mas ele teria paciência e insistiria da próxima vez. Ela valia a pena, ah, como valia. Há 20 meses... Donald estava muito angustiado com todos os acontecimentos recentes, e na medida do possível deixava os meninos no sítio da Vovó enquanto ele mantinha alguns bicos para se distrair.


A Agência estava com muita demanda e Donald Duplo era constantemente convocado para missões solo. Donald não se importava nem um pouco, pois isto o mantinha focado e ocupado. Após tantas missões solitárias, finalmente recebeu uma com a colega Ka K, em que ambos viajaram em voos diferentes em direção a Côte d´Azur, no litoral sul da França. Mesmo em voos separados, eles seguiram para o mesmo hotel, o fantástico FiveStars Cap Estel, com uma maravilhosa vista para o mar da Riviera. Após a chegada e o check-in, cada um foi para o seu quarto, reservados lado a lado. A missão não era nada muito perigoso, apenas meticuloso. Ela seguiu tranquilamente durante alguns dias, aonde os contatos e descobertas iam sendo repassados A Agência. E foi no quarto dia que tudo aconteceu. Neste dia, os dois agentes trabalharam juntos até tarde da noite. Mal tiveram tempo de se alimentar. Ao chegarem ao hotel, seguiram direto ao salão de jantar. Naquela noite, Donald estava melancólico e quieto. Para tentar ser simpático com sua colega, após pedir seu prato - Blanquette de Veau e Cassoulet - não economizou na carta de vinhos. Ka K não falou nada sobre os vinhos, somente fez um pedido mais exótico – Cuisses de Grenouilles e Caviare - por apreciar novidades. À medida que a noite avançava, Donald ficava mais a vontade a cada taça de vinho (já estava na sexta). Então começou a falar de sua vida pessoal, comentando sobre a sua separação e como era mal tratado por Margarida. Ka K ouvia tudo atentamente e o apoiava incondicionalmente. Ela havia tido a chance de ver algumas vezes o quanto Margarida era prepotente e agressiva em relação a Donald. E mesmo não falando tanto de sua vida, o acompanhava em cada brinde proposto por ele. Após o jantar e um pouco feliz demais, Donald a convidou para um passeio no parque em frente ao hotel. Ka K aceitou imediatamente. Após levantarem, ambos (com um nível etílico acima do recomendado) saíram de braços dados. Sua melhor recordação daquela noite era andar em direção ao centro do parque e na primeira parada, ouvir a voz suave de Ka K ao seu ouvido dizendo “Você merece muito mais do que isto”, um pouco antes de sentir seu corpo colado junto ao dela em um abraço extremamente longo. A partir daí as lembranças tornam-se turvas, provavelmente por causa do álcool diluído na grande quantidade de vinho tinto consumido. A safra 30 anos do Château Mouton-Rothschild era imbatível. As roupas que ele encontrou no chão do seu quarto no dia seguinte sujas de terra e grama, amassadas e com marcas de batom por toda a extensão indicavam os acontecimentos subsequentes.


Donald não lembrava claramente como voltou ao hotel e muito menos como ambos terminaram no mesmo quarto naquela noite. Mas acordar ao lado de Ka K, com uma terrível dor de cabeça e com o corpo cheio de hematomas não foi nada tranquilizante. Alguns poucos flashes confusos dos fatos pioravam bastante o quadro durante os primeiros minutos daquele dia. Após o susto inicial, Donald caminhou até o banheiro e uma ducha fria o fez acordar totalmente. Enquanto a água escorria pelo seu rosto e apesar da dor intensa na cabeça, seu cérebro tentava se localizar. - O quê eu fiz? O quê aconteceu? – Donald se questionava e estas perguntas martelariam sua consciência por um tempo ainda. Após sair do banheiro, não houve tempo hábil para recuperar todas as lembranças desta noite, pois Ka K levantou olhando para ele, enrolou-se no lençol e seguiu sorrindo para o seu banho. Para Donald, aquele sorriso fez suas pernas amolecerem e seu coração disparar. - O quê está acontecendo comigo? - Donald se perguntava - Preciso de um café forte e puro - concluiu com a cabeça latejando. Antes de desabar no sofá, Donald pressionou o botão que chamava o serviço de quarto. Após algum tempo, Ka K saiu do banho com um belo roupão do hotel, com os cabelos molhados e uma alegria visível e radiante. Antes de qualquer um poder falar alguma coisa, o serviço de quarto chegou com um grande café da manhã. Após dar a gorjeta ao rapaz que parecia estar rindo (ele sempre viu os dois em quartos separados nos últimos dias) ambos se sentaram a mesa e ficaram vários minutos comendo sem emitir qualquer som. - Ah.... Ka K, sobre esta noite... - Donald finalmente quebrou o gelo, mas tinha dificuldade de encontrar as palavras certas. - Relaxe DD - disse Ka K com um sorriso - Eu sempre quis te conhecer melhor, mas como você era noivo, eu simplesmente me mantinha afastada. E agora que finalmente está livre, não pude deixar de aproveitar - completou Ka K totalmente a vontade. Ela sempre quis me conhecer melhor? Donald não podia acreditar nisto, possivelmente era um delírio auditivo causado pela ressaca. - Mas Ka K, eu nunca... - Eu sei que não. Mas somente uma tapada como sua querida ex não reconhecia o pato fantástico que tinha em mãos. Eu me sentia mal por deseja-lo, mas também nunca dei nenhum indício, pois não queria ser responsável por nada - disse Ka K, se servindo com café.


- Mas... - Sem mais, DD - disse Ka K. - Somos adultos e desimpedidos. Se o problema é você não se lembrar de muita coisa por causa do excesso de álcool, recomendo que não beba nada além de água esta noite antes de irmos para a cama - concluiu a moça de forma impaciente. Donald estava estupefato. Aquela patinha linda e inteligente falando desta forma tão liberal era demais para ele. Margarida era tão fechada que parecia uma puritana e Donald acreditava que a maioria das mulheres agia assim também. - Não, não... O problema é agora... Como ficamos... - Não ficamos nada, DD - disse Ka K cortando a frase de Donald - Estamos em missão e nos divertindo a noite, apenas isto. Se disto acontecer alguma coisa, não teremos como impedir. Se não acontecer nada, pelo menos teremos nos divertido bastante - finaliza Ka K, terminando sua refeição. Donald ficou quieto. Ele realmente precisava de um tempo para colocar as ideias no lugar e aquela dor de cabeça forte não estava ajudando em nada. - Vou voltar para o meu quarto, DD. Preciso me trocar para continuarmos a missão disse Ka K ao se levantar e seguir para a porta. - Tudo bem - respondeu Donald tentando ficar de pé rapidamente, mas cambaleando um pouco. Após ela sair, era a vez de Donald se vestir e seguir com seu trabalho. Apesar da dor de cabeça, ele não podia atrasar seus compromissos. Uma pena era não poder usar o seu smoking do dia anterior, considerando o quanto estava sujo e amassado. Mas foi divertido imaginar como estaria a roupa de Ka K, pois ela a levou dentro de uma sacola sem ele poder ver. A missão continuou normalmente no decorrer do dia, sem qualquer lembrança incômoda ou sensação de culpa. Donald conseguia uma concentração próxima a 100% durante estes períodos. Claro que durante o jantar, a expectativa do que viria a seguir começou a incomodálo. Por via das dúvidas, suas únicas bebidas naquela noite foram diversas garrafas de Evian e Perrier bem geladas. - Bem DD, acabamos de jantar e agora podemos decidir tudo tranquilamente começou a falar Ka K sem qualquer cerimônia. - Decidir o quê exatamente? – tentou desconversar Donald. - Você vai me dizer agora se devo dormir esta noite no meu quarto - completou a patinha.


Demorou cerca de 3 segundos o entendimento da frase e por pouco ele não respondeu “e você dormiria onde?”, mas felizmente conseguiu fechar a boca a tempo. Apesar da concentração de quase 100% na missão, Donald conseguiu manter uma pequena parte de seu cérebro processando este assunto durante o dia todo, e já havia se decidido. - Creio que você deve dormir onde achar melhor, Ka K - disse Donald, acreditando que era isto o quê ela queria ouvir. - Não, DD. Eu quero saber onde VOCÊ quer que eu durma - disse a patinha de forma impaciente. Donald foi pego de surpresa nesta declaração e demorou alguns segundos para se recompor. Mas como já tinha se decidido, mandou a descrição às favas. - Eu quero que você durma no meu quarto, Ka K - disse Donald com convicção. - Ótimo. Então vamos, agente DD - finalizou Ka K se levantando e saindo da mesa. No trecho até o elevador e durante a subida, Donald não acreditava o quanto isto tudo era surreal. Ele sempre admirou Ka K, tanto pela sua inteligência como sua independência e claro, sua beleza. Mas nunca nem passou pela sua cabeça qualquer outra coisa, pois ele a considerava “muita areia para seu caminhão”. E obviamente, ele nunca insinuaria nada para uma agente considerada a mais mortífera da equipe, cujo apelido engraçadinho (Lethal Ducky) era totalmente verdadeiro. Uma piadinha qualquer poderia resultar em uma fratura exposta ou duas. Ao sair do elevador em direção ao quarto, um último pensamento veio a sua mente. - Ah, o quê importa? A vida é tão curta – ele pensou. Donald nunca poderia imaginar o quanto estava certo neste caso e infelizmente, não demoraria tanto assim para descobrir isto. Ao chegar à frente da porta, Donald pegou o cartão magnético, digitou a senha e abriu a porta. - Primeiro as damas, Ka K – disse Donald fazendo uma reverência. Ka K passou por Donald, entrou no quarto e o puxou pelos braços sem hesitação. Donald fechou a porta com uma batida e conseguiu ouvir Ka K proferir uma última frase: - Quando estivermos juntos, pode me chamar de Karen. Logo após, nada mais importou aos dois.


