Trívio n. º 9 + Suplemento, maio 2018

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Escola Secundária de Camões Agrupamento de Escolas das Laranjeiras Agrupamento de Escolas de Santa Maria dos Olivais Edição N.º 9 Maio de 2018

Última edição do Trívio! Para memória futura… Damos por terminado este projeto, que durou três anos. Pág.: 31 e 32

Compromisso Ricardo Robles, engenheiro civil, do Bloco de Esquerda (BE), é o vereador com o pelouro da Educação e dos Direitos Sociais na Câmara Municipal de Lisboa. Revela, ao Trívio, o compromisso assumido para com aqueles que o elegeram. Pág.: 3

Teresa Calçada em entrevista A implementação e monitorização do Plano Nacional de Leitura até 2027 ficará sob a responsabilidade de uma comissão que inclui os Ministérios da Educação, Cultura e Ciência, Tecnologia e Ensino Superior A Comissária do Plano Nacional de Leitura, Dr.ª Teresa Calçada, defendeu

a importância da leitura numa entrevista conduzida pelos alunos Diogo Silva, Joana Ferreira e Maria Inês Monteiro do 11.º 5, da ES D. Pedro V, afirmando que Ler é poder, a ser publicada na Revista Adolescência, no prelo.

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Projeto “Eu Participo” As crianças das três Escolas Básicas construíram projetos em torno das necessidades na Escola numa parceria entre o AEL e a Junta de Freguesia de S. Domingos de Benfica. Pág.:13


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EDITORIAL Por Teresa Calçada, Comissária do PNL A leitura e a escrita continuam a ser o pilar da civilização e das sociedades do livro e da palavra, a que nos deve honrar pertencer. Urge, por isso, preservá-las. Defendê-las, como condição da sobrevivência da espécie e do património humanos; como condição de autonomia dos homens em comunidade e de liberdade pessoal e social. Feita esta declaração, podemos perguntar qual é o papel de cada um de nós nesta defesa e preservação da leitura e escrita. Todos temos um papel e todos temos responsabilidades. Assim, todos estamos convocados para a causa – pais, famílias, escolas, professores, alunos, mediadores, editores e livreiros, escritores e artistas, cientistas e pensadores, políticos, trabalhadores, mecenas, instituições culturais e da sociedade civil. Da escola espera-se, ainda e sempre, mais e melhor: atitude, exemplo, ambição, conhecimento e ensinamento, resultados! E, claro, dos professores, pela proximidade com os alunos, pela comunidade de interesses à volta do aprender e do ensinar, espera-se que sejam os primeiros a corporizar um tão radical desiderato. Mas o sucesso em defesa deste bem civilizacional, exige do estado recursos necessários a uma real política pública de leitura - reforçando bibliotecas do século XXI, apetrechadas e modernas; promovendo educação para todos, crianças, jovens e adultos; reforçando sem preconceitos o acesso aos saberes integrados, às artes, ciências, tecnologias e humanidades. Garantindo que ler e escrever com proficiência e aprender ao longo da vida se constituem como um direito humano, ao lado dos demais.

Nas sociedades de hoje, no entanto, não conta apenas o saber formal. Muitas aprendizagens fazem-se em contextos informais, os quais podem e devem valorizar socialmente a leitura enquanto bem de primeira necessidade, capaz de favorecer a inclusão e de desenvolver as múltiplas literacias que as sociedades contemporâneas requerem.

um contexto – mas que vai adquirindo contornos e sentido no espírito do leitor. A nosso ver essa continua a ser a competência matriz para a formação de leitores competentes e críticos em todos os suportes e linguagens. Assim encontremos os textos que fazem sentido para os diferentes leitores.

Tanto os ambientes impressos como os digitais requerem acrescidas competências leitoras e de compreensão do que se lê, para viver com mais e melhores direitos cívicos e usufruir de melhores condições pessoais e profissionais. A leitura tem-se deslocado progressivamente para as páginas da Internet e dos vários dispositivos tecnológicos – smartphones, tablets e outros ecrãs - que nos acompanham todo o dia. A exigência de compreensão leitora coloca-se-nos permanentemente, pois a cada instante somos interpelados por mensagens, informações, instruções, conteúdos escritos vários, imagens e objetos que necessitamos de saber ler, interpretar e, tantas vezes, submeter a um juízo crítico. Seja na esfera pessoal, profissional, escolar ou na relação com as instituições públicas e de governação. O que implica saber dominar ou usar outros códigos e outras linguagens que são, mais do que nunca, igualmente importantes para “ler” o mundo e os outros e para irmos escrevendo a nossa vida: a linguagem visual, digital e tecnológica; a linguagem dos números, da ciência e da estatística; a linguagem dos algoritmos que, por trás dos ecrãs, estão constantemente a ler e a codificar comportamentos, a nossa pegada digital. Mas não podemos esquecer que a leitura se desenvolve nessa singular capacidade de associação entre a palavra, falada ou escrita e algo que está fora – uma imagem, uma ideia, FICHA TÉCNICA

Conceção e implementação do projeto: Professoras bibliotecárias Lígia Arruda (ES D. Pedro V), Lurdes Castanheira (ES António Damásio) e Teresa Saborida (ES Camões). Coordenação do projeto: Lígia Arruda, Lurdes Castanheira e Teresa Saborida. Revisão de artigos: Lígia Arruda, Lurdes Castanheira e Teresa Saborida, docentes do grupo 300. Colaboração permanente das professoras bibliotecárias: Ana Correia (Ag. das Laranjeiras), Lucinda Marques (Ag. das Laranjeiras), M.ª de Lourdes Martins (Ag. Santa Maria dos Olivais) e M.ª de Lurdes Grácio (Ag. Santa Maria dos Olivais). Conceção e montagem gráfica: Alexandre Rodrigues e Carla Rodrigues, docentes de Informática da ES D. Pedro V. Periodicidade: um por período letivo Email: ligia.arruda@ael.edu.pt - teresasaborida@escamoes.pt - lurdes.castanheira@aeolivais.pt - jornaltrivio@gmail.com


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COMPROMISSO Por Ricardo Robles, Vereador da CML Assumi em Outubro um compromisso muito importante. Fui eleito Vereador da Câmara Municipal de Lisboa pelo Bloco de Esquerda e, se já as funções de representar os votos que me elegeram têm um grande peso, também assumo o pelouro da Educação e dos Direitos Sociais. É um desafio enorme e que me comprometo a cumprir. Sendo Vereador da Educação, cabe-me garantir que todas as Escolas Básicas de 1.º ciclo e Jardins de Infância da esfera pública têm as melhores condições para as crianças lisboetas. São mais de 90 equipamentos, muitos com décadas de desinvestimento, mas que estão agora integrados num amplo plano de requalificação que envolverá 59 milhões de euros até ao final deste mandato. Além disso, estamos a rever a Carta Educativa de Lisboa. Será a primeira revisão em 10 anos, envolvendo muitos parceiros sociais e institucionais. As escolas e a cidade evoluíram muito numa década e cabe à Câmara Municipal acompanhar este desenvolvimento

com o atualizar da carta, dos objetivos educativos para o município e de uma visão inclusiva sobre a Educação. Também sendo responsável pela área dos Direitos Sociais na Câmara, quero aproveitar para entrelaçar ainda mais estas duas áreas. Sendo a Educação um Direito, também podemos e devemos direcioná-la para educar para a cidadania ativa. Se as crianças souberem exercer os seus direitos hoje, amanhã serão cidadãos mais informados e construtores de uma sociedade mais justa e igualitária. Inserida na área social está a construção de novas creches e centros de saúde para a cidade de Lisboa. Hoje quem procura creches para os seus filhos, sabe que Lisboa não é uma boa opção. Há listas de espera intermináveis e os preços no privado são incomportáveis para a maior parte de nós. Vamos garantir 1000 novas vagas em creches na cidade até ao final do mandato, um imperativo essencial para a fixação de famílias na cidade para inverter o movimento de êxodo do centro da cidade.

O desinvestimento também foi a regra durante tantos anos no que toca à Saúde. Para garantir uma saúde preventiva, precisamos de centros de saúde com as melhores condições, sem esperas e com mais valências. Para isso, estão previstos 14 novos centros de saúde até ao final do mandato, esforço comum com o Ministério da Saúde no sentido de garantir equipamentos de ponta para todos os munícipes. São estes alguns exemplos do trabalho que fazemos na Câmara Municipal de Lisboa, mas não queremos ficar por aqui. Para além das minhas competências, continuo a insistir noutros eixos fundamentais que constituem a vida na cidade. É um trabalho árduo mas que, ao final do dia, é muito gratificante.

TERESA CALÇADA EM ENTREVISTA Introdução Teresa Calçada, Comissária do Plano Nacional de Leitura 2027 (PNL2027), foi entrevistada para a Adolescência por três alunos da Escola Secundária D. Pedro V, de Lisboa – a Joana Ferreira, a Maria Inês Monteiro e o Diogo Silva, que frequentam o 11.º ano, turma 5. A professora bibliotecária da Escola, Lígia Arruda, colaborou na revisão das questões e na transcrição da entrevista; a coordenadora interconcelhia da Rede de Bibliotecas Escolares, Margarida Toscano, apoiou os alunos na gravação da entrevista, que decorreu no espaço do PNL2027. Ao longo de cerca de meia hora, Teresa Calçada foi falando das novidades do PNL2027, do seu próprio percurso como leitora e de como pode ser a leitura a marcar a diferença ao nível da construção pessoal, social, profissional e de cidadania. Falou ainda do que na sua perspetiva é verdadeiramente importante para se aprender a ler, a ler bem, e do estatuto da leitura em sociedades onde a tecnologia e a imagem se tornaram fundamentais. Pergunta (Diogo) - Após já estar na situação de “reformada”, sem compromissos profissionais, como foi regressar para assumir o cargo de Comissária do Plano Nacional de Leitura?

R - Não foi difícil. Do ponto de vista da minha vida ligada às bibliotecas, ao voluntariado e à leitura continuei sempre envolvida … e, depois, a verdadeira loucura não é apanágio dos novos… pode tocar a todos... e é o meu caso! [risos]. P (Joana) - Que novidades traz o PNL 2027, para além da designação? R – Bom… o PNL2027 não enjeita o seu passado nem o modo como nasceu, nem as ideias anteriores, porque realmente inscreveram na nossa sociedade a leitura como tendo um valor, um valor social para as famílias, para a escola e nós queremos continuar e recuperar tudo o que vá nesse sentido. Agora, desde logo, o Plano alarga os seus públicos com a obrigação de abranger também os adultos, em primeiro os adultos que se encontram em percursos formativos de validação dos seus conhecimentos e de reconhecimento da experiência, enquadrandoos naquilo que, exatamente, são hoje formas de reconhecer o valor do que se aprende fora da escola e ao longo da vida. Devemos encontrar uma resposta para esses adultos em formação e, por isso, temos já em linha o projeto LerQualifica, tudo junto e com o Q maiúsculo, que vamos desenvolver com a ANQEP [Agência Nacional para a

Qualificação e o Ensino Profissional]. Mas também não queremos deixar de fora aqueles que nunca tiveram oportunidade de alfabetização, e ainda são muitos em Portugal, 400 e tal mil. Queremos ter alguns programas nesse sentido bem como alguns programas também no plano estrito do aprender ao longo da vida sem obrigações curriculares ou formais, mas pelo gosto que muitos de nós temos de ler - a idade não nos retira o prazer de ler e conhecer – na perspetiva de irmos sempre reforçando e reconhecendo as competências intelectuais e de impedir que alguns se tornem analfabetos funcionais. P (M.ª Inês) - Qual o autor ou os autores que mais marcaram o seu percurso literário? R - Ahahah… é difícil porque normalmente não há um autor. Há épocas que são marcadas por uns, épocas que são marcadas por outros, outros autores que nos marcaram muito e que hoje verdadeiramente já nem nos apetece nomeá-los porque parece que deixaram de ter essa importância, que teve algum aspeto circunstancial.

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TERESA CALÇADA EM ENTREVISTA - CONT. É muito difícil, mas há escritores que me marcaram, por exemplo, eu sei que sou tocada por muitos autores da literatura russa. Li muito Dostoiévski, li Tolstói, se me perguntar qual prefiro, digo Tolstói. Eu gosto da palavra, portanto eu gosto de ler porque a palavra está ali manipulada, trabalhada.... A ficção, de um modo geral leio em português e, portanto, sabe-me à minha língua; procuro ler boas traduções porque a tradução é uma coisa importante, eu não tenho aquela virtude de ler nos originais. Embora, como sou uma fã do Pamuk [Orhan Pamuk], acho que ... enfim, li tudo o que está traduzido e, mesmo assim, ainda li uma edição do Istambul em francês e outra em espanhol que, aliás, a Margarida sabe porquê, porque foi a Margarida que me deu. E estou agora exatamente a ler em inglês uma versão nova do Istambul, que tem as fotografias que correspondem àquilo de que o Pamuk fala na primeira versão, que saiu sem fotografias. Gosto de um americano, particularmente, chamado Roth [Philip Roth] e também acho que o li bem. Eu não sou uma leitora muito despachada, não leio muito depressa, sou uma leitora reflexiva e gosto de uma leitura que se “mastiga”. No caso do Roth até li a Mancha humana mais do que uma vez, li duas vezes. Bom, acho que também fui, como muita gente, muito marcada por alguma literatura francesa ou escrita na língua francesa, porque eu já não sou nova e da qual saliento, de facto, a Marguerite Yourcenar. Acho que li, não sei, 30 livros ou mais dela, li tudo o que me veio à mão num certo tempo e ao longo do tempo. Mas já que estou a falar com vocês recomendo um livro que me tocou muito aqui há uns anos e que de certo modo induz a importância da leitura, que se chama O Leitor, [de Bernhard Schlink]. Houve também um filme baseado no livro que, aliás, eu também achei bom, tem um tratamento interessante do livro, contido, reflexivo e o livro é maravilhoso. Eu já soletro as letras do autor porque tenho medo de me enganar a dizer de cor [risos]. P (Diogo) - O que é, para si, um bom leitor? Que conselhos dá a um jovem que não gosta de ler? R - Bom leitor é alguém que gosta de ler e sabe ler. É preciso as duas coisas. Para alguma vez se ser bom leitor é realmente preciso, em tempo certo, aprender a ler, aprender bem, aprender com fluência e ter compreensão. E não se pode desistir à primeira porque desistindo não se chega a perceber o que se lê, nem se chega a ter o treino necessário. A leitura, como algumas artes performativas, precisa de um bo-

cadinho de esforço e de um bocado de treino, precisa de repetição, isso é uma base fundamental. Claro que há umas aprendizagens que são mais intuitivas, como é o caso de muitas que nós fazemos, hoje, no mundo digital, chegamos lá por tentativa e erro; há outras que são mais esforçadas, como a da leitura. Mas diz-vos alguém que é leitor, que gosta de ser leitor e que sabe que muito daquilo que é a sua vida está nos ensinamentos, nas aprendizagens e na experiência interposta que lhe veio pela leitura que, realmente, quem não sabe ler não sabe o que perde na vida. Agora, alguns jovens não são bons leitores, alguns nunca vão gostar de ler … Mas pior para eles é a minha convicção e não escondo isso - pois acho que há aí uma menoridade e uma falta de liberdade, de capacidade de aprender e de pensar mais além, que deve ser nomeada por aqueles que têm esta experiência da leitura. Agora não se é bom leitor não lendo, se se têm muitos preconceitos em relação à leitura e se não se faz o esforço necessário - como fazemos para andar de bicicleta ou nadar ou surfar ou escolher aqueles que são os géneros musicais que nós gostamos nunca se chega lá e alguns não chegam. P (Joana) - Recorda-se da biblioteca da escola no seu tempo? Frequentavaa muitas vezes? Requisitava livros? R - [risos]. Eu lembro-me de duas bibliotecas. Eu andei no liceu Filipa de Lencastre, que é um liceu aqui do centro de Lisboa, que tinha uma boa biblioteca clássica mas não tinha nada para nós lermos de jeito ou que eu tivesse a sensação que era de jeito e funcionava muito como uma sala de estudo, onde havia sempre um professor, que era uma professora muito má, mas muito boa a saber coisas. Era má como os trovões mas algumas vezes em que eu tive dificuldades ela realmente indicoume literatura da matéria que me ajudou. Mas eu era curiosa e isso é que foi, talvez, a minha primeira biblioteca. Depois tive a sorte de, no meu caso, o meu Pai em especial valorizar o que advinha de nós podermos saber, incluindo a ideia de que a progressão social e a maneira como as pessoas iam ser gente dependia da sua capacidade de saberem mais. Portanto, o saber era bem visto na minha casa e quando eu fiz a 4.ª classe o meu Pai deu-me um relógio e um dicionário, de português, o que de algum modo, simbolicamente, era uma forma de dizer que eu precisava de saber coisas, não é? Isto numa época. Depois eu tive uma coisa muito boa - uma amiga da minha Mãe era uma mulher muito livre e eu, cedo, fui muito atraída pela maneira de ser

dela e ela também me achou piada e, portanto, desde que eu era pequena fomos amigas e assim pela vida fora, até ela morrer, sempre muito amigas e ela tinha uma biblioteca mais atrativa, porque tinha interditos, porque tinha livros de poesia, porque tinha livros que supostamente não podíamos ler e ela nunca dizia não leias isto…. e isso melhorou muito a minha capacidade de ler. Isto, referindo-me a uma biblioteca privada. Mas também tive uma biblioteca pública da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) num sítio para onde ia passar férias, que era a terra da minha Mãe, uma boa biblioteca da FCG, fixa. Então quando nós estávamos lá de férias - e eu estava muito tempo porque adorava que os meus pais me deixassem ir embora de Lisboa e fosse lá para a província - íamos à biblioteca, aí sim, com um ar de biblioteca pública. Íamos lá buscar livros, íamos levar e habituei-me a usar a biblioteca pública, sendo que é verdade que, desde pequenina, também tinha os meus livros e um tio contador de histórias, portanto, o livro foi meu companheiro de crescimento. Mas a biblioteca onde eu me lembro de ir requisitar autonomamente, de ir lá e de escolher, foi nessa da Gulbenkian e na província! Isto antes de entrar para a faculdade, claro, onde fui estudante de filosofia e tudo isso foi mudando, fui constituindo outros interesses, horizontes, companhias, amigos. Aliás, eu sou de um tempo em que se num grupo de amigos se falava de um livro e nós não tínhamos lido, era uma vergonha; às vezes não dizíamos que não tínhamos lido, íamos a correr ver como é que íamos obter o livro ou ficávamos muito caladinhos. Claro que isto era dentro de um círculo de amigos de juventude, um bocado, eu penso que numa relação como hoje se tem com a música. Perdeu-se mais essa relação com a leitura, mas eu estou convencida que se vai recuperar. As celebridades no nosso tempo não eram as vedetas, havia uma associação entre reconhecimento e conhecimento, os dois estavam ligados, não é? P (M.ª Inês) - Acha que a tecnologia é uma ameaça para a leitura? R – É, é, por causa do tempo, porque a tecnologia, ou aquilo que nós chamamos assim, as coisas associadas às tecnologias digitais - os device, a Internet, isto ou aquilo - combinam um tempo muito rápido, um just in time e o andar por ali a perder tempo a saltar, a ver coisas com pouco interesse, a ver nas redes sociais onde é que estás, como é que estás, a “hipertextuar”, etc., etc., e isso rouba tempo. Portanto devemos proteger-nos disso, porque isso não é inocente, porque as tecnologias não


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TERESA CALÇADA EM ENTREVISTA - CONT. são inocentes, porque quem manda nelas menos inocente é, porque as questões associadas aos algoritmos, à própria inteligência artificial, mais até do que a robótica, sobretudo a inteligência artificial, tudo isso, hoje, cria mundos que no fundo são outros mundos. Nós devemos exatamente ser capazes de reconhecer o que nos interessa, o que faz de nós gente e o que não faz. E nesse sentido, como em todas as revoluções, a 1.ª, a 2.ª, a 3.ª revolução industrial, muitas vezes houve esses problemas. Mas quer isso dizer que não devemos usar a tecnologia? Não! Não vamos deixar de usar as tecnologias porque estas têm imensos atrativos, porque fazemos com elas coisas que não fazíamos sem elas ou, pelo menos, não fazíamos no mesmo tempo e com a mesma facilidade, ligando dados, estando em rede, usando big data, etc., etc., etc.. A maneira de o fazermos com consciência é saber, portanto temos de aprender a lidar com essas tecnologias, ser proprietários delas, para não serem elas proprietários de nós. P (M. Toscano) – Pois, hoje há um condicionamento muito grande das TIC até sobre a nossa capacidade cognitiva, de atenção… R – Cognitiva, ética, de atitudes, a maneira como somos consumidores, tudo isso, claro. P (M. Toscano) – Ao longo da história vemos que aparece uma nova tecnologia e arreda as outras, põe a outra um bocadinho ao lado, depois as coisas reequilibram-se. Mas, hoje, as TIC parecem absorver tudo…. R – Exatamente também porque ainda estamos no princípio. A Internet tem 25 anos e um telemóvel como nós usamos hoje em dia tem 10. Isto é nada, não é tempo suficiente para percebermos os efeitos. P (Joana) - Como se sente ao saber que os Jovens hoje em dia não têm interesse em ler? De certo modo eles passam a vida a ler, como dizia o Canclini [Néstor García Canclini] na Conferência PNL2027 (M. Toscano) R – Pois, mas leem mal. Não o fazem com a qualidade que implica ler, porque é um processo um bocadinho fragmentado, porque como não treinam a resiliência e a atenção a leitura é dispersa, porque se assustam com textos longos, e lá vamos bater à questão de há bocado que tem a ver com o tempo, não é? O tempo rápido, é, do meu ponto de vista, um dos elementos mais fatais para a leitura continuada.

P (M. Toscano) - As professoras bibliotecárias dizem que no 2.º ciclo já praticamente não conseguem que os meninos leiam Uma aventura quando, antes, devoravam o livro do princípio ao fim e estavam sempre a pedir novos títulos. Nem outros livros que não tenham imagens, hoje querem é livros com muitas imagens. R - Exatamente porque estamos num tempo muito ligado à imagem e, portanto, a imagem acompanha muito, hoje, o texto. Possivelmente, como em todas as revoluções, nós estaremos numa fase em que isso não é tão horrível - querer que a imagem acompanhe mais a palavra escrita e que isso possa resultar num diminuir algumas das competências leitoras. Agora se a questão quer dizer que hoje a leitura não é, ou não tem, nem a força representativa, nem a força objetiva do conhecimento e que é diferente o modo como as pessoas se relacionam com a leitura, mormente os jovens, eu acho que é um facto, e não podemos negálo. E se alguns de nós, considerando a evolução da sociedade, têm consciência de que nem todas as evoluções são progresso, que há aspetos que diminuem a nossa capacidade de humanos, então devemos lutar contra isso. Portanto, no meu caso é isso que faço. Agora, se me perguntam se eu gostava que a leitura tivesse outra representação e se as pessoas lessem melhor, fossem melhores leitores no sentido da pergunta que há bocado me fizeram… Ah, isso eu gostava! Mas acrescento também, para sermos honestos e não sermos hipócritas, todos nós, a família, os pais, os professores and so on, é verdade dizer que todos nós continuadamente lemos menos, porque o conjunto de informação e de atração que vem com outros devices é grande e o tempo não é elástico. Agora o que nós desejaríamos é que não haja ou não seja criada a ilusão de que tudo está nessas tecnologias alternativas e todos saibamos pensar o que é que perdemos, quando perdemos aquilo que representa séculos de construção humana – a leitura e o conhecimento. P (M.ª Inês) - Qual o conselho que daria aos jovens de hoje tendo em vista o futuro profissional e cívico? R – Quer dizer… na sequência do que eu disse, evidentemente que eu acho que as pessoas têm, hoje, de reforçar muito as suas competências, ao contrário do que, às vezes, este mundo fluído e muito líquido pode fazer crer … que não é preciso, que está lá tudo, na net, no telemóvel ou lá não sei onde, logo, não é preciso reforçar competências. Não! Depois o mundo mostra que a exclusão se faz por aí, pela falta de

competências. Portanto, quem tem preocupações com a sua personalidade, com a sua formação, também com a sua empregabilidade deve ganhar competências. É daí, dessas competências ganhas - e algumas têm de ser em tempo certo, porque senão ficam sempre um bocado desfocadas, a leitura é um desses casos – que podem tornar-se pessoas diferentes, os cidadãos que gostariam. É importante que as adquiram, que as treinem, que não pensem que o saber não tem valor social, porque finalmente as sociedades segregam, são por definição segregacionistas, fazem diferenças entre as pessoas por razões várias, uma das quais, às vezes, são os conhecimentos, embora as pessoas não olhem para essa segregação como tal. Quem não tem conhecimentos tem menos poder e, portanto, transforma-se mais facilmente num cidadão menor porque não tem as competências, os conhecimentos, os saberes refletidos e adquiridos para decidir para si que cidadão quer ser, sendo que hoje os direitos e os deveres de cidadania não são apenas aqueles que, tradicionalmente, se associavam à sociedade. Hoje, o mundo digital exige realmente atitudes, valores e competências acrescidas, claro! P (Diogo) – Chegámos ao fim das perguntas. Quer acrescentar alguma coisa? R – Façam o favor de ler porque Ler é poder! Joana – Em nome dos três, um muito obrigado à Dr.ª Teresa Calçada pelo tempo e pelo modo gratificante e afável como se prontificou em nos responder. Agradecemos, também, a grande ajuda da Dr.ª Margarida Toscano.

(da esq. para a dir.: M.ª Inês Monteiro, Diogo Silva e Joana Ferreira)


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ENTREVISTA A THOMAS CHILDS Entrevista a Thomas Childs, aluno de ciências e tecnologias do 12.º B da ES de Camões, que já ganhou vários prémios a nível nacional. Pela qualidade do seu trabalho, pela sua ligação à música e porque é um aluno de referência, os alunos Inês Anahory e Benjamim Costa, do 10.º D da referida escola, entrevistaram-no. Benjamim – Thomas, ganhaste um prémio a nível nacional com um Ensaio Filosófico e também ganhaste as V Olimpíadas da Língua Portuguesa. Já ganhaste mais algum prémio? Thomas – Em termos académicos não. Já estive em várias olimpíadas mas estas foram aquelas em que tive resultados mais visíveis. Toco trompete e também fui a um concurso regional de trompete onde fiquei em 2º lugar. Benj. – Para além das aulas aqui na escola também frequentas o Conservatório. Como é que consegues conciliar o curso de ciências (onde tens excelentes notas) e o curso do Conservatório ao mesmo tempo? E fazes mais alguma coisa para além destas duas atividades? Th. – Lá está, não faço mais para além disto e também não estou a fazer o curso de música ao ritmo que devia estar porque há várias disciplinas que deveria estar a fazer e não estou a conseguir. Aliás é uma das coisas que estou a pensar fazer para o ano – tirar um ano só para acabar o curso de música. Portanto não consigo conciliar muito bem – pus a música em segundo plano e tem de haver muito estudo. Inês – Tocas trompete há muito tempo? Th. – Desde o 4º ano. Inês – E estudas música em que escola? Desde quando? Th. – Estudo no Conservatório Nacional

desde o 4º ano. Benj. – E antes de vires para o Camões estiveste onde? Th. – Estive no Conservatório no ensino integrado desde o 5º ao 9º ano. Benj. – Tens alguma ideia, depois de acabares o curso e tendo falado em ires estudar música, sobre o que pensas fazer no futuro? Ir para o estrangeiro? Ficar em Portugal? Tens algum curso em mente? Th. – Estou a pensar em ficar em Portugal. O que me parece que será o meu percurso é ir para o Técnico, não sei bem em que curso – aeroespacial, física tecnológica, uma coisa desse género. Mas está em aberto para deliberação. Ainda não tenho um percurso definido. Benj. – Não pensas levar a música a um nível profissional? Th. – Não. Quer dizer, eu gostava de poder continuar sempre a tocar, mas em termos do Conservatório, este vai acabar quando terminar lá as disciplinas. Inês – Tocas em alguma orquestra? Th. – Toco na orquestra do Conservatório e também estou num projeto do Hot Club de Portugal em parceria com a Big Band Júnior, que é uma orquestra de Jazz. Benj. – Estava lá o Afonso Alves… Th. – Sim estava lá mas saiu este ano e também faz parte desta banda um aluno desta escola, o Vicente Magalhães.

gosto muito das aulas de português mas não é a área que mais me chama. Inês – E a nível de desporto? Th. – Eu subo escadas (risos) mas à parte disso… Benj. – Eu sei que entraste na escola um ano mais cedo do que habitual. Nasceste em 2001 e estás agora no 12º ano. Tu tiveste muitas dificuldades com isso? Notaste muita diferença? Th. – Eu não saltei nenhum ano mas sim entrei um ano mais cedo. Benj. – Mas não sentiste diferença? Sempre te sentiste integrado e relacionaste-te bem os colegas? Th. – Sim, sempre me senti integrado. Benj. – E no teu percurso escolar, sempre foste aluno de 20? Ou tiveste uma fase em que decidiste – é agora que vou começar a estudar? Th. – Eu não sei mas lembro-me que no início do 5º e 6º ano tive dificuldades a matemática mas depois, não sei, parece que houve um clique e comecei a tirar boas notas. Benj. Bom, obrigado Thomas. Gostei muito de estar contigo a falar… Inês – Eu também. És uma pessoa incrível! Benj. – Tens um futuro que promete. Thomas – Sim, a servir hamburguers no McDonalds!! (risos)

Inês – Das disciplinas do curso de ciências quais são as tuas favoritas? Th.- Gosto muito de matemática, gosto de física… Inês – Que notas tens nessas disciplinas? Th. – A matemática 19, 20 e a física 19. Mas também gostava de filosofia. Aliás eu gostava de estudar filosofia este ano só que não abriu como opção e estou em ciência política, de que gosto muito, com o professor Jorge Saraiva. Também gosto muito de português,

Thomas com a professora de português Ana Enes


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EXPRESSÕES Fazer tábua rasa Esta expressão significa «esquecer completamente um assunto para recomeçar em novas bases». A tabula rasa, em latim, era uma tabuinha de cera onde nada estava escrito. A expressão foi tirada, pelos empiristas, de Aristóteles, que assim designaram o estado do espírito que, antes de qualquer experiência, estaria, em sua opinião, completamente vazio. Também John Locke (1632-1704), pensador inglês, em oposição a Leibniz e Descartes, partidários do inatismo, afirmava que todas as pessoas nascem sem conhecimento algum; a mente é, inicialmente, como uma "folha em branco", e todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido através da experiência. «Ao começo», dizia Locke, «a nossa alma é como uma tábua rasa, limpa de qualquer letra e sem ideia nenhuma: tabula rasa in qua nihil scriptum. Como adquire, então, as ideias? Muito simplesmente pela experiência.»

