Nunca me esquecas

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Lesley Pearse

Nunca me Esqueças Até onde iria por amor?


Titulo Original: Remember me © 2003, Lesley Pearse Traduzido do inglês por Isabel Alves Este livro foi composto por GSamagaio, Porto, e impresso e acabado por EIGAL. 1ª Edição: Novembro de 2008 2ª Edição: Fevereiro de 2009 Deposito legal nº 287395/09 ISBN: 978-989-23-0317-8 Reservados todos os direitos Edições ASA II, S.A. Uma chancela do Grupo Leya SEDE Rua Cidade de Córdova,2 2610-038 – Alfragide Portugal E-mail: edições@asa.pt Internet. Www.asa.pt


A John Roberts, o meu Boswell pessoal. Não há palavras que transmitam plenamente a minha gratidão.



Agradecimentos A Pam Quick, em Sydney, Nova Gales do Sul, não só por toda a informação, livros e imagens que me passaste a Respeito da Primeira Frota, mas pelo teu apoio constante. Sem o teu estusiástico interesse, o teu tempo, a tua ajuda e apoio incansáveis, numa teria acabado o livro. Quando voltar a Sydney, devo-te pelo menos um belo jantar. Deus te abençoe. Li dezenas de livros durante a minha pesquisa para Nunca Me Esqueças, mas os que seguidamente menciono foram os mais iportantes: To Brave Every Danger, de Judith Cook. A verdade é por vezes mais estranha e mais heróica do que a ficção e o livro meticuloso sobre Mary Bryant de Fowey é verdadeiramente inspirados e uma leitura obrigatória para os apaixonados da História. Fatal Shore, de Robert Hughes. Um livro fascinante e fabuloso sobre os primeiros tempos da Australia. The First Twelve Years, de Peter Taylor. Extraordinariamente informativo sem ser pesado nem desinteressante incluindo óptimas fotografias. Õrphans of History, de Robert Holden. Um relato comovente das crianças esquecidas da Primeira Frota. The Floating Brothel, de Sîan Ress. A historia das mulheres deportadas que viajaram no Juliana. Chocante e informativo. Boswell’s Presumptuous Task, de Adam Sisman. Uma obra maravilhosa sobre James Boswell. 5


Dr. Johnson’s London, de Liza Picard. Uma leitura esplêndida, uma imagem incrivelmente vívida de Londres no século XVIII. English Society in the Eighteenth Century, de Roy Porter.

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Capítulo 1 1786

Mary apertou com força o corrimão do banco dos réus quando o juiz entrou na sala do tribunal. As janelas eram pequenas e sujas, deixando entrar apenas uma luz débil, mas o chapéu preto sobre a sua peruca amarelada e o silêncio expectante da galeria eram inconfundíveis. - Mary Broad. Serás levada daqui de volta para onde vieste e aí enforcada ate morreres – entoou ele, não se dignando se quer olhar para ela de frente. – Que Deus tenha piedade da tua alma. Mary sentiu uma reviravolta no estômago e as pernas a ceder. Sabia perfeitamente que a forca era a pena habitual para o assalto de estrada, mas uma pequena parte de si ativera-se à convicção de que o juiz seria clemente por ela ser muito nova. Devia ter adivinhado. Era o dia 20 de Março de 1786 e faltavam poucas semanas para Mary Broad fazer vinte anos. Era em tudo uma rapariga normal, nem particularmente alta nem baixa, nem extraordinariamente bonita nem feia. A única coisa que a distinguia das outras pessoas em julgamento nesse dia, no tribunal criminal de Lenten, era a sua aparência de rapariga do campo. Possuía uma tez luminosa que, mesmo depois de semanas de encarceramento em Exeter Castle, ainda mantinha um ligeiro brilho. O seu cabelo escuro e o seu vestido cinzento de estambre, embora sujo da prisão, era simples e prático. Instalou-se à sua volta um burburinho, pois a sala do tribunal em Exeter estava superlotada. Alguns dos presentes eram amigos e familiares de outros prisioneiros que seriam julgados nesse dia, mas na maioria eram simples espectadores. Contudo, o ruído não era da simpatia nem de indignação perante uma pena tão severa. Mary não tinha um so amigo em toda a sala. Um mar de rostos encardidos virou-se para ela, os olhos incendiados por um brilho 9