Capítulo 04 Sobrinhos

“Aonde se dirige a minha bandeira, infalivelmente conquistarei a vitória.” Júlio César


Os Sobrinhos de Donald ainda estavam dormindo quando seu tio, tutor e responsável, entrou no quarto abrindo as janelas sem hesitação ou discrição. - Acordem moleques!!!! - bradou o pato cerca de 50 decibéis acima do necessário para acordá-los. - Hmmmm... - foi á resposta imediata. - Sei que vocês vararam a madrugada em seus projetos de Escoteiros, mas sabem muito bem que a escola vem em primeiro lugar - insistiu Donald, falando um pouco mais baixo. - Sabemos tio - resmungou Huguinho. - Já estamos levantando, tio - balbuciou Zezinho. - Estou acord.... zzzzzzzz. - grunhiu Luisinho. - Vocês têm 5 minutos para aparecerem trocados na mesa para tomarem o café da manhã. Após isto, irão para a escola com fome - terminou de falar Donald, saindo do quarto apressadamente. Os meninos não falaram mais nada. Simplesmente se levantaram da melhor forma que puderam, trocaram de roupa sem nem ver o quê faziam e seguiram até a sala de jantar tropeçando. O café da manhã quente e cheiroso não foi suficiente para acordá-los totalmente, mas eles sabiam em seu íntimo que seu tio Donald só queria o melhor. E ele faria todo o necessário para conseguir isto. Também sabiam que Donald não era mais o mesmo. Primeiro o Incidente, que o tornou amargurado. Quase um ano depois, aconteceu algo que eles desconheciam os detalhes, mas que piorou muito a situação. E por mais que eles insistissem, Donald nunca falou uma palavra a respeito. Aparentemente cuidar dos seus sobrinhos era a última coisa que restava a Donald, que se entregou de corpo e alma a este processo. Após presenciar tudo que ocorreu na vida dele, Dumbela tentou convencer Donald a abrir mão de criar os meninos, pois ela sabia o quanto ele estava mal. Mas nem por um instante isto passou pela cabeça dele, pois cuidar dos trigêmeos era um prazer e seu último objetivo. Dumbela conhecia alguns detalhes da última frustração de Donald. Pelo menos ele ainda se abria com sua irmã. Mas ela não podia fazer nada, a não ser torcer para que ele se entendesse com aquela moça.


- Tio Donald, nunca se esqueça de que agradecemos muito o senhor cuidar de nós, apesar de às vezes não dizermos isto - comentou Huguinho mais acordado que os outros. Os demais simplesmente concordaram com a cabeça. - Deixem de bobagem, coisas que fazemos de coração não necessitam de agradecimentos - respondeu Donald de forma seca. Os meninos preferiram não continuar a conversa, pois sabiam reconhecer o tom de voz de “assunto encerrado” de seu tio. Donald terminou de servir a mesa com uma grande variedade de itens, de forma que os meninos podiam escolher o tipo de suco, se comeriam pão ou torrada, passando manteiga ou geleia. Também nunca deixava faltar leite e cereais. Após o café reforçado, os meninos pegaram suas mochilas. Despediram-se de Donald com um abraço carinhoso e seguiram para fora de casa, onde aguardariam o ônibus escolar. Após saírem, Donald se vê sozinho e começa a planejar o almoço e os outros afazeres domésticos. - E pensar que eu reclamava das viagens, caças ao tesouro e da vida louca a qual o tio Patinhas nos submetia - pensou Donald – Mesmo recebendo P$ 0,30 a hora o trabalho era divertido. Mas que velho mais miserável - concluiu o pensamento, rindo da situação. Grandes lembranças retornam a sua cabeça. Com seu tio Patinhas, nenhum dia era igual ao outro. Em poucos anos de sua vida, Donald viu mais maravilhas que a maioria das pessoas do planeta. Desde mini patos árabes que quase foram afogados por petróleo até micro patos do espaço que se intoxicavam com poluição. Civilizações perdidas nos Andes e na Ásia. Mais aventuras nos cinco continentes e tantas outras coisas que fica difícil lembrar-se de tudo. Cada caça ao tesouro em algum canto do planeta era uma novidade. Donald também já tinha enchido três passaportes com tantas viagens. E estes preciosos documentos foram salvos da destruição de sua casa. - Felizmente - pensou ele - São a única prova e lembrança daqueles dias. E terminando em definitivo seu relacionamento com Margarida, Donald acreditava que finalmente havia encontrado o amor da sua vida. Ela era uma patinha linda, esperta e que se destacava em sua área de atuação. Na realidade, segundo seu diretor, ela só perdia para o próprio Donald no quesito “encontrar a melhor solução urgentemente”.


Já no quesito “massacrar o inimigo” ela era a melhor. O seu apelido que era sussurrado nas fileiras inimigas podia ser engraçadinho, mas era mortalmente verdadeiro. - Por que precisou ser assim Karen? - Donald se perguntava até hoje. E também era difícil entender o porquê dela agir daquela forma em seu último encontro ao invés de se unir a ele para procurarem uma solução juntos. Donald estava vivo e seguro, mas seu interior ainda estava sujo de sangue, aturdido e desesperado. Ele fez o quê devia ser feito, mas isto não significava se conformar com o desfecho. - Isto tudo é passado. O agente Donald Duplo morreu em sua última missão e o futuro são os meninos - pensou Donald de forma conformista, acreditando não ter forças para reverter esta situação. Mas ao menos ele não a esqueceu. Quanto aos meninos, Donald sabia que mesmo eles não sendo mais os herdeiros universais de seu tio Patinhas, Hugo, José e Luis não precisavam daquele dinheiro. Eles seriam patos de bem, íntegros, trabalhadores e escoteiros dedicados. Também sabia que o dinheiro tão honestamente ganho de seu tio Patinhas criou a melhor cidade que podia, com tecnologia de ponta e com o máximo de conforto possível. Claro que a maioria dos cidadãos nem de longe agradeciam, pois acreditavam que Patinhas simplesmente cumpriu sua obrigação. Mas o pior eram os moradores que perderam entes queridos durante o incidente e culpavam Patinhas de alguma forma. O fato de a Caixa-Forte ter sido completamente poupada do Incidente levantou inúmeras teorias sobre um possível envolvimento de seu dono com a tragédia. E qualquer parente do quaquilionário também passou a ser visto com certa desconfiança. Donald continuou seus afazeres e sua mente caiu no vazio. Limpar a casa, fazer o almoço e lavar a roupa exigiam apenas o seu físico, então ele podia desligar a mente um pouco. Para ele, nada mais importava a não serem os meninos e ele faria qualquer coisa para protegê-los. E ainda precisava manter a promessa que fez a seu tio Patinhas, realizando o quê ele pediu. Donald, Huguinho, Zezinho e Luisinho eram sobrinhos de Patinhas e eles continuariam suas vidas, mesmo após todas as perdas que tiveram. É o mínimo que podiam fazer em memória de seu grande tio.


Capítulo 05 Maga Patalójika

“Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais fácil; e terceiro, por experiência, que é o mais amargo” Confúcio


Há 48 Meses... A feiticeira acabara de desembarcar em Patópolis. Ela já estava cansada de tantos voos, mas este deveria ser o último. Após correr o mundo e de diversas formas conseguir as moedas de muitos milionários, só faltava uma. Justamente a do mais rico de todos. Nem sempre foi fácil as conseguir, pois alguns milionários se aproveitavam do fato de não precisar de dinheiro e exigiram vários favores para ceder à moeda. Mas não importava. Já com Patinhas, o famoso pão-duro e muquirana, ela sabia que seria muito fácil. Uma nota de P$ 10,00 em troca de uma moeda de P$ 0,10. Se a fama de Patinhas fosse verdadeira, ele nunca iria recusar. Saindo do aeroporto, a feiticeira entrou em um táxi e pediu para seguir até o depósito de dinheiro do famoso magnata. O trânsito estava tranquilo e a viagem fora curta. - Que bom - pensou ela – Pegarei a moeda e voltarei logo para o aeroporto. Depois tentarei adiantar a hora de meu voo de volta para casa - concluiu com uma pequena satisfação. Após pagar a corrida e descer do táxi, a feiticeira se encaminhou a portaria. Chegando lá se apresentou como uma pessoa interessada em fazer negócios com Patinhas. Como o detector de metais não acusou nada e aquela pata elegante parecia ser inofensiva, os guardas pediram que a mesma seguisse até a secretária de Patinhas. Com Dona Cotinha, ela poderia requisitar uma entrevista com o patrão. Ela seguiu até o acesso do elevador. Enquanto o aguardava, a sensação da feiticeira era de alívio. Acabariam as viagens, as preocupações e as privações de sua vida. Em seguida o elevador apareceu e a feiticeira entrou. Pressionou o botão do último andar e a porta se fechou silenciosamente. Durante a subida, ela imaginava que anos de cansaço e humilhações finalmente teriam chegado ao fim. Após um encontro e uma conversa de dez minutos com Patinhas, ela passaria a ter a vida que sempre sonhou. Finalmente a feiticeira seria feliz. Há 32 Meses... A feiticeira aguardava ansiosa a chegada de seu convidado. Após receber uma carta com um perfume enfeitiçado, Patinhas viria até ela com o tesouro tão desejado. E seria enganado com réplicas de joias montadas na China.


