Márcio Simões
O HÁBITO DO ABISMO Entrevistas com Floriano Martins
ARC Edições
O hábito do abismo – Entrevistas com Floriano Martins © Floriano Martins, Márcio Simões, 2013 © ARC Edições, 2013 Capa: “O hábito do abismo”, Floriano Martins & João Pinheiro (técnica mista, 2013) Edição a cargo de Márcio Simões Projeto gráfico: Floriano Martins Revisão ortográfica: Márcio Simões, Márcio Magnus Galvão
ARC Edições
Agulha Revista de Cultura | Triunfo Produções Ltda. Caixa Postal 52817 – Ag. Aldeota Fortaleza CE 60150-970 Brasil Tel [55 85] 3241.2864 www.revista.agulha.nom.br Atendimento: arcflorianomartins@gmail.com Contato com o Autor: floriano.agulha@gmail.com Visite: http://agulhafloriano.wix.com/florianomartins
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Sumário Nota de edição A participação poética | Márcio Simões 1989 1996 1998 1998 1999 2002 2002 2003 2003 2004 2004 2005 2005 2006 2008 2008 2010 2010 2010 2010 2010
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A poética do paradoxo A favor do contra A modernidade não é um caderno de receitas A necessidade da poesia Floriano Martins traz poetas hispano-americanos ao Brasil Um olhar na poesia Humanismo poético O mergulho em todas as águas Palavras preliminares Sábio imprevisto Uma agulha na rede da mestiçagem Somos o que buscamos Vertigens do olhar: autorretratos A outra máquina do mundo Uma conversa com o curador da 8ª bienal internacional do livro do Ceará Festa da mestiçagem Opção pela dissidência Nascendo todos os dias Todas as coisas à minha volta a partir de uma perspectiva da poesia Às voltas com o livro-objeto e suas sombras Cibercultura em tiempos de analfabetismo global
A outra voz do tempo | Cronologia de vida e obra Mar de mares | Fragmentos roubados ao tempo Rastros de um caramujo | Publicações & outros afazeres Sobre os autores
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Nota de Edição Fiz contato pessoal com Floriano Martins, pela internet, nos início de 2010, e não demorou para que sua conversação sempre instigante e de alto nível me levasse a querer entrevistá-lo. Desejava poder confrontá-lo mais diretamente sobre algumas questões que então me incitavam à reflexão. Entrevista acertada, me pus a pesquisar diálogos anteriores realizados com ele e me deparei com um material que considerei de extraordinária relevância para o debate literário e cultural atual. Diante disso, sugeri que ele deveria reunir suas principais entrevistas em livro, para torná-las acessíveis e fazê-las ter maior circulação. Com sua habitual prontidão e senso de realização, Martins imediatamente me respondeu sugerindo que eu fosse o organizador do livro e deu total apoio ao projeto. Ele mesmo me enviou a quase totalidade dos arquivos das entrevistas e forneceu toda informação necessária. Passados alguns meses dedicados à leitura das cerca de 60 entrevistas, apresentei um projeto em que havia pré-selecionado 30 para integrar o livro, que juntos enxugamos nas 21 aqui reunidas, apresentadas em ordem cronológica, de fins da década de 80 do século passado ao final dos anos 00 deste novo século, compreendendo um período de mais de vinte anos de crescente atividade na vida do poeta. Ao final deste processo, fiz mais uma entrevista a Martins, para servir de prólogo a este volume, em que buscava indagar sobre temas recorrentes de sua reflexão, mas não aprofundados em outros diálogos, bem como aspectos pouco citados, mas de interesse visível em seus depoimentos e trajetória. A decisão por manter algumas entrevistas no original em espanhol atende a uma vontade de circulação mais ampla do livro, no ambiente dos dois idiomas. Completam o volume uma cronologia de vida e obra preparada pelo próprio Floriano Martins; um posfácio que reúne recortes agrupados por temas de parte das entrevistas que ficaram de fora; e uma seção final em que constam bibliografia dos trabalhos do poeta, alguma informação adicional e um índice geral das entrevistas pesquisadas para compor este livro. [Natal, fevereiro de 2013]
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A Participação poética
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A poesia queima muito além da metáfora. Floriano Martins
MS Você tem se pronunciado em vários lugares a respeito de uma “corrente subterrânea” na poesia brasileira. No que essa corrente se diferencia da corrente dominante da lírica nacional? Quais seus autores relevantes? FM Aqui primeiramente se destaca o tema das escolhas. A riqueza existente em certa diversidade aos poucos foi dando lugar a um pequeno vício retórico que mescla facilismo artificioso da linguagem e informalidade de um falar gracioso. Retrospectivamente podemos ver a forma como foram entronizados os poemaspiadas de um Oswald de Andrade ou a ourivesaria esvaziada de sentido de grande parte da Geração de 45, sobretudo aquela que desemboca no mais estéril formalismo do poema-processo ou da poesia concreta. Soa verdadeiramente ridícula a contenda traçada entre fundo e forma, como se fossem inimigos mortais e a poesia resultasse da sobrevivência exclusiva de um desses recursos. A chamada geração marginal oferece pequenos sinais de recuperação, mas então infelizmente se verifica uma fragilidade dupla: ausência – já por um dilema histórico de presunção autodestrutiva – de referencial estético amplo e consistente, e ausência de visão de mundo consistente o suficiente para que através dela se construísse um discurso poético expressivo. A partir daí cedemos uma vez mais aos encantos do aprimoramento da forma em detrimento do sentido. O que chamo de corrente subterrânea se define exatamente por aquelas vozes de uma multiplicidade de ofertas que foram sendo em muitos casos desprezadas intencionalmente, variedade relevante de recursos estilísticos, amplitude de registros e em especial a riqueza de não padecer da avaria histórica do que chamas de “corrente dominante”, a ruptura entre fundo e forma. Nomes: Jorge de Lima, Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Dante Milano, Augusto Meyer, Dora Ferreira da Silva, José Santiago Naud, Lêdo Ivo. Eu conversava muito com Sérgio Campos, um dos grandes poetas brasileiros nascidos nos anos 40 – infelizmente morreu há mais de 10 anos em completo ostracismo – sobre a ironia que é ter esses nomes todos em um ambiente subterrâneo ou mesmo marginalizado. Por isto que falei inicialmente em escolhas. Fizemos as erradas e hoje pagamos um preço imenso. Perdemos os referenciais que seguramente teriam enriquecido a lírica em nosso país. Prejuízo histórico que não sei se recuperável. MS Seu antigo parceiro na Agulha Revista de Cultura, Claudio Willer, tem se pronunciado de maneira favorável à produção poética atual, afirmando que tem muita coisa de qualidade sendo produzida, mas que faltam críticos que se debrucem sobre essa produção crescente e diversificada. Suas declarações nesse sentido parecem ir em direção contrária, expressando certo pessimismo e desapontamento com a produção atual. Afinal, temos ausência de produção de qualidade ou uma produção ainda a ser revelada, separando-se o joio do trigo? FM Há um pouco de cada coisa. Começaria pelo fato de que Willer é mais entusiasta do que eu. Muito do que ele aponta como boa poesia para mim não passa de diluição de beat ou surrealismo, o que pode até ser um avanço, considerando que
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Entrevista concedida a Márcio Simões, desde Sidney, Austrália, dezembro de 2010, janeiro de 2011.
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safra anterior de diluições tomava por base cabralismos, concretismos e oswaldismos. Outro ponto é que círculo de amizades e a condição de editores de uma revista nos permitem acesso a textos inéditos, identificando quando há relativamente boa poesia sendo escrita, embora ainda não publicada. Por último, o ato de publicação em si não resolve muito se não há circulação dessa produção, se ela não encontra atenção por parte dos meios periódicos de difusão. Evidente que importa, sobretudo, a criação, mas quando tratamos do tema no plano crítico, a circulação é indispensável. Há um aspecto no que chamas de “produção atual” que me parece mais valioso do que ficar a citar nomes: a diversidade de fontes, o interesse despertado por outras tradições líricas e também por outras áreas de criação. São pequenos sinais que ajudam a criação a se libertar do peso morto da retórica literária. Sempre recordo uma frase luminosa de Rubén Darío, ao dizer que conhecer diversas culturas era a melhor maneira de se livrar da tirania de algumas delas. MS Cada vez mais você é um nome de referência quando o assunto é poesia brasileira no universo hispano-americano, com participação frequente em eventos e livros publicados em vários países de língua espanhola. O mesmo não parece ocorrer no Brasil. A que você atribui tal fato? Confirmação do ditado perverso de que “santo de casa não obra milagre”? FM No mínimo, eis aí bom motivo para uma bela risada. Acho que tem em parte que ver com esse ponto de cegueira que venho comentando, certa limitação de perceber quem está apontando em outras direções que não a dos vícios cartoriais. Nada pessoal, nada que pertença ao ninho das paranoias. É um caso bem comum de trânsito em nossa cultura. O Brasil ainda tem uma mentalidade gremial, de distribuição de riquezas entre associados e credibilidade dada a prêmios e outros arranjos florais. E há gente que se especializa nos estatutos dessa gincana. Fora desse ambiente apenas o reinado sutil das exceções. Márcio, o mundo está em todos nós, é parte de todos nós. Imagino alguém se identificando com qualquer coisa que à primeira mão esteja mesmo na contramão de uma tradição. O toque de sedução do esquisito. Passado este primeiro momento as teias vão sendo tecidas, as conexões vão sendo percebidas. Um nozinho aqui e outro ali, pronto, já chegamos naquilo que se costuma chamar de poética, estética, estilo. Tudo porque o confronto é a matriz, não há distinção, personalização, voz própria, fora do confronto. Acho que no Brasil se tem uma leitura inversa da coisa. MS Em algum momento você se ressente de estar no Nordeste do Brasil? Acha que a sua produção e atuação seriam mais valorizadas e facilitadas caso estivesse no eixo Rio-São Paulo, publicado por grandes editoras? FM Mas eu não estou em Nordeste algum. Nem o Nordeste. Tampouco ando em busca de cargos. Tenho plena mobilidade para mudar de residência quando houver motivo que o valha. E não me ressinto de nada, querido. Toco em tais temas apenas em atenção à tua curiosidade. O Nordeste, no Brasil, deu sempre ao país a sua melhor literatura, assim como a música e a plástica. Mas é uma tolice dividir o país dessa maneira. O país foi rico em duas fundamentais circunstâncias de sua história graças a Pernambuco e Minas Gerais. Nos dois momentos fomos sugados até a alma. Não sabemos manter o que é nosso porque não sabemos com exatidão o que é nosso. Há uma espécie de impregnação colonial que não nos permite destronar fantasmas. Toda vez que a imprensa toca em China e Índia, ao lado do Brasil, como sociedades emergentes, eu penso que não é a experiência milenar dos dois outros países, sua essência cultural, mas sim o aprendizado de uma estratégia econômica, de política econômica, de determinação social, longe, muito longe, do que se poderia aceitar ou entronizar no Brasil. É quando mais gosto de meu país. Quando intuo |7
que jamais se converterá em Índia ou China. Por outro lado, não sei qual mérito nos faça tão felizes em copiar certos paradigmas franceses e estadunidenses até hoje. Rateio regionalista hoje no Brasil é suicídio de uma sociedade. Não temos no Brasil um problema cultural, no sentido literário ou musical, por exemplo, mas antes um desastre social. Agravado enormemente porque ninguém chama para si a responsabilidade sobre o tema. Caminho pelas ruas de Sidney, de onde te escrevo, vejo os mínimos cuidados, já incorporados ao cotidiano da cidade, no que diz respeito à infraestrutura urbana em geral. Fecho os olhos, recordo meu país, e sinto o quanto permanecemos na idade das trevas. Observo o tratamento dado a um acidente como o dilema das enchentes em Queensland, inesperado como não se pode assim chamar os deslizamentos no Rio de Janeiro ou o aguaceiro em New Orleans. De que nos serve recordar aqui o quanto que o Congresso Nacional, no Brasil, enriqueceu às custas de liberações de verba para um Nordeste que jamais se beneficiou delas? Como superar uma sociedade baseada no cinismo? MS A relação autor/leitor vem sendo substituída de maneira contumaz pela relação produtor/consumidor. Você mesmo chegou a afirmar que “o grande drama da criação hoje está na circulação e não na produção”. Quais as implicações disso para quem busca na literatura algo mais que um produto feito para atender um perfil consumidor? FM Mas a quem importa o tipo que busca encontrar a si mesmo numa prateleira de livraria? Haverá salvação para esse tipo de leitor? Não ria. O que eu indago é se a minha preocupação deve ser com esse cúmplice disfarçado de vítima. Acho que há duas relações aqui que precisam ser aclaradas. De um lado há o fabricante, industrialmente um produtor, a peça de mercado, que faz com que o disco, o livro, qualquer coisa que traga ainda certo cheiro de arte, circule de mão em mão. Outro figurante é o Estado, aquela fantasmagoria que em nossos países costumamos chamar de política cultural, absolutamente inexistente. Tudo estaria perfeito se houvesse o que agendar, seja para proteção ou produção. Na prática, na velha e boa prática, qualquer canção é pensada no sentido de atender à delineação dessa dupla, mercado/Estado. Usei a canção por ser o exemplo mais popular em termos de circulação artística. Imagine a situação referente a um poema ou uma escultura. Evidente que a arte não foi destruída pelo Estado ou pelo mercado. Mas em um país chamado Brasil, onde a cultura não se realiza senão como uma expressão espontânea e invariavelmente basbaque diante do próprio espelho – porque aqui somos todos geniais antes mesmo de sê-lo –, uff, aqui tudo nos leva a uma piada que se contava no bairro carioca em que vivia o compositor Cazuza, ele sempre encharcado de si mesmo – um bêbado que aparecia em um daqueles bares do chamado Baixo Gávea e dizia: “…mas se o Cazuza é chamado de gênio, o que dizer do Beethoven?!” Evidente que é outra a leitura que se entende acerca de influências e graus de potência estética entre gerações, países etc. O que interessa aqui é a percepção de nossa pressa em considerar alguém gênio, senhor dos anéis ou de outras propriedades. Em um lugar assim, querido, o leitor será sempre vítima. Não te esqueças que tem crescido muito a produção de pérolas com base no cativeiro de ostras. A metonímia é a ciência dos tolos. O mundo é uma grande caixa de ressonância metafórica. MS Quais as alternativas atuais para a circulação da poesia de qualidade? Existe mercado para a poesia? FM Jamais existiu. Nunca, nunca. Não sei qual a curiosidade em torno. Essa preocupação de poetas de se tornarem cantores de rock ou atores de cinema. Até hoje não houve poeta brasileiro ocasionalmente mais famoso que J. G. de Araújo Jorge. |8
Não sei se era lido, e até prefiro que o pobre seja um desses casos de autores como Pablo Neruda e Umberto Eco, que encontramos em estantes de sala em casas de uma ponta a outra do interior do país e se trocamos duas palavras com o dono da casa ele não faz a menor ideia do que há ali no interior daqueles livros. Talvez a confusão esteja na relação conceitual entre circulação e mercado. Mercado para poesia não existe. O pior poeta que alguém possa sugerir não vende o que lhe valha no bolso o aluguel de um veleiro em um final de semana no Caribe. Os orgulhosos melhores poetas costumam achar que somente os piores vendem algo. Ninguém sabe, em geral, de onde vêm os recursos que sustentam a vida de um artista. Adoro a debandada de maus poetas para o céu da narrativa, eles vão ali em busca de sucesso e glória, a alma encharcada de pedrinhas de luz. Como um leitor, sempre hipotético, pode se beneficiar diante dessa troca contingencial de partido nas artes? Mas o mercado, ah o mercado! Sempre foi o mercado das almas. Não importa o que se compra e vende e troca, mas sim o espírito da transação. Não há distinção entre venda de livro e analgésico, disco e brinquedo a pilha. Quando nos sentimos frustrados, traídos, esquecidos. Quando nos projetamos nos filhos. Quando tudo na vida equivale a um livro não editado. Aí está o mercado nos comendo por dentro. Viver é outra coisa. Criar é outra coisa. MS Você enveredou pela narrativa com a novela Sobras de Deus (Edições Nephelibata, 2010), um texto visceral e de inegável qualidade. Porque só agora a prosa narrativa? Considerando que você já afirmou em inúmeros lugares que é “essencialmente poeta”, qual o sentido da obra na sua trajetória criativa? É autobiográfico? FM Isso do autobiográfico sempre me lembra tolice igual que é o culto do “baseado em fatos reais” que observamos no cinema. Soa ridículo ao menos imaginar essa tarja em filmes de Akira Kurosawa, Federico Fellini ou Clint Eastwood. A pergunta é: o que importa? Se a imaginação, o sonho, a memória, o delírio, são partes do que eu sou, então tudo em mim é autobiográfico. E tudo o que crio tem por base o fato real, tangível ou não. Este livro é uma espécie de saga familiar. Ali estão pais, tios, avós, primos, enriquecidos em sua personalidade, alguns mesclados entre si, mais ou menos decalcados do que se chama realidade. Certos personagens na família por acaso permitiam a conversão graciosa em ficção. Mas veja bem: o que chamas de prosa narrativa está presente em boa parte de minha poesia, assim como o drama teatral, a crônica policial, as anotações reflexivas. A diferença é que em essência o olho com que observo o mundo é o da poesia, o que quer dizer que não me importa a análise e sim a comunhão. MS Uma característica sua é a disposição para o diálogo, inclusive no campo da poesia, compondo poemas a quatro mãos. Como tem sido a experiência de compartilhar esse momento normalmente tão solitário como é a escritura literária? FM Suponho que se eu fosse músico ninguém me faria tal pergunta. Creio que a criação em si vale tanto pelo resultado, apresentado na forma de uma obra, quanto pelas forças que move para alimentar-se. Compartilhar a intimidade com alguém é entregar-se ao mundo, não somente habitar, mas deixar-se habitar. Não entendo como o poeta pode aceitar a sua solidão como dilema ou castigo. Jamais observei o tema por tal ângulo. Quando não estou criando é quando mais me sinto só. A solidão tem, portanto, outra composição para mim. Tenho escrito poemas, letras de canções e até mesmo ensaios – a quatro mãos. São originalmente improvisos, como se fôssemos músicos de jazz ou praticantes de um daqueles jogos surrealistas. Isto ajuda a reforçar o sentido estético de cada um, enriquece a pessoa e até mesmo o léxico, recorda que não estamos sós no mundo, aprimora a extração cósmica da criação em si. Um homem pode viver isolado do mundo e ser quem melhor lhe |9
compreende. O inverso, caso comum de trânsito, tem resultado em inumeráveis desastres históricos. Em geral nos divertimos nos cinema ou na televisão com a vulnerabilidade das sociedades humanas. Rimos e dormimos para amanhã acordar bem cedo, levar o filho à escola, a mulher ao emprego e seguir participando dessa mesma vulnerabilidade. Eu não vejo nenhum sentido nisto. Assim como procuro uma mulher que divida meu dia com as coisas mais entranháveis, que se divirta comigo a tatear o mundo, eu vivo a propor a mesma relação amorosa a outros artistas. Busco gente com quem escrever poemas, compor músicas, pintar, rascunhar, tomar cerveja, matutar sobre a existência. Não vou, afinal, levar essa vida toda que tenho dentro de mim para o túmulo. MS Em 2008 apareceu Brincos do Mar e o Infinito, CD com canções suas em parceria com Mário Montaut e Ana Lee. O projeto terá continuação? Uma curiosidade: você faz distinção entre letra e poema? Sabe de cara quando está escrevendo para o livro ou para a canção, ou isso se dá depois? FM A criação adora confundir o criador. Venho escrevendo um livro com um poeta mexicano dedicado a músicos de jazz, série de poemas que são diálogos intimistas com músicos e compositores de nossa preferência. Outro dia me sentei para escrever o poema que seria meu diálogo com Louis Armstrong. Havia rascunhado algo que teimosamente não avançava, quando então me surge a lembrança de Alberta Hunter com aquele seu olhar traquino de quem havia descoberto o soro da imortalidade. Poucos minutos depois estava escrito o poema a ela dedicado. Fui traído pela intenção. A poesia salvou a si mesma. Com isto quero dizer que se já me sentei para escrever um poema e saiu uma letra de canção ou vice-versa, é detalhe que nunca vem ao caso. Evidente que há uma distinção entre o poema e a letra de canção, o que não impede que alguns poemas sejam musicados – basta pensar na tradição dos lied na música erudita – ou que muitas letras deem a impressão de não caberem na melodia quando as escutamos. Em geral, há dois tipos de poetas: os que fogem da métrica e da rima como o diabo da cruz e aqueles que não sabem viver sem pelo menos um desses artifícios. Junte-se a isto o fato de que, ocasionalmente, os letristas de canção podem alcançar, mais do que fama propriamente, uma conta bancária mais sorridente que a dos poetas, e eis o alvoroço: poetas detestam letristas de canção (risos). Quanto ao disco que fizemos, Mário Montaut, Ana Lee e eu, não, não chegamos a pensar, os três, em gravar outro disco. Continuo compondo com um e outro. Este encontro com ambos me reanimou a voltar a pensar na criação de letras de canção, algo que sempre me apaixonou e a que raramente me dediquei. Tenho em curso a ideia de gravação de um disco reunindo canções que fiz com oito parceiros. MS Vários músicos e compositores são citados em seus poemas e entrevistas. Vê relação entre a música que você escuta e o ritmo e sonoridade de seus versos? Você se considera um poeta mais ligado ao som ou ao sentido? FM Jamais pensaria em separá-los. A música entrou em minha vida primeiro do que qualquer outra expressão artística, porque meus pais ouviam muita música em casa e música distinta entre si. Eu convivi muito pouco com meus pais em um primeiro momento. Eu ficava mais na casa da minha avó materna e ali não havia nada de música, mas sim umas telas curiosas na parede, umas naturezas mortas em que peixes e frutas bailavam de uma maneira fascinante para mim. Quando comecei a fazer colagens, essa época na casa de minha avó aflorou de tal maneira que me pus a cortar e colar, em minúcias, o que anos depois reconheceria como uma influência mágica das naturezas mortas belgas e holandesas do século XVIII. É interessante observar que não cheguei ali, naquela técnica, por influência surrealista, mas sim | 10
por um desdobramento espontâneo de quando ainda tinha algo em torno de 6 anos, em que recortava figuras das páginas de gibis para lhes dar movimento. Diabos, Márcio, vou te contar umas coisas aqui sobre música. Dois discos me desorbitaram de uma maneira até hoje determinantes em minha poesia: Filmore East (1971), do Mothers of Invention e A música livre de Hermeto Pascoal (1973). Não havia mais rock ou jazz propriamente em nenhum dos dois casos. Zappa e Hermeto haviam ousado na intromissão de uma linguagem em outra. Impossível contar com uma dose tão radical de alquimia. Era tudo o que eu precisava para sacramentar minha intuição em torno da mestiçagem na criação. A vida é um entrecortado infinito de relações. Eu faço versos com a vida inteira. Não estou fora de nada. MS Sei que você é leitor de comics e aprecia quadrinhos, inclusive já tendo chamado atenção pra influência deles na sua criação. Como se dá a relação entre a literatura que você produz e os quadrinhos? Que aspectos você transpõe de um formato para o outro? FM Quando criança eu lia os clássicos da literatura mundial adaptados para fotonovelas. Foram, de alguma maneira, meus primeiros gibis. Casos como Os irmãos Karamazov, O Conde de Monte Cristo, O morro dos ventos uivantes, As viagens de Guliver, eu lia o romance e sua adaptação para fotonovela. E logo algumas adaptações para telenovelas, como no caso de O médico e o monstro. A sugestão do traço, principal fonte de dinâmica da narrativa, nos gibis. A imagem em movimento, no caso da adaptação cinematográfica. O efeito cenográfico no ambiente teatral. A descrição, cortes, detalhes, mas sempre a palavra presente, ainda que sejam mudos todos os personagens, na literatura. Quando escrevo não posso passar sem as palavras. O que faço é aprender com outras linguagens como ser mais sutil e expressivo em cada passagem de um poema. Mas algo em mim me leva também a pensar em fotos, maquetes, vídeos, cenografia, canções, e quando estou desfrutando a obra alheia sempre faço anotações de memória de aspectos que me permitam – um dia, um dia – realizar a soma de estruturas, estilos, argumentos, que busco. MS Em vários lugares você tem denunciado o que chama de “provincianismo” da literatura brasileira. Em que consistiria esse provincianismo? Sob quais aspectos podemos vê-lo manifestado? FM Será mais fácil buscar uns poucos lugares em que ele não se manifeste. E não é a literatura, pois aqui o plano é de ordem cultural. O que é curioso é que a literatura seja uma expressão desse provincianismo e não uma recusa ao mesmo. Há algo velado no país que é fazer a crítica de si mesmo. O país não está aberto a um diálogo de observações sobre seus erros e acertos. Cada bloco que consideramos como capítulo de nossa história é lacrado e não se pode voltar a ele para apontar suas falhas. Não é que haja um decreto em tal direção, mas sim que agimos como se houvesse. A velha distinção entre lei e ordem. Aqui a história é a lei. E a lei naturalmente é escrita por um grupo de gente que zomba da ordem. Trato metaforicamente do assunto, eu sei. Há pouca conversa sobre a constituição de uma sociedade essencialmente mestiça como a brasileira. Poucos fazem ideia do que houve com a drástica redução do componente indígena. Menos ainda do imenso componente negro, a fatura angolana que nos foi passada e que evidencia mais intimidade entre as duas culturas do que se possa sonhar ou aceitar atualmente. A equação básica que resultou no preocupante traçado urbano das capitais brasileiras com um regime social curiosamente definido a partir das favelas, onde ao Estado falta apenas admitir que perdeu o controle dessa zona de guerra. Diabos. Adiamos essa discussão eternamente. A literatura não é reflexo de uma sociedade. Espera-se um | 11
pouco mais de um escritor. Podemos separar a filmografia do Woody Allen, por exemplo, em duas instâncias: a sátira e a crônica. Hoje, que faz apenas a crônica, indagamos, qualquer um admirador seu fora dos Estados Unidos: de que valeu tanta sátira? O que deve uma sociedade à seu artista tem um papel idêntico ao que lhe deve ele. Voltamos ao Brasil? MS O catolicismo, religião dominante no Brasil, sempre foi um elemento de base na formação das nossas elites intelectuais. Em alguns lugares você tem se referido a esse fator de maneira bastante desfavorável. Quais as consequências disso na nossa produção literária? Onde se encaixam aí os casos de católicos anárquicos como Murilo Mendes e Jorge de Lima? FM Não se trata de prejuízo literário. Tampouco é uma questão de alimentar vitimário. Não gosto da ideia de Murilo Mendes e Jorge de Lima serem postos como incompreendidos por um tipo de intelectual que até hoje cisca em um galinheiro muito apropriado. Não. Foram evidências de uma condição medíocre de nossa cultura, da sujeição aos ditames de capelinhas arregimentadas por gente como Tristão de Athayde e Mário de Andrade, sem falar na leitura equívoca em relação a ambos da parte de um crítico como Wilson Martins e em uma corja irrepreensível de signatários que fez voto de fé de toda modalidade de autismo em nossa cultura, igreja onde comungam concretistas e demais insalubres vozeiros das vanguardas póstudo (termo tão pomposo quanto inócuo). Interessante observar é que catolicismo atualmente foi devorado por esse ecumenismo rock’n’roll às avessas, e ninguém encontra mais motivo para contestar os argumentos tornados históricos. Resta como preocupação real o que não entra na seara de interesses de nenhum escritor neste país: qual literatura brasileira ensinamos às nossas crianças? MS Você tem feito uma crítica forte ao que chama “caráter trocadilhesco” da cultura brasileira, apontando inclusive fatores antropológicos para isso. Podia delinear melhor essa ideia? FM Sociedades burocráticas adoram siglas. Sociedades que não se levam a sério adoram trocadilhos. O Brasil é uma mescla curiosa das duas coisas. Quando criança ouvia dizer que IAPC significava Isto Ainda Pode Cair. São inúmeras as siglas de órgãos públicos que foram convertidas em pilhéria. A veia dos poemas-piadas surgidas no Modernismo foi a artéria mais concorrida de nosso imaginário poético, com adeptos de toda ordem – basta pensar em José Paulo Paes e Paulo Leminski – e um extenso monturo de livros. Veja o exemplo do humor produzido para a televisão. O recurso ao duplo sentido, se recordarmos personagens clássicos de Chico Anysio, enriquecia a leitura dos mesmos: a linguagem criava um jogo de ambiguidade que a tornava mais sedutora. A piada tornou-se hoje um recurso apelativo do leviano e do execrável, curiosamente em uma sociedade em que tudo é leviano e execrável. Os poetas-piadas dos anos 70 são hoje os redatores dos programas de humor da televisão. Este é o espírito. E sempre que alguém toca no tema surge alguém a recordar aquela bobagem do Brasil não ser um país sério. Ou ainda pior: a interpretação de que a voz crítica é a de um ressentido que por uma razão ou outra não participa do rateio. Nisto o país é seríssimo. MS Você menciona o Octavio Paz e o Milan Kundera como ensaístas de sua predileção e leitura. O Octavio Paz é uma quase unanimidade, enquanto o Kundera é mais conhecido por seus romances, alguns inclusive alvos de críticas negativas. Como foi a descoberta desses autores? O que te interessa especificamente na obra ensaística de cada um? Vê relação entre elas? | 12
FM Vamos devagar que o andor é de barro, segundo reza a ladainha popular. A minha predileção em relação a ambos diz respeito a temas. O mexicano tratou da poesia com a mesma paixão reveladora que o checo tratou da narrativa. São exemplares neste sentido. Vamos começar pela tua observação de que um seja “mais conhecido” que o outro pela criação. Kundera não existia no Brasil antes da adaptação de um romance seu para o cinema. Seu caso lembra um pouco o de Italo Calvino, não pelo cinema. Uma súbita descoberta gerou um frisson que fez com que inúmeros livros fossem publicados no Brasil. Passada a temporada, os mesmos títulos se acumulavam em prateleiras de remarcados. Já o que se passou com Octavio Paz foi mais aparentado do ambiente cult. As péssimas traduções de seus dois livros mais difundidos entre nós, El arco y la lira e Los hijos del limo são bons fundamentos para o aprendiz de feiticeiro que se interesse pela poesia. Sua poesia é menos fascinante que a trama analógica do ensaio. Mesmo quando se identifica com a mitologia indiana – pelos anos que ali vive –, o que se percebe é que a ideia da vacuidade já estava presente em sua poesia, em sua visão de mundo. Este é seu mistério, sua fonte inesgotável de metáforas. Sob este prisma observa não só a poética, mas também a política, em todos os seus ensaios. Sua leitura da poesia que lhe é contemporânea é ambígua, quando menos, trate dos pares mexicanos ou hispano-americanos. A visão crítica da narrativa em Milan Kundera é menos caprichosa. Contrapõe personagens, verifica tensões na construção de ambientes que circulam da arquitetura da linguagem à linguagem da arquitetura em romances fundamentais para a história do gênero no ocidente. Há uma grande riqueza em sua observação de paralelismos entre as estruturas narrativas no romance e na música erudita. Este foi um aspecto que me fascinou bastante. Não entro no mérito das críticas negativas acerca dos romances de Kundera. O português Saramago é frígido em sua narrativa. O italiano Umberto Eco é algébrico. Kundera possui um grau de economia de linguagem que o tornaria melhor aluno de Calvino em uma de suas aulas, se fosse o caso. Calvino, no entanto, era latino, e jamais conseguiu ser tão econômico na linguagem quanto Kundera. Eu não teria a menor dúvida em incluir o autor de A insustentável leveza do ser entre os grandes romancistas europeus do século XX. Ao mesmo tempo, caso incluísse a Octavio Paz entre os grandes poetas americanos do mesmo período, não o faria sem antes me referir a aspectos renovadores e relevantes na poética de muitos de seus pares. MS Sua poesia tem uma forte relação com as artes plásticas, expressando-se inclusive por meio de colagens. Como você dimensiona a distinção entre os dois mundos? Se tocam, se afastam, se interpenetram? Poemas inspiram colagens, colagens te impelem ao poema? Ou a coisa se dá de maneira mais indireta? FM A grande ponte é a imagem. Não estou muito de acordo em relação ao termo “colagem”. Sob dois aspectos. Houve um tempo em que fiz colagens, no termo clássico: tesoura, cola, matrizes, descoberta de outro mundo a partir de aproximações de elementos díspares. Logo passei a tratar com os recortes cada vez mais minúsculos, que remetem à minha infância, seja pelos catálogos de naturezas mortas que havia na casa de meu pai como também pelo fato de que eu gostava de recortar as figuras dos gibis para manuseá-las tridimensionalmente, claro, com a força imaginativa da infância. Passei então a usar a fotografia no sentido de criar ângulos, formas, sombras, que pudesse eu mesmo recortar para o exercício ainda convencional da colagem. A utilização mais íntima da fotografia me levou a deixar de lado a colagem e passar a lidar com a sobreposição. Acho que até do ponto de vista amoroso, a sobreposição é mais sugestiva que a colagem. Já não se trata de provocação, mas sim de realização. Alquimia. A escritura de um poema não pode ser vista como aquela coisa simplória de um papel em branco, um lápis e um devaneio qualquer na cabeça. Todos nós escrevemos poemas assim. Ali está ele. Não | 13
importa de onde veio. Até hoje não se sabe com certeza que importância possa ter isto na vida. Vivemos em sociedades cada vez mais distantes da poesia, do mundo de descoberta, fascinação e equilíbrio de diversidades que ela inspira. Qualquer jovem poeta evita indagar a si mesmo por que rabisca aquelas imagens. Diante de um prato novo que alguém sugere em um restaurante, olhamos e o interpretamos de maneiras diferentes: uns com o olfato, outros com a visão, poucos se atrevem a provar antes de uma informação mínima e da aprovação de algum desses sentidos. Os meus seis sentidos desconhecem qualquer fator hierárquico. Nem pensemos no leitor. Como um poeta reage diante da poesia, distante da sua, de outro que lhe é contemporâneo? MS O começo da busca saiu em 2002. De lá para cá muita coisa aconteceu. Como você avalia a trajetória do livro até agora? Avançamos algo com relação ao diálogo com os países hispano-americanos e suas literaturas? FM Mas este não é um livro dedicado ao diálogo com as literaturas hispanoamericanas e sim tocado pela necessidade de se criar um ambiente de leitura e discussão da presença do surrealismo nessa parte do continente americano. Evidente que ali também nos chama a atenção a absurda ausência de conhecimento, da parte brasileira, em relação ao que se passa na fatia majoritária da América. Mas chama essencialmente a atenção para a falta de conexão intercontinental, pois o livro, embora tendo sido publicado no Brasil, não se limita aos problemas fronteiriços internos. Trata do preconceito dirigido contra o surrealismo. Somos uma sociedade com 200 milhões de habitantes. O livro teve uma tiragem de 1.000 exemplares. A editora o deu por esgotada. Saíram resenhas em alguns importantes veículos de imprensa, incluindo algumas entrevistas que me foram feitas, para revistas, jornais, rádio e televisão, no Brasil e em alguns países hispano-americanos. Tudo até muito bonito e surpreendente. Mas evidente que é uma trajetória ineficiente. Escolha ao acaso algum poeta brasileiro e indague a ele sobre poetas hispanoamericanos fora do circuito das circunstâncias. As quatro primeiras décadas do século passado viram nascer, na América Hispânica, algumas vozes fundamentais e que certamente teriam impedido o nascimento ou ajudado a sepultar certa frivolidade da lírica brasileira. O sentido inverso também teria algum valor, e livraríamos a lírica hispano-americana de certa adiposidade metafórica. Body and soul. O que torna esta uma belíssima canção é o espírito do conectivo. É isto o que falta entre nós. MS Seu mais recente trabalho na área da ensaística literária chama-se Um pouco mais de surrealismo não causará dano algum à realidade e deve ser publicado em 2011 no México e na Venezuela. Que nova abordagem o livro traz ao assunto? Como está organizado? Fale um pouco sobre ele. FM O livro foi originalmente preparado como parte do programa de um seminário que dei na Universidade de Cincinnati (Ohio, Estados Unidos). O seminário foi um pouco mais abrangente, porque tratava também da plástica e do surrealismo na Europa. Resolvi dar a ele uma espécie de leitura final, de minha parte, em relação ao tema, especificamente no que diz respeito ao continente americano. O tema não tem fim se nos dedicamos a considerar as tolices escritas a respeito. A pior delas é justamente a que não entende a distinção entre dois mundos que separa Europa e América. Observa o entendimento do poeta inglês, A. Alvarez: “Embora as polêmicas e teorias surrealistas fossem consistentemente mais extremadas do que a sua prática, que muitas vezes era apenas decorativa, o surrealismo, ainda assim, mudou a maneira pela qual o mundo é percebido”. Agora olha um outro poeta, o mexicano José Emilio Pacheco, o que ele diz: “o surrealismo não foi adotado como | 14
uma tendência exclusiva pelos jovens que então o descobriram, mas sim como um elemento natural e imprescindível na visão das coisas e na retórica do ofício que estão na base dos livros que fizeram a literatura mexicana dos anos 60”. A combinatória dessas duas visões já nos insulta a escrever outro livro. Pacheco parece querer do surrealismo o que ele jamais poderia dar. A crítica feita por Alvarez jamais poderia se aplicar ao surrealismo na América (naturalmente não cabe aqui falar nos equívocos de toda ortodoxia). Que tolice falar em “tendência exclusiva” ou “elemento natural” quando o tema essencial é a criação artística. O surrealismo na América é imperativamente uma poética. E neste sentido trouxe à lírica de cada país enriquecimento que ainda está por merecer uma leitura limpa. Vejamos agora o que disse o argentino Ernesto Sábato: “Era necessário o terrorismo dos surrealistas para empreender qualquer empresa de reconstrução”. Não havia necessidade de reconstruir algo na América nos anos 20, século XX. Quando atingimos o ponto da reconstrução, quatro décadas depois, o “terrorismo” dos anos 60, o surrealismo já então era interpretado como fora de área, zona vencida pelo tempo. O que faço em meu livro é tentar mostrar um mapa sem preconceito de duas formas de identificação americana com o surrealismo. A relação entre magia e cartesianismo, como a encontramos na lírica americana, por exemplo, é impensável sob a ótica europeia. O que é mito para uma cultura é mera bugiganga para outra. Interpretar o surrealismo por essa ótica é o mesmo que explicar o mundo unicamente pelo relato do escrivão de frota dos conquistadores.
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1989 | A poética do paradoxo
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Registram nos últimos anos os principais suplementos literários do país, já agora em Portugal e praticamente em toda a América Latina, a presença constante e consistente de Floriano Martins, poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico, enfim, na feliz expressão de Uílcon Pereira, uma “ilha de produção”. Nascido no Ceará, em 1957, após passagem por São Paulo, Floriano vive hoje em Fortaleza, onde curiosamente acabou encontrando sua melhor base logística, onde publica seus livros, irradia sua produção ensaística, traduz e edita seu próprio jornal literário, O Resto do Mundo, sempre com matéria inédita de nomes que fizeram a arte deste século, muitos até desconhecidos no País. [SC] SC Nossa história literária é marcada pelo fenômeno de contínua migração do artista norte/nordestino para os chamados grandes centros culturais. Em seu caso deu-se exatamente o contrário, pois se decidiu pelo isolamento no Ceará. O que o motivou? O eixo Rio/São Paulo está saturado? FM A condição básica do poeta é a do exílio. As mudanças, embora menos que o canto – onde o poeta melhor realiza suas viagens – também são essenciais. Nelas – levando em conta que quase sempre são forçadas – se fundem riqueza espiritual e sofrimento pessoal. Quando deixei São Paulo, vindo residir em Fortaleza (embora tenha nascido aqui, sinto-a cada vez mais distante de mim), o fiz movido, muito mais do que pela falência do mito migratório a que você se refere (mesmo concordando nisto que você chama de saturação), pela necessidade de uma nova mudança em minha vida. De uma maneira geral, residir em Fortaleza é o mesmo que em qualquer outra cidade brasileira (além de que vale notar que não sou exatamente o tipo de sujeito que mantém relações afetivas com esta ou aquela cidade – na verdade diria que sou um caramujo, ando sempre com a casa às costas), a diferença que a vida que levo aqui me permite maiores condições de dedicação à Literatura. Há também que acrescentar que tal residência proporcionou meu reencontro com o poeta-editor Lauro Maciel Jr., com quem tenho trabalhado, nos últimos três anos, na edição de livros e do jornal Resto do Mundo. SC Por seu exaustivo trabalho de pesquisa e revelação da poesia latinoamericana, pensa que é possível afirmar que a poesia brasileira esta defasada e estacionária em relação à de outros países, como o Peru o México e a Venezuela e outros menos conhecidos ainda? Em caso positivo, a que atribui tal fato? FM A diferença reside fundamentalmente no aspecto da leitura. Não nos esqueçamos: um escritor é fruto de suas leituras. De uma maneira geral o universo de leituras (principalmente relativo à poesia) do escritor brasileiro é limitado, restrito. Pior: viciado em suas limitações. Repleto de justificativas que vão da proliferante falta de edições à transferência, para o âmbito político, de certas circunstâncias de caráter unicamente estético. Se pensarmos em alguns poetas brasileiros, tais como Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Manoel de Barros, Francisco Carvalho, Santiago Naud, Sebastião Uchoa Leite, Sérgio Lima, sem nos determos em delineamentos geracionais, veremos que tais poetas são tão fundamentais como José Lezama Lima, Pablo Antônio Cuadra, Octávio Paz, Vicente Gerbasi, Gonzalos Rojas, Enrique
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Entrevista concedida a Sérgio Campos. Originalmente Publicada no SLMG – Suplemento Literário do Minas Gerais. Belo Horizonte, 07/10/1989.
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Molina, Javier Sologuren, José Emílio Pacheco, José Kozer, entre muitos outros. Contudo, não há fluxo entre a poesia brasileira e a dos países hispano-americanos. Os poetas, no geral, se desconheceram e se desconhecem entre si. A coisa se complica se pensarmos que sequer há trânsito livre entre a poesia que é feita unicamente nos limites territoriais deste imenso País. Apenas provoco a ira demente do leitor ao citar nomes do quais ele nunca ouviu falar (quando ouviu jamais leu um único verso). Vejamos um raciocínio corrente: se nossas livrarias não dispõem das edições da poesia de Murilo Mendes ou Jorge de Lima; se não lemos dois exemplos fundamentais de nossa poesia: Dimensão das Coisas (Edições UFC, Fortaleza, 1962), de Francisco Carvalho e Pedra Azteca (Ediciones Mester, México, 1985), de José Santiago Naud; se desconhecemos a obra ensaística de Sérgio Lima (qualquer julgamento crítico com um mínimo de decência a situaria ao lado da de Paz, Barthes, Sontag), por que então deveríamos conhecer nomes como Vicente Gerbasi, Javier Sologuren, José Kozer, entre outros? Raciocínio invalidade pelo fato de que conhecemos (há edições, o que pressupõe haver leitores) Hans Magnus Enzensberger e Bertold Brecht, embora não conheçamos Holderlin, Trakl, Benn, Celan. Lembremos que não há edições brasileiras de poesia de franceses como André Breton, e Antonin Artaud; italianos como Eugênio Montale e Pier Paolo Pasolini; britânicos como George Macbeth, Ian Hamilton e A. Alvarez; romenos como Lucian Blaga, Lon Barbu e Virgil Teodorescu; espanhóis como Jorge Guillén, José Maria Valverde e Luís Feria; portugueses como Alexandre O’Neill e Mario Cesariny de Vasconcelos; húngaros como Attila József e Lajos Kassák; etc. E note que todos esses autores (e a lista poderia crescer facilmente) são de importância capital para a poesia de seus países. Com relação ao modernismo hispano-americano, para um outro exemplo, desconhecemos a obra de todos eles: Rubén Dario, Amado Nervo, José Juan Tablada, José Martí, Ramón López Velarde, José Asunción Silva, José Maria Eguren, Leopoldo Lugones… Tamanho descalabro, Sérgio, é praticamente irrecuperável. Caberia a nós, poetas, estarmos promovendo a entrada de toda esta poesia em nosso País. Contudo, temos que reconhecer que somos muito poucos os que verdadeiramente estão envolvidos nesta tarefa de proporções arqueológicas. Os reflexos disto são o mimetismo reinante (em face de um modelo supostamente apresentado como o ideal, em função da falta de uma multiplicidade de leituras) e o consequente e constante retrocesso a estéticas vencidas. Por último, e creio que respondendo à sua pergunta, citaria o nome dos peruanos César Moro, Javier Sologuren, Carlos Germán Belli e Mirko Lauer; dos mexicanos Marco Antônio Montes de Oca, Eduardo Lizalde, Gerardo Deniz e José Emílio Pacheco; dos venezuelanos Juan Liscano, Rafael Cadenas, Alfredo Silva Estrada e Eugênio Montejo; todos poetas absolutamente fundamentais, cuja poesia, se relacionada com a brasileira (embora insista nas exceções: Francisco Carvalho, Santiago Naud, Sérgio Lima), evidencia o caráter estacionário e defasado desta última. Mas é preciso que se acrescente que o Brasil vem de muitas décadas em um franco processo de autodestruição, que abrange desde a precariedade de nosso sistema educacional até o fato de exportamos a quase totalidade daquilo que produzimos, passando pela atual desfuncionalidade de nossa recente Constituição e pelo tráfico de drogas e crianças. Elementar, portanto, que a Literatura também sofra tais danos, e que sua autoflagelação não tenha bases em um ceticismo radical, extremo. Creio que ironicamente o Brasil entrará na história (se é que um dia entrará) pelo extermínio da própria história, da noção de. SC O virtuosismo linguístico ou revelação irônica dos limites da linguagem (no dizer de Malcom Bradbury, falando de Joyce) justificaria uma poética cifrada pela incomunicabilidade? Ou pensa, como Eco, que nenhum escritor escreve para si próprio, mas para um leitor-modelo? Nesse caso, qual seria seu leitor arquetípico? | 17
FM Uma coisa não elimina a outra. Não acredito que se possa escrever com vistas a este ou aquele tipo de leitor (ainda mais se tratando de poesia, onde praticamente e cada dia mais escrevemos unicamente para poetas), e sim apenas escrever. A leitura (esse ritual canibalesco e que também implica revelação e comunhão) é uma consequência da escritura (no caso da poesia melhor diria uma eventualidade), e não seu fim. Escrever para um leitor-modelo (mesmo que esse leitor-modelo seja o próprio autor) é diagnosticar o fracasso da escritura poética. Não nos esqueçamos que a poesia não é somente um meio de expressão, mas também uma atividade do espírito. Conquista do maravilhoso, fonte de conhecimento, iluminação em estado puro, a poesia define-se afinal por uma verdadeira avidez pelo desconhecido, exaltação perene do assombro de viver. Por ser a mais intensa aventura do espírito humano, nela se definem amor e liberdade, fundem-se visível e invisível. Quanto à revelação irônica dos limites da linguagem, esta não implica incomunicabilidade. A poesia se comunica através da emoção e não da decifração lógica de seus códigos verbais. Há tanta emoção na leitura de Mallarmé e Girondo quanto na de Celan e Borges. A incomunicabilidade de um poema está evidentemente pautada pela sua incapacidade de desperta emoção em quem o lê. SC Com George Steiner, Rimbaud, Lautréamont e Marllamé, ao tentarem realçar o caráter fluido e provisório da língua, na realidade não teriam contribuído decisivamente para o declínio de sua força vital? Não terá a mídia reduzido a linguagem verbal a cacos e estereótipos para uma futura arqueologia do consumo? Seu verso “arrasto comigo os destroços daquilo que sigo dizendo” tem algo a ver com esse fato? FM Acaso entre os monturos de nossa civilização já não nos deparamos com o arquejo arqueozoico da arqueologia do consumo? Certamente que aí nada será encontrado além de um ovo dentro de outro ovo. Assim como os poetas, não podemos ser incriminados por termos socavado entre escombros à procura de uma nova língua. Vejamos uma digressão. Após perseguir por incontáveis eras a figura de um velho cujo rosto atormentado se instalara em seus sonhos, Zig-Muth, o bárbaro clone, finalmente o encontra e de imediato desperta de sua obsessão milenar pelo disparo de uma arma contra seu peito. Unkas recolhe, anos depois, a estranha confissão do velho que exterminara Zig-Muth: “somente no passado poderemos ser felizes”. Nos tais cacos e estereótipos a que você se refere talvez ironicamente resida a única possibilidade futura de comunicação da espécie humana. SC Sua poética se caracteriza pelas cosmogonias, grandes espaços em que você projeta seres fáticos (o bandido Boca Mole), fictos (o enigmático Barbus) ou da ficção tornada histórica (Unkas), tornados translúcidos por feixes metafóricos ininterruptos. Você concorda com essa acepção? Você habita o universo desses seres e suas épicas malditas? Comanda-os ou é por eles comandado? FM O ato de criação para mim está ligado ao mais intenso delírio da lucidez. Instante em que as imagens encarnam. Os seres que você fala eclodem sempre em um estado que se poderia chamar de visionário, em que eles próprios vão se fazendo, em que sou uma espécie de suget de suas emanações, que se irradiam a partir de imagens pipocando nas ruas, recortes de revistas, músicas que ouço dia adentro, moinho de carnes do amor, sangria desvairada da memória, leituras, cinema, conversas, insinuações, brechas no corpo-mundo que me habita. Desta maneira vieram a mim Boca Mole (um bandido que identifica o crime como a arte mais bela), Barbus (sim, o enigmativo “vagabundo cósmico” inominável, “alma do mundo”, o ocultado ser do discurso), Unkas (catador de lixos da linguagem, caçador de signos de| 18
compostos, último de uma raça, paródia de si mesmo), outros mais. Contudo, meus versos (e somente neles tais seres existem) são o foco central de minhas experiências. Através deles – intensificação de mitologias pessoais – investigo as coisas que me cercam. Lembro-me aqui de Barthes, ao concluir tão lucidamente que a função fundamental do discurso (poético) é “conceber o inconcebível”. SC A partir de seus versos: “em tudo o que somos é a perda que se afirma”, “o tempo é a única ruína absoluta”, “a felicidade implica um duro / aprendizado no sentido de se perder / coisas – de se desfazer delas”, pode-se falar de sua poética como uma poética da perda? FM Melhor diria: poética movida pelo paradoxo de que perda é ganho. O paradoxo na visão de Kierkegaard: o salto extremo (mortal) de uma margem a outra. Fluir e refluir constantes. Como se a origem do texto (corpo, mundo) fosse delineada por sua perda. Busca, e não encontro, [de] sua pedra de toque. Novamente em Barthes: “O eu que se aproxima do texto é já em si mesmo uma pluralidade de outros textos, de códigos infinitos, ou mais exatamente: perdidos (dos quais se perde a origem)…” Visão extrema do paradoxo: a poesia não pode ser lida pela primeira vez; somente admite releituras. SC Em certo ensaio, como nos conta, Sarduy se referiu à colmeia de metáforas de Góngora como a metáfora ao quadrado. Sendo ela a pedra angular de sua poesia, atribui-lhe natureza ôntica ou a utiliza como elemento psicológico de efeito encantatório? FM Notemos que em Góngora há um pleno domínio de significantes. Ali o som, a beleza e o esplendor formal apresentam-se como dominantes. Já em minha poesia o sentido tem o mesmo grau de importância que a forma, ambos se apresentam de maneira indissociável. No que diz respeito às metáforas, o que há com esses “feixes metafóricos ininterruptos” é um jogo de paisagens sequenciadas (de certa forma frustradas por ali não poderem ser simultâneas). Eu gostaria de dar a elas um nível tal de flexibilidade que pudessem ser lidas sem que esta ou aquela fosse pinçada por uma escala de valores. Todas aquelas peças que compõem a sinfonia-livro estão ali, sendo esta a única essencialidade delas. Lembro-me aqui de José Kozer, este imenso poeta cuja obra estou antologiando, ao dizer que não se sente escrevendo um livro de poemas e sim poemas, poemas, poemas. Quanto a mim, sintome exatamente ao contrário, sempre a escrever livros, o que confere portanto natureza ôntica a todos os meus versos. SC Partindo, apenas para ilustrar, dos exemplos de Valéry, Burroughs ou Sabato, e na condição de poeta, tradutor, ensaísta, artista plástico e homem de ideias, pensa que seja essencial a um escritor um completo profissionalismo, ou basta-lhe o atributo do talento? FM Lembro que professar que dizer confessar, e não creio que a arte esteja ligada a isto. Arte não é confissão pública de um ofício. Em meu caso específico: sou essencialmente poeta; e todas as demais atividades intelectuais que desenvolvo faço-o a partir deste dado fundamental. Traduzo primordialmente porque a tradução permite uma leitura em profundidade, conduz a uma plena identificação com o texto alheio (inclusive abolindo tal fronteira), intimidade mais intensa que a provocada pela simples leitura; meus ensaios (neste caso nos referimos mais às entrevistas, daí que prefiro chamá-los apenas escritos, anotações) são frutos de que criação e reflexão são operações convergentes, estreitam a máxima cumplicidade, de tal forma que não consigo vê-las dissociadas; e com relação às minhas collages, diria | 19
que elas estão mais ligadas à condição de poeta que de artista plástico. Não creio seja essencial a um escritor um completo profissionalismo nem que lhe baste o atributo do talento. O verdadeiro artista define-se por um obstinado rigor, que deve lhe acompanhar a vida inteira, sempre disposto a negar-lhe o direito à linearidade e a descobrir novas vozes dentro de si. Tenho sido autodidata em todos os sentidos, aprendizado solitário mas sereno em seu bojo, serenamente rigoroso. SC Tomando apenas como referência os conceitos de tradução/transcrição, ou “transcriação”, qual é, como tradutor, seu modelo operacional? A poesia é traduzível? FM Tradução implica transferência, o que sujeita o texto-fonte (em meu caso: o poema), no trajeto de uma a outra fronteira verbal, a um recolhimento de certas impurezas. Na lapidação de suas citações interiores temos que recorrer ao que se costuma chamar de recriação; e re-criar implica falsificar. Na misteriosa passagem de Serpii vin sa bea cenusa ta bolnava para as serpentes vêm beber tua cinza enferma, há tanto expansão como perda. Por um lado o verso do romeno Virgil Teodorescu multiplica o alcance de sua influência; por outro, sente estilhaçar-se a plenitude de seu ser. Esta inabalável ambiguidade caracteriza a operação tradutória. Lembro aqui que o poeta mexicano Eduardo Lizalde inclui em seu mais recente livro (Tabernarios y Eróticos) uma seção de traduções de poemas de Dante, Blake, Benn, Joyce, entre outros, a que acertadamente intitula Baixa Traição. Creio que não importa se a poesia é traduzível ou não, e sim que, ao traduzi-la, o prazer da linguagem reside exatamente em sua falsificação. SC Diz Beckett nas primeiras linhas de O Inominável “O que é preciso evitar, não sei porque, é o Espírito do Sistema” (grifo meu). Você adota uma estratégia peculiar para cumprir, ao mínimo necessário, a ritualística da sociedade burguesa? Que resultados obtém? FM Beckett também nos diz que “a busca do meio de fazer cessar as coisas, calar sua voz, é que permite ao discurso continuar”. Não posso deixar de lembrar que nossa crítica literária continua nos devendo um ensaio em que se estude as aproximações entre Beckett e Clarice Lispector. Após esta mínima digressão, creio que melhor responde à sua pergunta esta extensa citação do poeta colombiano Alvaro Mutis: “A poesia é um exercício para condenados. Os poetas transitam pela rua com o rosto e com os gestos dos demais transeuntes e só assim sobrevivem; porque se se vestissem com o traje de amianto e fósforo que lhes corresponde, as pessoas fugiriam a seu passo e o pavor reinaria ao seu redor como uma luminosa coroa justiceira. Os poetas entendem esta situação e aceitam a penosa carga deste mimetismo humilhante. Mas resta uma zona onde esta condição de vida assinalada pelos sete dedos da lucidez, da beleza, da ira, da intemporalidade, do sonho, da morte e do amor, é inocultável. Esta zona a constituem as palavras do poeta, sua visão e seu trato com os demais condenados”. Tenho tomado para mim estas palavras, desde o primeiro instante em que as li. SC Desde a adolescência me impressiona Truffaut ao dizes que um seu personagem, tendo levado um amigo ao aeroporto em noite de chuva, e sucumbido num desastre, morrera de GENTILEZA. Há semanas, lendo Hanna Arendt a propósito da fuga de Rosa Luxemburgo de Berlim, vejo que, entre outros, seu companheiro Jogiches negou-se a partir afirmando que “alguém tem que ficar para escrever todos os nossos epitáfios”. No mundo selvagem e perverso em que vivemos, o ser humano é uma espécie em extinção? | 20
FM O homem rompeu o mágico elo entre vida e morte. Estilhaçou os bagos da memória. Negociou sua alma como futuro. Usou a adaga de sua ignorância para cegar todos os espelhos. E agora vaga em pleno deserto urbano, assediado pela bárbara fantasmagoria de seus atos, atormentado pelos rombos em suas camadas de ternura, prazer e delírio. Em nome do progresso mais destruiu que ergueu. Guerras, abortos, confiscos, trapaças, atentados, têm sido seu manjar predileto por toda a eternidade. Contudo, o homem tem sido sempre uma espécie em extinção. Recupera-se aqui e ali. Entra em acordo com seus fantasmas. Oferta novos sacrifícios ao Deus-progresso. De maneira que não creio que esta seja nossa última descida aos infernos. SC De acordo com Baudelaire o poeta é o melhor dos críticos. Concorda em que a crítica de poesia deveria ser exercida unicamente por poetas? FM Entendo a crítica como acréscimo, jamais como supressão. Um exercício constante de averiguações em torno ao texto-fonte, exercício este que gera suplementos, ressonâncias, um caudal inesgotável de relações sugeridas/provocadas pela repetição. Porém, uma coisa é a crítica e outra o crítico. Já lhe disse que acho a critica uma atividade indissociável da criação, de maneira que é sempre preferível que ela seja exercida pelo escritor, principalmente no caso da poesia, em que só o poeta, como bem nos lembra Eliot, sabe que há sempre algo “que deve permanecer sem resposta, por mais completo que seja nosso conhecimento do poeta”. SC O que poderia dizer-nos sobre sua notável epígrafe: “O século XX não dará no XXI”. FM Duas coisas: que me é cada vez mais impressionante como sempre vivemos À sombra do mito da renascença: paralisados por um estado de transição permanente; e que prefiro que os poemas falem por si mesmos, com sua voz própria.
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1996 | A favor do contra
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Ele largou a escola aos 16 e nunca mais entrou em uma sala de aula. Independente por vocação, jamais colocou os pés numa universidade: estabeleceu para si próprio um rigoroso projeto de estudo, enquanto devorava toda a literatura que podia encontrar pela frente. Autodidata, o ensaísta, poeta e tradutor cearense Floriano Martins, 42 anos, tem hoje um generoso currículo de publicações nos principais países de língua hispânica. Colaborador sistemático de jornais e revistas literárias da Espanha e América Latina, Floriano diz construir seu nome à margem das “igrejinhas intelectuais cearenses”. Nesta entrevista ao Sábado, ele justifica sua fama de polemista e enfrenta a unanimidade de meio mundo das letras ao sol. [LN] LN Você sempre optou por uma carreira literária à margem das principais igrejinhas literárias cearenses. O que você lucrou, perdeu ou deixou de ganhar com este tipo de atitude? FM De uma maneira geral, não tenho nada a reclamar do meu isolamento em relação ao chamado status quo da literatura cearense. Esse “isolamento” foi necessário para a elaboração de dois projetos fundamentais: a definição de um projeto poético e, sobretudo, de um projeto ensaístico, que demandam um tempo enorme de trabalho e pesquisa. Além disso, minha natureza não é muito dada ao universo de festejos a que está vinculado o poder literário. O que me soa estranho é que, quando tento me posicionar a respeito de uma ou outra circunstância da literatura cearense contemporânea, sou considerado “o magoado”, “o ressentido”, “o resmungão”, “o provocador”. Mas eu mesmo busquei esse isolamento. Não me sinto alijado de coisa nenhuma. LN Foi justamente esse isolamento em relação ao meio literário local que o levou a buscar outros interlocutores, a travar esse dialogo com a literatura hispanoamericana, por exemplo? FM Se o objetivo fosse fugir daqui, seria muito mais fácil pra mim buscar o dialogo com a literatura francesa, inglesa ou norte-americana. Isso me facilitaria muito mais a vida. Mas fui mexer justamente com o universo mais obscuro de todos, o da literatura hispano-americana. Inquieta-me o fato de sermos absolutamente desconhecidos entre nós mesmos, apesar de estarmos todos dentro do mesmo continente e termos sido vítimas do mesmo processo histórico de colonização. LN Qual a importância da poesia latino-americana no quadro da literatura universal contemporânea? FM Seja nos EUA ou Europa, não há hoje exemplo de uma poesia tão renovada e reveladora quanto a hispano-americana. Tanto temática quanto estilisticamente ali se produziu uma multiplicidade de vozes que não encontra correspondência em nenhum outro círculo poético. E o pouco que conhecemos caiu nas mãos de péssimos tradutores ou teve uma leitura descontextualizada. Grave exemplo é o livro Pedra de Sol, do mexicano Octavio Paz, um dos marcos da poesia hispano-
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Entrevista concedida a Lira Neto. Originalmente publicada no suplemento Sábado, do jornal O Povo. Fortaleza, 30/03/1996.
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americana, que foi criminosamente depredado por um cidadão chamado Horácio Costa. LN Quando não são depredados são simplesmente ignorados… FM É inadmissível que não se encontre entre nós, por exemplo, a tradução da poesia de José Lezama Lima, embora se comente muito sobre o barroco hispanoamericano e até mesmo tenhamos inventado um tal de “neobarroco”. Haroldo de Campos acredita ter escrito o que chama de um “manifesto da estética neobarroca”. Ora, o barroco é a grande singularidade estética da poesia hispano-americana, desde sua origem. Uma linha que vem do barroco ao surrealismo – fortalecida pela supremacia da mestiçagem – define esta poesia de maneira notável e transcendente. Não há “neobarroco”, a não ser como limitação, como uma das formas de nossa obsessão escolástica. A poesia dispensa o “neobarroco”. Tal delimitação pertence à vila dos acadêmicos e à horda anêmica de subpoetas que tanto prolifera entre nós. LN Atualmente, o escritor Bruno Tolentino vem alimentando uma acirrada polêmica nas folhas dos principais jornais e revistas brasileiras, ao tentar dessacralizar algumas unanimidades intelectuais brasileiras. Você concorda com as teses de Tolentino? FM Tolentino não passa de uma estratégia autopromocional. É preciso ser ingênuo para não perceber isso. Bruno não tem absolutamente nada a apresentar em contrapartida ao que reclama. Seus dois livros de poesia, sobretudo o segundo, são lastimáveis. Mas o que interessa discutir neste episódio é o quanto Tolentino conseguiu perturbar o cenário intelectual brasileiro. Nisso, ele e suas polêmicas são saudáveis e trazem grande utilidade. Como quando, por exemplo, conseguiu provocar – ou revelar – uma atitude extremamente baixa de quem até então era um monstro sagrado, o senhor Augusto de Campos. Para responder às provocações de Tolentino, Augusto gerou um abaixo-assinado ridículo, com assinaturas de artistas e intelectuais a seu próprio favor. Isso, no máximo, só conseguiu mostrar o estado de indigência em que o fundador do Concretismo se encontra. Ou pouco mais que isso: revelou o estado da dependência intelectual brasileira em relação a nomes intocáveis. LN Recentemente, aqui mesmo no Sábado, você assinou uma resenha crítica pegando pesado na antologia Poesia Cearense no século XX. Em entrevista na semana passada ao Vida & Arte, o escritor Assis Brasil (organizador da antologia) rebateu de forma virulenta a resenha. Até que ponto seu artigo também não poderia ser considerado apenas uma “estratégia autopromocional”? Você está querendo ser o “Tolentino do Ceará”? FM Há uma delicada diferença. (Pausa longa). Do ponto de vista jornalístico, os dois fatos até não parecem diferentes. Mas são duas circunstâncias. Reclamei, de forma objetiva, da falta de idoneidade crítica, no preparo de uma obra que, de uma maneira ou de outra, define um perfil da literatura cearense. Já Tolentino é apenas uma personagem de quermesse, de gincana. Isso ficou claro desde o início, quando ele afirmou que traduzia melhor que Augusto de Campos. Ele não reclamou de alguém por ser mal tradutor, mas disputou qualidade de tradução. Se deu mal: apresentou ao público algo tão ruim como a tradução do Augusto. LN Como você classifica a reação de Assis Brasil à sua resenha?