Maria vai com as outras Dona Maria I, mãe de D. João VI (avó de D. Pedro I e bisavó de D. Pedro II), enlouqueceu de um dia para o outro . Declarada incapaz de governar, foi afastada do trono. Passou a viver recolhida e só era vista quando saía para caminhar a pé, escoltada por numerosas damas de companhia. Quando o povo via a rainha levada pelas damas nesse cortejo, costumava comentar: “Lá vai D. Maria com as outras”. Atualmente aplica-se a expressão a uma pessoa que não tem opinião e se deixa convencer com a maior facilidade

CURIOSIDADES O primeiro milho é dos Pardais Significado - Quer dizer que os mais fracos aproveitam as primeiras vantagens. Origem: No tempo dos romanos, era costume os agricultores oferecerem os primeiros frutos às aves. Acreditavam que eram as aves que levavam as oferendas aos deuses. Esse hábito transmitiu-se de geração em geração. No séc. XVI - quando o milho chegou à Europa - a expressão evoluiu. Em Portugal, o pardal era o símbolo de todas as aves e a cultura do milho era abundante. Sangria desatada Significado: Diz-se de qualquer coisa que requer uma solução ou realização imediata. Histórico: Esta expressão teve origem nas guerras, onde se verificava a necessidade de cuidados especiais com os soldados feridos. É que, se por qualquer motivo, se desprendesse a atadura posta sobre as feridas, o soldado morreria, por perder muito sangue. Cair no conto do vigário Significado: Ser enganado por algum vigarista. Histórico: Duas igrejas em Ouro Preto receberam um presente: uma imagem de santa. Para verificar qual das paróquias ficaria com o presente, os vigários resolveram deixá-lo por conta da mão divina, ou melhor, das patas de um burro. Exatamente no meio do caminho entre as duas igrejas, colocaram o tal burro, para onde ele se dirigisse, teríamos a igreja felizarda. Assim foi feito, e o vigário vencedor saiu satisfeito com a imagem de sua santa. Mas ficou-se a saber mais tarde que o burro tinha sido treinado para seguir o caminho da igreja vencedora. Cor de burro quando foge A frase original era Corra do burro quando ele foge. Tem sentido porque, o burro enraivecido, é muito perigoso. A tradição oral foi modificando a frase e corra acabou virando cor.

Na matemática, o símbolo de infinito é um oito deitado? Porquê? O símbolo que indica o número infinito foi proposto por John Wallis em 1655 no seu tratado Des Sectionibus Conicis. Nele, o autor declarou: “Isto denota o número infinito”. O seu formato, um oito deitado, é inspirado na antiga notação romana do 1000.

Água mole em pedra dura tanto bate até que fura Esta expressão proverbial louva a persistência como virtude, que vence as dificuldades, ou seja, diz-nos que não devemos desistir de alcançar os nossos objetivos A expressão tem origem num provérbio de origem latina enunciado num verso de Lucrécio (99 a.C. – 55 a.C.), poeta e filósofo latino que escreveu: Stillicidi casus lapidem cavat (“A água que tomba gota a gota fura o rochedo”). A mesma coisa afirmou o poeta Ovídio (43 a.C. - 18 d.C.), nestes versos da Arte de Amar: Quid magis est durum saxo? Quid mollius unda? Dura tamen molli saxa cavantur aqua (“Que é mais duro que uma pedra? Que é mais mole que a água? Contudo, a água mole cava a pedra dura.”). A voz do povo, a voz de Deus Significado: Essa é óbvia: quem realmente sabe das coisas é o povo. Histórico: As pessoas consultavam o deus Hermes, na cidade grega de Acaia e faziam uma pergunta ao ouvido do ídolo. Depois o crente cobria a cabeça com um manto e saía à rua. As primeiras palavras que ele ouvisse, eram a resposta à sua dúvida.

SENTIMENTOS E EMOÇÕES Por Maria Gomes, professora da EB1/JI das Laranjeiras No âmbito da atividade realizada pelo Centro de Saúde Sete Rios “Sentimentos e Emoções do Coelhinho” Os alunos da turma 1 do JI das Laranjeiras identificaram emoções e aprenderam a geri-las. A

atividade foi de grande interesse e envolvência por parte do grupo. O Jacaré Cheira Mal Os alunos da turma 1 e da turma 2 do JI das Laranjeiras participaram na atividade “O Jacaré Cheira Mal” realizada

pelas enfermeiras do Centro de Saúde de Sete Rios. A atividade tinha como tema a higiene oral e corporal. Seguidamente, os alunos elaboraram o habitat do Jacaré em formato 3D.


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ENSAIOS FILOSÓFICOS

Por Maria Inês Franco, 12.º3, ES D. Pedro V No dia 22 de fevereiro, procedeu-se à fase de seleção dos alunos representantes da escola D Pedro V para as Olimpíadas Nacionais da Filosofia, que este ano se realizaram em Alcácer do Sal nos dias 13 e 14 de abril de 2018. Apesar das expetativas iniciais relativamente baixas do grupo disciplinar, conseguimos uma participação de 8 alunos, o que nos parece um número muito razoável para um primeiro ano em que dinamizamos a atividade. Passaram à fase nacional os alunos João Miguel Murteira (11.º 4, Ricardo Amaro (11.º 4). Os textos produzidos saíram no Trívio n.º 8, de março de 2018 Como suplente, com menção honrosa fica a aluna Maria Inês Franco (12.º 3). Todos os restantes ficaram em 4.º lugar, e todos estão de parabéns pela participação na atividade. Quais são as condições necessárias e suficientes para que uma sociedade possa ser justa? A Filosofia encontra-se repleta de questões a que dificilmente é conseguida uma resposta concreta e consentida pela Humanidade. Destaco o cúmulo da qualidade na vivência em sociedade como um dos mais complexos cenários para o pensamento humano. Concluir e redigir um ensaio que a todos pareça ser a perspetiva mais correta, assumindo que uma perspetiva objetiva da perfeição possa existir. De facto, a justiça tenta atingir a perfeição moral e lógica para melhorar o funcionamento da sociedade humana, e, por isto, tem uma relação fundamental com a qualidade de vida existente em qualquer comunidade. É um dos vários aspetos a considerar sobre a

manutenção e criação de uma sociedade, mas possui também múltiplas facetas que por si só criavam novos ensaios, sendo esta uma das razões para a complexidade do tema. Com isto em mente, pretendo abordar a partir deste ensaio apenas uma das partes mais essenciais para uma sociedade justa, embora outras poderão ser mencionadas para fundamentar o tema principal. Por exemplo, era certamente possível focar-me nas ideologias de Rawls como referência para a construção de uma sociedade justa, talvez até recomendado pelo seu papel fundamental nos processos económicos e sociais de hoje e as suas argumentações para uma sociedade em que todos necessitem de ser beneficiados. Mas a sua retórica, embora brilhantemente criada no contexto da nossa sociedade, não é ainda o componente mais fulcral e geral para uma sociedade justa. Os seus princípios da justiça são contributos excessivamente consideráveis, mas desejo confrontar a moralidade pela sua raiz, e não os ramos prósperos da ideologia de Rawls. Apresento, então, a moralidade como o fator mais importante para tanto a conceptualização da justiça como a sua execução. A moralidade é a origem e base para o entendimento do bem e do mal, imprescindível para a criação de regras, princípios e a retenção de noções como a dignidade, respeito e integridade. Todos estes são necessários para a convivência humana: o ser humano socializa por natureza e a sua sobrevivência depende da cooperação e criação de uma comunidade. Uma comunidade garante produtividade na execução de tarefas essenciais à manutenção da qualidade de vida de todos os seus membros simultaneamente e a concretização rápida de desenvolvimentos tecnológicos ou sociais (em relação à Filosofia, por exemplo, pois o debate é um elemento constituinte das bases filosóficas). Existem, deste modo, benefícios vastos na cooperação humana, que nos guiou à sociedade presente e é compreensível que estes benefícios atribuem à espécie uma maior probabilidade de procriar e continuar a existir. Pondo de lado teorias que aludam a existência de Deus, embora não seja incompatível necessariamente com a seguinte proposição, denota-se que a Humanidade possui uma compulsão para reproduzir, continuando a sua espécie. É possível argumentar que a sobrepopulação presente diminui esta compulsão, mas ela existe ainda e com ela é apresentada a necessidade de garantir a estabilidade e qualidade de vida humana. Um dos pilares abso-

lutos para a realização do mesmo é a moralidade que frequentemente é traduzida de noções e sentimentos básicos para regras e regulamentos escritos, objetivos e consistentes com as conclusões retiradas do que primeiramente é sentido como moralmente errado ou correto. Entende-se, então, que a moralidade precede a construção das regras que definem os padrões concretos de uma certa sociedade, ou pelo menos uma interpretação coletiva dos princípios que a ditam. E por que serão estas regras criadas e instituídas no âmbito de uma sociedade justa? Não poderia moralidade ser apenas um conceito reservado ao individuo que o interpretará livremente? A subjetividade moral acaba por anular o propósito da moralidade em si. Muitos apoiam a liberdade como um fator importante para a justiça e abominam regras que a limitem, mas a restrição é a única forma de assegurar e aplicar princípios morais coletivamente. As regras relacionadas com a justiça têm como objetivo restringir a imoralidade, visto que o ser humano é capaz de agir maliciosamente. O dever existe somente para restringir o individuo a agir de acordo com as suas responsabilidades para a sociedade com base em princípios morais, pois o ser humano é capaz de se apresentar inerte para a sociedade, deixando a imoralidade ocorrer à sua frente. Até os princípios de Rawls dependem na restrição coletiva: os mais ricos são obrigados a dar uma parte maior da sua riqueza em relação aos mais pobres em benefício de todos, particularmente aqueles que nada conseguem dar; os mais carenciados são obrigados a serem apoiados de modo a acompanharem os outros. A ideologia moral de Kant depende também no dever: existem princípios absolutos a que todos têm o dever de aplicar, restringindo, assim, a inércia moral. Podia ainda exemplificar o utilitarismo como um conceito baseado na restrição (garantir a máxima felicidade é uma restrição da felicidade da minoria), pois é certo que a moralidade necessita de regras. A moralidade tem significado somente se coletivamente aplicada sem liberdade absoluta, pois é essa a única forma de aplicar a justiça em si. Adicionalmente, o propósito da morali-


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ENSAIOS FILOSÓFICOS—Cont.

dade precisa também de bases racionais, ou seja, a moralidade necessita de ser racional. Só podem ser aplicados princípios justos se estes subscreverem a fundamentos lógicos, pois um princípio tem significado apenas quando é confiável e a confiabilidade é assegurada com a racionalidade. O ser humano precisa de perceber e achar estabilidade nas proposições morais e é esta a única maneira de as debater, garantindo a justiça. A sociedade procura critérios consistentes e racionais precisamente porque justiça

e, assim, a moralidade, têm como base estes conceitos. Se algo for sentido como “errado” moralmente, é porque o individuo não vê confiabilidade no conceito apresentado. Independentemente da razão por esta falta de confiabilidade ser sentida, é porque a confiabilidade é necessária para a vivência em sociedade que a moralidade se baseia nela. A cooperação humana seria grandemente dificultada sem confiabilidade, dando a moralidade o propósito de garantir o funcionamento desta cooperação a partir da restrição do mal individuo de modo a proporcionar confiabilidade social coletiva. Deste modo, cada individuo acaba por abdicar parcialmente da sua liberdade para assegurar uma qualidade de vida consistente, confiável. É para isto que existe a moralidade que fundamenta a justiça, um dos conceitos mais importantes para a sociedade. Considero, então, que embora existam ainda mais fatores necessários para uma sociedade justa, alguns materiais ou sociais que atribuem dimensões

várias ao complexo tema, o mais fundamental e observável fator para garantir a justiça em sociedade é a moralidade, e todos os elementos que a compõem. Finalizo este ensaio esperando uma forte reflecção em noções de tal forma básicas que muitos tendem a ver apenas a sua definição em vez do seu significado, pois é a partir do entendimento verdadeiro da moralidade que a sociedade a consegue aplicar mais frequentemente, sabendo a sua importância com argumentos racionais. Somente a consideração filosófica e racional justifica os princípios morais mais fundamentais à Humanidade e contribui para a realização de uma sociedade justa.

AUTORRETRATO Martim, 11º ano, ES António Damásio Se tivesse outro nome para além do que já tenho seria Ícaro. Ícaro que sobrevoa os céus em direção às estrelas. Ícaro que, como muitos outros, foge da monotonia do mundano. Ícaro que para lá dos céus quer chegar, deixando para trás o Homem na Terra e os Anjos nos Céus.

Mas se meu nome é Ícaro, será o meu destino o mesmo? Um Ícaro que sem se preocupar com as consequências terá um destino de fracasso? Um Ícaro cujas asas de cera derretem na sua gloriosa subida tornando a descida horrorizante? Um Ícaro que ao tocar nos céus estes lhe caem em cima? Só as minhas asas o dirão.

A AMBIÇÃO DE SER AMBICIOSO Tiago Silva,11.º 1, n.º 25, ES D. Pedro V Apresento-vos a ambição, um dos sentimentos mais contraditórios dos humanos. Ser ambicioso é ser perseverante. É alcançar o que mais se quer e atingir o que menos se espera. A ambição pode ser considerada o motor da nossa vida mas, na verdade, não basta ser ambicioso. O essencial é saber sê-lo. Até porque, nos dias de hoje, ser ambicioso pode ser perigoso. Considero que a própria ambição terá, certamente, a sua história. Terão os ambiciosos do passado mais ambição do que os ambiciosos do presente? Creio que não. Não podemos comparar a ambição de sobreviver do homem primitivo com o desejo ambicioso de uma possível promoção nos nossos empregos de hoje. Os tempos são distantes, as realidades ainda mais o são. Acredito, então, que a ambição de uns poderá significar o desprezo de

outros e que é também nos outros que encontramos os maiores adversários das nossas ambições. Desta forma, a ambição é mesmo muito responsável pelo que fazemos e vemos acontecer. Não que, por isso, possamos isentá-la de culpa ou elogiála desmedidamente. A ambição é, efetivamente, a origem de todas as conquistas humanas e de muitos dos problemas da humanidade. Não vejo a mesma ambição em todos os seres humanos. Vejo, claramente, o esforço e a falta de empenho de alguns, além da coragem e do receio de outros. Mas ambição, nem sempre a encontro. Não posso ver a ambição que um jovem africano tem quando procura instruir-se para ajudar a sua família num mero empresário que, nesse mesmo continente, explora os recursos naturais até à exaustão. Também, decerto, não encontrarei a dedicação de um médico naqueles que mais ti-

ram aos que menos têm. Em muitos casos, encontro vontade, crença, desejo e algo mais. Mas não me atrevo a chamar-lhe ambição. Encontro, porém, na ganância e na hipocrisia a certeza de que vivemos, como Camões testemunhou, num mundo repleto de inveja. Em suma, destaco que ser ambicioso não é mau, apenas difícil. Será fácil para todos nós ambicionarmos um mundo melhor. Fácil de dizer, difícil de fazer mas não impossível de tentar.


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A MONSTRINHA NA ES D. PEDRO V O Festival de Animação de Lisboa – MONSTRA nasceu no ano 2000 com o objetivo de celebrar a transversalidade artística, fazer encontrar pessoas de diferentes artes, transmitir novos olhares artísticos, usando como base a linguagem mais pluridisciplinar que conhecemos, o Cinema de Animação. “Um festival humanista e de encontros. De muitos para cada vez mais. Um Festival marcado pela ideia de que a Arte não é apenas o espelho para refletir o mundo, é, sim, a essência para a sua transformação.” Fernando Galrito, Diretor Artístico da MONSTRA

O balanço da Monstrinha na D. Pedro V é positivo! Em 5 dias, cerca de 350 alunos - 4 turmas de básico e 13 turmas de secundário, distribuídos por 7 sessões, numa média de 50 alunos por sessão, puderam assistir a um conjunto de 10 filmes de animação de grande qualidade no âmbito do 18.º Festival MONSTRA. O filme A CAIXA foi o preferido por 107 dos 252 votantes (cerca de 42 %). É importante referir algumas pessoas que possibilitaram a realização deste evento: antes de mais, o Professor António Costa, pela iniciativa de trazer a MONSTRINHA para a nossa escola, depois a conjugação de esforços e a disponibilidade demonstrada pelos mais variados elementos da comunidade escolar. Em especial, um agradecimento ao Professor Gonçalo Costa, pela montagem do painel de projeção, ao Professor Carlos Nunes, responsável pela parte técnica de som e ima-

gem e à Professora Alexandra da Costa e aos seus alunos do Curso Profissional de Operações Turísticas, incansáveis na organização e receção dos participantes em cada sessão. Finalmente, obrigada a todos que não quiseram perder a oportunidade de desfrutar desta mostra de cinema de animação. Espero que tenham gostado. Para o ano podemos repetir?! Maria José Jacinto, professora Artes Visuais, ES D. Pedro V

Na minha opinião o melhor filme foi “A Caixa” porque mostra, de maneira subtil, a realidade que as crianças sírias vivem, abrindo os olhos do espectador e apelando às suas emoções. Indira Conceição, 11º 4, ES D. Pedro V

O filme que mais gostei foi “A Caixa”. Este filme retratou os horrores vividos por uma criança durante a guerra na sua cidade deixando-a sem tudo aquilo que conhecia. A meu ver, o filme foi um meio para expressar a dor e o sofrimento de todos os jovens que são vítimas da guerra. O sofrimento e o desespero levam mesmo esta criança a abandonar aquele que sempre a acompanhou: o seu gato, lembrando o desespero dos refugiados que se atiram ao mar em embarcações sobrelotadas com uma única esperança: procurar uma vida melhor. Ricardo Amaro, 11º 4, ES D. Pedro V

Miguel Rosa, 11º 4, ES D. Pedro V

O filme “A Caixa” foi o que mais me tocou porque mostra como pode ser o dia-a-dia das crianças da Síria - num momento pode estar tudo bem e no momento seguinte pode perder-se tudo. Ricardo Fialho, 11º 4, ES D. Pedro V

O filme que mais gostei foi o que tinha um sapo (Geno), onde todos se uniram para encontrar um sítio com água e, no final, é o mais “pequenino” que ajuda o sapo, mesmo quando este no início não os ajudou. Malena Schweiker, 11º 4, ES D. Pedro V

O filme “A Caixa” foi o filme que mais gostei pois transmite uma mensagem que nos faz refletir sobre como as coisas mais simples podem ser mais importantes e úteis do que aparentam e que as vítimas da guerra têm de deixar tudo o que têm (neste caso representado pelo gato). António Luís, 11º 4, ES D. Pedro V

Pessoalmente, o filme de que gostei menos foi “A Casinha do Ouriço”. Achei que, em geral, os filmes foram demasiado infantis. O meu favorito foi “A Floresta”. Os filmes escolhidos deviam ser mais adequados à nossa idade. Alexandra Florêncio, 11º 4, ES D. Pedro V

O filme que mais apreciei foi “Benu” pois tem uma abordagem menos convencional que atraiu a minha atenção.

Apresentação da mostra de filmes de animação no Auditório Chaves Santos A receção da Monstrinha, Festival de Animação para Miúdos e Graúdos, na ES de D. Pedro V, foi organizada pelas turmas do Curso Profissional de Operações Turísticas, sob a orientação da Professora Maria Alexandra da Costa.

Gostei também do seu apelo ao ser humano para ajudar as florestas.

Gostei do primeiro (Modulatório). Porque é o único de que me lembro. Nuno Policarpo, 11º 4, ES D. Pedro V

Todos os participantes receberam um lápis e um folioscópio que serviu de inspiração para criarem o seu próprio desenho animado.

A CAIXA, de Merce Cirisoglu Cotur, do Reino Unido, de 2016, foi o filme preferido dos que assistiram às sessões.


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PONTOS TURÍSTICOS DE PORTUGAL Por Valeria Lyubimova, n.º 30, 10.º 8, ES D. Pedro V No dia 6 de março, a turma 10.º 8, juntamente com as turmas 9.º 2, 10.º 5 e 10.º 7, realizou uma visita de estudo a vários locais importantes e pontos turísticos de Portugal. As turmas foram acompanhadas pelas professoras Cristina Ferraz, Deolinda Rodrigues, Isabel Braga, Maria João Lobato, Nádia Raposo, Teresa Pimpão e pelo professor Pedro Marques. Os alunos saíram da escola em direção ao Aqueduto dos Pegões Altos, que foi a primeira paragem. O Aqueduto foi construído durante os séculos XVI e XVII para abastecer de água o Convento de Cristo. Como estava a chover, os alunos foram obrigados a ver o aqueduto dentro do autocarro. A segunda paragem foi o já referido anteriormente Convento de Cristo, em Tomar. O Convento foi construído no séc. XV para defesa contra os mouros. Os alunos tiveram a oportunidade de ouvir um pouco mais da história do Convento e também conhecer algu-

mas divisões deste. Para além disso, os alunos viram construções com diferentes ordens arquitetónicas presentes em Portugal. Depois da visita ao Convento, os alunos almoçaram e seguiram para a barragem do Castelo de Bode. Aí viram a barragem que foi construída no rio Zêzere, em 1951, que abastece a cidade de Lisboa e que produz energia elétrica. A barragem é também considerada uma das mais importantes de Portugal. De seguida, os alunos partiram para Constância, vila onde terá vivido Luís de Camões. Em Constância, prestou-se uma homenagem ao grande escritor Luís de Camões e alguns alunos leram alguns dos seus poemas. Depois passeámos à beira do rio Zêzere que conflui com o rio Tejo. Depois de Constância, passou-se pelo Castelo de Almourol, em Tancos, situado numa ilhota a meio do rio Tejo e considerado um dos monumentos mais emblemáticos de Portugal. Todos contemplaram a grandiosidade do castelo através das janelas dos autocarros.

Este castelo é um exemplo da arquitetura militar e em tempos passados formava a linha defensiva do rio Tejo. A última paragem da visita foram as grutas de Mira de Aire que são as maiores grutas de Portugal e são consideradas uma das "7 Maravilhas Naturais de Portugal". Alunos e professores desceram 110 metros. Durante a visita viram diferentes formações esculpidas pelo calcário dissolvido pela água. Para além disso, ficaram um pouco molhados mas valeu a pena, tal como foi referido por todos. Depois da visita às grutas, alunos e professores tomaram o caminho de regresso à escola, cheios de emoções e impressionados com as coisas que viram.

neurociência e psicologia, com o objetivo de desenvolver sistemas artificiais avançados. Foi possível observar dois robots: o iCub de nome Chico, um robot humanóide utilizado para compreender melhor o funcionamento do cérebro e um outro que se destacava pelo fato de estar programado para participar nos torneios de futebol - RoboCup. A turma ainda visitou o laboratório de Robótica Móvel (Intelligent Robots and Systems Group (IRSg)), onde foram apresentados pela Prof.ª Drª. Isabel Ribeiro, dois dos projetos desenvolvidos: um robot de busca e salvamento, a ser controlado por um membro da equipa de resgate e para ser utilizado, por exemplo, em caso de derrocada ou outros acontecimentos que não permitam a intervenção direta das

equipas de socorro. Foi também apresentado o robot social Gaspar, criado pelo ISR para interagir com as crianças internadas no instituto Português de Oncologia de Lisboa, através atividades educativas e de entretenimento.

UMA IDA AO IST Por João Salva, 10.º14 No dia 26/04/2018, a turma do 10.º14 (Curso Profissional de Gestão e Programação de Sistemas Informáticos) da Escola Secundária D. Pedro V, visitou o ISR (Instituto de Sistemas e Robótica), que é um dos laboratórios de investigação do IST (Instituto Superior Técnico), para conhecer um pouco mais sobre a robótica. Ao chegarem ao local os alunos foram recebidos por uma responsável da seção de Comunicação ISR-Lisboa que os orientou para o laboratório VisLab (Computer and Robot Vision Lab), onde os esperava o investigador Prof. José Gaspar. Abordaram-se temas sobre visão por computador e robótica e a importância da interdisciplinaridade entre as áreas da engenharia, biologia,

PAVILHÃO DO CONHECIMENTO - EXPOSIÇÃO ANGRY BIRDS Por André João, 2.º B EB1/JI Frei Luís de Sousa Na terça feira, dia 17 de abril, fui ao pavilhão do conhecimento com os meus colegas e professoras. Lá havia slide; escalada; fisgas; corridas de carrinhos e jogos eletrónicos. Gostei muito do slide, o que gostei menos foi das fisgas.

Por Cláudio Nirrage 2.º B EB1/JI Frei Luís de Sousa Ilustrações: Miguel Bipamba; Clarisse Ngombe; Inês Quadros; Inês Matos A professora mandou-nos fazer uma fila a pares, fiquei com o Tomás. Fomos de autocarro, estava muito calor e o senhor motorista pôs o ar condicionado. Chegámos ao destino: a exposição dos Angry Birds.

Subimos as escadas e fizemos escalada. Quando toda a gente fez escalada, fomos fazer corridas de carros. Depois descemos as escadas, e, o que me fez mais feliz foi... andar de slide. A professora Dulce disse para irmos ao sítio das fisgas e que depois podíamos ir outra vez ao slide. Por fim voltamos à escola.


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FUTURÁLIA Por Beatriz Lamego 9.º A, da EB 2,3 Prof. Delfim Santos Textos de alunos sobre a visita à Futurália, no dia 15 de março, com as turmas A, B e D do 9.º ano da escola Prof. Delfim Santos. Futurália A porta de acesso para um futuro promissor. “Não há dois futuros iguais. Escolhe o teu.” É a frase que melhor define o maior acontecimento relacionado com a oferta de educação e/ou formação, para os jovens, existente em Portugal. Esta feira anual realiza-se na FIL (Feira internacional de Lisboa) e neste ano de 2018 realizou-se de 14 a 17 de março, onde estiveram presentes milhares de jovens estudantes, tal como nós. Futurália tem como objetivo encaminhar e informar os estudantes das várias áreas e cursos existentes de uma forma didática e foi esse o objetivo que cumpriu e que testemunhámos com a nossa ida.

Saímos mais ricos e informados, algo que nesta altura da nossa vida, tão carregada de decisões, foi muito útil. Beatriz Álvares 9.º A, da EB 2,3 Prof. Delfim Santos

No dia 15 de março, várias turmas visitaram a Futurália, uma feira dedicada à educação e à formação que se realiza todos os anos na FIL, no Parque das Nações, em Lisboa. A feira é principalmente direcionada para os alunos do 9.º e 12.º ano, com o objetivo de dar a conhecer as diferentes ofertas e opções educativas disponíveis para os anos seguintes. Antes do começo da visita, foi-nos indicado que permanecêssemos no pavilhão 2, pois era onde se encontravam as informações relativas a cursos profissionais e ofertas após a finalização do ensino básico, bem como a maior parte das atividades práticas, sobretudo relacionadas com desporto. No entanto, depois de algum tempo a explorar este espaço, o meu grupo decidiu ir conhecer o pavilhão 1, onde se encontravam as propostas para ingressar na faculdade, e, nesse momento, decidimos separarmo-nos, tendo ido cada

um aos locais que mais lhe interessavam, de acordo com as suas preferências. Penso que o pavilhão 1 nos trouxe mais proveito, não a curto, mas a médio prazo, pois deu-nos a conhecer várias hipóteses e cenários que ainda não tínhamos considerado, bem como o acesso à faculdade, estudar no exterior e o curso a eleger, o que fez com que aproveitássemos mais a experiência. Pessoalmente, considero que se tratou de uma atividade muito enriquecedora e importante para o desenvolvimento das nossas perceções quanto ao futuro, quer para o secundário, quer para a faculdade. Não obstante uma visita à Futurália constituir uma atividade muito interessante e divertida, uma próxima visita poderá ajudar-me ainda mais a definir a escolha do meu percurso universitário.

GALERIA DAS SALGADEIRAS Prof.ª M.ª José Velho, EB1/JI São José, AE Baixa-Chiado Os alunos do 1.º A da EB1 de S. José visitaram a Galeria das Salgadeiras para conhecer e apreciar um conjunto de obras desenvolvidas pelo artista plástico Rui Costa (pai de um aluno da turma). Um dos princípios orientadores da área de Expressão Plástica, presente na Organização Curricular e Programa do 1º Ciclo do Ensino Básico salienta a importância para “O contacto com a natureza, o conhecimento da região, as visitas a exposições e a artesãos locais,

são outras tantas oportunidades de enriquecer e alargar a experiência dos alunos e desenvolver a sua sensibilidade estética”. Assim, acompanhados pela professora Maria José, pelo professor bibliotecário Paulo Gomes e ainda pelo artista plástico Rui Costa, este grupo de alunos teve a oportunidade de reconhecer o meio envolvente da escola e visitar a Galeria das Salgadeira. Os trabalhos expostos foram apresentados pelo André Costa, filho do artista plástico, e os alunos gostaram mais de um enorme quadro de madeira com imensas linhas que foram feitas com

um maçarico de fogo. No fim da visita à exposição, ainda houve tempo para os alunos relaxarem ao som de uma música produzida particularmente para a exposição pelo compositor André Gonçalves. Todos os alunos gostaram da atividade.

