PL nº 4.850 - O ponto de vista da Ajufe

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Diretoria

Roberto Carvalho Veloso

Vice-presidente da 1ª Região

Eduardo André Brandão de Brito Fernandes

Vice-presidente da 2ª Região

Marcelle Ragazoni Carvalho

Vice-presidente da 3ª Região

Nelson Gustavo Mesquita Ribeiro Alves

Vice-presidente da 4ª Região

Antônio José de Carvalho Araújo

Vice-presidente da 5ª Região

Fernando Marcelo Mendes

Secretário-geral

Rodrigo Machado Coutinho

Primeiro secretário

Frederico José Pinto de Azevedo Fernando Quadros da Silva Marcos Mairton da Silva Marcelo da Rocha Rosado Raquel Coelho Dal Rio Silveira Carlos Eduardo Delgado Candice Lavocat Galvão Jobim Alexandre Vidigal de Oliveira Gabriela Hardt Sérgio Feltrin Corrêa Paulo André Espirito Santo Bonfadini Alexandre Berzosa Saliba Marcelo Lelis de Aguiar Fábio Moreira Ramiro Marcel Citro de Azevedo

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Presidente

André Prado de Vasconcelos

Tesoureiro Diretor da Revista Diretor Cultural Diretor Social Diretora de Relações Internacionais Diretor de Assuntos Legislativos Diretora de Relações Institucionais Diretor de Assuntos Jurídicos Diretora de Esportes Diretor de Assuntos de Interesses dos Aposentados Diretor de Comunicação Diretor Administrativo Diretor de Tecnologia da Informação Coordenador de Comissões Diretor de Prerrogativas

Alexandre Ferreira Infante Vieira

Suplente

Paulo César Villela Souto Lopes Rodrigues

Suplente

Fernando Nardon Nielsen

Suplente

Sandro Nunes Vieira

Suplente

Ronivon de Aragão

Suplente

Claudio Kitner

Membro do Conselho Fiscal

José Airton de Aguiar Portela

Membro do Conselho Fiscal

Marianina Galante

Membro do Conselho Fiscal

Leonardo da Costa Couceiro

Membro do Conselho Fiscal (Suplente)

Marcelo Guerra Martins

Membro do Conselho Fiscal (Suplente)

Projeto de Lei nº 4.850/16 - O ponto de vista da AJUFE O que apoiamos e o que somos contra


Comissão de Magistrados Associados da AJUFE que colaboraram na redação:

Presidente: Walter Nunes da Silva Júnior

Magistrados componentes do Grupo: Medida 1 - Jorge Gustavo Serra de Macêdo Costa Medida 2 - Renata Andrade Lotufo Medida 3 - Marcello Ferreira de Souza Granado Medida 4 - Márcio Antônio Rocha Medida 5 - Rodrigo Pessoa Pereira da Silva Medida 6 - Alessandro Diaferia Medida 7 - Walter Nunes Medida 8 - Silvio César Arouck Gemaque Medida 9 - Cesar Arthur Cavalcanti de Carvalho Medida 10 - André Prado de Vasconcelos Medida 11 - Márcio Antônio Rocha Medida 12 - Márcio Antônio Rocha

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Nota Pública a respeito do Projeto de Lei nº 4.850/16, tal como previsto no parecer do Deputado Onyx Lorenzoni.

Medida

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I. Accountability: A AJUFE NÃO APOIA

Medida

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I. Criminalização do enriquecimento ilícito agentes públicos: A AJUFE APOIA, MAS PEDE MUDANÇAS.

Medida

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I. Aumento das penas mínimas dos crimes definidos nos arts. 312 e § 1º, 313-A, 316, 316, § 2º, 317 e 333, inclusão destes tipos penais no rol de crimes hediondos quando a vantagem ou o prejuízo for de valor for superior a cem salários-mínimos (corrupção de altos valores) e revogação do crime de corrupção previsto na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e do crime de peculato praticado por prefeito do Decreto-Lei nº 201, de 1967: A AJUFE APOIA, MAS PEDE MUDANÇAS. II. Revogação do crime de corrupção previsto na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e do crime de peculato praticado por prefeito do Decreto-Lei nº 201, de 1967: A AJUFE APOIA.

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Medida

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I. Aprimoramento dos recursos no âmbito penal: A AJUFE APOIA EM PARTE.

Medida

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I. Procedimento para agilizar a tramitação da Ação de Improbidade Administrativa: A AJUFE APOIA. II. Anteprojeto de Lei para criação de Juízos especializados no julgamento de ações de improbidade: A AJUFE APOIA EM PARTE III. Do acordo de leniência da esfera administrativa: A AJUFE NÃO APOIA.

Medida

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I. Ajustes na prescrição penal contra a impunidade e a corrupção. Alteração dos arts. 110, 112, I, 116 e 117, e acrescenta § 2º ao art. 337-B do CPP, com a ampliação da prescrição da pretensão executória, extinção da prescrição pela pena concreta, suspensão do prazo prescricional pela interposição dos recursos especial e extraordinário entre outras: A AJUFE APOIA EM PARTE.


Medida

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I. Ajustes nas nulidades penais contra a impunidade e a corrupção:

» Exceções à inadmissibilidade das

provas obtidas por meios ilícitos: alteração do art. 157 do CPP: A AJUFE APOIA EM PARTE

 Teoria da boa fé ou good faith: A AJUFE APOIA.  Doutrina do purged taint ou dos vícios sanados: A AJUFE NÃO APOIA.  Cláusula da legítima defesa ou do exercício regular de direito: A AJUFE APOIA.  Servir para revelar a mentira do acusado: A AJUFE NÃO APOIA.  Prova em prol do acusado: A AJUFE APOIA.

» Dever de aproveitamento dos atos: A AJUFE NÃO APOIA.

» Conservação dos atos processuais até a

Medida

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I. Prisão Preventiva para Evitar a Dissipação do Dinheiro Desviado: A AJUFE NÃO APOIA. II. Multa aos Bancos por Descumprimento de Ordem Judicial: A AJUFE APOIA.

Medida

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I. Confisco Alargado: A AJUFE NÃO APOIA. II. Extinção Civil do Domínio: A AJUFE APOIA.

Medida

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(Acrescentada no parecer do Deputado Onyx Lorenzoni). I. Programa Reportante para promoção da cidadania e transparência publica (“whistleblower”): A AJUFE APOIA.

declaração de nulidade: A AJUFE APOIA.