A feiticeira estava muito, muito cansada. Isto tudo devia ter acabado a mais de um ano, mas ela continuava se humilhando, voando para longe de casa e tentando conseguir a última moeda. Ela já havia pensado diversas vezes em abandonar esta obsessão. Poderia aceitar o convite de casamento de um dos velhos e idiotas milionários que a acharam linda. Mas seu orgulho a impedia de ficar rica desta forma, então seria do jeito dela e sem depender de ninguém. Se aquele desgraçado cedesse a ela uma simples moeda, sua vida finalmente faria sentido, e todo o sofrimento passado até aqui ficaria para trás. Até mesmo sua infância de abandono e privações nas ruas da Itália, a fome e o frio constantes, o medo de apanhar e de ser abusada, a perseguição dos comerciantes e o desprezo dos moradores seriam apenas lembranças ruins. Hoje a feiticeira conseguiria a moeda e teria uma vida feliz. Há 28 Meses... A feiticeira estava em um voo internacional novamente. Passou pela alfândega, carimbou seu passaporte, entrou no avião e cruzou o oceano novamente. Tudo que ela mais odeia novamente. Na caverna de Circe, ela havia encontrado feitiços e ervas, mas o mais importante era um baú. Ao abrir, encontrou mapas que a levaram a diversas grutas lacradas desde a época mitológica. A varinha mágica criada por ela podia controlar diversos elementos da natureza. Os seus “Ataques Dominicais” conseguiriam a moeda de qualquer jeito. Se não conseguisse, pelo menos o depósito de dinheiro do muquirana desgraçado seria carbonizado, encerrando de vez tudo isto. Ela não chegou a colocar todo o poder possível na varinha, pois seu único alvo era a caixa-forte. Acreditava que tendo o poder de Zeus (descargas elétricas), Chronos (evocar rochas) e Athena (controlar objetos inanimados), seria suficiente. A junção de Chronos e Athena permitiria evocar e lançar meteoros e cometas. Tantas frustrações seguidas estavam acabando com a sua vida. Aparentemente a sua busca pela felicidade só estava conseguindo torna-la infeliz. Nos últimos dois meses, a feiticeira só conseguia dormir com uma dose cavalar de ansiolíticos. Seus exames psiquiátricos acusaram depressão nervosa, ansiedade, obsessão e psicose. Para manter-se de pé, ela engolia pela manhã diversos comprimidos de Fluoxetina e Haloperidol, dois remédios potentes e viciantes. Atualmente a feiticeira se sentia no fundo do poço. Ou ela conseguia a moeda ou a destruiria. De qualquer forma, tudo acabava nos próximos dias. Tudo que a feiticeira queria era ir para casa viver em paz.


Há 25 Meses... Hoje a feiticeira conseguiu se levantar. Nas últimas duas semanas, o simples ato de sair da cama, trocar de roupa ou comer eram ações impossíveis de serem realizadas. Apesar do aumento na dose de seus comprimidos, a falta de melhora a desanimou a continuar com eles. Assim que parou com os remédios, a depressão a atingiu em cheio, a ponto dela se deitar em sua cama e esperar a morte. Mas a vida foi teimosa, pelo menos o suficiente para obriga-la a beber água e comer raízes colhidas na base do Vesúvio. Hoje ela havia se levantado. A síndrome de abstinência finalmente cedera um pouco, mas um processo irreversível estava instaurado em sua já alterada psique. Segundo seu médico, suspender repentinamente a medicação poderia derrubar os níveis de serotonina no seu cérebro. Isto causaria um aumento imediato na depressão, mas o efeito colateral mais perigoso seria potencializar a psicose. A feiticeira seguiu até seu laboratório, e lá entrando pegou os baús com as fórmulas de Circe e os feitiços mitológicos que antes haviam sido colocados em sua varinha dos “Ataques Dominicais”. Mas agora abriu um último baú, que teria poderes que até então ela não ousava utilizar. Os dois dias seguintes foram usados para montar a nova varinha, com todos os poderes anteriores e outros muito mais poderosos e perigosos. Dormir? Não havia tempo. Comer? Desnecessário. Ao final do segundo dia, a varinha estava pronta. Era negra e tinha alguns entalhes muito estranhos no cabo e no corpo. Símbolos místicos a muito perdidos estavam na mão de alguém que passava por um surto psicótico, como uma bomba prestes a explodir. Mas a varinha precisava de um teste. E lá fora estavam os dois espiões do maldito muquirana. - Será que esta bruxa não vai mais sair de sua casa? – perguntou o primeiro para seu colega. - E qual o problema? - retrucou o segundo - Pelo menos estamos ganhando sem fazer nada. - Eu sei, mas este silêncio está me incomodando - concluiu o primeiro.


- Eu não me importo desde que o salário continue entrando. Temos nossas cadeiras, livros, comida e rádio. Não dá para ficar mais confortável - comentou o segundo. Neste momento ambos ficam em silêncio. Apesar de estarem a cerca de 1200 metros da casa, podiam ver claramente a feiticeira saindo e olhando em direção a eles. A feiticeira sempre soube dos espiões, pois Patinhas queria ter controle total de suas atividades. Como de nada adiantaria expulsá-los de lá, ela os tolerava. Mas não mais. Sem emitir uma palavra, a feiticeira ergueu sua varinha negra e se concentrou. Os dois espiões se olharam nervosos. - O quê ela vai fazer? - pergunta o primeiro. - Não sei, mas não parece nada bom - respondeu o segundo. Acima da cabeça da feiticeira um ponto de fogo aparece. A princípio pequeno como uma bolinha de gude, mas que crescia exponencialmente. Ela utilizava o poder de Hefesto. Os espiões olhavam nervosamente para a feiticeira, tentando prever o quê ela pretendia. Após alguns segundos, o pequeno ponto estava do tamanho de um carro. Com um movimento rápido da varinha, a feiticeira apontou para o local onde estavam os espiões do desgraçado. Para os dois, entre o movimento e o impacto direto demorou menos de meio segundo. Eles não viram nem sentiram nada. Ao chegar ao chão, à bola de fogo explodiu em todas as direções, carbonizando imediatamente uma área de um quilômetro quadrado. A feiticeira sentia o calor daquela fogueira que ela havia iniciado. As chamas eram belas e purificadoras. Com outro movimento, o fogo se extinguiu. Na área carbonizada era impossível distinguir o quê estava lá anteriormente, pois só restaram cinzas. - Bom - balbuciou a feiticeira. Após seu teste, a feiticeira voltou à cabana e começou a planejar seu próximo ataque. Felicidade? Isto não importava mais. A feiticeira nunca seria feliz, mas poderia ao menos ter uma ambição. O responsável pela sua infelicidade iria pagar muito caro. Ele perderia sua família, seu dinheiro, sua moeda e sua vida. Maga Patalójika finalmente teria sua vingança.


Capítulo 06 Reunião de Família

“O significado das coisas não está nas coisas em si, mas sim em nossa atitude com relação a elas.” Antoine de Saint-Exupéry


“Reunião de família” era a frase marcada no calendário de Donald naquele final de semana. Como ele bem sabia, era um dos eventos mais corriqueiros da família Pato, que sempre adorou se reunir na fazenda da Vovó Donalda para comer, conversar e se divertir. Donald continuava frequentando as reuniões, apesar de alguns rostos não serem tão agradáveis de se ver quanto outros. Mas ele fazia o esforço de ser simpático na medida do possível. Vovó Donalda e Gansolino não mudaram nada, sempre hospitaleiros e animados para criar uma mesa farta e deliciosa. Peninha era um caso a parte, ele se mantinha avoado e pulando de emprego em emprego. Com sua demissão definitiva da Patada (que passou a exigir competência além da conta), passou a viver de bicos e trabalhos esporádicos. Após assumir tudo, Patinhas contratou Headhunters e passou a exigir testes de mérito para todos os funcionários, o quê derrubou Peninha em apenas uma semana. Claro que do ponto de vista empresarial foi uma tacada de mestre. Hoje “A Patada” é um conglomerado de mídia com jornal, portal de internet, canal a cabo de notícias e presença em mais de 40 países. O Professor Pardal sempre foi considerado da família e como sempre, comparecia com Lampadinha e algum invento novo e maluco. Gastão continuava intragável com sua sorte impossível, sua arrogância desmedida e seu total desprezo pelo trabalho. Nem o casamento mudou isto, apenas acrescentou uma pessoa a mais para aproveitar seus dividendos que apareciam do nada. Já Margarida sua esposa, vivia a vida que sempre sonhou, com carrões de luxo, roupas de grife, viagens internacionais e muito glamour. Mas seu íntimo ainda não tinha engolido o fato de Donald tê-la dispensado por causa de uma vadia (adjetivo carinhoso a qual ela citava Karen) qualquer. Ela já os tinha visto juntos em algumas situações, mas Donald sempre desmentiu qualquer envolvimento além do profissional. Claro que a vadia (mais carinho da parte dela) era alta, bonita, aparentemente inteligente e com mais curvas que uma estrada. Após um tempo de ter sido trocada, onde ela chorou por meses, sem explicações Donald ficou triste e distante. No pensamento de Margarida era bem feito, pois provavelmente a vadia (Margarida realmente a adora...) o abandonou. Ele não chegou a se aproximar de novo, mas para evitar uma recaída aonde seu orgulho iria para a sarjeta, ela finalmente aceitou o convite de casamento feito por Gastão. Donald não foi à cerimônia e hoje podemos dizer que eles não são nem amigos. Já para seus sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho, bastava imaginar a viagem, o sítio e a natureza para se animarem. Como Generais de 10 Estrelas dos Escoteiros,


eles sempre preferiram o campo à cidade. Mais de uma vez, eles deixaram de dormir na casa sede para acampar no meio da floresta. Após o incidente, eles trabalharam duramente no resgate das vítimas, e salvar e perder tantas pessoas deixaram os rapazes maduros e realistas. A mãe dos meninos, Dumbela, sempre comparece para aproveitar e ficar um pouco com seus filhos. Após o seu divórcio, ela entrou de cabeça no trabalho e sua agenda tem pouco espaço para os trigêmeos. O pai deles simplesmente não aparece ha muito tempo. Ele já não se importava muito com os filhos antes, que dirá agora. Dumbela sabe que os meninos estão muito felizes com o seu irmão Donald, mas ela faz questão de pagar as despesas e ajudar e muito com as contas. Afinal, Donald já os cria e não seria justo se ele precisasse trabalhar muito para pagar tudo. Dumbela se preocupou muito com seus filhos após o incidente. Mas acompanhou a reação deles à medida que as coisas se normalizavam, e notou que não havia ficado nenhuma sequela permanente. Já a presença de Patinhas causa em todos eles uma série de sentimentos contraditórios, pois a semelhança física com seu pai é perturbadora. Mas ao ficar um tempo próximo a ele, percebe-se que a sua personalidade é totalmente diferente, indicando que não se está na presença do querido patriarca. Donald se dirige a sala e pega o telefone para confirmar sua presença com a Vovó Donalda. Após discar e aguardar alguns toques, a doce velhinha atende. - Alô? - disse uma voz baixa, mas firme. - Olá Vovó, é o Donald - ele falou com uma alegria sincera e contagiante. - Querido, que bom falar com você – retrucou Vovó com um tom feliz. - Então, daqui a algumas horas eu e os meninos estaremos aí no sítio para a reunião. - Claro, claro, o forno já funciona desde bem cedo, com todas as guloseimas que vocês adoram - dise Vovó com o prazer da certeza que os quitutes serão apreciados. - Tá certo, então até mais tarde - finalizou Donald. - Até, querido - despede-se em um tom tenro. Após os preparativos finais, Donald chama os meninos e todos se encaminham para o velho 313. Não tem nenhuma bagagem, pois a Vovó odeia que alguém leve alguma coisa por considerar ser sua obrigação como anfitriã fornecer toda a comida. A viagem é tranquila e segue por cerca de duas horas.