Iniciou-se às 08h15min até às 19h30min tendo cerca de novecentos participantes. No entanto, a preparação começou no início do ano letivo e terminou no dia dezassete de abril pelas 15h00min com a preparação dos pavilhões para segunda-feira. Este ano contou com jogos de computador e de consola abertos à comunidade escolar do Agrupamento de Escolas das Laranjeiras. Os alunos e os professores experimentaram gratuitamente as ofertas disponibilizadas pela indústria do entretenimento e conheceram diversos projetos nas áreas da multimédia e da robótica. A LanParty, 6ª edição, contou com a colaboração da empresa Beeverycreative – impres-

sora 3D que demonstrou que a partir de ficheiros digitais se consegue imprimir objetos personalizados. Esta atividade teve sucesso devido ao empenho dos alunos desde a preparação à realização e arrumação de tudo que esteve presente. Tivemos: exposição de informática, torneios de jogos em que foram entregues prémios aos vencedores (gamecards), workshop de Robbots, palestra do Unity, Workshop de computadores, entrega dos diplomas, sessões de cinema, um café e visita guiada aos alunos da Delfim Santos e dos Pupilos do Exército.

LAN PARTY Por Carla Rodrigues, professora da ES D. Pedro V A LAN Party, 6.ª edição, esteve de regresso no dia dezasseis de março, na Escola Secundária D. Pedro V, em Lisboa, organizada pelo professores Alexandre Rodrigues, Carla Rodrigues e Susana Cascais do grupo 550º (grupo de informática) e pelos alunos dos cursos profissionais técnico de gestão e programação de sistemas informáticos. Este ano contou-se com a colaboração do curso profissional técnico auxiliar de saúde e do curso técnico comercial. Esta atividade integrada no projeto educativo foi dedicada à divulgação dos cursos profissionais.


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DIA DA ÁRVORE JI 1, 2 e 3 – Escola EB1/JI António Nobre No dia 21 de março, as crianças do Jardim-de-Infância da Escola António Nobre assinalaram o Dia da Árvore e a chegada da Primavera com uma conversa sobre a importância das árvores para a nossa sobrevivência e para o nosso Planeta. Realizaram ainda cartazes coletivos alusivos ao tema, com frases e desenhos artisticamente concebidos pelas crianças e expostos para a comunidade educativa. As crianças tiveram ainda a oportunidade de vivenciar e o prazer de contribuir para a plantação de flores num pequeno canteiro da escola.

EFEMÉRIDES Foi com satisfação, entusiasmo e excitação que as crianças mexeram na terra, “cavaram” buracos, puseram estrume, observaram raízes e regaram as pequenas plantas que ajudarão a embelezar a escola e a melhorar o Planeta. Assim, de uma forma lúdica as crianças do jar-

dim-de-infância adquiriram, assimilaram e concretizaram conhecimentos relacionados com o crescimento e desenvolvimento das plantas e sua importância para a nossa vida e preservação do meio ambiente.

CAÇA AOS OVOS Por JI1,2 e 3 – EB1/JI António Nobre O final do 2.º período foi assinalado pelas crianças do jardim-de-infância da EB1/JI António Nobre com uma “Caça aos Ovos”, culminando com a construção de um puzzle gigante, previamente desenhado pelos três grupos. O desafio foi proposto pelo Coelho da

Páscoa que deixou uma carta pedindo ajuda às crianças para a resolução de uma tarefa, que seria recompensada com a entrega dos ovos da Páscoa. Este foi imediatamente aceite pelas crianças, que revelaram ser uns verdadeiros inspetores empenhados no seguimento das pistas e na descoberta das peças que constituíam a resolução do desafio.

PROJETO “EU PARTICIPO” Por Amílcar Santos, Diretor do AEL O projeto “Eu participo”, iniciativa da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica em conjunto com o AE Laranjeiras, envolveu intensamente as nossas crianças, fazendo-as refletir sobre as necessidades das suas escolas, tornando-as intervenientes nas decisões de construção dos projetos que decidiram apresentar e envolvendo professores, monitores e famílias, constituindo uma oportunidade única de crescimento nos valores da cidadania. Culminando o trabalho realizado no âmbito deste projeto, teve lugar, no dia 27 de Abril, no auditório da Assembleia Municipal de Lisboa, a apresentação e votação dos projetos desenvolvidos pelos alunos das escolas do 1.º ciclo do nosso agrupamento. O júri que integrou o Diretor do AE Laranjeiras, Professor Amílcar Santos, foi ainda composto pelo Presidente da

Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, António Cardoso, pelo pelo Comandante da 3ª Divisão da PSP de Lisboa, Subintendente Pedro Pinho, pela Vogal do Pelouro da Educação da Junta, Dra. Cristina Parente e por representantes de todos os Partidos Políticos com assento na Assembleia de Freguesia de São Domingos de Benfica e, ainda, por representantes das Associações/Comissão de Pais das três Escolas Básicas da Freguesia, votou e decidiu atribuir a vitória aos seguintes projetos, escolhidos de entre os seis a concurso: Projeto das “Tendas” da Escola EB1/JI António Nobre, Projeto “LudoCaf” da Escola EB1/JI das Laranjeiras e Projeto “MegaProjeto” da Escola EB1/JI Frei Luís de Sousa. Cada um dos projetos vencedores contará agora com um apoio de 1000€ por parte da Junta de Freguesia para a sua implementação.

Esta atividade imbuída de simbolismo e faz-de-conta foi pautada por expressões de espanto, entusiasmo, alegria e satisfação. Esta “brincadeira” para além de promover a capacidade de empenho na resolução de uma tarefa, desenvolveu ainda o gosto pela escola, o espírito de equipa e de interajuda.


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ENCONTROS COM PESSOA

Por Teresa Saborida, PB da ES de Camões A Semana da leitura na ES Camões teve como mote Encontros com Pessoa. Esta decisão foi ao encontro do que a equipa da BE/CRE queria para este ano — homenagear Fernando Pessoa no ano em que se comemoram os 130 anos da morte do poeta. Por outro lado, o lema do PAA deste ano é O homem é do tamanho do seu sonho, frase apócrifa atribuída a Fernando Pessoa. Pretendendo organizar atividades variadas sem perder o fito do mote e a homenagem a F.Pessoa, conseguimos motivar alunos, professores e funcionários para momentos que foram da conferência à comida, passando pelas novas tecnologias. Através da APP Kahoot, a equipa da BE/CRE criou 3 quizz para cada ano— 10º, 11º e 12º anos — com perguntas sobre a matéria de português, disciplina obrigatória para todas as áreas. Para os 10º e 11º a prova intitulava-se Prova que leste e para o 12º ano Conheces Pessoa(s)?. O jogo consiste numa série de questões com resposta de escolha múltipla ou de verdadeiro/ falso. É necessário um computador com net, projetor para o professor que comanda o jogo e os alunos jogam com os seus telemóveis ou tablets (o que é fácil!). O programa gera um código do jogo, os alunos inscrevem-se e no ecrã vão surgindo as inscrições. De seguida surgem as questões que estão associadas a uma cor. No ecrã dos telemóveis surge apenas a cor. O aluno só tem de clicar na cor certa. O objetivo é responder corretamente o mais depressa possível. Ao fim de cada pergunta surge o vencedor e as pontuações dos que estão à frente. No final ganha quem respondeu ao maior número de respostas certas o mais rapidamente possível. Cria-se um ambiente efervescente, os alunos ficam muitíssimo empenhados (e barulhentos, é cer-

LITERATURA

to!)e no final puseram à prova os seus conhecimentos. A prova durava cerca de meia hora e eram convidadas 2 turmas que jogavam uma contra a outra. Convidámos um ilustrador, um escritor e uma conferencista para 3 sessões muito diferentes mas que foram todas ao encontro do nosso mote. O primeiro convidado foi Pedro Sousa Pereira, jornalista da LUSA mas também ilustrador da poesia de Fernando Pessoa. Mensagem foi o primeiro livro a ser ilustrado mas mais tarde vieram outras edições ilustradas – Tabacaria, Ode Marítima e Ode Triunfal de Álvaro de Campos. No dia seguinte veio o escritor Nuno Camarneiro. No seu primeiro livro faz alusão aos 3 escritores que mais o marcaram - Kafka, Jorge Luís Borges e finalmente, Fernando Pessoa. A sessão foi uma viagem pelos seus livros, escrita e outras leituras extremamente interessante. Para terminar, convidámos Ana Raquel Roque, doutoranda da FCSH da UNL, que tem estudado F. Pessoa e faz parte do grupo de investigação da Profª Teresa Rita Lopes. Veio falar-nos da heteronímia de Fernando Pessoa, já que aquele dia, 8 de março, corresponde à data da carta de FP a Adolfo Casais Monteiro sobre o aparecimento dos heterónimos. A esta sessão estiveram presentes só turmas do 12º ano, dada a especificidade do tema. Foi rico, variado, com um suporte de materiais únicos que só estão acessíveis aos investigadores. Como se pode ver nas fotografias que ilustram este artigo, no interior da biblioteca esteve patente uma exposição, cedida pela Casa Pessoa, Nós os do Orpheu, sobre todos os intervenientes nesta revista com muitos documentos e curiosidades desconhecidas de muitos de nós. No átrio da biblioteca mais 2 exposições - Os lugares de Pessoa (cedida pela Casa Pessoa) e outra do acervo da BE/CRE - elaborada pelo ME aquando das comemorações do cinquentenário da morte do poeta. As

exposições foram guiadas pelas professoras de cada turma. Quarta-feira foi um dia diferente porque desafiámos toda a comunidade escolar a vir vestido como o FP, animação à qual chamámos Fernando Pessoa’s dress code day. Para tal foi desenhado um FP, pelo professor Filipe Gonçalves, que colocámos no átrio de entrada da escola. Não tivemos muito sucesso no que diz respeito ao número de FP que andaram pela escola mas 7 professores e 2 alunas aderiram e fizeram toda a diferença! E toda a gente quis tirar selfies com o FP desenhado ou com os “farsantes!!! Nesse dia preparou-se um almoço especial - um menu à Fernando Pessoa, com caldo verde, bifes à Jansen (cervejaria/ restaurante, onde FP ia com regularidade) e arroz doce, tudo pratos referidos pelo poeta como sendo os preferidos. Nas mesas havia poemas colados -quadras ao gosto popular, todas associadas a elementos da culinária portuguesa. Foi de tal forma o sucesso que duplicou o número de almoços nesse dia no refeitório. Em suma, o resultado foi positivo. Estiveram diretamente implicadas 29 turmas, dos diferentes anos, com os respetivos professores, as exposições estiveram abertas a todos os alunos, a comunidade envolveu-se e divulgou-se, sob vários aspetos e de forma variada, Fernando Pessoa e a sua poesia.


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«A CASA DAS TIAS» DE CRISTINA SERÔDIO - SIGNOS DE VIDA Por Célia Pinto, professora de português na ES António Damásio

“O romance é um conjunto de experiências da vida – um esforço para ver quais as capacidades dos nossos pensamentos e das emoções”. George Eliot (carta de 1856) O romance que Cristina Serôdio escreveu situa a história e as histórias de uma família beirã no Portugal do século XX, num arco cronológico extenso (com várias e propositadas descontinuidades no plano do discurso). Abrange sobretudo o período posterior à Grande Guerra, o tempo do regime salazarista, o 25 de abril de 74 e as décadas da democracia, onde instalam já os netos dos irmãos das tias (avós), até ao desaparecimento progressivo dos parentes. No macrotexto nacional enquadra-se o microcontexto constituído por uma família beirã numerosa da aldeia de Constantim, de onde quase todos partem e aonde regressam temporariamente para os reencontros sazonais, regulados pelas festividades do calendário cristão, da região, das férias, e dos acontecimentos familiares, como casamentos ou funerais. Há os que partem e os que ficam ou são obrigados a adiar a sua partida e os seus projetos profissionais e pessoais. Compondo meticulosamente os retratos de todos, a narrativa dá destaque às vidas dos irmãos e das irmãs, num processo temporal descontinuado, como que a reproduzir uma coincidência de factos e de discurso em função, por um lado, do caráter aleatório da memória ou, por outro, da presentificação dos ausentes e dos referentes pelos objetos e vestígios de um espólio diversíssimo que vai sendo encontrado, lembrado, lido, vasculhado, arrumado ou arquivado, pela herdeira da casa das tias e pela narradora, sua amiga de liceu.

Os locais visitados, a casa, os móveis, as loiças, as fotografias, os retratos, as cartas, agendas e outros objetos remanescentes ganham significado ao olhar da nova proprietária, levantando o passado do silêncio selado. Trata-se de um romance onde as palavras são armas contra o silêncio das pessoas mortas, da casa fechada, palavras contra o efeito erosivo do tempo e da memória, palavras contra a degradação que atinge seres e coisas. A voz de M. institui de autoridade criadora e narrativa a amiga com quem viaja até Constantim, a quem conta o passado familiar, abrindo, na casa das tias, portas, gavetas, arcas, lendo cartas, e, em tudo isso, reagindo numa cumplicidade cada vez maior à medida que o conhecimento da casa e de quem lá viveu mais se alarga e define. Assim, o jogo narrativo que permite combinar registos memorialísticos e reconstituições ficcionalizadas sustenta-se nessa relação cúmplice entre as duas, ancoradas nas provas e evidências documentais, nas revelações que a curiosidade e a descoberta vão proporcionando para a criação da “invenção”. Desse modo se entretece a narrativa da relação entre a vida e a arte. Se a ausência dos que já não vivem tem de ser suportada, então inicia-se a representação da linguagem que transforma o tempo e afasta a morte, os espetros, figuras de ausência e privação. Dos irmãos desse núcleo familiar e com raízes em Constantim e à casa (que dá o título ao romance), a narradora apresentará o jogo de relações entre os irmãos, cunhadas e descendentes, dominado pelo sentimento de desigualdade, por oposições de sortes e de destinos, por sonhos que se suspenderam ou congelaram, por substitutos compensadores às faltas, por ciúmes ou ressentimentos guardados e por silêncios culpados e calculados. Os irmãos distinguir-se-ão por sexo e género – homens e mulheres, por amores frutuosamente consumados e esperanças amorosas fechadas, ou seja, os casados e os que nunca casaram, pelo critério social dos da cidade e respetivos modos de vida e os da aldeia laboriosa, mas isolada, enfim, pelo critério económico da abundância e da escassez. Todos os que ficaram solteiros, protagoni s ta s d e a m o r e s i m p o s s í v ei s , “criminosos”, desencontrados ou abdicados, encontrarão na sua solidão, independentemente dos sucessos alcançados na vida cultural, social, económica e pessoal, o denominador comum que os levará a irmanarem-se, num conluio secreto e calculado: o de excluírem os irmãos casados dos seus próprios bens, como forma de evitarem

a dispersão do património familiar em parcelamentos que seriam ganhos por pessoas de fora da família e do sangue, mas sob o pretexto de protegerem as tias solteiras, sempre mais vulneráveis na sua condição feminina dependente. Apesar da alegria dos encontros com todos os irmãos, de a todos bem receberem em Constantim, as tias reconhecem haver “uma cerimónia nítida entre os irmãos, uma distância invisível só sentida, que resulta de vidas diferentes. Elas, na casa dos pais na aldeia desde sempre, eles, na novidade das cidades barulhentas”. Um muro se interpõe cultural e de conhecimento do mundo: livros lidos, espetáculos de teatro assistidos, viagens realizadas, convivialidade mundana feliz e triunfante para uns e serões tristes ou ocupações quotidianas ligadas à vida feminina – bordados, cozinhados, costuras, passeios escassos ou à missa, para se apurarem no vestir, ou gestão do azeite e cuidados com as atividades agrícolas e seus produtos de subsistência que se habituaram a partilhar com a família da cidade: fruta, cereais, mel, etc. Sentem-se excluídas dos ambientes dos irmãos casados, filhados pelas cunhadas, e “diminuídas sem amores e na sua condição infecunda”. Os outros parecem viver num Olimpo onde tudo se decide, onde a alegria e a distinção são companheiras, enquanto elas se circunscrevem a uma cenografia da espera (da chegada à terra dos irmãos visitantes e famílias, das crianças amáveis e benfazejas, das cartas e, depois, dos telefonemas breves, frios e protocolares) ou da imaginação (“Imaginam a diversão que não têm”) ou do sonho (“Teresinha (...) sonha então que se continuar o caminho ao lado de Ernesto conhecerá melhor os olhos que agora não se atreve a fixar. (...) Vê-lo-á descer da nuvem onde o pôs angélico e intacto”, p. 184) ou da abdicação. Cont. na pág. Seguinte


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«A CASA DAS TIAS» DE CRISTINA SERÔDIO - SIGNOS DE VIDA Cont. As tias, retidas e sedentárias na aldeia, sem homens casadoiros compatíveis com o seu estatuto e condição, terão de encontrar compensação para o que lhes falta e para o que a vida lhes foi tirando (a possibilidade do amor concretizado, a ventura da maternidade e o gosto de dirigirem uma casa com marido, filhos e visitantes, a saúde, sempre fugidia e escassa, sobretudo, em Teresinha, o amor generoso e delicado dos familiares a partir de certa altura). Essa compensação surgirá sob a forma de dinheiro, que lhes deu algo em que confiar. Como mulheres custalhes sobretudo não cumprirem, mais numa ordem social do que biológica, o papel que a sociedade lhes atribui criar filhos. Inférteis nesses campos, os irmãos solteiros veem também no dinheiro a suprema glória das suas existências e a fundamentação dos seus laços de sangue. Nenhum escapou a desilusões íntimas, “a amores sem caminho”: Henrique amou Laura mas sofreu o degredo eterno, “a dor de a não poder ter é tanta que prefere o nada” e transfere o seu afeto para a irmã novinha, tratando-a, num destino de abnegado pai para a irmã, vítima de lúpus, doença não só progressivamente incapacitante, como causa de afastamento e desamor; além disso, quando faleceu, só a governanta de casa manifestou uma sentida falta; João, por sua vez, desencontra-se para sempre do irmão Pedro, o desejado e mais amado por todos, quando este se casa com Cândida e vai para o Porto; Elísio alimentara um interesse por Leonor Andrade, a prima afastada, que ele viu, perplexo, ser levada pelo irmão Afonso; Francisca amou um rapaz bonito da aldeia, o Joaquim, mas as suas inseguranças, medos, dúvidas e irresoluções deixaram-no perdido e na ignorância do seu sentir; Teresinha sonhou com Ernesto, com os seus olhos de um “negro de veludo” e, dividida entre o “pensar e o querer”, decidirá pelo não. Por conseguinte, perderá o aprumo e vaidade feminina no arranjo e viverá num isolamento confrangedor, maior ainda com a superveniente morte da irmã, e tendo de socorrer-se de uma empregada pouco confiável para a tratar, proveniente da Musgueira, quando a doença a segregou do mundo. Ernesto nunca saberá dos seus sentimentos e Teresinha não provou o amor. Toda a linguagem da desilusão, privação, impossibilidade e abdicação surge num discurso de grande investimento retórico: “A razão perseguidora cerca o desejo, vence. Ata ao coração um peso de ferro”; “Ernesto nunca saberá a cor do coração da prima”; “Perderá terrivelmente o tudo que não conhece e que não saberá ter perdi-

do”; “melhor que a esperança sem sustento é a desilusão certificada”; “Ninguém o soube, a nenhum contou o que dentro do coração vivera, vidro quebrado sem remédio para sempre”. Em toda a obra, a autora põe a ficção ao serviço da verdade psicológica, preocupando-se em esclarecer a natureza dos indivíduos, em penetrar, com delicadeza e freio, na obscuridade dos processos que se encontram no centro da vida humana. O desabafo de João “A vida é mesmo uma tragédia”, quando a doença também o traiu e o atirou para um estado de incapacidade e dependência, sintetiza as amarguras e as razões maiores ou mais frívolas dos atos de todas as personagens. Desilusões e culpas abismais, rejeições transformadas em maledicências amargas, negligências no trato quando faltam os olhares desejantes de quem se ama, mesquinhez sovina onde outrora houve generosidade e partilha, cálculo e silêncio oportunistas no jogo desleal testamentário são o saldo a retirar da vida que tanto dá, por um lado, como tanto tira, por outro, das decisões que rompem uma união de parentes e condenam os seus membros a um miserável isolamento e à pobreza de afeto: “Pior que a morte é o desamor”, como dirá Afonso, magoado com a descoberta da conspiração testamentária feita pelos irmãos solteiros. Os últimos sobreviventes, os que mais enriqueceram com as heranças acumuladas dos irmãos solteiros mortos, foram os que sentiram o afastamento, a frieza e o abandono dos irmãos atraiçoados. Afonso nunca mais visitou as irmãs, nunca mais elas o visitaram e também Constantim para ele morreu. Pessoas que prejudicam os seus familiares nas questões de heranças e patrimónios são militantemente detestadas ou excluídas do círculo de afeto de Afonso, o avô de M., que acabará por herdar a casa das tias. Os irmãos solteiros, em nome do proclamado amparo das irmãs, cederam à tentação da exclusão dos outros, e todos, hipocritamente, conviveram e procuraram beneficiar das gentilezas e atenções que poderiam receber das cunhadas e dos irmãos casados, resguardando num embaraçoso silêncio de 20 anos a conspiração testamentária. Contudo, a fragilidade doentia não recebeu o amparo, em nome do qual se teceram conspirações e conluios de exclusão. E, com efeito, o último dono da casa deitou fora todo o lixo e “queimou os vestidos das tias”, como se se tratasse de uma operação de desinfeção. Os caminhos para o Outro exigem a libertação do egoísmo, da inveja avara, e, certamente, da indiferença. O choque dos excluídos foi

grande, mas maior terá sido o desamparo e a negligência a que se sujeitaram, mesmo pagando, a quem mal os tratava nos momentos de maior necessidade e privação, recebendo telefonemas breves, à distância e imune de contágios. M. procura apagar a má intenção das tias e o período de decadência física e social que sofreram, preferindo recordá -las nas suas vidas direitas e aprumadas, no esforço que fizeram ao longo da vida, antes da cisão familiar, para tornarem luminosa e acolhedora a casa de todos os que nela se congregavam. No enterro da tia Teresinha, M. “falou do amor que merecia palavras, mas que nunca chegou a ser declarado. Lembrou os tempos muito afastados da infância feliz nas casas onde ninguém estava deprimido, morto. Falou do esplendor dos dias de Setembro em Constantim – andar de burro e em cima dos carros de bois, o tingir os dedos de amoras suspensas das altas silvas, o tomar banho na ribeira do monte ou no tanque da rega (...) e das vezes em que nas demoradas tardes de Verão as tias os chamavam para repartir uma melancia de casaca verde e carne rubra, posta numa tigela em cima da mesa redonda da varanda, à qual se sentavam todos com ar festivo a comer grandes talhadas, cujo sumo rosa lhes chegava aos cotovelos, a trincar o coração vermelho tão doce e desmedido, repartido por todos devagar com a solenidade de um culto” (pp. 180-1). Essa alegria gratuitamente festiva poderá fazer esquecer o riso agreste, bruto, da tia Francisca, quando se “sentou na vida decidida a ser firme e rija como um muro” e evocar o outro, o da alegria genuína de todos sentados à volta da mesma fogueira: a da união harmoniosa de todas as partilhas, a da rede de laços sólidos e cúmplices, a da exaltação dos valores que se não compram por nenhuma lei de mercado ou de conveniência.


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CONCURSO LITERÁRIO - PRÉMIOS Por Helena Fonseca – 12.º B; ES de Camões

tão cedo não o voltaria a ser. Porém, José Carrasqueira discordaria: não, não acreditava em Deus ou na Humanidade, contudo acreditava piamente na tranquilidade do silêncio e no regresso do comboio que com ele iria trazer a sua Maria Rosa para os seus braços.

Poema do ser tudo. «Imagina um luar que cresce e aquece e faz da tua carne flor de loiça, orquídea branca que o calor não cresta. Imagina, imagina. Mas, sobretudo, dorme.» (António Gedeão, in Poema do ser inóspito)

Enquanto não te chega o sono, deixa que te entre no coração a música inaudível, invisível, intocável. Que entre e prenda A beleza intangível das coisas. Sê uno com elas, sê um só, mas sê em ti muitos, inúmeros, tantos quanto puderes ser. Somos unos, somos quanto podemos e assim deve ser o mundo. Não deixemos que se apodere de nós a igualdade da planície! Que venham as ondas, a rebentação! Entremos na ressaca do sonho e por lá fiquemos a apreciar a espuma. Vejamos passar o rio, mas, num bocejo involuntário de querermos mais, vivamos a vida sem receio. Que mais pode ela dar-nos que a morte certa? Imagina, imagina… Vê que lindos são os pássaros, as pessoas, os sons, as flores! Deixa que te invadam as cores, o sol, a noite, a madrugada! Permite em ti uma trovoada de pensamentos belos, que o belo, por si, cria outros… Coroa-te a ti próprio de louros e vive: vive e cria vida, não fiques para trás na corrente ainda que belo seja o mar. Ele um dia leva-te, mas por agora preza o amanhecer que para a morte caminha o sol e sempre torna a acordar. Imagina, imagina… Mas, sobretudo, dorme! E, enquanto te faltar o sono (mesmo de olhos abertos!), Sonha! Deixa que vá a noite devolver o dia ao luar! Imagina, imagina… Mas, acima de tudo, sonha! E agarra em ti todos os sonhos do mundo, para que mais tarde, quando regressares, tenhas vidas para partilhar!