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FM A reação de Assis Brasil foi infinitamente menor de que a de Augusto de Campos. No entanto, posso afirmar que as duas têm o mesmo princípio. Os dois são pessoas acostumadas a viver no Olimpo, cercadas de bajuladores, onde ninguém os questiona de nada. Ora, o mais importante para se manter o padrão de uma cultura é justamente o questionamento. Caso contrário, cultura vira cristalização. E isso não interessa a ninguém. LN Você tem preparada uma antologia de poetas latino-americanos, intitulada Mundo Mágico. Como antologista, que critérios adotaria para não cair nos “equívocos” de que acusa Assis Brasil? FM Toda antologia corre riscos. No fundo, livros desse tipo acabam caindo na tentação de se basear em critérios estritamente pessoais. Veja só: 75% dos poemas que Assis Brasil colocou na antologia são sonetos, sua preferência em poesia. Só a título de exemplo: ele representou minha obra com dois sonetos. E posso ser tudo na vida, menos sonetista. Outra falha visível: o desconhecimento de seu objeto de pesquisa. Colocou por exemplo José albano como parnasiano, tudo o que Albano não foi. Albano foi, na verdade, nosso único grande momento simbolista. Entenda: não reclamo dos equívocos naturais e comuns à maior parte dos antologistas. O que reclamo é do fato de Assis Brasil não ter definido criteriosamente o que estava avaliando. É como se ele não soubesse realmente do que estava falando. LN E quem entraria em sua lista de bons poetas cearenses? FM A poesia cearense começa pra valer com José Albano. Logo em seguida, há dois poetas que não podem ser esquecidos: Edigar de Alencar e Sidney Neto, embora não tenham a mesma dimensão que Albano. Mas creio ser indiscutível situar o Clã, na década de 40, como o ápice de nossa história literária, mais especificamente na poesia. Posterior ou simultaneamente a isso, nada mais, exceto as presenças isoladas de Gerardo Mello Mourão, Francisco Carvalho e José Alcides Pinto. LN Estes teriam livre conduto? FM Sim, mas cada um tem lá seus problemas. O carvalho repete-se muito, o que tem o peso de um grande desgaste na leitura conjunta de sua obra. Quanto ao Alcides, sempre padeceu de uma oscilação incrível. Mas acaso Drummond também não incorreu no desgaste da repetição, ao ponto de diluir-se por completo em seus últimos livros? Outro autor que também considero importante é Adriano Espínola, com seu Lote Clandestino. Um livro que se insurge, com sua linguagem cosmopolita e uma notável ironia, contra a estética do cangaço, contra essa obsessão cordelista, que impera em nossa poesia, cujo maior prejuízo foi haver adotado Patativa do Assaré como uma expressão poética nacional. A meu ver, o Adriano seria o único poeta de minha geração que se deveria citar. LN Você não considera extremada a afirmação de que não tenha surgido praticamente nada depois do Clã? Em seu artigo você afirmava, por exemplo, que não sobrou nada da Geração Siriará… FM Insisto na mesmíssima pergunta do artigo: o que deixou o tal Siriará, senão uma revista circunstancial em torno de uma reunião da SBPC, uma peça de teatro também montada em torno da mesma circunstância e, sobretudo, um manifesto que não se manifesta sobre nada? O que o Siriará deixou de obra para que alguém possa fazer sua defesa? Absolutamente nada. O Siriará foi outra circunstância autopromocional. Aquilo interessava a todos. É o mesmo caso do grupo SIN. Alguém | 24
me responda: o que a poesia de Horácio Dídimo ou de Roberto Pontes representa, pelo menos, no nível mínimo dos poetas municipais? LN No final do ano passado, uma antologia da poesia brasileira dos anos 60, organizada pelo cearense Pedro Lyra e publicada no Rio de Janeiro, também rendeu alguma polêmica, pelo menos nas páginas do Jornal do Brasil. Você conhece o livro? FM Essa antologia do Pedro Lyra peca na sua própria concepção, ao inventar uma geração que não existe. Certa vez, para justificar a existência de um cidadão chamado Carlos Nejar, a ensaísta Nelly Novaes Coelho referiu-se a uma suposta “Geração 60”. Essa coisa ganhou corpo e um bando de gente que não tinha onde se meter na história da literatura brasileira acabou tratando de arranjar seu lugarzinho nela. No grande prédio chamado Brasil – e sabe-se lá quem é o síndico disso – exige-se carteirinha e crachá de acesso para todo mundo. Inventam-se departamentos do nada, como essa tal “Geração 60”, que é o crachá que o Pedro Lyra arranjou para entrar na literatura brasileira. Ele inventou um andar inteiro no prédio para poder entrar. LN O que significa sua afirmação de que não existiu a “Geração 60”? FM A falha do Pedro é considerar que a poesia brasileira se tornou outra após o golpe de 64. Isso é uma piada. A nossa indigência cultural é muito anterior a 64. A gente vive querendo gancho para alguma coisa e o golpe foi o gancho que arranjamos para justificar a inação crônica da cultura brasileira. Recentemente, na revista da Academia Brasileira de Letras, Domingos Carvalho Silva faz referência ao fato de que não existe geração literária sem a presença de manifestos e inimigos literários. Assim, a Geração de 45 seria o último marco geracional da literatura brasileira, por mais que alguém possa se insurgir estilisticamente contra ela. Carvalho Silva está certo. O que põe por terra a tese de nosso Pedro Lyra. Uma tese acadêmica, que por sinal – é bom que se diga – só não foi reprovada na banca da UFRJ por uma simples questão de afeto. Ele passou raspando, com a menor nota permitida para aprovação. LN Você é um autodidata, que aos 16 anos abandonou a escola e nunca chegou à universidade… Você considera que por isso exista alguma lacuna na sua formação? FM Pelo contrário. Ora, o grande problema hoje é que a literatura foi tomada pela universidade. É isso que está gerando uma série de equívocos do que de fato seja a evolução poética no Brasil. Os acadêmicos estão criando uma leitura distorcida da realidade da literatura no Brasil. A universidade é prejudicial à poesia.
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1998 | A modernidade não é um caderno de receitas
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RSL Você acaba de lançar um livro de entrevistas com escritores latinoamericanos. Qual a importância de ouvir as vozes da poesia latino-americana? FM Trata-se de um livro de diálogos com poetas latino-americanos. Este é o primeiro registro em livro de um encontro assim tão amplo entre estes poetas. A maioria nem se conhece entre si, sobretudo os brasileiros. Nosso conhecimento da poesia hispano-americana é grosseiramente limitado. A razão de um diálogo não é exatamente a de se saber quem é o mais importante ou quem antecede quem neste ou aquele assunto. O diálogo radica justamente na troca de experiências. Trata-se tão-somente de ouvir o outro. Claro, esta audição implica sempre um sentido crítico. No caso da poesia latino-americana, creio que a importância maior de se ouvir essas vozes vem do fato de podermos descortinar um mundo até então desconhecido. Reunir, como fiz, 24 poetas de dez países em um mesmo lugar de encontro, cumpre o papel de apresentar ao leitor uma nova maneira de observar o fato poético na América Latina. A partir daí é possível entender que esta poesia não se limita àquelas circunstâncias mínimas equivocadamente delineadas pela crítica ou por nossa falta de programação editorial. RSL O que não pode faltar em uma entrevista? O que busca saber do entrevistado? FM Obviamente, uma comunicação fluida entre as duas partes que a compõem. Uma entrevista falha quando o entrevistador não possui uma carta de indagações ou quando o entrevistado desanda a esquivar-se a todo instante. Enfim, quando não há compromisso, de um lado ou de outro, com a integridade do diálogo. Evidente que há alguns casos de inexpressividade, mas não é disto que tratamos. De minha parte, entrevisto pessoas a partir de um plano de trabalho, de maneira que o que busco saber de um entrevistado é justamente sua relação intrínseca com o que faz. Também busco uma cumplicidade na tessitura de um texto final, de maneira que a entrevista (diálogo) resulte em uma espécie de ensaio a quatro mãos. RSL Quanto tempo levou para realizar este seu trabalho? Quais foram as maiores dificuldades? FM A publicação de Escritura Conquistada (Diálogos com Poetas Latinoamericanos) funciona como a primeira colheita de um largo plantio, que atravessa a contagem de uma década. Ali há entrevistas realizadas entre 1988 e 1996. Contudo, antes já realizara algumas outras não incluídas neste volume, assim como sigo preparando novas. A intenção central é a montagem de um vasto painel crítico em torno da poesia latino-americana em todo este século. Além das entrevistas, há o preparo paralelo de duas outras instâncias: uma Antologia da Poesia Hispanoamericana no Século XX e uma seleção de ensaios sobre esta mesma poesia. Claro, a partir daí surgem inevitáveis desdobramentos. Exemplo disto é o libreto Escrituras Surrealistas (O Começo da Busca) (Fund. Memorial da América Latina. São Paulo. 1998) – um ensaio sobre o surrealismo na América Hispânica. Quanto às dificuldades encontradas no preparo de Escritura Conquistada, naturalmente contei com
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Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão. Originalmente publicada na revista eletrônica Balacobaco, setembro de 1998. Disponível para consulta em: www.gargantadaserpente.com/entrevista/florianomartins.shtml.
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algumas inomináveis recusas por parte de poetas que não quiseram ser entrevistados. Além disto, lamento a morte prematura do excepcional poeta chileno Enrique Lihn (1929-1988), cuja entrevista seria algo indispensável para este livro. Contudo, sua grande dificuldade foi de natureza editorial. O livro passou por várias editoras, situação que me parece absurda, dada a indiscutível sugestibilidade do trabalho em si. RSL Como foi o processo de escolha dos entrevistados para o livro? FM Sendo um livro que vem a partir de um projeto mais amplo de difusão da poesia latino-americana, a seleção de autores entrevistados buscou tanto uma abrangência do maior número possível de países assim como destacar a importância desses poetas no universo literário de seu país. Em um primeiro momento, como já disse, reuni dez países. Agora estou trabalhando no complemento deste painel iniciado em Escritura Conquistada. Cabe aqui uma digressão interessante. Quando tive recentemente uma breve conversa com alunos e professores na UnB, um professor nicaragüense indagou-me por qual razão havia incluído no livro um “poeta de direita” como é o caso, segundo ele, de Pablo Antonio Cuadra. Disse-lhe da absoluta inconsistência de seu enfoque, uma vez que não relevo a política e sim a poética. Neste território sagrado é indiscutível a contribuição de Cuadra (1912), que renovou todo um cenário literário em seu país, seja na poesia, no teatro ou no ensaio. RSL Qual foi o entrevistado mais arredio? Teve alguma decepção? Um poeta ou escritor que se revelou aquém de suas expectativas intelectuais? FM A leitura do livro mostrará que os verdadeiros poetas não se furtam ao diálogo. Não há, portanto, nenhuma passagem em que se verifique uma postura arredia. Conversamos claramente sobre os diversos assuntos colocados em pauta. Tomei o cuidado de fazer com que, de alguma maneira, todos participássemos do livro como um todo. Neste sentido, teci uma extensa rede de citações, um entremeado de referências que iam ligando cada entrevista às demais, repetindo propositadamente algumas indagações, buscando um entrelaçamento das diversas opiniões, para que assim o livro tomasse uma consistência maior. Não houve, como indagas, decepção alguma. O livro está repleto de notáveis satisfações. O crítico espanhol Jorge Rodríguez Padrón me escreveu dizendo que tracei “um panorama da poesia menos habitual, e portanto da mais necessitada de leitura”, completando: “para que vejam os experts que nem tudo começa e acaba nos quatro de sempre”. Este feliz espaço de comunhão, por assim dizer, não teria mesmo como permitir a decepção. RSL Qual a diferença de uma entrevista por e-mail ou carta e a cara a cara? FM Não há diferença alguma. Tudo irá depender sempre da postura das duas partes envolvidas. Evidentemente que há sempre uma possibilidade de maior reflexão no texto escrito, ao contrário do imediatismo da resposta falada. Por outro lado, há aqueles que defendem que no primeiro caso se perde a espontaneidade. Não creio que o leitor sério esteja interessado apenas na espontaneidade de uma entrevista. A mim interessa sobretudo a reflexão que ela possa propiciar. Mas isto também se pode conseguir em uma entrevista ao vivo. RSL Os poetas têm espaço devido na mídia?
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FM Jamais terão. Há uma incompatibilidade clara entre a Poesia e toda forma de massificação de valores. Nem creio que seja exatamente a este tipo de situação que os poetas aspiram. Claro que tua pergunta indaga mais sobre o reconhecimento público do trabalho poético. Mesmo aí, quando observada melhor a circunstância em que se dão algumas evidências, compreendemos que sua raiz não é justamente a do reconhecimento, mas antes a do manejo hábil com a matéria em questão. De uma maneira geral, a mídia não pode mesmo esboçar reconhecimento algum pela Poesia. Nem mesmo é esta sua tarefa usual. A Poesia implica concentração, recolhimento, iluminação, ao passo que a mídia tem-se mostrado empenhada na dispersão e distorção de valores, ou seja, é mero obscurantismo. RSL Qual é o melhor caderno cultural brasileiro? FM Seria irresponsável uma resposta tão a seco, e nada traria de construtivo a essa discussão. Em um país imenso como o nosso, devemos observar também aqui com uma lente mais ampla. Há os jornais que circulam em todo o país, ao mesmo tempo em que aqueles de circulação restrita à região em que atuam. Entre eles muitos possuem suplementos culturais. Cada um a seu tempo, dentro das circunstâncias da empresa jornalística a que estão vinculados, buscam realizar um trabalho digno. Para não deixar de mencionar nomes, posso citar alguns destes suplementos: Pensar, do Correio Brasiliense (DF), Cultura, do Jornal da Tarde (SP), Prosa & Verso, de O Globo (RJ), A Tarde Cultural, de A Tarde (BA), Viver, do Diário de Pernambuco (PE), Sábado, de O Povo (CE). Não há importância alguma em se discutir qual seja o melhor. Antes importa assinalar que uma distorção conceitual entre cultura e entretenimento faz com que alguns suplementos culturais mais se pareçam com os chamados cadernos de variedades. RSL Quem é mais importante: o poeta Floriano ou o jornalista? FM Não existem essas duas figuras ou quaisquer outras. Sou essencialmente poeta. Não sou jornalista de profissão. O trabalho jornalístico (artigos, resenhas, entrevistas etc.) surge como uma opção de reflexão crítica em torno da produção cultural de meu tempo. RSL Como surgiu o poeta? Quais são as suas influências? FM Poetas surgem do nada, de um mesmo magma escaldante de onde surge todo artista. Da plenitude negra do mistério. Não surgem essencialmente de textos ou desejos alheios, embora se alimentem de ambos. São naturalmente a grande soma de todas as vertigens, porém só firmam sua voz ao distingui-la das demais. Há um elo mágico entre o poeta e a biblioteca. Não a biblioteca imaginária, mas antes a real, que é composta de suas leituras, de suas identificações. Poetas herdam sempre algo de perdido. São uma invisível ponte entre as inúmeras instâncias imperceptíveis do cotidiano. Pegam, escutam, cheiram, ouvem, vêem. Claro está que minha poesia encontra-se impregnada de todas as substâncias que compõem os sentidos humanos. Posso particularizar algumas identificações – a exemplo das canções interpretadas por Agostinho dos Santos, Dolores Duran ou Nat King Cole, que meu pai ouvia durante minha infância; minhas leituras das tragédias de Shakespeare e alguns romances de Dostoievski, sobretudo Crime e Castigo; ou mesmo a paixão que me despertaram pouco depois as obras de Goya, Dürer, Velázquez, Brueghel e Bosch –, mas a verdade é que essas identificações não funcionam em isolado, nem tampouco podem dispensar a vivência humana, ou seja, o entremeado de sentimentos de que somos feitos. | 28
RSL Como é o seu processo criativo? FM Já os poemas não surgem do nada. Têm sua origem em algo bastante concreto: a busca de identificação do criador consigo mesmo – isto evidentemente não quer dizer a tessitura de uma camisa-de-força da egolatria – e não se realizam senão na condição de objetos de linguagem. Interessa-me unicamente uma escritura de exceção. Não creio em arte de escolas, assim como desprezo os epigonismos de toda ordem. Não se pode criar nada sem que se imponha alguns desafios. Toda a discussão atual em torno de pós-isto ou aquilo não justifica senão uma debilidade estética contagiante, o mesmo que essa obsessão pelo resgate de alguma instância perdida. Passado ou futuro devem ser guiados por princípios mais sugestivos. O processo criativo de um poeta não justifica a qualidade de uma obra de arte. Apenas ilustra seu entorno. Há os que escrevem mascando cravo, os que se encharcam de uma droga qualquer, os obsessivos pela realidade, aqueles cuja pena é movida unicamente pelas desventuras amorosas, os que não dispensam a presença de um metrônomo etc. Tudo isto ajuda a compor a mitologia em volta do poeta. Não mais que isto. RSL Você vive de literatura. Conte-nos um pouco. FM Francamente, não sei de onde se tirou esta ideia. É verdade que não tenho uma profissão paralela (funcionário público, professor de curso de letras, redator publicitário etc.), porém crio uma série de afluentes que ajudam a regar o trigo e a cevada. As opções foram por instâncias que funcionassem como desdobramentos de um universo poético já bastante definido. A partir daí firmam-se os trabalhos de pesquisa, as traduções, os ensaios, os textos críticos para imprensa etc. Porém este conjunto de ações implica uma série de riscos. O mais acertado, ao menos no momento, seria dizer que estou vivendo de riscos. RSL Os grandes polemistas morreram. A polêmica morreu. Faz falta? FM Não creio nesses obituários inconseqüentes. É claro que estamos nitidamente enfrentando uma entressafra, sobretudo de valores. Ao mesmo tempo, somos avassalados por alguns impérios parasitas de meros catalogadores de plantão. A polêmica pertence ao reino do diálogo e não da exposição barata de preconceitos ou à vulgaridade da espetacularização das fraquezas humanas. Em uma época em que a transgressão tornou-se uma falácia banal, o polemista pode naturalmente ser confundido com o moralista, o conservador, o careta. Possivelmente esta confusão terá alguma participação em uma característica bastante peculiar de nossa sociedade contemporânea: a inação. Vivemos em um estado pleno de diluição de valores, onde passado e futuro não se tocam, pela simples razão de que não há compromisso com o presente. Vivemos em um estado de congelamento da história. A humanidade posta em freezer. Não é exatamente o polemista que faz falta. Faz falta essencialmente recuperarmos nossa vontade de viver. RSL Por que a crítica literária migrou para as universidades? Qual a importância da teoria literária? FM Não vejo isto exatamente. Ao que parece estamos de volta ao universo da mera catalogação. Claro que há uma ambientação acadêmica algo rançosa que empobrece toda discussão crítica. Poderíamos chamar a isto de síndrome do viés, aquela retórica risível da “questão de… passa por”. Contudo, há uma forma inteligente de discurso, sobretudo quando busca fundar-se no diálogo, no exercício de abrir-se à experiência alheia, à voz do outro. Pode-se dizer da universidade que | 29
tenha erguido muros que a impedem de relacionar-se com o restante da comunidade que efetivamente a sustenta. Por outro lado, escritores também são dados a fundar guetos, ao mesmo tempo em que igualmente perderam um norte crítico, no caso acentuadamente autocrítico. O que um perde acaba sobrando para que a outra faça dele o pior uso. RSL O Nordeste produz uma poesia de qualidade. O que falta para torná-la ainda mais conhecida? Como vê a internet? FM Não me agrada o que há por trás disto de se dizer que o Nordeste produz uma poesia de qualidade e que não é conhecida ou reconhecida. Isto pode conduzir àquele nocivo sentido do pária sem fundamento, do enjeitado, do ‘tadinho’. Sem falar nos riscos de um redutor ideário regionalista. Creio que é bem conhecida a poesia de João Cabral de Melo Neto, Gerardo Mello Mourão ou Sebastião Uchoa Leite. Se há casos de desconhecimento ou falta de reconhecimento, isto não se dá exatamente pelo fato de se ser nordestino ou sulista. Quando surgem compilações da poesia de Joaquim Cardozo ou Raul Bopp tudo nos parece um espanto. E quase nada sabemos da poesia de Henriqueta Lisboa, Augusto Meyer e Américo Facó. Isto se dá, antes de qualquer outra coisa, pelo simples fato de que o país se desconhece a si mesmo. E não me refiro unicamente a (falta de) atitudes governamentais. Somos dados a transferir responsabilidades. É nossa herança cabralina. Adoramos mandar ou por a culpa nos outros. Governos devem cuidar de um mínimo de administração pública. Poetas, de um mínimo de administração poética. E há também papéis fundamentais a serem desempenhados por editores, críticos literários, jornalistas etc. Se tudo é bem comum, então cuidemos de cada coisa com igual zelo. Nossos governos são tristes e não trocam uma lâmpada de praça sem interesse próprio. De uma certa forma, os poetas brasileiros também agem assim. Enquanto não aprendermos a ouvir o outro, nenhuma internet nos salvará. RSL Qual o futuro do objeto livro? FM Creio que a melhor felicidade que se pode alcançar em um livro é a da identificação com seu universo. Descobrir afinidades entre si e a leitura de um livro é um momento de extrema grandeza. Assim o é com qualquer outra forma de convívio, de doação, de diálogo. Não entendo porque nos preocupa tanto o futuro do objeto livro e não mencionamos o futuro de nossa própria humanidade. O livro não é determinante desta e sim o contrário. Se mantivermos uma garantiremos a perenidade do outro, assim como de quaisquer objetos que sejam sua expressão verdadeira. Toda discussão fora deste plano me soa como um catastrofismo vulgar. RSL Você detectou inveja no meio literário e mostrou isto através de um ensaio. A inveja tem cura? Neste mesmo ensaio você pede união. Isto é possível? FM Naquele meu artigo (“A inveja, essa Ibijara”, publicado no suplemento Sábado, do jornal O Povo, em 11/01/97, e que estou recolhendo agora em livro) denunciei a presença da inveja e da presunção como duas gritantes características negativas do cearense. Isto reflete uma baixa cultura e uma carência alarmante de autoestima. Naquela ocasião me escreveram algumas pessoas dizendo que estas não se tratavam de características essencialmente cearenses. Isto é claro, porém entre nós elas são por demais imperativas. A inveja é um desejo desmedido pelo que nos é alheio. Só se justifica, portanto, em quantos não se conhecem a si mesmos. A presunção, por sua vez, é uma forma de desprezo pelo alheio, justamente por falta de autocrítica. Em um caso cobiçamos aquilo que não sabemos ao certo se temos ou não, enquanto que no outro nos supomos aleatoriamente superiores, sendo ou não. | 30
Daí que nossa grandeza é a medida do que se tem e nunca do que se é. Nisto de adorarmos o alheio, acabamos não identificando nossos reais e vitais valores e só os reconhecemos em segunda mão. Se há cura para a inveja? Esbocemos uma aparente digressão. Há pouco tempo, uma campanha movida pelos Correios em Brasília fez com que os carros parassem diante das faixas de pedestre. Uma outra campanha reduziu bastante o cruzamento indevido de sinal vermelho em Salvador. Talvez pudéssemos descobrir uma maneira de fazer com que cearenses reduzissem o volume da música em sons de carro, bares etc. Assim como candangos ou baianos, cearenses precisam ser ensinados a ouvir o outro. A cidade de Fortaleza é uma cidade imperativamente ruidosa. Como sabemos, o ruído interfere na comunicação. Talvez esta tenha que ser nossa grande campanha, a de redução do ruído a um nível aceitável, de maneira que a reabsorção do silêncio nos ensine a percepção do que está dentro de nós e à nossa volta. Se aparentemente embaralho os assuntos, isto se dá porque vejo todas essas coisas muito interligadas. Se escrevo um poema, publico um livro, assino um texto na imprensa, traduzo outro poeta etc., estas são formas de compromisso. Tenho que estar ciente do que faço, assim como do que se faz ao meu redor. Não pode então haver espaço para inveja, presunção ou qualquer outro aspecto redutor. RSL Qual a principal característica da poesia cearense? FM Não há isto. Não há a “principal característica” da poesia tailandesa ou da peruana. Devemos abominar toda forma de regionalismos ou nacionalismos. A princípio, não há uma poesia cearense, mas antes, bem antes, uma poesia feita no Ceará. O poeta está aqui, sendo ou não daqui, identifica-se com esta ou aquela circunstância, nada mais. Basta imaginar dois casos pertinentes: Gerardo Mello Mourão e Francisco Carvalho. O que ambos têm em comum? Este tipo de falsa identificação pertence ao mundo escolástico, aos manuais ou cartilhas similares. Há uma poesia sendo escrita hoje no Brasil que muito se assemelha a esta ambientação retórica das cartilhas. Se observarmos bem, temos hoje uma poesia que é refém absoluta de uma imagem. Costumo dizer, a título de boutade, que se tirarmos o vaso de plantas da janela cai por terra grande parte da poesia que se escreve hoje no Brasil. Além disto, perdemos o radical da identidade da voz poética. Se embaralharmos os poemas em uma dessas ocasionais mostras em periódicos nacionais, ninguém dará pela troca de autores. Não há mais voz poética, e sim uma mera articulação de sintomas. RSL Estamos além do moderno. No pós-moderno, onde está a novidade? Qual a novidade? FM Não, não. Não estamos além do moderno. Já é um milagre estarmos nos mantendo na modernidade. Temos andado para trás. A modernidade implica uma ampliação de diálogo. O moderno significa abrir-se à compreensão do outro. Uma arte que seja mais abrangente, e que isto não se limite a uma pecha meramente estatística. Creio que o Surrealismo – acima dos ismos de quermesse – imprime o grande sentido de modernidade, na medida em que recusa toda forma de catalogação. No entanto, a amplidão proposta pela modernidade desandou em um desnorteamento, coincidindo com uma série de outras quedas de valores no decorrer desta fatia final do século. Não há uma novidade propriamente dita, no sentido corrosivo em que este termo se encaixa hoje. As verdadeiras novidades não se anunciam. Elas vão se dando bem além de nossa conta. Quando leio um poeta como o irlandês Seamus Heaney, vejo ali uma modernidade fundada justamente no diálogo que mantém com a tradição, no caso a literatura celta. É preciso entender que a modernidade não é um caderno de receitas. Não vamos alcançá-la recortando o | 31
verso segundo orientações terceiras. O moderno será o reflexo de nosso diálogo com o mundo. Não há novidade. Nunca houve novidade. O que há são desdobramentos e não são visceralmente o cerne da questão. RSL O que mais lhe agrada em um poema? FM Semanas atrás, quando estava em São Paulo, fui ver a estreia do filme Kenoma, de Elianne Caffé. Saí dali irritado pelo fato de que apenas uma das partes havia funcionado. É excepcional ver como o ator José Dumont extrai leite das pedras. O mesmo se dá na encenação de Jeromy Irons na versão cinematográfica de Adrien Lyne para o romance Lolita de Nabokov. Não há soma, não há abrangência de recursos. Aspectos como roteiro ou definição de personagens, isto nos parece não ir além de uma falácia ordinária. No entanto, não se pode sair de uma sessão de cinema dizendo “oh que maravilhosa fotografia”, como uns hippies abestados ecoavam ao final dos anos 70. Se leio um poema e tenho a impressão que a ausência de José Dumont ou de Jeromy Irons pode liquidar com seu valor aparentemente intrínseco, então não estou lendo nada. Não se trata de uma demagogia da forma, mas antes de uma essencialidade de valores constitutivos de uma expressão artística. Então o que me agrada em um poema é sua completude, sua ousadia por abranger, a um só tempo, as inúmeras estações de que é feito. RSL Qual o papel do ensaísta para a literatura? FM Suponho que indagues pela função da crítica. Neste sentido, prefiro valer-me do que já havia dito em um artigo meu justamente sobre a crítica literária no Brasil, publicado no jornal O Povo (15/03/98). Assim começava aquele texto: “Disse Heine que o historiador é aquele que profetiza o que já aconteceu. Borges nos lembra que é desta difícil arte de adivinhar o passado que surgem as histórias da literatura. A estimativa do valor de uma obra não pressupõe um equívoco. O crítico espanhol Jorge Rodríguez Padrón refere-se à revelação de uma 'quietude sacramental' que centraliza toda inquietude da escritura poética como sendo o 'ofício sagrado' da crítica. Ou seja, não uma crítica que domine (detenha) o sentido de uma obra, mas que o habite, que se permita fazer parte dele. Não há a determinação do sentido e sim sua celebração. A crítica literária não pode aspirar a ser uma sentença. Trata-se, a bem da verdade, de um exercício de perplexidades. O crítico tem que descobrir a mesma trilha singular do objeto de sua crítica. Seguir as pistas, investigar ideias, formas, técnicas. Em última instância, estabelecer um diálogo com o texto.” Eis o que penso.
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1998 | A necessidade da poesia
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Há uma sintomática impressão que há mais poetas do que leitores. Não pelo fato dos poetas continuarem desempregados, sem importância para uma sociedade que cultua outros valores, mas, e principalmente, porque os leitores começam a desaparecer. Uma frase rebuscada, uma palavra que não se escute na televisão e já não há mais leitores, por sua vez, a poesia navega numa longa estiagem de pouca criatividade ou descoberta. Mas quem se preocupa com isso? Quem se deteria a ler uma matéria sobre poesia se há os seios de Carla Perez e da Xuxa para se pensar? É melhor se deleitar na ode dos simulacros do que na aridez e tragédia dos poetas. Talvez isso justifique que raros poetas não permitam a completa extinção da espécie. Floriano Martins é um desses raros escultores da palavra. Um poeta atento e ético, apegado desde cedo à leitura; a uma descoberta do mundo pela formalidade e criação da linguagem. Em seu novo livro Alma em chamas, uma obra que levou dez anos para ser construída, Floriano revela o zelo com a linguagem, comportamento típico de um diletante profissional. A poesia não pode ser considerada sua morada, pois o poeta vive de aventura, de caminhadas por mundos recônditos e íntimos. Alma em chamas revela uma aventura em reconstruir a visceralidade da escrita poética, fugindo dos temas conjunturais e penetrando em problemas da linguagem e do homem moderno. E se você leitor conseguiu atravessar esses íngremes parágrafos, dê chance a você mesmo, leia algo desinteressante como poesia, como a entrevista que vem logo a seguir. Assim, quem sabe, a gente passa a deixar de lado tanta coisa que interessa, mas que não tem a menor importância. [EN] EN Você teve desde cedo o contato com os livros e em seguida o distanciamento da sua geração. Para o exercício do poeta é preciso esse isolamento do senso comum? FM Não sei se é necessário. Pode-se ter condições benéficas ou não. Tudo depende muito de que circunstâncias vive a geração. Às vezes, se tem a sorte de viver numa geração riquíssima e isso pode lhe trazer muitos benefícios, mas também se tem verdadeiro empastelamentos, momentos de transição, então não há muito o que oferecer. De qualquer forma as duas coisas são importantes: o distanciamento teve uma importância pelo fato de ter permitido ler muitos livros e a minha geração não tinha muito o que oferecer. A minha geração é dos anos 70, no qual vivíamos toda aquela celeuma em torno da geração mimeógrafo, que é na verdade um brutal retrocesso. Embora muitos críticos tenham ressaltado aquilo como um ponto a mais, um momento de salto na literatura, na verdade tudo ficou empastelado. Passados mais de vinte anos, percebe-se que não ficou nada daquela geração. Sabese que alguns nomes funcionam como falsos mitos, mas em termos de obra literária não há nada de substancial originado por aquela geração. EN No seu caso o distanciamento e a leitura demarcaram uma trajetória importante para o aparecimento do Floriano poeta. É possível ter uma ideia de que é feito a textura da poesia. Ou cada poeta tem sua forma, seus mistérios?
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Entrevista concedida a Emmanuel Nogueira. Originalmente publicada no Caderno 3, do Diário do Nordeste. Fortaleza, 21/11/1998.
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FM A poesia é tão diáfana, que talvez a sua substância venha exatamente dessa diafanidade, quase que invisível, ininteligível, intocável. Essa é a sua grande substância. Mas é evidente que vem também de leituras, vem de diálogos com o mundo, de experiências, mas nada que possa pensar como sendo uma coisa sobre a outra. EN No seu livro, Alma em chamas, qual a substância que o constitui? FM O Alma em chamas reúne todo o desdobramento do fazer poético que aprendi durante esses últimos anos. Evidentemente essa obra não está aí no sentido de encerrar círculo ou ser testamento poético ou coisa do gênero. Nesse livro eu jogo todo o manancial de experiências que colhi durante esses anos, daí o fato de ser um livro não só extenso, mas complexo na sua tessitura. Apresenta-se como cinco livros reunidos, mas pode ser lido como um poema único, dividido em cinco capítulos e cada um abrangendo uma circunstância diferente. Mesmo porque, por traz desses poemas existem sempre uma preocupação em recuperar a linguagem poética no sentido de ligação com uma linguagem lírica e uma linguagem trágica, o que, portanto, nos remete a uma recuperação da linguagem épica. EN Quando você atesta que há complexidade inerente na tessitura desse livro você está se referindo basicamente a que? FM Me refiro àquelas duas coisas indissociáveis na poesia: a forma e o conteúdo. Em “Alma em Chamas” há uma complexidade formal, no sentido que o livro trabalha, em um mesmo capítulo, uma série de ousadias formais. Na mesma composição de capítulo, você tem décimo, tercetos, sonetos, prosa poética mesclada a diálogos; tem a presença de personagens; trechos confessionais; trechos líricos; trechos de abordagens trágicas; trechos que lembram peças de teatro. Aliado a isso, encontra-se também uma complexidade conteudística, pois, não há nenhuma abordagem circunstancial sobre determinando assunto e sim todo um encadeamento de situações que querem discutir a dimensão humana. EN O tempo ajudou na arquitetura dessa complexidade, afinal, foram dez anos mexendo, aprimorando, o fazer poético para que surgisse o Alma em chamas? FM São acumulações de experiências, mas o livro não é uma coletânea de textos soltos, escritos ao longo dos anos, como é, por exemplo, a obra “Crisantempo”, do Haroldo de Campos. Na verdade foram poemas pensados numa trajetória. Os três mais antigos foram publicados porque surgiram circunstâncias editoriais que permitiram publicações em livretos individuais [que são os três últimos trechos do livro], mas eles não foram pensados isoladamente, para posteriormente constituir uma coletânea, uma miscelânea, que depois de montada você pode desvelar uma poética. Pode-se perguntar: “por que tanto tempo?” Foi o necessário para se chegar ao término dessa aventura poética. EN Você faz uma crítica veemente à poesia brasileira, chegando a afirmar que desaprendemos a fazer poesia? Você se refere a uma época específica ou é uma crítica generalizada? FM Abranger a literatura como um todo seria demasiado extenso. Um dia estava lendo uma resenha do jornalista Nilton Santos, da Gazeta Mercantil, na qual ele comenta nove romances que tinham sido publicados nos últimos meses. A razão de juntar todos os livros numa única resenha, dizia o jornalista, é porque nenhum deles mereceria uma resenha isolada. Existe tamanha fragilidade na tessitura do | 34
romance que se faz hoje no Brasil que chega a preocupar os críticos e até jornalistas. EN Há alguma explicação para a ausência de criação na linguagem poética? FM A grosso modo, não nascem bons poetas a cada dia, nós ficamos muito aflitos, principalmente num final de século que somos tomados por novas formas de tecnologia. Nos afligimos diante da história como se fôssemos uma parte isolada da história, quando somos um todo. A história é um tecido único. Assim é natural que tenhamos períodos de baixa, afinal, não surgiram poetas como Eliot, Pound, Pessoa, aos montes. Vivemos um período de baixa e não se sabe por quanto tempo isso dura. EN Nessa sociedade que vive sob a égide do sucesso, parece que o poeta não está mais desempregado, como em outros períodos, mas em via de extinção? FM Vendo a produção poética pelo ponto de vista da necessidade, diria que o poeta vive um feliz ostracismo e nunca como uma condenação. Evidentemente que a poesia é absolutamente desnecessária. Só não sei até que ponto a necessidade pode ser situada como algo positivo e a desnecessidade como um valor negativo. Acho que o básico da discussão é saber até que ponto a necessidade é realmente o que interessa. O poeta terá sempre que ser um arrimo de família, pela simples razão de que poeta, a partir da descida em sua própria intimidade, sai estabelecendo elo de ligação com a intimidade de toda a humanidade e é daí que ele pinça as coisas trágicas. Enfim, as coisas que teriam que ser corrigidas. O poeta de volta da sua viagem não traz nenhuma boa notícia, por isso nunca é bem recebido. EN Falemos de sua aventura. De um criador que se define numa aventura estoica, na qual a ambição é o reconhecimento de si mesmo. Qual o lugar do leitor nessa aventura. FM Cabe ao leitor encontrar um lugar no interior da obra. Aqui voltamos àquela velha questão: a título de que e para quem se escreve? Em função do leitor, da mídia, de uma circunstância editorial? O que orienta essa escrita? Acredito que se escreve em função de duas coisas: da vivência e da escrita. EN Tem-se então que acrescentar aí um dado ético seguido de estético. FM O poeta tem que ter um compromisso declarado com a linguagem. O poeta não pode usar a poesia em benefício de uma outra situação. Se você pegar qualquer escrita de um grande poeta, observa-se um diálogo com o mundo, expressado e determinado a partir de uma linguagem, na qual pode-se observar todas essas situações reunidas com muita coesão, sem preocupação de natureza moralista, esteticista, as coisas funcionam como um todo.
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1999 | Floriano Martins traz poetas hispano-americanos ao Brasil 6
Um cearense de 42 anos, autodidata de formação, assina aquele que foi, provavelmente, o mais interessante livro de entrevistas lançado no País em 1998. Escritura Conquistada (Diálogos com Poetas Latino-Americanos), um respeitável volume de 407 páginas, foi publicado em complicada, mas eficaz, co-edição entre a Fundação Biblioteca Nacional, a Universidade de Mogi das Cruzes, de São Paulo, e a editora Letra&Música, de Fortaleza. Traz longos diálogos, densos e bem meditados, do autor, o poeta e crítico literário cearense Floriano Martins, com 24 poetas do continente, entre eles nomes importantes, mas absolutamente desconhecidos entre nós, como o nicaragüense Pablo Antonio Cuadra, o peruano Javier Sologuren, o chileno Pedro Lastra, o cubano José Kozer e o argentino Leónidas Lamborghini. Há quatro brasileiros na lista de entrevistados: o poeta, tradutor e crítico Ivan Junqueira, que não é preciso apresentar; Sérgio Lima, um raro representante do surrealismo na poesia brasileira; Sérgio Campos, poeta falecido precocemente em 1994, aos 53 anos, que se definia praticamente de uma “arte arcaica”; e o poeta mineiro radicado em São Paulo Donizete Galvão. É curioso, primeiro, que um trabalho de tal qualidade necessite de uma verdadeira operação de guerra editorial para, finalmente, vir à luz. E depois, mais curioso ainda, que seja um crítico e poeta de Fortaleza, em ponto tão distante da fronteira hispânica, quem venha a realizar esse esforço de confronto, mas também conjunção entre as duas Américas. Floriano Martins é bem um intelectual nordestino. Vive das críticas que escreve para a imprensa local, de projetos gráficos (pois é também projetista gráfico autodidata) e de traduções, fazendo verdadeiras contorções para levar à frente seus projetos literários. É um escritor de luta – e é isso, antes de qualquer outra coisa, o que causa respeito. Recentemente, aliás, chegaram ao mercado seus dois mais recentes trabalhos como tradutor: uma antologia de poemas de Federico García Lorca e um livro de contos do cubano Cabrera Infante, ambos editados pela Ediouro, do Rio, volumes que também organizou e prefaciou. Como poeta, Floriano Martins já tem dez livros publicados, o primeiro em 1979. Livros, reconhece, que como costuma ocorrer com a poesia brasileira, caíram no esquecimento quase completo, sobretudo por causa do eterno problema da distribuição. Alma em Chamas (Letra&Música), o mais recente, acaba de chegar às livrarias nordestinas. Floriano Martins circula sempre que pode pelo Rio, onde freqüenta poetas e críticos como Marco Lucchesi, Ivan Junqueira e Antonio Carlos Secchin, e por São Paulo, onde morou entre 1982 e 1987 e deixou amigos e interlocutores assíduos como Claudio Willer e Donizete Galvão. Mas é, por princípio, um grande solitário – ainda mais agora que trabalha em casa e vive apenas para escrever. E não pára de escrever. No fim do ano passado, publicou pela Fundação Memorial da América Latina um belo ensaio, Escrituras Surrealistas, dedicado ao estudo (bastante desprezado, é bom recordar) do surrealismo na América hispânica. Somado ao volume de entrevistas, ao livro de poemas e às duas traduções, foram cinco livros publicados em apenas um semestre. Não satisfeito, Floriano trabalha agora em O Fogo nas Cartas, um volume que reúne entrevistas com escritores brasileiros e algumas das resenhas críticas que publicou na imprensa.
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Entrevista concedida, por telefone, a José Castello. Originalmente publicada no Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo. São Paulo, 06/02/1999.
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Em parceria com o poeta chileno Pedro Lastra, trabalha ainda na organização de uma antologia da obra do poeta chileno, já falecido, Enrique Lihn – a ser publicada simultaneamente no Chile e no Brasil. Dedica-se também a traduzir uma novela do escritor costa-riquenho Alfonso Peña. E faz anotações, já bastante avançadas, para um volume de ensaios sobre os moderrnistas na América hispânica. “Nesse caso, em vez de entrevistas, pois todos já morreram, eu os apresento por meio de ensaios”, explica. Desde que abandonou um emprego público, há três anos, para dedicar-se integralmente à literatura, Martins parece tomado pela febre de escrever. Mas não vê nada demais em seu ritmo avassalador de trabalho. “São projetos que eu vinha desenvolvendo devagar e agora chegaram à hora de concluir”, diz. É hora também de falar sobre o que finalmente está concluindo. [JC] JC Como começou sua paixão pela poesia hispano-americana? FM Isso surgiu pelos idos de 83, 84, ao receber de um amigo na Espanha, de presente, a Poesia Completa de Cesar Vallejo. Logo no prólogo encontrei referências ao chileno Vicente Huidobro e ao uruguaio Julio Herrera y Reissig, poetas que eu desconhecia, ambos da lavra modernista, da virada do século – o modernismo na América hispânica equivale, aproximadamente, ao nosso simbolismo. São poetas que me despertaram grande curiosidade e me estimularam a descobrir as trilhas invisíveis dessa poesia. A partir deles, em um ou dois anos, estabeleci uma vasta rede de correspondência com escritores do continente. Nas primeiras cartas, eu me identificava como um autor brasileiro curioso a respeito da literatura hispânica e me dizia interessado em me corresponder. As respostas foram, no geral, muito acolhedoras. Em pouco tempo, eu me correspondia com dezenas, centenas, mesmo, de poetas de todo o continente. JC Em que época começou a fazer as primeiras entrevistas? FM Já entre 1985 e 88, comecei a fazer entrevistas com escritores brasileiros, que publiquei em parte no Suplemento Literário do Minas Gerais e também no Suplemento do Diário do Nordeste, de Fortaleza. Só agora eu as estou reunindo em um livro, Fogo nas Cartas, que acabo de organizar. Esse não é só um livro de entrevistas: é uma seleção dos textos que publiquei na imprensa. Há também resenhas, comentários e artigos críticos. JC Viajou pela América Latina para fazer as entrevistas? FM Todas elas foram feitas por carta. Em alguns casos, houve um vaivém: eu recebia um lote de respostas e remetia em seguida novas perguntas, num diálogo lentíssimo. Com os escritores brasileiros, afora raras exceções como o Cláudio Willer e o Roberto Piva, que foram feitas pessoalmente, trabalhei da mesma forma. A técnica que passei a exercitar, e que hoje prefiro, é a da entrevista epistolar. Podese pensar que optei por ela só por força das contingências, mas não é só isso. As entrevistas feitas por cartas proporcionaram-me uma profundidade maior e as conversas tornaram-se também textos literários. JC Quando você começou a trabalhar nas entrevistas? FM As entrevistas com os hispano-americanos foram feitas entre 1988 e 1995, portanto ao longo de quase oito anos. Foi preciso ter paciência. Há a demora natural da correspondência internacional. E também houve outros autores que, por uma razão ou outra, acabaram por recusar-se a responder minhas perguntas e perdi | 37
longo tempo esperando por isso. O livro só ficou pronto em 1995. Foi entregue à gráfica em julho de 1998 e em agosto estava pronto – uma década depois da primeira entrevista. Foi uma edição pequena: 2 mil exemplares foram entregues à própria Biblioteca Nacional e a tiragem restante, não mais que 700 exemplares, ficou com a editora, que teve de enfrentar as dificuldades de distribuição. Fiz lançamento em Natal, São Paulo, Rio e Brasília, ocasião em que as pessoas puderam comprar o livro. São os exemplares que sobraram dessa leva, não sei quantos, que ainda estão nas livrarias. JC Que critérios usou para a escolha dos entrevistados? FM Todos os entrevistados representam, de alguma maneira, momentos inestimáveis da poesia contemporânea em seus países. Representam muitos gêneros, estilos, escolas. O chileno Enrique Gómez-Correa, ou o venezuelano Juan Calzadilla, ou o colombiano Fernando Charry Lara foram, por exemplo, os fundadores de importantes movimentos literários em seus países. Além disso, há a importância muito grande que alguns deles deram ao ensaísmo e à tradução, como é o caso do peruano Javier Sologuren, ou o do chileno Pedro Lastra, ou o do boliviano Eduardo Mitre. É a multiplicidade que define a existência do poeta em nossa sociedade. JC Esses poetas consagrados confirmaram seu prestígio? FM Tive mais confirmações que desilusões. Tive, sim, algumas frustrações. O chileno Enrique Lihn, por exemplo, às vésperas de nosso encontro, morreu. Não pude entrevistar o peruano Emilio Adolfo Westphalen, que, ao lado de Cesar Moro, outro peruano que já morreu, é um dos mais destacados nomes do movimento surrealista do Peru. Ele queria receber-me, mas está muito velho, com problemas de saúde, e não foi possível. JC Por que estamos tão isolados da poesia da América hispânica? FM Segundo alguns dos entrevistados, o isolamento dá-se por causa da ineficiência das ações diplomáticas de seus países. Outros acham que há um desinteresse mútuo, expresso na frase “nós não nos interessamos por eles porque eles não se interessam por nós”, o que, além de não resolver o problema, é um argumento falho. Basta pensar que em alguns países como o México, o Peru e a Venezuela se publicam coleções importantes de autores brasileiros. A Biblioteca Ayacucho, da Venezuela, por exemplo, tem um programa editorial com obras completas de autores da a América Latina, entre eles vários brasileiros, como Drummond, José Lins do Rego e Machado. Além do mais, há o mais inaceitável dos argumentos: o da falta de mercado. A verdade é que não temos nenhum programa editorial para a publicação da poesia hispano-americana. E os poucos poetas que chegam até nós, chegam às vezes de forma bastante estranha. O argentino Enrique Molina, por exemplo, entrou no Brasil por meio do único romance que escreveu, um romance histórico! Ele morreu há dois ou três anos, deixando dez excelentes livros de poesia, mas só conhecemos seu único romance, de menos importância. As editoras parecem, às vezes, trabalhar às cegas. JC Isso, provavelmente, produz uma visão distorcida da poesia hispanoamericana contemporânea. FM Sim, há um desconhecimento em relação ao que se passa lá fora e, em conseqüência, há, como eu costumo chamar, um “desprograma” editorial. O nicaragüense Ernesto Cardenal, bastante conhecido no Brasil, é, na verdade, um poeta de | 38
menor importância em sua geração. Basta confrontar sua obra com a de Pablo Antonio Cuadra, um de meus entrevistados em Escritura Conquistada, e também com a de Luiz Alberto Cabrales, e se verá a diferença. E, no entanto, enquanto esses dois são absolutamente desconhecidos no Brasil, já temos pelo menos uma antologia de Cardenal em português. O mesmo se dá em relação ao Chile. Enquanto se disseminam as traduções do pior Neruda, desconhecemos poetas como Pablo de Rokha, Rosamel del Valle ou Humberto Dias Casanueva, que são da mesma geração de Neruda e muito aclamados pela crítica chilena. Do mesmo modo, modernistas de importância do mexicano Lopes Verlarde, ou do peruano José Maria Eguren, ou do argentino Leopoldo Lugones, continuam desconhecidos no Brasil. JC E quais seriam os motivos de tantos enganos? FM Não consigo encontrar nada que justifique esse isolamento e esses enganos a não ser uma desprezível tendência brasileira de considerar a América hispânica mais próxima do Terceiro Mundo do que nós. O que é apenas um efeito cascata no âmbito do colonialismo cultural. Nós somos uma nação sem paidea, desfigurada culturamente, e aí não aceitamos que possa haver identidade na cultura peruana, na uruguaia, na mexicana. E cometemos um grave erro. O importante seria que os escritores brasileiros concordassem em discutir abertamente o que se passa conosco. JC Não persistem também zonas de isolamento interno? Apesar de todos os avanços das telecomunicações e da informática, uma cidade como Fortaleza não está ainda culturalmente isolada? FM A verdade é que só temos dois grandes centros editoriais, São Paulo e Rio, e tudo o mais é periferia. E o que se produz aqui só existe se desaguar e ecoar nesses dois centros. É lamentável, mas é uma realidade. No caso cearense, por exemplo, temos dois poetas que se poderia mencionar nacionalmente: Gerardo Mello Mourão e Adriano Espínola. Mas ambos moram no Rio e, além disso, têm suas obras editadas por grandes editoras do Rio ou de São Paulo, que fazem seus livros existir. A publicação de um livro já não garante sua existência. Um livro só existe quando é lido e para isso precisa ser distribuído. No caso do Ceará, temos poetas como um Francisco Carvalho, e no passado tivemos José Albano e Américo Facó, já mortos, que foram em seu tempo nomes de grande importância. Mas eles não tiveram obras reeditadas. Eu mesmo estou cuidando da reedição da obra do Facó, um poeta esquecido que morreu só há 40 e poucos anos. JC Ivan Junqueira diz que os poetas cearenses brigam muito entre si – e aponta, assim, para um isolamento interno também. FM Isso é verdade, mas se dá mais no plano existencial, até porque a inveja é um dos componentes mais característicos do perfil do cearense – e ao revelar isso num artigo na imprensa de Fortaleza, certa vez, eu quase fui apedrejado, mesmo risco que corro agora. A verdade é que no nosso caso a inveja é um componente forte e não diz respeito só aos artistas. Eu não saberia dizer qual é a origem desse sentimento, francamente. JC Se há pouco espaço, é natural que a competição se acirre. FM De fato, de uma maneira geral, os poetas são invejosos. Mas é curioso ver até que ponto essa briga se dá entre bons e maus poetas. Não me vem à memória o caso de nenhum bom poeta que participe desse tipo de atitude, mas posso estar | 39
enganado. O fato é que não nascem bons poetas todo dia, mas todo dia há alguém querendo ser poeta e isso cria um ambiente propício para esse tipo de atitude. A poesia que se divulga hoje em raros momentos vai além de superficialidade, de maneirismo retórico, e o que se vê é uma ausência quase absoluta de identidade. Os poetas, hoje, são sempre epígonos de alguma determinada circunstância, escrevem sempre “à maneira de”. Boa parte desses poetas mais divulgados é, além disso, refém da imagem. Brinco dizendo que se tirassem o vaso de flor da janela não teriam mais sobre o que escrever. JC O contato pessoal com os poetas que entrevistou não teria sido importante? FM De todos os poetas o único que conheci pessoalmente foi o chileno Rolando Toro. E isso porque ele esteve em Fortaleza e veio à minha casa. Poetas da América hispânica raramente aparecem no Nordeste. Mas as cartas permitem uma aproximação muito boa e também que se faça muita coisa a partir delas. No ano passado, por meio de uma correspondência intensa com a revista literária Blanco Móvil, do México, fizemos uma edição da revista inteiramente dedicada à literatura brasileira contemporânea, organizada e apresentada por mim. JC Como é o contato entre os poetas nordestinos? FM A grosso modo, os poetas não se comunicam entre si. Mais do que a disputa, há o isolamento. Isso é do temperamento dos poetas? Do meu não é. Não faço parte disso, não entendo, mas os escritores têm dificuldade de ir à imprensa, acham que a imprensa é que deve ir a eles. Depois reclamam que não há espaço para eles… Muitas vezes isso é verdade, mas outras vezes vejo o oposto: o escritor acha que tem de vir alguém atrás dele, a começar pelo próprio colega, o outro escritor. Isso é pela vaidade, pelo orgulho, ainda muito fortes no temperamento do escritor brasileiro. JC Só do brasileiro? FM Nas entrevistas com os hispano-americanos não transparece esse tema do orgulho. Há, no entanto, alguns casos bem parecidos. Os colombianos também são um tanto quanto desunidos. De um modo geral, não vejo esse orgulho e essa vaidade em outros países, não quero dizer que não exista. Vejo, sim, o inverso disso, como é o caso dos poetas peruanos, que são muito unidos. JC Não são as condições adversas, de mercado, que provocam tanta competição? FM Isso pode ser uma boa defesa dos escritores, mas não é justificativa. Com condições editoriais mais favoráveis, num local com uma tradição de publicação de revistas poéticas, etc., podem competir menos. Aqui as revistas ainda são sazonais, sem consistência, sem durabilidade. Logo, há menos espaço para os escritores e os ânimos se acirram. Países pequenos como a República Domicana ou Porto Rico têm, ao contrário de nós, grande tradição de revistas literárias. O México, nesse sentido, é insuperável. Não há mais espaço para a aventura literária, três amigos juntaremse para fazer uma revista. Hoje, uma revista é uma empresa, tem de ser feita em outras bases. E, quando há a oportunidade de uma revista se firmar, sempre aparece alguém disposto a invalidar o trabalho.
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2002 | Um olhar na poesia
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CVC O que é a poesia para Floriano Martins? FM Dizia o grego Embeiríkos que “a poesia é o desenvolvimento de sapatos engraxados”. No mesmo poema dizia ainda: “esta excursão não tem fim”. De alguma maneira, toda definição limita. A poesia se deixa encharcar de toda a matéria humana. O homem a anuncia como o canto da gravidade, da vivência. Mesmo assim, como digo ao final de um poema, “haverá sempre algo ali impossível de se seguir”. Portanto, melhor será não defini-la, mas antes tomar-lhe o curso, vendo o que se aprende com ela. CVC Quais são os autores que mais influenciaram sua obra? FM Não compartilho muito essa ideia algo imprecisa das influências que, no caso de um escritor, sempre remete a um plano literário. Compreendo que um autor tem por influência maior a própria experiência de vida. Em meu caso, acrescentaria um diálogo que quase sempre estabeleço com algum livro quando estou a escrever. Posso assim pensar em livros como The White Goddess, de Robert Graves, ou Le coupable, de Georges Bataille, ou Diario de muerte, de Enrique Lihn, ou O livro egípcio dos mortos, ou El blasfemo coronado, de Humberto Díaz-Casanueva, que foram leituras que me acompanharam durante a escritura de alguns de meus livros. Mas juntamente com essas leituras, posso também referir-me ao Paris Concert, de Keith Jarrett, ou aos carvões de Goya, ou ao Joe's garage, de Frank Zappa e a muitas canções de Tom Waits etc., mas com sinceridade não vejo ali o que se poderia chamar de influência. Agora, como somos a soma de tudo o que fomos e seremos, é natural que todos os poetas estejam em mim, sem que me caiba destacar algum. Em todo caso, interessa o mergulho na existência humana, no grande tumulto originário, alheio a todo tipo de identificações convencionais, literárias ou não. CVC Qual relação você encontra entre filosofia e poesia? FM Não creio em nenhuma dessas duas forças desgarradas de uma imanência que lhes é peculiar, ou seja, a relação intrínseca que ambas devem ter com o homem e a realidade. Qualquer tentativa de torná-las distantes dessa imanência, por exemplo, a redução a mera técnica (mística ou poética), não consegue senão afastar o próprio homem de si mesmo. Mas tenhamos em conta que poesia é criação, invenção, ao passo que filosofia é reflexão sobre o criado ou seu desejo. CVC O tempo e a memória são dois temas recorrentes em sua obra. Você acredita que o tempo da escritura é um tempo mágico que eterniza o assombro do poeta diante da vida, suas emoções, vivências e ansiedades? FM Não há propriamente um tempo mágico. O que se poderia chamar de mágica é nossa relação com o tempo. E esta magia tem que estar na carne daquilo que escrevemos, pois é afinal o que estamos vivendo. Tal experiência pulsante, diária, não se separa de uma memória, seja do passado ou do futuro. A escritura de um poema reflete a vida de seu criador, consequentemente comporta tanto o sublime
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Entrevista concedida a Carmen Virginia Carrillo. Originalmente publicada na revista Orpheu Digital # 7. Porto Alegre, janeiro de 2002.
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quanto o revés, de maneira que o assombro do poeta estará ligado mais à capacidade de percepção da realidade. CVC O crítico Rolando Toro comentou que “seu prometo poético é subversivo, alheio aos valores convencionais”. Em que medida a sua obra se revela contra a tradição poética do Brasil? FM Há um componente metapoético em minha poesia que a aproxima um pouco de autores como Jorge de Lima ou Dante Milano. Trata-se de uma reflexão constante sobre o próprio pensamento poético, em meu caso uma crítica à relação entre poeta e sociedade. Por outro lado, participam de minha poética componentes da tragédia (personagens, diálogo, trama, coro), que lhe dão uma peculiaridade dramática que não se observa na tradição lírica brasileira. A subversão a que se refere Rolando Toro diz respeito a um vício formalista, beletrista, parnasiano, que caracteriza a poesia brasileira, somente rompido em raros momentos em toda a história. CVC Você se considera um poeta surrealista? Qual a importância da analogia em seu processo criador? FM Devo aclarar essa questão. Tenho com o Surrealismo uma relação entranhável, sobretudo se pensarmos em alguns poetas hispano-americanos, a exemplo de Enrique Molina ou Ludwig Zeller, que sempre me interessaram muito. Agora, não me considero um surrealista, e sim alguém que chamou para si a defesa do Surrealismo, levando em conta que se tinha dele uma ideia bastante distorcida em meu país. Além desse aspecto, não caibo nas classificações habituais. Já no tocante à analogia, é naturalmente a chave de todos os conflitos que encarno em meu processo criador, as relações entre visível e invisível, possível e impossível, mundo criado e mundo por criar. A analogia como uma transgressão do facilmente perceptível, do que se mostra apenas em aparência. Como destacou Rolando Toro, vemos em minha poética uma “linguagem que para viver deve consumir seu corpo”. Em tal consumição reflete sobre as formas que encarna, averiguando inferno e paraíso, Eros e Tanatos, todos os pares que conformam a grande aventura humana, reconhecendo as semelhanças ocultas, restituindo o mistério da imagem, uma mística profunda que transgride todas as leis de um pensamento lógico. CVC De seus primeiros livros de poemas à sua última produção poética houve alguma mudança estilística fundamental? FM Naturalmente. Por muito tempo confesso não haver encontrado uma voz própria. Tanto em forma como em conteúdo, vivia um pouco à sombra de algo já escrito. Em um primeiro momento, escrevi muito pautado pelo discurso, despreocupado com a forma. Logo me deixei influenciar bastante pela Beat Generation e o universo dos comics, mesclando essas duas leituras em painéis que buscavam já alguma aproximação com o que escrevo hoje. Mas somente a princípios dos 90 é que defini uma poética que fosse a grande soma de todas as vivências e percepções, uma escritura polissêmica cuja complexidade estrutural não fosse apenas uma articulação retórica, mas sim uma estratégia essencial à própria resolução dos desafios impostos, definida por um sentido natural de abrangência de códigos, quase uma volúpia da escrita. CVC Quando e por que motivo surge seu interesse pela literatura hispanoamericana? | 42
FM Vem originalmente da curiosidade que logo vai se mesclando com uma indignação. Ao ler o prólogo de uma edição da Obra Completa de Vallejo vi ali menção a dois ou três outros poetas que eu desconhecia. Ao procurar pistas me deparei com vários, o que me foi levando a averiguações cada vez mais intensas, até que se descortinasse diante de meus olhos um mundo completamente outro, fascinante em sua raiz e desdobramentos. Desde então persigo um encontro possível entre essas múltiplas poéticas que constituem a América Latina. CVC Como se vê no Brasil a poesia hispano-americana atual? FM Sigo lamentando que não se veja no Brasil a poesia hispano-americana, a menos que importe falar de iniciativas isoladas ou de algum exercício tradutório entre jovens poetas. Em um plano editorial, não se leva em conta, em meu país, a existência de uma poesia hispano-americana. Raramente surge alguma edição, desprovida de qualquer caráter programático que nos faça acreditar na existência de um diálogo entre duas culturas. Reflexo disso é que criamos um entendimento desnorteado do que seja a poesia na América Hispânica. Caso recente é o de fascínio de alguns poetas brasileiros pelo que se chama de neo-barroco (ou neobarroso, como preferem), o que se justifica apenas em função de ignorância nossa em torno dos grandes postulados poéticos de gerações anteriores. Como o Brasil encarna uma vez mais o mito beletrista, com todos os vícios formalistas que o caracterizam (em qual outra tradição poética seria possível o Concretismo?), o que percebemos da atual poesia hispano-americana é justamente aqueles acentos que facilmente identificamos como um retrocesso em uma densa e iluminada tradição.
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2002 | Humanismo Poético
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O surrealismo está ainda marcadamente ligado ao francês André Breton e seus pares, que fundaram o movimento em 1924 com o primeiro manifesto em Paris. O crítico, tradutor e poeta cearense Floriano Martins, 44 anos, resgata a expansão hispano-americana surrealista. Mostra que a escrita automática, em que falar é pensar, não se restringiu à Europa, muito menos à primeira metade do século XX, ganhando expressões singulares no Peru, Chile, Argentina, Venezuela e Brasil até os dias atuais. O esplendor verbal, a magia vocabular, o espírito transgressor e a palavra como realidade total estiveram também presentes nas obras de Aldo Pellegrini, César Moro, Enrique Molina, Emilio Adolfo Westphalen, Enrique Gómez-Correa, Juan Sánchez Peláez, Ludwig Zeller, Juan Calzadilla, Roberto Piva, Sérgio Lima e Raúl Henao. Tais nomes não soam conhecidos, familiares, parecem não sintetizar a enciclopédia surrealista, assim como os batidos verbetes Philippe Soupault, Paul Éluard, Artaud, Crevel e Robert Desnos. Mas uma revisão está sendo feita. É preciso ampliar desde já o vocabulário. Se o surrealismo era proclamado por Breton como o que será, Floriano Martins busca antes decifrar o que ele realmente significou. Invertendo sabiamente o título La Búsqueda del Comienzo de Octavio Paz, O Começo da Busca (Escrituras, 288 págs., R$ 13) desvela os mais autênticos surrealistas da língua portuguesa e espanhola, desfazendo as aparências do passado e abrindo o futuro. Martins empreende uma viagem imaginária digna de um antropólogo do inconsciente. Traz traduções impecáveis dos principais poemas de 12 autores, informações epistolares, entrevistas e defesas estéticas de várias correntes. Demonstra que houve surrealismo no Brasil e na América Latina, com amadurecimento orgânico a partir das peculiaridades de cada país, e que isso não foi uma extensão espúria nem tardia e periférica do grupo de Breton. Em entrevista exclusiva ao Rascunho, Floriano Martins, autor de Escritura Conquistada (1998), promove um novo horizonte de discussão e comenta os enganos da crítica. [FC] FC Quais foram os entraves para sua pesquisa, que tenta revelar os mais diferentes movimentos surrealistas na poesia hispano-americana até então obscurecidos pela historiografia? FM As relações culturais entre Brasil e América Hispânica são inexistentes. Não há uma particularidade envolvendo o Surrealismo. Trata-se de uma grande cegueira dos governos de ambos os lados. E para tanto têm contribuído artistas e intelectuais, com um fascínio provinciano seja pela França ou pelos Estados Unidos. Há um isolamento sistemático e o rompimento dessa situação não é algo que se possa esperar vindo de uma visão acadêmica de mundo. Como praticamente parti do zero, nem cabe considerar os entraves. De qualquer maneira, o maior entrave existente para um descuidado leitor é a Antología de la poesía surrealista latinoamericana, organizada por Stefan Baciu. Trata-se ainda hoje de livro de referência, com equívocas colocações, não compreendendo ser distinta da matriz parisiense a perspectiva de um Surrealismo na América Latina. O mais curioso neste livro é que fomenta o conceito do “mas nem tanto”, estabelecendo uma condição “parasurreal” para aqueles que não firmaram manifestos. Claro está que alimenta a grande ruína de nosso tempo: a falácia conceitual e a conseqüente derrocada de sentido.
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Entrevista concedida a Fabrício Carpinejar. Originalmente publicada no jornal Rascunho # 24. Curitiba, abril de 2002.