» Necessidade de renovação ou retificação das nulidades não sanadas e efeitos da declaração de nulidade: A AJUFE APOIA.

Medida

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Medida

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(Acrescentada no parecer do Deputado Onyx Lorenzoni). I. Aprimoramento da ação popular: A AJUFE APOIA.

I. Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do “Caixa 2”: A AJUFE APOIA.

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Nota Pública a respeito do Projeto de Lei nº 4.850/16, tal como previsto no parecer do Deputado Onyx Lorenzoni.

A

AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil, entidade representativa da Magistratura Federal Brasileira, vem a público apresentar manifestação fundamentada a respeito do projeto de lei de

iniciativa popular (nº 4.850/16) que tinha por escopo inicial instituir as “10 Medidas contra a Corrupção” e que, após o substitutivo apresentado o deputado federal Onyx Lorenzoni, acabou tratando de 12 medidas essenciais ao enfrentamento do tema. O texto apresenta quais alterações propostas no referido projeto de lei, na visão dos Magistrados Federais Brasileiros, são, de fato, fundamentais à boa prestação jurisdicional nessa área, bem como aquelas que não contam com o apoio da AJUFE. Para o melhor acompanhamento didático dessa nota pública, o texto avaliará, positiva ou negativamente, cada uma das medidas propostas no referido projeto de lei na ordem em que dele constam.

Roberto Veloso Presidente da Ajufe

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Medida 01 I. Accountability: A AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil tem posição contrária à criação da regra justificada como um mecanismo de transparência, a qual visa controlar a eficiência do Ministério Público e do Poder Judiciário. A medida propõe o estabelecimento de um marco pré-determinado sobre a duração razoável do processo nas ações de improbidade administrativa e de corrupção, de maneira que os Tribunais e o Ministério Público estariam orientados a fazer estatísticas e encaminhá-las ao CNJ – Conselho Nacional de Justiça - e ao CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público - para avaliação e aprimoramento. Entretanto, não se verifica a necessidade de lei para esse fim, já que existem meios de monitoramento quanto às ações de improbidade administrativa e criminais. A própria Constituição da República prevê a necessidade de observância do princípio da eficiência (art. 37, caput), bem como da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII), normas estas de aplicação direta, ou seja, que não dependem da edição de lei regulamentadora. Ademais, já existem diversos instrumentos de controle do combate à corrupção e de aferição da eficiência desses processos. Cite-se a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), instituída em 2003 e coordenada pela Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, da qual o Conselho Nacional de Justiça é parte integrante. Esse grupo visa à atuação conjunta entre órgãos públicos para o aprimoramento da fiscalização, controle e inteligência sobre a prevenção e combate, dentre outros delitos, da corrupção. Além disso, o Conselho Nacional Justiça, anualmente, por meio da META 4, estipula que os Tribunais, em primeiro e segundo graus, priorizem o julgamento dos processos relativos à corrupção e à improbidade administrativa1. As metas são acompanhadas de relatório estatístico anual para acompanhamento da evolução. 1

Para o ano de 2016, foram estabelecidas as seguintes metas: Identificar e julgar até 31/12/2016:  Na Justiça Estadual, 70% das ações de improbidade administrativa e das ações penais relacionadas a crimes contra a administração pública distribuídas até 31/12/2013;  Na Justiça Federal, 70% das ações de improbidade administrativa distribuídas até 31/12/2014;  Na Justiça Militar da União e dos Estados, as ações penais relacionadas a crimes contra a Administração Pública distribuídas até 31/12/2014; e  No Superior Tribunal de Justiça, 90% das ações de improbidade administrativa e das ações penais relacionadas a crimes contra a Administração Pública distribuídas até 31/12/2013 e 70% das ações distribuídas em 2014.

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Dessa forma, vislumbra-se existir diversos mecanismos de controle e combate à corrupção e à improbidade administrativa, independentemente da edição de lei específica para esse fim, evidenciando a inocuidade dessa medida. A fixação de metas e mecanismos de monitoramento efetivo, aliado a formas de exigir o cumprimento do que for estabelecido podem, como já ocorrem, ser estabelecidas administrativamente pelo Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público, respectivamente, em relação ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Destaque-se, por fim, que tais instrumentos podem se mostrar, inclusive, mais eficazes, porquanto durante as apurações administrativas não há participação do Ministério Público ou de outros legitimados à propositura da ação penal ou da ação de improbidade administrativa, de maneira que, quando essas são ajuizadas, referem-se a atos praticados há longo tempo. O aprimoramento dos mecanismos de controle já existentes seria suficiente para conferir maior agilidade ao combate à corrupção e à improbidade administrativa.

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Medida 02 I. Criminalização do enriquecimento ilícito agentes públicos: A criminalização do enriquecimento ilícito é uma tendência prevista na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção da qual o Brasil é signatário (Decreto 5687/2006). Os Magistrados Federais Brasileiros são favoráveis à medida, porém o art. 312-A não pode servir como substitutivo para a dificuldade prematura de detecção e prova dos crimes de corrupção e peculato. A AJUFE se posiciona favoravelmente à criação do novo tipo penal, porém aproveita o ensejo para fazer algumas ponderações e necessidades de aprimoramento da redação proposta, sugerindo, inclusive, uma nova redação. REDAÇÃO PROPOSTA PELO PROJETO DE LEI: Enriquecimento ilícito Art. 312-A. Adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, possuir, utilizar ou usufruir, de maneira não eventual, bens, direitos ou valores cujo valor seja incompatível com os rendimentos auferidos pelo servidor público, ou por pessoa a ele equiparada, em razão de seu cargo, emprego, função pública ou mandato eletivo, ou auferidos por outro meio lícito: Pena – prisão, de 3 (três) a 8 (oito anos), e confisco dos bens, se o fato não constituir elemento de crime mais grave. § 1º Caracteriza-se o enriquecimento ilícito ainda que, observadas as condições do “caput”, houver amortização ou extinção de dívidas do servidor público, ou de quem a ele equiparado, inclusive por terceira pessoa. § 2º As penas serão aumentadas de metade a dois terços se a propriedade ou a posse dos bens e valores for atribuída fraudulentamente a terceiras pessoas.”