Por Ana Catarina Baptista – 12º D, ES de Camões José Carrasqueira caminhava o mesmo trilho todos os dias. As suas inexistentes pegadas arrastavam as pequenas pedras para fora do seu caminho, como se de meras partículas de pó se tratassem. Acordava sempre às seis da manhã só para fazer o percurso ao lado da linha de caminho-de-ferro a passo lento e desorientado. Quem o observasse com prolongado interesse, julgá-lo-ia um homem dedicado a alguma desconhecida promessa, mas José Carrasqueira era tudo menos crente. Não era muito alto, mas toda a sua postura corcunda também não o favorecia. Era um homem do campo sem o ser, gasto pelo esforço do trabalho, já com pouco para dar. A sua testa era enrugada como quem pensa confuso sem encontrar respostas, e os seus olhos negros eram fundos transmitindo uma eterna tristeza inquietante. Já fora um grande trabalhador em tempos passados, um grande homem, capaz de representá-los a todos apenas com um “h” maiúsculo. Hoje em dia, Carrasqueira nem um homem grande era. Sentia-se mais pequeno que a sua altura, pequeno de sentimento, pequeno de alma, pequeno em espírito. Se o homem é do tamanho do seu sonho, então José Carrasqueira nem sonhava de tão pequeno que era. Todo o passeio era uma rotina, um ritual que o preparava para a vagarosa monotonia do dia que já nascera tarde. Caminhava por entre memórias passadas como quem não tinha objetivos, não tinha fé, não avistava nenhum fim a alcançar. Não havia deus que o fizesse crente e se havia nem nos homens o conseguia fazer acreditar. A linha de caminho-de-ferro vagueava fielmente junto a Carrasqueira e, lado a lado, comunicavam em silêncio durante meia hora todos os dias. Tal como o vulto do triste peregrino, estava gasta, mas tudo nela indicava que já não era usada há largos anos e que

Nunca tinha escutado o silêncio como no dia em que ela partira, aliás, talvez sempre o escutara, apenas nunca se tinha dado conta da sua triste voz. Conheciam-se desde muito novos. O primo mais velho dela era Faustino Traveira, agora mais conhecido pela taberna que herdara do avô e à qual todos chamavam da “Do Traveira”. Faustino fora, desde sempre, o companheiro de infância de José Carrasqueira. Juntos tinham dado muitas preocupações (e cabelos brancos!) às suas mães: desde pintar as galinhas com a tinta azul que o tio Joaquim tinha mandado vir da capital para pintar o seu carro, até roubar chocolates da mercearia da Dona Hermínia, muito tinham aqueles dois tramado. Mas Maria Rosa não se podia dar a esses luxos de ser criança, era menina e as meninas não tinham direito a ser crianças, as meninas tornavam-se logo mulherzinhas. A pequena andava demasiado ocupada a aprender a fazer pão, a cozinhar e a cuidar da lida da casa, e com o pouco tempo que lhe sobrava ainda tentava aprender a ler sozinha, pois isso ninguém lhe fazia questão de ensinar. Só no verão é que Maria Rosa podia sair com os rapazes, e mesmo assim, só duas vezes por semana e tinha de chegar a horas para ajudar a fazer o jantar, pois com tantos primos e afilhados não era um lar fácil de gerir. Para ela, essas eram as únicas memórias que valiam a pena ser recordadas. Aqueles longos dias que passavam a voar, as idas a pé até ao rio que os deixavam exaustos, mas com um sorriso nos lábios, os mergulhos na água suja e gélida, e a terra que teimava em se colar aos pés descalços e ainda molhados. E sempre fora assim, até que num desses verões, os cabelos de Maria Rosa pareceram a José Carrasqueira mais brilhantes que o costume e os olhos negros de José Carrasqueira criaram uma quieta inquietação no coração de Maria Rosa. Era amor e mais não há para contar porque como qualquer outro sentimento, pode-se tentar explicar por meras palavras, mas palavras não são nada


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CONCURSO LITERÁRIO - PRÉMIOS CONT. mais que palavras. Desta forma, sentimentos não se conseguem explicar, pela única razão que não foram criados para ser explicados, mas sim sentidos. Costuma-se dizer que por detrás de um grande homem há sempre uma grande mulher, mas este não era o caso. Aqui ninguém estava atrás ou à frente e era isso que fazia ambos serem grandes, enormes até, quase gigantes. Nessa altura, eram do tamanho dos seus sonhos e alcançavam-nos com a maior das facilidades. E assim surgiu a padaria dos Carrasqueira. Maria Rosa sempre mostrara uma grande destreza para a padaria e para a pastelaria, então quando José lhe sugeriu a ideia de abrir um negócio apenas disso em que ele a ajudaria com tudo o resto, ela mostrou-se bastante entusiasmada em relação ao que o futuro os reservava. E de facto, tinha razões para isso. Toda a gente precisava de pão, mas nem toda a gente tinha tempo para fazer pão caseiro diariamente e era aí que entravam os Carrasqueira respondendo na perfeição a essa necessidade. O negócio da padaria desenvolveu-se de tal maneira que o casal se viu em apuros quando outras aldeias das redondezas começaram também a procurá-los. “Não te preocupes que tudo nesta vida tem solução à exceção da morte” disse José Carrasqueira quando se apercebeu do medo e das preocupações que inquietavam a alma da sua mulher. Mais certo não podia estar: contrataram alguns amigos da família para os ajudar na produção e a construção da linha de caminho-de-ferro foi a cereja no topo do bolo, pois o

transporte dos pães e dos bolinhos para outras aldeias estava agora totalmente assegurado. Toda esta bonança dava-lhes a possibilidade de um conforto a que nenhum dos dois estava habituado e ao qual renegavam com modéstia. Tinham muito, mas só usavam o suficiente e isso bastava para serem felizes. Costuma-se dizer que após a tempestade vem a bonança, mas este não era o caso. A vida invertera a ordem das coisas, como o faz a todos nós certas vezes, e a seguir à bonança veio a tempestade. Sem qualquer anúncio ou razão aparente, sem tempo para despedidas, Maria Rosa partiu. Carrasqueira perdeu o rumo, esqueceu -se de tudo o que tinha, pois o que é que ele tinha sem ser ela e o negócio que ambos tinham construído juntos? Ele caminhara lado a lado com ela desde que se conhecia, e sem ela ele tornara-se um desconhecido. Para ele, essas eram as únicas memórias que valiam a pena ser recordadas, todas aquelas vividas a dois. Os anos passaram, as histórias andaram de boca em boca e o velho Carrasqueira agora já nem homem era, era só mais uma das muitas lendas de aldeia, ou uma sombra do que restava sobre a lenda de um homem que por perder quem amava se tornou louco. O que a aldeia não sabia é que este homem não estava louco, apenas andava impaciente há muitos anos, caminhando lado a lado com os carris à espera da chegada do comboio. O filho de Faustino um dia dissera-lhe que o comboio já não passava por ali, que desde que a padaria tinha entrado em ruína, a aldeia se deixara também arruinar. “Impossível”, respondera-

lhe o velho louco com o olhar mais lúcido possível, “o comboio virá”. Essas foram as últimas palavras que alguma vez o ouviram dirigir a alguém. Mas nessa manhã, enquanto caminhava, José Carrasqueira sonhou. Ouviu um barulho longínquo que quebrou todo o silêncio em que vivia, um barulho familiar que já não ouvia há muitos anos. Ao início, era apenas um pontinho preto com uma grande mancha cinzenta em seu redor, correndo pelos carris. Mas à medida que se foi aproximando, os olhos negros de Carrasqueira conseguiam distinguir perfeitamente os contornos do comboio. Não apressou o passo, para quê correr quando tinha esperado a vida inteira? As carruagens passaram por ele com velocidade suficiente para desequilibrar uma alma dum corpo, mas ele sabia que não havia pressa. E com a mesma velocidade com que se deslocava, parou e uma carruagem igual a todas as outras encarava-o, quase como se o convidasse a entrar. José Carrasqueira nunca se sentira tão sereno. Já começara a subir as frágeis escadinhas quando reparou nos cabelos brilhantes que repousavam levemente encostados numa das janelas. Abriu a porta e entrou na carruagem. A sua testa já não estava enrugada, tinha os pés húmidos e cheios de terra, o ar cheirava a pão acabado de sair do forno e não era crente, mas tinha crença numa só coisa: era um grande homem. Sentiu o comboio partir, e ouviu uma doce voz: “- Parece que afinal a morte também tinha solução.”

O PERFUME Por Gonçalo Ribeiro 9.º B, EB 2,3 Prof. Delfim Santos “O Perfume a história de um assassino” de Patrick Suskind O Perfume conta a história de Jean Baptiste Grenouille nascido nas solitárias e sujas ruas de Paris do século XVIII. Foi abandonado em bebé, sendo entregue a uma senhora que cuidava de crianças, mas que era

bastante má e cruel. Grenouille tinha uma particularidade: notava-se que era uma criança bastante especial, porque mostrava uma grande sensibilidade ao cheiro. À medida que vamos lendo, percebemos que Jean Grenouille tinha o sentido do olfacto apuradíssimo, capaz até de identificar todos os cheiros. Contudo, era uma pessoa totalmente diferente, cheia de mistérios, mas com a capacidade de criar os mais raros e belos perfumes, descobrindo que esta sua capacidade se devia ao facto de não possuir qualquer odor.

Foi só depois de alguns anos que Grenouille vai trabalhar com um decadente perfumista à beira da falência, que reconhece imediatamente o seu talento como criador dos mais belos perfumes. Numa narrativa clássica, Patrick Suskind faz uma alusão aos cinco sentidos do leitor, contando uma história inesquecível, por vezes cruel, recheada de crime e de amor sobre um criador de perfumes cheio de talento e com sentido do olfato apuradíssimo.


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FERNANDO PESSOA

LIBERTA O LEITOR QUE HÁ EM TI Para quem parte nozes quando é afoito. Pia número NOVE, Para quem se parece com uma couve. Pia número DEZ, Para quem cola selos nas unhas dos pés. E, como as mãos já não estão frias, Tampa nas pias!

Por Paulo Gomes, PB do AE BaixaChiado As escolas do primeiro ciclo e os jardins de infância do Agrupamento de Escolas Baixa-Chiado colaboraram na Semana da Leitura organizada pelo professor bibliotecário Paulo Gomes em parceria com a Biblioteca Camões e a participação especial da Biblioteca Arquiteto Cosmelli Sant’Anna (da Junta de Freguesia Santo António), entre os dias 19 e 27 de abril, ao abrigo do evento ABRIL – Ler em Todo o Lado, celebrando os 130 anos de nascimento de Fernando Pessoa. No dia 19, as turmas da Escola Básica de São José (situada na Colina de Santana) dirigiram-se para o Jardim do Torel, convidando a comunidade educativa e partilhando leituras ao seu gosto tendo participado bibliotecas parceiras, pais e encarregados de educação. No dia 20, foi a vez das turmas da Escola Básica Maria Barroso (situada na Baixa Pombalina) juntamente com uma turma da Escola Básica Luísa Ducla Soares que se dirigiu à Praça do Município, com a participação especial de pais e encarregados de educação que leram o Poema Pial, de Fernando Pessoa. Poema Pial (publicado em 1965) Toda a gente que tem as mãos frias Deve metê-las dentro das pias. Pia número UM, Para quem mexe as orelhas em jejum. Pia número DOIS, Para quem bebe bifes de bois. Pia número TRÊS, Para quem espirra só meia vez. Pia número QUATRO, Para quem manda as ventas ao teatro. Pia número CINCO, Para quem come a chave do trinco. Pia número SEIS, Para quem se penteia com bolos-reis. Pia número SETE, Para quem canta até que o telhado se derrete. Pia número OITO,

No dia 23, dois alunos da EB de São José, participaram na fase municipal do Concurso Nacional de Leitura, na Biblioteca Galveias (em Lisboa). No dia 26 de abril, no Auditório da Escola Básica e Secundária Passos Manuel, decorreu o Concurso de Leitura interno, com alunos do 1.º Ciclo, ao abrigo da Semana das Línguas (do Agrupamento) e tendo convidado para júri dois elementos das bibliotecas parceiras: a Biblioteca Camões e a Biblioteca Arquiteto Cosmelli Sant’Anna. Os alunos vencedores por nível de escolaridade foram os seguintes: 1.º ano, Melissa, da EB Gaivotas; 2.º ano, Mateus Machado, da EB Padre Abel Varzim; 3.º ano, Francisco Centeio, EB Padre Abel Varzim; 4.º ano, Gui Martins, EB Gaivotas. No dia 27, as turmas da Escola Básica Padre Abel Varzim integraram a comemoração em homenagem a Fernando Pessoa, tendo usufruído de vários momentos de animação da Inês Leitão, da Biblioteca Camões, com a colaboração do professor bibliotecário Paulo Gomes, da Biblioteca Escolar Helena Vaz da Silva, no Jardim São Pedro de Alcântara. Por fim, os animadores principais deste evento concluíram as sessões com a peça Fernando e Ofélia, que corajosamente revelaram os seus sentimentos, apesar de nunca se terem casado, fechando com o poema “Todas as cartas de amor são ridículas”. Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras, Ridículas. As cartas de amor, se há amor, Têm de ser Ridículas. Mas, afinal, Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que são Ridículas. Quem me dera no tempo em que es-

crevia Sem dar por isso Cartas de amor Ridículas. A verdade é que hoje As minhas memórias Dessas cartas de amor É que são Ridículas. (Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas.


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LER CAMILO CASTELO BRANCO Por Ana Rita Silva, n.º 3, 11.º1, ES D. Pedro V Não se lê, mas devia-se. Ler Camilo Castelo Branco na atualidade é importante. É importante não só porque nos é apresentada uma realidade passada, como também porque essa mesma realidade traz ensinamentos aplicados ao presente. Em Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, existem personagens de grande caráter, que podem transmitir os seus valores e ideais, a sua determinação e riqueza interior à sociedade atual que parece, hoje, padecer de algumas destas características. Penso que aquilo que melhor retiro e aprendo da obra Amor de Perdição seja o amor, indiscutível, incurável, incompreensível e extremamente intenso

de Simão e Teresa. Ambos têm um caráter louvável e ambos souberam colocar o amor que sentiam à frente de tudo. Souberam amar, morrer a amar e morrer por amar. É este sentimento, verdadeiro e intenso, vivido no amor de Simão e Teresa, que raramente se encontra no presente. Outra característica que as personagens de Amor de Perdição possuem, que penso que mereça a leitura da obra, será a força da determinação e firmeza. Nenhuma das personagens desiste. Ninguém deixa de lutar por algo em que acredita. Simão e Teresa nunca duvidam ou desistem do amor. Tadeu não tira da cabeça a ideia do casamento da filha com Baltazar (até à morte deste último). Baltazar nunca desiste de amar Teresa, assim como Mariana não desiste de amar Simão. O

pai de Mariana nunca deixa de querer ajudar Simão e o pai de Simão, imponente, nunca desiste de tentar fazer com que Simão não queira Teresa. Até ao fim, as personagens mantêm-se fiéis àquilo que querem e àquilo em que acreditam. Assim, penso que a importância da leitura da obra de Camilo Castelo Branco se baseie na força emocional e na genuinidade que as personagens possuem e na possível influência que o caráter destas personagens possa ter na atualidade.

ENCONTRO COM A ESCRITORA ANA MARIA MAGALHÃES Por David Silva, Rafael Melo, Flávio António e David Parreira da turma 4.ºB EB1/JI das Laranjeiras, trabalho realizado no Apoio No dia vinte e quatro de abril de 2018, veio à nossa escola, EB1/JI das Laranjeiras, a escritora Ana Maria Magalhães. Todas as turmas da escola, por turnos, participaram nesta atividade. A nossa turma, quarto ano turma B, encontrou-se com a escritora no turno das quinze às dezasseis horas juntamente com os alunos das restantes turmas do quarto ano da escola. No início do encontro colocámos várias questões acerca de como escrever um livro, às quais a Ana Maria Maga-

lhães respondeu com muito entusiasmo e prontidão. Como na nossa sala de aula tínhamos trabalhado uma obra dela “Uma Viagem ao Tempo dos Castelos”, alguns alunos da nossa turma fizeram-lhe perguntas acerca desta aventura. Gostámos muito de conhecer e conversar com a escritora ao vivo, principalmente porque já conhecíamos algumas das suas histórias, designadamente “Uma Viagem ao Tempo dos Castelos”, que contava a história de dois irmãos, a Ana e o João. A Ana era uma rapariga ajuizada e sensata, mas o João era bastante disparatado e impulsivo. Apesar disso os dois entendiam-se muito bem. Nas férias foram pas-

sar uns dias à quinta de uma tia na Serra do Marão e viveram uma aventura impressionante porque viajaram no tempo e foram parar ao tempo de D. Afonso Henriques. E a partir daí foi uma aventura emocionante. No final do encontro a escritora autografou os livros que nós comprámos. Gostámos muito de conhecer a Ana Maria Magalhães e de saber as motivações que a levaram a escrever algumas aventuras e histórias.

cia dos números primos foram os gregos, especialmente Euclides. Com um raciocínio matemático mostrou que os números primos eram infinitos, mas Euclides não conseguiu encontrar quais seriam os números primos ou uma regra que ajudasse a encontrá-los. A frequência com que aparecem parece casual como o tempo de espera dos autocarros. Os números primos parecem estar alguns muito próximos e outros muitos distantes, parecem estar espalhados sem nenhuma regra. Bernhard Riemann criou a função Z que prometia calcular todos os números primos. A Hipótese de Riemann levou Alan Turing a construir uma máquina que resolvia a hipótese de Riemann. A máquina conseguiu demonstrar os primeiros 1140000 zeros da hipótese, mas depois avariou e Turing morreu. O maior número primo descoberto por

uma máquina tem mais de 7 milhões de algarismos. Mas o grande problema da hipótese de Riemann é que não podemos contar um número infinito e o computador só consegue até um ponto. Cada vez que pagamos qualquer coisa online, a segurança do sistema é baseada na dificuldade de desencriptar o número do cartão através dos números primos que o constitui.

NÚMEROS PRIMOS Por Federico Pretese, 10.º 1, n.º 11, ES D. Pedro V Há um enigma ma matemática que atormenta os matemáticos há mais de 2000 anos, tão difícil que todos os que tentaram resolver saíram derrotados. Este enigma levou ao nascimento dos primeiros. Os números são algo essencial na vida de qualquer pessoa. Podemos observá -los no nosso quotidiano. Nós aprendemos a definição dos números primos quando estamos na escola. São números que são divisíveis por si próprios e por um, mas o que não nos ensinam é que são os elementos base da matemática. Todos os números não primos podem ser multiplicados por números primos por exemplo o 15 é 5 vezes 3. Podemos dizer que os números primos são os átomos da matemática. Os primeiros a perceberem a importân-


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O TEATRO VEIO À EB1/JI ANTÓNIO NOBRE

Por Marina Carriço e Maria Inês Gonçalves, da EB1/JI António Nobre, trabalho realizado no Apoio No dia 23 de fevereiro, a empresa Navigator Company veio à nossa escola apresentar uma peça de teatro que se chamava “Dá a mão à floresta”. Esta peça foi muito divertida porque algumas personagens eram muito engraçadas. Além de nos divertir também nos transmitiu uma mensagem

muito importante e especial sobre a Floresta. Aprendemos que a Floresta deve ser protegida e renovada. A peça contava a história de uma menina, chamada Sara, que tinha recebido de prenda um canteiro. Ela ficou muito contente com aquela prenda, mas também muito indecisa porque não sabia o que iria plantar ou semear naquele canteiro. Ao longo da peça, a Sara foi pedindo a todas as personagens que a ajudassem a decidir qual o melhor uso que poderia dar ao canteiro. O Pedro, que era seu amigo, ajudou-a. Mas depois ainda teve a ajuda dos investigadores florestais, que lhe deram algumas indicações acerca de plantas e também da sua tia Faia e da mãe do Pedro que era engenheira florestal. Mesmo assim, apesar de todas as ajudas, a Sara continuava com alguma dificuldade para decidir qual seria a

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melhor solução para utilizar o canteiro. Por fim, no meio de toda esta indecisão, apareceu um pinheiro no centro do canteiro. Ao aperceber-se desta nova situação, a Sara ficou muito surpreendida, mas também muito feliz. Na nossa opinião, esta peça de teatro foi muito educativa porque nos chamou à atenção para a importância da floresta e das plantas.

APRECIAÇÃO CRÍTICA DA PEÇA “O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS” Por Margarida Gonçalves, 12.º B, ES de Camões A partir do romance de José Saramago, Hélder Mateus da Costa, acompanhado de um excelente elenco de atores desconhecidos da maioria do público, encena a peça de teatro O ano da morte de Ricardo Reis, a decorrer no Teatro “A Barraca”. Antevendo a possibilidade de esta peça ser uma reprodução fiel do livro de José Saramago, somos, desde logo, surpreendidos com uma dramatização inovadora. Hélder Costa reinventa a história do livro, concentrando a ação na relação mantida entre um Pessoa extrovertido e o seu heterónimo, Ricardo Reis. As restantes personagens surgem como satélites daquele binómio, interpeladas apenas para nos recordar as características distintivas de Ricardo Reis. Tudo isto sem esquecer o contexto social e político de Portugal e da Europa, com especial relevância no ano de 1936, em que os regimes partidários e governativos fascistas começam a difundir-se. O público é constantemen-

te confrontado com a projeção de excertos de episódios históricos cinematográficos, a preto e branco. A simplicidade e modéstia dos cenários, muitas vezes escuros e sombrios, são utilizadas deliberadamente pelo encenador como evidência do regime opressivo da época e elemento contrastante do humor, ironia e sarcasmo com que nos apresenta Pessoa. Esta peça, merece a nossa presença e não descaracteriza Pessoa; apenas nos procura cativar pela diferença. Helena Fonseca, 12. º B, ES de Camões No dia 11 de março, fui ver, juntamente com outros colegas da escola, 1936, O Ano da Morte de Ricardo Reis, adaptação de um romance de José Saramago, em cena n‘A Barraca. Para começar, devo admitir que possuía expetativas elevadíssimas em relação a esta peça. A verdade é que fazer um teatro com base num romance não é, de forma alguma, tarefa fácil. Como tal, confesso que o que vi foi substancialmente diferente do que

RAP “O DIA-A-DIA ESCOLAR” Por Alexandre Costa, n.º 1, Gonçalo Ambrósio, n.º 10, João Batista, n.º 17 e Rui Domingos, n.º 23, Turma: 7.º C, Professora: Luísa Giestas, EB 2,3 dos Olivais Acordo de manhã, os dentes vou lavar, Para logo ao acordar, o bafo bazar. Chego à escola e na sala de aula vou entrar Chego atrasado e a professora não me deixa falar.

tinha imaginado, pelo que a experiência me causou algum desconforto. Muitas das opções tomadas por Hélder Mateus da Costa, encenador e dramaturgo, colidiam frontalmente com as minhas, pelo que saí do teatro a sentirme desiludida. Não achei as personagens muito bem representadas, mas atribuo o meu desgosto à forma claramente diferente de pensar a história. Mas nem tudo são espinhos, também há rosas. O cenário, as luzes, o som e os filmes projetados durante a peça foram, assim o considero, a parte mais importante do espetáculo. Dificilmente teria aprendido mais do que com as extraordinárias curtas-metragens passadas em último plano. Concluindo, apesar de não ter ficado impressionada, admito que foi uma manhã bem passada e aconselho o teatro a quem não leu o livro.

MÚSICA Depois da aula acabar, vamos para o bar. A seguir ao toque, pensamos logo em faltar. Depois, o almoço vou tomar E logo de seguida, desporto vou praticar. À hora do lanche, um bolo vou comer. Fiquei tão embuchado, que sumo tenho que beber. Depois de me alimentar,

Tenho de me apressar para à aula não faltar. O dia está quase a acabar Falta pouco tempo para a última aula terminar. Dos meus colegas eu vou-me despedir Porque para casa eu tenho de ir.


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A ARTE É ETERNA E NÃO SE CALA Por Olga Silva, Professora de EV/ET da de Educação Visual e de Educação EB 2,3 Prof. Delfim Santos Tecnológica, durante o 2.º período. Os produtos finais expostos resultam da Sob o lema A Arte É Eterna e Não Se exploração e recreação de temas, Cala esteve patente, entre 5 e 16 de técnicas e métodos de trabalho premarço de 2018, no Bloco A da Escola sentes nas obras de Alberto Carneiro, EB 2,3 Prof. Delfim Santos uma exposi- Almada Negreiros José de Guimarães, ção de trabalhos dos alunos do 2.º ci- Alexander Calder e Niky de Saint Phalclo realizados nas aulas das disciplinas le.

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EXPOSIÇÕES


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Dois objetos em alto contraste Numa fase inicial os alunos realizaram desenhos de observação de dois objetos a partir de diferentes pontos de vista, um à sua escolha e outro proposto pela professora. Em seguida, partindo dos vários estudos realizados desenhou-se apenas a sua silhueta recorrendo à linha de contorno. O trabalho final resultou da composição das silhuetas em sobreposição e alternância, explorando o conceito de figura fundo e do alto contraste a preto e branco. Ensaios de perspetiva Neste exercício os alunos começaram por analisar exemplos na pintura, que integram a perspetiva científica, em particular, as do período do Renascimento. Um dos objetivos foi o de en-

tender a ilusão da tridimensionalidade num espaço a duas dimensões, como é o caso da tela ou do papel cavalinho A3, por exemplo. A atividade prática começou pela construção geométrica de polígonos regulares, que posteriormente ganharam volume sugerindo um espaço tridimensional com um ponto de fuga. Os sólidos foram pintados a lápis de cor com criação de texturas diferentes nas faces frontais visíveis.


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EXPOSIÇÃO Cont. Auto-Retrato Pop Art Por Virgínia Pereira, professora de Desenho na ES António Damásio O movimento artístico da Pop Art foi a fonte de inspiração para a realização deste exercício. Os alunos analisaram a gramática visual presente nalgumas obras mais representativas, em particu-

lar as de Andy Warhol e Roy Liechenstein. Em seguida, numa cópia A4, a preto e branco do retrato do aluno, foram identificadas recorrendo à linha, as áreas correspondentes às diferentes gradações de cinzento que vão do branco ao preto. Após a realização de estudos de cor, o trabalho final foi pintado a guache

com cores lisas nas zonas identificadas anteriormente. As propriedades da cor: complementaridade, luminosidade e saturação serviram de orientação para obter o efeito de contraste, os pontos e linhas pintados em sobreposição conferiram dinamismo e ritmo à composição.


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JÚLIO POMAR

1926-2018

HOMENAGEM

RECEITAS LITERÁRIAS Teresa Saborida, PB da ES de Camões MARCEL PROUST—BOEUF À LA MODE «A carne fria com cenouras fez a sua aparição, num leito de enormes cristais de geleia em blocos de quartzo transparentes concebido pelo Miguel Ângelo da nossa cozinha. - Tem um chefe de primeira ordem, senhora - disse o senhor de Norpois. - E é coisa rara. Eu, que tive de tomar conta de uma casa no estrangeiro, sei como é difícil encontrar um mestre de cozinha perfeito. Esta refeição para a qual nos convidou é uma verdadeira ágape. E, com efeito, Françoise, muito excitada pela ambição de conseguir oferecer a um convidado distinto um jantar semeado de dificuldades dignas dela, esforçava-se como já não o fazia quando estavam sós e regressava aos seus incomparáveis modos de Combray. - Eis algo que não se consegue obter num cabaret, nem mesmo nos melhores: uma carne de boi assada em que a geleia não cheire a cola, e em que o boi tenha o perfume das cenouras, é admirável! Permita-me que repita acrescentou fazendo sinal que desejava mais um pouco de geleia - Agora estou curioso em julgar o seu Vatel numa refeição completamente diferente, gostava, por exemplo, de ver como se sairia com um Strogonof.» Proust, Marcel, in, A 1'Ombre des jeunes filles en fleur Ingredientes [6-8 pessoas] 1,5 Kg de carne de vaca 125 gr de toucinho gordo 1 pé de vitela 15 cebolinhas

3 dl de vinho branco 2 colheres de sopa de aguardente velha 50 gr de manteiga 3 dl de caldo de carne 750 gr de cenouras 2 dentes de alho 1 folha de louro 1 ramo de cheiros Sal e pimenta q.b. Ate a carne com um fio, em forma de paio. Retire o courato e corte-o em tiras muito finas. Com uma agulha própria, lardeie a carne com as tiras do toucinho. Coloque o courato em água fria e leve ao lume, deixando ferver cinco minutos. Escorra-o e passe por água. Coloque a carne num tacho com a manteiga derretida, deixando-a alourar. Tempere com sal e pimenta. Regue com o vinho branco e o caldo de carne. Adicione o pé de vitela (previamente lavado, desossado e cortado ao meio), o courato, a salsa e o louro. Tape e deixe ferver em lume brando cerca de hora e meia. Acrescente as cebolinhas e os dentes de alho inteiros e as cenouras cortadas em rodelas. Junte a aguardente e deixe cozer durante mais uma hora e meia em lume brando. Retire a carne e o pé de vitela. Corte a carne em fatias e o pé de vitela em pedaços. Coloque a carne numa tigela, rodeada pelas rodelas de cenoura e coloque por cima os ingredientes da cozedura, à exceção do alho, louro e salsa. Leve ao frigorífico e deixe solidificar. Desenforme e sirva frio. Biografia Marcel Proust (1871-1922) Autor de À la recherche du temps per-

du, composição romanesca de cariz autobiográfico, indelevelmente marcada pelo desejo de recuperar o passado através do recurso à memória afetiva. Dividida em sete partes, o seu itinerário espiritual, não deixa, no entanto, de materializar a conceção proustiana do "eu" romanesco versus o "eu" do autor. Os 3 últimos volumes desta obra foram publicados pelo seu irmão após a morte do autor. Proust ficou na história da literatura como um dos maiores vultos do romance psicológico, sendo um dos precursores da chamada "corrente de consciência", que enformaria a obra de autores como Virgínia Woolf ou James Joyce. A sua demasiado breve existência foi inteiramente devotada à criação literária, sendo um exemplo da obsessão pela arte e da procura da cristalização poética do tempo. Obras principais Les Plaisirs et les jours (i 896);Jean Santeuil; Contre Sainte-Beuve (1907); À la Recherche du temps perdu – em 7 volumes (19131927).


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ÚLTIMA

EDIÇÃO

Por Lígia Arruda (PB da ES D. Pedro V), Lurdes Castanheira (PB da ES António Damásio) e Teresa Saborida (PB da ES de Camões) O Trívio encerra a sua publicação com este número, o 9.º da sua existência. Esta é, pois, a última edição e pela 1.ª vez com um Suplemento. Percorremos um caminho atribulado muitas vezes com a sensação de estarmos a conduzir um carro sem rodas. Se foi possível? Claro que foi, embora tenha sido complicado garantir a chegada ao destino. Iniciámos esta parceria, que envolve 11 escolas, há 3 anos, com a convicção que conseguiríamos unir “a realidade, as notícias e as iniciativas” das diferentes escolas, envolvendo-as “num processo de interação, de busca da efetivação do trabalho interdisciplinar e interescolar e da aplicação da informática”. Todos os 10 objetivos enumerados no editorial do 1.º número nos pareceram exequíveis, interessantes e motivadores à participação das várias comunidades educativas envolvidas. Estamos cientes de que tudo começou pela vontade de 3 professoras bibliotecárias que, neste universo referido, são uma gota de água. Porém, conhecemos a realidade das nossas escolas e julgámos que conseguiríamos nadar contra a maré e levar a bom porto o nosso barco. No primeiro ano o arranque fez-se com alguma dificuldade por vários motivos, desde a falta de colaboração para a redação de artigos, a falta de divulgação por parte de algumas estruturas da escola (enviávamos o link e não era replicado para os alunos e EE), a colocação e visibilidade do jornal no site das escolas, etc. Mas, no final, acabá-

TRÍVIO

mos por verificar que tanto as visualizações como a partilha do link estavam a ser positivas. E começámos a ter o feedback de entidades exteriores a este Trívio como jornalistas e, especialmente, as estruturas da RBE. No ano seguinte, os diretores dos agrupamentos e da escola colaboraram fazendo o editorial, o que muito nos aprouve e, apesar de persistirem alguns problemas (como o não cumprimento de prazos de entrega), a estatística comprovou que o número de visualizações e partilhas aumentou. No presente ano letivo, a RBE validou o nosso trabalho ao termos o 1.º editorial do ano escrito pela coordenadora da RBE, a Dr.ª Manuela Silva. O 2.º editorial foi escrito pela Dr.ª Maria José Vitorino, nossa antiga coordenadora interconcelhia, membro efetivo do IASL (International Association of Scholl Librarianship) e dinamizadora de projetos de promoção de leitura como a Laredo Associação Cultural, e o 3.º editorial escrito pela Dr.ª Teresa Calçada, comissária do PNL. Outro aspeto positivo foi o desafio lançado pela Escola Superior de Comunicação de Lisboa que soube do Trívio e nos contactou para um projeto de literacia dos media com alunos (do qual resultou o suplemento deste número). Contudo, o número de visualizações diminuiu drasticamente, as dificuldades persistiram e mantém-se o mesmo tipo de problemas. A verdade é que sempre chegamos ao fim do prazo com défice de textos para publicar, falta de reportagens, de crónicas ou de trabalhos, como se nada tivesse acontecido em três meses de vida escolar. Por ventura, deveríamos ter feito uma auscultação aos vários intervenientes, quer através de inquéritos, quer através da

promoção de debates; deveríamos ter tentado uma aproximação entre as diversas escolas no sentido de “explorar questões culturais e aprofundar conhecimentos sobre temas transversais”, o que se tem revelado de difícil concretização dentro, por exemplo, do próprio concelho de turma; as escolas intervenientes também têm projetos educativos diferentes e problemáticas distintas, tornando complicada a nossa tarefa de cruzar sinergias Por outro lado, temos muitas tarefas diárias e anuais de gestão e dinamização das bibliotecas, nas nossas respetivas escolas, com o cumprimento de planos de atividades, planos de melhoria, formação, etc., que nos tomam muito tempo. Enfim! Temos orgulho do trabalho realizado, temos consciência de que foi uma prática inovadora, temos consciência que poderia ter sido melhor e poderíamos ter feito mais – mas também estamos cientes que devemos parar por ora. Não sem que agradeçamos a todos os que colaboraram com os seus textos, para que este jornal acontecesse. Foi interessante enquanto durou. D. Quixote lutou contra moinhos de vento pensando que eram gigantes. Porém, nós sabemos que são só moinhos de vento… Nota – as citações são do editorial do 1.º número do Trívio.