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FC Apesar de sempre reforçar a ideia de movimento, O Começo da Busca qualifica, em várias passagens, o surrealismo de aventura. Isso não é uma caracterização inapropriada, de algo fugaz e passageiro? FM A etimologia do termo nos leva ao que está por vir, uma entrega ao desconhecido, o que é inaceitável em nossa formação positivista. O culto do permanente liga-se a uma vida eterna prometida por senhores suspeitos e soa como contradição risível ante o frenesi do mercado. A existência humana não se limita a preceitos. O surrealismo é essa entrada na matéria real da existência humana: o abismo, o assombro, o inesperado, o vertiginoso, o maravilhoso. Trata-se, a rigor, de uma aventura. FC O argentino Enrique Molina define o surrealismo como um humanismo poético. O fato de propor uma nova conduta de vida dentro e fora da poesia não acabou partidarizando o movimento, conduzindo-o para incursões que não condiziam com o texto propriamente dito? (Um exemplo são os surrealistas franceses que sucumbiram ao Partido Comunista, transformando sua irracionalidade em militância racional). FM Disse certa vez o Octavio Paz que há um momento em que se tem que escolher entre vida e obra. Talvez venha daí a ressalva essencial que teria em relação ao Breton. Me parece ingênuo achar que a escritura automática, por exemplo, implicasse em um desnorteamento de si mesmo. A melhor poesia de Paz, rigorosamente, está impregnada de surrealismo, apesar dele haver apagado as pistas nas notas finais que acompanham a publicação das Obras Completas. O vínculo entre surrealismo e comunismo se recrimina hoje, em parte, pelo distanciamento histórico, mas não se pode restringir a compreensão do Surrealismo a uma multiplicação sistemática de erros. Lembro que, no Brasil, já em 1930, Alceu Amoroso Lima falava em uma “inextinguível sedução comunista”. Enrique Molina dizia que “a poesia tem que nascer, não de ideias intelectuais, mas sim de vivências profundas”. Decerto vem daí a dificuldade dos poetas brasileiros compreenderem esse humanismo poético: uma ausência de vida própria mesclada a um artificialismo que sempre caracterizou nossas letras. FC A poesia surrealista é uma das mais refinadas, em que o pensamento se faz por imagens. Esse é o principal motivo que dificulta sua difusão? FM Há uma ideia de refinamento que nos leva a um cálculo a frio. Não creio que caiba aí pensar em Surrealismo. A imagem no sentido que nos interessa refere-se a um transbordamento de visão. Há um mínimo de sentido plástico, de percepção estética, que nos permite dizer de um rabisco qualquer que se trata de uma obra de arte. Muita poesia dada como surrealista pode ser ingênua ou infeliz. O grande ponto de cegueira de nosso tempo radica em uma promiscuidade. O mercado determina a abrangência da imagem. Artistas e críticos dizem amém. E tua ideia de refinamento torna-se apenas decorativa ou circunstancial. FC O poeta brasileiro Roberto Piva debochou da produção contemporânea: “o que temos no campo da poesia é a riminha safada de véu e grinalda para embalar devaneios universitários”. Piva está se referindo a que poesia? Não é errado defender grupos destruindo outros? FM Antes quero ter um cuidado de não cair nesse ardil sectário. Há uma precariedade existencial em nossa tradição poética, sempre determinada por uma feição | 45
parnasiana. Piva referia-se àquela poesia pós-tudo, de uma garotada encharcada de Concretismo e fruto de uma leitura deformada da obra da João Cabral. A situação piorou bastante e bem imaginamos o que não diria hoje dela o Piva. A realidade da cultura brasileira – e não me refiro aqui apenas à arte – tem sido o sectarismo de gabinete, a exclusão a portas fechadas. Piva troa sua voz abertamente. E sofreu por conta toda forma de exceção. FC É possível arrolar os motivos que levaram o mexicano Octavio Paz e o chileno Gonzalo Rojas a pedirem a desvinculação de suas poesias do surrealismo? Por que o movimento virou um estigma? FM Não sei se o correto seria falar em estigma. Há erros de leitura, distorções etc., mas não propriamente um estigma. Paz estava tomado de si, vivia em um mundo onde ele era o próprio centro triunfante. O caso do chileno Rojas relacionase com uma grave discussão com Enrique Gómez-Correa, quando da criação do grupo Mandrágora, os dois ficaram décadas sem se falar. Mas não se pode transformar briga de rua em estigma. Esses deslizamentos são ocorrências verificáveis em outros ismos. FC Uma das acusações ao movimento surrealista brasileiro era sua tardia manifestação nos anos 60, tendo em vista a eclosão do movimento em 1924, na França. Seu livro demonstra que o surrealismo brasileiro já era um desdobramento, tinha atualidade, sincrônico à produção realizada pelo Cesariny e Helder em Portugal e Paz no México. FM Gosto muito da imagem de uma sociedade “providencialmente analfabeta”, expressão cunhada por Alcântara Machado. Por vezes me parece que nossa crítica é providencialmente alheia. Nos anos 60 importava sobretudo relações com argentinos e venezuelanos. Um grupo como Techo de la Ballena, de Caracas, estabelecia uma afinidade com a crítica corrosiva defendida por Willer e Piva. Muitas formações grupais foram sendo estabelecidas ao longo de duas ou três décadas sem que esse distanciamento de 1924 constituísse um empecilho. O próprio surrealismo bretoniano, por assim dizer, sofreu diversas acomodações e datações. É preciso entender que o problema brasileiro, assim particularizado, nada tem que ver com o Surrealismo. FC Percebo em seu ensaio uma crítica velada ao modernismo. Os modernistas teriam sido o principal obstáculo para o fortalecimento surrealista no Brasil? Pensamos, por exemplo, na adoção de Benjamin Péret e Blaise Cendrars (que estiveram no Brasil) pelos modernistas? Houve tal confusão? FM Já em 1927 dizia o Alcântara Machado: “O modernismo brasileiro hoje em dia mais parece centro de debates do que movimento criador”. Não se trata de fortalecimento do Surrealismo, como dizes, mas de debilitação sistemática de uma cultura que estava em plena fase de amamentação. O mesmo Alcântara situava a “exuberância livresca” e a “ignorância frondosa”, como sendo “dois males do modernismo brasileiro”. Stefan Baciu, por sua vez, diz que em uma conversa com Péret, no Rio de Janeiro, em 1955, acerca “do surrealismo no mundo e na América Latina”, definiu o plano daquela antologia dele. Acaso essa conversa teria sido decisiva na ausência de brasileiros em uma antologia de âmbito latino-americano? Quantos desfoques estavam sendo processados naquele momento. Precisamos rever nossa história toda. Não é somente o modernismo que é falho de contextualização, claro, mas que há ali uma série de fatores que devemos reconsiderar, isto sim. | 46
FC Claudio Willer, Roberto Piva e Sérgio Lima são subestimados no cenário poético atual? FM A seco, eu responderia que sequer são percebidos, mas há uma distinta consideração em torno de cada um. Roberto Piva sempre foi um notável franco atirador. Dentre todos os poetas brasileiros é o que melhor sabe mesclar Surrealismo e Beat Generation, sem limitar-se a mera cópia. Sérgio Lima fez clara opção pela historiografia, saindo de cena o poeta que até meados dos 80 ainda publicava. Claudio Willer fortaleceu a natureza de agitador cultural e por aí foi. Também ficou sem publicar poesia, embora tenha publicado uma narrativa autobiográfica na década passada e tenha sempre participado de leitura de poemas. Enfim, apenas o Piva seguiu publicando poesia, o que nos força a rever essa leitura de uma subestimação. Não creio que haja uma particularidade de cunho surrealista envolvendo o tema, insisto. É preciso não criar mais saco de pancadas, entende? Aos poucos criamos uma história de coitadinhos. O Brasil não se percebe, é um país às avessas. E geralmente os resmungos são fortuitos e incabíveis. FC Murilo Mendes é um caso de falso surrealista? Há, por sua vez, surrealistas ocultos na poesia brasileira? FM Eu não diria propriamente de Murilo que se trata de um falso surrealista. Malandramente brasileiro descobriu um ponto de não se indispor com ninguém. Tem uma obra admirável, o que não encontramos nos dois Andrade, Mário e Oswald. O desdobramento da poesia brasileira não teria necessariamente que dar no Surrealismo, não vamos trocar um sectarismo por outro. As figuras ocultadas dizem respeito a um programa mais austero, onde o Surrealismo não era senão um ponto. Em ensaio recente Fábio Lucas menciona que a essência da proposta surreal de Murilo Mendes “vem da inspiração onírica entrelaçada com a rebeldia antiburguesa”, mencionando ainda que “o seu surrealismo ora apresenta um transbordamento barroco, ora é contido e seco como um clássico”. FC De que forma o surrealismo influenciou sua poesia? FM Uma afinidade vinculada à ideia de desprendimento. O verso somado à existência, sim, mas cobrando valor para ambos. Tal identificação não anula outras presenças essenciais à minha poética. A própria relação entre Surrealismo e Barroco na tradição poética hispano-americana – o que não houve no caso brasileiro – reforçou em muito minha percepção. Desde uma primeira leitura senti uma afinidade enorme, por exemplo, com a poesia de Enrique Molina e Ludwig Zeller, e em ambos se pode pensar nessa mescla de Barroco e Surrealismo. FC O Sr. trocou correspondência e manteve laços estreitos de convivência intelectual com a maioria dos poetas analisados em O Começo da Busca. A ligação afetiva não pesou no julgamento estético? FM Há sempre o risco. Contudo, o livro apresenta uma mostra substanciosa de poemas desses poetas e a diversidade estética que os define cuida de negar interferência dessa condição afetiva. Inclusive recupero vozes como Juan Sánchez Peláez, Juan Calzadilla e Roberto Piva, que já não se encontravam mais percebidos como surrealistas. O assunto é inesgotável, e gostaria de mostrar ao leitor brasileiro poetas como Julio Llinás, Carlos Latorre e César Dávila Andrade, por exemplo. Creio que este livro é um primeiro momento para se eliminar certo vício de isolamento e conseqüentes distorções de leitura. | 47
FC Quanto tempo demandou de entrevistas, ensaios e traduções para finalizar O Começo da Busca, que faz um apanhado inédito das expressões mais originais na Argentina, Chile, Venezuela, Peru, Brasil? FM É sempre difícil precisar isto, pois não se trata de um contrato editorial ou de uma tese acadêmica. Há quase duas décadas mergulho em textos fora de circuito que dizem respeito à poesia e à crítica dessa poesia em âmbito hispanoamericano. O Surrealismo é, portanto, parte disto. Mas sempre me chamou a atenção, confesso, a maneira como certa rejeição ao que fira a razão foi tomando corpo em nossa poética. O mais interessante é que a realidade do país sempre feriu a razão. E o resultado dessa química foi uma razão ferida sem consciência de, ou talvez uma razão preferencialmente ferida. De qualquer maneira, o livro é fruto de um largo acompanhamento, viagens, troca de correspondências. E traz consigo dois projetos paralelos: um volume de entrevistas a poetas latino-americanos – cuja primeira versão se publicou em 1998 sob o título de Escritura Conquistada – e um outro de ensaios sobre os principais desdobramentos estéticos ocorridos na poesia latino-americana no decorrer do século XX. Além disto, há um segmento virtual, o site Banda Hispânica, que coordeno para o Jornal de Poesia, um banco de consultas permanente sobre poesia hispano-americana, onde já se encontram à disposição do leitor centenas de páginas, e o mantenho constantemente atualizado. E há ainda a revista Agulha, que dirijo com Claudio Willer, que está parcialmente empenhada na difusão do Surrealismo. FC Depois da exposição surrealista no Brasil, parece que vingou uma preocupação revisionista. Não são poucas as obras que tratam do tema lançadas nos últimos anos: Vanguardas latino-americanas, de Jorge Schwartz, A Aventura Surrealista, de Sérgio Lima, e Surrealismo e Novo Mundo, de Roberto Ponge. Como o Sr. situa O Começo da Busca entre esses livros? FM Em 2001, podemos enumerar o dossiê da revista Cult, o simpósio promovido pela UNESP e a exposição do CCBB. Este meu livro sai inclusive com data de 2001, no apagar de luzes do ano. Todo revisionismo está intrinsecamente ligado a uma nova seção de equívocos, sobretudo quando não consegue escapar de um modismo. O Surrealismo não foge ao tema. Há uma bibliografia sobre Surrealismo que ainda não se encontra devidamente assimilada. Valentin Facciolli, por exemplo, tem escrito algo relevante sobre o assunto. Claudio Willer tem dado contributo impecável em termos de artigos na imprensa. Jorge Schwartz, assim como José Paulo Paes e Gilberto Mendonça Teles, apresentam uma cronologia sumária dos acontecimentos, onde claramente se detecta um esquematismo sem maior conseqüência. O livro organizado por Robert Ponge reflete bem essa diversidade até aqui aludida. O primeiro volume de A Aventura Surrealista, de Sérgio Lima, requer a continuidade editorial para que se constate a validade. De qualquer maneira, o que impera é a necessidade de estabelecer uma discussão aberta sobre os acontecimentos, desde que colocados com isenção e honestidade. Acho que O Começo da Busca cumpre esse papel.
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2003 | O Mergulho em Todas as Águas
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Se a inteligência de um homem é proporcional à sua capacidade de estabelecer recusas, ao conversar com o cearense Floriano Martins tem-se a nítida sensação de estar diante de um homem muito bem dotado dessa faculdade tão mal distribuída entre os seres humanos, sobretudo entre os intelectuais. Autor do livro de poemas Alma em Chamas, certamente um dos acontecimentos poéticos das últimas décadas, e de uma obra volumosa que abrange ensaios, crítica, tradução e entrevistas com poetas, além de uma série de inéditos, Floriano é um dos maiores conhecedores da poesia latino-americana moderna e contemporânea entre nós, e vem fazendo pontes das mais estimulantes entre essas literaturas e o Brasil. Mas, para nossa surpresa, é uma voz solitária e praticamente isolada em sua proposta. Pela importância e amplitude desse trabalho, veiculado, sobretudo, nas revistas virtuais Agulha e Banda Hispânica, das quais é editor, assusta sabermos que ele não tenha maior repercussão. [RP] RP O segundo volume de O Começo da Busca vai ser uma continuidade do primeiro ou vai propor outras diretrizes poéticas e conceituais que convirjam para o Surrealismo? Fale um pouco do projeto como um todo. FM A princípio não havia nenhuma ideia de segundo volume, por mais que o assunto não pudesse ser responsavelmente resolvido em 300 páginas. Confesso que já foi um obstáculo e tanto vir a editar este livro. A acolhida da Escrituras foi providencial e o objeto final me é bastante simpático. Ao vê-lo publicado é que comecei a pensar em lacunas que deveriam ser preenchidas, todas dentro da mesma perspectiva. Não há porque buscar uma ótica outra se estamos tratando de um tema de tamanha amplitude e ainda não de todo ambientado. Há uma pressa entre nós brasileiros de mudar de assunto ou diretriz que reflete apenas uma frivolidade. Somente agora é que começo a pensar no que chamas “do projeto como um todo”. Em carta enviada, pouco antes de morrer, ao grupo surrealista de Chicago, escreveu Pierre Naville “que o mundo atual deverá conhecer uma explosão surrealista muito maior do que aquela que se deu em Paris, em 1924”. Isto foi em 1992, e até então o Brasil não conhecia absolutamente nada do surrealismo em suas vertentes hispano-americanas. Mesmo hoje há ainda muito a ser revelado e bem sabes que sou uma voz praticamente isolada nesse processo. Na continuidade de meu trabalho vou chamar a atenção sobre outros poetas, frisar as relações entre vários deles – em termos de ação e poética – e apresentar novas entrevistas. Além disso, estou escrevendo um volume apenas de ensaios, em que vão se revelando cronologicamente os dados essenciais para uma leitura dessa explosão a que se refere Naville, já em ambiente latino-americano. RP Em O Começo da Busca você demonstra justamente que é possível traçar uma história da literatura latino-americana a partir do Surrealismo. Você defende um Surrealismo policêntrico, que emergiu por aqui em diversas etapas e sob diversas circunstâncias, ao contrário da ideia de um movimento epicêntrico, com sua origem datada nos manifestos de André Breton. Fale um pouco sobre isso. FM Não havia ideia de epicentrismo nem mesmo naquele bando mesclado de exdadaístas que se reunia em torno de Breton. Acho que há algo em comum, o prin-
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Entrevista concedida a Rodrigo Petronio. Originalmente publicada em Agulha Revista de Cultura # 32. Fortaleza/São Paulo, janeiro de 2003. Disponível em: www.revista.agulha.nom.br/ag32martins.htm
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cípio libertário que norteia o Surrealismo, não resta dúvida. Mas a manifestação desse princípio na América Latina se deu investida de um otimismo, inclusive uma crença voluptuosa na linguagem e não apenas na ação. Não cabe falar em emancipação porque a relação entre os países latino-americanos e a Europa possui vários matizes. Não há o que se possa chamar de “nossa história”. Não temos uma história comum, no sentido em que jamais a percebemos sob tal ângulo. No caso brasileiro, nossa relação com a Europa estava mais acentuadamente ligada à França de Claudel, Verlaine, Valéry. Desnecessário dizer que me refiro a um mapa oficial dessa cultura. Tzara, Reverdy ou Breton eram nomes pouco mencionados por aqui. E uma imediata aproximação entre Surrealismo e marxismo, por exemplo, afastou de vez toda possibilidade de uma filiação do Brasil a essa corrente libertária que se anunciava. Nenhuma história corre independente, pois a história é uma mescla de fatores, e sequer pode ser tão levianamente lida como tardia ou antecipatória em relação a qualquer aspecto que se coloque. Quando se pretende um recorte isolado o que se está fazendo é falsear a história – a exemplo do que tivemos tanto na Semana de Arte Moderna quanto no Concretismo. RP Como você situa algumas vozes fortes como César Vallejo e Vicente Huidobro nesse panorama? FM Grande dilema o de atestar vínculos. O Surrealismo procurou romper com a ideia de clubismo, e mesmo assim muitos se aproximaram dele como se buscassem apenas uma carteira. Essa ambigüidade – se cabe o termo – gerou rejeições famosas, manifestas de várias maneiras. Vallejo e Huidobro são dois casos paradigmáticos. O chileno é apontado pelo romeno Stefan Baciu como um dos precursores do Surrealismo na América Latina. Já o espanhol Ángel Pariente situa o livro Trilce, de Vallejo, como sendo de recorte surrealista. Huidobro tinha um ego assombroso e jamais admitiria influência de quem quer que seja, o mundo começava nele. Creio que foi o poeta que mais redigiu manifestos – há um largo volume que recolhe todos eles –, manifestos de um homem só. Já o peruano estava tão impregnado de comunismo que a própria ruptura de linguagem que alcança em Trilce seria posteriormente enfraquecida em outros livros. De qualquer maneira, creio que a desconstrução neste livro do Vallejo tende mais ao dadaísmo – embora não tão nítida como no caso de En la masmédula, de Girondo – do que ao Surrealismo. E Huidobro estava, como o sabemos, demasiado impregnado de Cubismo. RP No Brasil, nosso conhecimento da literatura latino-americana se restringe à trinca Borges, Paz e Neruda. Quanto a Lezama Lima, há ainda o agravante de ter penetrado aqui por intermédio do Concretismo, que importou a imagem deformada e afetada que o Neobarroso de Nestor Perlonguer fez dele. Fale de outros poetas e poéticas americanos. FM Talvez seja melhor começarmos falando dos prejuízos advindos da limitação e, sobretudo, do falseamento dentro desse âmbito restrito. É precário aceitar a presença de Borges, Paz e Neruda como grandes poetas, ainda mais sob o crivo de fundadores da modernidade na poesia hispano-americana. Borges era um fabulista, mestre imbatível na arte de tornar a si mesmo o grande personagem de sua obra e, por conseqüência, da tradição literária moderna. Gerardo Deniz está completamente correto ao dizer que se trata de um poeta de imagens e recursos previsíveis, enfadonhos. Paz possuía uma aguda percepção da realidade à sua volta – soube ser inicialmente o crítico dessa realidade, mas acabou por converter-se em cúmplice dela. Poeticamente cristalizou-se muito cedo. Neruda jamais buscou outra coisa que não fosse tocar a imensidão do ego, e não reside em outro aspecto a máscara cosmogônica com que revestiu sua poética nos incontáveis experimentos estéticos | 50
a que a submeteu. Já o caso de Lezama possui uma graça particular: há algo de enciclopédico na visão de mundo do cubano que o aproxima de figuras como Peter Greenaway ou Haroldo de Campos. A verdade é que todos querem ser Deus. E cada vez me parece que a grande tradição poética é consubstanciada por quem se recusa a sê-lo. O venezuelano José Antonio Ramos Sucre, por exemplo, matou-se por não suportar mais a presença de visões que lhe assombravam a existência. Não vivia em um plano literário, mas sim na mesma dimensão excessiva de um Artaud. Após o suicídio, em 1940, não foi mais lembrado de maneira consistente. O Chile possui uma vertente múltipla que encontra em Pablo de Rokha, Rosamel del Valle e Humberto Díaz-Casanueva uma fonte de renovação que não desconsidera o autóctone e se manifesta no diálogo com a Europa. No colombiano León de Greiff encontramos o mais surpreendente caso de polifonia na tradição poética latinoamericana. O guatemalteco Luiz Cardoza y Aragón soube buscar na algazarra da modernidade uma voz que fosse a soma de todas; uma nova relação com o mito proposta pelo nicaragüense Pablo Antonio Cuadra etc. O que me pedes não é fácil, toma um livro. Sobretudo quando no Brasil desconhecemos toda essa tradição. Acho que a todo momento atestamos a infelicidade de nossa ausência de mundo. Toda a sociedade brasileira desmonta-se por esse desconhecimento de si mesmo, um mínimo estalo que nos leve à relação com o outro. Sem ele, não há nada. RP Você é dos poucos poetas brasileiros que se preocupam com a dimensão política da arte, o que é, mais do que louvável, necessário, em um momento em que intelectuais, escritores e artistas oscilam entre uma burocracia mental aviltante e um espírito gregário cada vez mais acentuado, ou, na pior das hipóteses, em seu idiotismo, mal sabem o que vem a ser a dimensão política de uma poética. Como você vê a articulação entre essas duas esferas? FM Se não me falha a memória certa vez o Augusto de Campos referiu-se ao afazer poético como uma afasia. Isto é curioso porque carece de autocrítica, ou seja, a quem exatamente ele estava se referindo? Por aqui começamos nosso curso de idiotismo. Este é um formoso termo de alheamento da realidade, de criação de uma linguagem isolada, que não se relaciona com nada. O idiotismo é a anti-poesia, mas tem sido a tônica da poesia que se pratica no Brasil de algumas décadas para cá. É curioso observar as maneiras distintas do ser idiota no poeta brasileiro. Há os que se tornam reféns da pós-modernidade, que fazem questão de serem reconhecidos como contemporâneos, por mais desarticulada ou retrógrada que seja essa pósmodernidade. Na outra ponta estão aqueles que detestam a atualidade, os passadistas de carteira e louvor, que pousam em bando como uma equipe de resgate da história. Evidente que em um cenário desses, reforçado por uma tradição positivista, brigadas da TFP, política cartorial, amiguismos, uma relação responsável de complementaridade entre poética e política está fadada ao ideário das charges. Não te parece que o mais importante na vida dos brasileiros é que algo te faça rir? Rir da própria miséria pode ser uma tática de resistência, mas ser levado a isto é aceitar-se como instrumento de uma perversão, com o qual somos todos coniventes. A chamada arte tornou-se mecanismo de idiotização de uma sociedade carente de si mesma. O pão convertido em circo e vice-versa. Somos todos absolutamente responsáveis por esse crime em larga escala. A maneira como tocadores de violão são aceitos como músicos, modelos fotográficas como atrizes, músicos como romancistas, jornalistas e redatores publicitários como poetas ou roteiristas de cinema, enfim, a forma espúria como a mediocridade ascende ao poder cultural em nosso país já se tornou um caso de polícia. RP Você diz que o Surrealismo teve pouca penetração no Brasil exatamente por causa de nossa tradição positivista, o que eu considero uma análise agudíssima e | 51
correta. O que é curioso é essa estética ter se imiscuído entre nós pelas mãos de dois poetas católicos e com interesses místicos: Murilo Mendes e Jorge de Lima. Ao mesmo tempo, você tece algumas críticas a esses poetas e sugere outros nomes. Isso está relacionado às eternas idiossincrasias brasileiras? Como você analisa esse fato? FM O Surrealismo estava na pauta de rejeições de todas as culturas que buscavam uma identidade em meio àquela eclosão destemperada de ismos das primeiras décadas do século XX. Basta pensar que Lezama Lima ou Gaitán Durán possuíam articulações essenciais com o Surrealismo, mas que não as admitiam em circunstância alguma, imbuídos que se sentiam da necessidade de fundar algo em Cuba e Colômbia, respectivamente. É possível que o mesmo tenha se dado com o Mário de Andrade, conhecedor que era dos vislumbres anunciados ao mesmo tempo em que não lhes correspondiam – nem ele nem Oswald – em termos estéticos. Então nos pegamos com réstias ou pequenos sinais de vida. Basta ler manifestos assinados por ambos. Já em relação a Jorge de Lima e Murilo Mendes, façamos o seguinte: troquemos catolicismo por cristianismo e misticismo por ocultismo, por exemplo, e já teremos aí um novo ambiente conceitual onde o assunto começa a ganhar clareza. Vincule-se cristianismo a comunismo e ressalte-se o interesse do Surrealismo pelas ciências ocultas e ganhamos ainda mais em nitidez nessa relação por ti sugerida. O que chamas de “idiossincrasias brasileiras”, é sempre o mesmo fruto podre de nosso desconhecimento de causa. Eu não tenho nenhuma rejeição aos dois poetas. Acho impressionante que se mencione tão amiúde o Drummond como nosso grande poeta, este sim tão católico, tão conservador, tão transigente, tão acomodado às circunstâncias, sob quaisquer aspectos que se mencione. O que digo em meu livro é que nossa crítica literária necessita sair do lugar comum de tratar o Murilo como único surrealista no Brasil. Isto não passa de um refúgio para evitar referir-se à questão como ela merece. Murilo foi um grande transgressor, e mesmo naquele ambiente interiorano de uma Jandira, por exemplo, já se ressaltava uma visão mais profunda de mundo, com um recorte filosófico que não tínhamos em nós nem mesmo de maneira caricatural. É leviano – quando não criminoso de vez – reduzir a poética de ambos ao que se chama de “poesia em Cristo”. Como esperar que se manifestasse a explosão do ser em poetas marcados por uma exasperada chaga católica que tanto define a história brasileira? Diante da irrelevante obra poética de nomes como Mario e Oswald de Andrade, por exemplo, tento buscar outra explicação, que não de ordem estética, para que poetas como Jorge de Lima e Murilo Mendes não tenham sido até hoje lidos com a isenção que a obra de ambos cobra de nossa crítica. RP Falando em idiossincrasia, há uma curiosa. Enquanto na América do Norte o fenômeno Walt Whitman já tinha acontecido há décadas e na Europa tínhamos uma plêiade composta por Rilke, Valéry, Eliot, Pound, Apollinaire, Joyce, Lorca, Breton e Proust (desconto Kafka e Pessoa por causa do seu anonimato incipiente), Mário de Andrade resolve se agarrar a uma estrela cadente, e importa a tagarelice de um italiano cuja fortuna mental e o talento irrisórios deixaram para a posteridade um manifesto e algumas frases tão ridículas quanto ele próprio: Tommaso Marinetti. Sabemos que o futurismo estava no front de toda a proposta modernista, e que esse mesmo Modernismo, por razões muitas vezes meramente ideológicas, é a cartilha sobre a qual reza a maior parte da arte que se fez e faz até hoje. À parte o valor inquestionável da obra de Mario e Oswald de Andrade, há um legado bastante negativo da Semana de 22, não? Como você avalia isso? FM O legado da Semana de 22 equivale à leitura de curso das águas em uma lagoa. É nossa principal metáfora da permanência, com a ambígua leitura de que é | 52
nossa entrada na modernidade. Mário estava menos interessado nela do que em um projeto pessoal de afirmação de leitura dessa modernidade. Os nomes ligados à Semana eram os do rebanho possível. Como Alberto Nepomuceno morrera dois anos antes, embora deixando volumosa pesquisa sobre cantos populares em todo o Brasil, e mesmo tendo posto o pescoço a prêmio ao colocar a Sinfônica brasileira a tocar com Catulo da Paixão Cearense, por exemplo, inúmeros fatos foram apagados e hoje cabe ao modernismo e em especial a Villa-Lobos essa aproximação entre o popular e o erudito em nossa música. Também nas artes plásticas teríamos muito a conversar sobre o injustamente reduzido prestígio de um artista como Vicente do Rego Monteiro. Não se trata de “legado negativo”, mas sim de falseamento da história e com a larga conivência de toda uma casta intelectual envolvida. O mais curioso é quando escuto dizer do nacionalismo exacerbado do Nepomuceno, por exemplo. Ora, ninguém fala em tal coisa quando se trata dessa íntima relação que o Mário assumiu com o Futurismo, nitidamente de ordem nacionalista. Nacionalismo, ressalte-se, no sentido de preparação para regime de exceção. PR Fale um pouco mais desse falseamento da história e desse regime de exceção. É ele que endeusa o Fernand Léger de saia (Tarsila do Amaral) e praticamente risca do mapa um artista excepcional como Ismael Nery? Que devolve o Concretismo ao centro do seu próprio umbigo cósmico e torna opaca uma série de coisas em volta? Que eclipsa Augusto dos Anjos e confere qualidade à versalhada de Mario de Andrade? Tenho a impressão que se Augusto dos Anjos tivesse escrito em alemão haveria uma miríade de pedantes usando-o como epígrafe em seus estudos sobre o expressionismo. FM Acho que podemos rir um pouco. Em uma das edições de dezembro de 2002, a revista Época publica um artigo de Antonio Gonçalves Filho onde menciona a decorrência ingênua da pintura de Anita Malfatti, o realismo socialista para onde escorreu a obra de Tarsila do Amaral, a decadência suburbana de Di Cavalcanti e o exílio no academicismo em Brecheret. A princípio este é um atestado de que a Semana de Arte Moderna não manteve a chama acesa nem mesmo enquanto o bolo do primeiro aniversário era cortado. Ora, mas de que nos servia o cubismo de Fernando Léger e a concisão de Brancusi, se não sabíamos o que propor, a partir deles, em termos de um Brasil aclamado como bandeira da (nossa) modernidade? Trocar xenofobia por xenofilia? Ismael Nery sabia o caminho. Mas ia de encontro à pretensa ousadia nacionalista de nossos modernistas. O mesmo vale para Cícero Dias. Uma coisa que tenho observado nessas leituras comemorativas de nossa entrada na modernidade é que uma crítica de arte se manifesta de maneira mais efetiva do que o correspondente, por exemplo, na música ou na literatura. Nem falar em Niemeyer, que tornou-se um mito intocável de nossa arquitetura, uma curiosidade na perspectiva de uma arquitetura funcional esse encantamento por um declarado comunista que planejou espaços onde é bastante dificultado o encontro entre duas almas. Bom, no caso da música o lobby de Mário de Andrade em favor de VillaLobos foi decisivo. Agora, por que aceitamos tão passivamente a importância de Mário e Oswald como poetas se não atendem, em circunstância alguma, a uma perspectiva estética em que deveriam quando menos apontar certos traços renovadores? O falseamento da história é exercido por um corte abrupto em relação ao passado. Nossa modernidade parte do nada. O mesmo se repetiria no plano-piloto do Concretismo, décadas depois. O regime de exceção é decorrente desse comportamento. Basta cotejar cronologia artística e política – como se fossem entidades inconciliáveis! – e veremos que a Semana de Arte Moderna é precursora do Estado Novo e que o Concretismo e o Golpe de 64 são consangüíneos.
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RP A propósito, temos no Brasil duas correntes que se desenvolvem paralelamente e que parecem formar a esquizofrenia fundamental de nossa intelligentsia. De um lado, uma forte tradição dialética advinda do Idealismo Alemão, mais especificamente de Hegel, busca o Bildung, o caráter formativo da nossa nacionalidade por intermédio da análise da literatura. De outro, há uma via que finca raízes na lingüística, na semiologia in nuce, na ciência positiva do século XIX e mais tarde no Estruturalismo, que se preocupa com os aspectos imanentes da arte, e que nos deu os jogos florais e formais de toda essa poesia de véu e grinalda feita nas últimas décadas. Em decorrência disso, ora fazemos da literatura um mero instrumento que expressa uma hipotética essência (a nacionalidade), ora a tomamos nela mesma e reduzimos seu sentido a um enunciado discursivo (a linguagem), em contraste com o “mundo”, que confesso francamente não ter a mínima ideia do que venha a ser. Isso demonstra que as duas grandes diretrizes do pensamento e da produção poética estão concentradas na dualidade Forma versus Conteúdo. No seu livro Fogo nas Cartas, você diz que a poesia, mesmo sendo intransitiva, é filha da alteridade. Essa definição, além de ser muito bonita, parece negar de saída essas ambigüidades falazes. Como você se posiciona diante dessas questões? FM Tua leitura é cristalina e incontestável. Quem primeiro me chamou a atenção para isso foi o Roberto Piva. Não podemos nos tornar reféns ou cúmplices dos crimes de lesa pátria ou língua. A rigor, a poesia é a contestação desses conceitos. Há um aspecto aparentemente negativista na poesia, o de recusa essencial. Mesmo a afirmação é uma negação, e isto porque ela parte do princípio de que algo deve ser contestado. Condição ambígua? Não se trata propriamente de um sofisma. Não posso me pôr dentro da linguagem se não estou dentro de mim mesmo, com as implicações naturais do cidadão que sou. Mesmo que vivesse isolado do mundo, essa seria uma forma de relacionar-me com o mesmo. Então não tenho como fugir de mim e de minha circunstância – por mais que o deseje. É por isso que me refiro a muitos de nossos poetas como autistas. A pretensa autonomia – ou voz própria, seja lá que nome se queira dar – é fruto não de isolamento, mas de mergulho em todas as águas. A rigor não escolhemos o inferno onde queremos ser Dante. Mas jamais chegaremos a gare alguma pela via inexpressiva de nossos poetas incultos. RP Você defende a união indissolúvel entre a vida e a arte. Isso não pode gerar algumas dificuldades de avaliação da obra artística e seu valor objetivo, na medida em que a liga de maneira muito direta a seu criador e à sua biografia? FM Não creio nisto. A biografia de um poeta está intrinsecamente ligada a uma perspectiva de errância, do matutar em peregrinação, de maneira que não vejo como dar à vida ou à obra uma dimensão inquestionável. Os valores objetivos são um encargo da sociedade de consumo. A criação artística possui um valor intrínseco, soma do objetivo e do subjetivo. É o retrato falado de quem a cria. Prova maior do que falo a obtemos quando do encontro com o autor de qualquer um desses versos anódinos que se publicam a rodo. Qual a biografia possível dos poetas brasileiros, por exemplo, da minha geração? RP Boa parte da nossa miséria econômica deita raízes na e coroa a nossa dependência cultural. Mesmo assim, parece que há cada vez menos debate artístico em âmbito civil, ou seja, motivado por projetos impessoais e coletivos sobre a arte. Qual o seu diagnóstico da poesia brasileira atual, com o perdão da amplitude do tema e da questão? FM Não há perdão para a amplitude. Não padecemos propriamente de uma dependência cultural nos moldes de uma invasão, se cabe o termo. Há cultura sufici| 54
ente no país para torná-lo uma grande nação. Eu sempre penso no caso da música e me indago como é possível que o choro tenha se convertido em algo de quase nenhuma percepção em nossa tradição musical. Ora, o choro praticamente funda um legado essencialmente brasileiro. A bossa nova vem depois. Mas claro, é música de branco universitário. Eu acho um absurdo que não se consiga conversar com poetas brasileiros sobre música ou teatro ou cinema, por exemplo. Que espécie de mundo à parte eles estão construindo? E mesmo sobre a matéria queimante da poesia, raros cruzam os cercados dos lugares comuns, e alguns ostentam ainda com peculiar parvoíce sintomas de obsessão enciclopédica. Ora, vivemos em um país onde a miséria intelectual determina a miséria social. Bem podemos compreender todo o despejar de preconceitos ou rejeições em torno de qualquer maneira distinta de tratar do assunto. Para que fosse possível um diagnóstico teríamos que evocar toda uma tradição fraudada, o que significaria revolver túmulos, reconsiderar decretos de genialidade, rever diários de bordo etc., pois de outra maneira não alcançaríamos uma justa relação entre passado e presente. Teríamos, enfim, que enfrentar um largo processo de desmi(s)tificação. Acontece que os novos talentos são dados à luz dessa deformação cultural, gerando um círculo vicioso que a ninguém interessa romper. Não quero dizer com isto que padecemos de um mal incurável. Cabe, no entanto, lembrar que somente através da revolta, da negação, da insubmissão, em relação a quaisquer cânones é que encontramos uma razão de ser da poesia. RP Pela primeira vez, desde a instituição da República, vamos ter um governo de esquerda gerido pelo maior partido de esquerda do mundo. No que isso pode mudar o curso do Brasil e dos países dependentes? Você arriscaria alguma opinião sobre a América Latina? FM Tenho a impressão de uma dádiva queimante. Um grande dilema da América Latina tem sido a recusa a entender que a solução encontra-se em casa. Este é nosso maior desafio. Não vejo isoladamente o assunto como de ordem política. Caberá ao novo presidente o que sempre coube a seus antecessores: buscar vínculos substanciosos, que não sejam regidos apenas por uma falácia de crise. Não arrisco opinião alguma. Afirmo um caminho que já trilho com meu trabalho. Mínimo sinal, mas que considera uma relação continental até então inexistente. O mundo deixouse tragar pela falácia econômica, sempre cartorial, onde a ameaça terrorista possui até um dado positivo, que é o de nos despertar dessa hipnose estatística. Mas não cabe apelar a uma antevisão agora. Há muito o que ser inicialmente conversado. Lula naturalmente tem suas prioridades. É aguardá-lo, antes de qualquer outra coisa.
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2003 | Palavras Preliminares
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JAM Comienzo asombrándome por tu entrega a un apasionado y doble andarivel. En efecto, junto a tu quehacer creativo cumples una inusual tarea de difusión y crítica de otros poetas: brasileños y, en mayor medida aun, hispano-hablantes. Muchos de ellos, mal conocidos inclusive en nuestra lengua. Un puente inter-cultural que abarca libros y espacios como Agulha y Banda Hispánica. Desusado, además, por tu conocimiento de esas poéticas y tu voltaje polémico. FM O mais importante aqui é manter o ego no lugar, não deixá-lo de todo solto. Sempre que posso, venho chamado a atenção para nomes essenciais, na cultura de meu país, e também em toda a América Hispânica, e creio que assim vamos contribuindo para a difusão de suas obras. O que estamos tentando fazer na Agulha, Claudio Willer e eu, é não somente recuperar alguns autores do passado, mas, sobretudo, revelar algumas novas fontes de reflexão. Estamos carentes de reflexão, de apostas mais profundas em buscar soluções para velhos problemas numa margem e outra da América Latina. Já a Banda Hispânica, nela o que conta é sistematizar uma zona de pesquisa sem privilégios de qualquer ordem. A intenção é formatar um imenso banco de dados, disponível para pesquisa em área acadêmica ou artística, um lugar de encontro onde essa cultura múltipla possa se expressar livre das demanda casuística que já bem conhecemos. Como vês, nada de intencionalmente polêmico. São áreas esvaziadas e que necessitam ser recuperadas. E te digo que estou apenas começando. Há uma grande rede de conexões se preparando para um envolvimento maior, uma difusão mais ampla e sólida. JAM En tu libro O Começo da Busca – O Surrealismo na poesia da América latina (2001) te ocupas de más de una docena de autores, y rechazas cualquier fosilización del Surrealismo como mera escuela o grupo históricamente datado. ¿Qué rasgos permiten hoy, entonces, tal adscripción? ¿Fidelidad a la fascinante utopía de borrar las fronteras entre arte y vida, o incluso “cambiar la vida”? ¿El poeta -y el poemacomo ejes de una subversiva alma en llamas individual-colectiva? ¿La priorización del automatismo psíquico? ¿Perseguir el punto donde se unan real e imaginario, sueño y vigilia, razón y locura? FM Em carta remetida a Osiris Troiani, disse Aldo Pellegrini que “el surrealismo no es la creación de un solo hombre y en su formación han confluído todas las corrientes que señalan la insurrección esencial del hombre del siglo XX”. Naturalmente que essa insurreição requer uma fidelidade a si mesmo – a fidelidade ao outro é um sofisma cristão – e o homem é livre para cometer suas contradições. O que se passa com o Surrealismo é que parte de uma aposta muito profunda e ampla onde o dogma pode levar a certos prejuízos ou riscos. Como apagar as fronteiras entre arte e vida hoje? Como mudar a vida em meio a essa dinâmica estática que rege nossa época? É possível como sempre o foi: na fluidez solitária e silenciosa de uma obsessão. O anúncio de qualquer coisa sempre privilegiou o superficial, o leviano. A comunicação de massas não passa de customização de massas. Com isto percebemos que a melhor maneira de ser surrealista é recusar-lhe o dogma. As experiências com sonho hipnótico em Robert Desnos de alguma maneira se entrelaçam com a busca de iluminação em René Daumal, e penso que os dois casos podem ser aqui lembrados por um único motivo consistente: a fidelidade a si mesmo. Esta me parece a maior contribuição do Surrealismo: a afirmação insubornável do mais íntimo
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Entrevista concedida a Jorge Ariel Madrazo. Originalmente publicada em Poéticas. Buenos Aires, 2003.
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em nós, a grande convulsão do ser. Não é preciso tirar carteira de clube para isto, ou restringir-se a um tempo dado, histórico. JAM ¿Es válido llamar surrealistas, sin reservas, a poetas inclusive de la relevancia de un Enrique Molina, cofundador con Pellegrini de A partir de Cero, que reconoció con fervor la impronta surrealista pero reticente -salvo quizás en tramos de Amantes Antípodas y Las Bellas Furias- a la alogicidad y desenfreno asociativo del Surrealismo (distanciamiento más acentuado aun, creo, en Olga Orozco, por su parte más cercana al gnosticismo y a la nostalgia de un absoluto religioso)? ¿Y qué pasaría con los poetas cuya obra mayoritaria se alejó de esta corriente? ¿O los que se amoldaron al sistema? ¿Por qué rechazar las expresiones para-surrealismo, afin al surrealismo, etc? FM Aldo Pellegrini era possuidor dessa mescla de visão e revelação que somente cabe aos grandes espíritos. É admirável esse momento na história de nosso continente em que se pode contar com um antagonismo confluente da ordem do que regiam Pellegrini e Raúl Gustavo Aguirre. Creio que devemos considerar do Surrealismo, em suas origens, a inúmera possibilidade de expansão. Lamentavelmente no Brasil havia uma presunção em curso que impedia perceber a ideia central já oferecida por Lautréamont de uma poesia feita por todos. O gnosticismo de Olga Orozco ou o orfeísmo de Rosamel del Valle devem ser considerados como identificações valiosas. Definem-se por uma liberdade intensa e aportam com imagens surpreendentes. As religiões sempre possuíram um caráter restritivo, no que difere o sentido do religioso. Ainda hoje cabem cuidados para que o Surrealismo não seja confundido com uma doutrina. As denominações aproximativas que sugeres são quimicamente inaceitáveis. Mas não há um sistema surrealista que se imponha como a desejada escola cultuada por alguns equívocos. Cabe deixar-se tomar por essa fúria valiosa do contato de realidades à volta, a maneira como estou dentro e fora do mundo. JAM ¿Cabrá rescatar, como postula el poeta español Angel Pariente en el diálogo que transcribes en O Começo da busca, que el Surrealismo sería en esencia libertad y contradicción, y querer acotarlo es vano afán escolástico, o que bien puede hallarse en ciertas etapas de un poeta y ausente en otras? ¿Y sería surrealista sólo en esas obras? ¿Ello no invalida, en tales casos, su inclusión como “poetas surrealistas”? FM Ángel Pariente é um estudioso sério do Surrealismo e sua antologia publicada na Espanha é um momento admirável de busca de integração entre as duas margens do Atlântico, Espanha e América Hispânica. Tem minha completa admiração por isto. Entende que o fogo surrealista não estava fadado a queimar, mas antes a iluminar. Foi Artaud exatamente a dizer que “o surrealismo é antes de tudo um estado de ânimo”, e não há como por em dúvida o estado de ânimo de um poeta como Artaud. Há uma presença do Surrealismo na obra de um poeta como o chileno Enrique Gómez-Correa que vai além de qualquer declaração do próprio poeta em sua defesa. JAM ¿Qué opinas de la observación de Louis Aragon, para la entrevista de F. Cremiéux en 1963: “Se tiene la idea equivocada de considerar al Surrealismo sólo en función de una de sus actividades experimentales, a la que habíamos dado el nombre de escritura automática”, la que a su juicio sería uno entre otros motores de arranque de las grandes “cacerías interiores”?
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FM Breton disse em 1952, a respeito de Aragon, que “o único perigo que corre é seu grande desejo de agradar”. Sempre achei curiosa esta observação e confesso que me levou a não considerar muito os ditos de Aragon. Percebo agora que era mais dado a declarações coletivas do que pessoais. Mesmo sua poesia da juventude surrealista não possui grande substância – apesar da rara beleza de um poema como Licantropia contemporânea. No entanto, Aragon está correto: o Surrealismo propôs uma abrangência inabarcável e teve como resultado o esfatiar-se produzido por aplicadas restrições a essa amplitude. JAM En el puzzle llamado Latinoamérica impera el desconocimiento sobre nuestras culturas y potencialidades. Hasta especialistas como Saúl Yurkievich practicarían recortes erróneos, según dices en “La modernidad de la poesía en Hispanoamérica”. Pero a la vista de nombres y movimientos renovadores en Brasil y que traspasaron con fuerza sus fronteras, ¿por qué afirmas que, “salvo excepciones, la tradición poética brasileña se vincula a un formalismo inocuo y exacerbado?”. ¿O en tu diálogo con el poeta Harold Alvarado Tenorio: “En Brasil padecemos de una miseria cultural de la que todos somos cómplices?” FM As declarações atendem a dois momentos específicos, ainda que confluentes. Se somarmos todos os recortes, digamos, estéticos da poesia brasileira teremos uma presença marcante do que chamo de esvaziamento de discurso, lugar onde a forma importa mais que o fundo, e raramente se verifica a afirmação pretensa de uma verdade, o postulado de uma inquietude existencial etc. Tem-se uma instância decorativa. E me lembra aqui uma afirmação do Roberto Piva, em 1964, que então se manifestava “contra a inibição de consciência da poesia oficial brasileira a serviço do instinto de morte (repressão)”, ou seja, a poesia se mostrando enclausurada pelo que Aldo Pellegrini chamava de “círculo muerto de las posibilidades gramaticales, semánticas o sonoras”. A miséria cultural aludida em outra ocasião refere-se à nossa cegueira para o que se passa fora, no sentido de sairmos em busca de algo. Aqui se encaixa aquela distinção observada por Octavio Paz entre fazer a história ou sofrê-la. Quando situo a existência de uma cumplicidade é porque observo, inclusive em conversa com muitos escritores, sobretudo os que se dizem poetas, que essa “inibição da consciência” de que falava o Piva tornou-se uma consciência dirigida, que atende a conveniências e nada mais. Há algo mais miserável do que isto? Particularizo o assunto brasileiro, mas cabe aqui uma menção ao que chamo de visão equivocada em Saúl Yurkievich. Por um lado propõe uma leitura das origens da poesia latino-americana deixando de fora o Brasil; por outro, recai no lugar-comum de utilizar-se levianamente de um cânone recorrente, falho em aspectos ligados a leituras cronológicas, éticas e estéticas. JAM Gilberto Freyre, Lins do Rego, Jorge de Lima, Drummond, Mario y Oswald de Andrade y el “Tupy or not tupy”, el “Verde-amarelismo”, el “Luso-tropicalismo”, Portinari, Glauber Rocha… ¿No hay en Brasil un frecuente interrogarse por las raíces de la identidad, una búsqueda de lo propio y/o popular en los lenguajes literario, pictórico, fílmico, musical? ¿Cómo te ubicas en relación a esto? FM Jamais senti necessidade alguma de me afirmar pelo nacional, de buscar nas entranhas de minha criação um caráter nacional. A discussão freqüente em minha poesia do estar no mundo encontra-se ligada mais aos espaços interiores do ser. Não estou bem certo se a América de um Allen Ginsberg, por exemplo, está ligada especificamente à realidade estadunidense ou se à veemente indignação do poeta em relação à condição humana. Me parece que a segunda opção seria mais fiel à poesia. A afirmação do nacional já extrapolou todos os limites do aceitável em sua relação com a arte. O século XX foi pródigo em diversas formas de fascismo. Em | 58
tua pergunta destaca-se o verde-amarelismo, em cujo manifesto, datado de 1929, se falava em “liberdade plena de cada um ser brasileiro como quiser e puder”, em contradição com a aposta integralista de alguns de seus firmantes. Tomava-se então o índio como símbolo nacional, “justamente porque ele significa a ausência de preconceito”, mas simplesmente não havia mais índio, mesmo nas primeiras décadas do século passado o índio já se encontrava em pleno processo violento de folclorização. Não espelha a realidade, mas antes um falseamento dela. A presença indígena, a consciência de uma nação indígena, tudo isso já fora liquidado, e a coragem maior, mais decisiva, era justamente a de realçar essa chacina. Para mim o “Tupy or not Tupy” não passa de um trocadilho infame, desses que desgraçadamente se ramificaram por toda a cultura brasileira, tanto é que o próprio Oswald de Andrade, que o cunhou, no Manifesto da poesia pau-brasil (1924) defendia uma brasilidade “sem ontologia”. Não te soa contraditório? Pois nunca ninguém deu pela conta entre nós. Em uma carta dirigida ao cineasta Cacá Diegues, em 1971, Glauber Rocha dizia o seguinte: “Oswald estava metido com os partidos liberais vigaristas e a única coisa política conseqüente que deu a Semana [de Arte Moderna] foi o integralismo”. Glauber comentava particularidades dos anos 20, de uma casta intelectual ainda hoje bastante influente em nossa cultura: “se comem uns aos outros, fazem tráficos de prestígio, informação, concorrência social e cultural, traem as ideias do núcleo biológico fundamental e se amesquinham na transação complacente com o regime”. Não há nada mais atual em nossa realidade brasileira. JAM Es muy interesante tu observación, y los planteos de Claudio Willer, de que un contradiscurso enfrentado al oficial-canónico implica más que el sarcasmo o la distorsión. Si he entendido bien, no se trataría de un simple binarismo (discursocontradiscurso), sino de una interacción dentro de una red de nuevos códigos, y de intervenir en el complejo mosaico social-cultural. Si es así, ¿cómo podría darse en el Brasil de hoy? FM O cânone funda uma falsa identidade. Sua rejeição alimenta-se dessa falsidade. Não percebendo isto, ficamos a administrar o que está à direita ou à esquerda de um determinismo que se impõe indiscutível. Ora, a experiência humana multiplica-se em tantos fenômenos a ponto de anular a fenomenologia em sua perspectiva científica. Agora, essa ambientação de uma interferência, não a sentimos jamais, não se dá no mesmo plano de um falseamento do real, como operado pela mídia, por exemplo. Mas para que serve o dinheiro e no que tem sido utilizado? Estamos a fabricar cânones de interesses privados. A mesma política de sempre. O Brasil tem uma percepção mínima do que se passa na esfera virtual. Nossa ideia de intervenção é no sentido de preparar terreno para o futuro. Aos poucos estamos nos convertendo na maior rede nacional de produção cultural na Internet. Mesmo aí rejeitamos o cânone, espécie de mito de ocasião, e diante de nós o maior de todos os obstáculos: celebrar bodas entre essas duas mídias: a impressa e a virtual. JAM ¿A cuáles autores de la poesía brasileña pasada o contemporánea te sientes más ligado, más allá de líneas estéticas? ¿Y por qué? FM Ainda em garoto lia mais a narrativa de José de Alencar do que propriamente nossos poetas. Em casa meu pai ouvia muita música brasileira e me levava a ver filmes com freqüência. Claro que tudo isto coincidia com a leitura de livros, conversas com amigos etc. Os dois poetas brasileiros que primeiro me chamam a atenção são Ferreira Gullar e Carlos Nejar, mas isto em meio a uma adolescência onde era muito forte o convívio com a prosa (Sade, Dostoievski), o teatro (Ionesco, Weiss, Shakespeare), as artes plásticas (Bosch, Brueghel, Goya) e a música pop (Frank Zappa, Rolling Stones, Led Zeppelin). Contudo, há um tempo ligado a incan| 59
sáveis leituras, freqüentado por inúmeros poetas. Através dessas visitações é que vamos tecendo uma singularidade, que me parece ser algo importante na vida de um artista. Muito me interessa a poesia de um Jorge de Lima ou de um José Santiago Naud, pela vertigem barroca e a vertente surrealista. É um dos raros momentos em que as encontramos juntas em nossa tradição lírica, o que se pode ver também em minha poesia. Mas sou um poeta dado ao trágico, a acentuar a dor, a chafurdar no sofrimento para ver o quanto resiste. E a tradição poética brasileira é mais decorativa – pensemos no peso impressionante do Parnasianismo até os dias de hoje –, quando não pende para um lirismo mais adocicado, de pequenas paixões frustradas ou ânsias amorosas reveladas por entre véus. JAM ¿Cómo entiendes el misterio y la magia poéticos? ¿Crees que palpite en igual grado en la manzana que tapa, o tacha, el rostro de un hombre ataviado con sombrero de copa -para evocar el célebre cuadro de Magritte-, como en la aparentemente nada misteriosa piedra en medio del camino de Drummond? FM Paul Nougé já observou, a respeito de Magritte, que “una constante meditación crítica sobre las relaciones del mundo exterior con el hombre, en la forma dialéctica en donde el hombre y el mundo exterior constituyen los términos en perpetuo devenir, ha llevado esta pintura a la unidad viva y a la expresión eficaz”. A pintura de Magritte e o poema de Drummond hoje se encontram convertidos em ícones, naturalmente repletos de excessos de leitura, do oportunismo à idealização. Não são bons exemplos nem para a magia nem para o mistério. A peça de Magritte converteu-se em uma fonte de lucros para a indústria da propaganda (aí incluindo o cinema). A de Drummond dilacera-se entre leituras de menor influência. Talvez originariamente as duas tenham sido obras de um ouvido interno, porém ditadas pela entrega ou pela busca? Aí temos a distinção entre magia e mistério. Aliás, Magritte já dizia que o mistério “'é absolutamente necessário para que exista o real”. Não me parece que Drummond tenha recorrido ao mistério em sua poética. Entregou-se por completo em cada poema, crisol de suas expectativas, sim, mas distanciando-se da ideia de assumi-lo. Me parece que há um abismo intencional entre ser e obra, um racionalismo que o aproxima mais de Valéry, por exemplo. Ainda que tivesse em Verlaine uma clara fonte de identificação. JAM También trabajas el collage. ¿Cuáles son tus relaciones con la imagen visual? ¿Cuáles sus lazos con el hechizo onírico? ¿Cómo juega esto en tu poesía y tu vida? FM Não compartilho a ideia de segmentações estéticas. Isto quer dizer que não vejo diferença alguma entre meus poemas, collages, ensaios. A menor freqüência de collages se dá em função de uma exigência maior no plano ensaístico, onde tenho que abranger uma área muito extensa (tradução, edição, conferências). No Brasil não temos uma tradição nessa área de collages. Há casos isolados – Jorge de Lima, Tereza d'Amico, Sérgio Lima –, compreendidos justamente pela recusa de toda uma casta intelectual a admitir a presença do Surrealismo em nossa cultura. Há dois entendimentos que se distanciam entre si em relação à imagem. Fujamos dos lugares-comuns. A imagem é uma bifurcação de interesses, como sugere a propaganda, ou então uma afirmação de novas perspectivas existenciais. Não posso mais falar em “feitiço onírico”, como sugeres, porque vivemos em uma época de feitiços construídos, onde nos arrastamos sofregamente a caminho de uma falsa ideia de nós mesmos. JAM En tu poema “Tratados de la sombra” aludes al “espectáculo de nuestras ruinas”, escenario “donde / el hombre actúa como el gusano de la propia especie”. | 60
En “A outra ponta do homem” dices: “¿De qué muere al final un hombre? / Sufre con sus animales espantosos, / escrituras encrespadas, / viscosas/, pobre mimo de la propia memoria…”. En “A la Sombra del Origen”: “¿Quiénes somos? ¿Los magníficos restos de la especie, / sacerdotes de ruinas, vastas y frustrantes?”. Y en otros poemas: “Lo que veo en el jardín son detalles del horror…”, “¿Con quién hablas en tu camino hacia el abismo…?”. Crepitan en tus versos palabras como cenizas, muerte, dolor, alma, ruinas, cadáver, vacío, equívocos, sin olvidar Dios… Por otro lado, tu Natureza Morta exhibe una muy ambiciosa estructura en forma de tríptico, forma que como señalaste hasta remite al Dante, y yuxtapone poemas y estrofas de gran intensidad encantatoria y variedad incluyendo reminiscencias salmódicas o rapsódicas. ¿No ves en tu obra rasgos románticos y metafísicos, en la familia de algún raro como José Antonio Ramos Sucre? FM A leitura de Ramos Sucre foi algo impressionante para mim e acho tua referência fascinante. Há um recorte entre o mundano e o metafísico neste poeta que o aproxima de uma poética que eu já vinha desenhando, sobretudo graças a uma mescla de convivência com textos teatrais e tratados filosóficos. É comum em Ramos Sucre o personagem saltar de uma cena trivial em uma taberna, por exemplo, para o centro abissal de uma discussão metafísica, por ele apenas sugerida. É um poeta impressionante e me parece que ainda não compreendido de todo, sobretudo nessa vertente que mencionas. Possui obra mais densa do que Tablada, Girondo, Eguren e Huidobro, para citar aqueles predecessores do Surrealismo apontados por Stefan Baciu. Até onde não me engano, minha poesia estrutura-se em uma complexidade que soma lirismo e metafísica, que põe o arquétipo a dialogar com as mais obscuras aparições do cotidiano. Deus é nossa grande fonte de equívocos e descobertas. Está presente em minha poesia mais pelos abusos conceituais do que propriamente por uma reverência. Tens razão quanto ao tríptico, forma a que recorro com curiosa permanência em meus escritos, ensaios e poesia. O dobrado em três como uma abertura para novas percepções, não apenas como tábulas soltas, mas trazendo já em si a chave para uma recorrência. O tríptico tem sido recurso plástico, mais ligado à pintura, pensemos em Bosch ou Francis Bacon, que praticamente constituiu sua obra dentro dessa opção ou obsessão. Mas é claro que o recurso a esses grandes painéis segue o curso de uma busca metafísica, desde que aclarado que a transcendência só se realiza na imanência, e vice-versa.
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2004 | Sábio imprevisto
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AAF O que representa este Estudos de pele na sua obra? FM Gosto do que diz sobre este meu livro o artista plástico Valdir Rocha, atento ao fato de que o mesmo “contém versos que carregam poesia, versos típicos de prosa e até despidos da poesia corrente, prosa que leva poesia, prosa que é prosa mesmo, e por aí vai. Diz-se a certa altura, com razão, que ‘Não estou bem certo se o domínio de uma linguagem afiança uma poética'. Reúne poemas e alguns nãopoemas; jamais antipoemas. Ilude sempre. Sinceramente, é muito difícil indicar-lhe o gênero. E isso está longe de ser defeito porque é virtude. Diria – só para não omitir uma classificação – que está embebido de poesia. Cabe a quem recebe as confissões do texto ‘aprender a lidar com o imprevisto'“. Isto é o que se poderia dizer de minha poesia como um todo, Álvaro, desde que acentuando que à medida que avanço na escritura de novos livros se vai cavando mais abismo sob os pés, tanto do autor quanto do leitor. O que temos então em Estudos de pele – e logo o teremos também em Duas mentiras, livro que será publicado em seguida – é uma intensificação dessa aprendizagem com o imprevisto. Gosto dessa provocação constante do imaginário, de provocar a mim mesmo para que não incorra nunca na cristalização de um discurso. AAF No início do livro, você escreve que “toda a criação está feita de equívocos, exageros, precárias aproximações da realidade, falsas suspeitas”. Peço que se estenda nesse assunto. FM Quando publiquei Cenizas del sol (Andrómeda, 2001, Costa Rica), Alfredo Fressia, em resenha na imprensa uruguaia, considerou que “o discurso, como costuma ocorrer na poesia de Martins, parte de um não-saber, a ignorância que precede e provoca as reiteradas perguntas, como em um infinito diálogo interior, para encerrar-se com respostas intuídas por um observador”. Pode-se dizer que também em Estudos de pele a mesma trama estética está presente, embora com mais complexidade, pois tanto se desdobram e rearticulam as vozes convocadas como se multiplica a natureza do discurso, recorrendo a passagens bíblicas, crônicas policiais, fragmentos autobiográficos, evocações míticas e relatos de possessão. A linguagem poética ganha em astúcia quando acentua o que não anda bem nela mesma. AAF O que me parece imensa beleza é ler seu livro como se fosse um romance com começo, meio e fim. Ao mesmo tempo, quero destacar imagens poéticas marcantes, escritas por quem conhece seu ofício de escrever. Você afirma que não houve nenhuma caridade na escritura de seu novo livro. O que significa isso? FM A primeira observação diz respeito à estrutura do livro, que se não é propriamente romanesca tampouco se trata de uma simples coletânea de poemas soltos. Todo o livro se encontra montado partindo da ideia de uma polifonia. E aqui cabe recorrer uma vez mais ao que mencionas na pergunta anterior, sobre os exageros e fantasias que neste caso, à diferença de um livro como Dom Quixote, não se concentram na voz única de um narrador, mas sim num caudal de tramas secundárias que acabam conformando aquele “rio onírico”, digamos, evocando a aguda leitura
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Entrevista concedida a Álvaro Alves de Faria. Originalmente publicada no Jornal Rascunho # 54. Curitiba, outubro de 2004, disponível em: www.revista.agulha.nom.br/fmartins6.html.
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que Milan Kundera faz da poética de Kafka, remetendo-nos a um “longo fôlego da imaginação” que tão bem se descortina na obra do autor de Castelo. Já em relação à caridade aludida, situemos o contexto em que ela se dá, sempre considerando esse jorro incessante de vozes que ambienta os cenários constitutivos do livro. Isto nos leva à ideia de visitação que menciono no início, lembrando que todas as vozes femininas estão por conta própria, que me procuraram para que eu lhes desse passo a seus depoimentos viscerais. São elas que fazem do autor seus inesgotáveis estudos. As mulheres de Estudos de pele são um retrato de nossa perda de sensibilidade. É do que nos acusam em todo momento. Tanto recorro a personagens bíblicos, pela notória violência sofrida pela mulher nas tábuas fundamentais do catolicismo, quanto à atualização desses padrões de sofrimento induzido. Estão presentes tanto as discordâncias cotidianas, na maneira de compartilhar a vida, quanto suas perspectivas míticas, as estranhezas manifestas, por vezes místicas. Estas mulheres não têm medo de dizer do que padecem: do abandono completo por parte de uma irracionalidade que assume o comando como sendo a supremacia humana. AAF Repito a você a pergunta que faço a todos os poetas que entrevisto: afinal, a poesia serve para quê? FM A rigor, já sabemos a resposta, conhecimento que também não serve para nada, pois a perversão se encontra na pergunta, que pode muito bem ser contestada com outra indagação: por que deveria servir a poesia para alguma coisa? Por aí não chegamos nunca a parte alguma. Já chega de tanta tolice que serve apenas para a pirotecnia de quem exibe malabares como sendo sua razão de ser. A serventia está ligada à ideia de manipulação. O que perdemos, poetas? Perdemos o prazer pela existência, o mergulho intenso no inapropriado, no inesperado, a cumplicidade com o imprevisto, até com o indesejável, e saber tratar disso como quem se dispõe a receber novos ensinamentos, abrir-se ao mundo, sim, Álvaro, abrir-se ao mundo, fugir da manipulação desonesta que separa arte e vida, por exemplo, porque não há mesmo vida sem forma, existência desgovernada em um plano estético. Então, a questão não é para que serve a poesia, mas sim para que servimos nós, seres humanos. E para que servimos nós? AAF Os poetas de sua região [o Nordeste] sofrem de preconceitos especialmente pela região sul do país tropical de tantas alegrias e misérias? Quais são as dificuldades dos poetas dessa região brasileira? FM Não vamos acentuar caipirismos e regionalismos. As dificuldades do país não afetam aos poetas mais do que a qualquer outro cidadão. Evidentemente que as oportunidades de trabalho confluem para o que se chama de eixo Rio-São Paulo, especialmente, no caso dos escritores, no âmbito editorial. Não é diferente em outros países, diferenciados por aspectos como dimensão territorial e condições econômicas e culturais. Trata-se basicamente de uma aposta reincidente, viciada e desgastada de manutenção de um grande centro produtor, centro de referência, barreira que requer um esforço maior para ser dissipada, uma atenção no sentido de não se importar um mesmo modelo, para cada região, digamos, de novo caipirismo. É difícil, porque a grande imprensa comanda o espetáculo e distribui a todos, indiscriminadamente, o mesmo santinho, a mesma carta marcada de seu baralho de futilidades existenciais. Mais difícil ainda porque todos sonham em virar carta marcada. AAF Eu penso que a crítica literária brasileira – honradas algumas raríssimas exceções – já morreu há muito tempo, ficando no seu lugar um bando que prima pela | 63
desonestidade e pela desinformação cultural. O que você pensa da crítica literária dos jornais brasileiros, especialmente no trecho Rio-São Paulo? FM Não te esqueças que as exceções servem apenas para confirmar a regra. Quem se preocupa com a crítica? Evidente que o leitor é um refém dela, um cliente a quem o marketing de venda trata com o mesmo desapreço que qualquer outro consumista. A ausência de reflexão sobre livros e autores em nossa imprensa não denuncia carência de visão crítica, como se o país estivesse momentaneamente desprovido de certa falta de argumentação e acuidade. O dilema central é o do comportamento de nosso intelectual, ou seja, há conivência por toda parte, todos sonham com o apogeu, a glória, buscam – até com incontrolável exasperação – um lugar ao sol, confundindo causa e efeito, sempre. Não se trata de setorizar a questão. Não há uma crítica regional, pois o que se veicula, a título de crítica – que não passa de um bolsão de resenhas definidas e apanhadas à pressa, além de mal pagas e com atraso – é assinado por gente de qualquer credo ou região. Eu sinto a tua preocupação, quase uma zanga, com o que se passa entre Rio e São Paulo, mas agora mesmo estamos em diálogo aberto em um jornal no Paraná, o que significa expressivamente que é possível buscar algo além do que chamei de caipirismo. O exercício da crítica tem a ver com despojamento, com clara intenção de diálogo, e não com o impositivo. Qual crítica morreu há muito tempo? Dois grandes estilos de crítica ganharam terreno no Brasil: o adjudicatório, onde a vítima paga pelos erros de sua eventual vinculação com o criminoso, seja uma escola literária ou uma mera preferência declarada em entrevista; e o evocatório, que – mais astuto – dispensa explicações. Em resumo: aos amigos da corte, tudo; a seus desafetos, nada. isto é crítica? Chegou a ser algum dia? AAF Por que e para quem escrever poesia? Quem lê poesia no Brasil? FM Isto me recorda o Fellini. É como se alguém ao final de um filme – e este filme representasse não apenas a sua vida, mas toda a existência humana – indagasse: mas afinal, para que serviu este filme? E então se poderia refletir que algo se passou de errado, de muito errado com o filme, pois ele não deveria suscitar tal indagação, porque todo o filme havia padecido da pretensão de olhar o mundo por uma outra lente que não fosse a do sentido histórico. E então Fellini, numa entrevista a Giovanni Grazzini, nos dá a chave: “Olho para o cotidiano, enquanto estou vivo. O resto é especulação”. AAF Explique o seu trabalho na poesia de vários países latino-americanos, desenvolvido há tanto tempo, organizando antologias e eventos, levando a poesia brasileira para fora do país. Por incrível que possa parecer, ainda existem na literatura pessoas como você.