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A redação do dispositivo legal necessita maior precisão nos seguintes termos: a) deve-se aclarar o pressuposto legal do agente declarar seus fatos geradores de riqueza e seu dever de informar todas as suas rendas, a qualquer título (dever do servidor manter a instituição informada sobre seu imposto de renda) b) trazer critério que diferencie o enriquecimento ilícito da evolução patrimonial a descoberto de origem lícita, sob pena de gerar crime tributário mais grave para os agentes públicos; c) apesar da norma ser de direito material, há de se ter o cuidado de não inverter o ônus da prova. Caberá ao Ministério Público demonstrar a evolução patrimonial do agente considerando um período de tempo razoável antecedente e subsequente à sua posse e exercício; d) a pena de “confisco de bens” deve ser melhor maturada e discutida dentro do processo legislativo: - d.1) se é necessária diante do disposto no art. 91, II, “b” do CP; - d.2) se for mantida: resguardar os bens obtidos dentro dos limites de seu salário, bem como os bens de terceiros de boa fé; - d.3) se mantido o confisco de bens, estudar a possibilidade e necessidade de repetir a perda do cargo ou função pública como pena também. Em suma, repisa-se que para não recair no que a doutrina denomina de “crime de mera suspeita”, o crime de enriquecimento ilícito deve deixar clara a intenção do agente em somar riquezas além das recebidas em função do seu cargo, diferenciando da omissão de informação ou prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias, crime já existente no inciso I do art. 1º da Lei 8.137/90.

REDAÇÃO PROPOSTA PELA AJUFE2: Enriquecimento ilícito Art. 312-A. Adquirir, vender, receber emprestado, alugar, receber, ceder, possuir, utilizar ou usufruir, de maneira não eventual, bens, direitos ou valores cujo valor seja incompatível com os rendimentos auferidos pelo servidor público, ou por pessoa a ele equiparada, em razão de seu cargo, emprego, função pública ou mandato eletivo, ou auferidos por outro meio lícito:

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Escrito na cor vermelha as partes onde se pretende a alteração.

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Pena – prisão, de 3 (três) a 8 (oito anos), e multa de 50% a 100% do valor do enriquecimento, se o fato não constituir elemento de crime mais grave. § 1º Caracteriza-se o enriquecimento ilícito ainda que, observadas as condições do “caput”, houver amortização ou extinção de dívidas do servidor público, ou de quem a ele equiparado, inclusive por terceira pessoa. § 2º Para caracterizar o enriquecimento ilícito deve ser fixado um período determinado de enriquecimento, comparando, se for o caso, com o padrão de vida imediatamente anterior e posterior da data da posse. § 3º As penas serão aumentadas de metade a dois terços se a propriedade ou a posse dos bens e valores for atribuída fraudulentamente a terceiras pessoas. §4º Sem prejuízo da responsabilização pelo crime tributário, a pena poderá ser aumentada de um a dois terços se o servidor público falsificar a declaração de bens dolosamente” Como afirmado anteriormente, embora a AJUFE seja favorável à tipificação do crime de enriquecimento ilícito, não pode admitir uma redação genérica que propicie na prática a inversão do ônus da prova. Como inspiração, pode-se tomar o Código Penal argentino que em seu artigo 268 preceitua a pena de multa de 50% a 100% do valor do enriquecimento por três razões: 1ª) obriga que o Ministério Público aponte o valor líquido do enriquecimento ilícito; 2ª) preserva bens e valores do acusado que não são frutos do enriquecimento ilícito; e, 3ª) atende o disposto no inciso IV do artigo 387 do Código de Processo Penal.

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Medida 03

I. Aumento das penas mínimas dos crimes definidos nos arts. 312 e § 1º, 313-A, 316, 316, § 2º, 317 e 333, inclusão destes tipos penais no rol de crimes hediondos quando a vantagem ou o prejuízo for de valor superior a cem salários-mínimos (corrupção de altos valores) e revogação do crime de corrupção previsto na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e do crime de peculato praticado por prefeito do Decreto-Lei nº 201, de 1967: O aumento da pena mínima cominada aos crimes em questão (e aumento também da máxima do crime do art. 316, caput – concussão), incluídos na proposta no sentido amplo do termo “corrupção”, passam de dois para 4 anos de reclusão. Com isso, a prática do crime passa a implicar, no mínimo, prisão em regime semiaberto e também enseja aumento do prazo prescricional que, quando a pena superar quatro anos, passa a ser de 12 anos. Os delitos mencionados tomam proporções concretas alarmantes e bem maiores do que aquela verificada quando da redação original do Código Penal. São crimes dotados de grande lesividade na medida em que o prejuízo é causado a toda a coletividade com o sangramento dos recursos públicos naquilo que poderiam e deveriam ser destinados ao bem estar do povo através do investimento em saúde, educação, habitação e infraestrutura. Isto também justifica a medida proposta para inclusão daqueles crimes no rol de crimes hediondos. Não é razoável a manutenção da natureza e das penas nos limites atuais, sob pena desses delitos terem resposta penal análogas ao furto qualificado. Quanto às figuras de crimes qualificados conforme o valor da vantagem ou do prejuízo, pela proposta as penas mínimas passam a ser de 7 (valor igual a R$ 70.000,00 e inferior a R$ 788.00,00), 10 (igual a R$ 788.000,00 e inferior a R$ 7.880.000,00) e 12 anos (superior a R$ 7.880.000,00). As penas mínimas parecem excessivamente elevadas, tolhendo a atividade jurisdicional quanto à valoração do fato e a resposta penal no caso concreto. A questão

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pode e deve ser mais bem avaliada pelo julgador como circunstância judicial (art. 59 do CP) quando apreciadas e valoradas as consequências do crime.

II. Revogação do crime de corrupção previsto na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e do crime de peculato praticado por prefeito do Decreto-Lei nº 201, de 1967: A revogação desses dispositivos previstos em legislação especial guarda coerência com a proposta de aumento das penas cominadas para os crimes de corrupção. Não é razoável tratamento especial ou diferenciado para a corrupção tributária ou em função do sujeito ativo do delito (prefeito). Situações concretas específicas como, por exemplo, as condições pessoais do acusado em função do cargo ocupado ou as consequências do crime podem e devem ser consideradas pelo magistrado no momento da aplicação da pena prevista na legislação geral (Código Penal). Não se justifica coexistirem normas especiais que geram situações inusitadas como o crime de peculato praticado por prefeito, tratado no Decreto-Lei 201, de 1967, que diferentemente do Código Penal não tem pena de multa cominada.