ESCOLA SECUNDÁRIA DE CAMÕES Escola Secundária de Camões

Praça José Fontana, 1050-129 Lisboa.

direcao@escamoes.pt

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DAS LARANJEIRAS Escola Secundária D. Pedro V

Estrada das Laranjeiras, 122 1600-136 Lisboa

direcao@ael.edu.pt

Escola Básica 2,3 Prof. Delfim Santos

Rua Maestro Frederico Freitas 1500-400 Lisboa

direcao.delfimsantos@ael.edu.pt

EB1/JI António Nobre

Rua António Nobre, 49 1500-046 Lisboa

eb1antonionobre@gmail.com

EB1/JI Frei Luís de Sousa

Rua Raul Carapinha 1500-042 Lisboa

escola.freiluis49@gmail.com

EB1/JI Laranjeiras

Rua Virgílio Correia, 30 1600-224 Lisboa

eb1daslaranjeiras@gmail.com

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE SANTA MARIA DOS OLIVAIS Escola Secundária António Damásio

Av. Dr. Francisco Luís Gomes 1800-178 Lisboa

direcao@aeolivais.pt

Escola EB 2,3 dos Olivais

Rua Cidade de Bolama 1800-077 Lisboa

eb23olivais@gmail.com

EB1/JI Alice Vieira

Rua Vila Catió

alicevieira.eb1ji@gmail.com

EB1/JI Manuel Teixeira Gomes EB1/JI Sarah Afonso

1800-000 Lisboa

Rua Manuel Teixeira Gomes 1900-000 Lisboa

eb1mtgomes@gmail.com

Rua Almada Negreiros

eb1183olivais@gmail.com

1800-000 Lisboa


Escola Secundária de Camões Agrupamento de Escolas das Laranjeiras Agrupamento de Escolas de Santa Maria dos Olivais Edição N.º 9 - SUPLEMENTO Maio de 2018

Projeto de Transliteracia Jornalística Os alunos envolvidos neste Projeto foram: Da ES de Camões: Ana Catarina Baptista, Daniela Mendes e João Castro Da ES D. Pedro V: Diana Raquel Matos Pires, Iara Rafaela Alegria Teixeira, Joana Filipa Trigo Ferreira, Maria Inês Cardoso Monteiro, Marta Sofia Lucas Borralho e Raquel Melo dos Anjos Pécurto Da ES António Damásio: Beatriz Laureano Coutinho Cabral, Bruno Filipe Castro Soares, Caio Henriques Guterres, Ciro Mutembo Ribeiro, Emanuel dos Santos Semedo, Francisco Duarte Gil, Ísis Mutembo Ribeiro, Maria Chambel Marques Costa, Sara Isabel Monteiro Tavares e Tiago Novais


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PROJETO

TRANSLITERACIA

JORNALÍSTICA

Por: Lígia Arruda (PB da ES D. Pedro V), Lurdes Castanheira (PB da ES António Damásio) e Teresa Saborida (PB da ES de Camões)

que as reportagens seriam, para os alunos da ESCS, um trabalho disciplinar com avaliação, dado que só soubemos com o projeto adiantado;  nem no regulamento, por escrito, nem oralmente, nunca houve qualquer indicação de que haveria preferência pelo tratamento de determinados temas, por exemplo de cariz social;  o regulamento do concurso do Prémio Reportagem – Literacia Jornalística ESCS 2018, divulgado no dia 23 de abril, declarava no ponto 11 que “a composição do júri e o prémio” seriam “oportunamente revelados”, coisa que só aconteceu no próprio dia e no momento da divulgação dos resultados. Como “quem não se sente não é filho de boa gente”, e nós somos, não deixámos de reparar que nessa ocasião foram premiados, ex-aequo, dois trabalhos da escola secundária vizinha da ESCS. E, se um dos trabalhos não levanta qualquer dúvida relativamente à qualidade que tem, o outro põe-nos a pensar “ que espécie de reportagem jornalística é uma infografia?” No entanto, aplaudimos dum modo geral a participação dos nossos alunos e agradecemos a oportunidade que lhes foi dada de contactarem com o mundo das notícias por dentro, a possibilidade de viverem por breves momentos o ambiente universitário e de contactarem com algumas realidades que lhes eram desconhecidas. E, para memória futura, aqui ficam algumas opiniões dos intervenientes no projeto:

relação a nós. Mas ficámos felizes de ter seguido até ao fim. Aprendemos muito com este projeto e foi uma ótima experiência. Das aulas até às visitas de estudo, havia sempre alguma coisa a reter, algum fascínio novo da nossa parte. Fora das aulas, ao realizar o projeto com a nossa mentora Sara Pinho, apercebemo-nos ainda mais como o trabalho de jornalista não é algo básico, mas muito intenso e interessante. Percebemos também como o jornalismo consegue ajudar as pessoas ao seu redor, através da informação.

No último número do Trívio demos conta do convite que nos tinha sido endereçado para participar num projeto sobre literacia jornalística promovido pela Escola Superior de Comunicação Social. Agora, estamos aqui para vos mostrar os trabalhos que resultaram dessa parceria e para fazer um balanço do evento. O convite era dirigido a alunos do ensino secundário. Da nossa parte, participaram 10 alunos da ES António Damásio, 3 alunos da ES Camões e 6 alunos da ES D. Pedro V. Entre o dia 7 de março e o dia 3 de maio, dia em que se celebra internacionalmente a Liberdade de Imprensa, estes alunos participaram em atividades, aulas, sessões e visitas de estudo, projetaram e realizaram reportagens que vos mostramos nas páginas deste suplemento. Desde a primeira reunião havida, sabíamos que o objetivo último era a produção de reportagens jornalísticas, que os alunos fariam acompanhados e tutorados por finalistas e mestrandos da ESCS; estas reportagens seriam divulgadas publicamente no jornal online 8.ª Colina, da ESCS, e, posteriormente, no Trívio. Em jeito de balanço, sentimos necessidade de reparar em alguns aspetos que nos pareceram funcionar menos bem, até para que em próximas edições possam ser minorados:  o convite chegou demasiado próximo da data de arranque do projeto, não dando tempo a diversificar mais as nossas participações;  o momento escolhido, final do 2º período letivo, não é o mais propício, por ser época de testes e avaliações no secundário;  em nenhum momento da preparação da nossa participação foi dito

Por Ísis Ribeiro e Beatriz Cabral, ES António Damásio A visão que tínhamos de jornalismo era completamente diferente antes de entrarmos neste projeto. No início, sentimo-nos um pouco fora do sítio, assistíamos às aulas e parecia que os outros participantes sabiam muito mais em

Por Ciro Ribeiro, ES António Damásio A minha opinião sobre o projeto de literacia jornalística é positiva, sendo um meio de relacionar a vida universitária com a vida secundária. Venho deixar também um obrigado por nos terem proporcionado esta experiência e à Escola Superior de Comunicação Social e aos seus alunos, incluindo todos os que nos apoiaram, por nos fazerem entrar neste magnífico conceito do que é o jornalismo. Por Caio Guterres, ES António Damásio Gostei muito de participar neste projeto, foi criativo e deu para ganhar muito conhecimento acerca da vida no jornalismo. Foi interessante como pediram aos alunos do secundário para ajudar no projeto final dos finalistas que participaram neste projeto. Gostei de assistir às aulas, mas fiquei um pouco triste de não conseguir participar mais. Ao princípio pensei que o projeto fosse longo demais, mas, quando acabou, apercebi-me que queria que continuasse por mais tempo. Caso apareça outro projeto como este não hesitarei em participar, estou ansioso por outro projeto como este. Valeu a pena? Claro que valeu. Como tão bem soube dizer o peta Miguel Torga no poema Viagem, “em qualquer aventura, o que importa é partir, não é chegar”.

FICHA TÉCNICA Conceção e implementação do projeto: Professoras bibliotecárias Lígia Arruda (ES D. Pedro V), Lurdes Castanheira (ES António Damásio) e Teresa Saborida (ES Camões). Coordenação do projeto: Lígia Arruda, Lurdes Castanheira e Teresa Saborida. Revisão de artigos: Lígia Arruda, Lurdes Castanheira e Teresa Saborida, docentes do grupo 300. Colaboração permanente das professoras bibliotecárias: Ana Correia (Ag. das Laranjeiras), Lucinda Marques (Ag. das Laranjeiras), M.ª de Lourdes Martins (Ag. Santa Maria dos Olivais) e M.ª de Lurdes Grácio (Ag. Santa Maria dos Olivais). Conceção e montagem gráfica: Alexandre Rodrigues e Carla Rodrigues, docentes de Informática da ES D. Pedro V. Periodicidade: um por período letivo Email: ligia.arruda@ael.edu.pt - teresasaborida@escamoes.pt - lurdes.castanheira@aeolivais.pt - jornaltrivio@gmail.com


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VISITA

RTP

Por Diana Raquel Matos Pires, Iara Rafaela Alegria Teixeira, Joana Filipa Trigo Ferreira, Maria Inês Cardoso Monteiro, Marta Sofia Lucas Borralho e Raquel Melo dos Anjos Pécurto, 11.º 5, ES D. Pedro V.

anças dos 18 meses aos 14 anos. Por fim, visitámos o Museu onde se encontram os aparelhos de realização, difusão e receção da história da rádio e televisão.

Visitámos as instalações da RTP e RDP no dia 18/04/2018, pelas 14h30, no âmbito do Projeto de Transliteracia Jornalística em parceria com a Escola Superior de Comunicação Social (ESCS) e as escolas que fazem parte do Trívio. Estavam aluno(a)s da ES António Damásio, da ES de Camões, da ES José Gomes Ferreira, da ESCS e nós as seis da ES D. Pedro V, bem como as professoras bibliotecárias das três escolas secundárias envolvidas, as professoras da ESCS e da ES José Gomes Ferreira. Fomos recebidas por uma funcionária da RTP, que seria a nossa guia.

RDP

Adorámos ver uma peça que servia para o teatro radiofónico e a 1.ª televisão com comando à distância. Este era uma grande caixa de madeira e a televisão era portátil. A ligação entre o aparelho e o comando fazia-se por uma mangueira semelhante às usadas pelos bombeiros. Como progrediram estes aparelhos. Hoje em dia, o comando é tão minúsculo! No átrio, ainda vimos o espólio doado pela viúva do Fernando Pessa: o seu escritório pessoal com a sua inestimável máquina de escrever tantas vezes referida pelo jornalista. E esta, hein? De facto, não estávamos à espera de uma visita tão gratificante.

Começámos por visitar o estúdio do programa Agora Nós conduzido por Tânia Ribas de Oliveira e José Pedro Vasconcelos e estavam a transmitir em direto. Tão exíguo!

Solicitámos à Prof. Fernanda Bonacho conhecer os arquivos da RTP, mesmo depois de concluído o projeto! Esperamos concretizá-la!

Seguimos, depois, para o local onde são gravados os telejornais da RTP1 e aí vimos e soubemos que é o pivot que comanda o teleponto através de um pedal.

Só lhe queremos agradecer por nos ter proporcionado visitar estas instalações, pois foi gratificante, entusiasmante e esclarecedor e podemos dizer que ADORÁMOS! MUITO OBRIGADA!

Entretanto, apareceu a jornalista Alberta Marques Fernandes, que tinha concluído o seu trabalho e desejou-nos uma boa visita. Fomos depois ver o direto da RTP2 com o jornalista António Esteves. Soubemos que o pivot de uma emissão está ligado através do seu auricular a três pessoas: o coordenador de informação, o realizador do programa e o assistente de informação. Este dá-lhe indicações dos minutos, ou seja, do tempo. Estes três elementos encontram-se na régie. Seguiu-se a visita ao estúdio onde se grava O Peso Certo, onde já se encontrava todo o público e um animador brasileiro, mas, entretanto, passámos pelos estúdios onde havia duas cozinhas apetrechadas. Destas visitas aos estúdios, ficámos admiradas com o tamanho, pois em casa julgamos ser espaços grandes e amplos! Como estamos enganadas! Seguimos para a RDP. Os dois estúdios mais antigos denominam-se M.ª Leonor e Igrejas Caeiro. Linda homenagem! Têm o estúdio do Zig Zag, espaço de programação infantil da RTP para cri-

1.ª televisão portátil com comando que é a caixa de madeira em baixo

Por Emanuel Semedo e Bruno Soares, ES António Damásio Esta visita à RTP, bem como a visita à agência de notícias Lusa, mostraramnos a televisão e os seus meios de comunicação iniciais, como são recolhidas as informações, os aspetos que uma pessoa deve seguir para se tornar um bom profissional e, maioritariamente, o ambiente por detrás dos diretos Caixa que servia para o teatro radiofónico. televisivos e do ambiente jornalístico Servia para fazer sons diferenciados vivido diariamente. Também gostámos de ver como se gravam os programas, e perceber o ambiente que se vive enquanto se preparam os programas que nos são dados a ver no ecrã dos nossos televisores. Foi uma experiência nova e interessante. Todo o projeto foi, aliás. Fizemos novas amizades, o que é sempre bom, apesar de termos achado que podíamos ter tido maior envolvimento no trabalho do projeto em si. Estamos muito agradecidos pela oportunidade que nos foi dada e aos elementos da Escola Superior de Comunicação Social que nos seguiram ao longo do tempo que durou. Continua na última página


IV

AÇÃO SOCIAL

VÍTIMAS DO AMOR Por: Constança Monteiro Cleto (ESCS), Maria Chambel e Tiago Novais Gonçalves (ES António Damásio)

bom exemplo para ver se a pessoa acorda; vamos baixando os braços e depois cansamo-nos.”

“Ele dizia que era amor em excesso, mas isto para mim não é amor. É doença.”

Dados do Relatório Anual APAV 2017

Ana, nome fictício, foi uma destas 16 mil pessoas que recorreram aos serviços da APAV em 2017. Quando casou pensou que seria para a vida inteira, mas ao fim de 22 anos de casamento, a vida mudou. “Quando casei foi um dos dias mais infelizes da minha vida porque sabia que estava a dar o passo errado, mas o orgulho era superior”- Sandra, vítima de violência doméstica desde o namoro. Tal como Ana, também Sandra, nome verdadeiro, era vítima às mãos do marido. Em comum têm a vida construída na margem sul do Tejo e os ex-maridos a cumprir pena de prisão efetiva pelo crime de violência doméstica. Ambas rejeitam o papel de “coitadinhas” e tentam hoje refazer as vidas que quase lhes foram tiradas. Falamos de duas mulheres independentes, com cursos superiores e carreiras muito diferentes: Ana é advogada e Sandra professora. Nenhuma das duas deixou de trabalhar durante o processo judicial.

Definição por sexo dos utentes da APAV em 2017 Créditos: “Relatório anual APAV 2017”

Sandra

Esses valores encaixam no perfil de Sandra, que em Dezembro de 2016, chegou ao limite depois de mais de duas décadas de agressões constantes. “Foi uma situação extrema que em 20 anos de casamento eu sabia que ia acontecer”, explica. Tal como Sandra, a maioria das vítimas de violência doméstica foram mulheres (cerca de 80%) e casadas com os seus agressores (cerca de 30%), segundo o Relatório Anual da APAV de 2017. As agressões que começaram no namoro foram-se agravando com o passar do tempo. Nem mesmo a gravidez era um impedimento e Sandra chegou mesmo a ser empurrada de uma escada pelo marido, enquanto estava grávida, o que explica o medo que hoje tem de alturas. Não se pense, assim, que os filhos eram indesejados: para o agressor, quantos mais filhos melhor porque era uma maneira de prender Sandra a si. O companheiro de toda uma vida apontou-lhe uma arma à cabeça. Conseguiu fugir, mas o agressor barricou-se dentro de casa com os dois filhos mais velhos, tendo apontado a arma e esbofeteado a filha mais velha do casal. As agressões à filha mais velha eram, aliás, já uma constante. Apesar do esforço do filho do meio que tentava muitas vezes defender a mãe e a irmã, as tentativas não tinham sucesso e as agressões sucediam-se.

Atendimento a uma utente na APAV Créditos: website APAV

“No início vamos arranjando desculpas porque gostamos da pessoa. Os anos vão passando e tentamos nós dar um

Do agressor de Sandra toda a família tinha medo. Desde a família dele até à família dela. A sogra dizia-lhe que o tratasse com carinho porque assim talvez as coisas melhorassem. Além de ser caçador e ter uma arma legalizada tinha outras tantas armas brancas em casa. Sandra, que ja tinha tido armas

apontadas à cabeça outras vezes, estava perto do limite. “Chegou “a um ponto em que não aguentava se quer vê-lo, nem cheirá-lo.” Foi através de familiares e da filha mais velha que Sandra chegou à APAV onde teve apoio psicológico e ajuda para conseguir suportar toda a dor provocada pelo julgamento. Realça o papel da coordenadora da divisão de Setúbal, que a acompanhou e a ajudou a compreender que nada daquilo era culpa dela. A culpa era outro dos motivos de sofrimento desta professora; sentia-se culpada por tudo o que estava a acontecer e sobretudo por deixar que os filhos vivessem num clima de medo, sem que a mãe nunca tivesse feito nada. Foi também através da APAV que aprendeu a sentir-se mulher outra vez: “ajudaram-me a aumentar a minha auto estima. Eu achava que o meu papel na vida era sustentar os meus filhos e viver para eles. Não me sentia mulher.” Presente a juiz até hoje está preso a cumprir pena de prisão efetiva. Ana “Ele dizia que era amor em ex-

cesso, mas isto para mim não é amor. É doença.” O caso de Ana foi bem diferente. Ao longo de vinte anos o casamento foi feliz. Sem vestígios de violência doméstica. As agressões começaram por ser psicológicas, até que o ex-companheiro da advogada decidiu começar a segui-la. “Eu acabava por localizá-lo no percurso que fazia e decidi separar-me”, explica. Ana sabia que no dia em que decidisse separar-se poria a sua integridade física em risco e, depois de quatro meses de separação, o ainda marido preparou-lhe uma emboscada. Explicação das agressões- Ana (áudio) Aconteceu no escritório que a advogada partilhava com o agressor, entre as oito e meia da manhã e o meio-dia. Depois de a espancar e de Ana ter perdido os sentidos, o marido violou-a, crime que este considera não existir porque ainda estavam legalmente casados. Quanto a motivações, o agressor que ficou em prisão preventiva depois de ser apanhado pela polícia judiciária, alegou ciúmes. Nos últimos tempos considerava que a mulher tinha não só Continua na página seguinte


V

AÇÃO SOCIAL

VÍTIMAS DO AMOR Cont. um, mas vários amantes em simultâneo, ideia que o levou ao ataque. Numa luta desesperada pela vida, quando recuperou os sentidos, Ana fingiu-se de morta e esperou que o marido saísse do escritório. Depois de ele sair, deixou-se ficar cerca de uma hora, até se ter enrolado numa manta, completamente nua, e ter pedido auxílio no restaurante ao lado do escritório. Apesar de alegar que o ataque não tinha sido premeditado, o agressor escreveu uma carta à filha onde dava a entender a vontade de se suicidar. Ana nunca deixou a advocacia, mesmo enquanto o processo decorria em tribunal, mas confessa que nos primeiros meses lhe custou. “Estava a atender clientes e as lágrimas vinham-me quase aos olhos. Trato de assuntos de pessoas e às vezes é muito complicado.” A distância entre os conhecimentos profissionais e as emoções revelou-se, neste caso, muito estreita. Ana foi representada em tribunal por uma colega por achar que não se defenderia convenientemente. A principal dificuldade era manter a cabeça focada em leis, sendo racional, quando se tratava de um assunto muito íntimo. O contabilista foi condenado a uma pena de 13 anos de prisão efetiva. Pena de Prisão Efetiva

Nenhum dos agressores foi condenado apenas por violência doméstica. Segundo a APAV essa é uma realidade que ainda não existe no nosso país.

caso de violência doméstica pode ser considerada uma vitória: a grande maioria dos acusados têm apenas pena suspensa. Já Ana viu o seu ex-marido ser condenado a 13 anos de prisão efetiva pelos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, violação (sendo que, como Ana estava inconsciente, a situação é mais gravosa) e violência doméstica.

“As pessoas que estão a julgar muitas vezes não estão prepara-

Interior de uma prisão Créditos: Tiago Sousa Dias

das para compreender as vitimas, nem as situações.”

rante mais dois anos, o tempo restante da pena. Ambas têm consciência do perigo que correm, mas tentam viver da melhor maneira que podem, sem deixar que o medo as vença. Apesar do trauma, Sandra está numa relação amorosa desde Dezembro de 2017. Até aí achava que todos os homens, à exceção do irmão e do pai, eram todos iguais. Iguais ao homem que a tentou destruir. Apesar de, no principio, ter metido todas as “barreiras possíveis e imagináveis” entre si e o atual companheiro, hoje considera-se uma pessoa feliz. Tudo o que queria para si era o mesmo que têm os seus pais: o casamento perfeito que caminha para os 50 anos. Ana, por sua vez, não se vê a partilhar a vida com ninguém além da filha que vai entrar em Setembro para a Universidade. Acha que não vai ser capaz de confiar noutra pessoa e entregar-se com medo que as coisas mudem, novamente, de repente.

Finais Felizes Em comum têm ainda o medo do que vai acontecer quando os excompanheiros saírem da prisão. Enquanto Ana apenas pede que o pai da filha fique preso até a filha estar licenciada, Sandra recusa sair da sua casa e mudar de cidade como foi aconselhada, até pela própria advogada. Para Sandra não é justo ter de mudar de vida, de cidade ou de escola onde dá aulas por causa do agressor, mas sente que tem a vida estagnada du-

“Eu sou uma pessoa que gosta de sorrir, que sorri. Há quem me pergunta: como é que continua a sorrir? Ele tirou-me muita coisa, mas o meu sorriso não. Ele não me vence.”

https://constanamonteiro.atavist.com/ reportagem-vitimas-do-amor#chapter3820198

O agressor de Sandra foi condenado por posse ilegal de arma, crime de violência doméstica contra a esposa e crime de violência doméstica contra a filha. Não foi acusado de tentativa de homicídio, por mais caricato que possa parecer, porque nunca chegou a disparar a arma. “Toda a gente dizia, tirando a APAV, que ele ia sair, mesmo a minha advogada porque em Portugal os casos de violência doméstica ficam impunes. Ainda acham que não é assim tão grave.”- Sandra A pena foi curta, de quatro anos e meio de prisão efetiva, mas para um

Agressões do marido à esposa

Créditos: Ricardo Cabral


VI

AÇÃO SOCIAL

VIDA SOBRE RODAS Por: Mariana Pereira (ESCS), Marta Borralho e Raquel Pécurto (ES D. Pedro V)

Hélder nasceu com talento para a corrida. Aos 15 anos entrou para o atletismo do Sport Lisboa e Benfica. Uma carreira pela frente, mas tudo mudou numa noite de Agosto.

Depois deste feito foi convidado para integrar a equipa de atletismo do Sport Lisboa e Benfica. Deixou então o pequeno clube onde treinava, o União Recreativa Brandoense e foi para o clube encarnado, onde ficou quatro épocas. Dedicou-se ao meio-fundo e aos 800 e 1500 metros.

São 10 da manhã e o sol quente contrasta com a aragem fria típica de Novembro. Ao longe vê-se uma carrinha vermelha. Aproxima-se cada vez mais. A janela baixa e surge Hélder, que, numa voz alegre, solta um bom dia. “Gosto tanto de dias frios e com sol” diz, enquanto se prepara para sair da carrinha. Hoje é mais um dia de treino de atletismo para Hélder e Ricardo, seu irmão e treinador. Faça chuva ou faça sol todos os dias marcam presença no Estádio Universitário. A paixão pelo atletismo é de longa data. É preciso recuar alguns anos para perceber onde tudo começou. Estamos em 1974 e no meio da multidão está uma criança de 7 anos. Olha em redor e percebe que é dos mais novos. Alto e franzino sente-se quase invisível no meio de tantos adultos. Uma voz grossa grita partida. Hélder é um dos primeiros a atravessar a linha de chegada. Para trás ficaram muitos dos mais velhos. Nasce aqui um gosto especial pelo atletismo. Depois da primeira prova em que participou entrou para o clube da sua freguesia, o União Recreativa Brandoense. Ficou lá até aos 15 anos, altura em que surgiu uma grande oportunidade. Estamos em dezembro de 1982 e Hélder está no Estoril, entre amigos, e prestes a correr a maratona Spiridon. Aceitou o convite apenas pela adrenalina. A espera pelo tiro de partida deixa-o impaciente e cada vez mais nervoso. Ouve-se finalmente o tiro. Hélder começa a correr e os seus amigos ficam para trás. “Para mim era só um treino, ia completamente descontraído. Fui fazendo voltas e voltas e aguentei-me até ao fim.”. Quando chega ao fim não quer acreditar no que ouve. “Disseram-me que tinha batido um recorde. Fiz a maratona em 2 horas e 45 minutos e tornei-me recordista europeu da maratona no escalão dos 15 e 16 anos.”. Ainda hoje, passados 35 anos ainda é Hélder quem detém este recorde.

Hélder com 16 anos num Campeonato Nacional em Leiria. Crédito: Sport Lisboa e Benfica

Era um atleta promissor com uma carreira brilhante pela frente. Mas o sonho foi interrompido aos 19 anos, idade em que teve de enfrentar o seu maior obstáculo: uma mudança radical de vida, quando acorda numa cama de hospital. Era mais um fim de semana entre amigos, igual a tantos outros. Hélder e três colegas do atletismo foram passar esse final de semana de Agosto a Abrantes. À noite decidem ir dar uma volta de carro. Hélder está sentado no banco atrás do condutor. Está sem cinto, algo normal em 1986. Seguem por uma estrada sinuosa e sem saída. Está escuro, a luz é escassa. “Tive a sensação de que estávamos a ir depressa demais para tão pouco que se via de estrada. Lembro-me de estarmos a contornar uma curva e de o carro sair da estrada.”. O carro capota várias vezes por uma ribanceira abaixo. Para. Fica a olhar para as pedras. Percebe que se passa algo grave: tenta sair do carro, mas não se consegue mexer. Fixa o olhar nas pedras à margem da água enquanto a ansiedade começa a tomar conta de si. Ouve, ainda longe, o barulho de uma ambulância. O barulho aproxima-se cada vez mais. Ouve vozes e as pedras a chocalhar revelam passos cada vez mais perto. Levam-no para o hospital. Fica no corredor no meio da agitação. As pessoas entram e saem constantemente. Ouvem-se

vozes, risos e por vezes choro. Silêncio? Não existe. A luz, outrora da Lua, foi substituída por uma luz artificial, incessante. Dormir torna-se uma tarefa difícil, quase impossível.