Todos chegam animados ao sítio e com fome, pois o simples pensamento nos assados e na torta de maça é um prazer inexplicável. Só quem provou estas delícias pode saber a sensação antecipada que elas causam. Após estacionar junto a outros carros, os meninos correm para a casa sede. Curiosamente ao entrar na sala onde estavam quase todos, eles primeiro correm até a bisavó e a beijam e abraçam demoradamente. Somente após este ritual, eles seguem até sua mãe Dumbela para fazerem o mesmo. Já estavam na sala espalhados pelos sofás e almofadas a Vovó, Dumbela, Professor Pardal, Lampadinha, Gansolino, Margarida e Gastão. Donald cruzou a porta e todos olharam rapidamente para ele. O olhar de raiva de Margarida não passou despercebido, mas Donald preferiu não se manifestar e simplesmente disse em um tom melancólico: - Olá Margarida, Gastão... - Olá Donald - foi à resposta de Margarida. Gastão nem ouviu, tamanho é o desprezo pelo seu primo. Vovó e Dumbela foram à sua direção e o abraçaram carinhosamente. - Que bom que veio querido - disse vovó, visivelmente emocionada e falando baixinho. - Quanta saudade, mano - completou Dumbela. - Também sinto falta de vocês - respondeu Donald sinceramente. Após alguns acenos aos demais, Donald se dirige a uma poltrona e cai pesadamente, cansado da estrada onde estava há pouco. - Peninha não virá - disse a Vovó - Ele encontrou um serviço que pagava bem hoje a tarde e precisou ir de qualquer forma. - Tudo bem - respondeu Donald. - Então só falta o Patinhas - completou a Vovó - Ele ligou e avisou que chegará em seguida. Todos esperam a chegada do último convidado, mas não conseguem ignorar o delicioso aroma que vem da mesa, com tantas delícias aguardando para serem devoradas. De repente, escutam a chegada do carro de Patinhas. O único som ouvido é o das folhas e galhos sendo esmagados pela passagem do veículo, que por sua vez é totalmente silencioso. O protótipo dirigido por Patinhas foi criado pelo Professor Pardal e não usa combustível, mas sim um intrincado sistema de pulsos eletromagnéticos


que juntamente com imãs e supercondutores consegue anular a 1° Lei de Newton, o princípio da Inércia. Pardal descobriu que com a combinação correta do PEM, imãs e material supercondutor, era possível acessar o campo gravitacional do planeta e aproveitar a velocidade de rotação, que é transformada em energia cinética e passada ao motor. Com o aperto de um pedal, o motorista consegue cancelar o seu estado de repouso e se colocar em movimento naturalmente. E outro pedal faz o carro voltar ao estado de repouso devagar ou imediatamente, cancelando o movimento tão completamente, que o motorista nem sente. Em testes no deserto, Pardal fez o carro ir de 0 a 800 Km/hora em 0,1 segundo e parar novamente no mesmo tempo. Claro que os tempos necessários para o arranque e a parada são controlados pela potência dos intrincados sistemas e exigem um controle absoluto. Como esta máquina nas mãos erradas pode causar tragédias imensuráveis, Patinhas preferiu ficar com o protótipo e por enquanto não criar uma linha de produção do veículo ou de aviões. Após estacionar, o pato mais rico do mundo se dirige a entrada da casa para rever a sua família recentemente descoberta. Como sempre viveu sozinho, é um grande prazer a ele fazer parte de um clã tão numeroso e divertido. Patinhas entra na casa e com um grande sorriso e brada: - Minha querida família, que bom revê-los. Donald e os meninos são os que primeiro abraçam o recém-chegado, Gastão e Margarida abrem o sorriso e acenam e os demais se aproximam lentamente. Após diversos cumprimentos, abraços e apertos de mão, Patinhas dirige-se a sala e sentase em uma poltrona. Seguindo as regras da etiqueta, ele permite que a dona da casa e por consequência da festa, avise a todos do seu início. O único pensamento dos meninos é o quanto é esquisito chama-lo de primo Patinhas ao invés de Tio Patinhas. - A Reunião da Família Pato está oficialmente aberta - disse Vovó, já retirando o primeiro assado do forno e servindo-o a mesa.


Capítulo 07 Escoteiros

“Os miseráveis não têm outro remédio a não ser a esperança”. William Shakespeare


Há 24 meses... A tropa número 01 dos Escoteiros de Patópolis recebeu uma nova missão. Pelo seu conhecimento do terreno e por suas habilidades, eles foram convocados pelo G.R.A.N.D.E. C.H.E.F.A.O. * em pessoa. * Garantidor de Recursos e Amigo Necessário em Dias Especiais que Com Heroísmo Excepcional e Fraternidade, Ajuda aos Outros. Uma convocação deste porte encheu os Escoteiros de orgulho, que durou até o momento do trabalho começar. Os Generais de 10 Estrelas, Huguinho, Zezinho e Luisinho, coordenaram a separação da tropa em equipes, que encaminhariam os grupos de resgate, polícia, bombeiros e paramédicos. Cada equipe acreditava que seu trabalho era exclusivamente levar os adultos que trabalhariam no resgate dos feridos, no atendimento de emergências e na limpeza dos escombros. Estavam errados. Não existiam equipes de resgate suficientes, e muitas vítimas encontradas no decorrer do trabalho necessitavam de cuidados imediatos. Os Escoteiros são treinados em diversas técnicas de socorro, a maioria de forma simulada. Estavam entre seus conhecimentos primeiros socorros, torniquetes, amputação, RCP, traqueostomia, hidratação de queimaduras, tala para membros fraturados, cauterização de artérias, entre outros. O quê eles nunca imaginariam era utilizar todos estes conhecimentos na prática. Assim que a missão iniciou, cada equipe começou a adentrar pelo quê sobrou da cidade após o incidente. Algumas equipes contavam com um soldado armado para protegê-los de saqueadores que estavam agindo à vontade. A equipe do General Huguinho avançava pela Av. Cornélio Patus quando avistou um grupo de pessoas caídas. Correram em direção aos corpos deitados no chão e começaram as medições vitais. - Relatório, Cabo Anselmo - ordenou Huguinho. Anselmo terminara de utilizar o estetoscópio no pescoço das quatro vítimas, sendo três homens e uma mulher na calçada esquerda da avenida. - Pulso zero nos quatro, General - respondeu Anselmo visivelmente abalado. - Vamos continuar então, tropa - disse Huguinho secamente. - Não faremos nada, General? - perguntou Anselmo.


- O quê nós podemos fazer, Cabo? - respondeu Huguinho de forma apática – Precisamos salvar os vivos. Já o general Zezinho teve mais sorte. Na 8° com a 5°, uma moça caída ainda se mexia um pouco. - Aqui, Recruta João - ordenou Zezinho - Medição vital. - Imediatamente, Senhor - respondeu o Recruta. Após dois minutos tensos, onde o Recruta faz três medições, vem o relatório: - P-Pressão em 6 x 4, Senhor. E caindo. P-P-Provável hemorragia interna - disse o Recruta, gaguejando. - Maldição - pensou Zezinho - Não podemos fazer nada, Recruta. Pegue meu rádio, fique aqui e requisite resgate aéreo imediato. Nós vamos continuar - ordenou Zezinho a sua tropa. - Sim, Senhor - respondeu o Recruta e a tropa. A equipe do general Luisinho entrava andando pelos escombros da 52°, quando ouviu gemidos. Como não havia ninguém à vista, só podia estar soterrado. - Tragam o sabujo de resgate - ordenou Luisinho. - Aqui, senhor - respondeu o Cabo Manuelito, puxando o sabujo pela corrente. Após ser colocado no ambiente, o sabujo fareja tudo até apontar o local que existia alguém. Analisando o local, perceberam que o soterrado estava protegido por uma viga, portanto bastou cavar a lateral até chegar á vítima. Era um pato, quase inconsciente, que gemia muito. Ao puxarem a vítima para fora, notaram seu braço direito quase esmagado. - O quê eu devo fazer, Senhor? - perguntou Manuelito. - O tecido esmagado está impedindo a circulação e criando coágulos. Se não fizermos o sangue correr, ele irá morrer de enfarte ou embolia pulmonar – respondeu o General - Preparar para amputação de emergência! Enquanto realizam o procedimento, os Escoteiros não pensavam no assunto, mas aqueles dias ficariam marcados para sempre em seus corações.


Ao final do primeiro dia, todos voltaram para os abrigos emergenciais. Mesmo que a casa deles estivesse de pé, ninguém queria dormir em um local sem água, luz, telefone e com gangues de saqueadores circulando pelas ruas. Após chegar a tenda onde estavam suas camas, os três generais avistaram seu tio Donald sentado em um canto, com o olhar perdido. - Vamos falar com ele - perguntou Huguinho. - Para falar o quê? - questionou Zezinho - Deixe o tio em paz. - É verdade. Ele está sofrendo muito, mas o tempo resolverá tudo - comentou Luisinho. - O pior deve ser não saber o quê aconteceu - arriscou Huguinho. - E qual a diferença? O quê esta matando o tio é que ele não voltou - disse Zezinho. - Mas o incidente terminou, não? Isto significa que ele nos salvou - completou Luisinho. Donald vê os meninos conversando a distância e sabe que eles estão longe dele para deixa-lo em paz. Não significa que eles não se importam, muito pelo contrário. Os meninos sabem que nesta hora, palavras só vão machuca-lo mais. Dumbela estava com ele até a pouco tentando consolá-lo, mas ele não ouvia as suas palavras. Seus pensamentos estavam no seu tio Patinhas. No pedido dele antes de sair pela porta para resolver o assunto em definitivo. Donald precisava arrumar forças para cumprir o desejo de seu tio, mas naquele momento estava sendo quase impossível garantir isto. Dumbela estava voltando na direção de Donald, quando avista a distância os seus filhos. Sem pensar, ela corre em direção aos três e os chama: – Meus queridos, venham cá... - Mamãe - gritaram os três Generais, que repentinamente perdem a compostura e abandonam a idade mental, voltando a ter a idade real. Dumbela os alcança, e ajoelhada abraça os três. - Meus filhos, meus amores. Que dias horríveis vocês estão vivendo - disse Dumbela chorando muito, beijando cada um e soluçando. - Mamaaaaaae – exclamaram os trigêmeos. Só falaram esta única palavra, abraçados a ela e chorando.