FM Não sou dado a falsas modéstias, mas tampouco me atrai a ideia de ficar a enumerar feitos. Gostaria que este meu trabalho ao menos provocasse um malestar, no sentido que houvesse uma atenção para a indagação-chave: por que evitamos o diálogo entre nossas culturas? Por que mesmo escritores, intelectuais, artistas, jamais promoveram a aproximação dessas culturas? Por que os acordos recentes entre países latino-americanos desconsideram a cultura desses povos? Por que reagimos de forma tão apática quando a pauta trata da cultura do país, em contrapartida à maneira efusiva com que saltam de órbita nossos olhinhos quando a única peça em questão no tabuleiro é o umbigo? Evidentemente que as estratégias do mercado artístico, por exemplo – se pensarmos em cinema ou música – delineiam-se buscando novos clientes, nada mais. Se nos submetemos todos a essa | 64
regra básica, tudo está perfeito. E como em um negócio qualquer, se a qualidade do produto foi substituída pela eficácia da apresentação do mesmo, sua retórica, digamos, como esperar da música ou do cinema, que queira voltar a ser arte? Pelo contrário, toda a arte agora quer ser cinema ou música. É uma grande enrascada em que nos metemos, e com a plena conivência dos artistas. AAF E o seu trabalho de tradutor? FM Imaginemos a cena em que um tradutor tenta obsessivamente evitar o original que está a traduzir. A todo custo tenta construir ali um objeto outro, o mais longe possível do original. Este será – segundo pensa – seu grande mérito. A lição – a não ser repetida por ninguém – é de que a tradução quer fazer com que o original desapareça por completo. Porém, sua grande perversão consiste no fato de que, mesmo ausentado, ele esteja sempre presente, com sua nova máscara, porque afinal a linguagem se transmite de máscara em máscara. Existem três determinantes estilísticas no trabalho de um tradutor: o estilo comum, o estilo do tradutor e, finalmente, o estilo do autor. É possível reduzir as transgressões de um autor a um mero idioma bem escrito, dialogar intensamente com elas ou destroná-las em nome da hipotética transgressão do tradutor. Teríamos aí os três estágios em que se movimenta a tradução: sufocação, despojamento, presunção. Creio que há apenas umaoriginalidade na tradução: a de perceber – e jamais será exata essa percepção – o grau de transgressão do que se está a traduzir. O resto é traquinagem, ou crime de lesa linguagem. AAF A poesia brasileira atual, em muito casos, deprime, tal a inconseqüência de alguns nomes que têm respaldo da festividade do jornalismo cultural sem compromisso. Isso ocorre também em outros gêneros da literatura, mas no que diz respeito à poesia essa questão é alarmante. Então, para concluir, como anda a poesia brasileira hoje? FM Desconfio que a poesia feita no Brasil sempre levou o que se poderia chamar de uma vida dupla: de um lado a vertente explícita, encorajada pela crítica acadêmica e a mídia, ou seja, sua agradável estação formalista, onde Semana de Arte Moderna e Concretismo, eventos de maior circulação internacional, representam uma mescla de conservadorismo e alheamento em termos de contato com a realidade. Observe-se que manifestos de uma tendência e outra se aproximam na estratégia de não reconhecimento do que está à volta ou atrás. Se o Modernismo simplesmente apaga as pistas que lhe são mais caras, no caso do Concretismo há uma presunção em negar tudo o que lhe antecede. Por outro lado, há a gestão solitária de eclosões que acabam por traçar um mapa mais denso de nossa cartografia poética. Evidentemente que isto se passa em qualquer parte. Mas por vezes me impressiona a maneira como um ilusório status quo da poesia encanta o que há de mais medíocre, catadores de versos que perseguem uma condição que, a bem da verdade, quem a tem, de fato, se sente incomodado com ela. Os poetas são uns chatos, que sempre alertam para as tolices cometidas pela espécie humana. Como alguém pode sentir prazer em ser poeta? É de uma morbidez impecável. Mas todos querem se sentir poetas. É o lado espetacular da coisa, onde a sensação tem mais importância do que o poema em si. O personagem ganha a parada. O poeta em nossos dias não busca senão tornar-se personagem de si mesmo. Nem precisa escrever versos. É tão simples e ao mesmo tempo todos parecem felizes com a situação: críticos e editores e poetas se felicitam por esse acerto de ocasião. Nas outras artes também se passa o mesmo. O que antes se poderia pensar que era uma fábrica discreta de autores, agora ganha uma logística mais apurada: trata-se de uma fábrica de leitores. Pensemos no cinema, por exemplo, naqueles atores que estão | 65
sempre a estragar as cenas porque exibem um patético olhar de quem se sente extasiado com a própria – e suposta, claro – genialidade: Antonio Banderas e Hally Berry são boas lembranças deste caso. Para melhor compreensão, misturemos as artes – já não seria sem tempo. Acabaríamos percebendo que, no geral, uma vez que estamos falando de Brasil, o poeta tornou-se um grande canastrão.
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2004 | Uma Agulha na rede da mestiçagem
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JAL Comencemos por el poeta Floriano Martins, un cosmopolita en su Aldeota, Fortaleza, donde reside para dispararse incesante al mundo de los cibernautas. En esa perspectiva ¿qué significa novedad para Floriano? FM A novidade é uma colheita, ou seja, há que plantá-la. Mas é também uma colheita do espanto, pois o que mais me atrai nela é sua capacidade de surpreender. Para tanto, é preciso estar conectado ao mundo com todos os sentidos, entregue a essa permuta de alta voltagem do espírito que a vida nos ensina a viver. Curioso é que a mídia, que mais afirma interesse na novidade, esteja sempre amparada no estabelecido. Inclusive o que ali se apresenta como novo é sempre uma diluição, do ponto de vista estético, sempre um retrocesso, uma máscara, uma fraude. Evidente que a viagem pela Internet permite o encontro com inúmeras formas da novidade. Mas há que saber navegar, sempre. Há que saber navegar… JAL Reconoces en tu escritura poética el embelezo por el discurso surrealista en lo que a la estética se refiere. Muchos poetas influenciados por ese ismo han negado su participación e influencia, incluso el haber pisado alguna vez sus terrenos. Tú no sólo recorres dicho territorio sino que exploras su subsuelo en América Latina. ¿Puede decirse que insistes en cultivarlo? ¿por qué? FM Incontáveis motivos: as imagens cortantes, vertiginosas, estimulantes; o caráter da escrita; a atenção pelos grandes abismos da realidade; a percepção intensa de um sentido de recusa; a incessante aventura exploratória dos mistérios que definem a existência humana; o diálogo audacioso com os lugares comuns… Evidente que a relação com o Surrealismo não pode se restringir ao ingresso em uma formação grupal. Eu já vivi uma experiência de grupo e ela foi algo desastrosa, porque há filamentos da ortodoxia que se enredam na prática das relações. Mas observemos como certa indeterminação, no que diz respeito à afinidade de alguns poetas e artistas com o surrealismo, esteja ligada mais a um sentido de oportunismo do que propriamente a um questionamento adequado. O que em muitos casos poderia ser uma crítica consistente em relação às falhas eventuais – e sabemos que elas são inúmeras –, acaba por se transformar em um jogo desqualificado de egos indomáveis. A percepção do Surrealismo no continente americano tomou um caminho algo distinto, sobretudo considerando o fato de que a estadia dos franceses (sempre capitaneados por Breton) nos Estados Unidos e no México esteve pautada pela formação de um gueto, uma espécie de colônia europeia, onde o francês era mantido como língua única. Uma contradição com a ideia de Artaud ao considerar o surrealismo como uma “nova espécie de magia”, ou da esperança – que acabou sendo frustrada – de César Moro, de que se tratasse de uma “cita de las tormentas portadoras del rayo y de la lluvia de fuego”. JAL Empleas la imagen del espejo para indicar la insensatez del hombre ¿Qué ves ven esas criaturas? ¿Su engañosa figura endiosada o su camino inevitable hacia la muerte? FM O que o espelho reflete de cada um de nós nem sempre está visível em nosso próprio entendimento do ser. Se as relações humanas foram se tornando um
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Entrevista concedida a José Ángel Leyva. Originalmente publicada em La Jornada Semanal. Suplemento cultural do jornal La Jornada. México, 10/10/2004.
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quase inquebrantável jogo de aparências, isto se deve ao fato do homem haver tecido um abismo entre imagem e identidade. Para reconhecer a si mesmo é preciso agora deformar espelhos? Mas quem diabos é esta criatura que a todo instante se evita e cobra identidade apenas nos demais da espécie? Estas são leituras clássicas da poesia em todos os tempos. Mas quem garante que o homem em nossos dias esteja interessado em refletir (sobre) sua humanidade? O fato de havê-la perdido, já nos dá a resposta. Por outro lado, o que tem feito a arte – quando o faz seriamente –, senão põe o homem diante de um espelho? Talvez o homem mereça mesmo o estado em que chegou, e não esteja mesmo interessado em quem se preocupe com essa humanidade perdida, cuja relevância jamais percebeu. JAL ¿Qué le preocupa al poeta Floriano: la muerte o la palabra muerte? FM Preocupa-me esta separação que tua pergunta sugere, como se acaso uma coisa fosse a experiência de vida e outra a linguagem. Ruína ou pesar, essa entidade é parte de nossa vida no momento mesmo em que a iniciamos. Consciente ou não, está presente em nós. As crianças não têm consciência da morte nem da linguagem. Qual dos dois choques de consciência será mais determinante na vida delas? Não será um único abismo? Os poetas desafiam a morte ou a palavra morte? E por onde se alastra o conceito de morte? Considerando certa primazia do domínio da linguagem, descartando sua relação intensa com o viver, eu diria que estamos nos afastando tanto da morte que um dia ela não será mais do que uma palavra. Então já estaremos demasiado mortos para perceber o equívoco em que nos metemos. Por outro lado, o que tem feito o homem em prol da palavra no sentido de que a mesma o salve de si mesmo? São questões filosóficas, no geral. No livro de registros de uma delegacia de polícia a situação é outra. A rigor o homem chegou a uma dicotomia grosseira: autor e vítima do mesmo crime. A criminalidade tornou-se um dado assustador e determinante de nossas vidas – não me refiro simplesmente ao jogo passional dos disparos, mas a uma sofisticação que envolve tanto corrupção quanto pedofilia. Nada mais débil hoje em dia do que a ideia de um transgressor. Evocar a transgressão é não conhecer os códigos em que essa linguagem atua. Como é possível dizer: ah tudo o que eu queria era um poema de amor? Então não distingo uma coisa da outra, porque posso estar vivo ou morto pela palavra, e isto não fazer sentido algum. JAL ¿Qué papel desempeñan en tu poesía la plástica y la música, ¿Cómo las incorporas o las refieres? FM Talvez eu pudesse dizer que se trata de uma questão de oportunidade, considerando o fato de que meus pais ouviam muita música e que era igualmente intenso o acesso a edições de obras plásticas. Mas o que havia de mais impressionante em casa, para uma criança, era a quantidade de livros da biblioteca de meu pai. Então eu presumo que a diversidade com que as coisas se apresentavam diante de mim tenha sido determinante. Mas claro que tudo isso se encaixava em certa natureza insaciável, algo que segue caracterizando tudo o que faço. O fato é que o mundo não nos absorve através do que lemos, mas antes através do que ouvimos, vemos, tocamos, cheiramos, degustamos. A leitura – compreendida em seu aspecto habitual – não é um dos sentidos humanos, mas sim a conseqüência da atuação plena desses sentidos. Em grande parte a fixação dos intelectuais pela leitura vem de seu temor de misturar-se à matéria queimante da existência. Quando escrevo – e nisto é preciso que se diga que não penso senão raramente em um poema em isolado – estou sempre imaginando toda uma plasticidade, dinâmica, argumento etc. É como se me sentisse mais um dramaturgo do que propriamente um poeta. Imagino o poema-livro como algo que aja tridimensionalmente. | 68
JAL Entre una poesía del lenguaje y una poesía inquieta aún por el hecho mismo de la vida, más preocupada por conmover, tocar al lector, es que advierto se mueve tu poesía. Quiero decir que no es experimental hasta sus últimas consecuencias, no pretende el balbuceo, el juego fonético o la segmentación semántica, sino que se desliza por una lógica más o menos incluyente. ¿Qué opinaría un surrealista de ello? FM Muitos surrealistas diziam – dizem ainda – que a poesia está em outro lugar. Mas qual seria este outro lugar? Quantas vezes o estado de verdade imediata, defendido por Tristan Tzara, foi além das obras de circunstâncias a que se referia André Breton? O primeiro leitor que um poeta deve arriscar-se a tocar é ele próprio. É impressionante a quantidade de poetas que andam pela vida sem se deixar tocar pela poesia. Apesar do surrealismo a poesia continua sendo percebida como um jogo de palavras, apenas. Para mim, o experimental não dissocia instrumento e sensação. Quando digo que o que nos impressiona se imprime em nosso espírito isto não é de todo apenas um jogo de linguagem. Mas é necessário que haja uma verdade nisto. Caso contrário, a comoção torna-se panfleto, regra. O instrumento é um recurso. Entendemos bem quando o assunto é um piano. Ah sim, trata-se de música… Mas quando o verbo está em questão… É a minha vida que supera a escrita e nunca o contrário, por mais que eu tenha pleno domínio da linguagem. JAL Tus poemas a menudo se presentan como un panteón lírico, donde uno puede seguir puntualmente la huella de tus afectos y tus influencias, o mejor digamos tus lecturas, no siempre vanguardistas. ¿Qué hay de cierto en lo que digo? FM Não cabe essa distinção. Não vejo em que circunstância a poesia não se identifique com o lírico. Claro que não me refiro a panteão, mas antes ao simples ato da escrita. Estamos a conversar – o poema é uma forma de diálogo, não? – com o que se passa diante (e dentro) de nós. Tivemos uma sobrecarga no que diz respeito ao termo vanguarda e isto por vezes gerou um mal-entendimento do que possa ser substancioso. O conceito de vanguarda foi tanto explorado que vive hoje um desgaste excepcional. Mas há que entender que uma coisa é o recurso, o diálogo, a caixa de Pandora, e outra a maneira como o objeto final, saído desse diálogo, se apresenta. Da maneira como colocas a questão, há uma distinção fundamental em termos de caráter da escrita no que diz respeito a sua estrita relação com quem a escreve. JAL Para darle paso a otra temática, evoco la pregunta que te haces en un verso de tu poemario Alma en chamas (Alma en llamas): “Qué hombre habita en mí?” ¿Tiene respuesta esa cuestión?, ¿hay alguien diferente a Floriano que ocupa su existencia y dicta su poesía? FM Há inúmeros. Não diria que propriamente distinto de mim ou que dite, em isolado, o que escrevo. Não creio em voz própria que não seja a consonância de uma multidão de vozes. Algum crítico já observou a condição sinfônica de minha poética e devo estar de acordo. Somos, ao menos em parte, aquilo que nos consome. E pôr em dúvida o homem que lhe habita é o mínimo que um poeta pode exigir de si antes de pretensamente declarar-se uma antena da raça. JAL Me has dicho, en nuestras largas conversaciones por las calles y las playas de Fortaleza, que Brasil sólo mira a Brasil, asombrado, quizás, por su propio gigantismo geográfico o quizás confuso por su enorme y bello mestizaje. Tú mismo eres | 69
una muestra de que hay búsquedas para tocar y ser tocado en y por el exterior. ¿Excepción o regla? FM Em boa hora esta menção à mestiçagem. A rigor sempre estivemos na alça de mira de uns obcecados pela pureza, os tementes de todo tipo de miscigenação, racistas que buscam eliminar a fusão, o encontro, o encantamento que somente o mergulho no outro propicia, e o fazem por incompetência, por apego a uma condição mesquinha que nada tem a ver com o argumento de defesa de uma cultura. O que há de mais forte na cultura brasileira está em sua mistura, o que acaba por atropelar a muitos a quem simplesmente falta fôlego para compreender o mundo em pleno torvelinho de experiências inesgotáveis. Não temos problema de arritmia. O que temos é um excesso, de ritmos e deuses, cuja mescla tempestuosa por vezes atordoa. Somos a terra plena do transbordamento. A ideia de um gigantismo tem uma conotação dúbia: por um lado nos cega em relação às afinidades culturais evidentes e por outro lado desperta certa inveja no tocante ao que nos é aparentemente superior. Não é que só olhamos para nós mesmos. Muito pelo contrário: somos cegos de tudo, inclusive de nós mesmos. Tudo o que era mais visceral e sofisticado nas imagens poéticas de autores como Celso Luiz Paulini, Claudio Willer, Rodrigo de Haro e, sobretudo, Roberto Piva, poetas identificados como de uma geração dos ’60, por exemplo, nada foi percebido pela crítica, e isto se deu porque essa poesia rompia com certo padrão de formalismo, sobretudo considerando então a passagem de bastão da Geração de 45 para o Concretismo. Então não é nossa mestiçagem que suscita uma confusão, mas sim a linha dura de um positivismo que temos entranhado em nós, cujo beletrismo é apenas uma de suas facetas. JAL Además de poeta, traductor, ensayista y editor electrónico eres un fuerte crítico de la poesía en tu país, el cual hay que reconocerlo posee una rica tradición poética ¿Qué rescatas de esa herencia? FM A ideia de uma tradição implica em transmissão, em reconhecimento. Neste sentido, não se pode falar em tradição lírica no Brasil, exceto se pensarmos na grande linha parnasiana que define toda a nossa trajetória poética. Temos que pensar bem nisto. O formalismo ornamental e edulcorado seria então a nossa tradição? Nas últimas décadas tivemos uns rapazes que retalhavam a sintaxe, primavam pela incompreensão, simpatizantes da ruptura a todo custo, inclusive a custo do entendimento dela própria. Ainda estão por aí alguns desses rapazes. Não, não possuímos uma rica tradição poética. O que se passa é que em alguns casos a poesia brasileira é melhor conhecida no exterior do que em casa. Temos uma tradição outra, um rio subterrâneo que tem sido grosseiramente desprezado. Talvez os mexicanos se lembrem ainda de José Santiago Naud (1935), cujo livro Piedra Azteca teve unicamente uma edição mexicana (Papeles Privados, 1985). O próprio Jorge de Lima, para muitos a maior expressão poética do país, é nome de pouca circulação. Ao contrário, abundam as louvações a poetas nitidamente de segunda linha, como Mário e Oswald de Andrade. A melhor herança a ser resgatada não é aquela que se detém em nomes, mas sim no caráter que a determina. A cultura brasileira está muito perigosamente contaminada – o que se acentua mais e mais nos dias de hoje – por um sentido muito particular de decomposição. Não se trata apenas dessa avalanche de corrupção que a mídia anuncia a todo instante. Trata-se de uma depravação de senso ulterior, estamos nos desfazendo por falta de acreditarmos em nós mesmos. Estamos colhendo agora o fruto de toda uma história de falta de atenção para o que verdadeiramente somos. Fazer a defesa agora de uma identidade cultural – a despeito de toda a instância retrógrada que envolve o tema – é de um cinismo, de um oportunismo descarado, coisa de gente que não quer senão seguir des| 70
carnando o cadáver dessa cultura. Até o último instante, sem drama ou carnaval, quando então se mudam todos para um outro paraíso fiscal. JAL ¿Cómo se conforma desde tu punto de vista la República de las letras (de la poesía) en Brasil? FM Toda casta intelectual se organiza sempre no sentido de cooptação com o poder. Tal concubinato fez de nossa república das letras uma jovem senhora muito dedicada aos prazeres da carne, relutante em considerar a existência do espírito. A ausência de uma tradição crítica – e refiro-me não à crítica de circunstâncias, mas àquela área da percepção interessada em evidenciar eventuais equívocos de um texto, propondo-se a iluminar suas zonas escuras, sem uma determinação judicial que venha a eliminar a obra em questão por discórdia estilística ou outro mazelo existencial qualquer –, pois bem, essa ausência, já clássica entre nós, brasileiros, contribui para a persistência pasmada nos mesmos erros, em muitos casos os mais primários. JAL Sin ánimo de competencia y de comparación, pero tomando en cuenta tu trabajo editorial y tu larga experiencia como entrevistador ¿Cómo percibes el desarrollo de la poesía en tu país con respecto al resto de Iberoamérica (incluyendo a Portugal y a España)? FM Creio até que seria irresponsável a comparação. Uma coisa é uma seleção de grandes poetas – e isto se pode achar na Espanha, em Portugal, no Brasil e na América Hispânica (não esquecer que aí a aventura teria que enveredar por 19 países, com suas peculiaridades magníficas). É bem provável que os nomes sejam desconhecidos para além de sua restrita área de atuação. Ainda que de gerações distintas, não creio que gozem do conhecimento internacional que merecem poetas como José Ángel Valente (Espanha?), Luís Miguel Nava (Portugal?), Roberto Piva (Brasil?) e Ludwig Zeller (Chile?). Outra coisa é acreditar que essa resplandecente minoria possa vir a constituir uma competência. Uma característica marcante do espírito dos poetas brasileiros, em linhas gerais, é o provincianismo, e digo isto no sentido de que jogam muito com as aparências – da escrita e do caráter, posto que separam uma coisa da outra. Isto faz com que se tornem reféns de uma compulsiva novidade, que mudem de roupa (a linguagem, ah esse garfo e faca da linguagem!) ao sabor do convite que recebem para um evento de turno. Há os que não, sim, há os que não. Agora me lembro que antes de iniciarmos nossa conversa eu havia me decidido a não citar nomes. Isto causa uma confusão medonha, porque somos propensos a nos identificarmos com os personagens errados. Imagine se digo aqui um nome, por exemplo Hilda Hilst (uff!, esta por sorte já morreu), e ela própria, sim, ela própria, não entende que essa minha afirmação é uma maneira de me preocupar com algo que me é afim… Chega de citar nomes. Todos são os brilhantes poetas que se imaginam ser. JAL Por último. ¿Estás convencido de que el proyecto Agulha, además de poner en contacto a los escritores de América Latina y el mundo, pueda ser un factor de calidad y avance en nuestras letras, digamos ¿una aguja sobre el globo de la complacencia y la endogamia? FM Não tenho dúvida alguma quanto a isto. A leitura conjunta dos editoriais da Agulha aponta neste sentido, confirmando a pauta abrangente que temos propiciado em 4 anos de atuação. Decerto que temos um número de leitores que deve ser considerado. Contudo, pertencemos a um mundo virtual, com suas rejeições da parte de uma realidade impressa que ainda não percebeu que fere a si mesma ao | 71
nos refutar. Evidente que o que a Internet nos propicia possui em si a mesma carga de ambigüidade que qualquer outro instrumento. Sempre será possível salvar ou ceifar uma vida com a mesma arma.
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2005 | Somos o que Buscamos
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O poeta moderno é perplexo porque se tornou crítico, para além de ser um artífice da língua. Nem sempre escreve apenas poemas, dir-se-ia, por vezes, também uma figura, cujo estatuto varia. Floriano Martins (Fortaleza, 1957) é essa figura, nome que assina uma obra e que a obra constrói, mais do que o homem que simplesmente a fabrica. Autodidacta, iconoclasta, desconcertante, resistente, poliédrico, o autor de Alma em Chamas (Letra & Música, 1998) exerce ainda as funções de ensaísta, editor, tradutor, de Lorca a Cabrera Infante. Estudioso da literatura hispanoamericana, no domínio poético, especialista do surrealismo, sobretudo na América Latina, dirige, com Claudio Wiiler, a revista Agulha, coordenando o projecto Banda Hispânica. Floriano Martins é, todavia, sobretudo poeta. Poeta perplexo perante o estremecimento do mundo, em cuja escrita se fundem géneros. Consciente da importância crítica da cultura enquanto compreensão distanciada e, no entanto, acesa, o escritor de Estudos de Pele (Lamparina, 2001) veste a pele da astúcia ensaística no seu caminho de palavras que trata como seres vivos. Sabe que nelas há uma força não domesticada, maldita, privilegiando, no diálogo entre trevas e luz, as relações de vizinhança, próximas ou dissemelhantes, com a arte dos outros. Proclama a máxima surrealista, o autor de Sábias Areias (Mundo Manual, 1991): “Quero que se calem quando deixarem de sentir”, sabendo que a linguagem anuncia o mundo. Pensar o poema significa, pois, procurar que a memória se transcenda num jogo entre imaginação e entendimento. [AMG] AMG Estudos de Pele é o seu mais recente livro de poesia. Pele do corpo, pele da página. Textos do corpo, corpo do texto, da criação. Entre tudo o mais, dir-se-ia também uma obra sobre a escrita, a linguagem, e ainda sobre a memória? FM Um livro mestiço. Em toda a criação não damos um passo sem a memória e a linguagem. São aspectos intrínsecos, indissociáveis. Quanto à pele, sendo o que nos recobre, pensamos nela apenas em sua exterioridade. Não a vemos como um conjunto de tecidos, e menos ainda suspeitamos do que lhe passa por dentro. Isto porque caímos no ardil de perceber o mundo de forma fragmentada, alheios às infinitas conexões existentes entre os fragmentos. O livro se volta para este conhecimento, a identificação do todo por meio do convívio com as suas partes, a busca dos elos entre elas. AMG Estamos perante um livro polifónico que actua na reconstrução de um mundo, sendo o seu conteúdo o imaginário poético encontrado entre o real referencial e o discurso do fabuloso, do fantástico, do onírico, até do maldito? FM O mundo que busca reconstruir é justamente o dessa unidade perdida, porém sem saudosismo de espécie alguma. Neste caso a polifonia é indispensável, bem como a presença desses discursos todos. O imaginário, mesmo em sua conotação de ilusório, é real. Não faço essa distinção entre uma coisa e outra. Somos também aquilo que sonhamos e desejamos. E dentro dessa mescla não caberia esquivar-se do maldito. A perversão nos define, sobretudo nas maneiras menos per-
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Entrevista concedida a Ana Marques Gastão. Originalmente publicada no portal Cronópios, São Paulo, 19/04/2005. Disponível em: http://focusantologiapoetica.blogspot.com/2010/03/floriano-martinsentrevista-ana-marques.html.
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cebidas como tais. Basta pensar nas fábulas e nas cantigas de roda, por exemplo. É uma estranha relação a que o homem mantém, tão íntima, com as trevas. AMG Entrelaça na sua obra delírio e lucidez, corpo e espírito. Quando perguntaram a Max Ernst o que pensava de Kant, ele respondeu: “A nudez da mulher é mais sábia do que o ensinamento do filósofo”. Poderia ter tido uma resposta tão desconcertante como esta, ou não? FM O desconcerto é um dom, sim, porém causa hoje um efeito retórico, no sentido de que há uma hipocrisia reinante que busca nele apenas um divertimento, a figura circense, engraçadinha, previsivelmente “desconcertante”. Era outro o cenário em que agiu o Surrealismo dentro de tuas referências. Equivalências? Teríamos que pensar na maneira violenta como a privacidade tem sido assentada como uma mercadoria. E o que a filosofia e a arte têm feito a respeito. AMG Referia-me também ao diálogo que encontro na sua obra entre o pensar e o sentir, entre o ensaístico e o poético, tendo em conta essa nudez a que se refere Ernst… FM São vasos comunicantes que estabelecem uma íntima relação entre arte e vida, desde que não se comportem como se o pensar e o sentir estivessem desligados. Tampouco o faço por puro modismo de quebra de barreira entre gêneros. Há muito empastelamento anódino sob tal artifício. AMG Pode entender-se Estudos de Pele como um enredo ficcional, viajando entre os diversos géneros literários (poema em verso ou em prosa, drama, ensaio…), em que as vozes das mulheres nos contam como o mundo as abandonou e nos falam da possessão? FM Foi pensado exatamente assim, no que diz respeito ao primeiro aspecto de tua abordagem, ou seja, um enredo ficcional, não linear, mesclando gêneros e técnicas e mesmo apropriando-se, ainda que raramente, de algumas anônimas sutilezas alheias. Contudo, não se trata de livro atento apenas às “vozes das mulheres”, mas sim essencialmente ligado à expressão do feminino, à sensibilidade – essa metade arrancada de todos nós. AMG Mas há uma intensidade que se reflecte mais, a seu ver, no mundo feminino? FM A grande violência advinda deste aspecto se reflete na mulher, sendo ela quem a sofre de maneira mais intensa. O livro dá às personagens femininas uma especial atenção – inclusive porque vem delas uma réstia de sensibilidade que talvez se mantenha exatamente pela consciência do padecimento. Essas mulheres, no entanto, desconhecem a raiz do sofrimento. Diferem, sob este aspecto, das personagens femininas de um livro que está por sair, Duas mentiras, onde notamos a presença não mais da perplexidade diante de tópicos como crime, violência, dor, sujeição, mas sim entonações de sarcasmo, manipulação, escárnio… Se observarmos bem, em Estudos de Pele, as figuras masculinas, anônimas em boa parte do livro, mas identificadas em algumas passagens (Alfredo, D. Leopoldo, o garoto do capítulo “Rastros de um caracol”), são plenamente ativas, enquanto as mulheres representam a parte passiva. AMG Atravessa este livro toda uma herança da história feminina, na opressão e na astúcia que se lhe juntou. Ou não? | 74
FM Há bem menos sinais da astúcia do que da opressão, eu diria. Os capítulos que abrem (“Sombras raptadas”) e encerram (“Modelos vivos”) o livro reúnem as mesmas personagens bíblicas: Ester, Madalena, Maria, Marta, Raquel, Rute e Sara – isto dá uma falsa ideia de circularidade, intencional, onde embaralho os conceitos de opressão e astúcia, como sugeres. Peguemos um caso, o de Madalena. Na primeira parte a personagem é demasiado ingênua ao mostrar-se por inteiro – a certo momento indaga a Deus: “O que fui, senão tua prisioneira, bastarda e incestuosa, crente pusilânime de que o prazer reanima a fé?” Ela retorna na parte final com uma grande voltagem de astúcia, confundindo-se no poema duas vozes femininas, ou seja, quem é a verdadeira Madalena que ressurge em “Flagrantes da fé” – a que se assemelha à personagem histórica Erzsébet Báthory, a condessa sangrenta tão bem retratada por Alejandra Pizarnik, ou a anônima esposa de Gustavo, que narra a história e deixa escapar que há mais ênfase no olhar de seu marido quando ela o faz cativo? Acho que essencialmente atravessa o livro o componente opressivo, através do qual a astúcia se prepara para o momento seguinte, em que é sugerida como uma decorrência, sem que se faça tão presente quanto a opressão. AMG Erzsébet Báthory que Valentine Penrose, tão acarinhada pelos surrealistas, tratou de forma esplendorosa no seu livro dedicado à condessa sanguinária, espécie de Gilles de Rais no feminino… De facto, Estudos de Pele tem esse lado do romance negro, essa luminosidade terrífica com aroma a açafrão húmido e a sangue. Ambos tratam o mal com cintilância… FM A própria Alejandra Pizarnik escreveu seu belíssimo La condesa sangrienta a partir do livro de Valentine Penrose, claro. E tocas aqui em algo que não se percebeu ainda na leitura do livro, sua intimidade com o romance negro, o entrelaçamento entre erótico, místico, criminal, recursos sombrios, as cartas de prisão, a crônica policial descrevendo cenas e estilos de crime, feitiçarias, raptos, confissões, tudo isto que se encontra também em Sade, cuja leitura na adolescência foi fundamental para mim. AMG Detecta-se, talvez por isso, um erotismo poderoso em Estudos de Pele, como, aliás, na sua restante obra: “Extinta a vida dos sentidos, nada mais nos resta no espírito” como refere Aquinauta que cita no seu Alma em Chamas? FM Toda escrita é resvaladiça. Nada faz sentido além do escorregadio. O homem está sempre a fugir de si, e há algo de erótico neste jogo de máscaras. Mas o efeito do crime tem inocentado inúmeros assassinos. O erotismo em Estudos de Pele é utilizado de várias maneiras, incluindo a lascívia, um tipo discreto de suborno, o encantamento mágico. Evidente que já em Alma em Chamas Aquinauta compreendia que o sentido extrapola o juízo e o objetivo. Daí que o aproximes tão bem de uma erótica. Está perfeita a tua leitura. Mas recordemos que Aquinauta não se referia a um sentido encontrado, mas antes a um sentido buscado. Eis o que somos, inclusive eroticamente: aquilo que buscamos. AMG Diria que somos mais aquilo que desejamos do que o que buscamos. Não é esta uma civilização do desejo? FM Em uma sociedade pautada pela conquista, a concorrência, a ganância etc., não se pode falar em desejo. O próprio termo civilização já não tem mais cabida nas sociedades contemporâneas, mais afeitas à barbárie. A rigor, nem seria correto falar em busca, porque somos induzidos a um sistema de rivalidades. | 75
AMG Há excesso de realidade, de razoabilidade. O poeta procura-se, por isso, fora de si? FM A crônica policial é o nosso livro sagrado. Se fôssemos hoje tratar de um Novo Testamento ele seria formado por uma recolha de nossa crônica policial. Vivemos em uma sociedade criminal, recheada de seqüestros, subornos, falsos depoimentos, prevaricações, terrorismo, e crimes passionais – sim, ainda se mata por essa falsa ideia de amor. Podemos chamar a isto de excesso de realidade? Os velhos monstros da razão, sim. AMG E quando o poeta se procura, fá-lo dentro de outras vozes como as deste livro recheado de intertextualidades (da Bíblia à crónica policial)? FM A intertextualidade, essa, não me interessa como um recurso da modernidade, um exercício de afetação intelectual, mas sim como uma afirmação de diálogo, da busca de cumplicidade com a voz que me é alheia, mas que procuro incorporar não propriamente ao meu discurso, mas antes à minha vida, que é – aceitem ou não – a de todos. Jogo de tal forma com este aspecto da intertextualidade que chego a criar uma personagem fictícia apenas para citá-la. A citação não é apenas transcrição ou intimação judicial. Trata-se também de uma confissão, a de que não me quero sozinho no mundo. Pensada como uma transgressão ou mero recurso técnico, a citação reflete o caráter, como qualquer outra atitude. AMG Então como relaciona autobiografia com ficção? FM Como um recurso para pôr em xeque a vida do leitor, que é invariavelmente um prolongamento da escrita. A ficção como um cadinho de realidades e viceversa. Bem sei que tudo isto se tornou complexo porque a ficção romanesca já de muito foi atropelada pela voracidade da mídia em forjar realidades. Neste caso, o autobiográfico vem à tona como um resgate da essência do ser, embora também possa ser apenas um ardil a mais para a anulação desta mesma essência. Isto requer atenção maior da parte do leitor e responsabilidade ainda maior da parte do escritor. AMG A escrita como prolongamento de um Eu, ou a vida como prolongamento da escrita? Que vem antes, primeiro? FM A dúvida impera sempre, a inquietude, o desconforto, a curiosidade, estes são os princípios motores dessa complexa relação entre vida e escrita. A rigor nenhuma das duas personagens se sente menos protagonista que o outro. Tratássemos de um filme – e de certa forma não passa disto – nenhum dos dois ia querer o papel de bandido. AMG É seu um discurso das origens e da origem do discurso que se materializa numa poética da decifração, à semelhança do seu “pai” Blake? FM Tradução, premeditação, compreensão, leitura – tudo isto é decifrar as origens. Não faço a menor ideia do que pode motivar as pessoas a escrever nem quero abordar aquela ideia do sujeito que se sente feliz sendo um artista somente quando essa condição coincide com a glória… A toda hora, nos empanturramos de experiências, o encontro casual na rua, um filme, o som de algum objeto que nos remete a uma lembrança, uma frustração, tudo. Para mim, essas sensações todas formam uma grande malha de conexão com o que sou. | 76
AMG Vê-se, então, como? FM A resposta está sempre na pergunta, naquilo que se indaga. Vejo a mim de muitas maneiras, mas isto se passa com toda a gente. Há a existência comum, vulgar, trivial, cuja origem compartilhamos inconscientemente. William Blake tinha esta percepção, embora acentuadamente sob um aspecto místico. Não foi a minha primeira leitura, mas sim o primeiro impacte dentro deste âmbito de uma polifonia de vozes. Temos que provar do outro para tocar o que somos. Tenho que me misturar ao mundo para identificar-me. Não procuro uma origem comum, mas sim me inteirar do que seja Floriano Martins o suficiente para garantir um diálogo honesto com o outro. AMG Não deixa de existir um trabalho de colagem em Estudos de Pele, que curiosamente, se alia a uma outra faceta sua, a de artista plástico. Como se fundem palavra e imagem? FM A exemplo do que se passou com Alma em Chamas (1998), Estudos de Pele teria na capa uma colagem minha, que dava continuidade a um entrelaçamento entre gêneros e técnicas, o que acabou não sendo possível por falta de sensibilidade da editora. Um raro aspecto negativo. O livro está escrito, e isto importa além de sua publicação. Toda a minha geração cresceu sobre o influxo do cinema. E cinema é essencialmente colagem. O cinema põe em xeque uma arte purista, no sentido dela originar-se de uma só matéria. Evidente que pode seguir sendo realizada por alguém em isolado, mas a ideia de fonte, as origens, isto o cinema ajudou a questionar tanto quanto a máxima de Lautréamont de que a poesia deve ser feita por todos. E isto só funciona se cada um de nós fizer de tudo. Se perdermos a ideia estanque das propriedades sem comunicação entre si. AMG As suas colagens são, de alguma, forma diarísticas, espécie de anotações, memórias, teatro de imagens? São poemas? FM Sim. São essencialmente poemas, um tipo de caligrama que já não se limita ao arranjo tipográfico. A imagem continua sendo uma representação da escrita. Vivemos em uma sociedade esmagada pela imagem, mas em grande parte essa condição opressiva vem de nossa relação mal digerida com a escrita. A rigor, somos sufocados pela ignorância. Quanto à referência às anotações, é tudo o que fazemos, por mais que esteticamente estabelecido como arte, tudo não passa de anotação. AMG Há um lado visceral e aparentemente torrencial na sua escrita poética, aliado a um fulgor ensaístico. Ligam-se, portanto, imaginação transformadora, loucura e razão? FM Entendeste bem a questão, o que prova a menção ao “aparentemente torrencial”. Sei dos riscos de se confundir a intensidade de um discurso com sua entoação verborrágica. Muito do que se tem hoje alardeado como pós-moderno ou neobarroco não passa disto. Não é só a imaginação que é transformadora; também o são a loucura e a razão. E todas podem ser apenas deformadoras. AMG No fundo, vive dentro dos propósitos da acção surrealista, recusando o naturalismo e a expressão unicamente interpretativa do real? FM Breton dizia que os naturalistas eram demasiado otimistas. Eu me considero um pessimista produtivo, mas tenho certa rejeição a essa terminologia que resulta | 77
ser excludente. De um lado ou de outro. Breton propunha um risco tão intenso, que não dava para deixar de fora quem não o atendesse em sua verticalidade. Nem ele próprio o fez, e o princípio era mesmo outro. É inaceitável a forma grosseira com que se tem buscado reproduzir o real. É um tipo falseado de naturalismo, hoje orquestrado por uma indústria que o anula justamente na maneira como o evidencia. AMG De alguma forma há um lugar da infância que assalta os seus textos? FM Nunca estamos longe da infância. Há quem prefira dizer de outra maneira: jamais nos livramos da infância. A psicanálise adora esta nossa má compreensão do assunto. Há todo um capítulo em Estudos de Pele, “Rastros de um caracol”, em que se tem a presença de um garoto às voltas com o que lhe foi determinante para o resto da vida. Mas a todo instante as personagens deste livro estão voltando à infância. AMG Ou seja, é o mesmo livro que tem vindo a escrever, igualmente oriundo desse lugar do menino, sempre aliando drama e lirismo? FM Sempre estamos neste embate interminável com nossos fantasmas. Há autores em que a variedade estilística denuncia, mais do que uma voracidade, certa instabilidade emocional. Mas há também o risco de retórica, diluição, nesse repetirse à exaustão. Interessa-me sobremaneira expressar conjuntamente drama e lirismo porque esta é a nossa existência, não extraímos de nós um ouro puro, mas sim uma pedra mestiça que nos devolve à vida justamente pela mistura. AMG “Tudo que somos está fora de seu lugar,/ festim de simulações,/ sistema sem princípio”? Por isso escreve? FM É um conjunto de ações e reações, não simplifiquemos. Por mais que eu tente esclarecer o motivo por que escrevo, haverá sempre algo em mim que escreve por outra razão. Apenas escrevo. AMG E onde persiste o amor, como questiona um dos seus poemas? FM Em toda parte, é um dos mais obstinados e crédulos dos sentimentos. Tem resistido a tudo em toda a história da humanidade. Em nome da igreja, da política, sobretudo da dúvida. Creio que mais temos duvidado do amor do que o afirmado. Convertido em veneração, negociação, saudosismo, andou por todas as partes e atualmente é apenas fílmico, embora a crônica policial esteja repleta de crimes passionais. Lendo a poesia que se publica hoje é bem possível algum cronista futuro enunciar que os poetas estavam muito aquém do amor. AMG Amor, liberdade e poesia lado a lado na definição do amor de Breton citado no seu prefácio a O Começo da Busca – O Surrealismo na poesia da América Latina (2001), que inverte o título da obra de Octavio Paz, La Búsqueda del Comienzo. Trata-se de uma antologia de poetas acompanhada de um estudo, um historial da prática do Surrealismo na América de Língua Portuguesa e castelhana, incluindo ainda um conjunto de entrevistas. Essa busca de que fala mal começou? FM Este é um livro isolado se fizermos um mapa editorial brasileiro e buscarmos suas relações com a América Latina. O abismo entre as duas culturas – se definidas apenas do ponto de vista idiomático – constitui já um vício histórico, um tipo de droga legalizada. Eu posso publicar 10 livros iguais a este e nada se altera. O que se passa é que a cultura brasileira não pode propor diálogo com outra cultu| 78
ra enquanto não existir por si mesma, e não existirá enquanto não compreender suas raízes e brigar por elas. Não importa quanta exceção se produza aqui, seguimos colonizáveis. Não nos livramos de tal estigma. AMG A presença do Surrealismo do Brasil (com pouca penetração, no seu entendimento, por causa da tradição positivista) não só é desconhecida, mas ocultada (e por vezes negada) pela crítica e pelo poder cultural? FM É a tal relação de intimidade que o Surrealismo propunha entre vida e obra. Isto é um inferno para a intelectualidade brasileira, que jamais viu na criação uma razão de ser. Antes ao menos havia uma reação por conta do catolicismo aqui imperante, mas hoje é apenas ignorância, repetição acrítica de um modelo preconceituoso. AMG Enquanto estudioso do Surrealismo, tem procurado, de alguma forma, evitar aquilo que chama “falseamento da história”? FM [risos] Eu tenho cobrado isto a todo instante, inclusive de mim. A memória é subornável. É mais: é uma grande cafetina. A história está nas mãos desta Sra. Agora, não nos esqueçamos que a história tem um relator: o homem. AMG Considera ter havido negligência brasileira para com a cultura dos seus vizinhos? E em Portugal, cuja poesia tem acompanhado de perto, que fizeram da herança surrealista? FM Lendo as cartas do António Maria Lisboa se percebe o quanto que ele chamava a atenção para os riscos da ortodoxia. Este sempre foi o grande dilema da recepção do Surrealismo em outras culturas, evitar a tentação de ser mais real que o rei. Os dois nomes fundamentais do Surrealismo em Portugal estão ainda vivos: Mario Cesariny e Cruzeiro Seixas. O desdobramento proposto por ambos, distinto entre eles, foi bastante construtivo e evidente, o que surpreende que um estudioso como Perfecto Cuadrado trate do assunto como um capítulo vencido da história portuguesa. AMG Molina disse, numa entrevista, que “nenhum poeta pode deixar de querer o Surrealismo”. Entendida como referência histórica, e na acepção de um humanismo poético, a afirmação faz sentido, mas não será excessiva? FM Mas o que não é excesso no Surrealismo? Considerando os inúmeros exemplos de uma poesia hispano-americana que hoje caiu no ardil de um novo formalismo, como é o caso do neobarroco, que faz esta poesia retroceder aos seus primórdios modernistas – o que equivale, em termos brasileiros, ao parnasianismo –, eu acho que Molina estava correto ao afirmar aquilo, pensando não propriamente em uma receita surrealista, mas sim no espírito de liberdade que permeava o Surrealismo, enfim, que o poeta, qualquer, não seria poeta sem defender aqueles princípios, que em circunstância alguma se pretendiam escolásticos. AMG A dimensão política da arte tem sido motivo de reflexão sua, bem como tem feito uma crítica feroz à poesia que se tem vindo a praticar no Brasil há algumas décadas. Mais uma vez solitário? FM É que os poetas acham que dão em árvore ou que compram joguinhos de construção poética em livrarias. Uma gente sobrenatural, talvez. Alienados ou cínicos? É irritante o fato de que ninguém se compromete com nada neste país. Vive| 79
mos um estado de letargia da indignação. Engraçado é que, a todo instante, um tolo se auto-proclama a antena da raça. O poeta não faz ideia do quanto é cúmplice do crime que nos deforma. AMG Poeta, ensaísta, tradutor, editor, jornalista, director com Claudio Willer, da revista Agulha, coordenador do projecto editorial Banda Hispânica… Qual a faceta que impera em todas as suas actividades, a do poeta? FM Nenhuma dúvida. Tudo isto são decorrências do poeta. Não tenho formação acadêmica. Sou o franco-atirador, o autodidata. Esta postura se reflete em tudo o que faço, onde a versão oficial é a primeira a ser posta em questão, mas em momento algum evidenciando o underground apenas por sua condição marginal. AMG Como escreveu André Breton, “a poesia faz-se na cama como o amor”? Ou seja, é nesse estado de “beleza convulsiva” que se escreve para “salvar” a vida? FM Eu não diria salvar, termo já melodramaticamente incorporado por Hollywood. Mas é evidente que a poesia se faz na cama como o amor. Ela se torna presente em nós não apenas no verso, mas na maneira como nos identificamos com cada coisa em nossa vida, uma canção, aquela imagem de repente referida de uma exposição, o amor, caminhar pela rua com um amigo, um sonho, saudade, esta entrevista… Onde a intensidade do que fazes? Brincando com os filhos, pesquisando sobre qualquer tema, abrindo um vinho recordando a cena marcante de um filme… Por onde a vida se torna convulsiva? A poesia não responde. A poesia é a grande fonte de inquietudes. Trate de viver, não de vivê-la. Ninguém consegue viver a poesia. Mas que delícia que é cada um tratando de viver a si mesmo…
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2005 | Vertigens do olhar: autorretratos
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Caminhava por uma dessas ruas virtuais, pescando fragmentos de imagens em pontos distintos da paisagem e recordava uma conversa com o amigo Nicolau Saião, na qual fizera uma acertada observação: Dizia ele: “As tuas colagens, tal como a tua poesia e – arriscaria dizer – até a tua pessoa, são demonstrativas de uma mente diversificada, imaginativa e com uma alegria que classificaria de surreal. Há sempre nas colagens que compões, mesmo as que são percorridas por um halo dramático, uma espécie de música, diria, de joie de vivre perceptível até nas cores que lhe são próprias.” Serão duas alegrias, a de viver e a de criar? Não, não há motivo para disfarçar o que é idêntico. Mas no que diz respeito às colagens, certa fragmentação do viver ocasionou uma debandada de ideias, dispersou as conexões que bem poderiam ser estabelecidas com outras facetas criativas. E a volúpia da recuperação desta paixão perdida talvez realce o que Nicolau segue acertando: “Mais do que uma estória, a meu ver as tuas colagens descrevem um fragmento de existência”. Por mais que o fragmento se mostre como uma poética, se atentarmos para um conjunto de colagens, sugere também o fragílimo despedaçar da existência. Risco, sim, ao mesmo tempo em que vitalidade, de quem busca a intensa alegria de viver de uma pincelada única. A conversa com Nicolau Saião, sendo ele um artista tão sensível, trouxe ao meu espírito este pequeno zelo, com o cuidado de não convertê-lo em veleidade, de montar breve entrevista, um tipo de auto-retrato, não de todo incomum. Algumas indagações são frutos de observações de outros cúmplices valiosos e muitas das colagens aqui apresentadas foram preparadas a partir da elucidação obtida por este diálogo que, à maneira de cada um dos interlocutores – Claudio Willer, Hélio Rola, Mário Montaut, Rosa Alice Branco, Soares Feitosa, Susana Giraudo, Vicente Franz Cecim –, soube recobrar a paixão perdida a que me referi. Quando mostrei ao Nicolau Saião o conjunto de colagens que pretendia publicar nesta edição da Agulha, ele logo observou: “estas são colagens diferentes das clássicas, digamos. Refletem um mundo aparentemente estático, na verdade cheio de movimentos interiores.” Eu acho que a distinção básica está naquilo que ele próprio chamou de alegria de viver. Há quem seja possuído pela mesma alegria sem que lhe preocupe ligar os pontos entre um gesto e outro, entre uma viagem e outra, entre um movimento interior e outro. É como observar o movimento do estilo em dois poetas: independente do caráter estético que define a cada um, eles se distinguem pela maneira como se deixam tocar pela vida: um deles escreve um poema que se concentra em si mesmo, enquanto que o outro vai preparando poemas com base em um cenário mais amplo. Eu sou um filho do teatro, da tragédia, de crença ontológica, e mesmo neste palco ressarcido da paixão dispersa, não veremos outra coisa senão a mesma obsessão por dissipar de vez qualquer distinção entre arte e vida. [FM] P Por onde a colagem entra em teus planos de criação? FM O encantamento plástico não se inicia propriamente pela colagem. O mundo da imagem, a maneira como a vida invade nosso olhar, o modo como a imagem nos encara, de alguma maneira nós também somos vistos fragmentariamente por ela, pois devolvemos ao mundo toda a sensação que temos diante dele. Há certa reciprocidade que naturalmente reflete a percepção esfacelada da realidade. Somos
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Autoentrevista, originalmente publicada em Agulha Revista de Cultura # 47. Fortaleza, São Paulo. Setembro de 2005.
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devotos da interpretação, para o homem nada no mundo existe sem motivo. Claro que há nuanças, que vão das experiências capitais às notas de rodapé. Mas somos essencialmente tópicos. Nos identificamos às custas dos lugares-comuns, pois sempre nos incomoda não saber precisamente do que se trata esta ou aquela coisa. Evidente que tamanha exigência delata um desconforto imenso, e não há criação artística que não o acentue, espreitada de qualquer margem, pois o homem acaba sendo a medida de seu desconsolo, de sua aflição. A colagem entra como recurso, o recurso que naturalmente é: de enfrentamento com a imagem e nossa obsessão pelo comentário. P Isto quer dizer que já escrevias antes de começar a fazer colagem. Agora, a colagem está intrinsecamente ligada ao Surrealismo. Até que ponto há coincidências nessas descobertas para ti? FM Quando garoto, texto e imagem eram uma grande mescla na biblioteca de meu pai, que tinha um pouco de tudo, uma espécie de sublevação de qualquer método de leitura ou pesquisa. A desordem plena. Então eu fui criado no leito dessa algazarra interpretativa. Sutilmente instado a… interpretá-la (risos). Curiosamente, havia muito pouca poesia ali. Recordo o Paraíso perdido de Milton ou aquele volume dos sonetos que compunha a obra completa de Shakespeare. Fecho os olhos e não me lembro de mais nada além disto. Mas havia um sem número de histórias em quadrinhos, de adaptações de romances para fotonovelas, que na ocasião era uma novidade imensa em termos de popularizar a literatura. Isto sem falar no fato de que eu peguei os primórdios da televisão, onde o recorte estático das revistas em quadrinhos era substituído por uma dinâmica frenética. Como a fotografia em si nunca me atraiu – reafirmo o que disse certa vez de que não a vejo senão como um recurso para a colagem –, a imagem em movimento exerceu sobre mim um fascínio imenso, ou seja, foi graças ao gibi, à televisão e ao cinema que cheguei à colagem, à ideia de fotograma que aquilo representava, de desdobramento de um mesmo sentido, um saboroso caldo de vertigens, digamos. A interpretação para mim tinha um ritmo próprio, era este o acento que a distinguia entre si, as infinitas maneiras de comentar o mundo. P Especificamente como se relacionam surrealismo e tuas colagens? FM Os mesmos sinais vitais que encontramos em minha poesia, a busca por iluminar certas zonas obscuras do ser, o choque entre realidades aparentemente distantes entre si, os entrelaçamentos entre o onírico e o desperto, o recurso ao desconcertante como algo que pode nos permitir uma visão menos preconcebida do mundo etc. Substituir o método da interpretação pelo do conhecimento. Não aprendi isto exclusivamente com o Surrealismo, mas é claro que esta preocupação se encontra em sua raiz, assim como igualmente claro que a liberdade de espírito para deixar-se tocar por tudo à volta foi a fonte maior desse conhecimento que, a rigor, não se dá sem convívio. Este é exatamente o dilema da arte em nosso tempo, quando lastimavelmente volta a desaparecer a ideia essencial de convívio entre vida e obra. P Remetendo a esta “desordem plena” a que te referes, em entrevista com o Moacir Amâncio mencionas que talvez tenhas sido menos influenciado pela leitura do que por qualquer outra situação. FM Não é bem assim. Eu disse que os estímulos à criação não vieram tanto da leitura do poema quanto de outras instâncias, aí incluindo a leitura de romances, gibis, ensaios. Na ocasião comentávamos sobre esse vício de limitar à leitura o | 82
mundo do escritor. A vida me entra por todos os sentidos, assim como meu diálogo com ela se manifesta de diversas maneiras e não apenas através do que escrevo, ou do poema que escrevo, o que é ainda mais redutor. P E com as colagens? FM Exatamente a mesma coisa. Não se pode restringir à audição a maneira como o mundo invade a vida de um músico. Isto me lembra aquela defesa do argentino Aldo Pellegrini, de que “em toda verdadeira poesia está latente ou manifesto um protesto do homem contra sua condição”, o que vale para toda a criação artística. P Mas de alguma maneira se pode localizar alguma influência, em teu caso, oriunda da poesia ou da colagem? FM Claro. O que eu não saberia detectar é uma presença marcante de um determinado autor, até mesmo pela maneira pouco sistemática com que fui tendo contato com uma e outra obra. Todos aqueles pintores do século XVII que lidavam com naturezas mortas sempre me impressionaram muito, principalmente o velho Jan Brueghel – e também Rembrandt, Velázquez, Pieter Aertsen. Mas quando comecei a fazer colagem não pensei exatamente neles e de muitos ainda nem identificava o nome à obra. No final dos anos 80, fiz algumas poucas colagens que estavam impregnadas de entrelaçamentos com gibis e fotos de jornal. Tudo em preto e branco. Mas foi quando o poeta Sérgio Campos (1941-1994) me convidou para fazer a capa de seu livro O lobo e o pastor (1990), que me senti verdadeiramente desafiado a uma aventura plástica mais contundente. E ali então se revela aquele apetite por uma fuga constante que me parece ser um traço de minha colagem, uma espécie de sensualidade incessante descoberta nas brechas, nos pontos de fuga, no imprevisível latente. Também a minha poesia está repleta dessas zonas de escape, onde tudo se dá de forma dissimulada. P É curioso que faças uma colagem que remete à ideia clássica da pintura e que, ao mesmo tempo, tenha pouco a ver com as colagens surrealistas assim identificadas. FM Não estou bem certo disto. Há um equívoco em pensar que a maneira de dialogar com o mundo que lhe é contemporâneo implica em adaptação ou mesmo subordinação a determinada linguagem. Assim aceita, o que temos é uma linearidade plena. A criação – e não apenas a colagem – age por incisão, muito mais do que por ajuste ou hábito. Veja bem no que foi dar a ideia de natureza morta do século XVII, num still life completamente apreendido pelo design e que hoje causa mais bocejo do que encantamento. Pela mesma razão, toda a arte contemporânea desfigurou-se. Um notável artista que trabalha com colagem é o chileno Ludwig Zeller, e nunca recorreu ao que se possa chamar de utilitário contemporâneo, se me permites a ironia. Mesmo Max Ernst mantinha uma relação intensamente abissal no que diz respeito à idade do material empregado em seus recortes. P Mas utilizas material ligado ao design em algumas de tuas colagens… FM Até mesmo o presente está ao dispor do artista, ao que parece. Em meio a tantos videntes e passadistas, é possível somá-los sem criar ojeriza pelo instante em que vivemos, com suas aberrações lapidares, sua hipocrisia manifesta, as alegorias da vaidade que acabam mesclando os tempos. A arte é um detalhe da lâmina com que ponho em dúvida a imortalidade da cena. Minha colagem é tão epigramática quanto minha poesia. Divertem-se juntas em tornar mais picante o molho de | 83
cada imagem. Qual a idade daquela caveira em um Pieter Claesz do século XVII? Qual a idade da lagartixa presente na colagem identificada como logo da Agulha? A arte contemporânea perdeu essa relação ampliada com o que se pode chamar de pan-tempo, e acabou se tornando pontual, reduzida a uma única e recorrente maneira, em depreciativa constância. Constatar a lamentável resultando deste processo é fácil: a visita a um Museu de Arte Contemporânea mais próximo. P E assim utilizas recursos técnicos atuais para negar teu próprio tempo? FM Não, não. Dito assim parece que perco meu tempo a me indispor com a volubilidade diária. Confesso que sinto mais tesão em uma mescla de colagem e poema do que propriamente em um ou outro em separado. Pelo aspecto teatral de minha poética, certamente me articularia bem na montagem de uma peça onde texto e cenário fossem meus. Já tive duas experiências neste sentido, mas tenho um volume muito grande de trabalho que chamei para mim em relação à poesia, e isto dificulta, em parte, atuar em outras áreas. O recurso técnico a que te referes imagino que seja a foto digitalizada tratada em computador. Sim, venho trabalhando com ela. P Com isto propões uma nova modalidade de colagem? FM A ideia é chamar atenção para o fato de que os recursos – que são infinitos – estão ao nosso dispor e não o contrário. A ficção científica tende a tornar o homem refém da máquina, mas em grande parte, quando deve ser considerada séria, é um alerta para o fato de que não podemos abrir mão do que somos, da paixão exaltada que nos leva ao sublime e ao erótico, e que jamais faz de nós seres mordazes e vingativos. Não se trata de recurso novo – sim, sim, claro, há essa mescla de recortes de fotografias tratados em computador –, mas de chamar a atenção para o fato de que não importa, se através de um romance, um crime, uma frustração, um acidente, a vida nos escapa de todas as maneiras. P A arte não pode nada, então? FM Pode nos lembrar isto a todo instante, que ela não pode nada e que essencialmente estamos por nossa conta. Chega dessa ideia de salvação de algo, já de todo avacalhada por Hollywood e deturpada pela violência inquestionável da Casa Branca. Ou a salvação prometida por essas igrejas abjetas que infestam o país de uma ponta a outra. P Vejo que misturas tudo em tua fala, talvez por uma compulsão de montagem. Não fantasias demasiado o mundo? FM Não há arte sem imaginação, está claro. Mas tampouco há imaginação sem realidade. Ou seja, uma coisa está enfiada na outra. Até que ponto a realidade segue modelos fixos, que ela se mantém fiel a determinados padrões? Somos sobreviventes da fantasia ou da realidade? Que estranha mitologia vem inventariando nosso tempo? O fato de que a grande indústria do entretenimento se confunda com outra não menos totalitária, a da violência, da guerra, do terror, não nos preocupa em nada? A rigor, a imaginação no artista não o devia confundir com um mitômano, mas sabemos que não é bem assim, ou seja, com tantas luzes, cenas, atrações, egos inflamados, não há como não perder a noção da realidade. No mais dos casos, a noção de sua fantasia. Penso que a arte, e não somente a colagem, deveria alertar para a necessidade desse paralelo, entre real e imaginário. | 84
P E até que ponto a colagem o faz? FM Toda a arte meteu-se em um beco sem saída, aparentemente pelo volume estonteante de propostas estéticas surgidas com as vanguardas, mas essencialmente pela usurpação de inúmeras técnicas pelo design, a propaganda e alguns mercados novos que incluem tanto a cenografia teatral ou cinematográfica quanto os gibis e as capas de disco, por exemplo. Neste sentido, o artista plástico deve ter sido muito mais atordoado do que o músico ou o escritor, embora não tenha se mostrado mais deslumbrado que os demais. Os artistas que lidam com a colagem estão muito apensados ao Surrealismo, ou seja, são observados criticamente como uma decorrência. Desnecessário remontar à ideia de fusão de arte & vida que permeava o Surrealismo. O fato é que a técnica acabou sendo caudatária do Surrealismo. Mesmo novos artistas que a cultuam, o fazem à maneira surrealista, o que dá a todos os trabalhos um certo ar déjà vu, um tipo de epilepsia artística, sem que desgrudem de algumas matrizes hoje dadas como clássicas. A técnica, de certa maneira, ficou a reboque de uma visão historicista do Surrealismo. P Todo este jogo de corta & cola não foi se embrenhando em novas formas de criação, onde tanto se pode falar no romance de um William Burroughs quanto nessas utilizações que mencionas? FM Sim, claro. Houve uma percepção acentuada do recorte, do rasgo na pele do tempo como grande recurso narrativo, que acabou dando no flashback abusivo do cinema e do romance. Mas estes são elementos colados – ainda que recortados – à pele de uma narrativa, digamos. Não são a subversão da própria. Sob este aspecto, penso que a colagem está para as artes plásticas como o verso livre está para a poesia. Incluindo todos os seus vícios, deturpações e acomodações estéticas. P Segundo Claudio Willer, é “acadêmica a distinção entre collage e colagem, além de lexicalmente insustentável (uma colagem, c'est une collage, c'est ça)”, não cabendo argumentar que em Picasso e Braque, por exemplo, ela fosse ilustrativa. Segundo ele, “se o parâmetro fosse esse, teriam que mudar o nome de todos os demais procedimentos: gravura, óleo, desenho, etc.” Estás de acordo? FM Completamente de acordo, embora eu próprio tenha usado o termo por diversas vezes, fazendo-o, sobretudo, para situar a colagem como uma técnica, para que não fosse confundida com uma simples operação de aderir objetos entre si. Mas evidente que atende a um capricho acadêmico de lidar com estrangeirismos como se atestassem inteligência superior, ou seja, estrangeirismos ajudam a detectar caipirismo do mundo acadêmico. P Há um testemunho sobre teu trabalho dado por Rosa Alice Branco que eu gostaria aqui de reproduzir. Diz a poeta portuguesa: “As colagens de Floriano Martins articulam-se com a sua poética escrita de uma forma inesperada, já que naquelas a dimensão estética se sobrepõe aos seus demônios, oferecendo-nos um universo mais pacificado. À primeira vista esta constatação surpreende-me, no sentido em que se trata de um trabalho que compõe, desconstruindo, através de associações livres, mas não podemos esquecer que se trata também de um trabalho de apuramento rigoroso. A partir de um suporte literalmente imagético, Floriano Martins deixa-se cativar pela singularidade do fragmento e pela harmonia sempre imprevisível da composição. Em cada colagem há um universo em miniatura, delimitado pela moldura e infinito pela fractalização das inserções figura/fundo. Desta forma, as texturas justapostas e sobrepostas conjugam-se para o encantamento do olhar entre o todo e o pormenor, sem lugar para a crueldade nua e para o profano desen| 85
carnado que habitam vários dos seus textos poéticos. Aqui, o jogo entre o profano e o sagrado apaga-se na redenção de tão humana beleza.” Gostaria de um comentário teu a respeito. FM Uma delícia de leitura. É bom que o acasalamento entre sagrado e profano não se converta em um desses processos de reprodução em cativeiro. A que mais pode aspirar a arte senão a criar possibilidades de uma “harmonia sempre imprevisível”? Olha, nisto da relação com os demônios, eu não sei se está correta a versão do crime aqui apresentada. Por vezes desconfio que o efeito aparente seja resultante apenas do fato de que o poema me domina mais do que a colagem. Evidente que não falo em domínio técnico, mas sim naquele sentido de entrega absoluta que nos leva a um conhecimento interior. E o que extraímos bem de dentro de nós, no mais fundo de nosso íntimo, não se restringe apenas ao indivíduo. Ali bem dentro entranhada e envolta em máscaras infinitas se encontra a natureza humana que, por mais perversa e raramente bela que seja, é sempre humana.