"Há pessoas que, de tão desesperadas, põem termo à vida. Eu, mesmo que quisesse, não conseguia." “Há aquele período do choque que é quando se está no hospital… Não, primeiro há o período da negação… Ou melhor, primeiro há o período em que não se sabe o que é que se passa. Esse é o primeiro, o que é que se passa? A pessoa deixa de sentir o corpo, deixa de se conseguir mexer, e está ali parada à espera de notícias.”. Hélder está de barriga para cima com um colar cervical no pescoço. Uma luz forte ilumina-lhe o rosto. Chega o médico e dálhe a notícia: é grave. O acidente deixara-o tetraplégico. “Alguém te diz que aquilo é muito grave e que as probabilidades de cura são remotas. Isso entra por um ouvido e sai por outro, porque tu achas que vais recuperar. Depois o tempo passa e começas a ver que talvez o que te disseram seja mesmo real... E aí depende de cada pessoa: ou surge a revolta, ou surge a aceitação. No meu caso, a revolta veio primeiro porque eu tive muita dificuldade em aceitar. O problema do aceitar é que não existe outra opção.”. Fica internado durante três semanas à espera de ser operado. Pela porta do quarto vê entrar outras vítimas de acidentes. Chegam todas partidas. São operadas. Começam a recuperar. Passados uns tempos desaparecem. As camas, agora vazias, dão lugar a outras pessoas. Mas há uma cama que nunca arrefece. Hélder é finalmente operado para colocar uma placa de titânio, um procedimento que ajuda na calcificação das vértebras fraturadas. O tempo passa e com ele vêm as consequências a nível psicológico: “De repente vejome naquela situação ali deitado… Foi muito mau, muito mau mesmo. Fui-me degradando. Estive bastante tempo ali deitado e não havia melhorias. Psicologicamente foi fazendo mossa, comecei cada vez a piorar mais. Estava desesperado. Há pessoas que, de tão desesperadas, põem termo à vida. Eu, mesmo que quisesse, não conseguia. Estava imobilizado.”. Os dias vão passando. Tornam-se semanas. Tornam-se meses. Hélder continua na mesma cama de hospital, sem se poder mexer. “Fiquei muito deprimido mesmo... Até Continua na página seguinte


VII

AÇÃO SOCIAL

VIDA SOBRE RODAS Cont. deixei de comer. Para me darem incentivo para comer traziam-me refeições de que gostava, como bife com batatas fritas. Mas nem isso eu comia. Os meus colegas de quarto, sempre que viam a auxiliar trazer-me o almoço chamavam-me sortudo. E eu dizia para os meus botões: sortudo?! Sortudo porquê? Preferia mil vezes ter as minhas pernas do que um bife com batatas fritas.”. Do hospital Hélder é transferido para o Centro de Reabilitação de Alcoitão. É aqui que vai conquistando a sua autonomia: “A minha principal luta foi tornar-me independente nas coisas básicas. Tu podes pedir ajuda a uma pessoa uma vez, duas vezes, mas à terceira vez já começa a chatear. Eu só queria pedir ajuda quando não conseguisse mesmo, e por isso todos os dias tentava fazer um bocadinho mais, tentava chegar mais longe.”. Tenta levantar o braço. O controlo ainda não é total. A mão acerta na testa. Desta vez não magoou muito. Amanhã é outro dia. Ao seu lado está Paulo, também tetraplégico. Está a adaptar-se à cadeira de rodas. É tão ágil quando se movimenta de um lado para o outro. Hélder, que o segue com o movimento do olhar, fica fascinado. Ao vê-lo sente a esperança a crescer. Deseja um dia conseguir movimentarse tão bem com a cadeira de rodas quanto ele. “No processo de aceitação foi muito importante ir para Alcoitão porque lá ganhei um termo de comparação. Vi que havia outras pessoas na mesma situação, e que, de uma forma ou de outra conseguiam lidar com ela e seguir em frente, fazer as coisas do dia-a-dia. Isso ajudou-me muito, saber que não era o único naquela situação.”. Através da fisioterapia e com a sua persistência, pouco a pouco, recupera movimentos. Acaba mesmo por conseguir recuperar a mobilidade nos membros superiores. Adapta-se à sua nova condição e começa a traçar objetivos para a sua nova vida. “Tive de renascer e fazer-me à vida novamente. Quando comecei a reorganizar a minha vida defini os meus objetivos prioritários: arranjar casa, arranjar trabalho, tirar a carta de condução e comprar carro. No espaço de três, quatro anos consegui concretizar tudo isso. Era o essencial.”. Vida reorganizada era altura de voltar a praticar desporto. “A adaptação ao desporto foi muito misturada com a adaptação à vida, à vida após acidente.”. Começa pela natação, passa

pelo remo e canoagem e até experimenta boccia. Mas o atletismo continuava a ser o desporto de eleição. “No início correu muito mal porque as pessoas que estavam à frente disso não tinham a sensibilidade nem os conhecimentos técnicos necessários para treinar uma pessoa com o meu grau de deficiência. Não me conseguiam posicionar corretamente na cadeira. Acabei por desistir. Só passados muitos anos é que tive novamente a oportunidade de fazer atletismo com uma pessoa que tinha conhecimentos e com uma cadeira adequada.”. Essa pessoa é o seu irmão, Ricardo. A paixão pelo atletismo uniu-se à sua perseverança e Hélder consegue tornar-se atleta paralímpico. Com o irmão viaja por vários países em competições. Desde o Qatar à Suíça, passando pelo Dubai. Daqui traz a experiência de uma perna partida: “Numa rotunda com muita velocidade tombei para o lado. Levantaram-me, fui para o hotel. No quarto reparei que tinha as calças torcidas da queda e pedi ajuda ao meu irmão para as tirar. Toquei na perna e aquilo lá dentro mexia tudo. Foi uma sensação… Conseguia mexer o joelho de um lado para o outro e não tinha dor. Não tenho sensibilidade nenhuma nas pernas, é mesmo muito mau.”. Em março de 2017, em Lisboa, vê todo o seu esforço recompensado. Bateu o recorde mundial da meia maratona na classe T51/52, categorias destinadas a deficientes motores que competem em cadeira de rodas, com um tempo de 1 hora, 8 minutos e 21 segundos.

em março e os Jogos eram em setembro. Recuperar e não recuperar já estávamos em julho e apesar de me ter esforçado não se consegue ganhar ritmo em dois meses. Por isso, quando cheguei lá não estava em forma. Tive pena porque gostava de me apresentar lá na minha melhor forma, mas tal não foi possível. Fica a participação. Foi bom na mesma, fui à final nas duas provas.”. As conquistas mais recentes aconteceram no Dubai, no 8º Sharjah International Open Athletics Meeting. “Voltei lá para vingar a vez em que lá fui e não consegui competir.”. Trouxe dois novos recordes mundiais consigo: na prova de 800 metros Hélder conseguiu dar as duas voltas à pista em 2 minutos, 30 segundos e 98 milésimos de segundo. O anterior recorde do mundo nesta distância pertencia ao australiano Fabian Blattman, com 2:40:15 minutos, obtidos em 1995, ou seja, 23 anos antes. Conseguiu também bater o recorde existente para os 1500 metros: fez a prova num tempo de 4 minutos, 53 segundos e 50 milésimos de segundo.

Hélder e o irmão Ricardo a exibirem uma das medalhas ganhas no Dubai.

"Eu faço tudo o que quero, tudo o que fazia antes, só não faço com as pernas."

“Foi um incentivo para continuar a treinar e traçar novas metas.”, diz orgulhoso recordando esse dia No braço esquerdo marcou a tinta permanente os cinco anéis olímpicos e a frase Rio 2016. Foi um dos momentos mais marcantes do seu percurso: “Estar entre os melhores atletas do mundo foi aquela sensação de prazer por pensar que tinha sido um dos escolhidos. Foi uma enorme satisfação pessoal.”. Mas devido ao acidente no Dubai não conseguiu obter os resultados que queria nesta prova. “Eu parti a perna direita

“Não abrandes. Dá o teu máximo.”, diz -lhe o irmão. O treino está quase a chegar ao fim. Já é meio-dia. “Tenho de me despachar, às 13:30 entro no trabalho.”, diz Hélder, ofegante. Hélder é técnico de informática na Câmara Municipal de Lisboa, no Campo Grande. Quando lhe foi dada alta no Centro de Reabilitação não pôde voltar para casa dado que não existiam condições para o receber. Foi para um lar onde esteve dois anos à espera de uma casa com acessos adaptados. Durante esse período fez um curso de formação profissional na área de informática com o qual teve a possibilidade de estagiar na Câmara. O estágio terminou e Continua na página seguinte


VIII

AÇÃO SOCIAL

VIDA SOBRE RODAS Cont. Hélder, então com 22 anos, foi contratado.

Vídeo 0:12 Crédito: Mariana Pereira

“Nenhum de nós voa e não nos lamen-

tamos, mas se toda a gente voasse e tu não voasses...“. É assim que Hélder descreve a sensação contra a qual luta todos os dias. O treino chegou ao fim. Com o suor a escorrer-lhe pelo rosto, mas sempre com um sorriso, Hélder, com a ajuda do irmão, faz a transferência da cadeira de competição para a cadeira de rodas. Dirige-se para a saída e despedese com um até à próxima. Hélder conhece os dois mundos. A diferença entre eles resume-se a isto: “eu faço tudo

o que quero, tudo o que fazia antes, só não faço com as pernas. E faço questão de realçar que é bastante diferente. Tenho tudo, mas não tenho as pernas. Não tenho a capacidade de andar, de sentir as pernas, de sentir as pernas cansadas. Eu não tenho isso e é uma coisa que me faz falta. E ainda me recordo dessa sensação. De estar em pé e sentir as pernas cansadas, de me doerem as pernas.”. https://marianapereira-1.atavist.com/ vidasobrerodas

FEIRA DE TUDO, FEIRA DA LADRA

SOCIEDADE

Por: Susana Silva e André Bucho (ESCS) , Ciro Ribeiro, Caio Guterres (ES António Damásio). Fotografias de André Bucho

esta parte inferior e hoje entende-se até depois do Jardim Botto Machado.

Os anos passam mas a Feira não. Às terças e sextas-feiras estão sempre lá, no Campo de Santa Clara. É impossível pensar em mercados e feiras em Lisboa sem pensar na Feira da Ladra. Com raízes que começam no século XIII e já com várias localizações, acontece duas vezes por semana no campo de Santa Clara. Entre a confusão de línguas que se escutam, o olhar atento dos polícias e os sons tão característicos de uma feira “à antiga”, o ambiente é único. O mercado de antigamente, com uma toalha no chão e os objetos espalhados, já não está sozinho. A Feira, ape-

Uma passagem pela parte inferior da Feira permite-nos passar por toda uma mixórdia de coisas que podemos adquirir: desde roupa, a velharias, bijutaria, porcelanas, discos de vinil de bandas dos anos 60 e até cassetes VHS, entre muitos outros. As pessoas andam num sobe e desce constante e param em muitas bancas, perguntam preços e procuram sempre o melhor negócio. Para os vendedores, o regateio é muito importante. Makukula vem religiosamente para o mesmo sítio há 7 anos, na parte inferior da Feira, perto do Casão Militar, onde tem a sua toalha estendida e os seus produtos, a maioria roupa e calçado, mas tem também algumas velharias e bijutaria.

Além das vendas, existem turistas que vêm apenas conhecer, fotografar e há até quem venha mostrar um pouco dos seus talentos de rua. No entanto, há quem junte talentos com venda. É o caso de Tiago, que, aos 26 anos, não considera a feira como o seu trabalho, mas sim um hobbie. Tiago vende essencialmente bijutaria e alguns trabalhos feitos por si e pela namorada, mas fala da feira de uma forma única.

Vídeo - 0:00 - 1:55 O reboliço continua até ao final da tarde, sempre com vendedores a chegar e outros a partir, com novos compradores e com muita animação. Os anos passam, muita coisa mudou, mas o espírito desta feira mantém-se inalterável e único.

sar de ainda ser frequentada por portugueses, tem hoje um estilo diferente, mais atrativo aos olhos dos (muitos) turistas que enchem Lisboa, e não só ao Sábado. Pensa-se que a Feira terá começado em 1272, no Castelo, tendo sido posteriormente movida para o Rossio. Depois do Terramoto de 1755, alocou-se na atual Praça da Alegria e já no século XIX passou pelo Campo de Santana. Foi então, em 1882, que chegou ao Campo de Santa Clara, na freguesia de Lisboa.

Vídeo (0:00 - 1:18)

A afluência na Feira atinge o seu máximo entre as 10 e as 13 horas e é quase impossível conseguir andar em algumas zonas da feira, especialmente na zona onde os vendedores mais esporádicos se encontram, mesmo colados ao Casão. Mas a feira não se resume a

Vídeo (0:00 - 0:54)

https://andrbucho.atavist.com/ feira-do-tudo-feira-da-ladra


IX

OFERTA CURRICULAR ES DE CAMÕES 2018/2019

Oferta Curricular da ES de Camões

Regime Diurno Cursos Científico-Humanísticos: Ciências e Tecnologias Ciências Socioeconómicas Línguas e Humanidades Artes Visuais Cursos Profissionais Técnico de Gestão e Programação de Sistemas Informáticos Técnico de Fotografia Regime Noturno Curso do Ensino Recorrente - Ciências e Tecnologias (10.º, 11.º e 12.º Ano) Curso do Ensino Recorrente - Línguas e Humanidades (10.º, 11.º e 12.º Ano) Ciências Socioeconómicas (10.º, 11.º e 12.º Ano) Cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA) Nível Básico B3 Nível Secundário Dupla Certificação Português para Falantes de Outras Línguas (PFOL/PPT) Formação RVCC (Centro Qualifica)


X

SOCIEDADE

111 ANOS A TRANSPORTAR LISBOA

Por: Gonçalo Martins e Daniel Silva (ESCS), Iara Teixeira e Maria Inês Monteiro (ES D. Pedro V) O táxi chegou às ruas de Lisboa no início do século XX. Na altura, foi um meio de transporte revolucionário e de grande êxito. Os lisboetas competiam pelos seus serviços no dia-a-dia. Assinalando-se 111 anos após a chegada dos primeiros táxis a Lisboa, no presente este veículo não é mais visto com o mesmo positivismo que marcou o século XX. Com a chegada de novas alternativas, os táxis e os profissionais que os conduzem são muitas vezes substituídos por outros serviços de transporte modernos, e vistos como uma escolha pejorativa de deslocação.

Em 1907, apareceram os primeiros automóveis de aluguer na cidade de Lisboa. Devido à Primeira Guerra Mundial e à resultante escassez de combustível este serviço ficou suspenso até 1925. Nesta altura, um grupo de motoristas criou a Cooperativa Lisbonense de Chauffeurs que lançou os primeiros táxis Palhinhas. Inicialmente, a Cooperativa era composta por 50 motoristas e 11 carros. Mais tarde, a cooperativa deu o nome a umas das ruas lisboetas situada na freguesia de Carnide: “Rua dos Táxis Palhinhas”. Atualmente, já não se vislumbra nenhum táxi nesta consagrada rua. Com o sucesso adquirido os “Palhinhas” rapidamente chegaram aos 100 veículos. Depois da grande evolução industrial do país os “Táxis Palhinhas” foram esquecidos e substituídos por automóveis mais rápidos e mais cómodos para a população.

João Sousa está nesta profissão há 34 anos. Trabalha atualmente por conta própria e recorda com saudade os seus primeiros tempos enquanto taxista: “Dá-me vontade de chorar ao recordar. Nos tempos áureos da profissão éramos muito respeitados, hoje em dia o povo tem uma má imagem de nós.” O taxista diz que uma das principais diferenças que nota nestes 34 anos de serviço é ao nível da segurança ou a falta dela. “É uma profissão, hoje em dia, pouco segura. Tivemos de implementar novas medidas de segurança para dar resposta à possibilidade de sofrermos ataques durante o serviço. Temos os carros equipados com sistemas de emergência que, ao carregar num botão, dá o alerta. Há uns anos não sentia a eminência de perigo como o que sinto hoje.”

No século XIX, Lisboa era servida por um meio de transporte cujo funcionamento era semelhante ao do táxi, as tipoias, veículos puxados por cavalos, controlados por um motorista que seguia as indicações dos seus clientes.

1925, Carnide: táxis palhinhas na chegada à cidade. FONTE: BLOG LISBOA DE ANTIGAMENTE

1915, Rossio: tipoias, carroças puxadas por cavalos, que faziam o serviço de táxi antes de chegarem os veículos motorizados. FONTE:

2014, Carnide: a rua mantém o nome, quase um século depois CRÉDITOS: JOSÉ CARLOS BATISTA

BLOG MEMÓRIAS DE TAXISTAS 2018, Mesmo local com os famosos Tuk Tuk, um dos meios de transporte preferidos pelos turistas

Durante os finais do século XX, o táxi era o meio de transporte preferido para as deslocações dentro da cidade: era a forma de deslocação mais rápida e confortável, numa altura em que a rede de transportes públicos não era extensa nem eficaz.

De facto, os casos de taxistas atacados durante o serviço, sobretudo no turno da noite, têm alguma frequência, principalmente nas periferias da cidade. Podemos encontrar com relativa facilidade destaques nos meios de comunicação que alertam para a situação de insegurança que a profissão atravessa. Continua na página seguinte


XI

111 ANOS A TRANSPORTAR LISBOA CONT.

SOCIEDADE

Pedro Alegria tem 38 anos e há 20 para o ramo empresarial dos taxistas. Diz que é difícil arranjar funcionários honestos e responsáveis, especialmente para o turno da noite, e que muitos “não respeitam qualquer norma que lhes é dada”. Algo que contribui para o estigma social existente de que os taxistas “são mal-educados, não respeitam o código da estrada e praticam preços elevados”. Segundo o empresário, “existem maus funcionários, que chegam a roubar para benefício próprio, em todas as áreas, e não só nos táxis”. Atualmente “é mais fácil fazer esse tipo de comparações porque o táxi ganhou concorrência” com a Uber e a Cabify. Numa altura em que as despesas são cada vez mais e o lucro é menor, Pedro Alegria diz que “falta uma legislação mais compreensiva”, de forma colocar em posição de igualdade plataformas e taxistas.

Apesar do cenário menos positivo ao nível da segurança, a verdade é que a oferta de mercado tem-se mantido estável com o passar do tempo. É o que nos diz um estudo realizado pela Autoridade de Mobilidade e dos Transportes divulgado em maio de 2017. O estudo refere que existem 3497 veículos licenciados em Lisboa, o que traduz num crescimento de 1% na última década. O estudo diz ainda que existem 103 licenças por atribuir na cidade, o que demonstra que continua a existir oferta para quem tiver interesse em entrar no meio. O que contrasta com aquilo que acontecia nos primeiros anos do táxi em Portugal: faltavam meios e recursos e não trabalhadores. No entanto, o serviço de táxi expandiuse com a cidade de Lisboa e hoje em dia representa a maior proporção do serviço ao nível nacional. Uma das razões que é apontada pela AMT para a falta de procura para a oferta existente são os novos mercados de transporte rodoviário. Muito se tem falado e debatido sobre esta revolução que a Uber e todos os outros meios de transporte semelhantes causaram com o seu aparecimento. Porém os responsáveis pelas empresas de serviço de táxi não procuram o desaparecimento desta nova concorrência, mas sim competir de forma igual pelo mesmo público. Alguns inclusive compreendem a necessidade de outras opções de transporte quando na globalidade nem tudo funciona bem no serviço de táxi, como em qualquer outro negócio.

Percorra um pouco da história dos táxis na cidade de Lisboa.

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XII

NA MIRA DO CONFLITO

SOCIEDADE

Por Inês Sousa (ESCS), Ana Catarina Baptista e João Castro (ES de Camões) Todas as fotografias da época presentes nesta reportagem são da autoria do fotojornalista José Carlos Carvalho, que esteve com Maria João Ruela no Iraque, em Novembro de 2003 com Maria João Ruela

Imagine que, depois de levar um tiro e estar a esvair-se em sangue, quem carregou no gatilho lhe pede desculpa. Como se sentiria? E se, todos os dias, recebesse uma mensagem de um estranho com fotografias suas e dados sobre o seu passado? Sentirse-ia melhor?

Se retornarmos quinze anos atrás, encontramo-nos em 2003. Jorge Sampaio era o Presidente da República e Portugal estava a atravessar uma das maiores vagas de calor que alguma vez passou pela Europa. O Governo tinha declarado estado de calamidade pública, morreram 1953 pessoas devido às altas temperaturas e arderam mais de 425 mil hectares de floresta.

Daí até se tornar repórter, pivot, coordenadora de equipas e editora executiva da estação de Carnaxide, passaram 24 anos.

As malas foram feitas. Coletes à prova de bala, capacetes, pastilhas para purificar água, barras de suplementação, medicamentos, roupa confortável e umas boas botas. Daí até partir, foram umas horas.

Este era o tema que mais se lia e ouvia nos media portugueses, no entanto, havia outro assunto de grande destaque: a Guerra do Iraque. Este conflito, que começou neste mesmo ano, tinha sido uma consequência dos ataques do 11 de setembro de 2001 e, por lá, todos os dias morriam centenas de pessoas.

«Na altura, não havia o fenómeno das decapitações ou de pessoas dentro de jaulas como agora vemos com o ISIS e nós não tínhamos a perceção de que algo podia correr mal, por isso, só fomos», conta Maria João Ruela. Maria João Ruela. 48 anos. Natural de Pardilhó, distrito de Aveiro. Licenciou-se em Comunicação Social e iniciou a sua carreira profissional como copy, na área da publicidade. Trabalhou como freelancer para alguns jornais e revistas e, em 1992, integrou a equipa fundadora da SIC (Sociedade Independente de Comunicação) como jornalista estagiária.

tras estações televisivas para o centro da guerra. Uma semana antes tiveram um briefing onde lhes foi explicado como tudo iria acontecer e com que procedimentos de segurança poderiam contar. A Guarda Nacional Republicana (GNR) assegurou que os protegeria e estes apenas tinham o compromisso de respeitar todas as ordens e de não relatar certos assuntos sem a autorização da GNR, nomeadamente em caso de feridos ou mortos.

Sim. A conhecida cara do Jornal da Noite embarcou para o centro do conflito. «Eu fui em novembro mas já tinha sido colocada antes do verão. Desde a Cimeira das Lajes, que decorreu no fim da primavera, ficou no ar a hipótese de uma força portuguesa se deslocar para o Iraque. A partir daí, ficámos em stand-by à espera da decisão formal. Recordo-me de estar na praia, em agosto, e estar sempre atenta ao telemóvel. A qualquer momento podia receber uma chamada a dizer que seria hora de avançar.», conta. O telemóvel tocou no início de novembro. Tinha chegado o momento de partir com mais nove jornalistas de ou-

12 de novembro de 2003. Em Portugal, uma manhã de sol e algum frio. No Iraque, um atentado e 19 militares mortos no quartel para onde iria Maria João Ruela. «Acordei de manhã, fui tomar o

pequeno almoço e, quando liguei a televisão, estava a dar a tal notícia do quartel. Nessa altura, colocou-se a questão de mantermos ou não a viagem. A primeira coisa que fiz foi ligar para a pessoa que tinha organizado tudo no Ministério da Administração Interna e houve ali um momento em que não sabíamos se iríamos ou não. No entanto, acabámos por ir mesmo assim.» Continua na página seguinte


XIII

SOCIEDADE

NA MIRA DO CONFLITO Cont. Saíram de Lisboa ao fim da tarde e aterraram no Kuwait já no dia 13 depois de almoço. Depois do atentado no quartel disseram-lhes que já não podiam contar com os militares ingleses e, por isso, todo esse dia foi passado a tratar de documentação importante e do aluguer de jipes. No dia seguinte, às sete da manhã, os militares portugueses já tinham partido e o combinado era ir ter com eles, no entanto, a única coisa que Maria João viu do Iraque foi uma autoestrada deserta.

A ideia era estar quinze dias por terras iraquianas e fazer diretos diários nos principais telejornais, no entanto, não foi isso que aconteceu. Pegaram nos jipes, foram até à fronteira e, passados dez minutos, Maria João foi alvejada.

«Éramos três jipes. Os outros dois passaram-nos e nós pensámos que era daquelas brincadeiras parvas de estrada (...) (...) Ficámos para trás e só vi um carro a colocar-se ao lado do nosso e um senhor com um dente de ouro a sorrir para mim. Dividiam o carro com várias metralhadoras e percebi logo qual era o objetivo. (...) (...) Nessa altura, decidimos voltar para trás. Ainda estávamos muito perto da fronteira mas eles perseguiram-nos e começaram a disparar. Foi aí que fui atingida e decidimos parar porque não íamos com os coletes postos e não tínhamos maneira de estar seguros. Quando parámos, ouvi

um “sorry!”. Irónico, não? Foi um dos jovens que estava nesse carro mas não sei se foi ele que me atingiu. Mas o melhor nem é isso! Desde 2016 que um senhor com um nome esquisito todos os dias me envia mensagens, me tenta ligar e me manda fotografias minhas pelo Messenger. Diz que é iraquiano, que foi um dos homens que me salvou e que quer ajuda para vir para Portugal. Eu não tenho como saber se é verdade mas é estranho ele saber a minha história toda no Iraque e isto acontecer apenas desde que vim trabalhar com o presidente. Ele acha que eu tenho mais poder agora. Isto não me assusta porque pelo telemóvel ele não me pode fazer mal mas que é estranho, lá isso é». O homem que a diz ter salvo passou uns cinco minutos depois noutro carro, quando Maria João e o seu repórter de câmara estavam deitados à berma da estrada sem saber o que fazer. Os assaltantes tinham levado o jipe, todos os meios de comunicação e até Carlos Raleiras, o seu outro colega que estava no carro e que foi raptado.

Carlos Raleiras, jornalista e autor do livro “36 horas” onde conta o rapto em pormenor

Os tais homens levaram-na para um pequeno centro de saúde onde estavam algumas mulheres a rezar. Maria João só lhes queria dizer que precisava de um médico urgentemente e que não acreditava muito no poder da religião mas não tinha como, por isso, deixou-se ficar. Entre rezas e mais rezas, queriam fazer-lhe uma transfusão de sangue mas, felizmente, um médico inglês chegou a tempo de ela não receber sangue contaminado. Foi levada para um hospital de campanha dos comandos ingleses. Lá, foi operada, tiraram-lhe a bala e ficou lá dia 14 e dia 15. No dia 16 pôde finalmente sentir o ar puro e os ingleses levaramna de helicóptero para o Kuwait, onde um avião do INEM a foi buscar.

«Vim deitada no chão do helicóptero porque tinham abatido outro há poucas horas e lembrome que à minha volta só via aquelas fitas com as balas das metralhadoras». Deu entrada nos cuidados intensivos do Hospital Curry Cabral no dia 16 de novembro. A bala, apesar de ter sido retirada, criou-lhe uma infeção muito grande porque vinha suja. Como ia sentada no carro, a bala entrou na parte de cima da perna, perfurou o osso, saiu do outro lado e voltou a entrar na outra perna, atingindo o nervo ciático. No total, era como se tivesse levado cinco tiros. «O meu punho

entrava na minha nádega, o meu intestino estava abrasado, o sistema reprodutor podia vir a ser afetado e não sabiam se ia voltar a andar», relata. Quando saiu do hospital, uns dias antes do Natal, sentiu um verdadeiro alívio. Estava viva. Desde aí que não sente a parte de baixo de uma das suas pernas, caminha de um jeito diferente e não pode fazer uma das coisas que mais ama no mundo: alpinismo. Continua a fazer viagens pelo mundo fora, no entanto, com algumas limitações tem de caminhar mais devagar e com mais cuidado para não tropeçar no seu próprio pé. Apesar desta experiência insólita e de quase ter perdido a vida num acidente de trabalho, Maria João não se arrepende pois faltava pôr o jornalismo de guerra na lista de realizações profissionais. Hoje em dia, não completa mais essa lista. Em 2016, foi convidada por Marcelo Rebelo de Sousa para ser sua assessora e aceitou o novo desafio de braços aberContinua na página seguinte


XIV

SOCIEDADE

NA MIRA DO CONFLITO Cont. tos. Entregou a carteira de jornalista, despediu-se daquela que foi a sua casa durante 24 anos e rumou a Belém.

O mundo gira, a vida muda e as novas oportunidades surgem, no entanto, só para alguns. A 6125km, os conflitos continuam, o número de bombas aumenta e as valetas continuam a encher-se de corpos.

A despedida de Maria João Ruela da SIC, 24 anos depois de ter começado

Agradecimentos: Maria João Ruela Carlos Raleiras José Carlos Carvalho

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XV

OFERTA CURRICULAR DO AEL 2018/2019

OFERTA CURRICULAR DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DAS LARANJEIRAS ES D. Pedro V Regime Diurno 3.º Ciclo do Ensino Básico 7.º, 8.º e 9.º anos Cursos Científico-Humanísticos: Ciências e Tecnologias Ciências Socioeconómicas Línguas e Humanidades Cursos Profissionais Técnico de Gestão e Programação de Sistemas Informáticos Técnico Auxiliar de Saúde Técnico e Artes do Espetáculo e Interpretação Técnico de Apoio à Gestão Desportiva Técnico de Secretariado Técnico Comercial Técnico de Turismo Técnico de Operações Turísticas Regime Noturno Curso do Ensino Recorrente - Ciências e Tecnologias (10.º, 11.º e 12.º Ano) Curso do Ensino Recorrente - Línguas e Humanidades (10.º, 11.º e 12.º Ano) EFA Escolar - Nível Básico Tipo B3 (1.º e 2.º Ano) EFA Escolar – Nível Secundário Escolar Tipo A (1.º Ano) EFA Dupla Certificação Programador de Informática (1.º e 2.º Ano) EFA Dupla Certificação em Rececionista de Hotel (1.º, 2.º e 3.º Ano) EFA Dupla Certificação em Técnico de Informação e Animação Turística (1.º e 2.º Ano) Escola Básica 2,3 Professor Delfim Santos 2º Ciclo 3º Ciclo Escola Básica António Nobre Educação Pré-Escolar 1º Ciclo Escola Básica Frei Luís de Sousa Educação Pré-Escolar 1º Ciclo Escola Básica das Laranjeiras Educação Pré-Escolar 1º Ciclo


XVI

SOCIEDADE

AS COSTAS DA CIDADE - REVISITAR A CURRALEIRA Por: Sara Pinho (ESCS), Beatriz Vaz Cabral e Ísis Ribeiro (ES António Damásio)

ção das pessoas zem parte.

que

deles

fa-

O processo de realojamento de 2001 “O realojamento foi feito, mas as condições em que ele foi feito foram esquecidas”

Perguntaram-nos se já tínhamos ido “assim a um bairro” e dissemos que não, que era a primeira vez. A resposta de Mário Maia foi automática: “É? Já viram? São estas coisas que acontecem. Mas é bom; amanhã podem ter outros colegas que também queiram vir visitar a Curraleira, quando calhar em conversa que cá estiveram”. Foi na primeira edição do Festival Habitabis, que decorreu nos dias 22 e 23 de março deste ano, que Nuno Furtado e João Alves deram a conhecer o projeto As Costas da Cidade. O Warehouse, um coletivo de arquitetura e arte, fundado em 2013, operou como promotor deste festival itinerante, que abordou temáticas do realojamento e habitação social, juntando instituições, arquitetos, engenheiros e comunidades em conferências e em posteriores sessões de trabalho prático na Biblioteca de Marvila, na procura de respostas para processos mais participativos, de desenvolvimento e inclusão social. Neste festival, a arquitetura subiu ao pedestal e mostrou a sua relevância enquanto um instrumento essencial para a transformação da vida da sociedade e das próprias cidades, inerente aos processos de realojamento – que necessitam, sobretudo, da participa-

Apresentação do projeto As Costas da Cidade, na Biblioteca de Marvila. | Fotografia: Sara Pinho

São mais visíveis do que nunca as consequências geradas pelos processos de realojamento marginalizados e não inclusivos que se registaram no princípio deste século. Os mais recentes “guetos” nasceram neste contexto e apresentam hoje as mais variadas carências a nível populacional, como o acesso desigual ao conhecimento, à discussão e à participação na sociedade e a oportunidades de emprego, sendo as situações socioeconómicas que os caracterizam muitos frágeis. Tudo isto foi potenciado pelas diferentes origens étnicas, religiosas e de nacionalidade, mas que não pode, de todo, ser justificado por tal. A Curraleira, o maior bairro de lata de Lisboa, que se situava entre a Praça Paiva Couceiro e as Olaias, deixou de existir quando o processo de realojamento de 2001 – o processo SAAL – entrou em vigor e os seus moradores foram espalhados por vários bairros, como o Bairro do Horizonte e a Quinta do Lavrado. Foi ela que, em tempos, deu casa a Nuno Furtado (36 anos), João Alves (35 anos), Mário Maia (52 anos) e Carla Alves (36 anos) e que hoje é a pedra angular do projeto As Costas da Cidade. Ao fim de muitos anos, em que as queixas dos moradores foram mais que muitas pelas suas necessidades nunca terem sido levadas em consideração ou sequer ouvidas, é com este projeto que o grupo começa a participar ativamente no seu bairro e a marcar aos poucos o seu território na cidade de Lisboa. É também aos poucos que tentam sair do “fim do buraco” – devido ao processo de realojamento, os moradores da Curraleira foram “empurrados” e “esquecidos” para o espaço limítrofe da cidade -, porque, de facto, “o realojamento foi feito, mas as condições em que ele foi feito foram esquecidas”, lamenta Nuno Furtado. Em concordância, Mário Maia sustenta que “não foi feito um bom trabalho; se nasceram aqui, mereciam ter ficado aqui. Eu tenho 52 anos; nasci e fui criado aqui e já não vejo as pessoas que conhecia desde que o processo de realojamento acabou. Foram para outros bairros, como Chelas.”