Após alguns minutos descarregando a tensão, os meninos se controlaram e voltaram a serem os Generais de 10 estrelas. - Mamãe, hoje nós salvamos muitas vidas, mas infelizmente perdemos muitas também - disse Huguinho em tom triste. - É verdade - completou Zezinho melancólico. Huginho simplesmente concorda com a cabeça, pois ainda estava abraçado em Dumbela, sentindo seu calor materno. Este momento fez muita falta a ele durante o dia. - Eu sei meus amores - disse Dumbela enxugando os olhos – e também sei que vocês fizeram o melhor possível. Donald vê a distância o amor de sua irmã pelos seus sobrinhos. Eles não imaginam o quanto ele gostaria de estar lá abraçando todos e chorando junto. Mas Donald precisava manter a frieza para os dias que viriam. Quando fosse necessário o equilíbrio de alguém, seria Donald que forneceria isto aos meninos. Esta atitude seria essencial para que eles pudessem voltar ao normal e esquecer tudo que estão passando hoje. Os Escoteiros não terminaram sua missão. Os próximos dias ainda trariam muitos locais para o resgate e o salvamento de vidas. Donald tinha certeza que seus sobrinhos se esforçariam o máximo, assumindo um fardo muito superior a idade deles. Patópolis não era no momento um local para crianças. Mas elas estavam lá salvando vidas, e com isto, honrando o juramento do Escoteiro-Mirim.


Capítulo 08 Informação

“A maior habilidade de um líder é desenvolver habilidades extraordinárias em pessoas comuns”. Abraham Lincoln


A informação sempre foi um dos itens essenciais à existência humana. A informação já destruiu e salvou cidades, causou e decidiu guerras, criou fortunas e as manteve. Mas principalmente definiu a sociedade como ela é hoje. Desde o passado distante com pinturas rupestres, tábuas de pedra e papiros até os dias de hoje com dados digitais e mídias removíveis. Em Nova Patópolis, a informação é o quê permite o funcionamento e orquestração de todas as atividades. Como cada cidadão é identificado pelo DNID e seu dinheiro está dentro de um DNID-Card, qualquer falha neste repositório causaria o desaparecimento dos valores ou mesmo das informações pessoais. E também devemos considerar o DNID, com um TeraByte por cidadão apenas para identifica-lo. Se fosse multiplicado este valor pelo número de habitantes, apenas isto ocuparia mais que o total de espaço físico disponível no mundo todo. Mesmo se houvesse todo o espaço físico necessário, o quê aconteceria se um servidor ou storage simplesmente queimasse? A contingência e backup das informações eram tão importantes quando o dado original. Por todos estes problemas, o grande gênio Professor Pardal inventou dois sistemas, um de armazenamento e outro de contingência. O problema do armazenamento foi resolvido com o acúmulo de informação em estados quânticos de átomos de Hidrogênio, que são guardados em pequenos discos rígidos. Cada disco tem o tamanho de uma caixa de fósforos e acumula um milhão de Terabytes. Quanto à contingência, Pardal criou um sistema de distribuição de informação que ficou conhecido como “O Vácuo”. Uma única informação seria quebrada em tantas partes e separada em tantos servidores pelo mundo todo, que era muito complicado saber onde exatamente estava este arquivo. E cada arquivo era replicado 10.000 vezes, o quê tornava impossível a perda dele. Conforme diz a propaganda, o arquivo no Vácuo não está em local algum e ao mesmo tempo, está em todo lugar. Potentes servidores ROOT, também espalhados pelo globo, eram responsáveis pela montagem e disponibilização de qualquer informação, a qualquer tempo, em qualquer lugar. O patrocinador do sistema Vácuo só podia ser o quaquilionário Patinhas. Os seus anos de trabalho em Vancouver no Canadá, quando ainda fazia a fusão, venda e fechamento de empresas, o fez valorizar e muito o poder da informação. Ele sabia que seu pai trabalhava muito mais com a sua intuição, estratégia que com certeza deu muito certo por décadas.


Mas com as informações corretas, Patinhas não era apenas o pato mais rico do mundo, mas também possuía as empresas mais competitivas, os funcionários mais brilhantes e as metas mais arrojadas. Nada que Patinhas fazia era sem propósito. Com informações definidas em gráficos e métricas estudadas com cuidado, ele concluiu que a criação de Nova Patópolis, além de ser uma obrigação moral, se tornaria seu negócio mais rentável. E não demorou mais que alguns meses para ele confirmar o potencial turístico e empreendedor da cidade do futuro. A excelência exigida por suas empresas, o conforto oferecido pelas ruas e as atrações que ele disponibilizou, atraíam os maiores cérebros e as carteiras mais abarrotadas do mundo. As empresas da Holding Patinhas S.A. se tornaram famosas por pagar muito e oferecer um ambiente de trabalho agradável ao extremo. Claro que a contrapartida era que os funcionários fossem os melhores em suas áreas de atuação. Funcionários satisfeitos e super competentes aumentaram a produtividade de todas as indústrias e prestadoras de serviço. O conforto das ruas estava em todo o planejamento envolvido. O arquiteto da reconstrução Professor Pardal, criou uma liga de concreto com nano partículas autoencaixadas. Resumindo, o asfalto e a calçada se consertam sozinhos à medida que se distorcem ou esburacam. O transporte público, em especial o metrô, cobriu a cidade com uma malha de 1200 KM a uma profundidade de 60 metros, dentro da rocha base da cidade. Não havia esquina onde não houvesse uma estação ou acesso ao sistema de trilhos. Os trens eram rápidos, silenciosos, com música ambiente e temperatura controlada. A coleta de lixo foi automatizada, com caminhões que picotavam o lixo recolhido na caçamba e separavam naturalmente todo o material plástico, vidro, metal, papel e orgânicos. Cada um deles seguia para uma indústria específica de reciclagem ou compostagem. As atrações são um capítulo a parte. Patinhas decidiu tornar público todo o acervo acumulado por seu pai, que anteriormente só servia para seu próprio desfrute. Primeiro o zoológico, onde foram expostos todos os animais raros encontrados no decorrer de suas aventuras. Desde um unicórnio até um dinossauro do Vale Perdido. E finalmente seu grande orgulho, o Museu Patinhas, de oito quarteirões no centro da cidade. Cada ala do Museu era dedicada a um grande tesouro da antiguidade, até mesmo aos considerados imaginários. As mais procuradas são: * Tesouro dos Templários, com a Arca da Aliança, o Santo Graal, o Trono de Salomão e a espada Excalibur.


* Tesouros da América, com peças dos conhecidos Maias, Astecas e Incas a até os menos conhecidos Mixtecas, Olmecas, Toltecas e Anasazis. * Peças Quadradas, com ovos quadrados e imagens de um povo perdido. * Dinossauros, com esqueletos recentes direto do Vale Perdido. * Mitologia, com o Velo de Ouro de Jasão e a Pedra Filosofal. E tantos tesouros, como o da Rainha de Sabá, das Minas do Rei Salomão, do Rei Minos, Alladin, Gengis Khan, Marco Polo, Holândes Voador e outros. Além de tesouros, Patinhas comprou um acervo de obras de arte de valor incalculável, com quadros de Da Vinci, Michelangelo, Van Gogh, Renoir, Matisse, Gauguin, Monet, Lautrec, Seurat, Munch, Picasso e Salvador Dali. E esculturas de Auguste Rodin, Lorenzo Bernini (direto do Vaticano) e Donatello. E muitas outras peças raras como múmias do Egito, um Moai da Ilha de Páscoa e pedras e plantas alienígenas trazidas de viagens pelo espaço. Com tudo isto, o Museu Patinhas passou a ser procurado por amantes de artes e curiosidades do mundo todo. Patinhas se orgulhava da cidade que construiu e pelo fato que seu planejamento se mostrou tão acertado quanto rentável. E ele não parava de comentar que com a informação correta, qualquer coisa era possível. Ironicamente, a única informação que Patinhas buscava verdadeiramente desde que pisou em Patópolis pela primeira vez, continua sendo negada a ele. Sua primeira ordem após assumir a fortuna de seu pai, foi cercar o local onde o Incidente terminou. Com ele cercado e seguro, começaram as buscas por esta informação. Primeiro pelos meios forenses normais, depois com material radioativo e eletromagnético. Como não obteve sucesso, pediu ao Professor Pardal que criasse nanos-robôs que vasculhassem cada poeira. Pardal inventou e soltou milhões de seus robozinhos microscópicos que procuraram em vão por meses. Mas Patinhas não desistiu. Está analisando todas as possibilidades e tem certeza que vai encontrar um dia. Afinal, por que é tão difícil encontrar vestígios de DNA das pessoas que estavam presentes no local, de forma que possam ser identificados? Enquanto não conseguir esta informação, Patinhas não terá paz.