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2006 | A outra máquina do mundo
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Dentro de la era de la globalización, los poetas se leen en Internet. Están los muertos y los vivos, los conocidos y los que se descubren, los trascendidos y los que podrían trascender. Una buena cantidad de revistas entregan sus preferencias. Entre las de habla ibérica, destacan la revista Agulha junto con el Proyecto Banda Hispânica que dirigen los poetas Claudio Willer y el entrevistado Floriano Martins. Descrito como iconoclasta, prestidigitador, de espíritu libertario, es decir, surrealista. Múltiple en sus haceres literarios y entregado de cuerpo entero, nos expresa sus pareceres sobre diferentes tópicos del mundo de las letras. [BA] BA De todas tus actividades relacionadas al mundo literario quisiera en este dialogar que tratemos tu asimilación a la filosofía de vida del Surrealismo, la particular, y el oficio del traductor para relacionarlo con la publicación en diciembre de la Fundación Biblioteca Ayacucho de tu traducción del trabajo del valioso poeta Carlos Drummond de Andrade. FM Não vejo a menor relação possível entre as três referências, ou seja, de maneira alguma minha aproximação do Surrealismo se vincula diretamente com meu trabalho de tradutor e menos ainda as duas coisas têm em comum com a obra de Drummond. O trabalho de tradução se inicia nos anos 80, buscando apresentar aos leitores brasileiros poetas de várias latitudes. Traduzi livremente para periódicos literários poemas de autores como Pasolini, Blake, Huidobro, Borges, Lezama Lima, Pablo Antonio Cuadra, dentre inúmeros outros. Curiosamente nestes primeiros momentos não havia nenhum poeta surrealista. E jamais cheguei a traduzir nenhum poeta surrealista francês. A rigor o Surrealismo entrou primeiramente em minha vida pelo mundo plástico. Drummond, por sua vez, foi poeta fundamental em minha adolescência. Um largo volume intitulado Reunião (1969), que recolhia seus primeiros 10 livros, foi uma das aventuras mais presentes e valiosas neste momento inicial de minha descoberta da poesia. Posteriormente, quando inicia a fase memorialista, a série intitulada Boitempo, afasto-me de sua poesia. É bem possível que o fato da FBA haver me procurado para organizar justamente a obra poética de Drummond possa ser visto como um caso típico de acaso objetivo [risos]. De qualquer maneira, acho que a seriedade com que tenho pautado minha vida sugere essas valiosas aproximações e desdobramentos. BA Podrías contarnos cuándo te interesaste en el surrealismo, cómo fue, cómo se dio la lectura del Conde de Lautréamont y la de los manifiestos, qué edad tenías, qué pasó? FM Ainda na infância eu li autores como Dostoievski e Sade, que me marcaram acentuadamente. Lautréamont eu fui ler já na plena adolescência, juntamente com Blake e Rimbaud. São fontes distintas de impactos, que se somavam a uma experiência de vida itinerante, afeita a viagens, nesta época eu já havia largado a escola e percorria diversas partes do Brasil à moda hippie, mais interessado em viver o surrealismo do que a estudá-lo. Li os manifestos posteriormente, o mesmo se dando com a poesia de Breton, Char, Eluard, dentre outros.
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Entrevista concedida a Belkys Arredondo. Originalmente publicada na revista Imagen #5 – año 39. Caracas, Venezuela, maio-junho de 2006.
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BA ¿Cuál poema surrealista viene a tu memoria y cuáles anécdotas recuerdas significativas? FM Não tenho a memória de poemas. Tenho sempre que andar com os meus impressos, se os quero ler em público. Minha memória se inclina por outros rumos, por assim dizer, o que lamento, uma vez que a atividade teatral muito me fascina e foi mesmo uma das minhas grandes fontes de leitura nos primeiros momentos. Mas recordo aqui um momento em torno do poema Union libre, de André Breton, lido em off, por mim, André Coyné e Ricardo Martinez, em versos saltados em português, francês e espanhol, respectivamente, enquanto em cena aberta dançava a atriz Norma Suzal. Isto se deu em 1996, em um espaço expositivo da Universidade de São Paulo, em evento que comemorava o centenário de nascimento do próprio Breton. BA ¿Cómo vinculas esa postura de vida que surgió para oxigenar una sociedad golpeada en la Europa de los 40, cómo la vinculas o relacionas, o la propones con la latinoamericana y en qué fundamenta en la actualidad su vigencia? FM A rigor, o que era renovação na Europa dos anos 20, na América assume a característica de uma carta de fundação. E se considerarmos o ambiente diverso, em termos de continente americano, em que se dão as relações com o Surrealismo, seria falso e quando menos ingênuo evocar uma condição tardia de sua presença em alguns países. Acerca da atualidade do Surrealismo, certa vez respondi a uma pergunta similar considerando esse princípio irredutível de liberdade que orienta o Surrealismo, não sem destacar ser “também possível que se veja aí algum artifício de certo facilismo da criação poética; daí a leitura equívoca de que tudo o que não faz sentido é surreal, como se costuma ouvir com relativa freqüência”. Enfim, a atualidade do Surrealismo está ligada aos mesmos parâmetros de expansão da realidade, de afirmação da essencialidade da imaginação e de uma indispensável liberdade para criação, sem que estabeleçam aí barreiras ou abismos que separem arte e vida, sonho e realidade, razão e loucura. Não há como pensar que tais perspectivas não influam diretamente nas relações entre ética e estética. O colombiano Carlos Martín disse em um importante estudo sobre o Surrealismo que “a única via que conduz a um novo humanismo, capaz de restituir ao homem sua dignidade perdida, é a que mescla e identifica em si mesma poesia e vida”. Daí que o argentino Enrique Molina se referia ao Surrealismo como um “humanismo poético”. Trato agora apenas de reafirmar o que disse antes. BA Cómo definirías el oficio del traductor? FM Em boa hora faço menção a este belo livro preparado por Chefi Borzacchini sobre Alfredo Silva Estrada (Eclepsidra, 2005), em que o poeta e tradutor chama a atenção para o que considera o perigo máximo da tradução, ou seja, que a mesma “não seja fiel à voz do poeta”. Cabe ao tradutor, portanto, tratar de evitar a sedução de sobrepor ao subjetivismo da obra o seu próprio. Desnecessário mencionar as exigências técnicas, pois de outra maneira este trabalho não se realizaria. Objetivar ao máximo a função prática desta atividade, sem incorrer em autolatria de espécie alguma. No Brasil, por exemplo, alguns notórios tradutores não resistem à presunção de querer melhorar o original. BA Habiendo realizado la traducción al portugués de poetas españoles como Federico García Lorca, cuentos de Guillermo Cabrera Infante, ensayos sobre el estudio de dos poetas cubanos y otros, qué ha significado llevar al español el trabajo | 88
poético de uno de los poetas más significativos e importantes de Latinoamérica, Carlos Drummond de Andrade? FM São duas perspectivas distintas, porque não estou traduzindo Drummond para o espanhol, como o fiz, no ano passado, com a portuguesa Ana Marques Gastão (Nudos, Ed. Gótica, 2004). De qualquer maneira, sinto-me honrado de estar podendo contribuir para a circulação, nos dois idiomas, das obras de autores fundamentais. Cabrera Infante está muito bem traduzido no Brasil, graças a Stela Leonardos e João Silvério Trevisan. O mesmo não se passa com García Lorca, havendo uma imensa oscilação de qualidade nas traduções oferecidas a público. No caso do Drummond se passa algo interessante: ao escrever o estudo introdutório desta edição de Ayacucho tomei por base o papel central que desempenha em sua poesia o poema “La máquina del mundo” e, após observar que nenhuma das edições da obra poética de Drummond, em país algum, havia utilizado este poema para título geral da publicação, feliz com a descoberta, defini: eis o título perfeito para a edição venezuelana. Didier Lamaison havia publicado, em 1990, a poesia de Drummond pela Gallimard, sob o título simples de Poésie. 25 anos depois Gallimard surge com uma 2ª edição deste livro, e curiosamente muda seu título para A máquina do mundo. Trata-se de uma afinação mágica onde importa apenas que a obra de Drummond seja reforçada em dois valiosos âmbitos editoriais. BA En la poesía de Drummond de Andrade ¿cuáles rasgos consideras de su poesía lo enlazan con este presente tan complejo y le dan su permanencia, su universalidad? FM Tenho bem presente uma observação de Paulo Rónai com que trato de concluir o estudo introdutório de La máquina del mundo, no sentido de que Drummond “carregava consigo uma sentença de origem desconhecida, que o condenava ao mesmo tempo à estranheza e a viver entre os homens”. Este tenso equilíbrio alcançado é o que lhe deu a fabulosa dimensão humana de sua poética. BA ¿Qué poetas consideras necesario traducir para llevar a los lectores hispanos? FM Há que planejar editorialmente autores que já estão publicados em alguns países e quais perspectivas geracionais podem ser abrangidas, por exemplo, se tratamos de uma antologia mais ampla. Eu já organizei pequenas mostras de poesia brasileira para revistas mexicanas, chamando a atenção para alguns de nossos principais nomes dentre aqueles nascidos dos anos 40 para cá. Algo idêntico deve estar saindo na revista Poesía, da Universidad de Carabobo. Agora mesmo estou preparando para editoras no Chile e na Espanha antologia de brasileiros nascidos a partir de 1950. Fazer circular bastante essas antologias me parece uma boa estratégia para se despertar interesse editorial em antologias pessoais e mesmo, em alguns casos, na publicação de obras completas. BA Cómo organiza su vida cotidiana un poeta hiperquinético como tú, que busca siempre estar conectado con el mundo y con lo que él acontece? FM Esta é minha vida cotidiana. É o que faço. Como um mergulhador ou um arqueólogo, é isto o que faço, toda a vida, a vida inteira. Não há mistério algum. Organizo minha vida no estabelecimento de horas dedicadas à pesquisa, ao diálogo, às viagens. É o que sou. Apenas isto.
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BA ¿Existe una literatura femenina? ¿Qué poetas femeninas te gustaría traducir para llevar a los lectores hispanos cuyo trabajo se desconoce? FM Eu não penso jamais na poesia em termos de gênero, mas é evidente que temos algumas vozes femininas cuja difusão internacional se impõe. Penso em nomes como Dora Ferreira da Silva, Hilda Hilst e Astrid Cabral, dentre outras. BA ¿Por qué en los diccionarios de hacedores de poesía abundan los nombres masculinos habiendo mujeres con un valioso trabajo realizado y que se desconoce. En el caso de Brasil podríamos nombrar a la poeta Hilda Hilst que murió recientemente el año pasado? FM Não dá para generalizar, porque há tanto um fator bastante comum, a presença do machismo, postura arbitrária do homem em relação à mulher, quanto a ausência, em determinadas tradições líricas, de uma presença mais constante e substanciosa de vozes femininas. No Uruguai, por exemplo, onde há uma riquíssima tradição neste sentido, é impossível não constar o nome de mulheres poetas em quaisquer listas. BA ¿Son necesariamente negativas las dificultades que obstruyen la labor del escritor? ¿Es preferible que el acto de escribir tenga la serenidad de un río cristalino? ¿Haz tenido y cómo has resuelto el bloqueo ante la página en blanco? FM Jamais experimentei nenhum tipo de bloqueio diante da criação. Em geral, penso em meus livros como um corpo único e raramente me ponho a escrever poemas esparsos. De qualquer maneira, não acho que a serenidade de um rio cristalino possa ser entendida sempre como uma condição positiva. Tal serenidade pode trazer em si demasiado conforto. E há um mínimo de combate na criação, o que por muitas vezes torna bem vindas essas eventuais dificuldades traçadas pelo cotidiano do poeta. BA ¿Qué consideras qué es un poema vivo y cuál uno muerto? FM Do modo mais simples, diria que todo poema deve fundar um diálogo com seu leitor. Talvez não esteja demais dizer que o leitor é uma invenção do poema. Resta saber qual a capacidade de proliferação dos poemas mortos. BA ¿Quién es el peor enemigo de un poema? FM Se acaso houver algum, decerto que será o próprio poeta, ao incorrer em excessos de ansiedade, atropelos estilísticos, insuficiência existencial, ou seja, todos os males tradicionais de fundo e forma. BA ¿Cuáles poetas venezolanos han llamado tu atención y cuáles llevarías al portugués para entregarlos a la audiencia brasileña? FM O Brasil desconhece por completo a poesia venezuelana. Duas breves antologias de Gerbasi e Montejo publicadas há mais de 10 anos não tiveram circulação devida e em nada alteraram este lastimável quadro. Sempre lastimo que isto aconteça justamente com a Venezuela, e por duas razões: por sua valiosa tradição lírica e pelo fato de que através da Fundación Biblioteca Ayacucho há inúmeros brasileiros publicados em teu país. Por editora de grande circulação acaba de sair uma antologia de Juan Calzadilla, que não deixa de ser um início valioso, por se tratar de voz poética tão rica e atual. Eu traria ao Brasil com urgência antologias de Ger| 90
basi, Peláez, Silva Estrada, dentre muitos outros, mas me parece que o mais acertado, editorialmente, é que se publicasse uma ampla antologia de toda uma trajetória desta tradição ao longo do século XX. BA ¿Cuál es tu opinión en relación a la poesía que se está publicando en Latinoamérica? FM É um painel demasiado amplo para se abarcar aqui. Nos lugares em que ainda sobrevivem, por exemplo, as apostas malogradas em um neobarroco, o cenário é infértil e enfadonho. Há poetas que vivem à sombra das vanguardas, outros que se movimentam dentro de um espectro bastante antiquado. Uma coisa que me chama bastante a atenção, em nossos países, é esta filiação forçada ao oriente, sobretudo no que diz respeito ao hai-kai. Nossa realidade é outra e há que descobrir a medida certa de sua expressão. BA ¿Podrías nombrarme tres poetas latinoamericanos del cincuenta para acá que te gusten? FM Sim, há muitos poetas que vêm construindo uma obra à margem dos vícios geracionais e das induções de turno. Resumi-los a três nomes pode soar como algo precário, mas tenho uma particular consideração pela poesia do brasileiro Contador Borges (1954), do mexicano José Angel Leyva (1958) e do equatoriano Edwin Madrid (1961). BA Háblanos un poco sobre cómo percibes la función actual de las revistas en Internet y lo que ha llevar adelante junto con el poeta Claudio Willer un un proyecto como la revista Agulha que ya tiene más de cuatro años de creada con una actividad constante de intercambio literario con escritores de todas partes del mundo. FM As revistas sempre cumpriram um nobre e audacioso papel de aproximação cultural, hoje facilitado pela eficácia da circulação através da Internet. Há que aproveitar este momento, buscando ampliar os vasos comunicantes, elos, conexões etc. Agulha não se limita a um intercâmbio literário, por se tratar de uma revista de cultura, possivelmente a única que sobrevive hoje em um Brasil desafortunadamente disperso, desagregado. Eu tenho que mencionar que a Agulha soma-se ao projeto da Banda Hispânica, do Jornal de Poesia, e que esta parceria nos torna a maior fonte de referência no que diz respeito à poesia de língua portuguesa e espanhola em todo o mundo. Isto naturalmente nos anima – a mim, a Claudio Willer e Soares Feitosa – a dar continuidade a um projeto que nos últimos 5 anos vem se dedicando a estabelecer elos entre diversas culturas, no âmbito dos dois idiomas. BA ¿Consideras tu poesía marcada con los signos surrealistas, es decir, el encuentro de imágenes contrarias que al juntarse iluminan el entendimiento y amplían el universo del poema? FM Os signos surrealistas não se limitam ao plano das aproximações insólitas. Há também a perspectiva onírica, o humor, as fontes do maravilhoso. Na minha poesia, por exemplo, certa exaltação lírica incorpora elementos do humor negro e da tragédia, e o automatismo não deixa de dialogar com a complexa estrutura bem pensada que desenho para os livros. Trata-se de surrealismo, sim, porém sem limitar-se a ortodoxias de espécie alguma. Eu diria que um surrealismo que se mescla com uma ontologia muito particular que inclusive difere de toda a tradição lírica de meu país. | 91
BA Una característica cada vez más pronunciada es de cómo los diferentes géneros, literarios o plásticos, poesía, narrativa, imagen ya sea fija o en movimientos tienden a borrar sus límites mezclándose, el artista los utiliza de acuerdo a lo que desea testimoniar. Tengo entendido que realizas unos collages, háblame de ellos. FM Lembro que em minha infância havia na casa de meus pais aquelas fotonovelas, que eram adaptações para quadrinhos de clássicos da literatura universal. Eu tinha comigo uma série de comics, outra leitura fundamental para mim, juntamente com uma coleção de peças de teatro. Isto sem falar na música e nas artes plásticas, algo que sempre esteve presente em minha vida, não esquecendo ainda o fato de que assisti à chegada da televisão no Brasil, com os desenhos animados e o cinema mudo, que me provocou grande impacto. Posteriormente descobriria a ópera, que consolidaria essa mescla de gêneros que hoje se verifica indiscriminadamente. O trabalho com as colagens é um desdobramento natural de tudo isto. BA ¿En una entrevista concedida al mexicano José Ángel Leyva esbozaste que en el acto de escribir imaginabas al poema-libro como algo que se construía tridimensionalmente. ¿Podrías ampliarnos la idea? FM Eu me referia justamente a esta soma de elementos, onde o livro pudesse saltar de suas páginas para um palco, e a trama viesse ter conosco em um cenário vibrante, intenso, onde o componente lírico andasse de mãos dadas com a plasticidade e a representação figurativa. A rigor, toda a minha poesia caminha para o teatro. BA ¿Actualmente escribes un nuevo libro? FM Estou sempre escrevendo, mas confesso que não gosto de adiantar projetos de livro, pois eles costumam ser caprichosos e por vezes tomam um curso distinto daquele que planejamos. BA ¿En tu participación en la XII Semana Internacional de la poesía que impresiones te llevaste del evento? FM Defendo que eventos desta natureza devem se multiplicar, consolidando essa irradiação mágica da poesia, que nos leva a inúmeras formas de convívio. Perceber eventuais falhas e lidar com sua correção faz parte da trama, como os demais obstáculos à produção. O trabalho realizado pela Casa de la Poesía Pérez Bonalde possui já um lugar de destaque em nosso continente e deve ser respaldado por todos nós e ampliado em seu vigor valioso.
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2008 | Uma conversa com o curador da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará 16
A mestiçagem será o tema central da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará. “Nossa cultura é mestiça em sua essência. É exatamente para isto que estamos chamando a atenção, para um melhor conhecimento, aceitação e integração de nossas raízes”, diz o escritor Floriano Martins, que responde pela curadoria do evento, que será realizado de 12 a21 de novembro, em Fortaleza. Antes de aceitar o desafio de ser curador da Bienal cearense, Floriano fez questão de saber se teria carta branca para poder alterar rotas e ajustar formatos que julga esgotados em relação a outras feiras do livro país afora. O próprio conceito de “feira” está sendo reavaliado e posto em questão. “Acho que há um desequilíbrio nas razões culturais e de mercado que atuam em eventos desta natureza”, argumenta. Garantida a desejada autonomia para proceder a uma reformulação conceitual da Bienal, Floriano faz uma aposta ousada: em vez de privilegiar nomes midiáticos para compor a lista de palestrantes e de autores convidados para as costumeiras sessões de autógrafos, dará preferência a mesas redondas e iniciativas que privilegiem, sobretudo, o exercício da reflexão. “Trata-se de equilibrar as relações entre cultura e mercado. Evidente que não se quer dar importância menor ao setor comercial, muito menos à circulação de um grande público. O que nos cabe acrescentar é a necessidade de maiores qualificação e diversidade daquilo que se vai ofertar ao público, bem como das perspectivas de negócios”, pondera. A programação, que conta com um bom número de autores e produtores culturais de diversos países da América Latina, evidencia que será dado amplo destaque ao diálogo entre duas comunidades lingüísticas: a de língua portuguesa e a hispânica. “É indispensável ousar, de maneira a apresentar soluções para uma política cultural consistente”, resume Floriano. A seguir, os melhores momentos de uma conversa, por e-mail, com o curador da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará: [LN] LN As feiras do livro, país afora, têm se transformado na verdade em grandes saldões, nos quais livreiros e principalmente distribuidores aproveitam a oportunidade para desovar estoques e encalhes a preços de ocasião. Em que medida a Bienal do Ceará pretende se diferenciar desse modelo viciado, que já dá sinais visíveis de esgotamento? FM Começamos aqui a tratar da Bienal por sua área comercial, embora o esgotamento a que te referes esteja, para mim, mais na sua outra área, geralmente identificada como a das sessões literárias. De qualquer maneira, penso que o grande dilema da área comercial está em sua ausência de organização, no estabelecimento – e cumprimento – de regras mínimas de organização que sejam redigidas contratualmente em nome da totalidade do projeto Bienal e não para atender a casos particulares. Houve já uma conversa entre Curadoria, Sindilivros e RPS Eventos. Todas as editoras e livrarias inscritas assinaram um contrato onde consta um novo conjunto de regras de organização que recupera a qualificação do setor de vendas, regras que tratam da arrumação ambiental dos estandes, da utilização de aparelhos de som, dos balcões de saldos, dos limites de venda sobre produtos que não sejam livros (material de papelaria, brinquedos etc.). Uma vez definido o mapa geral das
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Entrevista concedida a Lira Neto. Originalmente publicada em Agulha Revista de Cultura # 65, Fortaleza/São Paulo, setembro de 2008. Disponível para consulta em: www.revista.agulha.nom.br/ag65martins.htm.
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editoras e livrarias que participarão do evento, pretende-se ainda ter com todas elas uma nova conversa, esclarecendo sobre a importância do conceito atual e propondo uma maior integração ao mesmo. LN Você sugere, no início de sua resposta à pergunta anterior, que identifica um esgotamento também nas sessões literárias. Onde você vê os sintomas mais nítidos desse esgotamento? E quais os antídotos de que pretende lançar mão para evitálos? FM Acho que há um desequilíbrio nas razões culturais e de mercado que atuam em eventos desta natureza. Maior acento na área de mercado implica em demasiada dependência de suas cotações e exposições de mídia. Estes aspectos podem, em geral, assumir uma conotação negativa em um ambiente cultural fragilizado como o que temos hoje no Brasil. Posso ser acusado de eufemismo, porém tento aqui apenas evitar cair em seu revés, o sentido catastrófico derrotista. O fato é que é preciso evitar simplificações e reiterações temáticas na formatação das sessões literárias, inclusive qualificando o mediador das mesas de maneira a não permitir que as explanações dos convidados caiam no vazio, sem que os encontros produzam tanto um enriquecimento crítico no público quanto perspectivas de parcerias entre as partes envolvidas. Posso dar aqui dois exemplos, referentes a mesas de debate: uma delas reúne diretores dos mais atuantes Centros de Estudos Brasileiros existentes na América Hispânica, o que nos permitirá uma avaliação do comportamento do Itamaraty e sua política cultural no tocante à integração continental; uma outra mesa, com dupla jornada, reúne algumas das principais editoras universitárias do país, ocasião em que evocará aspectos como planejamento editorial e distribuição. As próprias sessões de leitura de poemas serão mais abrangentes, permitindo aos poetas comentarem sobre sua poesia e responder a perguntas do mediador e do público. Enfim, trata-se de dar mais substância ao evento. LN Como avalia o formato que tem sido levado a efeito pela organização da feira do livro de Parati, a Flip? Parece-me que eles buscam exatamente fugir do esquema tradicional e sonolento das tardes de autógrafos das bienais, estabelecendo-se como uma verdadeira festa literária ao ar livre – em que as atrações naturais e a arquitetura histórica da cidade são elementos de atração para o público – mas sem esquecer o lado da reflexão e da discussão de ideias. O que este modelo tem a nos dizer, quando pensamos em uma bienal do livro realizada em um estado solar como o Ceará? Seria ingenuidade demais supor que um evento desse tipo, desde que planejado convenientemente, poderia vir a contribuir também, de alguma forma, para a qualificação do turismo regional? FM Talvez haja no tema mais de armadilha do que propriamente de solução consistente. Se acaso tivéssemos um planejamento educacional em curso – refirome em termos federais –, neste caso seria salutar contar com a adesão de uma agenda turística. Como é outro o cenário, a solução passa a ser um artifício que interessa mais ao imediatismo de mercado do que propriamente à cultura. É quando menos uma solução fácil e temporária. Evidente que caberia aproveitar melhor a condição solar do Ceará, e neste caso seria uma fortuna poder contar com ações integradas das áreas de Educação, Cultura e Turismo. Soa quase como um milagre, porém um milagre que nos traria um bem imenso. Recentemente eu estive em Sidney e fiquei impressionado como um ousado planejamento urbanístico pode trazer benefícios sólidos para uma comunidade. LN Para o leitor que quer garimpar nas bienais, os estandes das editoras universitárias e internacionais reservam sempre boas surpresas. Contudo, quase sempre, | 94
é relegado a elas um espaço quase marginal nas feiras do gênero. Há algum plano específico para valorizar essas editoras? FM Na área das sessões literárias, como recordei há pouco, foi criada uma série de mesas de debates envolvendo editores universitários de vários estados brasileiros. No caso das editoras internacionais, foi estabelecida uma área de 234m² dedicada a um conjunto de editoras dos países hispano-americanos. Estas editoras participarão pela primeira vez de uma feira no Brasil, e aqui estarão reunidas através de acordos que estamos definindo com suas entidades de classe (redes, alianças, câmaras setoriais etc.). Muitos dos editores também participarão de mesas de debate sobre mercado editorial na América Latina. Evidente que também teremos aqui editoras de Espanha e Portugal, através de seus representantes legais, como já é feito habitualmente. LN A nova edição da bienal cearense movimenta-se em torno de um grande eixo, o da mestiçagem. Não há o risco de um evento monotemático, que deixe de contemplar outros campos de interesse mais amplo do público leitor e dos visitantes? FM Mas é monotemático apenas tecnicamente. Afinal, nossa cultura é mestiça em sua essência. É exatamente para isto que estamos chamando a atenção, para um melhor conhecimento, aceitação e integração de nossas raízes. Trata-se de uma concentração que permite uma expansão em larga escala. Criar condições para um diálogo entre as culturas de língua portuguesa e espanhola, culturas espalhadas por quatro continentes, é exatamente uma forma de evitar políticas discricionárias dessas culturas, de evocar a diversidade com consistência, de sugerir novos mecanismos de tratamento com a produção do livro etc. Ao contrário do que temes, público leitor e visitantes encontrarão um leque mais amplo de oferta, tanto no que diz respeito aos livros expostos quanto à presença de temas e autores em contato direto com eles. LN No ano passado houve um encontro preparatório ao evento, que teve como objetivo estabelecer a agenda geral da Bienal. Quais as grandes conclusões e quais os rumos decididos naquele encontro prévio? FM Tão logo foi aceito o projeto apresentado pela curadoria à Secretaria da Cultura, tratei de eleger um convidado em cada um dos 30 países envolvidos, no sentido de obter informações precisas sobre autores, instituições, perspectivas de parcerias etc. Tínhamos então em mente a ideia de realizar uma série de eventos preparatórios, reunindo em cada um deles sete ou oito desses parceiros eleitos. A primeira edição trouxe a Fortaleza produtores culturais de Chile, Colômbia, México, Peru, República Dominicana e Venezuela. Todos os convidados contavam em seu currículo com experiências de curadorias de feiras e encontros internacionais de escritores, em seus respectivos países. Ali comentamos sobre as estratégias necessárias para um diálogo entre nossas culturas que não fosse mais tangencial ou retórico. Então definimos a abrangência conceitual da Bienal do Ceará e sua estrutura, aspectos que foram sendo realçados, enriquecidos, na medida em que fomos conversando – através de correio eletrônico – com os parceiros de outros países que não puderam estar conosco fisicamente e com instituições brasileiras (sobretudo instituições ligadas ao Governo do Estado do Ceará). Este primeiro e único encontro foi o suficiente para definir toda uma política cultural que se caracteriza por uma abertura não somente em seu eixo temático, mas também em sua maneira de legitimar parceiros que possam contribuir para o engrandecimento do evento.
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LN O material de divulgação do evento, já distribuído à imprensa, menciona a existência de um “pavilhão especial”, dedicado a Cuba e Venezuela. Qual o sentido dessa iniciativa? Não estaremos diante de uma politização explícita de um evento eminentemente público? FM Em geral, feiras de livros costumam eleger um país como homenageado. O Brasil mesmo já foi convidado em tal condição por alguns eventos internacionais, e aqui antecipo que será o país convidado da Feira do Livro da República Dominicana, a se realizar em maio de 2009. Jamais se considera como – politização explícita – um convite dessa natureza, sendo ou não. O que há de visível no que estamos fazendo é que passamos a tratar por – pavilhão especial – o que costumeiramente se chama – país convidado –, e que em nosso caso escolhemos dois países e não apenas um. Isto além do vício ideológico que limita a compreensão que temos a respeito desses dois países. Contudo, pensemos no que não está visível: Cuba e Venezuela possuem destacada importância em termos de integração cultural na América Latina, especialmente na área do livro. Há 50 anos surgiu em Cuba a Fundação Casa das Américas, seguida 10 anos depois pela venezuelana Monte Ávila Editores. Também na Venezuela é fundamental o trabalho realizado pela Fundação Biblioteca Ayacucho, sem falar na criação recente da Fundação Editorial El Perro y La Rana. São aspectos relevantes que necessitam ser reconhecidos internacionalmente e, mais do que isto, que necessitam de ampla discussão, para que assim possamos redefinir perspectivas do mercado editorial em todo o continente. Que haja implicações políticas nisto tudo, não resta dúvida. Este será um bom momento para discutir as políticas relacionadas ao livro e à leitura no Brasil, por exemplo, ou seja, como a nossa democracia tem enfrentado este tema. LN Pelo que se lê também no material de divulgação, a Bienal do Ceará pretende romper com outro hábito arraigado nas demais feiras espalhadas pelo país. Irá valorizar a discussão, a cultura e a reflexão, em detrimento das costumeiras tardes e noites de autógrafos com autores midiáticos e geradores de grande público. É, sem dúvida, uma opção ousada. Houve, até agora, alguma reação manifesta em relação ao novo formato? FM Trata-se, como já frisei, de equilibrar as relações entre cultura e mercado. Evidente que não se quer dar importância menor ao setor comercial, muito menos à circulação de um grande público. O que nos cabe acrescentar é a necessidade de maiores qualificação e diversidade daquilo que se vai ofertar ao público, bem como das perspectivas de negócios. Trata-se de uma ousadia, sabemos, porém pode alcançar um efeito imenso se contarmos com o empenho de todos os parceiros – sobretudo, neste caso, a própria mídia – na definição de uma escala maior de abrangência e renovação deste evento maior do Estado do Ceará. É preciso ousar, e a Bienal em si é já um projeto consistente, que existe há 16 anos, ou seja, que naturalmente permite – e até mesmo exige de todos nós que a fazemos – um avanço, uma inovação. Eventuais reações manifestas em relação ao formato atual serão recebidas como parte valiosa de um processo de renovação. Até o momento, no entanto, temos recebido uma completa e declarada simpatia de todos os parceiros envolvidos. LN Nesse caso, qual o critério que será estabelecido para o convite de autores estrangeiros? Serão privilegiados os grandes nomes da literatura americana de língua hispânica ou, ao contrário, dar-se-á preferência a autores não tão conhecidos assim do público brasileiro ? se é que nós, leitores brasileiros, podemos dizer que conhecemos algo dela? | 96
FM Tua pergunta já traz consigo a resposta. A única literatura hispanoamericana que conhecemos é aquela que se internacionalizou via mercado editorial europeu ou estadunidense. Nosso critério será, antes de tudo, o de criar uma rede atuante de referências literárias envolvendo todos os países. Buscamos nomes expressivos do ponto de vista estético e que ao mesmo tempo sejam influentes produtores culturais, estejam à frente da direção de revistas ou de quaisquer outros projetos editoriais, incluindo traduções, ensaios etc. Buscamos assim desenhar uma agenda com desdobramentos, que não se defina unicamente por uma festa em isolado. Claro que estamos cientes dos riscos, pelo quase total desconhecimento desses autores da parte do público, porém o desafio é fascinante e requer uma atenção maior quanto ao plano de difusão da Bienal. LN Qual o papel que caberá à revista Mestiça, a ser lançada durante o evento? Qual a linha editorial desta publicação? Será um número isolado ou há a possibilidade de se pensar em uma periodicidade para ela? FM A revista Mestiça encontra-se em fase de definição estrutural e formação de equipe. Foi originalmente pensada para ser uma publicação de circulação quadrimestral, com distribuição gratuita, que funcione como veículo informativo não apenas da Bienal em si (em suas atual e futuras edições), como também de toda uma política do Estado do Ceará ligada ao livro e à leitura, abrangendo ainda os diálogos com eventos similares em outros lugares do país e no exterior. Informativa e reflexiva, cabendo ainda em sua pauta recuperar e destacar aspectos relevantes de nossa cultura. LN Anuncia-se também a criação da “Coleção Biblioteca Bolivariana”, cujo nome de batismo já embute uma orientação explícita de natureza política e ideológica. Há títulos definidos? Quais os critérios de escolha? FM Novamente o ardil de natureza política e ideológica. O nome foi pensado como uma espécie de reconhecimento ao trabalho de mapeamento cultural latinoamericano desempenhado, na Venezuela, pela Fundação Biblioteca Ayacucho. E encontra na figura de Simon Bolívar um ícone ideal na representação de esforços por uma integração continental. A pauta editorial primará por títulos que correspondam a esta perspectiva, autores que tenham escrito sobre origens, integração, mestiçagem, ao lado de um conjunto de obras que permitam uma aproximação do leitor brasileiro da produção intelectual e literária da América Hispânica. E naturalmente a recuperação de acervo literário cearense. Há um planejamento editorial de lançar 10 primeiros títulos na Bienal, em novembro. Dentre os autores encontram-se o argentino Juan Gelman, o nicaragüense Pablo Antonio Cuadra e o brasileiro Thomaz Pompeu Sobrinho. Em boa parte são obras coligidas, acompanhadas de estudos críticos. O que não impede a publicação de títulos independentes. LN A maior parte dos visitantes das feiras dos livros são crianças, que quase sempre chegam em grandes caravanas escolares. Isso é sempre bastante louvável, já que a Bienal funciona também como uma formadora de potenciais leitores do futuro. Contudo, nem sempre as visitas desses estudantes são feitas de forma organizada e devidamente orientada, o que gera mais congestionamentos nos corredores do que propriamente um contato efetivo das crianças com o mundo dos livros. Não seria a hora de avaliar esta questão? FM Retomamos o tema da desorganização. Não vou minimizar o problema, porém não se pode fugir da necessidade de estabelecer uma agenda de visitação que seja cumprida com rigor. Ao mesmo tempo, há que se compreender que é insufici| 97
ente tal iniciativa, que exige um cuidado prévio que envolve contatos com setores do ensino público e privado, a elaboração de uma cartilha a ser distribuída nas escolas etc. Há todo um trabalho preparatório que demanda empenho e atenção. Temos um setor da curadoria cuidando especialmente disto. LN É curioso notar que Chico Anysio, mais conhecido por sua atuação na televisão, seja o grande homenageado do evento. Recentemente, em entrevista, ele próprio afirmou que gostaria de ser mais valorizado pelo escritor que, de fato, também é? FM Chico Anysio é um desses casos típicos nacionais. Livros como O batizado da vaca(1972), O enterro do anão (1973), A borboleta cinzenta (1985), Feijoada no Copa (1987) e O tocador de tuba (1990) jamais foram devidamente avaliados como a notável contribuição à narrativa brasileira que efetivamente são. Porém o público o recebeu sempre muito bem, pois em grande parte sua bibliografia alcançou grande vendagem. Mesmo que fosse apenas um criador de tipos para o teatro e a televisão, ainda assim seu universo é o da literatura, seja como dramaturgo ou roteirista. É essencialmente um escritor, além de ator fabuloso. Sob todos os aspectos, merece nosso declarado reconhecimento como um dos mais expressivos nomes ligados à arte e à cultura no Ceará em todos os tempos. O curioso é que não tenha sido até aqui declarado motivo de orgulho nosso, como sempre deveria ter sido. LN Pelo que se depreende do conjunto de suas respostas, teremos uma bienal diferente de todas as outras já realizadas no Ceará. Você espera que os resultados dela sejam visíveis e politicamente animadores a curto prazo, para que não se caia na tentação e no risco de se buscar de novo o caminho do mais fácil e da mesmice? FM Esperar é insuficiente. A rigor, se considerarmos o cenário do que se poderia chamar de políticas culturais no Brasil, este é absolutamente desalentador. Não me cabe a ingenuidade – aqui sim – de acreditar que tal situação possa mudar a partir de um evento em isolado. Estanova configuração que vem sendo dada à Bienal Internacional do Livro do Ceará se trata de uma grande ousadia que, ao mesmo tempo, reconhece os riscos de vir a cair no vazio. De qualquer maneira, é preciso fazêlo, enfim, é indispensável ousar, de maneira a apresentar soluções para uma política cultural consistente.
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2008 | Festa da Mestiçagem
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A Oitava Bienal Internacional do Livro do Ceará abordará o tema Aventura Cultural da Mestiçagem. No entanto, diante de sua vasta programação o evento será múltiplo. Múltiplo e repleto de sentidos. São setenta convidados estrangeiros e mais de 100 participantes do campo editorial brasileiro. Ao todo virão escritores de 23 países. Talvez, seja o maior número de convidados já reunidos numa Bienal no Ceará. O curador do evento, escritor Floriano Martins, afirma que a formatação da Bienal tem uma nova lógica. Sua configuração é “essencialmente cultural de defesa da produção, circulação, difusão do livro e estímulo geral à leitura”. Leia a seguir entrevista que o curador da Bienal, Floriano Martins, concedeu ao Caderno 3. [JAS] JAS Como surgiu a ideia de fazer a bienal reunindo escritores de países de língua portuguesa e espanhola? O desconhecimento por parte do público de grande parte dos escritores não vai gerar certo estranhamento? FM A ideia surgiu da necessidade de dar uma orientação mais consistente ao panorama cultural deste nosso tempo. O Brasil é o único país da América Ibérica que fala português. É injustificável, para dizer o mínimo, a nossa ausência em relação aos temas culturais que configuram esta comunidade ibero-americana. Eu defendo a urgência desse “estranhamento”, pois tê-lo adiado acarreta uma reserva crescente de prejuízos culturais. Tomaremos um imenso susto diante da saborosa diversidade cultural que encontraremos na Bienal, de tal forma que o “estranhamento” nos dirá o seguinte: mas como pudemos passar tanto tempo sem conhecer tudo isto? Como é possível? Esta é a minha convicção, que é também a de todos – no Ceará, no Brasil e nos demais países envolvidos – os que trabalham para que esta Bienal alcance um alto padrão de qualidade, visitação e reação de público e crítica. JAS Como se desenvolverá este diálogo? A barreira da língua – já que teremos vários escritores de língua espanhola – não será um problema? FM Eu tenho conversado frequentemente com todos os convidados e nenhum deles manifesta preocupação a este respeito. As mesas estão formadas mesclando autores nos dois idiomas e os mediadores são todos bilíngues. Sugeri a todos que conversassem entre si, para estabelecer um plano de diálogo para cada mesa. Além disto, o publico terá à sua disposição um sistema de tradução simultânea. Por último, temos a mais plena convicção de que este aparente obstáculo será vencido pelo sentido envolvente de integração cultural que define a Bienal em si. JAS O que diferencia esta Bienal das anteriores? Por exemplo, a última reuniu escritores da Espanha e de Portugal, mas também brasileiros como Moacir Scliar e Nélida Piñon, entre muitos outros. Tivemos, também, uma Bienal sobre as Mil e Uma Noites. Mas sempre com escritores nacionais de renome tendo uma dimensão maior dentro do evento. Como se deu a escolha tanto de escritores brasileiros, quanto de estrangeiros, ou seja, qual foi o critério adotado?
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Entrevista concedida a José Anderson Sandes. Originalmente publicada no Diário do Nordeste, Caderno 3. Fortaleza, 09/11/2008.
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FM Atendemos primeiramente à necessidade de se estabelecer um conceito que revelasse uma determinação da cultura e não do mercado. O passo seguinte seria dar a esse conceito uma configuração consistente em termos de abrangências de temas, particularidades que poderiam funcionar como traços de união entre alguns países e/ou entre gerações etc. Por último, buscar os nomes e não renomes, ou seja, saímos em busca do substantivo e não do adjetivo, o que não significa dizer que tenhamos rejeitado este ou aquele autor por se tratar de um nome “conhecido”. JAS Todos os países da América Latina foram contemplados? E os da África e Europa de língua portuguesa e espanhola? FM A representação não se dará em todos os casos com a presença física de escritores. há alguns países que estarão presentes através de suas revistas ou através de vídeos. ao todo virão escritores de 23 páises, porém em termos de representação ficaram ausentes apenas uns poucos países, a exemplo de Honduras, El Salvador e Macau. JAS Na sua concepção, quais os escritores, entre todos convidados, têm maior representatividade? FM Há destaques em áreas distintas e complementares: a criação literária, a tradução, a edição, a pesquisa acadêmica, a gestão cultural. Cada um de nossos convidados está aqui na condição de altos representantes de suas áreas de atuação, de maneira que não haveria justiça ou eficácia em tal julgamento. JAS Quase todos são desconhecidos dos brasileiro. as editoras brasileiras não têm interesse em publicar escritores da América Ibérica?! FM Conhecemos muito bem o comportamento do mercado editorial brasileiro, cuja rejeição ao risco se enlaça com certa subserviência a cânones viciados, fazendo com que a oferta seja no mínimo oscilante em termos de qualidade e coerência editorial. Tem havido nos últimos anos editoras interessadas na publicação de autores de língua portuguesa, de Portugal e da África, porém isto graças a um convênio estabelecido pelo governo português que investe recursos na divulgação dessa literatura no Brasil. Eu sei de algumas editoras que começam a manifestar interesse na publicação de autores hispano-americanos. A minha expectativa é de que este cenário comece a tornar-se mais frequente e que descubramos maneiras de anularmos este indesculpável hiato existente entre essas literaturas. JAS Foi criada para a Bienal a “Ilha dos Continentes”, um espaço que reunirá pequenos estandes de editoras que jamais teriam oportunidade de participar de bienais fora de seus países. Explique melhor este espaço. FM Uma das grandes dificuldades das pequenas e médias editoras diz respeito ao muro invisível que separa nossos países: os altíssimos custos de traslado, impostos etc. Pensando nisso, tentamos minimizar este obstáculo cedendo estandes para editoras individuais ou representações de editoras em cada país envolvido com a Bienal. Também buscamos o apoio das embaixadas, solicitando a utilização de sua mala diplomática para o traslado dos livros. Estas foram tentativas que na prática permitiram a vinda de estandes de apenas 10 países, o que significa que persistiram alguns obstáculos e que o apoio diplomático é algo ainda não de todo factível em âmbito cultural. De qualquer forma, teremos aqui um espaço amplo e | 100
pioneiro envolvendo 24 estandes com uma variedade comovente de editores que se reuniram e virão ao Brasil representar seus países. JAS Tanto a Bienal de São Paulo, quanto a do Rio se transformaram em grandes feiras de livros. os preço praticados geralmente são os mesmos das livrarias. Ou seja, o mercado editorial tem grande força nestes eventos. A Bienal Internacional do Livro do Ceará segue o mesmo padrão? FM Não há como estabelecer regras para a marcação de preços. O mercado deve ser livre nesse sentido. Evidente que deveria falar mais alto o bom senso. No caso da Ilha dos Continentes nós sugerimos aos seus coordenadores que viessem com preços bem abaixo do mercado, o que certamente provocará um valioso confronto. O que tratamos de fazer é com que a Bienal Internacional do Livro do Ceará não se restrinja unicamente à área de vendas, dando-lhe uma configuração essencialmente cultural de defesa da produção, circulação, difusão do livro e estímulo geral à leitura em todo o Ceará. JAS Por falar em “Ilha dos Continentes”, quais são os demais espaços da Bienal? FM Ao contrário da Bienal de Artes Plásticas de São Paulo, não teremos nenhum espaço dedicado ao vazio. Ou seja, atividades é o que não nos falta. Porém não entendamos isto como uma overdose desenfreada de atrações. O roteiro de atividades foi desenhado de tal forma que esta é a sua principal característica: a estruturação consciente e coesa de um conjunto de ações culturais que possam envolver a diversidade do público que certamente teremos. O nosso principal espaço chamase a Bienal como um todo. JAS Aliás, foram criadas várias salas para conferências, debates, oficinas e exposições. Exemplifique melhor cada espaço. FM É fato que o Centro de Convenções tornou-se insuficiente do ponto de vista de espaço e até mesmo de formatação deste espaço. Graças ao apoio da Universidade de Fortaleza podemos então ampliar a Bienal, o que significa poder lhe dar uma configuração mais ousada e diversificada. Neste sentido, estabelecemos espaços próprios para a realização de mesas reflexivas, tanto de conferências e debates quanto também de leitura de textos, considerando que estas envolverão também o comentário sobre obras e a participação do público. Na ala expositiva criamos uma série de salas dedicadas à mostra de vídeos, revistas, gravuras, arte postal, cordel etc. São ambientes que permitirão ao público um convívio mais íntimo com a realidade cultural dos países convidados. A sala de vídeos, por exemplo, possui uma programação intensa de exibição de quase 200 títulos (entre curtas de ficção e animação e documentários) de um total de 18 países. A sala de revistas é um espaço de convívio, de leitura, onde o visitante conta com centenas de revistas de vários países. A sala de música possui uma particularidade fascinante, ao abrir-se para o espontâneo, criando uma programação aberta, que permite uma maior participação do público e um elenco variado e por vezes inesperado de presenças que inclusive virão de outras áreas. Aliás, esta é também uma ideia nossa, a de criar um enlace possível entre as diversas áreas, cuja costura será feita por duas outras salas, a de rádio e a de imprensa, no sentido de se estimular troca de experiências não somente entre público e convidados, mas também entre os próprios convidados. JAS O tema da Bienal é Aventura Cultural da Mestiçagem. Quer dizer, um tema que foi bastante discutido no início do século passado por pensadores como Oliveira Viana e Gilberto Freire. Por que retomá-lo? | 101
FM Não estamos propondo nenhuma revisão sociológica do termo. Não se trata de uma leitura científica do tema. A mestiçagem é um traço de união que marca toda a história ibérica. Nossa pretensão é a de chamar a atenção para a perspectiva de uma nova dimensão cultural com uma harmonia intensa entre essas culturas todas. JAS Vocês homenagearão Chico Anísio. Cearense, autor de vários livros, mas um escritor não canônico. Por que Chico Anísio? A Feira do Livro de Porto Alegre, por exemplo, homenageou Pernambuco com uma exposição de Gilberto Freyre e Ariano Suassuna… FM O fato de não ser canônico, porém ter obra consistente, já seria uma valiosa razão. A mítica Macondo da obra do colombiano Garcia Márquez, por exemplo, é uma aparentada da Chico City criada por Chico Anísio, cada uma com suas peculiaridades e dimensões próprias, porém unidas pela genialidade de seus criadores. Chico é um fantástico criador de tipos diversos e marcantes. É preciso lançar sobre ele este olhar, como algo que nos deveria encher de orgulho. Como brasileiros, também nos sentimos orgulhosos por Gilberto Freyre e Ariano Suassuna. Mas esta é a Bienal de uma especialíssima galeria de personagens que reunidos conformam um satisfatório exemplo de nossa diversidade cultural, dando um sentido muito particular à nossa mestiçagem. Refiro-me naturalmente à galeria dos tipos criados por Chico Anísio. JAS Vocês elaboraram uma extensa programação de debates e palestras. O senhor não acha que poderá haver um esvaziamento de público com tantas atividades e também por envolver autores desconhecidos no Brasil? FM Em termos quantitativos a programação não é tão intensa em relação a outras Bienais. As atividades não se chocarão em termos de horários, o que permitirá ao público um aproveitamento maior das mesmas. O tema do desconhecimento nos preocupa em outro sentido, o da constatação do abismo existente no Brasil em relação a essas culturas. É uma situação tão alarmante que há que entender como meritória e inestimável a ousadia do Governo do Estado em busca solução para tanto. JAS Mesmo assim a programação envolvendo palestras, debates e oficinas é bastante vasta e pode cansar o público. Vocês não estão correndo o risco de promoverem tantas atividades entre debates e palestras? FM O termo “correr o risco” precisa deixar de ser visto sob a ótica de um aspecto negativo. Eu prefiro falar em ousadia, não esquecendo de afirmar que se trata de ousadia consciente. A diversidade de opções que estamos dando ao público, considerando o universo cultural que abrange a Bienal, teria mesmo que ser pautado por este desconhecimento tão aludido pela imprensa. Por outro lado, a própria imprensa sabe que desempenhará um papel importante ao situar-se como parceira essencial da Bienal no que diz respeito à divulgação de nosso projeto. JAS Os temas também são inúmeros – vão dos debates sobre suplementos literários, passando pelas questões envolvendo pequenas editoras até problemas mais complexos de mercado. Temas acadêmicos também serão debatidos como a Perspectiva de Mestiçagem da Obra de José de Alencar. Isso não tirará um pouco o foco central da Bienal? | 102
FM Mas o foco central da Bienal é justamente essa múltipla aventura da busca de integração entre nossas culturas. Diversificar o diálogo, expor os conflitos de cada um, destacar suas excelências. Também aqui ouviremos sobre temas que são pertinentes à cultura de cada um dos países presentes. Tudo isso será novo para nós, novo e fascinante. Quanto mais intensa a irradiação e envolvimento alcançada, mais nítida será a constatação de que atingimos o alvo. JAS Aliás, quais foram as principais linhas mestras que conduziram as escolhas para esta Bienal? FM O Alvo? Estamos conversando a respeito dele o tempo todo. O sinal de alerta para a urgência, inadiável, de uma integração cultural entre esses povos que ultrapasse a fronteira da retórica política ou oportunismo do mercado de entretenimento. É isto o que perseguimos: a descoberta real de uma Ibéria que ainda estamos por inventar.
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2010 | Opção pela Dissidência
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Floriano Martins (Brasil, 1957) é um dos poetas mais interessantes atualmente em atividade na cena cultural do país. Com um discurso consistente e ampla erudição, escapa dos lugares comuns e vem minando vícios reflexivos consolidados em nosso panorama cultural. Sempre disposto ao diálogo, não recuou quando aproveitei uma de nossas trocas eletrônicas de mensagens para crivá-lo de questionamentos, na esperança de extrair um pouco deste escuro ouro incendiado que escorre dos mananciais poéticos das existências vívidas e liricamente demarcadas. [MS] MS Diante deste panorama que lucidamente você aponta (desigualdades sociais e culturais marcantes, ao lado de uma massificação cabalmente realizada, torpeza nas relações humanas, necessidade de um conhecimento mais plural e detalhado do mundo e do próprio país pelos escritores etc.), ainda é possível um papel na “sociedade” para a poesia e o poeta? Seria preciso ou possível fomentar, mesmo que em embrião, uma “microssociedade” ou “cultura” paralela, alheia ao comércio e vaidades literárias? FM Talvez caiba rever os conceitos de sociedade e poeta, a ver se no Brasil nos encaixamos em algo que possa assim ser chamado. A sociedade brasileira, do ponto de vista cultural, está constituída de forma acidental e irregular. Seja pela perversão com que traçamos o mapa urbano do país, ao longo de nossa história – o acentuado desprezo pelo interior contrastando com a fascinação irrefletida pelo litoral –, seja pela maneira calhorda com que praticamente todos os nossos governantes trataram da educação. Por outro lado, nossos poetas raramente reclamaram para si um papel a ser desempenhado nessa sociedade. Evidente que não me refiro àquele equívoco papel que deforma a estética em nome de uma frustrante atuação política. A linguagem poética, por exemplo, jamais foi pensada como um elemento constituinte de uma sociedade, como um valor cultural a enriquecer sua formação. De maneira que em meio ao comércio das vaidades eu não sei se sobrevive algo de humano na poesia ou na sociedade no Brasil. MS Tendo em mente algumas linhas de pensamento correntes, você acredita que a literatura, numa sociedade massificada, injusta e muito pouco ética, vem correndo o risco de se tornar, por um lado, apenas repetição, subproduto destes fatores e mera reprodutora dos valores ostensivos do sistema vigente? E, por outro, espécie de “realismo” que a torna “esgoto” para onde confluem a expressão dos “recalques e podridões” do humano? FM Eu penso que há muito estamos produzindo uma série infinita e despreocupada de relançamentos – e não me refiro aqui a reedições e sim ao caráter reciclável da escrita. Não se trata de literatura, mas antes de cultura de massas. Envolve as demais artes, colocando-as todas na condição de passatempo. É muito curioso observar que escritores sempre se sentiram uma entidade à parte, e que agora se encontrem, como artistas que são, porque afinal o que produzimos todos – poetas, músicos, pintores, dramaturgos – é arte, que agora se encontrem todos reunidos pelo pior, como títeres de uma indústria cultural que subverte a lógica e todos aceitamos tacitamente não haver distinção entre produção artística e produção in-
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Entrevista concedida a Márcio Simões. Originalmente publicada na Revista Triplov de Artes, Religiões e Ciências # 01, Lisboa, maio de 2010.
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dustrial, como se escrever um romance, por exemplo, fosse apenas fase de um processo industrial. O indivíduo desaparece duplamente, como criador e como espécie humana. MS Ainda é viável um sentido de resistência e crítica no trabalho literário, uma vez que o próprio poeta – como se ouve dizer – está forçosamente inserido nesta estrutura social para sua sobrevivência e atuação? FM Este é um dos argumentos mais torpes a que alguém pode recorrer. Artistas sempre comeram, casaram, compraram instrumentos de trabalho e todos sobreviveram e seguem sobrevivendo. Se uns foram mais felizes ou desafortunados que outros, creiamos em destino ou não, esta balança ou funil sempre fez parte da vida dos criadores. No caso dos escritores, a história está repleta dos que trabalham em bancos, dão aulas, receberam heranças familiares, tiveram livros adaptados para o cinema ou simplesmente recorreram ao mais comum dos truques de sobrevivência: buscaram uma parceria amorosa que os sustentasse. Aqueles que se renderam facilmente que não me venham com o argumento de que a sociedade os forçou a tanto. A vida nunca é fácil, por mais que aparente sê-lo. MS As ideias de rebeldia e desregramento – oriundas da poesia – esgotaram-se ao se tornarem produtos – se pensarmos na indústria da música e no modismo envolvendo a cultura das drogas, cada vez mais afastada de qualquer sentido e valor, bem como na “institucionalização” dessas atitudes, relacionadas a uma faixa etária – ou ainda é possível uma rebeldia e um desregramento autênticos como meios viáveis para o poético, uma vez que, segundo dizes “vivemos numa sociedade domesticada”? FM É verdade, nos convertemos em um imenso zoológico, que é o melhor exemplo de sociedade domesticada. Agora, as ideias se esgotam e talvez este seja um de nossos dilemas, o de que queremos aplicar ao dia de hoje ideias que foram valiosas em outra circunstância. Eu sinceramente não gosto dessa leitura da arte como fonte de rebeldia e desregramento da forma datada como estes conceitos são interpretados. É puro saudosismo. Não tem cabida querer povoar o século XXI com Baudelaire, Rimbaud, Artaud, Pasolini, Jim Morrison. Românticos, simbolistas, surrealistas, beatniks, tiveram um papel inestimável e valem como balizas, como referenciais substanciosos da cultura. Em uma de minhas viagens ao exterior, alguém indagou sobre Paulo Coelho. É comum esse tipo de clichê, o sujeito vem do Brasil, terra de samba, carnaval, futebol, Paulo Coelho e corrupção. Eu estava sem muito apetite para a polêmica neste dia e me saí com a frase: houve uma época em que o Paulo Coelho era o maior problema da literatura brasileira; hoje é o menor. Depois mastiguei bem o que disse de rompante e vejo que é exatamente isto. Sorte dele que inventamos uma tolice maior. Todo grande criador em qualquer tempo é naturalmente rebelde e rompe com as regras que são as características de sua época. MS Você escreveu que acredita que “a realidade se expressa de maneira mais viva e desimpedida quanto mais lhe permitimos multiplicar-se em infinitas e transbordantes máscaras”. Em que medida esta realidade de que você fala se relaciona com a realidade construída e reafirmada cotidianamente pelos meios de comunicação de massa, por exemplo? FM O termo está perfeito: “realidade construída”. É outra forma de ficção, estou certo? O argentino Borges disse certa vez que não há melhor exemplo de literatura fantástica do que a Bíblia. A mídia representa este papel em nosso tempo, o de construção de uma realidade fantástica em substituição à vida cotidiana. E o faz | 105
com tamanha propriedade justamente anulando a diversidade. E com tremendo sarcasmo se reporta a alguns profetas da ficção científica como palpites sem maior expressividade do ponto de vista real. Voltamos ao tema da arte convertida em passatempo. MS Ainda sobre as “máscaras”, Octavio Paz afirmou que “se a ficção do poeta devora a pessoa real, o que resta é um personagem: a máscara devora o rosto. Se a pessoa real se sobrepõe ao poeta, a máscara se evapora e com ela o poema mesmo, que deixa de ser uma obra para converter-se em documento. Isto é o que ocorreu com grande parte da poesia moderna”. Entendendo que a afirmação de Paz é correta para a maior parte da poesia que vem circulando no Brasil, você parece se inserir num outro polo, com uma poesia que poderíamos chamar de “dramática”, pela multiplicidade de vozes e ausência de uma única “persona poética”, como ocorre na lírica tradicional. Você também afirmou que “a literatura não é nada”, ecoando o “Todo o resto é literatura” de Verlaine. Isto me leva a uma série de reflexões sobre as relações entre o poeta e a poesia, sintetizadas nas seguintes questões: Acha que a poesia perde quando o poeta limita sua expressão ao universo de sua persona social? Qual seu entendimento da poesia e da relação desta com a literatura? E como se relacionam para você projeto poético e projeto de vida? FM Começo pelo mexicano Octavio Paz, que curiosamente acabou por se converter em um tipo repleto dos maus hábitos que sempre criticou nos outros. O poeta acabou devorado por uma máscara que construiu: a soberba com que situou a si mesmo como figura magistral e insuperável na lírica mexicana. Não fosse por esse deslize de caráter, teria hoje um lugar mais tranqüilo na tradição poética de seu país. Entre poetas portugueses, é comum conversarmos sobre a demasiada presença de Fernando Pessoa na lírica de Portugal, ele, Pessoa, um desses monstros sagrados que chegam a preocupar pelo grau de influência de sua obra. No caso do poeta mexicano, a influência foi determinada por uma questão de poder literário, o que é bem distinto. Não nego que não tenha abordado, no ensaio literário, aspectos fundamentais para a lírica em nosso tempo, embora suas ideias não tenham de autorais senão no aspecto do regente que soube melhor reunir o que estava no ar. Mas vamos às tuas reflexões. Não creio que seja o caso de perda. O poeta sabe com que elementos deve lidar e a proporção com que deve situá-los em sua obra. A resultante disto é que vai definir se houve perda ou não. Isto de querer inventar um mundo distinto, uma querela entre poesia e literatura, é outra pequena falácia. Eu não tenho a minha vida um minuto que seja fora do que crio, querido. Insisto no termo criação porque é disto que se trata. Lido com uma boa variedade de pincéis, que passam pelos assuntos literários, onde muitos têm dificuldades de inserir a letra de canção popular, a fotografia como recurso plástico que pode enriquecer meu poema, as atividades dadas como intelectuais de tradutor, ensaísta, as incursões jornalísticas etc. O meu projeto, a rigor muito espontâneo, não é poético, e sim intensamente visceral. MS Parece ser impossível hoje o trabalho poético sem um largo substrato reflexivo, no entanto, o poeta não pode reduzir-se ao pensador, como você equaciona a racionalização e a necessidade de entrega aos impulsos no momento da escrita? Como se desenrola seu processo criativo? FM Sempre foi. Não se cria irrefletidamente, ao mesmo tempo em que nenhuma criação deve se limitar unicamente aos esboços, às anotações de intenção. É uma tolice criar uma impossibilidade de diálogo entre essas duas instâncias. Eu poderia simplesmente dizer que crio vivendo, que no fluxo diário de minha vida os poemas vão jorrando. Não é bem verdade. Busco certa disciplina, fico atento a leituras que | 106
se inter-relacionam, como estar vendo um filme e de repente aquilo lhe puxa para um verso lido em um poema e este poema traz consigo a recordação de que foi lido sobre os seios de uma mulher enquanto o vinho que tomavam por acaso era o mesmo que a cena no filme menciona. O trabalho fotográfico que venho fazendo agora – e adoro que uma amiga, Tânia Tomé, poeta de Moçambique, o tenha percebido como “um entranhar de carnes entre os versos” – é uma seqüência do verso, seu desdobramento que poderia ser na forma de um filme. Aprendi isto muito com a relação entre poema e colagem que encontrei no chileno Ludwig Zeller. A rigor a arte não para quieta. Por vezes, quem não sai do canto é o artista. MS Pensando numa distinção em voga na historiografia literária, que propõe a separação entre uma poesia “cerebral”, “meditada” e outra “de inspiração” e “entusiasmo” (na qual se inseriria o surrealismo), faz sentido a separação, ou seria um mero maniqueísmo esquemático? FM Uma tolice que não tem mais tamanho. Mas que agrada aos poetas, por situálos em uma condição superior. O que o surrealismo propunha era livrar-se dos excessos da razão e não estabelecer tal maniqueísmo. MS Você tem sido um dos responsáveis pela reformulação do que se entende na historiografia literária por surrealismo, ao mesmo tempo em que aponta a “falácia conceitual” e a “derrocada do sentido” como elementos definidores do nosso tempo. Acredita que há relação entre as duas coisas? Crê que no meio da confusão generalizada uma voz coerente e independente possa ser mais facilmente ouvida? Qual o papel da Internet neste contexto, uma vez que suas ações vêm ganhando visibilidade por esse meio? FM Eu sinceramente creio que este papel é ainda muito pequeno nessa releitura da atuação do surrealismo em nosso continente. Não se trata propriamente de reformulação. Como disse em seminário na Universidade de Cincinnati (primeiro trimestre de 201o), e que consta do livro que escrevi e que serviu de base para este evento, a ausência de um estudioso que fosse criterioso em relação aos desdobramentos do surrealismo em todo o continente, sem situar as perspectivas estéticas do movimento, agravou a percepção de sua real influência em nossa cultura. O surrealismo no continente americano deixou de ser visto como um aspecto fundamental na construção de uma vanguarda americana, e passou a ser visto como amém ao espírito vanguardista europeu. E agora o cuidado é também no sentido de evitar que o tema não caia na malha enganosa da história como algo que pertence ao passado, nada mais. A Internet é todo um capítulo à parte, estamos apenas ao princípio de uma impressionante expansão de meios e aos poucos vamos nos livrando da pior armadilha de qualquer inovação tecnológica aplicada à arte e à cultura, a de confundir meio e mensagem. MS Você pode falar um pouco de sua trajetória? Você estreia precocemente aos 21 anos, em 1978, mas sua poesia atual surge com o início da década de 90, o que aconteceu nesse entremeio? Foram anos de amadurecimento? FM O amadurecimento não é uma estação de águas. Está aqui presente o tempo todo. O buraco de tempo entre 1978 e 1992 foi preenchido por muitas coisas, inclusive a publicação de livros. Sim, livros em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Fortaleza… Acontece que um dia eu dei por conta de um detalhe, o de que eu era um cronista e não um poeta, naquele sentido em que eu me distanciava de minha escrita, não me inseria nela senão como observador. Uma bela manhã e a conjunção de fatos assim descritos: a visita ao leito de morte de minha avó materna, a canção | 107
“Guilty” na histórica gravação de Joe Cocker, o livro A experiência interior de Georges Bataille, e um vinho branco de má qualidade levaram-me à mesa de centro na sala de minha casa onde por três manhãs vivi um ritual que resultou na escrita de Cinzas do Sol – poema mágico que já foi publicado no Brasil, Inglaterra, Costa Rica e Venezuela –, onde se dá justamente este surgimento do autor como personagem do que escreve. Foi uma mudança radical em minha poética, que antes não padecia de ausência de voz própria, mas que então encontrava uma outra que lhe era mais atrativa. MS Sua poesia concentra sua inventividade no plano semântico e expressivo, enquanto sintática e morfologicamente parece ser mais linear, articulando-se inclusive em torno do “tu”, praticamente ausente da linguagem oral no Brasil, não há aí o risco de artificialização da linguagem, afastando-a das modulações do português falado e ouvido neste canto do mundo? FM Um poeta mexicano recentemente me disse que era curioso um cara falando em vanguardas, destacando-se como estudioso das vanguardas, ao mesmo tempo com um poema clássico. Eu não sei se o problema está na linguagem da escrita ou em sua correspondência cotidiana. Lembro que o Henri Matisse certa vez observou uma coisa brilhante, algo mais ou menos assim: se eu não posso enriquecer a fala popular, por que tenho então que empobrecê-la? Acho que nós artistas estamos caminhando em um mundo muito curioso, que estima pela pobreza espiritual, pela pobreza estética, enfim, por toda sorte de pobreza. É o que parece, que cultuamos a pobreza como a grande riqueza de nossa época. MS Em entrevista, você afirmou que “se não há poesia, temos que entender que isto se dá pela ausência do elemento humano”. Nesse sentido, sua atuação tem sido pautada tanto pela prática como pela cobrança de “honestidade intelectual” por parte de pesquisadores e escritores, crês que valor humano e envergadura de pensamento são, de maneira geral, fatores desconsiderados na apreciação atual de literatura? FM Sinceridade, sobretudo. Eis a palavra temida. Claro, claro, não há música ou poema ou teatro, sem a atuação do humano em seu sentido radical, na presença sanguínea do criador. Agora, inventamos uma sociedade desonesta em que os artistas não são vítimas e sim parte dela. Acabamos com tudo, nossa época é de pura prevaricação de mercado, agenda de passatempos, somos todos coniventes disto. Meu antigo parceiro na editoria da Agulha Revista de Cultura discordava de mim quando eu dizia que somos todos responsáveis pelo estado atual de pobreza espiritual em que nos encontramos no Brasil e que nos faz refém de toda investida vagabunda, seja na política, na cultura, já não importa. Vamos piorar. Estamos a meio passo de um desastre. Não se trata de campanha política, e sim da vergonhosa ausência de um norte, de algo em que acreditar. Nunca a política e a cultura no Brasil estiveram tão sócias da mesma fraude de circunstância.