O importante é começar por algum lado, e As Costas da Cidade começou a sua participação cívica através do projeto PA-REDES, do Clube Intercultural Europeu, onde as memórias do bairro da Curraleira e do Casal do Pinto são as grandes protagonistas da história. O objetivo era contar a história dos moradores nas paredes do bairro, fazer algo que os identificasse ou descrevesse. Surge então a ideia de fazer uma compilação das memórias e das histórias dos bairros de lata, contadas em fotografias e papéis escritos já antigos, de forma a que essas fossem transmitidas em murais que viriam a ser pintados. “A ideia inicial”, conta Carla Alves, “era integrar os moradores em workshops de pintura e desenho para serem eles a pintar os murais com as nossas memórias”, o que deu origem ao projeto PA-REDES, financiado pelo programa PARTIS da Fundação Calouste Gulbenkian. O PA-REDES trouxe a arte fora de portas e construiu um museu ao ar livre feito pelos moradores do Bairro do Horizonte – composto pelas zonas de João Nascimento Costa e Carlos Botelho –, da freguesia do Beato. Uns murais viriam a ser pintados por crianças e jovens participantes no projeto, em parceria com a Associação de Antigos Alunos da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, mediante a aprovação da população das propostas desenhadas pelos participantes, a qual era feita em assembleias comunitárias.

Projeto PA-REDES, financiado pelo programa PARTIS da Fundação Calouste Gulbenkian. | Fotografia: Sara Pinho

Numa fase posterior, Carla afirma terem mudado “o contexto do projeto porque os moradores iriam achar que não estavam a dignificar as nossas memórias, porque não ia ficar uma pintura como um artista pinta, e não queríamos que a população se sentisse minimizada”. Foi assim que, no meio de convites a artistas profissionais, as propostas para outros murais foram sendo feitas; partilharam com eles a ideia que era suposto projetar em determinadas paredes (escolhidas a dedo), de acordo com a Continua na página seguinte


XVII

AS COSTAS DA CIDADE - REVISITAR A CURRALEIRA Cont. história que queriam contar. No final, todos os murais foram apadrinhados por moradores que têm e sempre terão alguma relação especial com o sítio que ali recordaram.

do que pudesse acontecer; mas o problema não desapareceu: “ainda existe o preconceito e as pessoas daqui são julgadas ainda antes de se apresentarem. Nós temos filhos e queremos darlhes um futuro melhor, mas para isso temos de acabar com esta ideia”.

“Nós não temos problemas nenhuns em dizer que somos da Curraleira, mas a verdade é que em empregos, se disseres logo isso na apresentação, ficas a perder”

A pintura foi feita em homenagem a uma criança que morreu no incêndio que aconteceu na Curraleira em 1975. | Fotografia: Sara Pinho

Contudo, não quiseram parar por aqui. Quando terminaram o projeto, os moradores viram a necessidade de dar a conhecer todo o trabalho então elaborado, “porque era um desperdício ninguém saber que aquilo existia”, afirma Carla. Juntamente com a Geração com Futuro - a Associação de Moradores do bairro cuja construção está ainda em desenvolvimento -, decidiram organizar-se de modo a começarem a ser eles próprios os guias de um percurso que exaltasse todas estas narrativas culturais, agora projetadas pelas paredes da antiga Curraleira. É assim que se dá início às visitas guiadas ao bairro, agendadas consoante as inscrições que recebem na sua página de Facebook ou no mail, onde Nuno Furtado, João Alves, Mário Maia e Carla Alves tentam mostrar às pessoas, que o bairro não é um sítio perigoso, como “reza a lenda”. “Veja lá que tivemos visitantes que moram aqui em cima do bairro e foram-se inscrever para virem conhecê-lo, porque andaram anos e anos sem saber o que era o seu interior”, diz Mário Maia, com ar de espanto. A Gulbenkian foi uma ferramenta fulcral neste processo primitivo de reconhecimento d’ As Costas da Cidade, na medida em que, a partir do momento em que participou numa visita guiada ao bairro e promoveu o projeto na capa da edição de janeiro de 2018, “começaram a chover jornalistas e mais pessoas para virem fazer os passeios connosco”, confidencia Nuno. No passado, apenas as coisas negativas sobre o bairro passavam lá para fora. Carla conta, desiludida, que as pessoas não conheciam o bairro e nem se atreviam a lá entrar com receio

No palco do Habitabis, Nuno partilha a história de um grupo de seis ou sete alunos do secundário que queria fazer um trabalho de fotografia na antiga Curraleira e só um deles tinha levado máquina fotográfica. Sem perceber a lógica daquilo por se tratar do trabalho que se tratava, perguntou o porquê de mais ninguém ter uma câmara para dar auxílio àquele aluno e responderam-lhe que tinham medo de ser roubados durante o tempo que iam ali passar. São estigmas tão simples como estes que As Costas da Cidade tenta combater e que se traduzem na sua locomotiva para mostrar que o bairro não é aquilo que se diz ser.

SOCIEDADE al, os moradores têm de sair do bairro. A mercearia social vende alimentos fora do prazo de validade e nem sempre tem os alimentos básicos disponíveis para venda. Ou seja, se alguém precisa de um alimento com urgência, o processo de o encomendar é tão moroso que leva a que a pessoa que o quer comprar desista de recorrer ali; a lavandaria social tem todo o equipamento necessário para trabalhar bem, mas não funciona; o autocarro 730 passa ali, mas foi posto “a muito custo” há sensivelmente 6 anos e já tentaram tirá-lo de lá – “lutámos para que isso não acontecesse, porque há pessoas que não têm carro e não conseguiriam sair deste buraco”, evidencia Carla; continuando num tom firme e inconformado, diz: “temos um único café, mas também é como se não existisse porque fecha a meio da tarde e ao fim de semana nem abre”. João acrescenta que foram construídas hortas para os idosos, que passaram quase 10 anos inativos por falta de atividades que o bairro tinha para lhes oferecer, sem lógica e sem uma consulta prévia para ouvir o que teriam a dizer sobre a sua futura ocupação; “mas não, determinaram um certo terreno de ‘x’ metros quadrados e deram-lhes”. Vista geral do bairro. | Fotografia: Sara Pinho

Manifesto “Se repararem, há uma linha na qual, supostamente, a cidade terminava. A cidade acabava nos cemitérios e os cemitérios estão todos à margem da cidade. Os Olivais estão lá ao canto, S. João estava lá ao canto e os bairros

Lá ao fundo, vê-se o cemitério do Alto de S. João, atrás da central elétrica lá construída. | Fotografia: Sara Pinho

sociais foram todos feitos por trás dos cemitérios. Aqui na Quinta do Lavrado, por exemplo, nós não temos nada; fomos colocados no buraco. Já para não falar de que as portas das nossas casas estão viradas para o cemitério.”, afirma Carla. As queixas são intermináveis, mas os moradores não querem deixar de viver no bairro; apenas querem ter mais e melhores condições de vida. Estas queixas, por sua vez, culminam no facto de, para terem alguma coisa materi-

É com a denúncia da construção de uma ETAR em pleno terreno da Quinta do Lavrado que os moradores chegam ao auge da sua insatisfação, visto que a estação não está coberta. Assim, todas as casas em seu redor estão altamente expostas à toxicidade dos gases libertados por ela. Além disso, a ETAR encontra-se ao lado de uma creche, que impede as crianças de ir brincar para o recreio, devido ao facto de se ter em conta os efeitos secundários que isso poderá ter na sua saúde. Foi também construída uma central elétrica de alta tensão no meio do bairro e uma fábrica de cimento.

Consoante este panorama, os moradores questionam-se todos os dias sobre qual é a esperança Continua na página seguinte


XVIII

AS COSTAS DA CIDADE - REVISITAR A CURRALEIRA Cont.

Estação de tratamento de águas

que um bairro pode ter em ganhar uma voz, se uma questão de saúde pública é tratada deste modo. “A população já está cansada de que isto seja um armazém, vivemos no meio de tudo o que faz mal à saúde”, desabafa Nuno. O facto é que os moradores da Quinta do Lavrado já estavam muito perto de arranjar um grande problema social, com a destruição de lojas pertencentes à Junta de Freguesia da Penha de França, como forma de protesto pelo facto de a Junta nunca ter procurado responder às necessidades básicas da comunidade, ao longo destes anos. O grupo destes quatro guias já espera há muito, com ansiedade, por fazer uma visita guiada à Câmara Municipal de Lisboa e à Junta de Freguesia da Penha de França, para lhes mostrar como estão as situações que apontam como erradas e inadmissíveis no bairro, que acabou por ficar agendada para o próximo dia 3 de maio. Nuno descreve-o da maneira mais simples que consegue: “conseguimos juntar as pessoas que andam todos os dias no terreno, mas que não o conhecem realmente; é essa a diferença.” "De um bairro melhor a um mun-

do melhor" Segundo os membros d’As Costas da Cidade, a luta está a ser bem conseguida. Num histórico de relações conflituosas entre a Junta de Freguesia da Penha de França e a Associação “Geração com Futuro”, os moradores hoje já têm voto nas matérias propostas e já podem dizer que não aceitam as condições que outrora lhes impuseram. Agora, começam a ser consultados para primeiro se aferir as principais necessidades, já tendo uma voz que se faz ouvir. Mas Nuno não deixa escapar que este é um trabalho de parceria entre todos: todas as semanas há uma reunião à quarta-feira, a porta aberta, por volta

das 20h30, ou no Espaço Sementes a Crescer (centro de formação que possibilitou que todos eles vissem a sua formação escolar mais consolidada e lhes deu autonomia de trabalho) ou na Associação de Moradores. Nessas reuniões costumam estar presentes os membros d’As Costas da Cidade (os mesmos que fazem parte da Associação de Moradores), António Brito Guterres, representante da Fundação Aga Khan (instituição parceira do projeto PA-REDES), Diogo, representante da Santa Casa da Misericórdia, entre outros, sendo a K-Cidade e a GEBALIS outras das suas parceiras. Entre entradas e saídas constantes de moradores, que vão contribuindo livremente com os seus lamentos nas reuniões, foi numa destas reuniões que Sandro, morador da Quinta do Lavrado, interveio com a denúncia de uma das principais carências do bairro: falta de acompanhamento das pessoas com historial na prisão. A sua ideia é criar algo que todos possam fazer para tentar ajudar essas pessoas que saem da prisão e que não têm um suporte familiar cá fora ou oportunidades de inclusão na sociedade que os apoie e evite o seu regresso à rotina que os levou à prisão, fundamentando a sua posição ao dizer “se é uma coisa à qual nós assistimos, não nos pode passar ao lado e enquanto cidadãos temos esse dever”. É na partilha de sugestões críticas que recai a aposta da Associação de Moradores. Com as reuniões, toda esta equipa procura elaborar metodologias de trabalho sólidas, de forma a criar soluções. Ainda que tenham noção de que “têm de levar com todos estes estigmas que existem” e que o foco terá de incidir “nos apoios certos”, como defende Diogo, todos se unem na crença de que com um bairro melhor criar-se-á um mundo melhor e o importante é entrar nas lutas burocráticas dos órgãos governantes locais. A maior diferença neste acompanhamento social, chamemos-lhe assim, consubstancia-se na ideia de que as organizações mencionadas acompanham de perto o que se passa dentro dos meios sociais que pretendem ajudar, e é isso que está a tornar tudo isto possível realizar. Não se resignam a ideias platónicas de ajudar o outro sem saber realmente do que ele precisa. Acreditam, pois, que só assim conseguirão chegar a toda a população e combater a exclusão e pobreza sociais que ainda assolam o bairro. É neste contexto que a Associação já tem em vista um novos projetos para

SOCIEDADE capacitar as pessoas do bairro, darlhes uma voz e, em certos casos, um emprego. Sonham há muito com um espaço onde todos possam “ver a bola e conversar” e já começaram a construí-lo, pelas suas próprias mãos. Todos os dias, no fim de um dia de trabalho, a força de vontade move-os para a Associação, onde se encontram e recomeçam onde tinham parado no dia anterior. E, progressivamente, vão desenvolvendo a obra para um novo centro de estudos e de lazer, com atividades recreativas para crianças, jovens e idosos. Nisto, Nuno conta que no bairro têm “miúdos por volta dos 13/14 anos que não têm nada para se ocupar e, se um tem a ideia de fumar, todo o grupo fuma; os miúdos têm de conviver e se houver coisas para fazer e para os integrar, claramente que eles não vão estar a fazer coisas erradas como fazem por não terem uma ocupação”. “O lavrado nunca foi tao bem frequentado desde que isto começou”, concluem todos. Caracterizam-no como algo que está em transição e que começa a trazer um novo modo de estar e de viver para os seus habitantes. Ao falar em nome do grupo, Nuno afirma que se derem a oportunidade aos moradores de ter essas pequenas atuações e se todos os bairros trabalharem desta forma, irão viver vidas muito mais condignas e harmoniosas. Diz também que parece que as pessoas estão a mudar a sua forma de pensar e essa é a sua vitória.

Do surgimento dos valores à sua utilização prática na vida em sociedade Tal como defende o artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o acesso a condições básicas de vida e habitação é um direito fundamental de todas as sociedades. Na Constituição da República Portuguesa o número do artigo é diferente, mas o conteúdo não difere: de entre os deveres que incumbem ao Estado para assegurar o direito à habitação, “Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a auto construção” está presente na alínea d) e no ponto 5 do mesmo artigo “a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território” é garantida. Continua na página seguinte


XIX

AS COSTAS DA CIDADE - REVISITAR A CURRALEIRA Cont.

O problema é que ainda hoje é difícil encontrar essa “participação” promulgada como direito no que toca aos processos de realojamento social, como se constata em casos semelhantes ao da Quinta do Lavrado, onde ainda não há perspetivas inclusivas e de integração no seio destas comunidades, pelo facto de o contacto próximo com a população (que proporcionaria a partilha das suas necessidades com os órgãos governantes locais) ser desconsiderado. Além de esta ser uma invocação do direito de cidadania, é também o registo do princípio da saída de um mundo de exclusão.

Contextualização Há uns anos atrás, a Curraleira era vista como um bairro onde perdurava a droga, o crime e a pobreza. Hoje, com o surgimento da oportunidade de poder mudar esta visão que as pessoas têm sobre o bairro, o Clube Intercultural Europeu, em parceria com outras instituições, começou a agir. Nele, ajuda-se pessoas necessitadas e que outrora foram realojadas, ensinando-lhes tarefas como cozinhar, pondo-os em contacto com outras línguas como o francês, e ajudando crianças com os trabalhos de casa. Além disto, não excluem as pessoas que não pertencem ao bairro e ainda fazem visitas guiadas pelo bairro, contando a sua

SOCIEDADE

história. Depois de uma visita, qualquer um aperceber-se-á de que o bairro não é aquilo que se diz ser.

Já construção das habitações aparenta ter sido feita de costas para a cidade de Lisboa, viradas para o cemitério do Alto de São João, o que quase torna o bairro algo invisível; é também uma estrada principal que parece separar o bairro da cidade e daí surgiu o nome do projeto As Costas da Cidade.

https://sarapinho.atavist.com/ revisitar-a-curraleira


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CULTURA

MURALIZA(-TE!) Por: Diana Pires e Joana Ferreira (ES D. Pedro V) e Madalena Costa (ESCS) Um projeto que dá cor, vida e alma a ruas e a pessoas Um festival de arte e de cor Frequentemente, somos surpreendidos por desenhos nas ruas, em painéis, nas fachadas e em grandes muros. São verdadeiras galerias a céu aberto, onde notáveis artistas de todo o mundo se propõem a dar vida e cor a lugares escondidos no tempo, com técnicas e mensagens diversas, fazendo assim a história de cada local e de cada parede. Embora nascida de uma atitude de transgressão e ilegalidade, a arte urbana tem suscitado o interesse de entidades públicas e privadas. Muitos artistas, nacionais e estrangeiros têm sido convidados por câmaras municipais e por associações culturais a intervir em espaços públicos e em prédios devolutos, dando-lhes uma nova imagem e chamando a atenção de quem passa na rua. Exemplo disso, é o Festival de Arte Mural, em Cascais, mais conhecido por Muraliza, que acontece anualmente, a partir de Junho. O festival Muraliza surgiu para que muitos apreendam a história mais recente e artística de Cascais, aportando uma renovação deste estatuto, já algo esquecido ou desconhecido. A Linha de Cascais é, assim, tida como um dos berços das expressões artísticas de rua, a par com Lisboa. Desde 2014, estes artistas têm dado outra vida à Vila demonstrando às pessoas uma forma de arte diferente da convencional. A localização deste projeto varia de ano para ano e em 2016 deslocou-se do centro da Vila para o Bairro da Torre, com a pintura de murais de grande e média dimensão, sempre inspirados nas inúmeras e únicas características da região e, concretamente, nas peculiaridades deste bairro social construído na década de 60. Os mais conceituados artistas de arte urbana são convidados, pela organização do projeto, a cargo da Câmara Municipal de Cascais, para encher os edifícios de cor e arte. Mais do que uma “exposição” ao ar livre, este evento permite acompanhar a evolução das obras e do processo criativo, interagindo, também com os artistas.

Os artistas da rua De spray ou de pincel em punho, Mário Belém, Nomen, Add Fuel, Moneyless, Daniel Eime, Kruella d’Enfer, Millo, Bosoletti, Draw, Third ou Paula Bonet, trouxeram - ao longo de várias edições - a arte mural para as paredes de vários edifícios de Cascais. As intervenções originaram um Circuito de Arte Mural que serve de montra da evolução artística local e dos próprios percursos de cada um dos artistas. Diogo Machado, mais conhecido por Add Fuel, tem vindo a construir uma sólida reputação como artista visual e ilustrador. Licenciado em Design Gráfico pelo IADE - Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing de Lisboa, passou alguns anos a trabalhar em estúdios de design em Portugal. Tendo criado um universo visual único, este artista português redirecionou a sua atenção para uma reinterpretação do design tradicional de azulejos portugueses. Os seus desenhos são baseados em várias formas geométricas, feitos através de stencils, e revelam uma grande complexidade e uma grande atenção aos detalhes.

quando eu trabalho.”

Add Fuel/Diogo Machado Créditos: Bewley Shaylor

Sendo um rapaz nascido e criado em Cascais, sempre sonhou em pintar muitas das paredes abandonadas da sua vila natal. Foi com o convite para participar no Muraliza que se viu realizado no local onde nasceu. “Participei nos últimos três anos no projeto Muraliza, o festival de arte mural da minha Vila. Este festival é mergulhado na história de Cascais, por ser uma vila costeira, muito perto de Lisboa. Para nos encontrarmos temos de conhecer bem o nosso lugar de conforto e foi isso que o Muraliza me deu”.

É desde 2007 que Diogo Machado se concentra exclusivamente no seu trabalho artístico. Começou a sua carreira com o nome Add Fuel To The Fire (“Adicionar Combustível Ao Fogo”); no entanto, decidiu encurtar o seu nome porque “Diogo Machado era muito difícil de pronunciar para pessoas que não são portuguesas, por isso pensei que precisava de um pseudónimo para representar-me quando trabalhava com clientes internacionais. É por isso que Add Fuel soa mais como um nome de marca”, explica Diogo Machado. Add Fuel pode parecer um nome intrigante e bastante diferente daqueles que podemos ouvir pelas ruas. Este pseudónimo tem um significado especial para Diogo Machado. “Como gosto de subverter conceitos e alterar ideias pré-concebidas, quis converter essa expressão que tem uma má conotação em algo positivo. A ideia era acender o meu trabalho através desse nome, fazer com que ele fosse visto e notado no mundo da ilustração. Com o passar do tempo, comecei a fazer mais trabalhos artísticos e menos ilustrações e, por isso, decidi encurtar o nome. Semelhante ao Diogo Machado, comecei a sentir que o Add Fuel To The Fire era longo, e as pessoas continuavam a cometer erros, por isso perdia um pouco do sentido da expressão original que eu queria que existisse. Para mim, Add Fuel simboliza a ignição criativa e a explosão que acontece

Uma das intervenções de Add Fuel no festival Muraliza foi a reabilitação de uma casa antiga - Largo Rodrigue de Lima, Cascais Créditos: Madalena Costa

O traço de Add Fuel é bastante diferente daquilo que se pode verificar no Muraliza. Podemos observar vários desenhos artísticos, pintados por graffitis ou pincéis, mas Add Fuel utiliza elementos que, ao vermos, sa- Continua na página seguinte


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MURALIZA(-TE!) Cont. bemos imediatamente que foi ele que os pintou. Um deles são os azulejos, uma das maiores heranças portuguesas. “Quando fui convidado para participar no Muraliza, queria fazer algo que traduzisse o legado e a história da Vila e queria fazer algo que também me identificasse como português. Comecei a incorporar na minha ilustração um padrão simples de cores azuis e amarelas do século XVII. Como gostei tanto do resultado, senti que precisava de explorar e de desenvolver mais o tema dos azulejos. Depois, investi em algumas máquinas e técnicas de cerâmica e foi aí que percebi que tinha de colocar essa minha ideia nas ruas. Escolhi o azulejo por ser um elemento estético bastante presente na cultura portuguesa.”

muito importante contextualizar as minhas peças. O meu trabalho baseia-se essencialmente na temática visual, incluindo a reinterpretação dos azulejos tradicionais portugueses e como estes podem ser integrados numa configuração mais contemporânea e urbana. Estou a trabalhar com algo antigo, algo que sempre existiu, então quando pinto um efeito de rasgar uma parede ou a sua superfície, quero revelar o que está por baixo das nossas cidades e das nossas culturas.”

Para Add Fuel, a ideia principal por trás de tudo o que faz “é a tradição e a herança. Este é o conceito principal com o qual tenho trabalhado, com todos os cortes e sombras, criando o efeito de algo que poderia estar debaixo das paredes. Tendo este conceito, tento encontrar uma história interessante sobre cada lugar em que trabalho.”

Em cerâmica ou stencil, Diogo Machado/Add Fuel é um artista auto-didata, com a rua como galeria de arte principal.

Quem pense que é um processo fácil desengane-se. Atrás dos azulejos azuis e dos padrões utilizados, está um longo e demorado trabalho e muita dedicação. “Faço muita pesquisa primeiro, porque preciso de pensar na história que quero contar e quais são os elementos que quero usar. Penso também na forma como é que eles podem trabalhar juntos, para que pareçam mais do que aquilo que são. Essa é a parte complicada. Gosto de enganar a mente das pessoas para pensar que elas estão a olhar para um padrão tradicional, mas se virem bem estão a apreciar uma versão “atualizada” do padrão tradicional. Desenho tudo manualmente primeiro, depois passo para o meu computador, aplico cor, e se for para utilizar stencil, tenho de o vetorizar também para depois ser mais fácil cortar. É muito trabalho, mas é gratificante.” Outro dos elementos que tornam Add Fuel um artista inconfundível são as caixas de eletricidade. Add Fuel dá outra vida e cor às caixas de eletricidade espalhadas pelas ruas de Cascais. Add Fuel sublinha que é muito importante para ele contextualizar as intervenções com os locais onde está a trabalhar e muitas vezes redesenha padrões já existentes, acrescentandolhes a sua visão e estilos pessoais. “É

Hoje em dia, numa época de tecnologia e avanços constantes, é importante “pensarmos sobre o que as nossas tradições significam para nós e como podem ser preservadas”, acrescenta Add Fuel.

Já Nomen, ou melhor, Nuno Reis, tornou-se o pioneiro da arte do graffiti em Portugal, desde 1989. A sua arte nasceu nas ruas, com um universo visual de um artista autodidata, que é natural de Angola. Nomen tem-se consolidado numa multiplicidade de suportes e registos desde que começou a interagir com o espaço urbano em 1989 – das primeiras pinturas ilegais em paredes e comboios, ao trabalho desenvolvido em tela e intervenções murais em grande escala. Bastante versátil, Nomen é reconhecido pela mestria com que equilibra formas e cores, seja nas intervenções artísticas elaboradas onde investe numa dinâmica única, com nas composições e retratos bastante realistas. O seu trabalho pode ser visto em várias paredes lisboetas, mas também pode ser encontrado na Vila de Cascais. O festival Muraliza contou também com a participação de Nomen nas duas primeiras edições. Para Nomen, “foi bastante gratificante” participar neste projeto, “pois acabou por ser mais uma forma de espalhar e mostrar a minha arte, bem como promover o contacto e a apreciação por parte dos transeuntes da Vila de Cascais”. Embora a arte de Nomen tenha nascido com as letras, o artista teve a necessidade de desmultiplicar a sua arte, acrescentando e desenvolvendo uma nova abordagem de rostos figurativos, normalmente femininos, que tem vindo a pintar desde 1994, ano em que executou o seu primeiro rosto. O mundo

Uma das intervenções artísticas de Nomen no festival Muraliza / Pintura de um rosto infantil com spray - Rua Nova da Alfarrobeira 2 Créditos: Arquitetura Portuguesa

das faces e expressões tornaram-se um cunho pessoal do artista e está bastante presente nos seus murais e prédios. Nomen sublinha que aceitou o convite para ser um dos artistas do Muraliza, porque este projeto, “em conjunto com outros festivais e intervenções artísticas de larga escala, de norte a sul de Portugal, ajuda de facto a criarem uma ideia mais abrangente e global da street art, criando também mais aceitação e carinho por parte da população.” Para Nomen, o Muraliza não é apenas mais um festival de arte. Tem como principal objetivo contribuir, para além de divulgar os trabalhos e os próprios artistas, para uma visão mais bonita e harmoniosa da paisagem, enriquecendo bastante a Vila de Cascais. “Oferece, ainda, aos visitantes de Cascais uma oportunidade de terem na sua Vila enormes empenas (paredes laterais de edifícios) pintadas, poderem contactar e conhecer os artistas durante esses dias de produção. No final de cada edição, existem cada vez mais cores e boas energias em Cascais”, acrescenta Nomen. Foi Nomen um dos principais fundadores da arte do graffiti em Portugal. O seu trabalho começou por transformar várias paredes e locais abandonados e dar-lhes mais cor e vivacidade. No entanto, não o fazia sozinho. Nos primeiros anos da sua carreira, Nomen pertencia a uma crew chamada de PRM, juntamente com dois outros graffiters, Zé Rui e Exas. “Lembro-me de irmos os três ao supermercado roubar partes das latas de inseticidas para depois reaproveitarmos nas nossas latas de spray. Com 17 anos, íamos à farmácia para comprar embalagens de seringas, e as pessoas olhavam para nós do género: mas estes gajos vão dar na veia ou quê? (risos). Mas a ideia era inserir a agulha no Continua na página seguinte