Capítulo 09 Visitas

“O mais importante ingrediente na fórmula do sucesso é saber como lidar com as pessoas.” Theodore Roosevelt


"Visite sua família". - Belo conselho - pensou Patinhas - Pago uma fortuna para o analista que me atende, e a sua solução cretina para meu vazio é algo tão simples? São 22:00 hs de uma quinta-feira e Patinhas senta em sua poltrona na sala. Vestindo seu roupão azul, está inconformado com a resposta obtida na consulta de hoje. Já faz algum tempo que Patinhas está vivendo sem ânimo. Ele consegue apenas levantar, trabalhar o máximo possível e voltar para dormir. Ele nunca imaginou que a manutenção do império de seu pai seria tão complicada e trabalhosa. Tentando evitar remédios e ouvindo um conselho de sua mãe, Patinhas começou a se consultar com um psicólogo muito famoso em Nova Patópolis, o Doutor Ego. Doutor Ego era um pato não muito jovem e sua aparência não era seu ponto forte. Vivia com roupas folgadas e sem qualquer critério de moda. Mas sua competência era incontestável. Nas primeiras sessões, Patinhas contou como esta nova vida era estressante, como tudo mudou de dois anos para cá e toda a pressão envolvida em manter o império. Mais recentemente, o Doutor Ego começou a entrar em questões mais íntimas. A relação com sua mãe, parentes e amigos passaram a ser o assunto principal. A conclusão do Doutor se deu após o seguinte diálogo: - Mas diga, Patinhas. Quando você se divertiu a última vez? - perguntou o médico, ajeitando os óculos. - Difícil esta, Doutor - respondeu Patinhas suspirando e abaixando os olhos. - Não precisa ser um parque de diversões. Simplesmente quando você se sentiu bem e relaxado pela última vez - insistiu o doutor, mexendo nos óculos de novo. - Acredito que foi na última reunião de família. Reunimos-nos no sítio da Vovó Donalda e pude revê-los e conversar com todos eles – disse Patinhas, com seu tom de voz melhorando consideravelmente. - Mas você gosta tanto assim de sua família? - insistiu o médico. - Gosto deles, mas normalmente sinto que não os conheço o suficiente. Até dois anos atrás, nem sabia que todos existiam e às vezes sinto falta deste tempo perdido desabafou Patinhas. - Então meu conselho é simples, Patinhas. Gostaria que você fizesse uma coisa e depois me contasse o resultado - disse o doutor, retirando os óculos e segurando na mão direita. - Pode falar Doutor - disse Patinhas com ansiedade.


- Tire alguns dias de folga e visite sua família um por um. Converse com todos e seja receptivo - concluiu o médico. 23:00 hs e Patinhas continua pensando a respeito do conselho. - Charlatão, cobra tanto e diz uma coisa óbvia após uma frase - resmungou Patinhas para si mesmo. Por volta das 02:00 da madrugada, Patinhas finalmente se rende. A partir de amanhã, vai visitar cada familiar que puder e vai conversar com pouco com todos. Mas decidiu fazer do seu jeito. Serão visitas rápidas apenas para sentir cada um deles. Dependendo do resultado, ele ficaria um dia com cada um, talvez até viajaria com algum deles. Com este pensamento, Patinhas finalmente se encaminha a seu quarto para tentar dormir um pouco. Ao amanhecer, Patinhas se preparou para seguir o conselho do dia anterior. Hoje ele não entraria na sua sala de meditação e muito menos na de informação. Seus negócios poderiam esperar um dia ou dois sem a sua presença. Ao descer as escadas, Patinhas se encaminhou para a cozinha, serviu-se de um pouco de café fresco feito pela copeira e saiu da mansão em direção ao jardim sem comer nada. O jardim de sua mansão era imenso e bem cuidado. Cinco jardineiros se revezavam no trabalho, de forma que a grama sempre estava aparada, as flores vistosas e as árvores podadas. Patinhas seguiu até o local de embarque de sua limusine-protótipo. Apesar de ter um motorista sempre a postos, ele normalmente prefere dirigir sozinho e em paz. - Deseja ir a algum lugar, senhor? - perguntou o motorista impecavelmente vestido. - Sim, mas não com você - respondeu Patinhas – Pode ficar na copa ou qualquer outro lugar. - Sim, senhor - disse o motorista, abrindo a porta da frente para o seu patrão. Ele já estava acostumado com a recusa e se seu patrão queria dirigir sozinho, nada poderia ser feito. Pelo menos o salário sempre entrava no dia correto. Patinhas aciona o seu carro e sai tranquilamente da mansão.


Dirigindo pelas ruas da cidade, Patinhas sempre prefere andar devagar e na faixa da direita. Apesar de seu carro alcançar 300 KM/H em segundos, a descrição era seu forte. De todos os parentes possíveis, Patinhas tinha que escolher visitar algum deles primeiro. Sua escolha mais óbvia era Donald e seus sobrinhos, pois além das inúmeras citações no diário de seu pai, a maioria das viagens realizadas e dos tesouros encontrados foi com eles. Patinhas acreditava que eles teriam muitas histórias a contar e detalhes a comentar. Quando pensa nisto, a melancolia costuma se tornar mais intensa. Quantas viagens ele poderia ter feito ao lado de seu pai. Quantos locais exóticos e interessantes ele poderia ter conhecido. Quantos perigos ele teria passado e ajudado seu pai a voltar para casa são e salvo. Mas agora era tarde. Patinhas precisava parar de lembrar-se disto. Imerso em pensamentos, o trajeto foi rapidamente vencido e Patinhas conseguiu estacionar em frente à casa de Donald, onde ele cuidava dos filhos de Dumbela. Patinhas achava curioso estes meninos estarem com Donald, mas poucos comentários feitos a respeito do pai deles indicavam que havia sido a melhor forma de deixa-los bem e seguros. Após o divórcio de Dumbela, os meninos já estavam tão acostumados com o tio que preferiram continuar com ele, e passarem a receber visitas frequentes da mãe. Patinhas se aproxima do portão e consegue visualizar os meninos com seus chapéus de escoteiros na garagem, envolvidos com algum projeto. Donald já havia comentado que os Escoteiros haviam moldado seu caráter e preenchido suas horas com atividades educativas. Os meninos viram Patinhas e vieram correndo em sua direção. - Tio, digo, primo Patinhas - bradou Luisinho. - Olá meninos - respondeu Patinhas - Vim visita-los. Patinhas considerava prudente não comentar que foram ordens médicas. Era melhor parecer uma visita de cortesia, para que eles agissem naturalmente. - Posso entrar? - perguntou Patinhas humildemente. - Claro, claro - respondeu Luisinho. - TIO DONALD!!!!!! - gritou Zezinho. Donald percebeu o chamado e foi até a janela.


- OQUÊ FOI???? - gritou de volta. Assim que saiu, viu Patinhas de pé dentro do portão e entendeu. - Ah, primo Patinhas - disse Donald cordialmente – Que bons ventos o trazem? - Vim visita-los para conversar um pouco - responde Patinhas - Entre, entre. Fique a vontade - concluiu Donald. Patinhas caminhou até a porta que estava aberta e se prepara para sua primeira visita. Ele deveria esquecer todas as amarguras e tentar confraternizar com seus parentes. A partir daí, tentaria voltar a ver sentido em sua vida. Estas visitas teriam que resolver isto.


Capítulo 10 Jane Doe

“O apego é cheio de parcialidade. O amor e a compaixão são imparciais.” Dalai Lama


Há 11 meses... Doutor Patico era o mais jovem residente do Hospital Geral de Patópolis. Ele ainda não se acostumara ao título e á todas as responsabilidades que isto trazia. Trabalhar neste hospital era uma honra, pois ele sempre foi considerado uma referência. E quando da reconstrução da cidade, os hospitais foram prioridade para cuidar dos feridos e das doenças infecciosas que surgiriam pela falta de abrigo e higiene. Claro que mesmo em um hospital de ponta, ser médico consistia em examinar, diagnosticar e assumir possíveis erros. Felizmente durante a residência, seu trabalho basicamente era aprender, acompanhar os médicos veteranos e em último caso fazer o serviço da enfermaria quando eles estivessem muito ocupados. Pela manhã, sua obrigação básica era entrar em todos os quartos do 1° ao 8° andar, ler os prontuários e confirmar que os remédios foram ministrados. Também verificava se os procedimentos foram realizados pela enfermaria. De todos os pacientes do 5° andar, o seu favorito era a patinha do quarto número 518. Claro que a situação dela era uma das piores, o quê inspirava a ele certa simpatia. - Bom dia querida - falou Dr. Patico ao entrar no quarto. Não houve qualquer resposta. - Será que hoje você está melhor? Pelo menos sua aparência como sempre está ótima - continuou o médico, sem receber qualquer comentário. - Deixe-me ver seu prontuário - concluiu o doutor, estendendo a mão e retirando a ficha de dentro do suporte da cama. - Hmmmm. Eletroencefalograma OK, Pressão OK, Urina OK, Hemograma OK, Hidratação OK - estava lendo o médico linha a linha - Minha querida, como sempre está tudo certo - concluiu o doutor. Por último o médico retirou o lençol, abriu a túnica da paciente e conferiu os ferimentos. Os pontos no abdômen estavam cicatrizando e sem apresentar infecção. Com todo o cuidado, o médico a virou e conferiu os pontos nas contas na mesma linha do abdômen. - Daria tudo para saber quem fez uma barbaridade destas com alguém tão frágil pensou o médico com uma raiva genuína. Após fechar a túnica, cobri-la com o lençol e conferir a sonda vesical, o médico se preparou para continuar seu trabalho. O dia do Dr. Patico fica muito mais agradável quando pode ver sua paciente favorita logo de manhã. - Tchau querida - despede-se o médico, recolocando tudo no lugar e se dirigindo ao quarto seguinte. Claro que ele não espera uma resposta dela.