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2010 | Nascendo todos os dias
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Difícil es hablar de los amigos sin ser injustamente duro. Difícil es hablar de quien se admira sin ser injustamente lisonjero. Por ambos motivos, en lugar de hablar de él, me propongo dejar hablar a Floriano Martins. El presente diálogo es una repetición, ahora sobre el papel, de varias charlas sostenidas en Cincinnati, Ohio, lugar en el que nos conocimos –invitado por el poeta Armando Romero, Floriano fue mi profesor de un curso sobre Vanguardias y Surrealismo en América Latina durante los primeros meses del 2010– y compartimos una gran cantidad de conversaciones que hasta hoy se continúan. Antes que con su biografía literaria y artística, quiero presentarlo con una anécdota: habiendo visitado la poblada y aleatoria oficina de Armando Romero, llena de ocultos papeles (manuscritos de varios poetas amigos suyos, ejemplares casi únicos de revistas ahora legendarias de todo el continente, libros dedicados por diversos escritores) Floriano se ofreció a ordenarla, y lo hizo hasta el grado de poner en orden alfabético cada uno de los libros. No pude evitar sorprenderme de lo que motivaba su gesto –necesidad de orden, de sistema– y le dije: ¿Por qué te pesa tanto ese desorden, no que eres surrealista? Riéndose contestó: Claro, cabrón. Yo no desordeno, pongo otro orden a las cosas y para eso tienen que estar ordenadas. Además, hay que saber construir lo que se pretende destruir. Creo que lo anterior da un claro indicio de su talante artístico, su rigurosa fiesta. Por lo demás, sus datos bio-bibliográficas son muchos, pero digo solo algunos: Nació en Fortaleza, Brasil, en 1957. Poeta, editor, ensayista y traductor, se ha dedicado, en particular, al estudio de la literatura hispanoamericana, sobre todo en su poesía. Dirige el Proyecto Editorial Banda Hispánica. Es coordinador de la colección “Ponte Velha”, de autores de lengua portuguesa, de Escrituras Editora (San Pablo, Brasil), lo mismo que de la colección “O Começo da Busca”, de las Edições Nephelibata (Santa Catarina, Brasil). Curador de la Bienal Internacional del Libro del Ceará (2008). Profesor invitado de la Universidad de Cincinatti (Ohio, Estados Unidos). Fue parte del jurado que concedió, en el 2009, el premio de poesía de Casa de las Américas, al poeta Lêdo Ivo. Crítica sobre su obra, así como entrevistas y textos suyos de poesía o sobre música y plástica se han publicado en Brasil y el extranjero. Sin duda, Martins es una de las figuras más importantes del ambiente cultural brasileño contemporáneo. Aquí dejo, pues, expuesto este diálogo. [MI] MI No es secreto que además de poeta eres también narrador, escritor de letras para canciones populares, ensayista, fotógrafo y creador de collages; ni tampoco se ignora que como apreciador del arte eres apasionado del cine, el jazz y la plástica experimental que se extiende del grafiti hasta el comic y la novela gráfica. El rango de tus posibilidades creativas y apreciativas es amplísimo, lo que me lleva a preguntarte ¿has llegado a ello como resultado de una poética personal, o ha sido tu poética personal un derivado de esta diversidad creativo-contemplativa? FM Mis recuerdos de infancia son un desborde completo en términos de experiencia y contemplación, incluso sin que las dos cosas se separen entre sí. Era como un desafío a la creación. La biblioteca alucinada de mi papá, con sus libros de varios temas y su desorden absoluto. La música distinta que disfrutaban papá y
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Entrevista concedida a Manuel Iris. Originalmente publicada em Agulha Hispânica # 4. Fortaleza, julho de 2010.
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mamá. Los amigos reunidos alrededor de la radio en un primer momento y luego la llegada de la televisión, con la magia de la animación. La colección de fotonovelas de mi mamá con adaptaciones de los clásicos de la literatura, y la colección de comics de mi papá. Las mañanas de domingo en que mi papá me llevaba al cine. Ahí estaba yo naciendo todos los días, creando íntimamente. Mi mejor manera de expresión eran las copias que hacía, en una mezcla irregular de crayón y pasteles, de algunas portadas de novelas: uno debe siempre comenzar como copista, es lo mejor. Así es que mi infancia me ha dado la primera noción, aunque sea por pura intuición, de algo que luego descubriría a través del surrealismo: la intensa relación entre arte y vida. Pero también en esos misterios es imposible saber quien ha llegado primero, si el huevo o la serpiente. MI Existen artistas que escriben un solo libro aunque hagan muchos –pensemos en Roberto Juarroz y su Poesía vertical, o en la compacta obra de Pedro Lastra– y otros que cierran cada libro en sí mismo, siendo su obra completa un diario de navegación por distintos senderos –pienso en Eugenio Montejo, por decir alguien–. Visto así ¿cómo concibes tu obra? ¿Es una que se expande, o una sumatoria de haceres diferentes? FM Yo sé que en la creación busco lo que se pueda llamar de pincelada única, según la definición del maestro Shintao. Creo en la seducción del carácter casi mediúnico de la creación, algo que necesita establecer una relación inmediata entre lo que llevamos adentro y lo que está afuera en deseo intenso de comunicación. Pienso en mi obra como una expresión automática de esa búsqueda. Y jamás pienso solamente en libros. Lo que más estimo ahora, por ejemplo, es justamente salir del libro hacia la plástica, la música, el teatro, lo que sea. Lo que no quiere decir que rechazo al objeto libro, que me sigue encantando, pero señala una búsqueda continua de expansión. Siempre la expansión. Los registros muy repetidos de una obra, lo mismo que la confiada obsesión por nuevos registros, son cosas que pueden dañar los secretos de su realización. Hago una distinción entre la repetición y las variaciones sobre el mismo tema. Sinceramente pienso hoy en la poesía del argentino Roberto Juarroz como algo muy aburrido, lo mismo que el brasileño Manuel de Barros. Sobre todo porque me parece que este abuso en la repetición de un mismo registro puede parecer un facilismo, cierta comodidad frente a la creación. MI Es claro que los artistas actuales, en cualquier género, se esfuerzan por no ser clasificables y consideran un anacronismo la adhesión a cualquier escuela o ideología estética. Frente a ello te revelas surrealista y, queriéndolo o no, actualizas con ello la noción misma de surrealismo, cuya historia conoces mejor que nadie. ¿Por qué identificarse (adherirse, acaso) a una corriente estética en los escépticos tiempos actuales? ¿Cómo llegaste a ello? FM Tal vez simplemente como una forma de rechazo a lo que llamas escépticos tiempos actuales. Mis primeras afinidades intelectuales con el surrealismo son fruto del descubrimiento de que en Hispanoamérica se hacía una brillante relectura del surrealismo sin que en nada tomásemos eso en cuenta en Brasil, al mismo tiempo en que allí se elegían como piezas de culto los experimentos de lenguaje, ya en la fase de aburrida repetición. Así, sentí la necesidad de ampliar un poco las posibilidades de lectura. Lo que pasa es que nunca en mi vida he pensado en las cosas solamente para mí, los regalos que recibo son parte de mi mundo y tengo la necesidad entrañable de compartirlos con los demás. No importa la forma de conocimiento, tengo siempre que pasarla adelante. Dos segundos después de haber leído al que fue para mí el primer poeta surrealista en español –no estoy seguro, pero creo que fue el peruano César Moro– pienso en traducirlo y publicarlo, que es una | 110
forma de compartir. No creo en la clasificación como un anacronismo. En las artes, muchas escuelas tienen todavía un inmenso potencial de aportes que pueden ser valiosos para los artistas de mi tiempo. Por supuesto lo que señalo no tiene que ver con la adhesión a estas escuelas, sino con tener cuidado de los vicios impuestos a los términos. La vigencia del surrealismo, por otro lado, es algo complejo, porque en mucho se parece a la reproducción poco inspirada de inquietudes pasadas. Hay muchísima mala creación (poesía y plástica) ofrecida como surrealismo que es realismo inconsecuente (risas). Yo no sé qué fijación es esa de imponer al surrealismo una falta absoluta de disciplina. MI Eres un surrealista que hace sonetos y que gusta de Garcilaso. Eres también un poeta brasileño que conoce la tradición poética latinoamericana escrita en español como pocos poetas que nacieron hablando esa lengua. Por supuesto, conoces al dedillo la tradición literaria en lengua portuguesa. En tu poesía puede verse una hermosa mezcla de estas dos tradiciones, y de la música y la plástica de América y Europa. Pregunto entonces: ¿Te asumes como poeta brasileño, poeta en lengua portuguesa, poeta latinoamericano? O bien ¿de dónde, poéticamente, vienes? ¿Acaso importa? FM (risas) Es que tenemos una idea equivocada del surrealismo, como si fuera una escuela inconsecuente de improvisaciones. La improvisación, al contrario, es algo que requiere un grado intenso de intimidad con la creación. La escritura automática siempre fue el motivo de toda esa mala lectura del surrealismo. Lo que le importa a toda la gente que no gusta de surrealismo es desautorizarlo por el resultado de algunas obras. Por supuesto que en la creación artística lo que importa es el resultado estético. Pero en el surrealismo, como en cualquier otra circunstancia, hay de todo, lo mejor y lo peor, en términos de resultado. Además, hay esa cosa intensa de la relación entre vida y obra que permite que las malas intenciones digan de un tipo que es mal artista por haber sido mala gente. El mismo surrealismo incurrió en eso con la expulsión, en el período clásico, de muchos de sus grandes artistas, porque Breton los consideraba mala gente. En Brasil Jorge de Lima y el mismo João Cabral de Melo Neto hicieron sonetos surrealistas. El segundo acabó por rechazar todo esto en su primer libro, que tenía el sugestivo título de Piedra de sueño. Yo no comprendo la pelea de los poetas – pienso que es una trampa que se alimenta solamente de los malos poetas– con las formas. El formalismo, así comprendido en su afinidad con el positivismo, se cumple no por el uso de la forma –al final todo es forma, incluso lo informe y dale filosofía de bodega–, sino por su tratamiento, la obsesión en presentar el mundo simplemente reducido a su forma, sin otra esencia que la forma. El surrealismo ha tratado de recuperar las otras posibilidades de esencia de la creación, cuya fuente quemante es la vida y la vida percibida en su multiplicidad, gracias a la presencia del individuo. Y aquí recupero el tema de tu pregunta. Vengo de ese magma de la multiplicidad donde ya no importa mi color, credo o nacionalidad. En mi juventud había una colección que se vendía en quioscos, libritos que contaban un poco de la cultura de cada país, acompañados de un disco con la música y unas fichas con recetas de la culinaria de esos países. La colección se llamaba Pueblos y Países. Yo la hice completa y me encantaba conocer la música y la comida de países los más insólitos para mí. La música de Laos, la comida de México. Era riquísimo conocer todo eso. La primera vez que saqué un pasaporte fue para ir a Panamá. Ya sabía un poco de su música y su comida. La colección tenía entonces su magia que se convertía en realidad. Ya sabes que lo que escribo tiene un poco de todo eso, pero no funciona si no tiene la salsa que se llama Floriano Martins, especial solamente para mi culinaria, mi creación. Seguro que no sirve para más nada. | 111
MI Al leerte se sabe que eres un poeta lleno de palabras, caudaloso y celebrador de la vida, la belleza y el placer. El erotismo es para ti celebración de la existencia y el cuerpo femenino –ya en tu plástica, ya en tu poesía– es un evento natural como el paisaje o la tormenta. Fuera de lo escrito, personalmente sé que eres un hombre que ríe y que sonríe, que gusta de vivir. Dejando fuera esta clara coherencia entre tú y tu obra, ¿cuál es la relación entre poesía y el mundo? ¿Cómo, poéticamente, te relacionas con la realidad? FM La vaina tremenda del cotidiano. Me voy a la panadería, tengo buenas relaciones con el gerente del banco –aunque no le pida plata jamás–, cambio de carro cuando es necesario, tengo hoy la suerte de que mis hijos ya están crecidos y bien criados por mí, comparto mi vida con intensa afinidad con mi mujer, pero sobre todo he conquistado una condición valiosa: saber que a la realidad no le gusta mucho ser tratada como tal. Hasta aquí tenemos mi relación con ella, y me parece que lo que quieres saber es sobre el maridaje de mi poesía con ese personaje de la película de terror que se llama realidad, La Realidad (risas). Antes hay que preguntar lo que quiero con la poesía, y la tengo como un ejercicio de provocaciones que no alcanza nada si no despierta en uno la sensación de que le hace falta el piso. La sensación de asombro o desorientación en el arte me parece fundamental. No importa que se trate de un plan místico, sexual, político, sino que la resultante sea esa sensación de que aquí me hace falta algo. Un hoyo, un abismo, algo de mí que no comprendo. Es lo que busco en la realidad del arte, como creador o como espectador. Además la otra, la pobre musa de las películas trash, bueno, eso me recuerda una observación de Francis Bacon al decir que Magritte trastocaba la concepción usual de la realidad de manera que la hacía más perceptible. A veces la realidad está simplemente flotando en el aire, y el arte lo que puede hacer es decirle cuan real es. MI Antes de ser poeta fuiste músico y siempre has sido un notable lector. ¿Cómo ha cambiado, de antes a ahora, tu relación con tu arte y con el arte en general? ¿Cómo resultan los reencuentros con obras de arte que alguna vez te sobrecogieron al contemplar o crearlas? FM No me venga con la mala hierba del pasado. La música siempre fue parte de mis obsesiones. En la juventud me creía músico, lo que traigo felizmente al recuerdo por dos razones: la amistad que hice con músicos, algunas la mantengo hasta hoy y son de las más importantes de mi vida, y la vivencia entre ellos, el ambiente, teatros, bares, ensayos, todo eso enriqueció mi vida. Pero el arte es siempre un reflejo de la celebración de la vida. Ya sabemos que he comenzado bien, afortunadamente bien, con toda la improvisada disciplina de la multiplicidad. Ya no recuerdo donde leí a alguien diciendo que no creía en la lectura, sino en la relectura. Bueno, estoy de acuerdo, pero al mismo tiempo no creo en reencuentros, sino en encuentros. Hace poco en Cincinnati estuve frente a una obra de El Greco que había visto en libros por toda mi vida. No puedo decir que haya sido un reencuentro. Cuando estuve en Bilbao hace pocos años dentro de una amplia retrospectiva de Calder, por ejemplo, igual. Es como besar. Es lo que Borges no comprendía: es el mismo pero es otro. Pero también indagas sobre las obras creadas. Mi espíritu crítico comanda la fiesta y la primera sensación que tengo es la de encontrar un error mío. Soy adicto a eso: descubrir errores. Por eso finalmente descubro lo que me ha interesado más en Sade que en Lautréamont: la fijación del primero por desvelar errores.
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MI A diferencia de lo que es costumbre de los poetas actuales, jamás te has dedicado a la academia. Sin embargo has sido invitado a la universidad de Cincinnati (EEUU) como profesor residente para dar un curso sobre surrealismo y vanguardias, al lado del poeta Armando Romero. Según sé, esta experiencia con la academia no ha sido dolorosa. ¿Cuál ha sido, pues, la historia de tu distancia con la academia, y cuál es tu evaluación de la experiencia en Cincinnati? FM Yo no creo en poetas actuales. Los poetas son esencialmente inactuales. La academia no es propiamente dolorosa. A mí siempre me pareció más inútil que dolorosa. Yo creo en el aporte útil a la sociedad del escritor. Cierta vez he protagonizado una pelea, en un periódico en mi ciudad, con gente de la academia porque yo afirmé que esa gente era literalmente financiada por la comunidad y no le retribuía el beneficio de su supuesto saber adquirido. Es la cosa enfermiza de la mentalidad de semidioses. Estados Unidos tiene una particularidad en ese tema. Yo no tengo formación académica, pero tengo mi comprobado saber en el área en que trabajo. Las universidades en Estados Unidos aceptan mi comprobación de saber, valoran la realidad expresa en mi currículo, sin importarles las fuentes de mi conocimiento. Tú sabes que eso es imposible en nuestros países, adictos de las formas más sospechosas de promociones. La experiencia en Cincinnati fue reconfortante en el sentido de que se puede buscar en Estados Unidos otras oportunidades de seminario. La misma UC (University of Cincinnati) podría —como cualquier universidad— mejorar su lectura de la literatura de lengua española, actualizándola en términos de tiempo histórico y también buscando relaciones más estrechas con las culturas hispanoamericanas. La dirección de UC podría mejor invitar su núcleo de maestros a configurar los temas de cada periodo, para que los estudiantes, jóvenes como son y muy interesados en el estudio, descubran el puente posible entre la literatura clásica y contemporánea. MI Atípicamente, eres un poeta que usa con destreza los medios electrónicos para la promoción de la literatura en general y de tu propia obra. Has fundado y dirigido revistas literarias completamente electrónicas que ahora son un referente en América Latina, y recientemente abriste una nueva cuenta de Facebook por tener ya 5000 personas agregadas en la cuenta regular. Por estos medios y otros muchos eres un gran promotor cultural que además prepara libros, elabora antologías, escribe prólogos etc. ¿En qué momento se puede hacer todo y cómo compaginar con ello las labores del artista? FM ¿Esto es una propuesta de matrimonio? (risas) La pasión está por sobre el tiempo, es lo que siempre he pensado. Hace pocos días en una película alguien contesta una pregunta de igual naturaleza afirmando que la razón es que no tiene vida personal. Yo creo que siquiera la esquizofrenia puede ser tratada como vida impersonal. Lo peor de nuestro tiempo es el abismo que nos impusieron de que ciertas profesiones llevan una vida impersonal, como los políticos. Tal vez los farsantes son los que llevan una vida más personal que los demás, justamente por la comprensión de los mecanismos de despersonalización. Yo no creo en falta de tiempo. El tiempo es una medida de nuestra relación con el mundo. Si me hace falta el tiempo, es que me hace falta algo en mí. Por supuesto que no pienso en las 24 horas de los relojes. MI Luego de hablar de medios de comunicación que involucran miles de personas te pregunto algo que jamás desaparece ¿qué hace un artista con su soledad? ¿Cómo es en ti la soledad del artista?
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FM Es una dimensión muy peligrosa, especialmente por su ambigüedad. La mano con que se nos regala una cosa puede ser la misma con que se nos toma otra. Hay la frivolidad de la soledad. Hay la angustia de la soledad. Yo creo que nuestro tiempo tiene una idea confusa acerca de la soledad, dada por la estrategia de mercado de llenar la vida de sus clientes de oportunidades… de mercado. Es que vendemos de todo, lo único que hacemos hoy es vender cosas. Para la soledad, pastillas o recreaciones. Pero la soledad es una tecla explosiva en el ser humano. La soledad es un poco como la mamá del individuo. Es lo que creo que más hace falta en el arte actualmente. MI El problema del tiempo ha sido abordado desde siempre como tópico poético. En tu poesía y en tu plástica se conjuntan la eternidad y el instante en la experiencia erótica, amorosa, siendo la materialización de ésta el cuerpo femenino o la observación del mismo. Sin embargo, quiero preguntarte aquí por otro tipo de tiempo, fuera de la literatura, o acaso dueño de ella: ¿qué opina Floriano Martins que pasará con su obra, cómo será leída su poesía en el futuro? Sobre esto mismo, ¿cómo lees al Floriano anterior? ¿Cómo cambia el tiempo a tu poesía? FM No cuentes con verme dominado por la trampa de la presunción, querido. Sería absolutamente tonto decir que pasará con mi obra en el futuro. En general tomará el curso de buena parte de las obras, el camino de la desatención. En mi país, sobre todo. Pero no puedo tener ese tema entre mis preocupaciones. Observo lo que ha pasado con los demás, con muchos poetas con distintos grados de importancia, y simplemente no quiero preocuparme con eso. Lo que puedo es tratar de mirar mis exigencias, afinar mis obsesiones, lo que me lleva a buscar mejores definiciones estructurales para mis libros, cambiar versos, rever imágenes etc. La misma experiencia erótica que mencionas, por ejemplo, está poseída por varios fuegos a lo largo de los últimos 15 años, desde su acento místico en un librito publicado en 1992, Sábias Areias (sabias arenas), hasta la relación buscada actualmente de establecer un romance entre la figura y el paisaje. Pero aquí te cuento una cosa. Este libro, Sabias Arenas, ya en su título nos lleva a una curiosidad. Es que en Brasil ya se puede hablar de una tradición de juego de palabras, trocadillos o canjes irresponsables de sonidos de pronto risibles pero sin aporte crítico o discusión aceptable. Como una broma, pero que puede llegar hasta un grado de influencia que comprometa la comprensión en serio de su objeto. Y ya no sabemos de que reírnos. El chiste tiene un principio, sus reglas, su disciplina. Pero en Brasil tratamos de manera irresponsable al trocadillo, como si fuera la subversión de todo, incluso del mismo trocadillo. Cuando algo llega hasta este punto, lo que se comprende es que ya no sabe nada de sí, y pasa a copiar los manuales… de chistes, de obsesiones, de todo. Si no hay sentido en nada, pasemos a la gran revolución: crear una sociedad absolutamente sin sentido. Todavía no llegamos a eso en Brasil, pero si fuera por nuestros artistas, sobre todo la gente de las letras, ya seríamos pura ficción. MI Comprendo lo que dices, pero no entiendo cómo salió todo eso del título de tu libro, Sabias arenas. FM Es verdad, el trocadillo no percibido del título es lo que le da sentido (risas). El adjetivo en portugués (sábias) corresponde al sustantivo (sabbia) en italiano, o sea, es una trampa en que las arenas se mueven por toda parte. Todavía más que un juego de palabras, nos lleva a una relación circular relacionada con la misma estructura del libro, una serie de mantras que asumen la forma de décimas, sugestiva relación entre la lírica de oriente y occidente. Es un libro curioso también porque trata de la conflictiva relación –incluso amorosa– entre el poeta y su madre. Lo | 114
que digo es que nada fue comprendido en este libro. Un crítico en España, Jorge Rodríguez Padrón, fue el único a señalar las relaciones aquí referidas. Evidente que no digo que el problema de la realidad brasileña tenga que ver con su mala recepción de mis libros. Mi referencia arriba tiene que ver con cosas que asumen una connotación cada día más grave. Escenario en que nadie me parece interesado en siquiera comentar a respecto. MI Me consta la existencia de poetas jóvenes que te leen y admiran. Es quizá porque tu actitud poética y vital es plenamente juvenil, fresca, sin dejar de tener una raíz en cada una de las tradiciones de las que tu poesía abreva. A pesar de saber que es un lugar común, no rechazo preguntarte ¿qué consejo darías a los poetas jóvenes? FM ¿En serio? Reservaste al final de la entrevista la peor impresión que los lectores puedan tener de mí. Lo que soy es toda mi vida. Yo no pienso jamás en el personaje, no llevo una vida en función de él, el tipo que escribe, que es famoso, que es mayor, no importa. Hace 53 años que tengo la misma edad (tal vez un poco menos hoy), lo que quiere decir que acompaño con naturalidad mis altos y bajos, el rostro sincero de cada sensación, todo. Lo mejor que puedo decir a un joven poeta es que si acaso nos encontramos trate de pagar la cerveza.
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Floriano Martins (Fortaleza, 1957) es un hombre que no necesita presentación. Su pasión por la literatura hispanoamericana, especialmente por la poesía, ha rebasado las fronteras genéricas, geográficas, lingüísticas y temporales. Poeta, ensayista, traductor, editor, agente cultural, crítico e historiador de la literatura contemporánea es autor de los libros: Escritura Conquistada (Diálogos con poetas latinoamericanos, 1998) y El inicio de la búsqueda (El surrealismo en la poesía de América Latina, 2001) por nombrar sólo algunos. Entre sus libros de poesía sobresalen: Alma en llamas (Brasil, 1998), Cenizas del sol (Costa Rica, 2001), Estudios de piel (Brasil, 2004) y Tres estudios para un amor loco (México, 2006). En la actualidad dirige, junto a Claudio Willer, la revista Agulha (www.revista.agulha.nom.br), publicación de circulación virtual que este año recibió el Premio Antônio Bento de la ABCA –Asociación Brasileña de Críticos de Arte– como mejor vehículo de comunicación cultural del país, y es coordinador del proyecto Banda Hispánica, del Jornal de Poesia (www.jornaldepoesia.jor.br/bhportal.htm). Dentro de su importante labor de difusor de la literatura, coordina la próxima Bienal Internacional del Libro de Ceará que se realizará en noviembre de 2008. [AP] AP A pesar de ser un hombre tan polifacético, el oficio de poeta priva en usted por sobre los otros. ¿Por qué? FM Quando digo que sou essencialmente poeta evidente que isto não me restringe à criação de poemas. Significa dizer que lido com todas as coisas à minha volta a partir de uma perspectiva da poesia. Significa dizer que pragmatismo ou lucidez organizativa são aspectos que não seriam possíveis em mim se antes não houvesse um sentido poético avançando firme. Desta forma, o trabalho como produtor, pesquisador, ensaísta, tradutor, editor persiste de forma complementar ao poeta que sou, e não como uma atividade à parte ou de caráter mais decisivo em minha vida. AP Su obra poética está signada por la “tradición” barroca y surrealista, es decir, por un espíritu de libertad, por la experimentación formal, por el exceso (en el mejor sentido del término), por una apuesta y un compromiso por/con la creación. ¿Cómo se relaciona esto con sus otros roles? FM Eu sinceramente não creio que o espectro possa definir-se somente no âmbito do barroco e do surrealismo. Há uma variedade de referenciais identificáveis por mim e há também a parte inconsciente que fala independente do que pensemos a respeito. Há também as referências não-literárias, que eu diria são ainda mais fortes em minha poesia. Todo aquele mundo espectral que salta das gravuras de um William Blake ou das síncopes dos concertos de Keith Jarrett. Este ir e vir no tempo, referências pan-temporais. Estruturas cênicas. Uma paixão especial pelo enredo (narrativa, teatro, cinema, comics), pela trama. Todos estes são aspectos essenciais para a minha poesia. As demais atividades em que estou envolvido são como os diversos pontos necessários para se fiar uma teia existencial. Minha relação com
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Entrevista concedida a Adlin Prieto. Originalmente publicada na revista virtual El Hablador # 16. Lima, Peru. 10/07/2010. Disponível em: www.elhablador.com/entrevista16_martins2.html.
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todos estes pontos está na raiz do Abraxas com que habitualmente me despeço dos amigos: um sinal de integridade em tudo o que faço. AP ¿Sus reflexiones sobre la dimensión política del arte responden a la relación de intimidad que el surrealismo proponía entre vida y obra, al humanismo poético? FM Ah o humanismo poético de que falava Enrique Molina, este magnífico poeta argentino, cuja poesia, com aquele caudal imagético que é intensamente amazônico, um mergulho na selva do ser, com uma profundidade que não se separa em momento algum do que lhe é exterior, um equilíbrio magnífico alcançado entre o léxico e a vertigem das imagens. Sim, o político é parte de nós, e deve sê-lo com a mesma intensidade do erótico, do místico, enfim, a mesma intensidade orgânica, porque não há metafísica sem seu correspondente orgânico, assim como não há arte que seja verdadeiramente expressiva sem sua consciência de atuação. AP Sus collages apuestan por un discurso otro alejado de las limitaciones de la disposición tipográfica. Pienso en Estudios de piel (2004) y Alma en llamas (1998) por ejemplo. ¿Cómo se vincula este tipo de imagen, que al fin y al cabo sigue siendo una representación de la escritura, con la palabra poética? FM A princípio tratava-se de um diálogo entre duas formas de manifestação criativa, porém do ponto de vista do poético. Mesmo quando eu fazia colagens não necessariamente para incluí-las em meus livros, eram sempre pensadas como uma conversa com este ou aquele campo de visão da linguagem poética. Hoje o diálogo permanece. Evidente que ganhou maior cumplicidade, porém com um equilíbrio mais nítido entre o poético e o plástico. As duas linguagens funcionam hoje como representação uma da outra, em igual intensidade. E se representam igualmente estando ambas em um mesmo cenário ou atuando em separado. Penso agora finalmente em fazer uma exposição somente com as colagens, por exemplo, o que antes me parecia algo improvável. Assim como o poema foi buscar para si recursos do teatro, da crônica policial, do romance, as colagens se apropriaram de recursos ligados à escultura e ao vídeo. AP Alma en llamas (1998) es un libro donde el ser palpita y las pasiones galopan sin menoscabo de la razón e incluso de lo filosófico. Lo trágico y lo lírico también están presentes, sobre todo en el extenso poema titulado “Los tormentos miserables del lenguaje y las seducciones del infierno en los instantes trágicos del amor de Barbus y Lozna”. ¿A qué respondió la escritura de este poema en español? ¿Por qué decidió publicarlo en portugués e incorporarlo a este texto? ¿Cómo se vinculó con el resto de la publicación? FM A decisão veio da constatação de que o exercício criativo começava a dar sinais de repetição, quando as soluções poéticas davam volta em torno delas mesmas. Escrever em outro idioma forçaria a eliminação desses pequenos vícios retóricos. Foi uma decisão valiosa, que resultou em um acento mais forte dessa relação entre os recursos líricos e trágicos de minha poesia. Este largo poema, “Los tormentos miserables del lenguaje y las seducciones del infierno en los instantes trágicos del amor de Barbus y Lozna”, permitiu uma aproximação maior de meus escritos em relação ao teatro. Foi inclusive decisivo na publicação de um livro intitulado Teatro Imposible (Venezuela, 2008). O poema situa-se nos domínios do amor impossível sob vários aspectos. A parelha que é separada pela morte de um de seus componentes também pode ser uma leitura do mito do Andrógino. O livro Alma em chamas (Brasil, 1998) está armado como um cenário multifacetado dos grandes conflitos existenciais. Supondo a existência de um protagonista único que | 117
atravessa todo o livro, as variações se dão na forma de capítulos, passando por dilemas como a perda dos familiares, o amor impossível, os tormentos da linguagem, as fraturas sociais etc. AP ¿Qué significó escribir en una lengua otra un poema propio y traducirlo luego al idioma materno? FM Não foi propriamente uma tradução. Como se tratava de um poema meu, pude então alterar passagens em que melhores soluções foram encontradas sugeridas pela nova sintaxe. Além disto, quando fui publicar a versão original, que integra o livro Tres estudios por un amor loco (México, 2007), uma vez mais surgiram novas opções no caso de várias passagens. AP ¿Por qué traducir, fungir de traductor? ¿En su caso hay algo lúdico en ello, en el acto de trocar las palabras para convertir el texto que es en el que va a ser? FM Em geral, tradutores tendem a considerar-se, em relação aos autores que estão traduzindo, cúmplices na criação. Não há dúvida que se trata de cumplicidade, embora na maior parte dos casos se trate mesmo de um negócio. O negócio da tradução. Agora, não estou bem certo de que a cumplicidade possa ser entendida no sentido de uma criação paralela, como se a tradução fosse um gênero literário. A diversidade cultural está, sob vários aspectos, fundada na diversidade lingüística. E não me refiro à língua pura e simplesmente, porém a seus matizes e acentos, o que faz com que se distinga o modo de expressar-se de vários povos que falam a mesma língua. Há ainda as distinções de natureza estilística, do grau de experimentação do léxico e da ortografia etc. Muito disto naturalmente se perde na tradução. Muito mais do que os aspectos ligados a ritmos e rimas, por exemplo. Eu me sinto um cúmplice do autor que estou traduzindo mais no sentido de que assim contribuo a reduzir o abismo que o separa de leitores do meu próprio idioma. E o faço com toda a honestidade que a cumplicidade requer. Nada mais. Quando ao aspecto lúdico que mencionas, eu diria que a tradução permite uma intimidade maior com a obra que estamos lendo. Seria algo mais intensamente erótico do que a leitura. Creio que quando traduzimos um texto é quando verdadeiramente vamos para a cama com ele. AP En cuanto a la relación lengua/arraigo, ¿comparte la postura del novelista carioca Per Johns: “El arraigado es uno con su lengua. El bilingüe es dos y ninguno”? FM Este é um ardil. Pobre poliglota, o que seria então? (risos) Evidente que a língua nos distingue, nos permite a multiplicidade cultural, por exemplo. Porém a diversidade de caráter percebido dentro de uma mesma comunidade lingüística nos leva a pensar que falta algo na consideração do Per Johns. De uma maneira geral somos dois e nenhum independente da condição bilíngüe. Somos dois e nenhum porque a realidade em nosso tempo, particularmente em nossos países, nos leva a uma condição existencial no mínimo ambígua. A rigor, nos leva a um esfacelamento do caráter. Vivemos em sociedades atônitas que não sabem (mais) dar uma resposta equilibrada à avalanche de ansiedades que nos são cotidianamente impostas. De alguma maneira, o grande exílio hoje se verifica dentro da língua, ou mais: dentro do ambiente cultural em que age cada língua. AP ¿Cómo se despierta su interés por la traducción? ¿Responde, de alguna manera, a sus vinculaciones con la literatura en español?
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FM Sim, eu comecei a traduzir exatamente do espanhol, motivado por uns livros que ganhei de presente cujos autores eram desconhecidos no Brasil. Foi meu primeiro impulso: traduzir alguns poemas para publicar na imprensa em meu país. Não recordo bem se César Vallejo ou Vicente Huidobro ou Oliverio Girondo. Logo surgiram possibilidades de traduzir autores ingleses, italianos e galegos. Aos poucos fui conhecendo melhor o idioma espanhol e, sobretudo, me apaixonando pela diversidade estética de suas literaturas, algo impressionante. Até que passei a traduzir somente do espanhol, já com um propósito distinto, que assumia uma conotação política e me distanciava da condição de tradutor apenas em seu âmbito mercadológico, de contrato editorial. Eu quero recordar aqui uma aventura que foi de grande importância para mim: quando eu morava em São Paulo, na primeira metade dos anos 80 do século passado (ah como é estranho falar em século passado), tive a ousadia de propor a um grande poeta do meu Estado (Ceará), Francisco Carvalho (1927), um exercício de tradução que, a rigor era um exercício de convívio mais intenso com a obra em questão, do livro Altazor, do chileno Vicente Huidobro. Carvalho é um poeta fundamental, cuja poesia foi de grande importância em minha adolescência, de maneira que sua concordância possuía para mim um significado à parte. Ao longo de alguns meses traduzimos os 7 cantos de Altazor, conversamos a respeito etc. Jamais pensamos em publicar o livro. Para nós, o que estávamos ali realizando era um ritual de intensificação de nosso conhecimento do espanhol e da poesia em si. Foi uma valiosa experiência. AP ¿Desde cuándo y por qué ha establecido vínculos con escritores de habla española? FM Vamos diversificar o sentido do que chamas “vínculos”. Há o sentido do conhecimento através da leitura, assim como outros: o convívio pessoal, a correspondência epistolar e até mesmo a aproximação por natureza contratual. Na infância não era comum acesso a literatura de língua espanhola, de maneira que demorei muito a conhecer qualquer literatura neste idioma. Seguramente Cervantes foi o primeiro. Porém o impacto maior foi quando li Federico García Lorca. Li Pablo Neruda antes, porém não me causou a mesma impressão. É curioso que eu tenha lido primeiramente, em português, autores que depois foram traduzidos por mim. Dois exemplos: o próprio García Lorca e o cubano Guillermo Cabrera Infante. Outro vínculo fundamental foi de natureza epistolar. Creio que o mais importante destaque aqui é minha extensa correspondência com o crítico espanhol Jorge Rodríguez Padrón, que me ensinou muito a respeito de poesia hispano-americana. A partir deste diálogo pude conhecer muitos autores, dando início a um extenso contato epistolar que define todo o trabalho que sigo realizando. Pela ordem, o último vínculo é o do abraço físico, da troca de olhares, da amizade finalmente conquistada e definida. Este vínculo não é possível sem a presença das viagens. Conheço praticamente todos os países de língua espanhola. E tenho me encontrado com inestimáveis expressões literárias desses países nos diversos encontros internacionais que compartilhamos. É fundamental destacar a existência desses eventos, que permitem o diálogo, a descoberta, a confirmação, a continuidade de uma série de projetos sem os quais nosso abismo cultural seria ainda mais intenso e violento. Ainda me indagas o motivo para tudo isto, para meu vínculo com esta literatura. Embora eu ache que está bastante implícito em nossa conversa destaco que havia uma biblioteca na casa de meu pai, que foi responsável pela minha formação literária em um primeiro momento, e que quando comecei a ouvir nomes da literatura de língua espanhola soavam estranhos para mim, todos desconhecidos. Isto significava uma falha de formação.
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AP ¿Cómo circula la poesía de expresión española, sobre todo la latinoamericana, en Brasil? FM Não circula. A ideia de circulação é o primeiro equívoco que deve ser explicado. Editar e circular são duas coisas distintas. Creio que isto se passa em grande parte do mercado editorial no mundo. Por vezes temos um convênio que permite a edição de um livro. Porém o livro não circula, não há distribuição, ou divulgação ou venda. O autor está publicado no país, e até tecnicamente impedido de que volte a ser reeditado, porém sem circulação alguma. Isto é o que se passa com a grande maioria da literatura de língua espanhola no Brasil, ou seja, à exceção de casos como Jorge Luis Borges, não há circulação. Nada. É preciso insistir neste detalhe: não conhecemos no Brasil a grande literatura de língua espanhola, com sua extensa e intensa diversidade, de épocas, estilos e países. Nada. Algumas editoras se interessam pelo tema, porém há em muitos casos uma imensa dificuldade na negociação de direitos autorais com a família, quando se trata de autores mortos. Há um abismo cultural imenso entre nossos países. Uma possibilidade de se remediar tal situação? Apoio institucional. Não digo apoio financeiro isoladamente, mas sim, sobretudo, apoio na liberação de direitos autorais. A criação de co-edições entre editora brasileira e governo desses países, isto seria brilhante. Já avançamos algo no que diz respeito a uma parceria com Portugal. Há editoras brasileiras interessadas na criação de coleções dedicadas à literatura hispano-americana. Mas precisam de apoio institucional. Há que pagar direitos autorais, tradutores etc. Tudo isto é fundamental. AP ¿Más allá de las ferias de libros y las bienales de Literatura, hay un espacio dentro del campo cultural brasileño para la literatura escrita en español? ¿La academia brasileña la aborda como objeto de estudio? FM Não, não temos a menor preocupação com o idioma espanhol, o que inclui sua literatura. Mesmo a atenção para acordos comerciais, acordos de fronteira, eles não consideram a importância do conhecimento da língua. A literatura em si é um objeto absolutamente à parte dentro deste ambiente de negociação de poderes de fronteira. Insisto no termo, porque não me parece que nossos países estejam interessados em uma vital cumplicidade de definição de espaço político de ação comum no sentido de auto-preservação da América Ibérica ou algo similar. O mercado editorial no Brasil tem uma única porta aberta: para o que reza a intempérie dos mercados editoriais na Espanha e Estados Unidos. Esta minha experiência como curador de uma Bienal Internacional do Livro no Brasil me diz – e lamento profundamente ter chegado a tal conclusão – que não há interesse algum entre nossos países por uma aproximação cultural. O governo venezuelano está possuído por uma obsessão de controle continental à qual ele não corresponde senão de maneira impositiva. O governo brasileiro, por sua vez, até hoje não percebeu a importância de um diálogo com a América Hispânica. A Academia, segundo, tua pergunta, é um esteio insignificante, ela não representa nada que não seja a definição de um programa de governo. Acaso imaginas a Academia Brasileira de Letras propondo cursos de língua espanhola e uma série de conferências com autores de língua espanhola? Há isto na Venezuela, em relação a escritores brasileiros? Há um Centro de Estudos Brasileiros na Embaixada do Brasil em Caracas. O que ele tem feito pela difusão da literatura brasileira na Venezuela? Há algo assim na Embaixada da Venezuela em Brasília? O que se tem promovido ali? A relação cultural entre nossos países é meramente retórica, querida. Devo agradecer imensamente aos esforços da Fundación Biblioteca Ayacucho, pela publicação de vários autores brasileiros. Devemos isto aos venezuelanos. Porém as nossas academias, que essencialmente são os nossos governos, não estão interessadas no assunto. | 120
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Esta larga introducción o historia puede saltarla el lector, las entrevistas son un modo de conocer a alguien a quien deseamos mirar de más cerca, en otra dimensión más humana. Con esto en mente, les cuento cómo es un poeta que se le va develando a otro poeta por caminos de la poesía y de la amistad. Nos conocimos en el sur de España, muy concretamente durante el Otoño Cultural Iberoamericano de Huelva. Decir conocernos es mucho. En una esquina de una larga mesa regada de poetas de México, Puerto Rico, República Dominicana, El Salvador, Colombia, Argentina, Brasil y otros países, cenan los poetas y editores Uberto Stabile, Angel Leyva, Floriano Martins y Eduardo Mosches (con quien compartí más, al otro lado de la mesa). Yo sé que están allí pero en aquel final también estaba finis terrae. No fue sino en un bus camino a la casa en Moguer donde había vivido el poeta Juan Ramón Jiménez, que intercambiamos unas palabritas. El poeta Ángel Leyva, a quien conocí por haber publicado en Alforja hace más de 10 años y luego habernos visto brevemente en un evento de libros y poesía en el Zócalo, nos presenta. Estos son los antecedentes de este breve encuentro. No dijimos mucho, apenas habremos tímidamente sonreído desde nuestros asientos vecinos. Se acabó allí el diálogo, no dijimos más. Regreso a Nueva York y FM, si no me equivoco, a Brasil. Días después, me llega un correo de FM y le comento que su revista Agulha ya no me llega por este medio. Entonces, iniciamos conversaciones salpicadas de descubrimientos maravillosos. El poeta y editor comienza a enviarme fotografías y canciones. Nuestro intercambio cibernético inicia con FM en medio de un proyecto poético-fotográfico del Sr. Seriotis, nombre que le pusimos a uno de sus personajes, pues mi primera impresión de él fue, según le confesé más tarde, que era muy serio. Y tal seriedad no hacía sino preludiar la complicidad de nuestra risa. Cómo me hace reír FM, llena mis días de sorpresas que no terminan de sucederse. La última, un “malentendido” que a mí me da por reír de lo lindo. Le había estado contando sobre un maravilloso enamoramiento que estaba ocurriéndome después octubre (fecha cuando nos conocemos). Le digo, “te cuento el milagro pero no el santo”. Pasan nueve meses y un día le anuncio que ese amor cibernético a la distancia parecía entrar a otra dimensión. El sueño de luz que iba a parir, tenía que soñarlo sola para entrar a un nuevo estado de conciencia. Entonces FM me responde, “No te enojes, pero hasta ahora había pensando que hablabas de mí”. El Sr. Seriotis, el de las continuas sorpresas que pensaba que iba a enojarme, me hizo reír con ganas una vez más, aligerando el peso de ese momento difícil; tirándole el ancla a su amiga enamorada y llenando las horas con sus renovadas y necesarias alegrías. Porque el humor de FM es tan ilimitado como sus ideas. Pero, lo más importante, no termino de descubrirlo. Esta entrevista surge a mi regreso del Encuentro Internacional de Poetas en Zamora, México, que realiza exitosamente Roberto Reséndiz en junio. Durante mi estancia tuve la suerte de escuchar a poetas que hacían con la poesía todo lo que la imaginación les permitiera. Movida por la curiosidad y el deseo de saber más, entrevisté a dos poetas mexicanos (a la poeta y editora Mónica González y a Mario Dux Castel). Ellos me obsequiaron con libros-objetos. Me interesó explorar un tema por el que ya venía intrigada a partir del frasco de poesía, Dosis, de la poeta puertorriqueña Mayda Colón. Dentro del pomo aparecen unos poemas que se abren al lector de forma no convencional. En uno de los correos de Floriano me dice que le interesa apa-
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Entrevista concedida a Madeline Millán. Originalmente publicada em Agulha Hispânica # 5 – FortalezaCE, Brasil – setembro de 2010.
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sionadamente el asunto. Y yo comienzo una pregunta y otra y otra. Sí. La entrevista que ahora van a leer. [MM] MM Floriano, cuéntanos de todos tus mundos posibles. Si puedes resume y termina en la próxima pregunta. FM El mundo posible es el mundo de la supervivencia. Mis mundos son todos imposibles. ¿Cómo hago para terminar eso en la próxima pregunta? MM (ese tipo de preguntas o comentarios como el anterior son los que recibo continuamente de FM y me hacen sonreír, pasarla bien) Sigamos. ¿Cómo se define la plástica y la poesía? ¿Cómo la defines tú desde tu experiencia creativa? Supongo que las definiciones van a sufrir cambios, como si la frontera de las definiciones para un poeta fuera un protocolo que va a cruzarse ilegalmente. ¿Haces eso? FM La creación artística habita el territorio de la indefinición, así que no cabe en el sentido taxidermista que mueve el mundo de las definiciones. Yo tengo cruzado las fronteras visibles con naturalidad, gracias a la fuerza de mis escritos. No importa que trabaje con una computadora, una cámara fotográfica, pinceles, grabadoras u otros instrumentos. Pero en la creación lo que cuenta son las fronteras invisibles. MM Según lo que me respondas te preguntaré la próxima pregunta o te comento a manera de diálogo. No estamos frente a frente, por lo cual, imitamos la conversa con necesarias pausas. FM Bueno, entonces imitemos ahora el sonido de una máquina que repite incesante que no es hombre, no es hombre, no es hombre, por más que lo desee. MM ¿Por qué no se es hombre por más que se desee? FM Es todo un dilema de la criatura que busca su identidad frente la fascinación de ser el creador. Hablamos con espantosa facilidad en inteligencia artificial y nos olvidamos que una canción es una creación, así como un robot, y los dos, cada uno a su modo, ganan vida propia. ¿Y cómo saber si quieren regresar a la matriz, back to the egg, si quieren ser dios? Es una trampa, o sea, ese es un dilema siempre del creador, jamás de la criatura. MM ¿Si es lo invisible lo que tenemos, cómo hace el artista para que pueda verse, leerse, oírse? Digamos, cuando existe la necesidad de comunicar. FM Yo creo que la comunicación en arte es este puente que conecta los dos mundos, visible e invisible. El lector de mis poemas es invisible para mí, pero yo soy visible para él, de alguna manera, a través del poema. Pero sin buscarlo, sin desearlo. No estoy seguro de que sea esta la fuente de la creación, eso que llamas de necesidad de comunicar. Yo creo más en una necesidad de comunicarse, o mejor, de uno descubrirse a sí mismo. MM (He reflexionado en otras ocasiones sobre este asunto de la comunicación, no me explico cómo la usé de esta manera. Lo que demuestra que, tal como el asunto de la inspiración del que se nos pregunta todavía, siempre está ahí el dilema de “explicar” lo que hacemos, el cómo, etc.)
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Háblame, en relación a la pregunta anterior, sobre la historia de tu trabajo de poeta. Es larga, intensa, heterogénea, pero algo podrás contar. FM Yo no sé si propiamente larga, pero sí es intensa. La locura que era recibir todas las informaciones desde la infancia, con la música distinta que escuchaban mis papás, con la llegada de la televisión, el cine mudo, los cómics, las fotonovelas, los libros desordenados de temas múltiples de la biblioteca de mi padre, todo eso no me dejaba tiempo para pensar en separar el mundo en géneros, yo quería todas las cosas juntas, allí, al mismo tiempo. Bueno, entonces la primera manifestación fue eso de cortar figuras con tijeras y también la cosa típica de copistas, yo reproducía en guache y cartón las portadas de algunas novelas. Después nos juntamos en dos o tres chicos en la calle y montamos un espectáculo de música en el patio de mi casa, palco y platea improvisados, y presentábamos imitaciones de canciones brasileñas y extranjeras. Todo eso era la vibración espontánea con que el arte me tocaba. Después pasé a escribir cuentos, casi todos eróticos, hasta donde los recuerdo, en parte porque estaba enloquecido con la lectura de un libro en particular, los 12o días de Sodoma, del Marqués de Sade. Aunque antes otros libros tuvieron su importancia, este fue el libro que me llevado a escribir. MM Haces fotografía, creo que pintura, música etc. ¿Cómo se mueve el poeta si tu poesía se mueve contigo en esos otros formatos? ¿Lee tu lector cosas parecidas en muchas de tus fotografías? ¿Existen puntos de contacto, convergencia, obsesiones? FM Sí, la poesía está en todo. Ahora demos un salto porque todo eso lo recupero como expresión artística mucho tiempo después. Es verdad que desde el primero libro había un cuidado con el diseño gráfico, eso de invitar a un artista, un fotógrafo para que creara cosas a partir de los poemas, y también el hecho de que llegué a tocar (por suerte no ha demorado a visitarme la conciencia de que era un músico malísimo), la convivencia con gente de teatro y música, el trabajo con música en teatro, pero en esa época ya me había tocado el poema, así como el deseo de componer letras de canción popular. De todo eso ha quedado el poema, por un largo tiempo, escribía y escribía, sin parar. Y leía, pero manteniendo la diversidad en la lectura: novelas, poemas, ensayos, cómics, un poco de todo, incluso cosas no literarias. Siempre hubo esa vorágine de traer de todo para dentro, la mirada obsesiva por descubrir varios mundos al mismo tiempo. Y luego llega el gusto por la cosa crítica (ensayos, entrevistas, artículos para el periodismo cultural) y la traducción. MM Estuve recibiendo, prácticamente desde el inicio de nuestras charlas cibernéticas, muchos de tus poemas y fotografías, por separado, pero también fotografías con poemas. Llevaban títulos con nombres de mujeres. ¿Es un libro con tus fotos y con poemas? ¿Cuál es la historia detrás de esos textos con fotos? FM Antes de las fotografías los collages. El trabajo con las tijeras, haber conocido al surrealismo y las naturalezas muertas. Luego el deseo de trabajar solamente con cosas mías, así que pasé a fotografiar las imágenes que después utilizaría en los cortes, primeramente con tijeras, pero en seguida en la computadora. Pero ahora la técnica de corte ya no me seduce, la relación amorosa más intensa pasa a ser con las sobre-posiciones, buscando los espacios invisibles entre dos o tres imágenes, así como desvelando los puntos en común entre la figura y el paisaje. El poema, la imagen poética, sale a buscar otros modos de manifestarse y encuentra la fotografía como este segundo plan de realización. La fotografía como una extensión del poema. Cuando están juntos pueden ser percibidos como complementos uno del otro, pero cuando actúan solos son perfectamente independientes. Las | 123
primeras experiencias fueron en palco, la lectura de poemas acompañada de la proyección de las imágenes que luego ganaron movimiento a través del montaje de videos que tratan de incorporar también la música. Los videos son montados a partir de la construcción de maquetas utilizando las fotografías impresas en varias dimensiones y objetos. Posteriormente gana cuerpo la idea de un libro que pudiera ser el sitio de encuentro de eses lenguajes todos. Detalles de producción no lo permitió la realización de la idea original, así que sale el libro, pero solo con poemas y fotografías. No es una pérdida, para nada, porque planeamos el libro dentro de este nuevo espíritu, solamente un maridaje entre dos lenguajes. Ya el mundo de las mujeres, mejor, del femenino, de la sensibilidad, la pasión, y sus tormentos, dolores, violencias, los amores imposibles, todo eso es más antiguo y ya había tratado del tema en otros libros, muy especialmente en uno que se llama Estudios de piel (2004), libro en que mezclo varios lenguajes (poema, prosa poética, narrativa, crónica policial etc.) y que está relleno de personajes femeninos. Ahora en el caso de la fotografía tiene que ver particularmente con esa relación entre paisajismo y figurativismo que busco fusionar en algo propio, así que el cuerpo femenino encuentra abrigo en el mismo sitio que los ambientes naturales (montes, volcanes, árboles, cielos, lagos, todo) y juntos apuntan en la dirección de otra imagen. MM Llegamos a la parte central que origina esta entrevista: El libro-objeto. ¿Qué historia, en general, nos puedes narrar? ¿Quiénes te anteceden o qué te sirve para hacer un libro-objeto? Tal vez quieras ampliar más sobre la respuesta anterior o decirnos si tiene algún proyecto similar. FM Fines de los años 70, siglo pasado, he hecho un librito de poemas con la presencia de un artista plástico y sus trabajos en tinta china. La edición de este librito fue artesanal en el formato de hojas sueltas en un sobre (A4) que tenía en la portada una viñeta de otro artista. Esa condición artesanal era su disfraz de libro-objeto (risas). Pero lo más importante siempre me pareció la idea de buscar el otro, un cómplice, una pareja, sea en la creación en sí o en su producción. Años después miro los destrozos de una iglesia y pienso que sería el escenario perfecto para la escritura de un libro. Invito un fotógrafo amigo y por allí pasamos algunas mañanas sacando fotos y anotando imágenes. El libro, ahora impreso como un libro común, tenía cierta rusticidad en su design, buscando equivalencia con el ambiente plástico y poético del contenido. Ya en 2004 conozco a un escultor en Costa Rica cuyo trabajo está hecho con los horcones de una vieja iglesia en su país. Di inmediato me quedé apasionado por los personajes que desentrañaba de la madera y lo invité a hacer un libro conmigo. El resultado – ahora en mejores condiciones editoriales – tenía la misma raíz, o sea, el diálogo entre creadores y la producción de un objeto de arte, la concepción del libro como un objeto de arte. Pero que no se alejará del entendimiento del libro como un objeto de lectura. No estaba buscando un obstáculo a la lectura o convirtiendo al libro en escultura. Sigo creyendo en esa mesa de encuentros, en que los soportes son reflejos del tipo de diálogo que uno mantiene con el otro, una consecuencia del diálogo. Ahora mismo busco llevar a palco lenguajes con que trabajo: poemas, letras de canciones, fotografías, objetos, videos y escenario, todo eso naturalmente con la presencia de músicos, arregladores, bailarines y una cantora, desde ya pensando en la edición de todo en un libro/cd/dvd/catálogo que de alguna manera se pueda mirar como un libro-objeto, sí, pero sin perjuicio del desfrute corriente de sus lenguajes. Como puedes notar, tengo otra lectura del tema, por la suma de lenguaje tal vez. Es como lo que hace, por ejemplo, Peter Greenaway en una película como The pillow book, en que arte y vida se mezclan en una relación intertextual intrigante.
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MM Hemos estado hablando precisamente de ese proyecto que tendrá libro/cd/dvd/catálogo, y tenemos la intención de robar un banco, tema aparte que, mientras tanto, estamos practicando a través de esta entrevista. Dime, qué propuesta podemos adelantar en el tiempo a través de esta entrevista y que podrimos enviar a amigos y futuros mecenas. Abrirnos a un cooperativismo como el que se hacen entre diversas editoriales. Imagina que vas a describir las partes de ese proyecto respondiendo a qué, cómo, quiénes, cuándo. Espero de ese modo, con la idea del libro-objeto, probar que en verdad quien piensa fuera del libro tradicional está pensando en el presente y en el futuro de lectores curiosos. Como dijeron dos de los entrevistados, el libro-objeto, para ellos surge de la necesidad de conquistar audiencias jóvenes que asocian la lectura con algo aburrido (Dux) y comienza con los supuestos mandamientos escritos en una piedra. Es un gancho para ellos, en parte, teniendo claro que el libro-objeto también es un diálogo abierto, en continua búsqueda y movimiento. Entonces, cuenta. FM Yo pienso que no puede haber nada más aburrido que salir a conquistar audiencias. No creo en la lectura como algo agotado. Lo que pasa es que escritores y mercado editorial llenaran el mundo de mala literatura. El lector está como perdido en medio a ese basural sin fin. Y lo digo exactamente como lector, y lector apasionado, que no comprende otra manera de serlo. Y que además no cree propiamente en lectura, sino en relectura. Lo que hago en esa suma de géneros y áreas de creación tiene que ver únicamente con mi hambre estética. Me preguntas sobre los proyectos en curso y son dos: por las Ediciones Andrómeda, de Costa Rica, está por salir un libro que se llama La efigie sospechosa, que reúne poemas y fotografías. Es un librito mágico que tiene la traducción de Marta Spagnuolo (Argentina), un prefacio de David Cortés Cabán (Puerto Rico) y al final el mismo editor, Alfonso Peña (Costa Rica) me hace una entrevista. Me encanta la idea de proporcionar un encuentro, en un mismo libro, de todos ellos, amigos en la vida y en el arte. El otro proyecto, sí, este necesita de un mecenas, es la grabación de un disco reuniendo los compositores con quien he trabajado como autor de letras de canciones. El disco debe incluir también un catálogo con un ensayo fotográfico. La idea es un poco más amplia porque al disco debe sumarse la producción de un show con músicos, videos y la creación de un escenario a partir de mis fotos y objetos. El proyecto se llama Amores visibles invisibles, y tiene que ver con esa relación entre luces y sombras que es el sello sagrado del amor. No creo en el arte como un gancho, sino como un pescado. No es la oportunidad, sino el alimento.
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2010 | Cibercultura en tiempos de analfabetismo global
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Conozco desde hace diez años a Floriano Martins (Brasil, 1957), primero en la virtualidad y tiempo después en persona, en mutuos desplazamientos y complicidades entre México y Brasil. Supe de él porque su nombre pululaba en la Red como abejas en primavera. Sabía que existía porque amigos comunes me hablan de su apariencia y su infatigable dinamismo cibernético, además del empuje de Agulha en toda América Latina. Tiempo después lo vi desempeñarse con éxito en la gestoría cultural en acciones como la Bienal del libro de Ceará, en la elaboración de numerosas antologías literarias, entrevistas culturales, traducciones, investigaciones sobre fenómenos como el surrealismo y en torno a personajes del mundo intelectual y artístico, además de su trabajo editorial. Pero sobre todo, Martins circulaba y circula en Internet con sus poemas visuales y verbales. Su trayectoria como agente cultural está asentada de manera particular en sus proyectos Revista Agulha Hispânica y Editorial Banda Hispánica. Si no fuese porque lo conozco bien y nos une una amistad entrañable, seguiría cautivo de mis dudas iniciales, cuando me cuestioné, ¿no será Floriano Martins una invención de cibernautas brasileños, no será un virus electrónico o una marca registrada? Pero no, Floriano existe y se desempeña de manera global, solitaria, desde su casa en Fortaleza, en el Barrio de Aldeota. Esta conversación se hizo en chat, mirándonos las caras y escuchando nuestras voces, escribiendo. Comenzamos… [JAL] JAL Eres una persona formada en el Brasil de las máquinas Olivetti, en el ritmo de la tecla mecánica y la hoja en blanco. Eres lo que llamamos un migrante cibernético. ¿Cómo fue tu transición hacia la computación y el descubrimiento de Internet como herramientas de comunicación y creación? FM El mundo no ha pasado así de una era para otra, por efecto mágico. Todo sigue aún mezclado y de algún modo bien confuso. El encantamiento con los aparatos tecnológicos ha llevado a muchas equivocaciones. Internet no es una herramienta de creación. No se trata de una guitarra, un bolígrafo o una cámara fotográfica. Es una herramienta de transmisión de la creación, o sea, una herramienta de comunicación. Por supuesto, sorprende su inmediatez en una época casi agotada, justamente por la ansiedad de lo inmediato. Nuestras sociedades son movidas por efecto de marketing; son sociedades que sufren a diario la tempestad de las frasesefecto del mundo de la publicidad. Hacer que circule cultura por las venas de la Internet es un desafío permanente. JAL En un país continental como Brasil es difícil tejer un sistema de comunicación individual con una comunidad tan vasta de poco más 200 millones de habitantes. Tú lo has hecho no sólo en tu país sino entre los países de habla hispana y portuguesa desde tu estudio y con el empeño de una araña que amplía su red de contactos estratégicos. ¿Qué ha representado el proyecto Agulha/Banda Hispánica? ¿Qué sorpresas has tenido en tus expectativas de comunicación y culturales? FM El milagro está en la locura. El primer plano fue la creación de lo que llamas red de contactos estratégicos. Hoy contamos con 150 mil direcciones electrónicas vigentes, confirmadas, un número en permanente actualización. En los primeros
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Entrevista concedida a José Ángel Leyva, originalmente publicada na revista UIC. Foro Multidisciplinario de la Universidad Intercontinental # 18. México, octubre de 2010.
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diez años trabajaba conmigo en la coedición de Agulha –Revista de Cultura-- el poeta Claudio Willer. Esta revista cerró sus actividades editoriales el año pasado. Creí necesario concentrar mi trabajo en dos bases concretas, las culturas de lenguas española y portuguesa. Así que desde enero de 2010 traté de crear el Proyecto Editorial Banda Hispánica y el Proyecto Editorial Banda Lusófona. Son dos espacios de difusión de la poesía de más de 20 países en el mundo. Además, el Proyecto Editorial Banda Hispánica incluye la revista Agulha Hispânica y una colección de libros virtuales, Colección de Arena. Trabajamos para abrir y ampliar los puentes de contacto entre todas esas culturas. Es indispensable la presencia de contactos en varios sitios, en grados distintos. Los más cercanos a nosotros, en términos de complicidad, son las revistas La Otra (www.laotrarevista.com, México –una relación que existe desde sus primeros momentos, cuando todavía se publicaba la revista Alforja), Matérika (www.materika.org, Costa Rica), TriploV (http://revista.triplov.com, Portugal) y ahora más recientemente la brasileña Via Política (www.viapolitica.com.br/principal.php). Pero a través de estas mismas publicaciones, así como de otras, tenemos actuación en el mundo impreso, en proyectos editoriales que tratan también de la publicación de libros, entre ellos la revista Blanco Móvil (www.blancomovil.com, México) y las Ediciones Nephelibata (http://edicoesnephelibata.blogspot.com/, Brasil). En nuestro caso, el mundo posible está definido por la presencia constante del Jornal de Poesia (www.jornaldepoesia.jor.br), donde estamos anclados. El acceso a los dos proyectos es: www.jornaldepoesia.jor.br/bhportal.html y www.jornaldepoesia.jor.br/blportal.htm. Además contamos también con una página en Facebook: www.facebook.com/home.php?#!/pages/FlorianoMartins/126010980763188?ref=mf, que permite una más amplia circulación. Creo que sólo con mencionar la existencia concreta de esos puentes de comunicación ya estamos hablando de expectativas atendidas, de la riqueza de un proyecto que avanza y avanza y avanza. JAL También está el Portal brasileño Cronopios, que señala una movilización de más de 2 millones de páginas ¿Cuál es la relación o relaciones directas entre la realidad virtual, el soporte electrónico en el que trabajas, y la realidad real que vives cotidianamente? ¿Qué cambios adviertes ha sufrido tu persona en la toma de decisiones y en la manera de sentir y definir el mundo global y el local? FM Es increíble esa facilidad para hablar de Internet como si fuera un ser vivo. Imaginemos los cambios favorables a cualquier actividad humana cuando uno alcanza nuevas herramientas, más modernas y con nuevas capacidades exploratorias. Por supuesto que es una maravilla manejar un coche automático. Pero detrás de la máquina estará siempre el hombre y el cambio verdadero está definido por su actuación. Es indiscutible que las relaciones de trabajo ganan en su relación con el tiempo y espacio en que se mueven, es una obviedad. Por otro lado, no veo la importancia de buscar comparaciones entre las dos cosas. JAL Hay una lucha entre ese mundo virtual, de lectores y conversadores, navegantes, comunicadores, exploradores y la realidad de nuestros países, el analfabetismo total y funcional. Hay grandes sectores de la población que están al margen de este avance tecnológico y este espacio que habitamos los cibernautas porque aún no arriban a la lecto-escritura: sociedades ágrafas en su mayor parte. ¿Cómo vislumbras esta contradicción, estas dos velocidades educativas en el contexto de nuestros países latinoamericanos? FM La gente que vive o está al margen de la realidad no tiene que ver propiamente con las herramientas, sino con la violencia con que tratamos de estructurar | 127
nuestras sociedades. Siempre hubo analfabetismo total y funcional, con o sin Internet. La velocidad con que circulan las informaciones es un espejismo: nos hace creer que las cosas están peores. Tampoco mejores. Vivimos en una parálisis capaz de enloquecernos sólo de pensarla. Son de una barbarie total las formas como nuestras sociedades tratan temas básicos como educación, salud, habitación y la asistencia social en sus patrones más elementales. Lo peor de todo eso es que siempre que uno habla de los errores de nuestras sociedades apunta todos los dedos hacia los gobernantes. Es preciso entender que un intelectual o un artista, al formar parte de un gobierno, sea como secretario de cultura o como presidente de una biblioteca nacional, es parte del juego. No veo entonces una contradicción con lo que sugiere la pregunta. A juzgar por el casi inexistente porcentaje de compromiso de la clase intelectual, además de los visibles negocios generados en nombre de la caída de calidad en el arte, sometido a los caprichos de la llamada cultura de masas, yo diría que los más cultos son los verdaderos incultos. Son los verdaderos criminales. JAL ¿Crees que el ciberespacio fomente o provoque una nueva sensibilidad, un nuevo diálogo, una nueva lecto-escritura? FM Como un nuevo bolígrafo o una nueva guitarra… JAL ¿Qué es lo mejor y lo peor que vives en ese nuevo hábitat cultural llamado Internet? FM No considero lo peor en ningún sentido. Toda la basura que circula en Internet, por ejemplo, es la basura humana, no tiene que ver propiamente con la herramienta. El hombre es el principio y fin de todas las cosas, el rey absoluto de la gracia y desgracia en la tierra. JAL Dices que Internet moviliza un mundo de basura informativa y cultural. Si algo produce esta sociedad de consumo son desechos. Creíamos haber ganado tiempo con las herramientas electrónicas pero ahora nos enfrascamos al dilema de la confusión y la discriminación informativa, la ciberbasura. ¿Cuál es tu experiencia en este aspecto, entre tu tiempo y tus resultados creativos? FM Lo que pasa es que no cambiamos de hombre –ni de hambre, si pensamos en nuestra hambre milenaria de poder--. Detrás de las máquinas está el mismo hombre. El escenario sigue con su raíz en la educación. La cultura es un reflejo de la sociedad. La educación funciona como su casa motriz, la fuente de cambios. Pero la educación no implica sólo conocimientos, también incluye despertar y estimular la sensibilidad, la generosidad, la complicidad, el sueño, en fin, tratar de ubicar al hombre en su sitio terrenal, social, cósmico. Sucede que no llegamos a buen término ni siquiera en la educación, como mero instrumento de transmisión de conocimiento. La basura que circula en Internet tiene por lo menos tres fuentes principales. La primera es la violencia de los virus, la estupidez criminal de gente que simplemente desea el mal del otro. La segunda es la tempestad de anuncios, la vorágine de la publicidad. La tercera es esa mezcla de inocencia y vanidad que hace que la gente sienta la necesidad de presentarse, de mostrarse, de exhibirse, ya sea mostrando un texto, una obra de arte, sus fotos familiares, sus confesiones, sus puntos de vista sobre una infinidad de temas, etc. Pero todo es parte del mismo circo, además, reflejo exacto de nuestro tiempo. JAL Es cierto, la tecnología no hace mejores personas. Solemos pensar que gracias a estas nuevas herramientas de comunicación e información se democratizan | 128
las sociedades, pero ¿quién nos salva de ese Mundo Feliz descrito por Aldous Huxley o del 1984, del Gran Hermano, de Orwell? Poco a poco, el mercado también muda sus barreras de peaje para imponerlas a los navegantes de la Red. ¿Has reflexionado sobre la gratuidad de tu labor y la imposibilidad de llevarla a cabo cuando cada acción tenga un costo y una acción legal para el cibernauta? Que de hecho ya las tiene. FM Nosotros tenemos dos áreas de actuación en que cobramos algo. La colección de libros virtuales y la realización de documentales. Es verdad que el Gran Hermano en este caso se llama el Gran Mercado. Pero siempre regresamos al punto de partida, al nido de la parálisis humana. El problema no está en el mercado, sino en su práctica en proporciones deshumanas. Por supuesto que es plenamente posible ofertar servicios artísticos y culturales de buena calidad por Internet, de manera contractual, o sea, como un trabajo igual a lo que se realiza en otros ambientes de comunicación. Desde ya pensamos que para el proyecto cultural que realizamos lo mejor sería convertirlo en una fundación. Ya veremos. JAL Por último ¿puedes imaginar, y cómo, tu vida profesional e intelectual sin estas herramientas de la cibercultura? FM Por supuesto que no. Es una prueba de que algo en el hombre puede cambiar, ¿no? (risas) Pero sabemos muy bien que, en general, los artistas e intelectuales no se acercan mucho a Internet y todavía menos en el sentido como nos aproximamos quienes realizamos el trabajo que aquí estamos tratando. Es lo mismo, por ejemplo, con las revistas impresas. Hay dos o tres poetas que se interesan en crear revistas para divulgar la poesía, y millares de poetas que desean simplemente publicar sus poemas.