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Medida 04

I. Aprimoramento dos recursos no âmbito penal: O aprimoramento dos recursos no âmbito do processo penal pode ser promovido tanto internamente no Poder Judiciário, quanto externamente pelas partes envolvidas. Internamente, é salutar o estabelecimento de regras para a duração do pedido de vista, após a Corte ter iniciado o julgamento com voto do Relator, evitando-se que as dificuldades ou menor agilidade de apenas um Magistrado, na entrega de seu voto, imponham a impossibilidade de todo o Tribunal concluir o julgamento. Também a determinação legislativa de processamento simultâneo dos Recursos Especial e Extraordinário fornece um atalho importante para entrega final da jurisdição, evitando-se que as duas mais importantes Cortes do Pais, que apresentam competências constitucionais específicas e independentes tenham, na prática, atuação sucessiva. Externamente, a sistematização do processamento dos embargos de declaração, de modo que somente sejam interpostos na primeira oportunidade do conhecimento do teor do julgado, impondo-se que nesse momento se busque a eventual complementação de toda a temática de interesse da parte, pode limitar, sem prejuízos ao devido processo legal, o cabimento de embargos posteriores. No mesmo sentido, o estabelecimento de sanção processual para uso abusivo dos embargos possibilita frear abusos que por vezes se verificam, onde flagrantemente a Corte nada mais tem a complementar sobre o julgado, e os embargos são ofertados apenas com o fim de postergar a regular marcha processual. Ainda, a regra de arrazoamento de recursos, contra sentença, apenas perante o Tribunal não apresenta justificativa, e na prática gera desnecessárias dificuldades na tramitação devendo ser excluída portanto. No particular aspecto do Habeas Corpus, é salutar a limitação para que não sejam deferidas liminares com supressão de instância, ou liminares contra decisões colegiadas. O aperfeiçoamento desses aspectos propicia que decisões tomadas por um colegiado de Magistrados, somente sejam alteradas ou suspensas por um outro Colegiado, e não por decisões monocráticas que podem não ser confirmadas pelo Colegiado da própria instância superior. Por outro lado, as nulidades processuais, ou trancamento de investigação ou ação penal somente devem ser apreciadas na via do habeas corpus quando haja riso imediato de prisão, devendo, em qualquer caso, ser indicados os limites de repercussão da nulidade declarada.

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Ainda quanto aos bons aspectos das proposições no tema recursal, a execução das decisões condenatórias, após as decisões dos Tribunais, merece regra específica, confirmando o atual entendimento do Supremo Tribunal. De fato, o Brasil é um dos poucos países nos quais as decisões condenatórias passadas por Tribunais Colegiados não são executadas. Esse anacronismo se acentua quando se tem em mente que os recursos especial e extraordinário, que não apreciam matéria de fato e não apresentam o chamado efeito suspensivo. De outro lado, soa demasiada a eventual previsão de obrigação para o Tribunal determinar a lavratura de transito em julgado, ao verificar a existência de recurso protelatório. O recurso protelatório pode ter solução mais adequada tecnicamente, como, por exemplo, a imposição de adequada sanção processual. Em termos de ampla defesa, o processo penal apresenta salutar previsão dos chamados embargos infringentes, assegurando ao réu o direito de ver uma tese favorável, reconhecida por voto vencido no Tribunal, ser apreciada por colegiado mais amplo na própria Corte. Podem ser pensadas melhorias no processamento de tais embargos, sem, todavia, eliminá-los. Finalizando, seria inconveniente a criação de regramento de tramitação dos recursos especial e extraordinário, exclusivo para o processo penal, gerando dificuldades ao impor para tais recursos uma sistemática paralela à existente, com detalhes, no atual código de processo civil.

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Medida 05

I. Procedimento para agilizar a tramitação da Ação de Improbidade Administrativa: Sugere o Ministério Público Federal uma proposta de alteração legislativa para “implementar melhorias no rito procedimental relacionado às ações de improbidade, (...), com a extinção da esdrúxula fase de notificação preliminar e recebimento da ação de improbidade administrativa”. Dados estatísticos demonstram que a partir do ano de 2013 há pouca variação numérica no julgamento de ações de improbidade administrativa (mantendo-se uma média de 762 – setecentas e sessenta e duas – ações julgadas por ano na Justiça Federal) – o que nos faz presumir que, de fato, uma vez superado o entrave indicado pelo Ministério Público Federal, as ações seguem seu trâmite de forma satisfatória. Inegável, contudo, que a atual previsão do art. 17, §7º, da Lei de Improbidade Administrativa, estabelecendo a obrigatoriedade de uma “notificação prévia para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias”, que originalmente buscava evitar a propositura de ações de improbidade temerárias, decorrentes de perseguições político partidárias, sem qualquer lastro probatório mínimo (já que o magistrado teria a possibilidade de rejeitá-la liminarmente caso se mostrasse temerária), não surtiu o efeito prático desejado. De fato, a prática demonstra que referida defesa preliminar tem se demonstrado um obstáculo à efetivação do princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal). Do relatório “Justiça em Números” de 2016, temos que o tempo médio até a sentença de um processo cível na Justiça Federal é de 1 ano e 8 meses (pág. 244), tempo que, indubitavelmente, não se faz possível cumprir considerada a previsão legal de notificação. Os exemplos concretos trazidos na justificativa do Ministério Público Federal demonstram que, não raro, apenas para se cumprir a fase de notificação prévia e citação gasta-se mais tempo que a média até a sentença. Por outro lado, e se consideramos o conteúdo da proposta de alteração legislativa, que traz para o bojo da ação de improbidade conteúdo análogo à fase de absolvição sumária após a citação e o oferecimento de defesa preliminar do Processo Penal (ou seja, quando já instituída a relação processual), nos parece evidente que o tempo médio de trâmite das ações de improbidade administrativa se reduzirá consideravelmente sem qualquer prejuízo à defesa, quiçá