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MURALIZA(-TE!) Cont. cap da lata de spray para obter um traço fininho.” Foi numa altura em que as intervenções artísticas em locais públicos eram consideradas ilegais. Devido a isso, as pessoas também não levavam esta arte de uma forma aceitável, tal como o fazem hoje em dia. “Tens sempre a pessoa que te dá um elogio, aquele que te insulta, e isso depende também daquilo que fazes. Se fizeres um trabalho bem desenvolvido, as probabilidades de te insultarem são menores do que se fizeres uma simples linha na parede. Eu lembro-me de uma vez estar a pintar em Cascais e de duas mulheres quase ao mesmo tempo terem visto um graffiti que eu estava a fazer, na altura, e de uma ter dito “uau, que lindo” e outra “ai, que horror” (risos). Uma viu a luz e a outra a escuridão.” Nomen e os seus companheiros usavam e abusavam das muitas paredes e prédios que viam abandonados. Apropriavam-se daquilo que achavam que poderia ser seus, mas havia sempre o risco de serem presos, dado que poderiam estar a invadir propriedade privada. Foi assim mais de 20 vezes, dado que tiveram de fugir muitas dessas vezes para não serem presos, “mas safámo-nos sempre. Muitas vezes, o proprietário não apresentava queixa. Por vezes, gostava do graffiti e deixava ficar, outros não gostavam e aí lá íamos nós pintar a parede de branco para não haver chatices. A maioria das vezes retiravam a queixa e não avançavam com nada.” Nada disso deteve Nomen de continuar a desenvolver a sua arte e de transformar cada vez mais locais. O seu trabalho aparece em quase todos os sites e revistas de graffiti mundial e influenciou toda uma geração de artistas em Portugal e no estrangeiro. Pintou com os melhores do mundo em Espanha, França, Inglaterra e Suíça por várias vezes. O graffiti é, hoje em dia, o seu modo de vida, que explora através de eventos, decorações, telas e workshops. O que antes era vandalismo agora é arte! Vandalismo para uns, destruição para outros e arte para ainda outros. É assim que pode ser percecionado o tão conhecido graffiti. Neste momento, o que está em voga é chamar de arte urbana a maior parte dos graffitis presentes em várias paredes. Mais do que chamar à atenção e assim cumprir o seu objetivo, esta ideia atrai cada vez mais

pessoas de todo o mundo, começando mesmo já a surgir um novo modelo de turismo. Isto porque, a par com o projeto Muraliza, já existem vários roteiros turísticos em Lisboa para descobrir as melhoras pinturas artísticas da capital. Um pouco por toda a Europa, edifícios antigos e emblemáticos estão a ser transformados em autênticas paredes coloridas, expressivas e cheias de vida com fortes mensagens de cariz político e social. Este último ponto é precisamente o destaque da arte urbana. Encontra-se cada vez mais veiculada como uma arma de combate às desigualdades e uma forma de expressão, que expõe os problemas sociais de uma forma bastante própria, despertando a atenção de qualquer um que se depare com uma destas representações. Há um leque bastante vasto de fenómenos, que vão à boleia dessa palavra “graffiti”. E esse leque de fenómenos tem várias características, que funcionam num sentido legal e ilegal, num sentido de alta e de baixa cultura e no sentido espacial e temporal, os espaços onde são feitos e em que momento são feitos. E, normalmente, quando falamos no sentido legal e de alta cultura, estamos a falar de arte contemporânea, arte pública e produção de murais. Quando estamos a falar do eixo ilegal e de baixa cultura estamos a falar de escritos de casa de banho ou de palavras erráticas, que surgem nos viadutos, ou seja, há um leque bastante vasto entre uma coisa e outra. Em poucos anos, assistiu-se a uma revolução na forma de olhar o graffiti, antes sinónimo de vandalismo. Aos poucos, e graças a vários artistas, o graffiti foi conquistando espaço e admiradores. “A mentalidade das pessoas mudou, pois a qualidade de oferta visual e a filtragem desses artistas é agora muito mais qualitativa e impactante no que se refere ao muralismo. No entanto, o vandalismo existirá sempre à margem”, comenta Nomen. Lisboa tem sido pioneira e considerada uma das maiores capitais, a nível mundial, de arte urbana. A capital é tida como um exemplo a seguir, pois as autoridades colaboram, apoiam e promovem este tipo de arte, ao invés desta ser restringida. É mesmo a única cidade com um departamento urbano de arte de rua, patrocinado pelo Estado. Em 2008, a Câmara Municipal de Lisboa desenvolveu uma programação

dirigida a este fenómeno, que se traduziu na criação de uma Galeria de Arte Urbana (GAU), através do Departamento de Cultura. O município quis publicamente reconhecer que o grafitti tem lugar na cidade de Lisboa. São expressões artísticas válidas, tal como a arquitetura, a cultura ou a azulejaria. O GAU veio promover a cidade, a sua cultura e os artistas. A criação deste gabinete foi benéfica para todos, especialmente para os jovens, que tinham vontade de mostrar o seu trabalho e já o faziam de forma espontânea, mas assim foram-lhes proporcionados meios para o que desenvolvessem numa escala ainda maior. Apesar de a fronteira entre a arte e o vandalismo ser cada vez mais ténue, é fácil percebermos a razão pelo qual os vários murais e paredes com graffitis serem considerados arte. São obras chamativas, pintadas por diversos artistas, com uma mensagem presente, cheias de cor e luz, que vão eliminado a mentalidade de muitas pessoas relativamente ao graffiti e ao vandalismo. Têm tanta força visual e comunicativa, que o era ilegal passou a ser legal. Longe vão os tempos em que o graffiti era o “patinho feio” da arte. Era considerado um ato de vandalismo, muitas vezes punido por lei, que retirava o prestígio e a beleza às cidades. Nos dias que correm, é um fenómeno global que tem captado a atenção não só de turistas e viajantes, como também de artistas e críticos de arte. Começa a impulsionar um modelo de turismo muito próprio, que tem levado diversas capitais, sobretudo europeias, a apostar na arte urbana. É dessa forma que, principalmente, Lisboa e Cascais estão colocadas no mapa mundial da arte urbana, por serem duas autênticas cidades com centenas de paredes e fachadas pintadas por artistas nacionais e internacionais.

https://madalenacosta.atavist.com/ muraliza-te


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O QUE É FEITO DOS GIRA-DISCOS? Por: Mariana Júdice (ESCS); Bruno Soares e Emanuel Semedo (ES António Damásio) Já se ouvem as primeiras notas da inconfundível melodia de Under Pressure. A baixa lisboeta corre na sua normal agitação, mas assim que se descem os pequenos degraus da Louis Louis, somos transportados no tempo. Por momentos, somos envolvidos num ambiente de filme americano dos anos 80 e levados para aquele que é um paraíso dos amantes da música. Degrau a degrau, o volume do combate de titãs entre David Bowie e Freddie Mercury vai ficando mais forte, e a melodia, que ao longe se ouvia, ecoa agora a alto e bom som naquelas quatro paredes da Rua Nova do Almada.

Louis Louis tem o seu berço na Cidade Invicta, mas há 10 anos que se estabeleceu na capital e, ao contrário do que seria de esperar, o número de clientes não para de crescer. "Há essa ideia de que as pessoas já não compram discos, quer seja CD's ou LP's, mas nós estamos aqui para mostrar o contrário".

"Este mercado está vivo e nunca vai desaparecer"

A estrela da companhia é Marco Paulo, que mesmo sem expressão, ali está, vivamente representado numa silhueta inconfundível. Entre duas grandes poltronas vermelhas e na companhia de objetos míticos para as novas gerações, leitores de CD e gira-discos. Secção a secção, estilo a estilo, a lista de discos parece infindável. Rock, funk, clássico, jazz... aqui nada é posto de parte, porque tal como explica Jorge Dias, sócio-gerente, há público para tudo. "Os nossos clientes são muito variados, e por isso, não nos restringimos a um só estilo", afirma.

Em 2ª mão, ainda dentro do plástico, lançamentos da semana passada ou edições com 30 anos, há de tudo um pouco e é essa miscelânea que faz da ida à Louis Louis uma verdadeira caça ao tesouro. Ao mergulhar na secção “Portugal” vemos Amália ao lado de David Fonseca e Rui Veloso ao lado de Marco Paulo e o que todos têm em comum é o facto de fazerem parte da cultura nacional. “Somos especiais por isso mesmo, porque vendemos cultura. É isso que todos estes discos têm para oferecer, independentemente da época ou do estilo musical. O que importa aqui é que tenhamos o formato físico e que continuemos a lutar para que ele esteja nas nossas montras, porque público não falta”. Num canto, a vasculhar na secção de 80’s rock está Pedro Zuquete, de 28 anos, é cliente habitual. Cresceu a ver o mundo digital desenvolver e imporse, mas nunca perdeu o fascínio por ver os discos a girar. “Para mim, não há nada como a sensação de comprar um disco novo, mesmo que seja um clássico editado há décadas". Para Pedro, é isso que o leva, religiosamente, a esta pequena loja no Chiado, o entusiasmo de descobrir um mundo novo. “Claro, que podia comprar os discos na FNAC, por exemplo, ou mesmo online, mas não era a mesma coisa. Perco horas aqui a procurar, a ouvir... é quase como uma terapia”, afirma.

"É música que as pessoas querem, e é música que temos para oferecer!"

"Há algo de especial em descobrir um álbum, cada um é uma viagem diferente"

Zona lounge com quadro de Marco Paulo

Estão todos lá, e mais do que estrelas são também a decoração, desde John Lennon aos Rolling Stones, Bob Dylan a Elton John... todos, devidamente emoldurados, têm um lugar de honra nas “walls of fame” da Louis Louis. Afinal, são eles que mantêm vivo este sonho que Jorge Dias carrega consigo há mais de 25 anos. "É um trabalho drenante, tal como qualquer profissão em que se lide com clientes, mas a verdade é que, no fim do dia, continua a valer a pena".

"É preciso ser-se um bocado maluco para ter um negócio destes"

Turistas na loja

Considera-se um peixe numa indústria de tubarões e os seus melhores amigos são os turistas, mas não tem medo dos predadores . "Somos um mercado de nicho, só vendemos música em suporte físico, por isso estamos num campeonato à parte. Não podemos fazer frente às grandes superfícies, mas também não é esse o nosso objetivo. Eles crescem, mas as secções de discos ficam mais pequenas e nós preenchemos essa falha."

"Daqui a 2 anos não sei onde vou estar, mas, para já, conseguimos manter esta chama acesa" É esta chama de que Jorge fala que o motiva a continuar a lutar contra as adversidades e que leva centenas de pessoas por dia a esta pequeno recanto na baixa lisboeta: a paixão pela cultura, pela música e pelo que ela tem de melhor. É esta mesma paixão que faz com que o disco não pare de girar.

https://spark.adobe.com/page/ Y404HUytAnJwf/

Secção

de CD

Vista geral da loja


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CULTURA

ANTÓNIO SERZEDELO: UM LIVRO FORA DO ARMÁRIO Por: Ana Rita dos Santos (ESCS), Sara Tavares e Francisco Gil (ES António Damásio)

Capítulo II Em Lisboa, a confirmação duvidosa

“Nunca julgues um livro pela capa”, assim diz o ditado. A sabedoria popular poucas vezes se engana. É nos livros com a capa mais puída, mais desgastada pelo uso, que encontramos as histórias mais fantásticas. São nas páginas desses livros, enrugadas e frágeis pelo toque de quem as percorreu, que esbarramos com amores proibidos, aventuras e feitos incríveis de Homens comuns. Há livros que merecem ser admirados e relidos vezes sem conta. O António Serzedelo é um desses livros. Uma obra repleta de capítulos intermináveis. É necessário um bom índice para não nos perdermos nas 1001 peripécias que a sua longa vida conta. A capa deste livro é enrugada, mas tem um brilho no tecido que a envolve. É coberta de apontamentos delicados que nos fazem viajar no tempo. O índice é extenso e as histórias deste volume (sim, existem mais, mas o tempo seria escasso para poder falar-vos de todas) cruzam-se todas na descoberta, aceitação e amor-próprio. O título deste livro poderia bem ser um já conhecido da literatura mundial: Orgulho e Preconceito. Vamos por partes e comecemos pelo início.

Capítulo I O inominável em Lourenço Marques, Moçambique Foi na maior cidade de Moçambique que António nasceu, em 1945. Foi também em Lourenço Marques que viveu grande parte da sua infância e iniciou o liceu. O seu pai era engenheiro na colónia portuguesa e o pequeno António teve a oportunidade de fazer muitas das coisas que pequenas crianças da sua idade não conseguiam por questões monetárias - montava a cavalo, ia à praia e tinha uma pequena

A infância com os pais, em Moçambique.

‘burra’, o termo utilizado para bicicleta na altura. António durante a sua juventude .Foi

neste regime colonial que António descobriu um sentimento a que chamava na altura de ‘inominável’. “Tinha um amigo especial, um ou dois anos mais velho, com quem ia às boates e ao cinema. Tínhamos este encanto de amigos. Quando não podia ir às matinés, ele levava a minha fotografia e punha no banco ao lado, que estava vago, para ver com ele o filme”, lembra António, com um olhar nostálgico. Foi entre estas amizades singulares que o jovem António confessa que descobriu ‘este amor, esta camaradagem, uma ternura que era inominável mas era partilhada’. Era assim, neste ambiente ímpar e desconhecido que ‘havia uma certa homossexualidade não consentida, não assumida, que era destas coisas que fazíamos de conta que estávamos bêbedos e que no dia seguinte já ninguém se lembrava’, recorda. Tanto na sociedade colonial como na portuguesa, a demonstração de afetos em público entre casais heterossexuais era um episódio bastante invulgar, pois era considerado, na altura, um atentado à moral pública. Na esfera social, as manifestações românticas eram bastante reprimidas. Assim sendo, não passaria sequer pela cabeça do jovem António olhar duas vezes para um rapaz por quem sentisse algum tipo de interesse ou atração. No entanto, e sem nada o fazer esperar, o olhar de António cruzou várias vezes o de uma rapariga da sua idade.

“Hoje não sei dizer se estava apaixonado ou se tinha só desejo, mas eu gostava muito dela”, conta. Ainda hoje, António não consegue decifrar o que sentiu por aquela rapariga, mas a verdade é que aquela não seria a única mulher da vida de António. O casamento foi um passo que ponderou diversas vezes, pois naquela época não eram permitidas relações sem um compromisso mais sério. Todavia, António não conseguia inibir algo que era tão intrínseco a um rapaz da sua idade. O desejo e a atração pelo mesmo sexo continuavam a ecoar na sua cabeça. “Não sei se lhe disse que era gay, já não sei se disse se era invertido ou homossexual, porque esta nomenclatura é moderna”, conta António. A namorada, na altura, não levou muito a sério esta conversa, pois pensava-se que a homossexualidade era uma patologia, uma doença que se tinha e que era possível ser curada. António relembra o período no qual tentou encontrar uma ‘cura’ para a sua ‘doença’: (áudio) A visita ao Júlio de Matos.

Capítulo III Os marginais da sociedade À época do Estado Novo, período no qual António viveu a sua juventude, ser homossexual em Portugal era constituído um crime punível por lei. “Antes do 25 de Abril e imediatamente depois era muito difícil. Era muito difícil por causa da influência da igreja católica, do regime político fascista, que proibia absolutamente a homossexualidade e até havia uma polícia de costumes. Para a sociedade, ser homossexual era ser doente mental, era ser um pária da sociedade. Muitos deles iam parar à Mitra”. A Mitra era o lugar de internamento de muitos dos homossexuais apanhados pela polícia, uma espécie de manicómio criminal, onde eram esquecidos pela sociedade. Mas nem sempre a homossexualidade foi vivenciada neste quadro repressivo. Na Grécia antiga, as relações entre dois homens eram encaradas com naturalidade. Era bastante comum que um jovem ateniense se envolvesse sexualmente com um homem mais velho. Também na Roma Antiga, a prática da homossexualidade era amplamente praticada, Continua na página seguinte


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CULTURA

ANTÓNIO SERZEDELO: UM LIVRO FORA DO ARMÁRIO Cont. existindo inúmeras obras literárias que o comprovam.

Alguns livros de António.

No entanto, o panorama foi-se alterando. Com o surgimento da religião, assistiu-se a uma forte apropriação dos valores morais de escrituras sagradas, como a Bíblia, que condenavam a prática do sexo pelo prazer e, por conseguinte, a homossexualidade. Desta forma, a aversão pela prática homossexual foi-se consolidando na mentalidade das populações que se regiam pelos princípios religiosos. Assim, assistese a uma generalização da homofobia na sociedade, que foi transmitida durante várias séculos e onde a inquisição teve um papel central na construção deste preconceito. “Tudo piorou quando apareceu a grande crise de saúde pública que matou metade da Europa. Como não tinham meios científicos para explicar essa peste negra, tiveram de ir buscar explicações divinas. Diziam que Deus estava zangado com o comportamento dos homens porque consentia que na sociedade houvesse judeus, prostitutas, leprosos e homossexuais. Então toca de mandar essa gente toda para o fogueira para purificar a sociedade”, conta. Esta mentalidade perdurou no tempo e continuou até aos dias do Estado Novo. “É difícil tirar da cabeça das pessoas esse conceito que se transformou em preconceito. Foi algo que se impregnou na carne e na cabeça das pessoas durante séculos”, explica.

Capítulo IV Católico, mas pouco. “Tenho todos os sacramentos menos o do casamento e o da extrema-unção, graças a Deus”, revela. António frequentou um colégio religioso durante a sua juventude e o ambiente conservador e repressivo era a regra que perdurava durante todo o dia na instituição. Porém, de noite, a história era outra, como revela António: “os quartos eram individuais e podiam lá entrar quem nós quiséssemos. Tínhamos todos estudos comuns, portanto podíamos ir aos

quartos uns dos outros sob o pretexto de que tínhamos algo a estudar”. Foi neste disfarce de liberdade que António viveu os primeiros anos da idade adulta. Uma vida dupla que escondia da própria família. “Eu saí de casa aos 22 ou 23 anos e fui viver para a minha própria casa e portanto não tinha que lhes dar satisfações. Cumpria os meus deveres de filho único e não tenho dúvidas de que era muito amado. Quando comecei em pensar em dizerlhes o meu pai estava com um cancro, de que aliás morreu, e eu achei melhor não lhe dizer nada porque tinha medo de que uma preocupação desse tipo acelerasse o problema dele”, explica. No entanto, António revela que a mãe talvez suspeitasse de algo, uma vez que a partir de certa idade começou a apresentar-lhe alguns ‘curriculum vitae de meninas casadoiras’, relembra.

A época de professor.

Mas se em Portugal havia ainda este nicho recôndito da sociedade, na Holanda, para onde António viajava diversas vezes, assistia-se a um espírito libertário onde os bares homossexuais eram amplamente frequentados. Foi na Holanda que António entrou numa sex shop pela primeira vez na sua vida: (áudio) A sex shop da Holanda.

Capítulo IV As humilhações no Campo Grande e os ‘Arrebentas’

António e um amigo.

Foi na noite lisboeta dos anos 70 que António começou a libertar-se aos poucos da repressão interior que sentia. Os bares gays da capital eram uma novidade e António passou a frequentá-los. “Eu tinha dinheiro e tinha carro. Podia ir à noite às discotecas e gastar à vontade. Era essa a vida que eu fazia. Durante o dia era professor e tinha algum ‘juizinho’, não podia expor-me. Durante a noite era outra pessoa. Quando saía dos bares vestia outra vez o fato da decência”, recorda.

Para ir para a Universidade de Letras, onde frequentava o curso de História, António atravessava diariamente o Campo Grande. Um local de encontros, de engates e passeios de namorados. Um lugar onde se cruzavam várias mentalidades e gerações. “Algumas vezes, ao passar por lá, sofri um bocadinho. Lembro-me de uma vez que estava a atravessar o jardim e um grupo de rapazes, que estavam com as suas namoradas, insultou-me com os nomes que se chamavam na altura e roubaram-me tudo. Fiquei em cuecas. Até a chave do carro me tiraram e o dinheiro”, relembra. Mas António não tinha outro remédio senão passar pelo martírio do Campo Grande todos os dias, uma vez que era o único caminho para chegar à Universidade. Os insultos nunca pararam e as humilhações continuaram. Os ‘Arrebentas’ fizeram António correr pela vida: (áudio) 'Os arrebentas'.

António durante a tropa. Continua na página seguinte


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CULTURA

ANTÓNIO SERZEDELO: UM LIVRO FORA DO ARMÁRIO Cont. Capítulo V O manifesto de Abril e a Opus Gay

Excerto do manifesto ‘liberdade para as minorias sexuais’.

António sempre foi um Homem consciente da necessidade da mudança. Um Homem de coragem e muito à frente para o seu tempo. Imediatamente depois do 25 de Abril, o grito do Ipiranga português, é publicado o 1º manifesto LGBT em Portugal. O Manifesto ‘Liberdade para as Minorias Sexuais’. O Diário de Lisboa publicou-o na íntegra e o Diário de Notícias parcialmente. António fez parte da redacão desse manifesto pioneiro e muito polémico que reclamava direitos de cidadania para os portugueses homossexuais que sofriam uma forte repressão jurídica e social, entre eles a descriminalização da homossexualidade, a reivindicação da possibilidade jurídica de contestar os atos de chantagem e perseguição que muitos homossexuais estavam sujeitos à época e a participação em movimentos políticos. As reações não se fizeram esperar. “Passados dois ou três dias da publicação, o General Galvão de Melo veio dizer na televisão estatal, a única na altura, que o 25 de Abril não se tinha feito para as prostitutas e os homossexuais reivindicarem”, conta António. Contudo, a emancipação dos direitos homossexuais não foi imediata e a sociedade portuguesa ainda encarava com desconfiança esta minoria. Antó-

nio recorda um episódio em que dois dos seus amigos, coautores do manifesto, anunciavam uma grande manifestação no Porto:

xual, centrando o seu objetivo não apenas em erradicar a Sida, mas também todas as questões que afetavam as minorias sociais.

(áudio) Uma espécie de manifestação

Considerações Finais

A descriminalização da prática homossexual só chegaria ao nosso país em 1982. Contudo, quando praticada de forma recatada, como se vem a explicitar na revisão do Código Penal desse mesmo ano. As mentalidades foram lentamente mudando. “Entretanto, foi havendo uma atitude de aceitação, particularmente na cidade de Lisboa, que levou a que alguns deputados na altura começassem a perceber que, à semelhança dos países europeus mais avançados, Portugal estava atrasado no tempo e que era altura de descriminalizar porque isso era uma chaga na sociedade portuguesa. Mas o facto de ter sido aprovado não mudou imediatamente as mentalidades. As leis não mudam mentalidades”, explica.

Os pais e os filhos

Algo mais tinha de ser feito pelos direitos dos homossexuais. A par da ILGA Portugal, a Opus Gay, fundada por António Serzedelo, é uma das mais importantes organizações cívicas que luta pelos direitos das minorias sexuais. Manifestação do orgulho gay na década de 90.

Fundada em 1997, António criou-a com o propósito de descentrar a preocupação dos homossexuais com a questão da Sida. “A ILGA Portugal estava muito centrada na questão do HIV e com isso conotava definitivamente os homossexuais com a doença. A doença existia e morria-se muito, mas era uma minoria. Mas também nessa altura não havia preservativos, a primeira vez que fui à farmácia comprar preservativos o farmacêutico de balcão chamou o dono da farmácia para tomarem nota do meu nome. Havia, de facto, uma barreira social”, sublinha. A Opus Gay propunha-se, assim, a ajudar a encontrar soluções para todos os problemas da comunidade homosse-

Se, nos nossos dias, dois jovens homossexuais podem andar de mãos dadas no nosso país, devem-no a homens como António. Homens que lutaram pelos direitos que deveriam ser intrínsecos a toda a população. Hoje, António vive tempos dos quais se orgulha. Se atualmente é possível o casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo, há 40 anos António considerava que isso seria algo totalmente descabido: “Nem imaginava que isso podia acontecer. Não me passaria pela cabeça, naquela altura, propor o casamento entre dois homens”, confessa. Mas a verdade é que a utopia se transformou numa realidade e, em 2010, António foi convidado pelo então primeiro-ministro José Sócrates no dia da publicação da lei. Aos jovens homossexuais que estão a começar a descobrir a sua sexualidade, António deixa um conselho: “Primeiro, que se assumam interiormente, que saiam do armário interior em que estão para encontrarem a sua própria liberdade interior. Depois, aos poucos, que vão dando os passos perante os grupos sociais que entendam. É complicado e a pessoa precisa de ter apoios”. Contudo, muitas das vezes, estes pequenos e tímidos passos são percorridos sozinhos sem o apoio fundamental da família e nomeadamente dos pais. A estes, António deixa um último conselho: “Primeiro, que leiam um bocadinho. Depois, que tenham uma conversa com um psicólogo e, por fim, uma conversa com o filho ou a filha. Essa aceitação dos pais dá uma grande paz interior e faz com que o jovem seja muito mais feliz e possa, com essa paz, construir o seu futuro”.

https://ritasantos.atavist.com/ antonioserzedelo


XXVII

OFERTA CURRICULAR DO AESMO 2018/2019

Oferta curricular do Agrupamento de Santa Maria dos Olivais Escola Secundária António Damásio 3.º Ciclo do Ensino Básico 7.º, 8.º e 9.º anos Cursos Científico-Humanísticos: Ciências e Tecnologias Ciências Socioeconómicas Línguas e Humanidades Artes Visuais Cursos Profissionais Técnico de Turismo Técnico de Eletrónica, Automação e Computadores Técnico de Redes Elétricas Técnico de Gestão e Programação de Sistemas Informáticos Técnico de Informática - Instalação e Gestão de Redes Técnico Comercial

Escola Básica 2.3 dos Olivais 2º Ciclo 3º Ciclo

Escola Básica Alice Vieira Educação Pré-Escolar 1º Ciclo

Escola Básica Manuel Teixeira Gomes Educação Pré-Escolar 1º Ciclo

Escola Básica Sara Afonso Educação Pré-Escolar 1º Ciclo


XXVIII

VISITA

RTP

Por Ana Catarina Baptista, Daniela Mendes, João Castro, alunos do 12º ano e Teresa Saborida, PB da ESCamões

utiliza...".

Nos bastidores da RTP Integrado no projeto de Literacia Jornalística, cujo programa de atividades era variado, fomos no dia 18 de abril à RTP em visita organizada pela professora Fernanda Bonacho, coordenadora do projeto da ESCL. À visita foram os alunos das 4 escolas participantes e respetivas professoras e os alunos da ESCL, os nossos monitores. A expetativa era grande dado que nunca tínhamos visitado a RTP - e a visita foi de encontro àquilo que esperávamos! Começámos por assistir a um programa da tarde que estava a dar em direto - Agora nós - com a Tãnia Ribas de Oliveira e José Pedro Vasconcelos. A perceção que temos em termos da dimensão de um estúdio, dos assistentes, dos operadores de câmara...foi por água abaixo! O estúdio é relativamente pequeno, há um àvontade grande da parte de todos, pudemos entrar e aflitos com o barulho que pudéssemos causar "podem estar à vontade! Os microfones são direcionais e só captam o som de quem os

RDP

Passámos ao estúdio de "O preço certo". Todos queriam ver o Fernando Mendes mas o programa ainda não tinha começado. Estava um locutor brasileiro, divertidíssimo, a "aquecer" a audiência. Partimos dali por corredores subterrâneos - quais catacumbas!!! - para chegar a um ponto nevrálgico da RTP - o estúdio de informação onde estão variadíssimos jornalistas e onde é realizado o Jornal da noite e todos os principais telejornais diários. Ao vivo tudo tem uma dimensão...pequena! Lá em casa o estúdio parece gigante! Na altura não havia nada de especial a acontecer mas eis que chega alguém da realização e nos permite manobrar as câmaras de filmar, monstros enormes mas que se mexem com facilidade. Ao lado, num estúdio mais pequeno, assistimos ao início da preparação de um telejornal para a RTP 3. E passámos à parte do edifício onde estão instaladas as várias rádios pertencentes ao grupo - a Antena 1, Antena 2 (que grava programas ao vivo de música clássica no auditório da nossa escola) e outras como o Zigzag, rádio para o público infanto-juvenil.

Terminámos a nossa visita no museu da RTP onde estão expostas algumas das peças pertencentes ao acervo da televisão. No local ouvimos falar da história da televisão e da evolução tecnológica que aconteceu desde o século passado. Terminámos a visita num pequeno estúdio montado no museu e que serve para fazer pequenas gravações e descobrimos também alguns dos truques possíveis de fazer num estúdio de televisão. No final demos nota 18 a esta visita (daríamos 20 se tivéssemos visto o Fernando Mendes!!!) Por Ciro Ribeiro, ES António Damásio Ir conhecer as instalações da RTP foi uma grande oportunidade que nos foi concedida, a mim e aos meus colegas. Pudemos ver as infraestruturas de uma das mais conhecidas empresas de comunicação e difusão da informação, precisamente a mais antiga, que é a R.T.P. Vimos uma parte das infraestruturas, como os estúdios de gravação, as salas de rádio e, até mesmo, um museu, conhecido por "O Museu da R.T.P", que foi mesmo a parte que mais me interessou, porque nele se conta a história da televisão e da radiodifusão, desde os primeiros passos. Foi na verdade um dia único que irei relembrar por longos anos.

ESCOLA SECUNDÁRIA DE CAMÕES Escola Secundária de Camões

Praça José Fontana, 1050-129 Lisboa.

direcao@escamoes.pt

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DAS LARANJEIRAS Escola Secundária D. Pedro V

Estrada das Laranjeiras, 122 1600-136 Lisboa

direcao@ael.edu.pt

Escola Básica 2,3 Prof. Delfim Santos

Rua Maestro Frederico Freitas 1500-400 Lisboa

direcao.delfimsantos@ael.edu.pt

EB1/JI António Nobre

Rua António Nobre, 49 1500-046 Lisboa

eb1antonionobre@gmail.com

EB1/JI Frei Luís de Sousa

Rua Raul Carapinha 1500-042 Lisboa

escola.freiluis49@gmail.com

EB1/JI Laranjeiras

Rua Virgílio Correia, 30 1600-224 Lisboa

eb1daslaranjeiras@gmail.com

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE SANTA MARIA DOS OLIVAIS Escola Secundária António Damásio

Av. Dr. Francisco Luís Gomes 1800-178 Lisboa

direcao@aeolivais.pt

Escola EB 2,3 dos Olivais

Rua Cidade de Bolama 1800-077 Lisboa

eb23olivais@gmail.com

EB1/JI Alice Vieira

Rua Vila Catió

alicevieira.eb1ji@gmail.com

EB1/JI Manuel Teixeira Gomes

Rua Manuel Teixeira Gomes 1900-000 Lisboa

eb1mtgomes@gmail.com

EB1/JI Sarah Afonso

Rua Almada Negreiros

eb1183olivais@gmail.com

1800-000 Lisboa 1800-000 Lisboa


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