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A outra voz do tempo | Cronologia de vida e obra 1957
Nasce em 30 de junho, em Fortaleza, Ceará. Filho de Floriano José Martins Benevides e Maria Consuelo Feijó Benevides, recebe o nome de Floriano Benevides Júnior.
1970
Morte do único irmão, Marcos Vinicius, aos 9 anos de idade. Dessa época relembra, em entrevista a Wanderson Lima, a caótica biblioteca do pai, onde iniciou-se leitor: “Recordo a bagunça que era a biblioteca de meu pai, com livros e revistas e jornais de toda ordem. De poesia, por exemplo, havia apenas o volume dos sonetos de Shakespeare e um exemplar do Paraíso perdido de Milton. Do ponto de vista literário, fui criado entre romances e gibis, inclusive as inúmeras adaptações de clássicos da literatura mundial para o formato fotonovela, bastante comum na época.” (dEsEnrEdoS # 8, Teresina/PI, janeiro de 2011).
1971
Escreve uns primeiros contos e ao assiná-los muda o nome para Floriano Martins, em homenagem a seu pai.
1975
Decide não frequentar mais a escola. Convívio intenso com gente ligada, principalmente, à música e ao teatro.
1976
Em edição fora de mercado, edita seu primeiro livro de poemas, Composição, juntamente com o artista plástico Alano de Freitas (Edição do Autor, Fortaleza). Vive um romance tempestuoso que o leva para o interior da Bahia, em um acidentado convívio com centros espíritas e terreiros de Umbanda.
1978
Retorna a Fortaleza. Morte de sua mãe, aos 51 anos de idade. Casa-se em maio com Socorro Nunes. Publica Ruínas de silêncio (poemas), com fotografias de Paulo Aécio (Edição do Autor, Fortaleza). O livro foi escrito sob o impacto da leitura da autobiografia Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos.
1979
Surge o número único da revista Siriará, de um grupo homônimo do qual participou e que teve a singularidade de reunir escritores de várias gerações e tendências na literatura cearense. Publica Nenhuma correnteza inaugura minha sede, com desenhos de Itamar do Mar (Edição da Universidade Federal de São Carlos, São Paulo).
1980
Trabalha como desenhista na Imprensa Oficial do Ceará, por um período de 10 meses.
1981
Morte de seu pai, aos 51 anos de idade. Poucos dias depois nasce sua filha, Flora. Publica Di versos em versos, com ilustrações de Caú (Edições Lauro Maciel Jr., Fortaleza). Ingressa, através de concurso público, no BNH – Banco Nacional da Habitação.
1982
Publica O amor pelas palavras, com xilogravura de Norberto Onofrio em sua capa (Editora Trote, Rio de Janeiro).
1983
Passa a residir em São Paulo. Traduz o livro Altazor, do chileno Vicente Huidobro, em parceria com o poeta Francisco Carvalho, como exercício de maior aproximação da língua espanhola.
1985
Agosto – Nasce seu filho, André.
1986
Retorna a Fortaleza. Com a extinção do BNH, é transferido para a CEF – Caixa Econômica Federal. Abril – Tem início sua participação no SLMG – Suplemento Literário Minas Gerais, sob a direção de Paschoal Mota, em Belo Horizonte. Ali publica traduções de ensaios, prosa e poesia de autores como Ernesto Sábado, Georges Bataille, William | 130
Blake, Pier Paolo Pasolini, Octavio Paz, Hans Arp, Vicente Huidobro, Álvaro Mutis, dentre muitos outros, assim como entrevistas a poetas hispano-americanos e brasileiros. 1987
Novembro – Publica As contradições terríveis, plaqueta mesclando poemas e colagens (Edições Lauro Maciel Jr., Fortaleza). Ao resenhá-la para o jornal Tribuna do Ceará, observa José Alcides Pinto que a poesia de FM “possui, sem dúvida, esse ritmo mágico, que se adivinha através das linhas de composição, como a pauta musical, com tamanha leveza de forma e montagem dos poemas”, logo concluindo que “a poesia de Floriano Martins apresenta uma nova estética da arte, na forma e montagem do poema, com o aproveitamento das vanguardas, diga-se, em tempo, um acréscimo – contribuição valiosa, expressiva, do que existe de mais novo: sintaxe e sintagma, signo e símbolo se integram para a invenção maior de sua poemática.” (suplemento Literarte, Fortaleza, 20/02/1988). Dezembro – Tem início sua participação como tradutor no suplemento Prosa*Verso, sob a coordenação de José Emílio-Nelson, do jornal Comércio do Porto, em Portugal. Ali publica traduções de importantes poetas hispano-americanos (Roberto Juarroz, Vicente Huidobro, César Vallejo, Rosamel del Valle, Alfredo Silva Estrada, Severo Sarduy, Enrique Molina, José Emílio Pacheco, Pablo Antonio Cuadra, Oliverio Girondo, Octavio Paz, Eugenio Montejo, dentre muitos outros).
1988
Agosto – Cria o jornal Resto do mundo, dedicado à tradução de ensaio e poesia de vários outros idiomas. Até março de 1990 saem 4 números, incluindo textos de autores como Carlos Germán Belli, Antonin Artaud, René Char, José Lezama Lima, Javier Sologuren, Gottfried Benn, Gonzalo Rojas, Xrístos Láskaris, dentre muitos outros. Em depoimento a Alfonso Peña, Martins esclarece: “No início dos 80, começo a descobrir a América Hispânica, um mundo inteiramente novo para mim”, relatando que “O jornal Resto do mundo surge da necessidade de fundar um espaço especificamente dedicado à difusão de literaturas desconhecidas no Brasil. O dilema foi o mesmo de sempre, pelo qual já passamos todos nós, editores em qualquer lugar do mundo. Não havia suporte financeiro para dar continuidade à aventura editorial. Meus primeiros contatos com o Surrealismo na América Latina coincidem com este período. Claro que antes conhecia as residências nerudianas, porém falo aqui de uma outra dimensão do Surrealismo, mais profunda (do ponto de vista da linguagem e também do caráter da escrita e de seu autor) e que possui um tônus distinto do Surrealismo europeu. Na época eu me correspondia com estudiosos como os espanhóis Jorge Rodríguez Padrón e Ángel Pariente, e também com o romeno Stefan Baciu. Foram anos de uma correspondência muito intensa, sobretudo com Rodríguez Padrón. Registrei tudo isto na forma de entrevistas.” (Entrevista constante do livro La efigie sospechosa, San José, Costa Rica, 2011).
1990
22/05 – Nota de imprensa, não assinada, a respeito do jornal Resto do mundo, observa ser surpreendente “a novidade de suas páginas e, sobretudo, a enorme capacidade de recepção das produções atuais que, desse modo, mantêm o leitor perfeitamente informado e, por isto, totalmente partícipe do que ocorre atualmente no mundo. Esse é o signo desta revista: a modernidade; embora tampouco abandone, e certamente por isso mesmo, aquilo que Octavio Paz, sempre tão lúcido, denominou a ‘tradição da vanguarda’, como, por exemplo, o melhor da herança surrealista.” (Página Libre, Lima, Peru, 22/05).
1991
Agosto – Publica Cinzas do sol, pelo selo Mundo Manual Edições (Nova Friburgo/RJ). Em entrevista realizada por Luiz Alberto Machado em 2010, FM assinala: “Cinzas do Sol está pautado por um acidente, ou pelo acaso objetivo. O personagem central do livro corresponde à minha avó materna. Encontrava-se prostrada à cama, muito doente, claramente à espera da morte. Diante dela, pensando na intensa vitalidade com que conduziu seus dias, por muito pouco resisti à vontade de matá-la. Saí dali e não voltei mais a vê-la. Ao chegar em casa, abri aleatoriamente as páginas de Le coupable, do Georges Bataille, e salta diante de mim a frase: ‘A vida é um efeito de instabilidade, de desequilíbrio’, logo seguida de um | 131
não menos revelador ‘Mas é a fixidez das formas o que a torna possível’. A partir de então, eu deixo de ser apenas um observador e passo a descobrir-me também como personagem de minha escrita.” (O guia de poesia, 02.07.2010). Dezembro – Publica Sábias areias, pelo selo Mundo Manual Edições (Nova Friburgo/RJ). Ao resenhá-lo para o jornal O Escritor, observa José Alcides Pinto que este livro é um escândalo, “no sentido de experiência-limite, em sua vazante de verticalidades e suntuosos extremos no tratamento com a linguagem. Recorre a uma forma clássica e às imagens mais subterrâneas (íntimas tão somente dos verdadeiros iniciados) de uma mística já perdida no tempo, para ‘narrar’ – há um sutil elemento narrativo que percorre todo o livro, que o torna por inteiro um único poema, em seus 33 sonetos brancos, ‘sonetos de areia’, como bem salienta o autor – um mágico cenário de circunstâncias e tensas vozes em que se dá um diálogo entre o homem e sua mãe perdida (‘mãe infundada’, ‘mãe perdendo seus filhos’, ‘mãe de todas as noites’, ‘mãe serena dos relâmpagos’), imagens se desdobrando vorazmente” (São Paulo, abril de 1992). 1992
Integra um grupo surrealista sediado em São Paulo. Julho – Colagens suas integram a mostra “Surrealismo”, realizada no NAC – Núcleo de Arte Contemporânea, em São Paulo. Setembro – Assina o prólogo de Aluvião rei, de Sérgio Lima (& etc Edições, Lisboa, Portugal). Neste mesmo mês aparece a edição de El corazón del infinito (Tres poetas brasileños) (Cuadernos de Calandrajas, Toledo). O libreto reúne entrevistas a Sérgio Lima, José Santiago Naud e Sérgio Campos. A tradução espanhola esteve a cargo do diretor da revista Calandrajas, Jesús Cobo. Logo na apresentação, observa Martins: “à Margem de um fluxo experimental (concretismo, processos, práxis) que, em torno dos anos 60, tomaria de assalto as veias pouco abertas (no que pese os esforços de certa linha modernista) da poesia brasileira, tomava corpo, como é comum a todos os tempos e lugares, a obra de autores aos quais importava menos a rigidez acadêmica das escolas literárias do que o movimento em si da poesia, sua dinâmica incessante. Não duvido em afirmar que em tais atitudes isoladas (…) radica a expressão maior de nossa poesia, desde os inícios do modernismo em 1922.” (“Diálogos incessantes da poesia”).
1993
08/05 a 18/07 – Colagens suas integram a mostra “América Latina e o Surrealismo”, sob a curadoria geral de Heribert Becker, realizada no Museu Bochum, Colonia, Alemanha.
1994
Publica Tumultúmulos pelo selo Mundo Manual Edições (Nova Friburgo/RJ). A Dedalus Book publica The myth of the world – Surrealism 2, antologia reunindo nomes como André Breton, Robert Desnos, Antonin Artaud, Jacques Prévert, Magloire Saint-Aude, Eugenio Granell, Ghérasim Luca, em um total de 47 poetas em todo mundo. A edição inclui a íntegra de Cinzas do sol, em tradução de Margaret Jull Costa (Londres, Inglaterra, com distribuição na Austrália, Canadá e Nova Zelândia).
1995
18/03 – O suplemento Sábado, jornal O Povo, em Fortaleza, sob a direção de Lira Neto, publica a edição especial “Mundo mágico” (inteiramente dedicada à poesia na América Hispânica, com ensaios, traduções e entrevistas de Floriano Martins). 17/06 – O suplemento Sábado, jornal O Povo, em Fortaleza, sob a direção de Lira Neto, publica a edição especial “Barrados no baile” (inteiramente dedicada à poesia brasileira, com ensaios e entrevistas de Floriano Martins).
1996
Decide demitir-se do emprego público, passando a dedicar-se a atividades culturais (produção, tradução, curadoria etc.). 09/05 a 02/06 – Colagens suas integram a mostra “A imagem da revelação”, sob a curadoria geral de Sérgio Lima, realizada no Espaço Expositivo Maria Antonia, em São Paulo, como parte da programação da “Homenagem ao centenário de André Breton”. 13/05 – participa da mesa-redonda “A linguagem plástica do surrealismo”, realizada no Espaço Expositivo Maria Antonia, em São Paulo, como parte da programa| 132
ção da “Homenagem ao centenário de André Breton”. 1997
Afasta-se do grupo surrealista. Sobre o tema, comenta em entrevista a Consuelo Tomás: “Como havia nitidamente uma distorção em relação à leitura do Surrealismo no Brasil, me vinculei a um grupo surrealista, a partir daí chamando a atenção para os laços de nossa cultura com o Surrealismo. Sigo firme nisto, mas lembro que minha poesia não corresponde unicamente àquele universo estético geralmente associado ao Surrealismo.” (Suplemento Talingo, La Prensa, Panamá, maio de 2000). Setembro – Leitura de poemas no Centro Cultural São Paulo, ocasião em que distribui o libreto Alma em chamas (36 páginas, em formato CD) gratuitamente no local (Edições Resto do Mundo).
1998
20/05 – Lançamento de Escritura conquistada (Diálogos com poetas latinoamericanos), na livraria Livros & Letras, em Fortaleza. Em nota de redação do jornal O Estado de S. Paulo, destaca-se que o volume “reúne entrevistas do autor com os principais expoentes da poesia da América Latina contemporânea e propõe, por meio do diálogo, a aproximação entre esses dois territórios que, absurdamente, não se reconhecem. O livro encoraja o intercâmbio de culturas e é fruto do trabalho de mais de uma década do poeta, tradutor e crítico literário Floriano Martins” (suplemento Especial Livros Domingo, São Paulo, 05/07). Em nota de redação da revista Común Presencia, destaca-se que “as lúcidas perguntas que o autor formula nos conduzem pelas mais diligentes preocupações referentes à criação e alcançam um intercâmbio eficaz entre os autores e as línguas, assim encontrando uma eficaz irradiação do poético” (Bogotá, Colômbia, outubro de 1998). Ao resenhá-lo para o jornal O Povo, Claudio Willer observa que FM é “um entrevistador com estilo próprio” e que “sua intenção é, sempre, mostrar a singularidade de cada autor através de sua própria voz”, concluindo que “desse procedimento resultam textos que são quase ensaios em parceria, a quatro mãos, densos e instigantes, além de informativos; e que apresentam uma perfeita continuidade com os poemas publicados na sequência de cada uma das entrevistas” (suplemente Vida & Arte, Fortaleza, 13/08). Ao resenhá-lo para a revista Paréntesis, Miguel Gomes observa: “A aparente heterogeneidade deste livro, mais do que lhe ser contrária, constitui uma de suas qualidades. Graças a ela, a produção lírica do continente adquire a consistência de um múltiplo rumor, um encontro animado de vozes cuja energia surge da dissensão e dos inesgotáveis caminhos que esta abre. ‘Livro de todos nós’, ‘palco crepitante onde a América Latina pratica o fervor de sua palavra poética’, ‘diálogo de poetas que tecem um encantamento de fios soltos’: curiosamente, frases como essas, que Martins emprega na introdução do volume, podem ser retomadas para valorar com justiça o resultado de seus esforços.” (México, dezembro de 1999). 08/07 – Lançamento de Escritura conquistada (Diálogos com poetas latinoamericanos), no Campus Avançado de Pau dos Ferros, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Agosto – A Fundação Memorial da América Latina, através de sua coleção “Memo”, de ensaio e ficção, publica Escrituras surrealistas (São Paulo). 05/08 – Lançamento de Poemas de amor, de Federico García Lorca, tradução e prefácio de Floriano Martins, na livraria Livros & Letras, em Fortaleza. Pela mesma Ediouro (Rio de Janeiro), neste ano também é publicada a tradução de FM do livro Delito por dançar o chá-chá-chá, de Guillermo Cabrera Infante. Com a morte do escritor cubano, o jornal português Diário de Notícias inclui em seu obituário um depoimento de Martins que diz: “Trata-se de um volume de contos que também pode ser tido como uma trama romanesca, uma vez que os personagens saltam de um conto para outro, com suas obsessões e a mesma exuberância com que Cabrera sempre tratou a linguagem. E o ponto em questão, ambíguo sempre, mescla enigma e fracasso. São componentes estimulantes que requerem do tradutor uma identificação com esse mundo abissal que habita o romancista cubano. Neste sentido, Guillermo Cabrera Infante (1929-2005) possui um estilo desafiador, em que o próprio ambiente linguístico (Caribe) contribui para este mergulho em um mosaico fascinante e revelador, com sua variedade infinita de modu| 133
lações. Traduzi-lo, portanto, engrandece-nos inevitavelmente.” (DN, Lisboa, Portugal, 23/02/2005). 17/08 – Lançamento de Escritura conquistada (Diálogos com poetas latinoamericanos), no Parlamundi, em Brasília. 11/11 – Lançamento de Alma em chamas, na livraria Livros & Letras, em Fortaleza. Ao resenhá-lo para o jornal O Povo, Claudio Willer observa que “essa ‘mescla de devaneio e exatidão’, nas palavras do autor, é opaca pela espessura; sombria pela seriedade; enfática, reiterativa, pela gravidade do que diz; complexa por ser, entre outras coisas, poesia sobre poesia, espelhando a erudição do autor. O conjunto de dezenas de trechos, alternadamente versificados e em prosa, dividido em sete partes, é, na verdade, um só poema. A família literária à qual pertence é a dos autores, no século XX, de poemas extensos, que procuraram restaurar a épica e recuperar um cosmos, uma totalidade.” (suplemento Vida & Arte, Fortaleza, 11/11). A este respeito também escreve o chileno Rolando Toro, ao dizer que o livro “põe em relevo as dimensões caóticas e míticas da existência. Seus poemas são uma permanente ‘criação atual’ no sentido de Alfredo Auersperg; afundam no tumulto, na complexidade, no caos criador. Seu projeto poético é subversivo, alheio aos valores convencionais, ao formalismo e à ‘poesia concreta’. Floriano Martins entra com determinação nas trevas da alma, sem eludir o êxtase de viver ou a devoção pelo sagrado.” (Diario de Los Andes, Trujillo, Venezuela, 24/09/2000). 1999
23/03 – Profere palestra sobre revistas literárias na América Latina no seminário “Produção de Revistas”, na livraria Livros & Letras, em Fortaleza. Junho – A Fundação Memorial da América Latina, através de sua coleção “Memo”, de ensaio e ficção, publica Dois poetas cubanos, ensaios de Jorge Rodríguez Padrón traduzidos por FM (São Paulo). 11/08 – Leitura dinâmica de O livro invisível de William Burroughs, colagem de textos de Floriano Martins e William Burroughs, com a participação de Claudio Willer, Paschoal da Conceição e Graça Berman, como parte da programação do ciclo de palestras e leituras dramáticas “Os limites da literatura: autores rebeldes, excêntricos, marginais, malditos”, no auditório da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. 15/09 – Lançamento do número único de Xilo – Revista de Cultura e Mídia, dirigida por Floriano Martins e Adriano Espínola, na livraria Ao Livro Técnico, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, em Fortaleza. Outubro – Passa a assinar uma crônica mensal na série “Arte pela arte” do Jornal da Tarde (São Paulo, 1999-2001). Dezembro – Cria Agulha Revista de Cultura. Entrevista a Afonso Machado traz o seguinte depoimento de FM: “Agulha surge em dezembro de 1999. A partir de agosto do ano seguinte assume comigo a direção o Claudio Willer. Naquela ocasião publicamos uma edição especial, com a nova estrutura da revista, reunindo o que de melhor havíamos publicado até então. Este passa a ser o novo número inaugural da revista. Na ocasião, o editorial observava o seguinte: ‘Em um país onde cresce com profusão a navegação na Internet, sendo patente o desdobrado índice de investimento de capital estrangeiro em tal atividade, Agulha preocupase quando menos em conciliar meio e mensagem. É sua clara intenção veicular um tratamento de matérias que não incorra no desgaste abusivo, banal e recorrente que hoje define genericamente o que se convencionou chamar de jornalismo cultural.’”. (Rio de Janeiro, 07/2008).
2000
Março – A Fundação Memorial da América Latina, através de sua coleção “Memo”, de ensaio e ficção, publica Três entradas para Porto Rico, ensaios de José Luis Vega, com organização, tradução e prefácio de FM (São Paulo). 10/05 – Profere a conferência “Modernismo na literatura hispano-americana e o surrealismo na América Latina”, na Universidad de Panamá, Ciudad Panamá, Panamá. 18/05 – Lançamento de Alberto Nepomuceno – Em nome da ousadia, biografia do compositor, no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza. FM não está presente, em função de temporada que passa na América Central. Ao resenhá-lo | 134
para o jornal O Estado de S. Paulo, João Luiz Sampaio observa que “Martins ressalta ser necessária uma distinção entre o que era considerado nacionalismo para Nepomuceno e o significado adquirido pelo termo após a Semana de Arte Moderna. ‘O modernismo propõe um nacionalismo regionalizante, folclorizante, enquanto para Nepomuceno era importante somar as experiências internas e externas em prol de uma identidade cultural brasileira.’ Para que houvesse esse diálogo, no entanto, era preciso que o Brasil fundasse suas próprias vozes poéticas, deixando de ser eco daquilo que se passava na Europa, busca que marcou o trabalho de Alberto Nepomuceno.” (Caderno 2/Cultura, São Paulo, 26/11). 20/05 – Lançamento de A nona geração, de Alfonso Peña (traduzido, prefaciado e editado no Brasil por Floriano Martins), na Galeria Andrómeda, em San José, Costa Rica. Nota de imprensa, assinada por Fabio Agrana, destaca que “o poeta brasileiro Floriano Martins se queixou do excesso de formalismo na poesia de seu país e afirmou que se sente como um ‘bicho estranho’ por ser um dos poucos no Brasil que combinam teatro, barroco e surrealismo em seus poemas. Ensaísta e tradutor, Martins, de 44 anos, aproveitou o encontro que manteve com poetas panamenhos no final de semana passado para falar de sua poesia, seus projetos e as correntes literárias que predominam em seu país. FM se encontra no Panamá realizando um giro de um mês e esta semana se muda por alguns dias para Costa Rica, onde deve apresentar um livro de contos do autor costarriquense Alfonso Peña.” (Tragaluz, Panamá, 21/05). 23/05 – Lançamento de Alma em chamas, incluindo leitura de poemas, realizado no Instituto Tecnológico de Costa Rica, em Florencia de San Carlos, Costa Rica. 25/05 – Profere a conferência “A modernidade da poesia hispano-americana”, no Centro de Estudos Brasileiros da Embaixada do Brasil, em San José, Costa Rica. 27/05 – Apresentação do espetáculo “Altares do caos” (poesia, música e dança), realizado no Museu de Arte Contemporânea, em Ciudad Panamá, Panamá. Concepção, textos e direção de Floriano Martins. Direção musical de Domingo Muñóz. Participação do grupo de dança moderna dirigido por Vielka Chú. 25/07 – Lançamento de A nona geração, de Alfonso Peña (incluindo uma exposição do artista Eduardo Eloy, que assina capa e ilustrações internas da edição), na Galeria Ignez Fiúza, em Fortaleza. Integra o grupo de artistas que cria o INGRAV – Instituto da Gravura do Ceará. 2001
A revista Caras encarta em uma de suas edições um libreto intitulado A melhor poesia do mundo (poetas estrangeiros), incluindo poemas de García Lorca, Shakespeare, Baudelaire, Petrarca e Fernando Pessoa. FM assina a tradução dos poemas de Lorca. A coleção “Poetas de Orpheu”, da Maneco Livraria & Editora, publica Extravio de noites (Caxias do Sul/RS). Janeiro – Cria a Banda Hispânica, primeiro banco de dados na Internet dedicado exclusivamente à poesia de língua espanhola. 28/07 – Convidado do Fórum Internacional 2001, da Academia Guanajuatense de Arte y Cultura, realizado em Guanajuato, México. 17 a 19/08 – Convidado do Colóquio Internacional “O surrealismo: atualidade e subversão”, realizado na Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, em Araraquara, São Paulo. Setembro – Ediciones Andrómeda publicam Cenizas del sol – poemas y esculturas, de Floriano Martins e Edgar Zúñiga, em tradução de Benjamin Valdivia e Saul Ibargoyen (espanhol) e Margaret Jull Costa (inglês) (edição trilíngue, San José, Costa Lima). Dezembro – A Escrituras Editora publica O começo da busca. O surrealismo na poesia da América Latina, em sua coleção Ensaios Transversais. O livro mescla estudo sobre o surrealismo e antologia poética, reunindo autores de vários países do continente. Ao resenhá-lo para o Estado de Minas, observa Maria Esther Maciel que o livro “não vem apenas mapear vozes importantes do surrealismo latinoamericano ou reconstituir, por uma via alternativa, parte da história da poesia moderna brasileira que a historiografia literária oficial esqueceu, desprezou ou rasurou, mas também convidar o leitor a exercitar, em meio ao ‘horizonte dos utensílios’, que define o nosso tempo, os poderes revitalizantes da imaginação” (Belo Horizonte, 13/04/2002). Coincide com a poeta brasileira o espanhol J. M. | 135
Pérez Corrales, ao resenhar este livro no jornal El Día, ao dizer que se trata de “uma antologia fundamental, que afronta com seriedade o controvertido tema da atividade surrealista sul-americana e que será a partir de agora um ponto de referência inevitável (embora não nos reste dúvida de que o academicismo universitário o ignorará por todo o tempo que possa)” (suplemento Archipiélago Literario, Tenerife, Canarias, 09/07/2002). 2002
Juntamente com Maria Estela Guedes, organiza um número especial da revista Atalaia Intermundos, dedicado ao surrealismo. Universidade de Lisboa, Portugal. 03/05 – Lançamento de Alforja – Revista de Poesía # 19, edição especial dedicada à poesia brasileira organizada por Floriano Martins, na Casa del Risco, San Ángel, Ciudad de México. Ao comentar a edição para o jornal El Universal, Rodrigo Flores observa: “O editor, ensaísta e poeta Floriano Martins, que reuniu este material abundante, tanto em extensão como em riqueza artística, apontou que a revista mostra um ‘exercício de honestidade intelectual’ e que a soma de vozes que oferece não representa os gostos do antologista. Em entrevista para o jornal El Universal, Martins, que dirige duas revistas de literatura no Brasil, disse que o que mais levou em conta ao reunir as vozes que aparecem neste número de Alforja é que a antologia não fosse apenas uma mostra de versos, ‘mas sim que tivesse também a visão crítica desses poetas que são também ensaístas ou editores’. Para a elaboração da antologia, foram consideradas tanto a poesia ‘permitida’, aquela que se divulga nos meios de comunicação, quanto a que pertence ao ‘rio subterrâneo’, ao qual são afins muitos poetas marginais: ‘Abrir espaços é o que faço com as duas revistas que dirijo. Não para buscar concordância. Abrir espaços para sua discussão.’ Martins disse que desta maneira se configurou uma ‘visão aberta e ampla’ da produção poética do Brasil atual.” (suplemento Cultura, México, 04/05).
2003
Aventura-se por quase dois anos em viagens contínuas a Portugal, percorrendo várias regiões do país. 11/11 – Profere conferência na Academia Brasileira de Letras sob o tema “O Surrealismo no Brasil”, como parte do ciclo Vanguardas e Pós-Modernismo. No ano seguinte a ABL reúne todas as conferências em um volume duplo intitulado Escolas literárias no Brasil (Coleção Austregésilo de Athayde, Rio de Janeiro, 2004).
2004
Ediciones B (Santiago, Chile) publicam El bacalao – Diatribas antinerudianas y otros textos, em compilação de Leonardo Sanhueza, volume crítico sobre Pablo Neruda reunindo textos de vários autores, dentre eles Vicente Huidobro, Juan Ramón Jiménez, Octavio Paz, Guillermo Cabrera Infante e Enrique Lihn. A edição inclui um ensaio de FM. Março – A Editora Gótica (Lisboa, Portugal) publica Nós/Nudos – 25 poemas sobre 25 obras de Paula Rego, de Ana Marques Gastão, em tradução para o espanhol de FM. 11 a 28/03 – Convidado do 1º Festival Mundial de Poesia, organizado pelo Conselho Nacional da Cultura, em Caracas, Venezuela. Outubro – Convidado da 4ª Feira do Livro no Zócalo, sob o tema “A cidade um livro aberto”, realizada na Cidade do México, México.
2005
Março – Com a publicação dos livros Homenagem à realidade, de Cruzeiro Seixas e A idade da escrita e outros poemas, de Ana Hatherly – ambos organizados e prefaciados por FM –, passa a assinar a coordenação editorial da coleção “Ponte Velha”, da Escrituras Editora, exclusivamente dedicada à publicação no Brasil de autores de língua portuguesa dos demais países dessa comunidade linguística. Em entrevista a Edson Cruz: “A Ponte Velha surge em 2003, com a publicação de livros da Ana Marques Gastão e do António Osório. Nestes dois primeiros títulos ainda nem aparece o nome da coleção. No ano seguinte eu viajo para Portugal, ali conheço a Ana Marques Gastão e também a Rosa Alice Branco. É a Rosa Alice quem facilita os contatos com Nuno Júdice e Pedro Tamem, que são os dois autores seguintes da coleção, ao lado dela própria (livro este que traz prefácio meu), quando então já aparece pela primeira vez o nome Ponte Velha. Já neste mesmo | 136
ano eu assumo, na prática, a coordenação da coleção, embora ainda apareçam os nomes de António Osório e Carlos Nejar como coordenadores (somente em 2007 é que ambos são devidamente situados pela editora como criadores da coleção e não coordenadores).” (Blog da Escrituras Editora, 06/08/2009). 09/03 a 09/04 – Assina a curadoria da exposição “Cidades”, retrospectiva da obra plástica de Hélio Rôla, realizada no Memorial da Cultura Cearense, no Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza. 10/03 – A Embaixada da Venezuela no Brasil rende homenagem ao livro Escritura Conquistada (1998) em noite intitulada “Tributo a Poesía Iberoamerica”, incluindo leitura de poemas e coquetel (Brasília). Outubro – Convidado da XII Semana Internacional da Poesia, em Caracas, Venezuela. 18 a 24/10 – Convidado do ChilePoesía – Festival Mundial de Poesia, em Santiago, Chile. Novembro – A editora Letras Contemporâneas (Florianópolis/SC) publica A condição urbana, antologia bilingue da poesia do venezuelano Juan Calzadilla organizada e traduzida por Floriano Martins. 2006
Julho – Alforja Arte y Literatura (México) publica Tres estúdios para un amor loco, em tradução de Marta Spagnuolo. No prefácio, José Ángel Leyva observa que “o jogo fosforescente, luminoso de seus versos provoca efeitos múltiplos no espectador-leitor. Com habilidade de saltimbanco ou domador obriga as imagens a realizar acrobacias conceituais e emotivas. Dota-as de sensualidade, sujeita-as à gravidade dos corpos para evitar que se desvaneçam no ar, na incontinência ou no automatismo verbal. O autor faz jogos, malabarismos em espelhos simbólicos onde se adverte a tradição – da vanguarda –, seus significados.” Huerga & Hierro Editores (Madri, Espanha) publicam Antología de poesía brasileña, organizada por Floriano Martins e José Geraldo Neres, com capa e mostra gráfica de Hélio Rola. 11/07 – Apresentação de “Teatro impossível” (mostra múltipla de poemas, canções, fotografias, colagens e vídeos), no Centro Cultural Banco de Nordeste, em Fortaleza. Matéria do jornal O povo do mesmo dia traz o seguinte comentário de Floriano Martins: “A mostra reflete uma condição mestiça, de vivência e defesa estética. É esta minha inquietude por abraçar muitas linguagens, e provocar o limite máximo de suas impossibilidades”. (Caderno Vida & Arte, Fortaleza/CE). Setembro – O Taller Editorial El Pez Soluble (Caracas, Venezuela) publica, em edição bilíngüe, La noche impresa en tu piel, em tradução de Marta Spagnuolo. 16 a 24/09 – Coordena os painéis do Fórum de Integração Sul-Americana da LiterAmérica – Feira Sul-Americana do Livro, Governo do Mato Grosso, em Cuiabá. Em entrevista concedida a Lorenzo Falcão, observa: “Insisto em preferir falar em diálogo e não em integração. Os ganhos em tal relação se verificam dos dois lados e é importante ter sensibilidade para livrar-se do sentimento danoso de arrogância que sempre adotamos em relação aos vizinhos. A contribuição maior que se pode dar reside justamente na escolha dos convidados, buscando nomes que não se sustentem apenas no prestígio – cujo prestígio seja uma decorrência do trabalho – e que disponham de condições de articular desdobramentos, porque nada se resolverá através unicamente do Fórum ou de qualquer outra ação isolada. Não há uma mágica possível para fomentar esse diálogo de maneira substanciosa e duradoura. Ter na LiterAmérica poetas e narradores que desempenham alguma função crítica, jornalística e editorial, por exemplo, é já um parâmetro inicial para se propor uma consequência do diálogo, inventariando planos de produção e difusão da produção cultural em toda a América do Sul. Evidente que todo evento requer as suas figuras circenses, as vedetes com seu ego cintilante, porém me parece que se deva apostar a menor quantidade possível de fichas em tal artifício. Convidar editores e adidos culturais, por exemplo, para verificar perspectivas de convênios editoriais, é outro aspecto a requerer definição.” (Overmundo, Cuiabá, Mato Grosso, 19/03). 27 a 29/09 – Convidado do I Colóquio de Estudos Literários Contemporâneos, do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife. | 137
02 a 06/10 – Convidado do V Festival Internacional de Poesia de El Salvador, realizado pela Fundação de Poetas de El Salvador, em San Salvador. 02 a 11/11 – Convidado do III Congresso de Poesia Canária “La Laguna en Poesía”, em Tenerife, Ilhas Canárias, Espanha. 2007
Ediciones Andrómeda (San José, Costa Rica) publicam Poemas para leer en voz alta, antologia de Claudio Willer organizada e prefaciada por Florino Martins, em tradução de Eva Schnell. O Projeto Dulcineia Catadora (São Paulo) publica Duas mentiras. No prefácio, Claudio Willer observa que este livro “transmite a impressão de que seu autor se esconde, ao adotar uma persona feminina. E mais, de que resolveu promover uma inflexão, mudança radical, se compararmos este livro com sua produção anterior – por exemplo, Alma em Chamas, seu livro de 1998 – que poderia ser perfilada ao barroco, ou, antes, a um surrealismo metafísico, além de ser associada a algumas das grandes construções de fragmentos que, na modernidade, ocuparam o lugar da epopeia. Aqui, não: o que temos é linguagem quase sempre direta, fluente, de poucas imagens. No lugar da sugestão promovida pela imagética de origem simbolista, há descrições, um percurso minucioso pelas regiões, desvãos e reentrâncias do corpo, por gradações e nuances do erótico. Tudo muito real, nada mentiroso. Poderia ser um depoimento, se o autor fosse aquele – aquela, no caso – que fala. Mas não é. Resta saber se esta é a voz de outro (de outra) ou se sua própria voz é a voz do outro.” Convidado do 1º Festival Internacional de Poesia e da X Feira Internacional do Livro da República Dominicana, em Santo Domingo. Uma nota de imprensa, assinada por Alfonso Quiñones, informa que “Floriano Martins presenteou a todos com três poemas interessantes que conseguiram empatia com o público graças à leitura em espanhol realizada por uma poeta mexicana. Eram poemas bem brasileiros, que falavam de orgasmos e outras belezas.” (DiarioLibre, 01/05). A poeta mexicana a que o jornalista se refere é María Baranda, que acompanharia Martins em outras leituras neste mesmo evento. Nesta mesma época, o poeta organizou, a pedido da Fundação Biblioteca Ayacucho, da Venezuela, um volume dedicado à poesia de Carlos Drummond de Andrade, primeiro título da importante coleção projetado como edição bilíngue, e que jamais foi publicado por divergências entre a editora venezuelana e os herdeiros do poeta brasileiro. O extenso estudo introdutório deste volume foi inserido no livro A inocência de pensar, que Martins publicaria em 2009. A Fundación Editorial el Perro y la Rana (Caracas, Venezuela) publica Teatro imposible, com tradução de Marta Spagnuolo. Em entrevista a Álvaro Alves de Faria, Martins afirma haver optado por “recuperar poemas de alguns de meus livros, ao lado daqueles publicados apenas em periódicos e a eles acrescentar novos escritos, dando ao conjunto identidade e estrutura próprias. Teatro Imposible é o resultado de uma leitura da minha poética situada em um ambiente mais dramático, dentro de uma vertente teatral que busco cada vez mais intensamente.” (Jornal Rascunho, Curitiba, 03/2007). 04/09 – Profere a conferência “Surrealismo no Brasil” no Centro Universitário Fundação Santo André (São Paulo), da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. 27 a 30/09 – Convidado da FLIPORTO, Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas, em Pernambuco. Para esta ocasião prepara (organização, tradução e apresentação), com Lucila Nogueira, o livro Mundo mágico: Colômbia – Poesia colombiana no século XX, antologia que reúne as 40 vozes mais expressivas da lírica colombiana (Edições Bagaço, Recife/PE). 27 a 29/11 – Assina a curadoria do “I Encontro de Agentes Culturais Latinoamericanos” (reunião de trabalho com agentes do Brasil, Colômbia, Chile, Cuba, México, Peru, República Dominicana e Venezuela), no Teatro José de Alencar, em Fortaleza. Nota de imprensa assinada pela redação do Diário do Nordeste, resume que: “segundo Floriano Martins, o objetivo do encontro é trocar experiências que possam servir de base para uma política do livro e da leitura que não esteja voltada apenas para o lado comercial. ‘Com isto, não estamos deixando o mercado de lado. Mas a ideia é que deixemos de ser comandados pelo mercado editorial e sejamos guiados pela cultura’, explicou.” (Caderno 3, Fortaleza, 27/11). | 138
2008
O projeto Baluerna/Cuadernos del viajero (Cáceres, Espanha) publica Los párpados ardientes del último relámpago, em tradução de Antonio Sáez Delgado. 08/04 – Profere a conferência “Poemas digitais”, acompanhada de projeção de imagens de sua obra plástica, no MuBE – Museu Brasileiro da Escultura (São Paulo). 10/04 – Recebe o Prêmio Antonio Bento 2007, da ABCA – Associação Brasileira de Críticos de Arte, pela direção da Agulha Revista de Cultura, solenidade realizada em São Paulo. 11/04 – Show musical de lançamento do disco Brincos do mar e o infinito (em parceria com Mário Montaut) e do livro Duas mentiras (2007), no espaço Vila Teodoro, em São Paulo. Sobre o disco, nota não-assinada no Diário do Nordeste observa: “A poesia de Floriano está embebida pela musicalidade de Montaut. Uma convivência que permite alguns parceiros extras entre referências universais, judaicas, flamencas e pops mesclando-se em um itinerário rumo a um infinito lírico nãopiegas e surrealista, que não abre mão do erotismo e de referências iconoclastas.” (Caderno 3, 25/03/2008). Maio – Convidado do 5º Festival Mundial de Poesia – Casa Nacional de las Letras Andrés Bello (Caracas, Venezuela). As Edições Nephelibata (Desterro/SC) publicam a novela Sobras de Deus. Em texto que se manteve inédito, Iosito Aguiar observa que “apesar de lidar com loucura, poetas e impossibilidades vitais, o estilo rico, mas seco e objetivo do autor, evidencia uma ausência, a ausência da música que, ressaltamos, parece-nos intencional. A maestria na manipulação imagética, leva-o a prescindir da intenção melopaica. Sua dicção nos conduz a uma “prosa de câmara”, acentuando com sua linguagem certo mal-estar linguístico, presente em Kafka, Artaud e Beckett, como expressão de um mundo em ruínas onde todos os valores humanos foram ou estão sendo aniquilados, pois: ‘Dar pela falta dos tecidos imutáveis de que é feito cada vida, leva o mesmo e imprevisível tempo que fiá-la’”. Lançamento de Un nuevo continente – Antología del surrealismo en la poesía de nuestra América (Monte Ávila, 2007), em Caracas, Venezuela. Setembro – Convidado do II Festival Internacional de Escritores “Literatura en el Bravo” (Ciudad Juarez, México). 12 a 21/11 – Assina a curadoria geral da 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, sob o tema “A aventura cultural da mestiçagem”, evento realizado no Centro de Convenções, em Fortaleza. Em nota de imprensa assinada pela redação, o escritor Gary Daher destaca que o curador “é o primeiro nome que nos chega ao pensar nas atividades literárias de todo o Brasil. Sua atuação o há transformado no procurador cultural por excelência, colocando-se seu nome entre os principais gestores culturais do mundo latino-americano.” (El Día, Bolívia, 30/11).
2009
A Global Editora inclui FM no volume dedicado aos anos 70 em sua coleção de antologias geracionais intitulada Roteiro da poesia brasileira (15 volumes). Este volume vem organizado por Afonso Henriques Neto que, acerca da poesia de Martins, observa que o poeta “retoma o contato com a tradição surrealista, operando uma total abertura da imaginação poética com extrema vitalidade”. Fevereiro – Convidado do V Festival Internacional de Poesia de Granada (Nicarágua). O projeto jornalístico virtual Via Política (www.viapolitica.com.br/principal.php), dá início à seção “Sala de retratos”, série de artigos e ensaios que funcionam como perfis de figuras fundamentais às artes e à cultura em vários países. 02 a 11/02 – Integra o quadro de jurados do Prêmio Casa das Américas, realizado em Cienfuegos e Havana (Cuba). Março – A Secretaria de Estado da Cultura da República Dominicana publica a antologia Máscaras de Orfeo – Poesía brasileña y dominicana, organizada e prefaciada por Floriano Martins e Basílio Belliard (Santo Domingo). 20/04 a 03/05 – Convidado da XII Feira Internacional do Livro da República Dominicana, que teve o Brasil como país convidado de honra (Santo Domingo). Maio – A Escrituras Editora publica A inocência de pensar. Ao resenhar o livro para o jornal Folha de S. Paulo, Reynaldo Damazio observa que neste livro “o poeta Floriano Martins reúne ensaios, resenhas e entrevistas que marcam seu esforço militante em defesa de uma arte encantatória, inspirada, oriunda da experiência | 139
surrealista. Literatura, cultura e artes plásticas são discutidas com a preocupação de revelar um viés diverso do acadêmico, como na abordagem do poeta José Santiago Naud, na entrevista com o historiador Sânzio de Azevedo, ou na lembrança do cronista Milton Dias. Mesmo nos artigos dedicados a poetas consagrados, como Manuel Bandeira, Carlos Drummond e João Cabral – ainda que apoiados em bibliografia igualmente consagrada –, o autor tenta revelar um aspecto menos destacado. A defesa do surrealismo, ainda que às vezes menos explícita, percorre os textos sobre a arte de Max Ernst, Amadeo Modigliani e Hans Arp, ou sobre a literatura de Ghérasim Luca, Michel Roure e Robert Graves. Num trecho de Graves reproduzido no livro talvez esteja a chave para entender a visão poética de Martins: ‘a função da poesia é a invocação religiosa da musa; sua utilidade é a mescla de exaltação e de horror que a sua presença suscita’. Difícil, no entanto, é crer na inocência do pensamento, ainda que ironicamente.” (São Paulo, novembro). Em entrevista a Edson Cruz, o próprio Martins fala sobre o livro: “O título é uma bela luz que me foi dada pela leitura da correspondência entre Guimarães Rosa e Curt Meyer-Clason. A inocência referida relaciona-se com a alma limpa de vícios e lugares-comuns. Os temas abordados no livro o são sem conflito canônico, sem interferência dogmática. Uma leitura despojada de artifícios acadêmicos e que naturalmente se relaciona com essa condição renascentista tão bem lembrada por Jacob Klintowitz no prefácio. Os ensaios surgiram em momentos distintos, como componentes de uma visão de mundo que segue se renovando”. (Blog da Escrituras Editora, 06/08/2009). A Apenas Livros (Lisboa, Portugal) publica A alma desfeita em corpo, em sua coleção “Naturarte”. 02 a 23/07 – Fotografias suas integram a I Mostra Internacional de Poesia Visual e Experimental (Caracas, Venezuela), realizada na Escola de Artes Plásticas Armando Reverón. 16/07 – Poemas seus são lidos por Joana Ruas no evento “Noites com poemas”, realizado na Biblioteca Municipal de Cascais (Portugal). 28/08 a 05/09 – Convidado do Festival Internacional da Cultura (Tunja, Colômbia), onde apresenta o espetáculo “Poemas digitais”, que mescla poesia, fotografia, vídeo e música, com a participação especial de Carolina Calvo-Pérez. 09 a 17/10 – Convidado do Foro Ibero-americano sobre Bibliodiversidade e do III Salão do Livro Ibero-americano de Huelva (Espanha). Nesta ocasião é feito o lançamento do livro Fuego en las cartas, edição bilíngue em tradução da mexicana Blanca Luz Pulido (Colección Palabra Ibérica, Punta Úmbria), em que Martins lê poemas do livro ao lado da poeta mexicana Marianne Toussaint Ochoa. O livro, contudo, não havia ficado pronto, sendo reapresentado na edição do ano seguinte do mesmo evento. 01 a 04/12 – Assina, juntamente com Norberto Codina, a curadoria do evento “Fundação Casa das Américas – 50 anos de cultura e revolução”, realizado em Fortaleza, na Casa José de Alencar. 09/12 – O jornal O Povo informa seu afastamento da curadoria da Bienal Internacional do Livro do Ceará, cuja segunda edição sob seus cuidados estava prevista para 2010, reproduzindo parcialmente e-mail recebido pela redação, onde afirma: “Sempre foi meu entendimento o de que um evento como este, não apenas, mas, sobretudo, considerando o fato de que é possível graças à utilização de recursos públicos, deva ampliar as fontes de conhecimento da população e não restringir-se a um universo viciado de ofertas culturais”. 2010
Janeiro – Cria o Projeto Editorial Banda Lusófona, banco de dados na Internet dedicado exclusivamente à poesia de língua portuguesa. Converte a Banda Hispânica (01/2001) em Projeto Editorial Banda Hispânica, criando ali uma nova revista, Agulha Hispânica, em substituição ao projeto anterior da Agulha Revista de Cultura. Entrevista feita por Wanderson Lima traz comentário de Martins sobre os projetos citados: “A rigor, a alteração se deu em função de uma necessidade de criar uma publicação essencialmente direcionada para a cultura de língua espanhola. Crescemos muito na Agulha Revista de Cultura. De repente, comecei a perceber que eu estava me afastando um pouco de meu projeto original de intercâmbio e difusão da cultura de língua espanhola em relação ao Brasil. Foi então | 140
uma decisão estratégica aguardar que a Agulha Revista de Cultura concluísse da forma mais perfeita possível um ciclo, com seus 70 números publicados ao longo de 10 anos. […]. Pude então organizar os dois projetos, hoje intitulados Projeto Editorial Banda Hispânica e Projeto Editorial Banda Lusófona, inserindo no primeiro deles a edição de uma nova revista, a Agulha Hispânica. Juntamente com ela, criamos a Coleção de Areia, projeto editorial de livros virtuais. Encerramos o primeiro ano de atividade dessa nova fase com a publicação de seis números da revista e dez títulos da coleção.” (dEsEnrEdoS # 8, Teresina/PI, janeiro de 2011). Retoma a edição da Agulha Revista de Cultura, desta vez tendo como editor assistente o poeta e tradutor Márcio Simões, veiculando matérias em vários idiomas. Cria o selo ARC Edições, concentrando nele todos os projetos virtuais. Janeiro a março – Professor convidado no seminário “Correntes de vanguarda na América Latina”, da Universidade de Cincinnati (Ohio, Estados Unidos). 02/03 – Apresentação do vídeo A efígie suspeita (poesia, fotografia, vídeo e música), no Taft Research Center, Universidade de Cincinnati (Ohio, Estados Unidos). Maio – Convidado do 7º Festival Mundial de Poesia – Casa Nacional de las Letras Andrés Bello, em Caracas, Venezuela. Lançamento de Escritura conquistada – Conversaciones con poetas de Latinoamérica, edição ampliada, 2 volumes, publicada pela Fundación Editorial El Perro y La Rana (Caracas, Venezuela). Ao comentar este livro, Manuel Iris observa que “não deixa de ser interessante que seja um poeta de língua portuguesa quem se lance a esta nada modesta empresa. Conhecedor profundo da poesia latino-americana, Floriano Martins transita de uma região a outra da língua espanhola na América, sendo sempre um convidado com o privilégio de quem vê as coisas de fora: a perspectiva. Em seu país, Brasil, também incluído no livro que agora trato – inclusão que é em si mesma uma chamada de atenção para aqueles que ao falar de literatura latino-americana se esquecem de nosso vizinho lusófono – sua posição histórica e pessoal é distinta, pois essa é a tradição em que nasceu e se desenvolve. Sua voz ali situada é uma voz que, embora afastada no exercício de interlocutor, fala desde dentro, dando ao diálogo igual interesse, porém de outro modo.” Setembro – A TV Ceará realiza com Floriano Martins uma das edições de seu programa Crônicas do Ceará. 09 a 17/10 – Convidado do 2º Foro Ibero-americano sobre Bibliodiversidade e do IV Salão do Livro Ibero-americano de Huelva (Espanha). Outubro – Organiza, juntamente com seu diretor, Eduardo Mosches, a edição comemorativa dos 25 anos de existência da revista Blanco Móvil, da qual sempre foi efetivo colaborador (“Perguntas sobre literatura e vida”. Blanco Móvil # 115-116, México). 21/10 – Lançamento da coleção “O começo da Busca”, que coordena para as Edições Nephelibata (Florianópolis/SC). Segundo a editora, a coleção “procura evidenciar autores e títulos de literatura de línguas espanhola e portuguesa, dos raros aos jovens autores, criando no Brasil uma não usual fissura de perspectiva editorial”. Os livros são em edição artesanal e com tiragem limitada. Os primeiros títulos publicados foram: O portão dourado (contos de Jacob Klintowitz), O caracol privado (prosa poética de Aldo Pellegrini) e Autobiografia de um truque (prosa poética de Floriano Martins). Novembro – Afasta-se da coordenação editorial da coleção “Ponte Velha”, da Escrituras Editora. O poeta, ensaísta e tradutor mexicano Benjamin Veldivia publica o volume Delante del fuego, em que reúne suas traduções de poemas de FM (Guanajuato, México) 2011
Durante o período em que esteve à frente da curadoria da Bienal Internacional do Livro do Ceará, Floriano Martins deixou preparada a edição de alguns livros que seriam posteriormente publicados pela Secretaria da Cultura do Ceará: a recuperação de textos sobre a formação do Ceará, do indigenista Thomaz Pompeu Sobrinho; a obra completa do brasileiro Américo Facó; a tradução de um volume crítico sobre a mestiçagem na América Hispânica, do nicaragüense Pablo Antonio Cuadra (tradução em parceria com Petra Ramos Guarinon); e a tradução de uma antologia de poesia mexicana organizada por Eduardo Langagne. Julho – Tem início em páginas duplas dominicais, no caderno “DC Ilustrado”, diri| 141
gido por Lorenzo Falcão, do Diário de Cuiabá, a série “Invenção do Brasil”, que totaliza 50 entrevistas a brasileiros de diversas áreas culturais. Novembro – viaja ao México e encontra-se com a editora Maria Luisa Passarge, de La Cabra Ediciones, com quem esboça alguns projetos editoriais, que incluem a preparação de antologias de poetas da Bolívia, dos Estados Unidos (parceria com Thomas Rain Crowe) e da Alemanha (parceria com Viviane de Santana Paulo). Da capital mexicana segue para Oaxaca, sendo hóspede do casal Ludwig Zeller e Susana Wald. Ali começa a preparação – através de entrevistas e fotografias de seu acervo – de um livro sobre a pintura de Susana Wald. 2012
Viaja à Austrália para acompanhar o nascimento de seu segundo neto, Levi. Dois anos antes havia ali nascido Maya, e entre eles Elise, esta última em Fortaleza. Em período de quase dois meses que passa em Sidney, escreve um livro a quatro mãos com o poeta Manuel Iris, mexicano residente nos Estados Unidos. Outra grande descoberta na criação compartilhada se dá com a brasileira Viviane de Santana Paulo. Com a criação do selo editorial Sol Negro Edições (Natal, RN) surgem três novos livros de FM, O livro invisível de William Burroughs (teatro), Abismanto (poesia, parceria com Viviane de Santana Paulo) e Vicente Huidobro & Hans Arp. III novelas exemplares & 20 poemas intransigentes (organização, prólogo, tradução). 25 de junho a 17 de agosto – “Na mão de Adão cabem todos os sonhos”, primeira exposição individual de fotografias de Martins, no Espaço Cultural Citibank (São Paulo), sob a curadoria do crítico Jacob Klintowitz. No catálogo da mostra, o próprio curador afirma: “Floriano Martins não é exatamente um fotógrafo, mas um inventor de imagens fotográficas. A máquina, o computador e o laboratório, são seus instrumentos, da mesma maneira que o pincel e o pigmento são instrumentos do pintor. Ele constrói minuciosos cenários, planeja todos os detalhes das cenas ao ar livre e, simultaneamente, se deixa conduzir pelo improviso, pelo que a paisagem, os modelos humanos e a sua imaginação, sugerem. É deste cadinho, que ferve substâncias variadas, que emergem estas encantadoras cenas. Ao mesmo tempo em que parecem infinitas em suas possibilidades de automodificação, estas fotografias têm uma inquietante estabilidade. Estas estranhas cenas e a sua inesperada beleza, vieram para ficar.” Em galeria virtual criada por Martins (http://agulhafloriano.wix.com/florianomartins#!), observa o crítico de arte Carlos M. Luis: “As fotos eróticas de Floriano Martins constituem, neste sentido, a expressão de uma arte que os alquimistas praticaram mediante suas permutações. Em seu caso a carnalidade das imagens nos brindam a chave de uma ars combinatória em vias de se transformar em ars amatoria, onde as zonas erógenas se mantêm em contato voluptuoso, ao mesmo tempo em que parecem sussurrar versos retirados da grande tradição da poesia amorosa de todos os tempos.” Maio a julho – três fotografias suas integram uma coletiva do Museu Itinerante Ultragaz, sob a curadoria de Jacob Klintowitz. Composta por 40 obras de 12 renomados artistas brasileiros e que percorreu várias cidades brasileiras. Setembro – Tem início em páginas duplas dominicais, no caderno “DC Ilustrado”, dirigido por Lorenzo Falcão, do Diário de Cuiabá, a série “Invenção da América”, com entrevistas escritores, músicos, pintores, ensaístas de todo o continente americano. No mesmo período começa a colaborar com textos mensais variados (entrevistas, ensaios, poemas) com a revista InComunidade (Portugal).
2013
Os dois últimos anos podem ser considerados como um período de recolhimento do poeta para reorganização de pulso da própria existência (sobretudo, vida em família). Mesmo considerando que tenha voltado ao conselho editorial da revista Poesia Sempre (Fundação Biblioteca Nacional); publicado com mais freqüência na Revista Brasileira (Academia Brasileira de Letras); reestruturado a pauta de edição da Agulha Revista de Cultura; seu ambiente mais apaixonado de trabalho permanece centrado na cultura hispano-americana e no Surrealismo, o que não lhe impede explorar afluentes valiosos e sob muitos aspectos inexplorados. Ter acesso à sua rotina de trabalho, ao giz com que anota e permanentemente atualiza seus esboços, inspira ou desafia a um estado perene de inquietude. | 142
Fevereiro – Convidado do IX Festival Internacional de Poesia de Granada (Nicarågua).