maldoso, o breve movimento desprendendo o odor dos corpos mal lavados que lhe invadiu as narinas. Queriam que ela reagisse, que rompesse em lágrimas, que manifestasse fúria ou implorasse misericórdia. Ela tinha vontade de gritar, implorar pela vida, mas o traço provocador do seu carácter que a levara desde logo a roubar alguém incitava-a a manter pelo menos a dignidade. A mão de um guarda caiu-lhe sobre o ombro. Agora era demasiado tarde para outra coisa que não a oração. Mary mal teve consciência da viagem de carroça de volta e Exeter Castle, a prisão onde fora encarcerada desde que a haviam levado de Plymouth, após a sua detenção. Mal reparou no ruído dos grilhões de ferro que lhe prendiam os tornozelos, ligados a outro cinto pesado em torno da cintura, nas outras sete prisioneiras na carroça ou nos apupos da multidão nas ruas. A única coisa que lhe ia no pensamento era que a próxima vez que visse o céu sobre ela seria o dia em que a conduziriam à forca. Levantou o rosto para o sol débil da tarde. Nessa manha, ao ser levada para comparecer no tribunal criminal, o sol primaveril quase a cegara depois da escuridão das celas. Olhara ansiosamente à sua volta, vira novas folhas a despontar nas árvores, ouvira pombos arrulhar em rituais de acasalamento, insensata, interpretara todos esses sinais como bons augúrios. Como se enganar! Jamais veria a sua adorada Cornualha. Jamais veria os pais ou a irmã Dolly. Só lhe restava a esperança de que nunca viessem a descobrir o que fizera. Era preferível que pensassem que os tinha abandonado para seguir uma nova vida em Plymouth ou até em Londres a terem de suportar a desonra de saber que a sua vida terminara às mãos do carrasco. Mary ouviu alguém a soluçar e olhou para a mulher sentada à sua esquerda. A sua idade era impossível de determinar pois tinha o rosto crivado de bexigas e apertava contra a cabeça uma capa castanha esfarrapada para tentar esconde-lo. -Chorar não serve de nada – disse Mary, presumindo que a mulher também fora condenada à forca. – Pelo menos agora sabemos o que nos espera daqui em diante. -Eu não roubei nada – sussurrou a mulher. – Juro que não roubei. Foi outra pessoa que fugiu e me deixou a arcar com as culpas. Mary já ouvira aquela história muitas vezes da boca de outras prisioneiras desde a sua detenção em Janeiro. Inicialmente, acreditara em quase todas, mas agora estava mais calejada. -Disseste-lhe isso hoje? – perguntou. 10


A mulher indicou que sim, as lágrimas correndo ainda mais abundantes. – Mas disseram que tinham uma testemunha. Mary não teve alento para lhe pedir que contasse toda a história. Queria encher os pulmões de ar puro, encher o espírito das imagens e sons da movimentada cidade de Exeter para ter, quando chegasse à cela imunda e sombria, recordações para evocar. Ouvir a triste história daquela mulher só a alquebraria ainda mais. No entanto, a sua compaixão natural não a deixava ignorar a pobre criatura. -Também vais ser enforcada? – perguntou. A mulher virou bruscamente a cabeça para olhar para Mary, a surpresa estampando-se no seu rosto devastado. – Não. Foi só uma empada de carneiro que me acusaram de roubar. -Então tens mais sorte do que eu – suspirou Mary. Uma vez regressada à prisão, lançada para uma cela com mais vinte prisioneiros de ambos os sexos, Mary arranjou um espaço contra a parede, sentou-se, ajustou as correntes dos grilhões para poder levantar os joelhos, aconchegou-se bem à capa e recostou-se para avaliar a situação em que se encontrava. A cela era diferente daquela de onde saíra nessa manha, melhor no sentido em que entrava ar fresco por uma grade no alto da parede, a palha no chão tinha um aspecto ligeiramente mais limpo e os baldes ainda não estavam cheios. Mas o ar continuava empestado, pairava nele uma fetidez de sujidade, fluidos corporais, vómito, bolor e sofrimento humano que ela inalava a cada inspiração. Reinava um silêncio de mau agoiro. Ninguém falava em voz alta, praguejava ou insultava os carcereiros como acontecera na cela anterior. Na verdade, estavam todos sentados como ela, submersos em reflexões ou desespero. Mary deduziu que queria dizer que estavam todos condenados à morte e tão aturdidos com o facto como ela. Não via Catherine Fyer nem Mary Haydon, as raparigas com quem fora apanhada, embora tivessem sido levadas juntas para o tribunal criminal nessa manhã. Não fazia ideia se ainda lá estavam à espera do julgamento ou se haviam escapado com uma pena mais leve do que a sua. Fosse qual fosse a razão, alegrava-a que não estivessem ali. Não queria recordar o sucedido mas, se não tivessem sido ela, nunca lhe teria passado pela cabeça roubar ninguém. A obscuridade era demasiado forte para distinguir claramente os outros ocupantes da cela, a única luz entrando por um postigo no corredor, do outro lado da porta gradeada. 11


Num dia… Com um gesto apenas… A vida de Mary mudou para sempre. Naquele que seria o dia mais decisivo da sua vida.Maryfilha de humildes pescadores da Cornualha- traçou o seu destino ao roubar um chapéu. O seu castigo: a forca. A sua única alternativa. Recomeçar a vida no outro lado do mundo. Dividida entre o sonho de começar de novo e o terror de não sobreviver a tão dura viagem. Mary ruma à Australia, à epocca uma colónia de condenados. O novo continente revela-se um enorme desafio onde tudo é desconhecido… como desconhecida é a assombrosa sensação de encontrar o grande amor da sua vida. Apaixonada, Mary vai bater-se pelos seus sonhos sem reservas ou hisitaçoes. E a sua luta ficará para sempre inscrita na História. Inspirada por uma excepcional historia verídica, Lesley Pearse – a rainha do romance inglês – apresenta-nos Mary Broad e, com ela, faz-nos embarcar numa montanha-russa de emoções únicas e inesquecíveis.


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