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aproximando-se da regra geral das ações cíveis (1 ano e 8 meses), preservando-se o direito da defesa de apresentar toda a matéria de defesa que entender pertinente, bem como mantendo a possibilidade do magistrado de rejeitar “liminarmente” a ação de improbidade que se mostre manifestamente temerária – tudo isso sem a necessidade de um duplo procedimento intimatório (para a defesa preliminar) e citatório (para a ação de improbidade). Inclusive, já há firme jurisprudência no sentido de que a ausência da referida defesa preliminar implica apenas em nulidade relativa (Resp 1.336.055-GO; AgRg no REsp 1134408 RJ; REsp 1184973 MG; REsp 944555/SC). Considerando-se que a ação de improbidade só deve ser rejeitada se ficar sobejamente demonstrado ser temerária, ante a absoluta falta de indícios da prática de atos de improbidade, ou seja, que a mera existência de indícios de improbidade autoriza o recebimento da petição inicial, ante a observância do princípio “in dubio pro societate” que norteia a tutela jurisdicional relacionada à proteção do patrimônio público, e que tal análise é perfeitamente possível em fase posterior à citação e apresentação de contestação – e antes da instrução do processo, temos que a proposta de alteração legislativa vem de encontro à necessidade de um processamento mais célere das ações civis de improbidade administrativa, sem qualquer prejuízo à defesa, de modo que a AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil manifesta seu apoio à referida medida.

II. Anteprojeto de Lei para a criação de Varas e Turmas especializadas no julgamento de ações de improbidade Ainda na Ação 5, o Ministério Público Federal sugere anteprojeto de lei que “prevê a criação de Turmas, Câmaras e Varas Especializadas para o julgamento das ações relativas a atos de improbidade administrativa, no âmbito dos Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios”. Como ressaltado pelo próprio órgão, o Conselho Nacional de Justiça já sinalizou preocupação com o tema, quando criou a Meta 18, com o objetivo de priorizar o julgamento das ações de improbidade, sendo certo que os magistrados federais brasileiros estão sensíveis quanto à relevância do tema. Fato é que tais ações são de elevado grau de complexidade, de modo que demandam mais tempo e esforço intelectual para sua conclusão. Frise-se, contudo, que de modo algum os magistrados darão preferência a processos “mais simples e corriqueiros” exclusivamente para fins estatísticos, pois gerenciam seus acervos com responsabilidade, compromisso e ética.

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Enfim, pode-se afirmar que a magistratura federal brasileira está acompanhando de perto o problema, de modo que a Ajufe apoia parcialmente a proposta, por entender que a especialização de Varas Federais pode trazer celeridade no julgamento das ações de improbidade. Contudo, a medida deve ser analisada administrativamente no âmbito dos Tribunais, ressaltando inclusive, que já há uma proposta de criação de Varas Federais e Turmas especializadas apresentada pela Ajufe ao CNJ 18/05/2016, de modo que não há necessidade de projeto de lei para tal fim.

III. Do acordo de leniência da esfera administrativa: O acordo de leniência sugerido representaria de possibilidade de, nas ações de improbidade, celebrar-se um acordo (de natureza administrativa), conduzido pelo Ministério Público Federal e a pessoa que praticou infração, através do qual o infrator (confesso) se comprometeria a colaborar com a investigação e instrução do processo, por sua conta e risco, recebendo em troca uma redução nas penas aplicáveis, desde que de sua colaboração seja gerado algum resultado útil, em moldes semelhantes àquele previsto para as infrações contra a ordem econômica (Lei 10.149/00). Além disso, com a “Lei Anticorrupção” (Lei 12.846/13, que “dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências”), tivemos a criação de duas novas modalidades de acordo de leniência: nos casos de corrupção e de infrações licitatórias. E no ordenamento jurídico penal também já temos a conhecida Lei da “colaboração premiada” (Lei 12.850/13), através da qual o agente confesso de um crime recebe benefícios penais mediante o fornecimento de informações úteis – ou seja, que produzam resultado concreto – no sentido de identificar os demais coautores ou partícipes da organização, revelar a estrutura hierárquica ou divisão de tarefas, prevenir a ocorrência de novas infrações, recuperar total ou parcialmente o produto ou proveito das infrações (art. 4º) . Desse modo, entendemos que o arcabouço legal existente relacionado à Leniência já é satisfatório, eis que as ações de improbidade englobam basicamente infrações relacionadas às matérias acima mencionadas – que, como visto, já possuem regulamentação e entendemos já fazer parte do “microssistema” de improbidade administrativa. Assim, entende-se que a criação de mais um modelo de acordo de leniência aplicável às ações de improbidade certamente ocasionará uma sobreposição de “leniências”, implicando num provável bis in idem ou num conflito de atribuições e competências, sem produção de resultado concreto satisfatório.

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Medida 06 I. Ajustes na prescrição penal contra a impunidade e a corrupção. Alteração dos arts. 110, 112, I, 116 e 117, e acrescenta § 2º ao art. 337-B do CPP, com a ampliação da prescrição da pretensão executória, extinção da prescrição pela pena concreta, suspensão do prazo prescricional pela interposição dos recursos especial e extraordinário entre outras: Não há qualquer dúvida sobre o fato de que a disciplina legal da prescrição, em matéria penal, carece de revisão há muito tempo. Com efeito, e não obstante algumas modificações pontuais mais recentes, os prazos, as causas de interrupção, suspensão e os métodos de contagem da prescrição penal, atualmente em vigor, não mais correspondem à realidade dos crimes cometidos no Brasil de hoje em dia. O sistema prescricional penal vigente foi concebido a partir da realidade vivida nas décadas de 1970 e 1980, em que a criminalidade gravitava, basicamente, entre os crimes de sangue e os de patrimônio em caráter individual, época em que globalização e internet eram conceitos totalmente desconhecidos e sequer previstos. Como se sabe, hoje, mais de 30 anos após a alteração do Código Penal (Lei nº 7.209/84), a realidade é completamente distinta. Hoje em dia a criminalidade, especialmente aquela praticada no bojo de sofisticadas organizações criminosas, está muito mais ousada, instruída e preparada para usar as falhas sistêmicas do nosso ordenamento em busca da impunidade. E a prescrição penal é uma das mais utilizadas, dada sua eficácia. Basta observar a quantidade de feitos criminais que soçobraram prescritos, deixando impunes milhares de práticas de corrupção e lavagem de ativos de origem ilícita. Urge, portanto, revisar nosso sistema prescricional penal. Neste sentido, os termos das propostas contidas na Medida 6, do Ministério Público, acima destacadas, merecem pronto acolhimento no que toca à extinção da prescrição retroativa com base na pena em concreto, ampliando os prazos em 1/3; tal providência certamente contribuirá para que acusados não mais sejam beneficiados pela própria torpeza de interpor infindáveis recursos meramente protelatórios. Da mesma forma, merecem acolhimento as modificações (i) que estabelecem o trânsito em julgado para todas as partes como marco inicial da contagem prescricional, (ii) a suspensão do prazo quando