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Mar de mares |
Fragmentos roubados ao tempo
POESIA E POEMA GC Floriano, para você que realidade é a palavra? FM Antes de pensar nela como unidade isolada, me atrai a ideia de palavra dada e modo de ver. Portanto, ao invés de ficar a degustar-lhe como andorinha que solitária jamais fará verão algum, me ponho a propiciar um encontro gozoso, uma orgia de significância, de valores. Esta é a realidade que me interessa na palavra, a das inúmeras possibilidades de acasalamentos significantes que elas permitem entre si. GC Para a mística a palavra é dotada de poder mágico, para a filosofia a palavra é conceito, para a literatura, ela é metáfora, afinal, quantas são as faces da palavra? FM Não se pode contrapor a essencialidade mística a um plano conceitual ou metafórico. Situar essas unidades em isolado é não perceber que elas existem como Unidade, ou seja, que são o que são justamente por serem complementares, por haver entre elas uma ligação intrínseca, cuja dinâmica constitui a realidade como a entendemos. Importa descobrir quantas faces tenha a palavra? Desde que não nos limitemos a um mero exercício isolante, que tenha como conseqüência única a geração de uma ideia distorcida de que uma coisa é a realidade da palavra e outra a realidade humana. Aliás, muito da poesia brasileira que se veicula hoje, já a partir do Concretismo, poderia ser comentada à luz dessa distorção. GC E a poesia, é inspiração ou técnica, ou ambas? FM Tampouco aqui interessa ficar a dissecar esses elementos de uma química cuja importância radica justamente no resultado. É preciso uma certa técnica para jogar ar nos pulmões da ideia, por exemplo. Ao mesmo tempo, se técnica é prática, a grosso modo, como adquiri-la sem partir do nada? Olhar para ambos os aspectos sem excessos de romantismo ou artificialismo. Técnica não se contrapõe à liberdade. Nenhuma arte sobrevive sem ambas. (Entrevista concedida a Gustavo de Castro, s/d)
*** FF Usted como poeta, ¿cómo vive la libertad de su palabra? FM Não há uma agenda mágica a ser seguida. O dia é feito de um amontoado de expectativas, surpresas, acertos. Eu sou um franco-atirador. A liberdade de minha palavra me custa sangue existencial, porém sem dramas, sem excessos de autoestima. A rigor, viver não é um exercício fácil para ninguém. Acho que os artistas em nosso tempo tendem a valorizar em demasiado sua condição, justamente quando menos correspondem às expectativas em torno de suas obras e atitudes. Há um teatro da imagem, algo patético. Tenho muito trabalho pela frente. Apenas isto. (Entrevista concedida a Franklin Fernández, 2006)
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MM Toquei na Inspiração, palavra quase que absolutamente repudiada pela crítica e grande parte dos artistas. Salvador Dalí, no entanto, tinha-a como um dos itens indispensáveis à toda crítica, exegese. Drummond, ao final da vida, teve uma compreensão parecida e foi duramente criticado pelo João Cabral por isso. Já o Chico e a Clarice Lispector assumiam que lhes era impensável a criação fora desse estado. E você, como escreve? FM É uma bazófia qualquer rejeição à inspiração, porque ela parte de um diálogo, do estar aberto, receptivo, ao que se passa no mundo, a começar pelas inquietações individuais. No fundo, o que se dá é a velha luta cartesiana de situar a razão como fonte única de conhecimento. Não parece incrível que poetas brasileiros recusem a inspiração em um país tão profundamente marcado pelo catolicismo? A que Deus nos entregamos tão cegamente? (Entrevista concedida a Mário Montaut, 2002)
*** Arte não é disputa, mas antes afirmação de uma perspectiva outra a ser considerada. Arte não impõe, o que faz é discordar de mecanismos viciados, e o faz não teoricamente mas sim com a presença estética de suas pretensões. (Entrevista concedida a Mário Montaut, 2002)
SURREALISMO JB ¿Existe el surrealismo hoy, dónde, cómo? FM Siguen existiendo dos perspectivas del surrealismo: la formación grupal, que todavía se puede verificar en varios países – en nuestro continente, en Brasil, Chile y Estados Unidos, por ejemplo –, y la afirmación de un estado de espíritu, la búsqueda de las fuerzas del instinto, del sueño, del subconsciente, al mismo tiempo que una afirmación de la realidad. Todo esto, de una manera y otra, absolutamente integrado con la libertad y el amor, al decir de Pellegrini, que “configuran la vida integral del hombre”. (Entrevista concedida a Jorge Boccanera, s/d)
*** MS Probablemente el siglo de los ismos… ¿No te parece que podría ser interpretada como una opción “trasnochada” la de reivindicar el surrealismo a principios del siglo XXI, practicamente un siglo después de su nacimiento y teniendo en cuenta que también el pensamiento freudiano -su indudable base- ha sido superado por la propia psicología? FM Certa vez o inglês A. Alvarez lembrou que o Romantismo recebeu, no Surrealismo, um novo impulso, não propriamente em função dos escritos de Freud, mas sim “por intermédio de uma versão nebulosa e inflada do que se pensava que Freud queria dizer”, ou seja, não era a psique que estava na alça de mira dos surrealistas, mas antes todo um mistério que envolvia o assunto. Não queriam compreender os sonhos mas vivê-los, expressar-se através da criação “da mesma forma e com a mesma força que os sonhos”. Disse Magritte que “o surrealismo | 145
reinvindica para a vida desperta uma liberdade parecida com a que temos no sonho”. E Arp acrescentou um molho poético: “Nossos atos são atos de sonhadores, de nadadores enigmáticos”. Baudelaire, graças a seu “gosto pelo Infortúnio”, no dizer de Éluard, era considerado pelos surrealistas um poeta fundamentalmente moderno, juntamente com Lautréamont e Rimbaud. O sentido de rebelião que se buscava no Romantismo interessava aos surrealistas, embora Breton tenha frisado que somente se atingisse um paroxismo, caso contrário se tornaria “uma aventura barata” – o que é lícito dizer de qualquer instância. Agora, a atualidade do Surrealismo pode ser vista a partir de uma colocação de Breton: “Não se trata aqui de uma poética: entregamos o produto do pensamento pelo que vale”. Concluímos o século XX com uma ideia completamente fraudulenta do valor intrínseco das coisas. É como se o homem deixasse de ser o homem e sua circunstância e passasse a ser apenas a circunstância. Me parece que o Surrealismo tem sido observado mais pelos erros do que pelos acertos. O estado de ânimo a que se referia Artaud para justificar a existência do Surrealismo me parece essencial trazê-lo para nosso tempo. Vivemos em uma sociedade inteiramente domesticada, alheia ao motor da inércia que a define. O Surrealismo ainda pode atuar através de um sentido de libertação do espírito. Se o problema é de corte histórico, que se mude o nome, não importa que não se chame mais Surrealismo. Seguirá valendo a urgência de mais realidade. (Entrevista concedida a Mónica Saldías, 2002)
*** MEG Tu consideras-te um poeta surrealista? FM Eu diria que a minha poesia não se afasta de mim em momento algum, que está intimamente ligada ao que eu sou e faço. Por qualquer ângulo que se observe – o político, o amoroso, o poético –, a minha vida integra-se à perfeição à matéria queimante de meus versos. Não caberia, portanto, ater-te a ortodoxia de espécie alguma, o que me torna um surrealista, sim, desde que não se limite, de má fé, sua ação a uma condicionante historicista em isolado. MEG Sabes que a tua poesia, como a de tantos outros poetas, mesmo os da tua antologia, só é classificável como surrealista por motivos históricos e de depoimento formal dos autores, e aliás é preciso acreditar neles quando dizem: “Eu sou, ou era surrealista!”. Do ponto de vista poético, ela é moderna, manifesta como a de todos nós o contacto com as obras surrealistas, mas não há nela nenhuma conformação com imposições formais… À parte a escrita automática, de resto abandonada, como é que tu identificas um poema surrealista? E mesmo a escrita automática, como saber se é automática ou não, mesmo que o autor garanta que sim? FM O automatismo, a perspectiva onírica, o mergulho mais intenso no erotismo da linguagem, a percepção de uma dimensão insondável do selvagem, o dilaceramento das imagens culminando com certa atmosfera visionária, o elo intrigante com o barroco no sentido do transbordamento (fulgor) das formas, são aspectos que podem ser observados para além de um diapasão genérico do moderno, ou seja, aspectos que não podem ser encontrados nas manifestações do cubismo, por exemplo. Acrescentemos ainda aí o fascínio pela aventura em seu caráter primordial de entrega ao desconhecido, os relatos de deriva, de amores loucos etc. Creio que tanto na forma como no discurso é plenamente possível se perceber a presença do Surrealismo, mas sempre atento ao fato que não se deve restringir-lhe a atuação a um plano estético isoladamente. | 146
MEG O que há no surrealismo de tão sedutor, que continua a congregar poetas no Brasil e nos outros países da América Latina? FM É bem possível que a sedução venha desse princípio irredutível de liberdade que orienta o Surrealismo. Mas é também possível que se veja aí algum artifício de certo facilismo da criação poética. Daí a leitura equívoca de que tudo o que não faz sentido é surreal, como se costuma ouvir com relativa frequência. Diz o poeta guatemalteco Luiz Cardoza y Aragón que “escrever não é cifrar nem decifrar: é balbuciar o estupor de ser”. Pois bem, essa identificação mútua e ampla, no sangue e na letra, com o que se faz, com a criação, é o que revela o Surrealismo como sendo o princípio maior a ser buscado, aquilo a que o argentino Enrique Molina se referia como sendo um “humanismo poético”. Creio que esta é a raiz essencial da sedução do Surrealismo, e o que o torna sempre atual, pois além de todo tempo. MEG Floriano, tu dizes que no Brasil o surrealismo é ignorado deliberadamente. De que modos práticos se manifesta esse abafamento e em favor de quê? FM Essencialmente em favor da tradição formalista, racionalista, cartesiana, positivista, cientificista, da cultura brasileira. Acrescente-se aí as manifestações castradoras do nacionalismo, em suas diversas facetas. Não nos esqueçamos que os dois principais momentos de uma presença do Surrealismo entre nós coincidem com o Modernismo e o Concretismo. Agora, por outro lado, é preciso cuidar também para não criar uma versão falseada desse abafamento. Há que se discutir claramente todas as zonas de conflito de uma cultura que, regra geral, tem sido escrita privilegiando focos de interesses particulares em detrimento da veracidade dos fatos. (Entrevista concedida a Maria Estela Guedes, 2002)
*** FF Usted mantiene una “relación entrañable” con el surrealismo, pero no se considera un surrealista, sino un defensor del surrealismo, alguien que ha hecho suya la defensa del surrealismo… ¿Por qué? FM Eu não sei se cabe mais esta afirmação, de ser um poeta surrealista. Evidente que ao ler a minha poesia não há como não pensar na forte influência, no diálogo intenso com o surrealismo. Mas há outros componentes, uma aclimatação do surrealismo a outras instâncias no âmbito da configuração de uma poética. No Brasil o único ismo que vingou foi o modismo. Eu tenho chamado atenção para a importância do surrealismo, suas percepções e derivações ao longo da cultura brasileira, mas ninguém quer saber disto. Há uma geração nova interessada, mas isto também pode ser apenas mais uma onda. FF ¿Del surrealismo en nuestro continente se tiene una idea bastante imprecisa? FM Absolutamente imprecisa. No próprio caso venezuelano podemos pensar em Vicente Gerbasi, Juan Sánchez Peláez e Juan Liscano como figuras referenciais desta imprecisão. O primeiro teve uma participação importante em forma de diálogo e difusão, sem admitir vínculo expresso em momento algum; o segundo declarou sempre sua filiação oscura; e o terceiro buscou restringir o campo de ação do surrealismo e negou qualquer influência que sua poesia tenha sofrido, mesmo em um livro como Cármenes. E depois esta cegueira do Stefan Baciu – por sinal, jamais | 147
contestada pelos venezuelanos –, de situar José Antonio Ramos Sucre como um precursor do Surrealismo. A imprecisão, em âmbito continental, vem em grande parte da ignorância, do desconhecimento do que houve, da maneira como o surrealismo era percebido nos diversos países. É plenamente possível conversar com alguém entendido em Surrealismo na Colômbia e ele não saber da existência de um surrealista no Paraguai ou na Guatemala, por exemplo. Sem falar na rejeição natural ao que vinha da Europa, a necessidade do novo mundo fundar a sua própria existência – como se isto fosse possível sem antecedentes & afinidades. Nos anos 60, por exemplo, em várias partes do continente há uma boa revitalização do Surrealismo, mesclando situações não tão distintas como Beat Generation e Nadaístas, El Techo de la Ballena e El Corno Emplumado etc. (Entrevista concedida a Franklin Fernández, 2006)
POÉTICA E PROCESSO CRIATIVO FF ¿El verdadero protagonista de sus poemas es usted, o es una figura a medias real, a medias mítica: el poeta? FM É sempre uma mescla, porque nós mesmos temos algo de mítico e até mesmo de real. Há quem duvide da parcela de realidade que caracteriza a existência de um poeta? Pois esta dúvida é justamente a raiz de todo grande poema. (Entrevista concedida a Franklin Fernández, 2006)
*** LF A poesia de Floriano Martins parece se apresentar (me corrija se estiver errado) com uma forte carga racional, embora não dispense o lado emocional. Fale, explique de onde vem e como nasce a poesia desse nordestino. FM Eu não vejo motivo para separar tais elementos. Não o separamos em nenhum instante de nossas vidas, de maneira que fazê-lo em relação à identificação de uma poética é contribuir para o afastamento entre arte e vida. A poesia nasce sempre de um atrito, é fruto de uma zona conflitante do ser em seu convívio com o outro que traz consigo. Se estamos a falar do poema e não da poesia, ou seja, como surge este objeto mágico, em meu caso há certa complexidade, porque geralmente crio interiormente, como se fossem esboços, embriões, todo um traçado imaginário de um livro inteiro, ou quando menos de um largo poema, que sempre se mostra como capítulo de um livro e de tal forma se articula com os demais trechos, de maneira a estabelecer uma unidade. Mas evidente que este riscado originário vai se modificando, consciente e inconscientemente, até que chega um momento em que se decide a saltar para o papel, a assumir um corpo. Este segundo momento é medido por certa volúpia da escrita, quase uma possessão, onde simplesmente deixo que jorre toda aquela matéria ígnea que vinha se desenhando em meu íntimo. Desconfio que esta descrição mínima dê para se fazer uma ideia acerca do estalo da criação em mim. (Entrevista concedida a Lorenzo Falcão, 2006)
*** AS O que te impulsiona a escrever? Já sofreu alguma violência? | 148
FM Não creio na criação artística que não seja um descarnar-se, uma violação de códigos, travas, conceitos, de maneira que o artista busque desentranhar-se, compreender-se, afirmar-se. Um elemento muito forte em minha poética está relacionado com o sentimento de perda, seja a dor de quem perde alguém querido ou a dor de alguém se desfazendo de si mesmo, perdendo contado com sua humanidade intrínseca. AS Na sua obra você dá maior ênfase sempre à transgressão sexual? Você acha que essa é uma transgressão privilegiada? FM Toda a violência do mundo tem por componentes centrais a religião e a sexualidade. Por vezes confundem-se entre si. Não esqueçamos que a transgressão é intrinsecamente uma violência. Cercear ou romper: nos dois casos a presença de um radicalismo. E conceitos como beleza e bondade também possuem uma ordem a ser violada. A sexualidade é o componente básico de nossas sociedades reprimidas. A seu redor se cultiva toda natureza de preconceitos e impedimentos de uma compreensão real dos fatos. Mas qual transgressão sexual seria possível hoje, quando um falso liberalismo se implanta e faz com que os tolos da terra se sintam plenos de liberdade? AS Quando você escreve sente estar escrevendo contra alguém, contra algum autor ou contra algum determinado estado das coisas? FM Ninguém escreve a favor, nem mesmo o texto de uma campanha publicitária ou de apresentação de metas de um candidato a qualquer cargo. Toda escrita é contra. A reflexão é um dispositivo de discordância, mesmo quando concordamos com algo. O que importa saber é se tornamos a escrita indicativo de uma vingança pessoal ou de afirmação de um princípio. Contra o que escrevo? Contra o isolamento que o homem impôs a si mesmo. AS Você se arrepende de algum excesso? FM Não, não. Os excessos não foram feitos para o arrependimento. (Entrevista concedida a Alex Sanghikian, s/d)
*** FF ¿La muerte constituye un motivo poético en su poesía? FM Há sempre duas perspectivas envolvendo um tema dessa natureza: a apreensão do conceito em si e a experiência particular. A morte me toca mais por este segundo plano, considerando que convivi com a perda de toda a minha família. Houve aí um insight que fez aparecer leituras de infância, que despertou motivos, conexões etc. Naturalmente este ambiente se amplia, define toda uma perspectiva estética, e hoje a morte funciona como um motivo bem acentuado, considerando a perspectiva criminal que lastimavelmente define a sociedade humana. (Entrevista concedida a Franklin Fernández, 2006)
*** AP Cuéntanos de tus “presentaciones integrales” en variados lugares, donde poesía, imagen visual y elementos sonoros conforman el universo de Floriano Martins. | 149
FM Las variaciones ocurren de acuerdo con las posibilidades físicas del espacio para el que me invitan. Ya fue posible realizar una lectura dramática de un collage de textos míos y de William Burroughs, montado mediante la técnica del cut-up usada por Burroughs. En el escenario, cuatro actores, una escenografía improvisada y la voz en off del propio Burroughs y algunas canciones de él con Tom Waits. Esto fue en San Pablo, donde también, en 2008, di una conferencia sobre fotografía digital incluyendo la proyección de imágenes fijas y en movimiento y canciones. Cierta vez, en Panamá, fue posible montar, en un adorable ambiente de creación colectiva, un espectáculo ligando poesía, música y danza. En Ceará, en 2007, hice una lectura de poemas mezclada con proyección de imágenes fijas y en movimiento, canciones y banda sonora. Como trabajo también con letras de canciones, fotografía, collage, lo que he intentado es crear un espectáculo teatral reuniendo todos estos elementos. Para 2009, preparo una muestra de collages, fotografías digitales, objetos, poemas, video, canciones y banda sonora, elementos que actuarán conjuntamente en torno a un punto estético único. Por supuesto que esto no me aparta del libro, este temor absurdo que se tiene de que las tecnologías suplanten al libro. Al contrario, refuerza la idea de que el arte necesita siempre ampliar su espectro de manifestación, de que no le interesa la sustitución sino el incremento, la suma, la multiplicación. (Entrevista concedida a Alfonso Peña, 2009)
COLAGEM FFF Como cuidas das figuras que recortas? FM Não recorto figuras para um arquivo, tanto quanto não faço anotações para poemas. Tenho a dificuldade em mim das coisas se guardarem para depois, dado o desprendimento de minha natureza, talvez. O tempo da colagem, cada trabalho em si, possui a extensão do que a peça julga necessário para se concluir. Creio que se dá uma espécie de convulsão interior, até que tudo se dissipe. O que faço, isto sim, são anotações de memória; vão se tecendo insinuações, pequenos traços, sombras etc. Em parte, recorto figuras de memória; em parte, me entrego ao vertiginoso jogo do acaso. Creio que as figuras que não forem localizadas naquele momento em que me sento para definir a colagem, digamos, para montá-la, não estavam, por uma outra razão, prontas para aquela peça. Como as imagens de um poema – ainda que traga comigo uma necessária ideia geral daquilo que pretendo. Nada mais que isto. FFF Gostaria que falasses um pouco do teu entendimento de colagem como um teatro de imagens, um drama, uma representação. FM Criamos desde o silêncio, desde o invisível. Toda a criação é diálogo, ou seja, busca estabelecer um diálogo entre ser e mundo. Tudo o que julgamos fundar: a representação de um desejo, um dramatizo, o drama coletivo de nossas experiências individuais. Não vejo razão para a colagem ser dissociada do poema, do teatro, do cinema. Lidamos com imagens, em toda e qualquer circunstância da expressão artística. Creio que reside na fusão do dramático com o lírico o toque mais fascinante, mais profundo, que se pode imprimir ao objeto artístico. A dinâmica de uma colagem deve ser também a dinâmica de uma representação, de um teatro de imagens. | 150
FFF Por que dizes que a colagem é reencarnação? FM Segundo o Budismo, o que vivemos como homens é o estagio mais elevado do Carma. Assim me parece que a ação que sofre a imagem no âmbito da colagem, qualquer que seja o estágio anterior, irá viver ali o seu grande momento de esplendor, de magnitude. Algo como um ressurgimento, mas baseado na ideia de que esteve anteriormente em preparo para a debulha de seu fulgor. FFF De que maneira tua poesia penetra na colagem e vice-versa? Existe realmente uma realmente uma relação direta, tal como se observa nos trabalhos de Sérgio Lima, nos quais ele transcreve, quase que literalmente, suas colagens para a poesia? FM Não vejo razão para que se estabeleça, em meu caso, uma dissociação entre poema e colagem. Fazes referência ao Sérgio Lima e poderíamos acrescentar o chileno Ludwig Zeller. Se acaso nós fizéssemos um filme ou uma escultura, decerto esta outra faceta de nossa expressão artística comungaria com as demais. Isto se dá por uma afinidade de natureza estética, de principio estético. Seja como for, discordo quando falas em transcrição literal, o que acabaria por tornar dispensável uma das duas expressões: o poema ou a colagem. Creio que há um diálogo e uma complementação, em uma palavra: comunhão. Reitero aqui a minha atração pelas bodas do dramático com o lírico. Através do poema, tenho conseguido expressar melhor esta minha intenção. Sou um aprendiz ainda menor no que diz respeito a colagem. De qualquer forma, por esta vertente sigo e me enrosco e torno a seguir. O poema me parece também ter equacionado melhor os aspectos rítmicos. O fato é que o pouco exercício da colagem (incluindo o pensar menos nela – e isto por uma razão mesma do envolvimento maior com o poema) faz com que pese mais um prato da balança, porém isto não interfere no acima declarado. Imagine que canções não comporia Modigliani ou que poemas não escreveria Keith Jarrett… (Entrevista concedida a Fernando Freita Fuão, 1998)
FORMAÇÃO, INFLUÊNCIAS, INFÂNCIA AS Até que ponto você se vê como um transgressor? Seus hábitos são contestatários? FM Eu diria que sou naturalmente contestatário. Franco-atirador desde jovem, tendo abandonado escola, cidade, amores, e saído em busca de alguma razão de ser, desde então tenho a vida pautada pelo que se poderia chamar de exceção. Aí havendo transgressão de códigos, não resta dúvida. AS Quais são suas influências literárias? FM Eu tenho menos influências literárias do que musicais, pictóricas e teatrais. Na verdade, me interessam aqueles artistas que buscam uma totalidade, cuja obra está arraigada por um sentimento de mundo que ultrapassa os limites do meramente artístico, o ato estético em isolado. Citar nomes por vezes sugere equívoca presunção. Mas há uma trilha bem medida de diálogos que me leva de William Blake a Roberto Piva, por exemplo, passando por José Lezama Lima, Georges Bataille e Robert Graves. (Entrevista concedida a Alex Sanghikian, s/d) | 151
*** GB Cuales son las influencias más fuertes en tu escritura? FM O ritmo vertiginoso que encontro na música de Keith Jarrett, o transbordamento de imagens que sugere a poesia de Lezama Lima, a multiplicidade de vozes que confirmam um diálogo entre poética e plástica em William Blake, a descida aos subterrâneos do mito na obra ensaística de Robert Graves, eis aí algumas identificações, muito mais do que propriamente influências. GB Cómo nace tu pasión por la poesía hispanoamericana? Hablanos un poco de tu trabajo al respecto… FM Nasce de um espanto meu ao descobrir a grandeza de vozes como Vallejo, Herrera y Reissig e Huidobro, ao mesmo tempo em que confirmação de minha ignorância completa a respeito do tema. O pouco que antes havia lido, em Cardenal, Borges (poemas) e Neruda, jamais havia provocado tal espanto. Desde então tomei como tarefa quase única minha tratar de descobrir essa poesia e difundi-la em meu país. Naturalmente que isto requer uma disciplina e mesmo uma teimosia impressionantes. Os obstáculos são muitos, tanto no sentido de se descobrir autores e livros quanto, e principalmente, no sentido de se encontrar meios para a difusão desta poesia em um país completamente cego a tal realidade poética. (Entrevista concedida a Gabriela Bruch, 2002)
*** FF ¿Desde cuándo escribe? ¿Podría recordarnos algún suceso que ilustrará en torno a los orígenes de su vocación poética? FM Algo como uma queda da escada ao buscar livros mais ao alto na biblioteca de meu pai ou então a mãe brigando comigo por haver recortado figuras em suas revistas sagradas? Estes são indícios de uma vocação poética? Haverá uma vocação poética? A predestinação acaso não é uma discreta forma de presunção? Na adolescência eu roubava livros em livrarias e amigos poetas me repreendiam com sua altíssima moral baseada na propriedade privada. Até que ponto a vocação confunde talento e teimosia? Algum talento eu devo ter, mas o que pesa mesmo deve ser uma incorrigível obstinação. FF ¿Cuál es su relación con las artes plásticas? FM Muitos livros em casa, na infância, casa de meus pais, revistas em quadrinhos (comics), edições fascinantes chamadas de fotonovelas, que eram adaptações de clássicos da literatura mundial, e também o nascedouro da televisão; as manhãs de domingo que meu pai me levava ao cinema; tudo isto teve um peso extraordinário. Eu usava guache e reproduzia algumas das ilustrações dessas revistas, capas de romance, e ao mesmo tempo recortava figuras como quem está montando um pequeno acervo. Mas fazia tudo isto de forma embaralhada, ouvindo música de todo tipo e devorando os livros da biblioteca de meu pai, que era uma biblioteca absolutamente caótica, onde se encontrava a literatura clássica russa, o teatro elisabetano, manuais de fabricação de aviões de guerra, comics do western italiano etc. | 152
FF ¿Influencias en su poesía? ¿Las hay? FM Sim, há poetas e livros que foram fundamentais para mim. Posso recordar tanto um livro como A luta corporal, do brasileiro Ferreira Gullar, quanto meu primeiro contato com uma antologia do chileno Humberto Diáz-Casanueva. Nos dois casos havia tanto de voracidade existencial quanto de requinte de linguagem. Mas o território das influências – sempre prefiro o termo diálogo – jamais se limitou às leituras, menos ainda apenas de poesia. Na infância foram de grande importância para mim, ao lado da leitura de uma romance como Crime e Castigo, de Dostoievski, ou dos comics, a presença da música, seguida, na adolescência pelas artes plásticas, o cinema e o teatro. Mas evidente que há um denominador comum nisto tudo, e eu diria que é a tragédia, no aspecto teatral do termo. (Entrevista concedida a Franklin Fernández, 2006)
CONTEMPORANEIDADE HAT El estado de la poesia brasileña cuando comenzaste a publicar. FM He comenzado a publicar tempranamente, y en realidad considero una infelicidad asomarse tan de inmediato a los primeros escritos. Pero es un desafío que creo haber vencido. Me siento por completo ajeno a mi generación, dado que había una patología del yo, un egocentrismo excesivo del cual yo no me sentía partícipe. Luego esa condición pasó a ser una decoración; es decir, el descubrimiento del yo hacía posible llegar a una comprensión del mundo en el que el hombre no fuera simplemente víctima. Pero los poetas no tenían mucho más que su propio ego para ofrecer. Y un ego, separado de la vida misma, no puede ser más que una decoración. (Entrevista concedida a Harold Alvarado Tenorio, 2002)
*** AS Você julga que sua escrita é mais transgressora, mais radical do que a de seus contemporâneos? FM Qual a extensão de minha contemporaneidade? A todo instante descubro alguém de quem nunca havia ouvido falar. Melhores, piores? Há uma imensa dose de bobagem em tudo isso. Não somos piores ou melhores em relação a nada. Cabe somar e não diminuir. O que se passa com minha aparente contemporaneidade é que se confunde sujeição ao mercado, afeições burocráticas e influências de ordens diversas (incluindo o nepotismo), com renovação de valores, confirmação de uma tradição, riscos a serem cumpridos. Nada que diferencie minha geração – se há uma identificável – do que lhe é anterior. (Entrevista concedida a Alex Sanghikian, s/d)
*** GB Cual es el panorama de la poesía actual en Brasil? FM Quase nada se alterou no panorama da poesia brasileira ao longo do século XX. Ou seja, segue havendo uma inclinação ao formalismo e ao monólogo, e tal inclinação define o que se poderia chamar de tradição oficial. Ao mesmo tempo, | 153
encontramos um largo rio subterrâneo, de vozes que nadam contra a corrente dessa tradição. Tornar este rio subterrâneo conhecido requer um esforço gigantesco e nisto se encontram empenhados alguns raros abnegados. GB Cómo se inserta tu obra en ese panorama? FM Naturalmente como uma contra-tradição, sobretudo se pensarmos em um elo que se percebe ali entre Barroco e Surrealismo, ponte mágica impedida em um Brasil que jamais buscou relacionamento algum com a riquíssima poesia hispanoamericana. (Entrevista concedida a Gabriela Bruch, 2002)
*** AAF Por fim, em que a poesia de Portugal se diferencia da do Brasil e em que a poesia do Brasil se diferencia da de Portugal. Qual o benefício dessa informação poética entre os poetas dos dois países? FM Estas comparações correm um sério risco de estabelecer equívocos de âmbito hierárquico. Após o período áureo das vanguardas, a margem de lá do Atlântico retomou seu apego pela tradição, e talvez se possa ver aí demasiado receio de meter-se em novas aventuras estéticas. Na margem de cá, criou-se um estado frenético de obsessão pela vanguarda, rejeitando estruturas poéticas enganosamente entendidas como tradicionais (ou mesmo caducas). Mas isto em linhas gerais. Seria quando menos ingênuo (ou mesmo irresponsável) determinar um comportamento padrão nas duas situações. Inclusive porque sempre haverá dois planos em que se move a criação artística: a superfície em que reinam as virtudes do imediato e do transitório, e o rio subterrâneo por onde teimam os pecados do apuro e da permanência. (Entrevista concedida a Álvaro Alves de Faria, 2008)
*** FF Algo que me llama la atención de usted, es el contacto permanente con jóvenes poetas, aconsejándoles sobre el verdadero sentido de la poesía. ¿Qué le recomienda a los poetas emergentes de mi país? FM Absolutamente nada, porque os conselhos nunca existiram para ser seguidos. Que se danem, que tratem de encontrar uma voz própria, que morram, que se irritem, que desistam, qualquer coisa. (Entrevista concedida a Franklin Fernández, 2006)
MODERNISMO, NACIONALISMO, PROVINCIANISMO RM Qual é a opinião que sustentam (ainda que não seja totalmente uniforme) perante as grandes figuras canonizadas posteriores ao Modernismo (Bandeira, Drummond, Murilo Mendes, Cabral de Melo Neto, etc.). FM Particularmente vejo que o Modernismo no Brasil ainda enfrenta um considerável dilema: a relação entre as vozes que não foram amplamente discutidas e uma leitura excessiva das contribuições daqueles nomes centrais. Trata-se de um | 154
duplo problema: de caráter interno, de interesses na definição de um cânone, e externo, pela ausência de comparação, por exemplo, com o equivalente período na América Hispânica, o que certamente nos permitiria alcançar uma visão menos passional dos desdobramentos estéticos ocorridos no Brasil. (Entrevista concedida a Rodolfo Mata/Regina Crespo, 2001)
*** AS O que você acha sobre o marketing da rebeldia atual? Ou seja, muitos são rebeldes apenas para posar como tais na mídia. FM A pergunta já traz consigo a resposta. Estamos rendidos pelas campanhas publicitárias, articulações no congresso etc. Somos um país em franco estado de degradação humana. Há um falso humanismo anunciado pelo sociólogo que nos preside. Quaisquer pontos estatísticos que anunciem uma melhora, o fato é que carecemos de compreensão de nosso papel no mundo, os brasileiros não sabem o que representam, são sempre essas vítimas do futebol ou das grades de armação política, faturação irregular, ajustes fiscais. Falar em rebeldia entre nós é uma piada. Mas poderíamos dizer: algo funciona no Brasil: a anulação de disjunções? Se concordamos eliminamos toda uma suposta categoria de dissidentes. Mas vamos: música, teatro, dança, poesia, romance etc., onde localizamos essa afirmação de um novo pensar, de uma confirmação estética, desdobramento anímico, segmento onírico, tradição, o que seja? Em parte alguma. Afirmar um Brasil quando menos curioso pela indigesta relação ao que representa internacionalmente sua cultura e a medíocre condição de gestor de um folclore distorcido e castrador, este sim, é um marketing a ser discutido, contestado, sim, desde que se apresente algo e em tal sentido, por mínimo que seja. (Entrevista concedida a Alex Sanghikian, s/d)
*** WL Há alguns anos, tem surgido revisões críticas do Modernismo tanto no âmbito ensaístico, como se vê nos trabalhos de Paulo Franchetti e Rodrigo Petronio, quanto em teses acadêmicas defendidas em universidades gaúchas e nordestinas. Exemplifico a direção dessa revisão com um breve trecho de Paulo Franchetti; para Franchetti a eleição do Modernismo como ponto de culminância de nossa atividade literária acarreta dois problemas: “Em primeiro lugar, essa escolha tende a gerar uma apreciação esquemática dos períodos imediatamente anteriores, que, por necessidade argumentativa e pela adoção das bandeiras modernistas pelo historiador literário, acabam sendo apresentados como zonas cinzentas, sem relevo, em que apenas se destacam os anúncios do que está por vir. (…) Em segundo lugar, a mesma ideia de chegada promove uma narrativa em que a literatura brasileira vai se formando como organismo ou sistema ao mesmo tempo em que a nação, sendo esse momento de autonomia ou completude a segunda fase modernista. Essa perspectiva promoveu (…) um recrudescimento da identificação romântica entre o nacional e o estético, entre a construção nacional e a construção estética, que durante os anos 1960/1970 deu origem à perversa polarização entre ‘esteticismo’ e ‘participação’ que marcou os debates literários e a cena cultural brasileira de modo geral”. Sua posição sobre o modernismo, sobre Mário e Oswald em especial, tem sido ambivalente. Poderia falar um pouco a respeito. FM Ambivalente? Será que perdi alguma parte da conversa? Vamos fazer o seguinte: reproduzo aqui, como reforço à tua lembrança da boa reflexão do Paulo | 155
Franchetti um trecho de ensaio do Lêdo Ivo, uma valiosa analogia que traça entre o “Ensaio sobre a história da literatura brasileira” (1836), de Gonçalves de Magalhães e as artimanhas de nosso Modernismo de 22. Diz lá o poeta: “A teoria literária de Magalhães não se limita, pois, a pregar a autonomia estética, numa correlação de forças que, abrangendo a apropriação do pecúlio romântico ocidental, corresponde ao primeiro movimento de antropofagia cultural do Brasil, nesse particular antecipando o Modernismo de 1922, o qual, em muitos dos seus aspectos, é uma rumorosa e festiva repetição do primeiro e seminal Modernismo deflagrado em 1836, como o comprovam os seus manifestos assemelhados, a postura selvático/internacionalista de alguns de seus corifeus, e ainda a presença de um francês em seu processo de detonação. Em lugar de Ferdinand Denis, como anunciador de uma nova verdade estética, temos a figura de Blaise Cendrars, cujo Kodak foi decerto o espelho em que Oswald de Andrade se mirou para produzir Pau Brasil.” Este ensaio, não fosse mais ampla a luz que lança sobre o cenário de nosso Modernismo, valeria tão-somente pela centelha de curiosidade em relação a aspectos pouco conhecidos de nossa história literária. Não sei onde detectas ambivalência no que penso acerca de Mário e Oswald de Andrade. Jamais declarei a mínima simpatia pela poesia de ambos, menos ainda no que diz respeito a teorias e regências do Modernismo. Mas confesso que o tema já me aborrece, demasiado monocórdio, como se essas fossem acaso as peças fundamentais desse momento na cultura brasileira. (Entrevista concedida a Wanderson Lima, 2010)
ESCRITOR & SOCIEDADE TL ¿Qué nos dice de la vigencia o no del compromiso social del escritor? FM El tema ha perdido vigencia, porque ha sido ubicado de una manera imperativa. La participación social o política del poeta debe partir de él mismo, no puede imponérselo la sociedad. El poeta tiene derecho a no querer nada con nada. Su escritura es ya un compromiso. Es curioso que a los poetas se les pida una posición política, pero no se le exige a los políticos una posición poética. (Entrevista concedida aos editores da revista Tropel de luces, 2004)
*** A criação artística não parte senão de uma afirmação individual e tal afirmação se dá sempre no sentido de questionar os valores do tempo em que se vive. O artista é essencialmente alguém que se interpõe a qualquer padrão sistêmico de condução social. O que se dá é que o “amortecimento progressivo” a que te referes age em todos os sentidos, brutalizando ou idiotizando a existência humana. Seu raio de ação, contudo, não interfere exatamente na criação, mas antes revela o caráter abjeto de uma espécie de gente que oportunamente se faz passar por artista. O idiotismo imperante é que nos torna a todos reféns de uma indústria cultural. (Entrevista concedida a Mário Montaut, 2002)
*** AS Como você se situa politicamente, esquerda ou direita?
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FM A situação, em se tratando de política, já de muito não passa de um jogo de interesse. O Brasil é um país de larga experiência de prevaricações políticas. Toda a nossa história está pautada por negociações que extrapolam a noção de política como uma ciência humana. Interessa-me a honestidade intelectual e a busca de um humanismo poético. Não me servem de nada os gastos conceitos de direita e esquerda. AS Você já se sentiu discriminado, maldito, como escritor? FM Sim, sim. Vivo em uma terra maldita. Daqui saíram artistas como José de Alencar, Alberto Nepomuceno, Antonio Bandeira, Chico Anísio, e jamais foram percebidos como, digamos, orgulhos da terra. Sou o tradicional maldito na própria casa. (Entrevista concedida a Alex Sanghikian, s/d)
CÂNONE LITERÁRIO AS Qual a sua opinião sobre os escritores canônicos, os que privilegiam o estético ante o conteúdo? Como você se situa a nesse sentido? Você acha que um dos dois lados tem maior importância? O transgressor ou o canônico? FM O canônico é uma imposição ou uma aceitação? A tentativa de um clássico imposto goela abaixo soa patético. A ideia de um cânone como defendida por Harold Bloom é restritiva e pouco salutar para a compreensão dos desdobramentos estéticos em nossas culturas. Não tenho pela conta de canônico um privilégio do estético. Mas pensemos: se invertemos a polaridade, o equívoco se reproduz. Se me apresentas o transgressor como alguém que cultua o conteúdo acima do aspecto estético, então estamos perdidos, de um lado ou de outro. A velha máxima sobre arte revolucionária: chorar a morte da mãe ou caprichar no batom não significa nada isoladamente. (Entrevista concedida a Alex Sanghikian, s/d)
POESIA E LITERATURA HISPANO-AMERICANA RM O contato com o universo hispano-americano é uma prioridade da revista Agulha? Por quê? FM O espaço latino-americano é nossa ambientação indiscutível, política e culturalmente. Em toda a história os brasileiros não consideraram tal perspectiva. Muitos dos males que nos afligem radicam nessa ausência de percepção para um diálogo entre culturas. Isto para nós, sim, é que é prioritário. Como há um abismo visível no que respeita à América Hispânica, entende-se que cuidar de fundar laços seja essencial para a revista. Está certo. E temos feito mais neste sentido do que todos os governos e empresários da cultura em nossos países. E não o fazemos movidos por um frisson expansionista, de afirmação de fronteiras, mas antes na busca de se estabelecer um lugar de encontro onde possam conviver as particularidades. De qualquer maneira, o universo editorial da Agulha não se esgota aí. (Entrevista concedida a Rodolfo Mata/Regina Crespo, 2001)
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HV Hace un tiempo, como unos treinta años, Octavio Paz en su libro de ensayos El signo y el garabato, planteó una interrogante polémica en torno a la literatura hispanoamericana y la brasileña: “La literatura iberoamericana es doble: la escrita en portugués y la escrita en castellano”. De alguna manera nos lleva a pensar en una geografía dividida. A estas alturas de la historia iberoamericana y sus nuevas relaciones políticas, podemos afirmar que éstas han cambiado lo suficiente. Tú, que eres un conocedor de la realidad literaria del continente crees que se puede, de una vez por todas, pensar en una poesía latinoamericana. No sientes que aún hay barreras entre nosotros. Nos interesa más un autor impuesto por el mercado del libro, que un libro de un autor nuestro. FM No creo que tenga habido cambios significativos. Personajes como Octavio Paz, por ejemplo, están marcados por cierta ambigüedad: sus acciones no corresponden al color de sus críticas. Los principales intelectuales, los más influyentes y actuantes, en Latinoamérica, dime, ¿cuántos efectivamente trabajaron o trabajan en nombre de esa integración? Los encuentros decisivos entre culturas se logran a través de la acción sistemática de que son ejemplos ediciones de libros y revistas, traducciones, organización de eventos internacionales etc. Ya no se puede decir que los gobiernos sean los únicos culpables, porque artistas e intelectuales han cumplido también su papel de mantener la cultura ibero-americana aislada entre sus 20 países, independiente del hecho de que 19 de ellos hablen español e solamente uno hable portugués. El problema jamás estuvo en el idioma. (Entrevista concedida a Hermes Vargas, 2010)
MÚSICA Acho valioso o trabalho do Almir Chediak, de grande importância em um país onde não se percebe a presença de um projeto estético em quase nenhum de nossos intérpretes. Todos atiram a esmo à espera de uma aprovação do mercado. Chediak sistematizou uma série de valiosos encontros entre bons intérpretes e alguns de nossos melhores compositores. É uma lástima deparar-se com a lassidão ou negligência de repertório em intérpretes como Alcione ou Gal Costa, além do desperdício imenso de talento em uma Paula Toller ou na Cássia Eller – esta, a exemplo da Elis Regina, deixou-se estupidamente morrer. Aos poucos a chamada MPB foi se tornando essa pasta babosa que inclui todo um musak preparado para atender à pista de imbecilidade da televisão. O curioso é que boa parte do elenco que poderia ao menos conduzir este processo com um pouco menos de indulgência, fez questão de tornar-se seu propagador, quase um emissário. Não há rock nacional. Esta é outra bobagem. Há apenas rock. Mesmo que um chinês componha um bom tango, ninguém na China o entenderá como um tango nacional. Será sempre tango. Como sempre jazz. Como sempre samba. O Cazuza se aproximou melhor do blues do que propriamente do rock. A essência da cultura brasileira é a mestiçagem. O que temos de mais rico está baseado justamente na mistura. O choro ou a bossa nova, por exemplo, vêm desse sentimento nato de mestiçagem. (Entrevista concedida a Erico Baymma, 2007)
*** Acho que nosso samba sincopado seria bem recebido pelo Zappa. Imaginemos a patética situação de um kamikaze quando em pleno vôo de morte falha o motor e | 158
não há como atingir o alvo ou sequer como retornar. Por vezes olho a maneira como, no Brasil, toda uma faixa criativa, uma parcela a priori sensível de uma cultura, vem reagindo aos próprios impulsos, como toda uma sociedade artística se mostra, como estão todos reagindo em função de mercado, pensando da maneira mais frívola, enfim: não há mais ação, uma atitude surpreendente, tudo é ajuste contratual e ajuste sempre em favor do contratante. A despersonalização, por sua vez, não é sinalização de autismo. A afirmação esnobe de um ego comporta mais isolamento do que a despersonalização quando esta mergulha no sem nome para fazer emergir uma compreensão de aspectos que nos identificam, que nos são comuns. Evidente que isto está muito presente no caso do universo poético de um Chico Buarque. A maneira como ele é “muitos e muitas” é uma coisa interessante. Observe que, no geral, as pessoas lêem – não os críticos, não os acumuladores de teses vazias – Fernando Pessoa como sendo o mesmo em qualquer heterônimo. Todos somos influenciados apenas por Pessoa, sobretudo os que negam tal influência. Claro que a evidência de uma obra está diretamente ligada ao raio de sua influência. Contudo, evidência não quer dizer importância, é certo. Há evidências frustrantes. Como entender que Francisco Mignone tenha influenciado bem menos os músicos brasileiros do que Villa-Lobos? Como entender o esquecimento em que caiu toda a obra de Abel Ferreira? Como entender que raramente se fale entre nós de Camargo Guarnieri? Desta maneira é que ninguém toca no aspecto da despersonalização na poética de Chico Buarque, pelo simples fato de que somos corruptíveis pelo ego, somos uma cultura de aparências, onde raramente a visão aprofundada da realidade tem uma compreensão, o entendimento de uma maneira de ser. Frank Zappa é uma referência muito cara ao nosso diálogo justamente por essa ausência de ruptura que se verifica na cultura brasileira. Quem rompe com o que em todo um itinerário de nossa criação artística? Não temos alguém que tenha sido tão cáustico na crítica ao way of life brasileiro, e não me venha ninguém dizer que o jeitinho brasileiro não equivale de alguma maneira ao way of life estadunidense. Pessoa expôs toda uma sociedade, entre afirmação, chacota e recusa, percebeu maneiras distintas de tratar de cada assunto. É um caso extremo de despersonalização no sentido de afirmação de algo bem maior, na arte, do que um gozo de umbigo. Zappa esteve no mesmo fio, percebeu o quanto era (e a situação piora) ágrafa a sociedade que se estava implantando nos Estados Unidos. Ironizava-a, de todo modo, mas sem perder a conexão com uma perspectiva visceral da existência humana. Zappa é uma espécie de último grande romântico ativo. Neste sentido, Chico Buarque se aproxima dele. É interessante que seja nome ligado a teatro, música, romance. Há uma ruptura natural de gêneros e bem antes de todo esse modismo atual que não faculta senão o que pode haver de mais amorfo e danoso em qualquer expressão artística. (Diálogo com Mário Montaut sobre Frank Zappa, 2004)
TRADUÇÃO GB Se puede traducir poesía? Hablanos de tus traducciones mas importantes… FM Claro que se pode traduzir poesia. O que não se pode é achar que essa operação te torna um poeta. Há também que cuidar para não deixar-se levar pela vaidade de querer melhorar o original. Traduzir poesia é um ato indispensável de superação de uma condição babélica que o homem impôs a si mesmo. Creio que importa mais falar do que propiciamos com a tradução do que de seus obstáculos linguísticos, estilísticos etc. Em meu caso a tradução é parte inseparável desse | 159
projeto de trazer para o Brasil toda a riqueza de uma tradição poética hispanoamericana. (Entrevista concedida a Gabriela Bruch, 2002)
*** FB No trabalho de tradução de um poema, quais os recursos utilizados para se promover a fidelidade à subjetividade da obra? FM Eis um tema sempre complexo, em grande parte por sua simplicidade que por vezes soa como um insulto. A lendária solução diz que não devemos nunca sofrer a tentação de tentar melhorar o original. Obviamente não iremos muito longe sem o conhecimento da língua e certa sensibilidade poética para desativar as minas rotineiras da tarefa tradutória. (Entrevista concedida a Fabrício Brandão, 2008)
*** AAF Fale desse seu trabalho de tradução e por que sua preferência para autores hispanos-americanos? Como ocorreu essa aproximação com esses poetas e escritores? FM A tradução é um trabalho complementar da pesquisa e da edição. Não sou um tradutor profissional. Mais recentemente traduzi uma antologia do venezuelano Juan Calzadilla (Letras Contemporâneas, Sta. Catarina, 2005) e sai em abril, pela também catarinense Edições Nephelibata, uma 2ª edição de A nona geração, volume de contos do costarricense Alfonso Peña. Preparo agora o 2° volume de O começo da busca, cujo volume inicial a Escrituras publicou em 2001. Este volume complementar tem seu ambiente ampliado, incluindo poetas surrealistas de todo o continente. Para tanto, contei com a participação de Éclair Antonio Almeida Filho, nas traduções do inglês e do francês. Este livro se soma a uma 2ª edição de Un nuevo continente, abrangente antologia do surrealismo em todo o continente, que se prepara para editar a Monte Ávila Editores, da Venezuela. A rigor, devo mencionar que tanto Almeida Filho quanto a argentina Marta Spagnuolo, têm sido cúmplices valiosos neste trabalho de tradução, o que tem permitido uma mais ampla circulação de textos e autores. Graças ao Almeida Filho, por exemplo, temos publicado mais recentemente na Agulha autores do Canadá e Estados Unidos. Meu interesse pela literatura hispano-americana já ultrapassa a casa de 25 anos e basicamente radica na necessidade de se fazer acordar este nosso país para fundar um diálogo continental. (Entrevista concedida a Álvaro Alves de Faria, 2007)
*** AP Otra de tus pasiones es la traducción de textos poéticos y narrativos. Siempre se ha considerado que el traductor “camina al borde del abismo”, “al filo de la navaja”. ¿Eso se siente, Floriano, al traducir a Cabrera Infante y a García Lorca? FM Mencionas dos variaciones del mismo crimen. La inclinación lúdica que propicia la convivencia con la obra de los autores nombrados camina por regiones distintas. Los diminutivos en García Lorca, por ejemplo, contrastan con los juegos semánticos en Cabrera Infante. Traduje, del cubano, un libro en que los textos su| 160
fren variación de lenguaje y abordaje mientras un mismo tema se mantiene como matriz. Traduje, de García Lorca, una antología de poemas de amor preparada por la editorial que me contrató. Los dos autores tenían antecedentes notables con referencia a sus traductores en el Brasil. Yo tengo siempre mucho recato en lo tocante a esa confusión –cuyo hilo conductor es puro ego– de considerar al traductor una especie de coautor. Bien sabemos de la tendencia más ortodoxa que da al traductor el derecho de interferir en el original, lo que en la práctica es un desastre, excepto cuando esta es una operación inevitable. Me gusta mucho usar el cine como referencia para muchas cosas en nuestro tiempo, no tanto por la manera como el arte cinematográfico envuelve otras artes, sino más que nada pensando en conexiones prácticas, y aquí el ejemplo sería la presencia de leyendas en filmes extranjeros, asunto válido en y para cualquier país. No hay mayores absurdos de traducción que los que se cometen en las leyendas de las películas. (Entrevista concedida a Alfonso Peña, 2009)
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Rastros de um caramujo | Publicações & outros afazeres Livros publicados 1. Poesia 1. 2. 3. 4.
Cinzas do sol. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991. Sábias areias. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1991. Tumultúmulos. Rio de Janeiro: Mundo Manual Edições, 1994. Ashes of the sun. Translated by Margaret Jull Costa. The myth of the world. Vol. 2. The Dedalus Book of Surrealism. London: Dedalus Ltd., 1994. pp. 134139. 5. Alma em chamas. Fortaleza: Letra & Música, 1998. 6. Cenizas del sol [con el escultor Edgar Zúñiga]. San José de Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2001. 7. Extravio de noites. Caxias do Sul: Poetas de Orpheu, 2001. 8. Estudos de pele. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004. 9. Tres estudios para un amor loco. Trad. Marta Spagnuolo. México: Alforja Arte y Literatura A.C., 2006. 10. La noche impresa en tu piel. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Taller Editorial El Pez Soluble, 2006. 11. Duas mentiras. Edições Projeto Dulcinéia Catadora. São Paulo. 2008. 12. Teatro imposible. Trad. Marta Spagnuolo. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2008. 13. A alma desfeita em corpo. Lisboa: Apenas Livros, 2009. 14. Fuego en las cartas. Trad. Blanca Luz Pulido. Colección Palabra Ibérica. Huelva, España: Ayuntamiento de Punta Umbría. 2009. 15. Autobiografia de um truque. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2010. 16. Delante del fuego. Selección y traducción de Benjamín Valdivia. Guanajuato, México: Azafrán y Cinabrio Ediciones, 2010. 17. Abismanto [com Viviane de Santana Paulo]. Natal: Sol Negro Edições, 2012. 2. Ensaio 1. El corazón del infinito. Tres poetas brasileños. Trad. Jesús Cobo. Toledo: Cuadernos de Calandrajas, 1993. 2. Escritura conquistada. Diálogos com poetas latino-americanos. Fortaleza: Letra & Música, 1998. 3. O começo da busca. Escrituras surrealistas na América Hispânica. Coleção Memo. Fundação Memorial da América Latina. São Paulo. 1998. 4. Alberto Nepomuceno. Edições FDR. Fortaleza. 2000. 5. O começo da busca. O surrealismo na poesia da América Latina. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2001. 6. Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra América. San José de Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2004. 7. Un nuevo continente. Antología del Surrealismo en la Poesía de nuestra América. Caracas, Venezuela: Monte Ávila Editores, 2008. 8. A inocência de Pensar. Coleção Ensaios Transversais. São Paulo: Escrituras, 2009. 9. Escritura conquistada. Conversaciones con poetas de Latinoamérica. 2 tomos. Caracas: Fundación Editorial El Perro y La Rana. 2010. 3. Narrativa | Teatro | 162
1. Sobras de Deus. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008. [narrativa] 2. O livro invisível de William Burroughs. Natal: Sol Negro Edições, 2012. [teatro] 4. Traduções 1. LORCA, Federico García. Poemas de amor. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998. [Tradução e prólogo] 2. INFANTE, Guillermo Cabrera. Delito por bailar o chá-chá-chá. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998. 3. PADRÓN, Jorge Rodríguez. Dois poetas cubanos. Coleção Memo. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 1999. [Organização, tradução e prólogo] 4. VEGA, José Luis. Três entradas para Porto Rico. Coleção Memo. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2000. [Organização, tradução e prólogo] 5. PEÑA, Alfonso. A nona geração. Fortaleza: Edições Resto do Mundo, 2000. / 2ª Ed., Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2008. [Tradução e prólogo] 6. GASTÃO, Ana Marques. Nudos. 25 poemas sobre 25 obras de Paula Rego. Lisboa: Gótica, 2004. [Traducción al español] 7. PELLICER, Carlos. Antologia poética. Ed. Everardo Norões. Trad. Geraldo de Holanda, Ivo Barroso, Pedro Américo de Farias, Thiago de Mello, Floriano Martins. Recife: Sol, 2005. 8. CALZADILLA, Juan. A condição urbana. Santa Catarina: Letras Contemporâneas, 2005. [Organização, tradução e prólogo] 9. MEJÍA, Ruben. eXpírito. São Paulo: Escrituras, 2007. 10. LANGAGNE, Eduardo. Dentro do poema (Poetas mexicanos nascidos entre 1950 e 1959). Fortaleza: Coleção Nossa Cultura. Edições UFC/Governo do Estado do Ceará, 2010. 11. CUADRA, Pablo Antonio. A aventura literária da mestiçagem. Fortaleza: Coleção Nossa Cultura. Edições UFC/Governo do Estado do Ceará, 2010. [Tradução em colaboração com Petra Ramos Guarinon] 12. HUIDOBRO, Vicente | ARP, Hans. Três novelas exemplares & 20 poemas intransigentes. Natal: Sol Negro Edições, 2012. [Organização, tradução e prólogo] 5. Organização de livros 1. Una antología de poetas brasileños. Ed. Jaime Rosa Romero. Trad. Adalberto Arrunátegui, Alfonso Peña, Aníbal Cristobo, Antonio Alfeca, Benjamin Valdivia, Carlos Osorio, Eduardo Langagne, Floriano Martins, Gladis Basagoitia Dazza, Luciana di Leone, Margarito Cuéllar, Marta Spagnuolo, Paulo Octaviano Terra, Reynaldo Jiménez, Tomás Saraví. Madrid: Huerga & Fierro, 2007. [Prólogo. Organización compartida con José Geraldo Neres]. 2. Mundo Mágico: Colômbia. Poesia colombiana no século XX. Recife, Pernambuco: Edições Bagaço, 2007. [Organização, tradução e prólogo, em parceria com Lucila Nogueira] 3. WILLER, Claudio. Poemas para leer en voz alta. San José, Costa Rica: Ediciones Andrómeda, 2007. [Organização, entrevista e posfácio] 4. Máscaras de Orfeo: poesía brasileña y dominicana. Santo Domingo, República Dominicana. Ediciones de la Secretaría de Estado de la Cultura, 2009. [organização e prólogo em parceria com Basilio Belliard]
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5. SOBRINHO, THOMAZ POMPEU. A grandeza índia do Ceará. Fortaleza: Coleção Nossa Cultura. Edições UFC/Governo do Estado do Ceará, 2010. [Organização e prólogo] 6. FACÓ, Américo. Obra perdida. Fortaleza: Coleção Nossa Cultura. Edições UFC/Governo do Estado do Ceará, 2011. [Organização e prólogo] Outras atividades 1. Curadoria 1. “Projeto Editorial Banda Hispânica”. Banco de dados de circulação permanente pela Internet. Criado em janeiro de 2001. Jornal de Poesia: www.jornaldepoesia.jor.br/bhportal.html. 2. “Projeto Editorial Banda Lusófona”. Banco de dados de circulação permanente pela Internet. Criado em janeiro de 2010. Jornal de Poesia: www.jornaldepoesia.jor.br/blportal.html. 3. “Cidades”, Retrospectiva da obra plástica de Hélio Rôla. Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Memorial da Cultura Cearense. Fortaleza. Março de 2005. 4. “A Aventura cultural da mestiçagem”. 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará. Centro de Convenções/Universidade de Fortaleza. Fortaleza. Outubro de 2008. 5. “Fundação Casa das Américas – 50 anos de Cultura e Revolução”. Ciclo de palestras e debates. Casa de José de Alencar. Fortaleza. 01 a 04 de dezembro de 2009. 2. Coordenação editorial 2.1 Coleção “Ponte Velha”. Escrituras Editora 1. SEIXAS, Cruzeiro. Homenagem à realidade. São Paulo: Escrituras, 2005. [Organização e prólogo] 2. HATHERLY, Ana. A idade da escrita e outros poemas. São Paulo: Escrituras, 2005. [Organização e prólogo] 3. CARVALHO, Armando Silva. Armas brancas. São Paulo: Escrituras, 2006. [Organização e prólogo] 4. MEYRELLES, Isabel. Palavras noturnas. São Paulo: Escrituras, 2006. [Organização e prólogo] 5. BARRENTO, João. O arco da palavra. São Paulo: Escrituras, 2006. [Organização e prólogo] 6. SAIÃO, Nicolau. Olhares perdidos. São Paulo: Escrituras, 2006. [Organização e prólogo] 7. BARAHONA, António. Sobre um abismo. São Paulo: Escrituras, 2007. [Organização] 8. CASTRO, Carlos Garcia de. Fora de portas. São Paulo: Escrituras, 2007. [Organização] 9. FRANCISCO, José do Carmo. Mansões abandonadas. São Paulo: Escrituras, 2007. [Organização] 10. PACHECO, Luiz. O espelho libertino. São Paulo: Escrituras, 2007. [Organização e prólogo] 11. GUEDES, Maria Estela. Tríptico a solo. São Paulo: Escrituras, 2007. [Organização e prólogo] 12. HORTA, Maria Tereza. Palavras secretas. São Paulo: Escrituras, 2007. [Organização e prólogo] 13. DIAS, Saúl. De Ainda a Vislumbre. São Paulo: Escrituras, 2007. [Organização] | 164
14. PATRAQUIM, Luís Carlos. O osso côncavo e outros poemas. São Paulo: Escrituras, 2008. [Organização e prólogo] 15. JORGE, Luiza Neto. Corpo insurreto e outros poemas. São Paulo: Escrituras, 2008. [Organização] 16. TAVARES, José Luiz. Lisbon Blues (seguido de Desarmonia). São Paulo: Escrituras, 2008. [Organização] 17. SANTOS, Fernando Alves dos. Diário flagrante. São Paulo: Escrituras, 2008. [Organização] 18. ECHEVARRÍA, Fernando. Uso de penumbra. São Paulo: Escrituras, 2008. [Organização e posfácio] 19. AGUIAR, Fernando. Tudo por tudo. São Paulo: Escrituras, 2009. [Organização] 20. PASSOS, Teresa Ferrer. Escritos voando no tempo. São Paulo: Escrituras, 2009. [Organização e prólogo] 21. BRANCO, Rosa Alice. A condição secreta do visível. São Paulo: Escrituras, 2009. [Prólogo] 22. BEJA, Olinda. Aromas de cajamanga. São Paulo: Escrituras, 2009. [Organização e prólogo] 23. RUAS, Joana. Das estações entre portas. São Paulo: Escrituras, 2009. [Organização e prólogo] 24. TOMÉ, Tânia. Agarra-me o sol por trás e outros escritos e melodias. São Paulo: Escrituras, 2010. [Organização e prólogo] 25. PROENÇA, Pedro. Comentários ao Apocalipse. São Paulo: Escrituras, 2010. [Organização] 26. BARROSO, Maria do Sameiro. Poemas da noite incompleta. São Paulo: Escrituras, 2010. [Organização e prólogo] 27. CONRADO, Julio. A escrita a postos. São Paulo: Escrituras, 2010. [Organização e prólogo] 28. FORTES, Corsino. A cabeça calva de Deus. São Paulo: Escrituras, 2010. [Organização e prólogo] 29. SOUSA, Ernesto de. Oralidade, futuro da arte? E outros textos 1953-87. São Paulo: Escrituras, 2010. [Organização de Isabel Alves] 30. GUEDES, Maria Estela. A obra ao rubro de Herberto Helder. São Paulo: Escrituras, 2010. 2.1 Coleção “O Começo da Busca”. Edições Nephelibata 1. KLINTOWITZ, Jacob. O portão dourado. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2010. 2. PELLEGRINI, Aldo. O caracol privado. Santa Catarina: Edições Nephelibata, 2010. [Organização, tradução e prólogo] 3. Leituras | Seminários | Multimídia 1. “Altares do Caos”. Poesia, música, dança. Museu de Arte Contemporânea. Panamá. 2000. 2. “William Burroughs: a montagem”. Leitura dramática de colagem de textos de William Burroughs e Floriano Martins. Teatro da Biblioteca Mário de Andrade. São Paulo. 1999. 3. “Teatro Impossível”. Poesia, música, vídeo. Centro Cultural Banco do Nordeste do Brasil. Fortaleza. 2006. 4. “Poemas digitais”. Conferência e vídeo. MuBE – Museu Brasileiro da Escultura. São Paulo. 2008. 5. “Poemas digitais”. Fotografia, vídeo, música. MuBE – Museu Brasileiro da Escultura. São Paulo. 2009. | 165
6. “I Muestra Internacional de Poesía Visual y Experimental en Venezuela”. Escuela de Artes Plásticas Armando Reverón. Caracas. 02 a 23 de Julio de 2009. 7. “Poemas digitales”. Fotografia, vídeo e música. Leitura compartilhada com Carolina Calvo-Pérez. Festival Internacional de la Cultura. Tunja, Colômbia. 28/08 a 05/09 de 2009. 8. “Corrientes de vanguardia en América Latina”. Seminario. Department of Romance Languages. University of Cincinnati. Ohio, Estados Unidos. Janeiro a março de 2010. 9. “La efigie sospechosa”. Poesia, fotografia, vídeo e música. Taft Research Center. University of Cincinnati. Ohio, Estados Unidos. 02/03/2010. 4. Exposições 1. “Surrealismo”. Colagens. Mostra coletiva. Curadoria Sérgio Lima. NAC – Núcleo de Arte Contemporânea. São Paulo. 1992. 2. “América Latina e o surrealismo”. Colagens. Mostra coletiva. Curadoria Heribert Becker. Museu Bochum. Kohl, Alemanha. 1993. 3. “A imagem da revelação”. Colagens. Mostra coletiva. Curadoria Sérgio Lima. Espaço Expositivo Maria Antonia. São Paulo. 1996. 4. “Artista convidado”. Colagens. Agulha # 47. Fortaleza, São Paulo. 2005. 5. “I Muestra Internacional de Poesía Visual y Experimental en Venezuela”. Escuela de Artes Plásticas Armando Reverón. Caracas. 02 a 23 de Julio de 2009. 6. “Reciclagem na arte”. Mostra coletiva do Museu Itinerante Ultragaz, sob a curadoria de Jacob Klintowitz. Composta por 40 obras de 12 renomados artistas brasileiros. Percorreu várias cidades brasileiras. Maio a julho de 2012. 7. “Na mão de Adão cabem todos os sonhos”. Individual. Curadoria: Jacob Klintowitz. Espaço Cultural Citi. São Paulo. Junho a agosto de 2012.
4. Entrevistas concedidas 1. […] “Floriano Martins: ‘La poesía venezolana es una de las más importantes de Latinoamérica’”. Originalmente publicado na revista Tropel de Luces. Caracas, Venezuela: 2004. 2. ARAÚJO, Felipe. “Conversa com Floriano Martins”. Originalmente publicada no jornal O Povo, caderno Vida & Arte. Fortaleza: agosto de 2008. 3. ARREDONDO, Belkys. “Floriano Martins, la otra máquina del mundo”. Revista Imagen #5 – año 39. Caracas, Venezuela: mayo/junio de 2006. 4. BARNETT, R.-L. Etienne. “Interviews questions (series 1)”. Entrevista inédita, realizada em julho de 2006. 5. BAYMMA, Erico. “Uma conversa com Floriano Martins”. TriploV. Portugal: 2007. 6. BOCCANERA, Jorge. “Floriano Martins”. Buenos Aires, Argentina. 7. BRANDÃO, Fabrício. “Questões para Floriano Martins”. Entrevista realizada em junho de 2008. 8. BRUCH, Gabriela. “Floriano Martins, un poeta brasileño”. Vocación de Penumbra # 1. Buenos Aires: agosto de 2002. 9. CAMPOS, Sérgio. “A poética do paradoxo”. SLMG – Suplemento Literário do Minas Gerais. Belo Horizonte: 07/10/1989. 10. CANTINHO, Maria João. “Ao diálogo com Floriano Martins”. Storm Magazine. Portugal: abril de 2003. 11. CARPINEJAR, Fabrício. “Humanismo poético: uma entrevista com Floriano Martins”. Originalmente publicada no jornal Rascunho # 24. Curitiba: abril de 2002. | 166
12. CARRILLO, Carmen Virginia. “Um olhar na poesia”. Revista Orpheu Digital # 7. Porto Alegre: janeiro de 2002. 13. CASTELLO, José. “Floriano Martins traz os poetas hispano-americanos ao Brasil”. Caderno 2, do jornal O Estado de S. Paulo. São Paulo: 06.02.1999. 14. COE, Walter. “24 vozes da América”. Suplemento Sábado, jornal O Povo. Fortaleza: 16/05/1998. 15. COLOMBO, Sylvia. “Ensaio viaja com Surrealismo na América”. Folha Ilustrada, suplemento do jornal Folha de S. Paulo. São Paulo: 23/02/2002. [Aqui se reproduz a íntegra da entrevista, publicada apenas parcialmente na referida edição.] 16. CRUZ, Edson. “Entrevista com Floriano Martins”. Blog da Escrituras Editora. São Paulo: 06/08/2009. Disponível para consulta em: http://escrituraseditora.blogspot.com/2009/08/entrevista-com-florianomartins.html. 17. DE ALMEIDA, Isabel. “Conversa com FM sobre Vilma Tapia Anaya”. Realizada em junho de 2010, como apoio a uma pesquisa sobre a obra da poeta boliviana. 18. DE CARVALHO. Eleuda. “Floriano Martins – Onírica América”. Entrevista originalmente publicada no jornal O Povo, caderno Vida & Arte. Fortaleza: 24/04/2004. 19. DE CARVALHO, Eleuda. “O franco-atirador está à solta!”. Caderno Vida & Arte, do jornal O Povo. Fortaleza: 10/07/2006. 20. DE CASTRO, Gustavo. “A realidade da palavra”. Originalmente publicada na revista eletrônica Ágora, do Núcleo de Pesquisa em Comunicação da Universidade Potiguar (UnP), Rio Grande do Norte. 21. DE FARIA, Álvaro Alves. “Coleção Ponte Velha de livros portugueses: uma conversa com Floriano Martins”. TriploV. Portugal: 2008. 22. DE FARIA. Álvaro Alves. “Pelo mundo”. Jornal Rascunho. Curitiba: março de 2007. 23. DE FARIA, Álvaro Alves. “Sábio imprevisto”. Jornal Rascunho # 54. Curitiba: outubro de 2004. 24. DE LIMA, Eduardo Sales. Bienal do Ceará busca integrar latino-americanos. 25. FALCÃO, Lorenzo. “Floriano fala sobre literatura e Literamérica”. Overmundo. Cuiabá: 19/03/2006. Disponível para consulta em: www.overmundo.com.br/overblog/floriano-fala-sobre-literatura-eliteramerica. 26. FERNÁNDEZ, Franklin. “Ir al desgaste de todo”. La imagen doble, de Franklin Fernández. Fundación Editorial El Perro y la Rana. Caracas, Venezuela: 2006. 27. FUÃO, Fernando Freitas; SCHNEIDER, Carla; FABRIS, Mariane. “Entrevista a Floriano Martins, uma conversa sobre collage e poesia”. Alma em Chamas, de Floriano Martins (Fortaleza: Ed. Letra e Música, 1998). 28. GASTÃO, Ana Marques. “Entrevista com Floriano Martins”. Cronópios. São Paulo: 19/04/2005. Disponível para consulta em: www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=91. 29. GUEDES, Maria Estela. “Dimensão insondável do selvagem”. TriploV. Portugal: 2002. 30. GUEDES, Maria Estela. “TriploV & Agulha: diálogo entre os editores”. Lisboa/Fortaleza: outubro de 2002. 31. ÍRIS, Manuel. “Nascendo todos os dias”. Agulha Hispânica # 4. Fortaleza: julho de 2010. 32. LEÃO, Rodrigo de Souza. “Entrevista a Floriano Martins”. Balacobaco. Rio de Janeiro: setembro de 1998. 33. LEYVA, José Angel. Revista UIC. Foro Multidisciplinario de la Universidad Intercontinental # 18. México: octubre de 2010. | 167
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Sobre os autores Adlin Pietro (Venezuela, 1978). Profesora de Lengua Española y Literatura Latinoamericana adscrita al Departamento de Lengua y Literatura de la Universidad Simón Bolívar (Caracas). Investigadora del Programa de Promoción del Investigador (PPI) del Observatorio Nacional de Ciencia, Tecnología e Innovación (ONCTI). Álvaro Alves de Faria (Brasil,1942). Poeta, ensaísta e jornalista. Mantém um blog no Portal Jovem Pan. Ana Marques Gastão (Portugal, 1962). Poeta, redatora cultural do Diário de Notícias e crítica literária. Autora, entre outros, de Terra sem Mãe (2000), Nocturnos (2002), e Nós (2004) sobre obras de Paula Rego. Editou no Brasil uma antologia pessoal intitulada A Definição da Noite (Escrituras, 2003). Belkys Arredondo Oliva (Venezuela). Poeta, jornalista e editora. Carmen Virginia Carrillo (Venezuela). Ensaísta. Emmanuel Nogueira (Brasil). Jornalista do Diário do Nordeste. Fabrício Carpinejar (Brasil, 1972). Poeta e jornalista. Mestre em Literatura brasileira pela UFRGS. Jorge Ariel Madrazo (Argentina, 1931). Poeta, ficcionista, tradutor e ensaísta. Autor de livros como Espejos y destierros (1982), Testimonios de fin de milenio. Conversaciones com Elizabeth Azcona Cranwell (1998) e De mujer nacido (2003). José Anderson Sandes (Brasil, 1955). Jornalista e professor universitário. Foi editor de cultura do Diário do Nordeste. José Angel Leyva (México, 1958). Poeta, ensaysta y editor. Director de la revista Alforja. Ha publicado libros como: Botellas de sed (1996), El espinazo del diablo (1998), y La noche del jabalí (2002). José Castello (Brasil, 1951). Biógrafo, crítico literário, cronista, romancista e jornalista. Lira Neto (Brasil, 1973). Jornalista e escritor. Autor, entre outros livros, de Maysa: Só numa multidão de amores e O inimigo do rei: uma biografia de José de Alencar (Prêmio Jabuti de melhor biografia do ano em 2007), ambos publicados pela Editora Globo. Madeline Millán (Porto Rico, ). Poeta, ensaísta e Márcio Simões (Brasil, 1979). Poeta e tradutor. Publicou uma plaqueta, O Pastoreio do Boi (XII Poemas, 2008). Fundou e dirige o selo Sol Negro Edições. Manuel Iris (México 1983). Licenciado en Literatura Latinoamericana por la Universidad Autónoma de Yucatán (premio al merito académico), y Master of arts in spanish por la New Mexico State University. Segundo lugar en el Premio Nacional de Poesía “Rosario Castellanos” (2003). Premio Nacional de Poesía “Mérida” (2009). Autor de Versos robados y otros juegos (PACMYC-CONACULTA 2004, UADY 2006), y Cuaderno de los sueños (Fondo Editorial Tierra Adentro, 2009). Rodrigo de Souza Leão (Brasil, 1965-2009). Jornalista, poeta, narrador e editor. Fundador e coeditor da Zunái — Revista de Poesia & Debates. Rodrigo Petronio (Brasil, 1975). Poeta, ensaísta e pesquisador. Professor de Criação Literária na Academia Internacional de Cinema (AIC), no Centro de Estudos Cavalo Azul, e no Instituto Fernand Braudel. É autor dos livros História Natural (poemas, 2000), Transversal | 170
do Tempo (ensaios, 2002) e Pedra de luz (poemas, 2005). Organizou com a poeta Rosa Alice Branco a antologia Animal Olhar (2005), do poeta português António Ramos Rosa. Sérgio Campos (Brasil, 1941-1994). Poeta, crítico de Literatura. Publicou, entre outros, Montanhecer, poemas. Reside em Nova Friburgo, RJ.
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