Na primeira linha do prontuário, podia-se ler em destaque o nome da paciente: Jane Doe *. * Pode-se traduzir como Fulana de Tal. Nome usado para pacientes do sexo feminino sem identificação. Há 19 meses... Donald estava eufórico. Após sua última missão com sucesso em Cote D’Azur, o diretor da Agência ficou tão satisfeito com o resultado que designou um novo trabalho conjunto para os dois agentes. Enquanto arrumava sua mala para um destino desconhecido (o envelope com as ordens seriam entregues no aeroporto), Donald não conseguia parar de pensar na Karen. Suas penas macias, seu perfume agradável, sua voz delicada e toda aquela independência que ele admirava tanto. A pequena diversão deles na França não chegou a ser divulgada oficialmente, mas Donald tinha a impressão que o Diretor sabia e não se importava. Claro que “pequena diversão” era forma de dizer, pois nos cinco dias que restaram da missão, Karen só foi ao seu quarto para se trocar após acordar junto com Donald. E agora, após quase três semanas, ele a veria de novo. E trabalhariam em dupla de novo. E ficariam juntos de novo. Pelo menos era o quê ele esperava, pois detestaria saber que Karen somente o queria para alguns dias. Donald aproveitou que os meninos estavam acampando com os escoteiros. Assim podia terminar de arrumar sua mala na sala. Ainda eram 08:00 da manhã e tinha tempo de sobra para chegar ao aeroporto. Quando estava quase terminando, a campainha chamou sua atenção. - Deve ser o carteiro - pensou Donald despreocupado. Ao abrir a porta, uma figura vestida com um sobretudo que escondia seu corpo e rosto entrou rapidamente. Apesar de não ver, Donald conhecia aquela forma de andar. - Karen, digo Ka K. O quê está fazendo aqui? – disse Donald em um tom surpreso. - Olá DD - respondeu Ka K - Sei que estou quebrando o protocolo, mas lembre-se que fui eu que te achei após sua primeira missão e conheço seu endereço – falava Ka K, retirando o sobretudo e exibindo um vestido vermelho curto e bem delineado. - Eu sei. Mas esperava lhe ver apenas no local da missão - respondeu Donald, ainda sem entender. E com os olhos correndo o vestido e principalmente a dona dele. - É simples, DD. Estou com meu documento da missão e sei que voaremos hoje as 23:00 hs em direção ao Oriente Médio. Mas como não devíamos saber disto, chegaríamos ao aeroporto as 12:00 hs e esperaríamos o resto do dia a toa até a hora do voo - explicou Ka K.


- Entendi. Então você veio me avisar que não preciso ir ao aeroporto tão cedo e posso dormir praticamente o dia todo - comentou Donald, ficando tranquilo com a explicação. - Acertou quase tudo DD - respondeu Ka K com um sorriso malicioso. - E o quê eu errei? - perguntou Donald realmente sem saber. - A parte em que você pode dormir o dia todo - respondeu Ka K em um tom de voz mais malicioso ainda. Donald não disse mais nada. Nos poucos dias que ficaram juntos na França, ele percebeu que Ka K era uma moça que gostava de homens decididos. Desta forma, ele precisava ter atitude para mantê-la interessada. Donald tomou a iniciativa, pegando Ka K em seus braços. Eles não chegaram a sair da sala, pois o sofá era bem espaçoso e confortável. Por volta das 11:00 hs, Donald seguiu até a cozinha para preparar um lanche para sua convidada. Após este breve almoço improvisado, Ka K continuava muito animada. Eram cerca de 15:00 hs e Donald estava realmente cansado. Perguntou a Ka K se já não era hora de saírem para o aeroporto. - Saíremos as 19:00 hs, DD - respondeu Ka K se espreguiçando no sofá. - Tudo bem, então vou tirar um cochilo para me preparar para o voo - disse Donald quase dormindo. - Durma no avião, DD - respondeu Ka K, soltando uma deliciosa risada - Afinal, você é um pato ou uma galinha? - finalizou gargalhando. Donald riu também e se conformou de não poder dormir, afinal, como ele poderia reclamar daquela situação? Por volta das 19:00 hs Donald e Ka K saem da casa dele em direção ao aeroporto. Estacionam o carro, recebem os documentos da missão e os passaportes falsos. Pegam as passagens e as instruções, despacham a mala e fazem o check-in. Após passarem pela alfândega, Donald segue até o Free Shop e compra alguns chocolates para consumir no avião. – Preciso recuperar minhas forças, pensa ele. As 22:00 hs eles embarcam na primeira classe do avião com destino a Líbia. Donald não estava nem um pouco interessado na missão, só conseguia pensar em como seriam dias incríveis ao lado desta excepcional garota. A felicidade finalmente tinha batido a porta de Donald e ele iria manter isto de qualquer forma.


Há 11 meses... Dr. Patico entrou na sala de seu supervisor o Dr. Maurice, um Pato idoso, mas muito sério e competente. - Bom dia Doutor Maurice - disse o residente da forma mais polida possível. - Bom dia rapaz - respondeu Maurice sem muito interesse. - Eu tenho uma pergunta ao senhor, se não estiver muito ocupado - disse Patico em um tom receoso. - Não estou, pode falar - respondeu Maurice. - Certo. A nossa paciente Jane Doe do 518 - começou Patico ainda receoso. - O quê tem? - aguardava o médico ainda não interessado. - Eu queria saber o quê aconteceu com ela - finalizou Patico. - Meu jovem, se nós soubéssemos, ela não se chamaria Jane Doe - disse o médico em um tom de obviedade. - Eu sei, eu sei. Mas quero dizer que pessoas sem identificação não ficam em quartos particulares. Como ela pagará por tudo isto? - disse Patico explicando o motivo da pergunta. - Agora eu entendi, rapaz. Mas creio que não poderei satisfazer sua curiosidade, pois os motivos desta moça estar aqui são tão pouco ortodoxos, que eu não compreendo também - respondeu o médico querendo encerrar o assunto, visivelmente incomodado. - Mas doutor... - Tenha um bom dia, Dr. Patico - disse Maurice realmente encerrando o assunto. Patico sai inconformado da sala de seu supervisor. - Por que para todo mundo que pergunto de onde veio esta moça, ninguém quer falar? - pensou ele consigo mesmo. Claro que alguns detalhes ele podia deduzir. O tipo de ferimento no abdômen que continuava nas costas na mesma altura, com marcas de cauterização circular, indicava um trauma causado por arma de fogo. E pelo tamanho, era de um calibre alto. Para sorte da moça, a bala havia entrado e saído, sem perfurar os rins e fígado, o quê teria causado uma morte lenta e agonizante. Mesmo assim, se o ferimento não tivesse sido estancado de uma forma quase profissional, ela não teria sobrevivido, pois a hemorragia deve ter sido muito intensa. Ela nunca poderia ter sido abandonada após este tiro e muito menos conseguiria andar sozinha. Neste caso, alguém parou o sangramento e a trouxe para cá.


Então como ela não tem identificação? Ele também não entendia como o quarto dela era particular, o quê consumia no mínimo P$ 1.000,00 por dia. Sua internação já durava semanas, então quem estava pagando tudo isto? E para completar, a ressonância magnética não detectava qualquer lesão física no cérebro da paciente. Então por que ela não acordava? O mais estranho era o eletroencefalograma. Ele indicava uma anormalidade elétrica em um ritmo que ele nunca havia visto. Era como se alguém tivesse dado um choque dentro da cabeça dela. Seguindo o seu trabalho, Dr. Patico prometeu para si mesmo, que não sossegaria enquanto não descobrisse o quê aconteceu com aquela frágil moça. Há 16 meses... Era um lindo dia e Donald estava na cidade fazendo compras e pagando algumas contas. Sua amargura após o incidente caía um pouco por vez, mas ele finalmente conseguia dormir a noite toda, acordar normalmente e tocar sua vida no dia a dia. Claro que pensar em Karen com toda sua animação e bom humor no seu sofá, ajudava muito. Donald contava os dias para vê-la novamente, quando poderia sentir aquele perfume inebriante juntamente com a maciez de sua voz. Chegando a um farol de pedestres, Donald aguardou e atravessou ao ficar verde. Ao pisar na calçada, parou de repente ao visualizar Margarida andando em sua direção. - Ela já superou, então no máximo vai me dar um aceno cordial e cada um segue seu rumo - pensou Donald, muito enganado desta vez. Ao se aproximar mais, Margarida que já o tinha visto, fez seu cumprimento cordial: - Ora, ora, se não é o Donald traidor, que deve estar feliz da vida com aquela vadia. - Margarida, eu não quero discutir com você - respondeu Donald tentando se afastar. - Mas eu quero. Afinal, a traída e abandonada fui eu - retrucou Margarida quase gritando e soltando fogo pelas narinas. - É esta histeria que me afastou de você - respondeu Donald agora ficando nervoso. - Eu vou falar apenas uma vez e depois irei embora. Eu não sou um traidor, pois somente fiquei com ela meses após terminarmos. E ela não é nenhuma vadia, pelo mesmo motivo. Agora, se você não acredita que se dane - concluiu Donald, sem vontade de falar mais nada.


As próximas frases amigáveis de Margarida não foram mais ouvidas, pois Donald se afastava a passos largos para o lado oposto. – Eu saí disto para não ouvir estas besteiras e ela ainda quer falar? - pensa Donald, se justificando por deixar alguém na calçada gritando sozinha. Mas ele sabia como se acalmar. Pegou seu celular com linha segura e discou para Ka K. Após apenas dois toques, ela atendeu. - Olá querido (apelido que ela passou a usar nos últimos tempos) – disse Ka K. - Oi linda (apelido que ele usava). Está ocupada? – pergunta Donald. - Não, apenas derrubando alguns inimigos com meu rifle. Nada demais - respondeu ela com toda naturalidade. Donald conseguia ouvir os disparos ao fundo. Aparentemente, Lethal Ducky estava na ativa hoje. - Que bom. Só queria ouvir sua voz e dizer que quero muito te ver - disse Donald. - Sem problemas, querido. Amanhã na sua casa as 22:00 hs. Esteja lá e bem descansado - concluiu Ka K com uma breve risada. Ao mesmo tempo ele ouvia o barulho do rifle disparando. - Combinado linda, até lá então - respondeu Donald encerrando a conversa para não atrapalhá-la. Com isto tudo voltou ao normal. Donald se sentia nas nuvens e ninguém estragaria isto, pois ele tinha certeza que esta felicidade duraria para sempre. Infelizmente, estava enganado. Há 15 meses... Donald estava muito animado naquela tarde. Apesar de ver Karen apenas alguns dias por mês, não ter a menor ideia de onde ela morava e não saber exatamente o quê ela sentia em relação a ele, nada disto importava. Donald estava perdidamente apaixonado. A linda patinha não dava mostras que seu sentimento era diferente e hoje ele confirmaria tudo. Como não havia uma missão no horizonte, Donald havia ligado para Karen e a convidado para um pequeno encontro a dois, tranquilo e sem tiros, adrenalina ou qualquer perigo. Ele não havia planejado nada muito caro. Afinal, quando em missão eles abusavam do Amex Diamante, um cartão ilimitado de despesas fornecido pela Agência. Hoje, ele queria apenas um passeio romântico, uma pizza e talvez um Milk Shake.