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da interposição de recursos especial e/ou extraordinário, (iii) a interrupção do prazo quando do julgamento do feito, por sentença ou acórdão condenatório recorrível ou pelo julgamento do recurso contra a decisão condenatória e (iv) a interrupção do prazo pelo oferecimento de agravo destinado à agilização do julgamento; em todas essas situações, as modificações propostas evitam incoerências atualmente vigentes em nossa lei, que estimulam a adoção de expedientes procrastinatórios com vistas à prescrição. O mesmo se diga quanto ao prazo prescricional do artigo 337-B do Código Penal, haja vista os compromissos assumidos pelo Brasil em âmbito internacional. Já no que toca à interrupção do prazo prescricional pelo mero oferecimento da denúncia, não há como apoiar a proposta, pois o recebimento da denúncia é o ato processual mais adequado a funcionar como marco interruptivo para a prescrição. O recebimento da denúncia é o momento em que o juiz efetua o controle sobre a admissibilidade de instauração da ação penal, de forma imparcial e baseada no livre convencimento motivado, evitando que ações penais sejam deflagradas com base em denúncias ineptas ou promovidas sem os elementos mínimos que seriam posteriormente coletados e trazidos com o aditamento ulterior. Sendo assim, conferir a possibilidade de interrupção de prazo prescricional a apenas uma das partes parece violar a igualdade processual, sendo mais correto que o juiz, por sua imparcialidade, continue a exercer essa função, devido ao controle que naturalmente se deve exercer quando da propositura de ações penais. Apenas ad argumentandum tantum, caso acolhida a proposta ministerial em exame, seria necessário debater uma redação alternativa, explicitando que o reconhecimento posterior de inépcia invalida a interrupção do prazo prescricional e que em caso de aditamento, a interrupção se dará na data de seu oferecimento. Por fim, tornando ao tema da prescrição, convém que se façam alguns ajustes na redação das propostas, necessários em vista do último posicionamento do Supremo Tribunal Federal, derivado do julgamento do HC nº 126.292 e das ADC nº 43 e 44, em que restou estabelecida a viabilidade da execução provisória após o julgamento do processo em segundo grau de jurisdição. Um dos argumentos que se utilizava para sustentar a tese ministerial, era justamente o decurso do prazo prescricional a partir do trânsito em julgado somente para a acusação sem que esta pudesse promover a execução provisória. Assim, com a possibilidade da execução provisória, a partir dos entendimentos recentes do Supremo Tribunal Federal, é preciso que a disciplina legal da prescrição guarde coerência e harmonia sistêmica. Mesmo porque, se a execução provisória pode ser vista, em tese, como hipótese de início de cumprimento de pena (artigo 117, V, CP), não se pode desconsiderar esse tempo de pena para fins de prescrição, a menos que ela seja explicitamente tratada sob o regime das prisões provisórias, que produzem efeitos penais, mas não afetam a prescrição. É preciso, pois, harmonizar e talvez detalhar mais a redação dos dispositivos propostos. Em síntese, as modificações, como acima abordado, haverão de ser salutares à sociedade brasileira, pois do contrário, a demora em se promover a readequação da prescrição penal às necessidades atuais da sociedade acabará ressaltando, ainda mais, o quadro de ineficiência e ineficácia na apuração, processamento e eventual punição de crimes graves, entre os quais aqueles que mais afligem a comunidade como um todo: a corrupção.

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Medida 07 I. Ajustes nas nulidades penais contra a impunidade e a corrupção: I.a) Exceções à inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos: alteração do art. 157 do CPP: A teoria da inadmissiblidade das provas obtidas por meios ilícitos, fomatada pela jurisprudência consolidada da Suprema Corte Americana e disseminada no Direito Comparado, foi incorporada no nosso sistema jurídico na qualidade de direito fundamental expresso (art. 5o., inciso LVI, da CF/88). Nada obstante, a despeito da forma imperativa com que agasalhada na Constitução, o Supremo Tribunal Federal plasmou o entendimento de que a teoria dos fruits of the poisoned tree foi recepcionada em nosso meio na sua forma mitigada, de modo que comporta exceções, assim como fixado em outros ordenamentos jurídicos, à semelhança do norte-americano. O legislador infraconstitucional, no afã de normatizar a jurisprudência do STF, por meio da Lei no. 11.690, de 2008, alterou o art. 157 do CPP, no sentido de, a par de reproduzir o preceito constitucional no seu caput, esclarecer, nos parágrafos, as exceções à exclusionary rule. Todavia, conquanto várias sejam as regras de exclusão conhecidas e defendidas pela doutrina e acolhidas pela jurisprudência, o legislador só se reportou efetivamente a duas delas (inexistência de nexo de causalidade e fonte independente), sem embargo de ter, por linhas transversas, feito referência, igualmente, ao descobrimento inevitável. Ainda assim, boa parte da doutrina defende que as demais cláusulas de exclusão são aplicáveis. A proposta apresentada tem o condão de deixar normatizado esse entendimento de que, além das que já estão previstas atualmente no Código de Processo Penal – (a) inexistência de nexo de causalidade; (b) fonte independente; e (c) descobrimento inevitável –, outras cláusulas de exceção à inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos reconhecidas pela doutrina com base na construção jurisprudencial estadunidense são aplicáveis ao nosso sistema. Assim, a proposta é de que seja relevada a ilicititude da prova também quando: (1) for obtida com boa fé, derivada de decisão judicial posteriormente anulada ou do exercício de atividade pública ou privada; (2) tiver relação de causalidade apenas remota, atenuada ou purgada; (3) for obtida em legítima defesa ou no estrito cumprimento de dever legal; (4) servir para revelar a mentira do acusado; e (5) for utilizada em prol do acusado.

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Vamos examinar cada uma dessas figuras que visam introduzir inovação legislativa quanto ao tema, chamando a atenção para que, em determinados casos, de acordo com a proposta, não se trata de validar a prova derivada, mas propriamente de conferir licitude à própria prova que teria sido obtida de forma irregular. (a.i) Teoria da boa fé ou good faith: A teoria da boa fé tem enfrentado bastante resistência por parcela considerável dos doutrinadores, que receiam a sua aplicacão sob o viéis subjetivo, comprometendo, de modo severo, a garantia constitucional. Ademais, nessa hipótese, o que se pretende é excluir a ilicitude da própria prova originária, não da que é apenas derivada. Malgrado a preocupação seja pertinente, o que se tem é que a boa fé se trata de regra de exclusão sobremaneira razoável, que vem sendo acolhida pelo próprio Supremo Tribunal federal, por exemplo, no nos casos de escuta telefônica autorizada na apuração de crime punido com reclusão, em que surge diálogo revelando a prática de crime apenado com detenção – aqui também pode ser invocada a teoria do caso fortuito. Isso também ocorre na hipótese de flexibilização de direito fundamental mediante determinação feita por juiz incompetente, ao exarar a decisão no pressuposto de que a matéria é de sua alçada. Essa situação é muito recorrente em casos de corrupção no serviço público, em que a investigação se inicia no ambiente estadual, com diversas diligências determinadas pelo juiz de direito (quebra de sigilo telefônico, fiscal, bancário, buscas e apreensões etc.), mas, no aprofundamento da apuração descobre-se o desvio de verbas repassadas pela União, com consequente declinação da competência para a justiça federal (proposta contida no inciso V do § 2º do art. 157). Nada obstante essa posição favorável, a redação do inciso II precisa ser mais debatida, a fim de que a ideia seja traduzida normativamente com fidelidade. Para todos os efeitos, a sugestão do Ministério Público contempla a exclusão de ilicitude quando o agente público age com boa fé ou em razão de erro escusável, mas torna essa exceção porosa, na medida em que a boa fé ou erro escusável é entendida como “a existência ou inexistência de circunstância ou fato que o levou (o agente) a crer que a diligência estava legalmente amparada”. Outra proposição com fulcro na boa fé é a que exclui a ilicitude da prova quando obtida em exercício de atividade pública ou privada, embutida no X, do §2º, do art. 157. Aqui se está, sob o enfoque da boa fé, normatizando o whistleblower, tendência moderna e que, inclusive, consta como Medida 11, acrescentada por meio do parecer do Deputado Onyx Lorenzoni. A proposta não está muito claro, o que sugere o aprimoramento da redação, mas dá a entender que se quer preservar a validade das revelações feitas por servidor ou funcionário, quanto a fatos chegados a conhecimento dentro do ambiente de trabalho, mesmo quando não sejam interentes ao exercício da função. A posição da Ajufe é favorável à proposta, no entanto, com o necessário ajuste na redação Portanto, A AJUFE é favorável à proposta de aprovação dos incisos III, V e X do §2º do art. 157.

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(a.ii) Doutrina do purged taint ou dos vícios sanados: Essa cláusula de exclusão de ilicitude é oriunda da jurisprudência americana, conhecida como doutrina da mancha purgada (purged taint), dos vícios sanados ou da tinta diluída. Não encontramos nenhuma referência na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. Essa teoria guarda alguma similitude com a da independent source ou com a ausência de nexo de causalidade, mas com elas não se confunde. De acordo com a doutrina do purged taint o nexo causal entre a prova primária e secundária é atenuado não em razão da circunstância de esta possuir existência independente daquela ou não existir o próprio nexo de causalidade, mas em virtude de o espaço temporal decorrido entre uma e outra, as circunstâncias intervenientes na cadeia pertinente ao conjunto probatório, a menor relevância da ilegalidade ou a vontade do agente em colaborar com a persecução criminal atenuarem, sobremaneira, o procedimento ilícito inicial. Essa cláusula, como se vê, é extremamente temerária. Ademais, as regras de exclusão consubstanciadas nas teses da fonte independente, do descobrimento inevitável e da exclusão de nexo de causalidade já são o bastante para podar o alcance da teoria dos frutos da árvore envenenada, de modo que não se mostra muito adequado contemporizar ainda mais com a cláusula constitucional que impõe a inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito, mediante a adoção do purged taint. A AJUFE é contrária à proposta, portanto. (a.iii) Cláusula da legítima defesa ou do exercício regular de direito: Essa cláusula de exclusão de ilicitude, quanto à leglítima defesa, tem razão de ser devido ao princípio da ampla defesa. A respeito, o Supremo Tribunal Federal firmou posição quanto à licititude da gravação clandestina feita por um interlocutor ainda que sem o conhecimento do outro, quando o agir é realizado como forma de defesa. A gravação, por exemplo, de ameças feitas pelo agressor. O exercício regular de direito, em princípio, preocupa, pois, em rigor, pode se apresentar como uma porta aberta para arbitrariedades policiais. De qualquer sorte, o afastamento do vício do ato nesse caso é uma questão de lógica, pois o ato praticado com suporte em excludente de criminalidade escrita em lei, para todos os efeitos, é ato lícito. A AJUFE é a favor. (a.iv) Servir para revelar a mentira do acusado: Essa cláusula de exclusão de ilicitude da prova ilícita é conhecida como destruição da mentira do imputado. Há registro de seu acohimento na jurisprudência americana, porém, com bastante comedimento, sendo feita a ressalva de que não pode ser utilizada para fins de comprovação da culpabilidade, somente sendo aceita para comprovar a mentira do acusado. Em verdade, até certo ponto, o Supremo Tribunal Federal sufragou essa teoria no RE-Agr 402.035, em acór-

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dão relatado pela Ministra ELLEN GRACIE. Naquela oportunidade, admitiu-se a validade da gravação clandestina feita por um dos interlocutores, dentre outros argumentos, pela circunstância de destinar-se a fazer prova na hipótese de negativa do diálogo ou do conteúdo da conversa. Todavia, essa parece ser daquelas matérias que é melhor não merecer a atenção do legislador, deixando que, no caso concreto, seja avaliada a pertinência de se levar em consideração essa cláusula como um dos argumentos para fins de validação da prova. A AJUFE é contra. (a.v) Prova em prol do acusado: Essa cláusula é um corolário lógico do princípio da presunção de não culpabilidade, na medida em que seria surreal supor que pudesse ser ignorada uma prova benéfica para o acusado, ainda que obtida de forma ilícita, autorizando, assim, a prolação de sentença condenatória ou o aumento da pena. Boa parte da doutrina nacional faz referência à admissibilidade da prova nessa hipótese, de modo que a proposta, no ponto, deve ser aprovada. A AJUFE é a favor.