Após uma longa demora no chuveiro, uma dose discreta de perfume e a troca de roupas, Donald estava pronto para encontrar a sua linda patinha. A única dúvida de Donald era se ele teria coragem. Ele nunca foi muito bom nestas coisas e gostaria de estar mais seguro de si para falar o quê pretendia. Já tinha evitado falar isto em dois encontros para ela e de hoje não passaria. Saindo de sua casa no seu carrinho 313, Donald segue para a Av. 49 com Rua 23, local que combinou o encontro com Karen. O transito estava tranquilo naquele domingo e Donald dirigia nas nuvens, só pela proximidade do momento de olhar nos olhos dela novamente. Até os apressadinhos que buzinavam, algo que sempre o tirava do sério, não causavam nenhum reação neste dia. Donald chegou com certa antecedência do horário combinado, mas ele não se importava. Após alguns minutos, lá vinha Karen, em um vestido florido, solto e um pouco curto. Era a roupa ideal para aquele dia quente. Curiosamente, Donald não sentia qualquer ciúme de Karen, pois um dia uma frase dela o deixou muito confiante: - O principal detalhe para uma mulher ficar com um homem é a admiração. Eu te admiro mais que qualquer um, DD. Ninguém se equipara a Donald Duplo em nosso ramo de atividade, mesmo você nunca tendo recebido treinamento como agente secreto. DD é o meu herói... Donald adorava lembrar-se desta frase. Margarida nunca o elogiou. Tio Patinhas sempre o humilhou e Gastão sempre o fez ir para baixo. Mas Karen só o deixava bem. - Oi querido - disse Karen entrando no carro. - Oi linda - disse Donald apoiando a mão em seu ombro e lhe dando um leve beijinho. - O quê planejou para nós hoje? - perguntou Karen realmente interessada. - Não sei bem - respondeu Donald - Imagino que como sempre estamos comendo em restaurantes de luxo e bebendo vinho, poderíamos comer um lanche, tomar um Milk Shake e passear no parque. - Por mim tudo bem, querido - disse Karen, passando os braços em volta de seu pescoço para aproximar o bico de sua nuca e sentir seu perfume - Estando com você, qualquer local é cinco estrelas - cochichou Karen ao seu ouvido. Donald sentiu um arrepio em suas penas quando Karen falou tão próximo dele. O perfume dela invadiu suas narinas, trazendo recordações fantásticas. Mas ele devia parar de lembrar. Naquele momento, eles apenas iriam passear no parque.


Para Donald, a tarde foi inesquecível. Apesar do programa simples, a presença de Karen tornava qualquer coisa estupenda. Um lanche no MacPato, Milk Shake de chocolate e torta de maça foram uma grande refeição. Um passeio no parque naquele dia ensolarado era o quê ele queria. As crianças brincando e uma tarde sossegada completaram o clima. Em seguida, voltaram ao carro e se dirigiram para a casa de Donald. - Ah, querido. Crianças me deixam tão feliz - disse Karen em um tom mágico – São tão bonitinhas... - É - foi à única resposta de Donald. Ele não queria falar muito de crianças, pois tinha medo de incentivar Karen a ter um filho. E este seria um planejamento a longuíssimo prazo. Conversando amenidades, eles chegam a seu destino e Karen desce do carro primeiro. Karen já se sentia totalmente à vontade na casa de Donald. Ela entrava, pendurava sua bolsa e seguia para o quarto ou banheiro com total desenvoltura. No início da noite, Karen se encontrava deitada com a cabeça sobre o peito de Donald, quase cochilando. Donald não sabia como iniciar o assunto e ao mesmo tempo, não queria quebrar o clima do momento. Mas ele prometeu a si mesmo que de hoje não passaria. - Ah... Karen... - disse Donald hesitando um pouco. - Hmmmm... Quê foi querido? - respondeu Karen, um pouco sonada. - Eu quero te dizer uma coisa - continuou Donald, mais seguro de si. - Então diga - foi à resposta, acompanhada de um bocejo. - Veja bem, eu pensei bastante e o quê vou dizer não é brincadeira - disse Donald de forma séria. - Hmmm... E o quê está dentro da linda cabecinha do meu queridinho? - respondeu Karen em um tom carinhoso, levantando a cabeça e olhando Donald nos olhos. - Karen, eu, eu... - Donald engasga um pouco, mas se recompõe em seguida - Eu amo você. Como nunca amei ninguém. - Qui bunitinho - disse Karen fazendo um biquinho – Vem cá, meu patinho romântico concluiu Karen abraçando Donald e enchendo ele de beijos.


A noite seguiu normalmente, pois quando estava com Karen, Donald não raciocinava muito. Somente na manhã seguinte, após acordar sozinho, ele atentou para um detalhe crucial. Ela não disse que o amava. Esta questão atormentaria Donald por muito tempo ainda. Há 11 meses... Dr. Patico começa seu trabalho em mais uma manhã. Pelo seu rodízio, poderia ver sua paciente favorita novamente. Ele devia cumprir a escala por andar, começando no 8° e ir descendo cada um. Mas como preferia ver sua linda patinha em primeiro lugar, modificou a lista de visitas e seguiu direto ao 5° andar. - Mais um dia, querida. Outro dia para te ver e não saber o quê te aconteceu - pensou o médico com certa melancolia. Ele sabia que não devia se envolver emocionalmente com seus pacientes, mas no caso 518 não era possível evitar. Após estudar quase uma década para estar naquele hospital como médico, se perguntava o quê uma patinha mais nova que ele poderia ter feito da sua vida para terminar daquela forma. Patico desceu do elevador e seguiu ao 518. E como sempre, falou logo na entrada: - Bom dia querida. Hoje está sol e bem agradável. Pegou o prontuário e foi seguindo mecanicamente cada item a ser conferido. De repente, travou. Tinha algo errado no eletroencefalograma. Na página quatro, o ritmo elétrico estava um tiquinho diferente, no tempo de alguns segundos. Ele já sabia de cor as posições de seus exames, de tanto olhar para eles e não haver qualquer alteração. Mas esta mudança era tão discreta que a enfermeira não percebeu. - O quê significa isto? - Patico pensou realmente preocupado. Ele não era um neurologista, mas sabia que algo mudou. - Será que está ocorrendo á morte encefálica? – pensou ele engolindo seco. Sempre esteve preparado para isto, mas não queria que acontecesse de forma alguma. Ele saiu rapidamente do quarto com o exame e seguiu para o 12° Andar – Neurologia. Para ele, pareceu que se passaram horas, mas Patico conseguiu chegar lá em apenas 3 minutos. Ao descer do elevador, avistou o Dr. Sergol. - Doutor, doutor, com licença - disse Patico de forma afobada.


- Calma rapaz - tranquilizou o médico – O quê eu posso fazer por você? - Preciso que um especialista me diga o significado desta linha em uma paciente em coma - respondeu Patico apressadamente, entregando o exame. - Calma, calma... Preciso do contexto. De quem estamos falando? - perguntou o médico, começando a ficar nervoso. - Jane Doe caso 518. Ferimento com arma de fogo e estado de coma sem explicação - respondeu Patico rapidamente. - Ah, um quadro realmente curioso... Deixe-me ver - disse o médico pegando o exame. Dr. Sergol olhou o exame do início ao fim. Aparentava surpresa enquanto pensava sozinho. Olhou novamente para ter certeza e finalmente disse: - Olha rapaz, não posso ter certeza, mas aparentemente o ritmo elétrico está entrando em equilíbrio. - Quer dizer quê... - disse Patico com uma discreta falta de ar. - Sim, se o quadro evoluir desta forma, provavelmente a paciente acordará - finalizou o doutor, entregando o exame de volta e se preparando para seguir seu trabalho. Patico queria dar um beijo no doutor, mas parou antes de fazer esta bobagem. Limitou-se a dizer profissionalmente: - Muito obrigado, doutor. Após esta frase, Patico se virou e voltou rapidamente ao elevador. Tão rápido quanto saiu do quinto andar, ele estava lá de volta. Foi quase correndo ao quarto 518 e entrou eufórico. - Boas novas, querida - bradou Patico na entrada. - Se der tudo certo, daqui uns dias você acorda e me diz o quê aconteceu - continuava Patico muito feliz. - Mas o principal, você me diz seu nome - concluiu o médico. Sua maior vontade era descobrir o nome daquela frágil e linda patinha. E seu maior desejo era abrir um novo prontuário dela sem colocar no primeiro campo o nome Jane Doe.


EpĂ­logo


O quarto 518 era um dos especiais do Hospital Geral de Patópolis. Ao invés de uma simples porta, toda a sua frente era feita de vidro, com cortinas que permitiam privacidade total caso fosse desejado. Como a paciente atual estava em coma e não possuía acompanhante, as persianas estavam sempre abertas. Este tipo de quarto tinha o intuito do seu interior ser facilmente visualizado, garantindo que médicos, residentes ou enfermeiros pudessem ver tudo que se passa lá dentro. Mas quem estava passando em frente ao quarto naquele momento, não se encaixava em nenhuma destas categorias profissionais. Ele acompanhou a saída apressada do médico e sua volta alguns minutos depois. Aparentemente, o médico havia saído preocupado e voltou feliz. Então o quadro dela devia estar melhorando. Ele ia constantemente fazer esta visita silenciosa. Diariamente. Ele chegava, olhava para ela deitada e ia embora em seguida. Ele estava lá para ter certeza que ela acordaria. Quando ela acordasse, ele não fazia ideia do quê aconteceria. Nem se ela se lembraria de alguma coisa. Ele não conseguia se esquecer das últimas palavras dela. Ele ajeitou seus óculos escuros com os olhos marejados e com um suspiro, se encaminhou para o elevador.



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