I.b) Dever de aproveitamento dos atos: A sugestão de alteração do art. 563, caput e parágrafo único, do CPP, se impõe, fixando a máxima de que o magistrado, responsável pela condução do processo, deve pautar seu agir aproveitando, sempre que possível, os atos processuais praticados. Nesse passo, deve, inclusive, admitir aqueles atos levados a efeito de maneira distinta daquela prevista em lei, sempre que (ou desde que) demonstrada a ausência de prejuízo às partes. Diante do exposto, considerando caber ao juiz, ao decidir sobre ato desconforme, demonstrar fundamentadamente a inexistência de prejuízo às partes, não é pertinente atribuir-lhes esse ônus, ou tampouco à defesa. Isso porque, se prevista em lei uma determinada forma, caso ela não seja observada, a presunção há de ser de sua invalidade, não devendo, porém, ser declarada a nulidade, na hipótese em que o juiz, em pronunciamento fundamentado, reconhece que não houve prejuízo. Esse entendimento não se coaduna com a proposta plasmada no § 2º do art. 564, em que remete às partes o ônus de indicar, precisa e especificadamente, com suporte em circunstâncias concretas, os efeitos lesivos do ato processual defeituoso. Portanto, não é pertinente a aprovação da proposta prevista no § 2º do art. 564.

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I.c) Conservação dos atos processuais até a declaração de nulidade: Diversamente do que se verifica no ambiente do direito material, o ato processual, conquanto eivado de nulidade absoluta ou relativa, possui a propriedade de legar efeitos jurídicos, o que cessa apenas se e quando declarada por decisão judicial a sua invalidade. Malgrado essa assertiva não merecer disenso, a proposta quanto à inclusão do parágrafo único no art. 567 do CPP tem o mérito de corroborar a jurisprudência assentada pelo STF, no sentido de que, em matéria criminal, no caso de incompetência, seja ela absoluta ou relativa, em regra, os atos processuais são tidos como válidos, mesmo os de natureza decisória. A proposição normativa sufraga o princípio do “juízo aparente”, de singular importância, notadamente na seara do processo penal, ademais de guardar identidade com a regra de exclusão de nulidade denominada boa fé.

I.d) Necessidade de renovação ou retificação das nulidades não sanadas e efeitos da declaração de nulidade: É consenso que os atos processuais eivados de vícios devem ser renovados ou retificados. De qualquer sorte, a modificação do art. 573 do CPP se impõe, realçando a exigência de que a decisão judicial declaratória de nulidade defina precisamente o seu alcance, particularizando os atos imprestáveis a serem renovados. Isso porque, à míngua da existência de norma cogente a respeito, não raro, essa condição deixa de ser observada pelo magistrado. Assim, se complementaria a sugestão embutida no art. 157, § 4o., consistente na exigência de especificação, pelo magistrado, das provas derivadas que não foram contaminadas com a declaração de nulidade da prova primária.

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Medida 08

I. Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do “Caixa 2”: A responsabilização dos partidos políticos e a criminalização do chamado “Caixa 2”, nos termos propostos de alteração da Lei nº 9.096/95, bem como inclusão dos arts. 32-A e 32-B da Lei nº 9.504/97, encontra suporte constitucional no art. 17 “caput” da Constituição Federal, que prevê a prevalência do “regime democrático” e do “pluriparditarismo”. Evidencia-se que as condutas tipificadas ofendem os referidos valores previstos na CF, o que, por si só, já seria suficiente para justificar a tutela penal. Não bastasse isso, a realidade social subjacente, em que sobressaem condutas das mais variadas ordens de desrespeito aos referidos valores, também justifica uma resposta penal. A proposta de inclusão do art. 49-A na Lei nº 9.096/95 prevê a responsabilização objetiva dos partidos políticos, com individualização das condutas e gradação da pena, que pode chegar, inclusive, à suspensão ou cancelamento do registro da agremiação. Já a inclusão dos arts. 34-A e 34-B na Lei nº 9.504/97 prevê respectivamente as condutas de utilização de “Caixa 2” e “lavagem de dinheiro eleitoral”. Referidas medidas são importantes porque permitem a extensão da responsabilidade aos partidos políticos, antes circunscrita aos dirigentes, bem como criminaliza a conduta do “Caixa 2” das pessoas físicas envolvidas e cria o tipo penal de “lavagem de dinheiro eleitoral”, medidas essas que estão adequada e proporcionalmente tipificadas nos dispositivos propostos, não havendo conflito de leis, tendo em vista a especialidade da matéria.

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Medida 09

I. Prisão Preventiva para Evitar a Dissipação do Dinheiro Desviado Ainda que louvável a teleologia de tal medida de buscar um maior grau de efetividade de ressarcimento ao erário dos valores desviados ilicitamente, bem com evitar a fuga do investigado ou, mesmo, que ele se utilize do aporte financeiro para arcar com sua defesa, a AJUFE antevê certo grau de inadequação da proposta no momento atual, seja do ponto de vista da realidade carcerária, seja do ponto de vista do sistema processual penal brasileiro e legislação especial que já municiam o magistrado com ferramentas suficientes ao escopo da “Medida 9”. Em relação ao primeiro, não é demais frisar a precariedade do sistema prisional brasileiro, insuficiente para acomodar com dignidade o grande número de encarcerados. De fato, conforme anotado pelo Conselho Nacional de Justiça, em sua página dedicada à Cidadania nos Presídios, o Brasil possui a terceira maior população prisional do planeta, com mais de 700.000 reclusos. Em 2014, o total era de 711.463, enquanto o déficit de vagas era de 354 mil. A situação se apresenta ainda mais preocupante se observamos que os mandados de prisão não cumpridos atingia o número de 373.9913. Indicando uma pequena e insuficiente redução em 2015, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, do Ministério da Justiça, registrou 607.731 presos. Particularmente relevante para o tema posto, 41% desse contingente sequer havia sido condenado por sentença, conforme o Informativo Rede Justiça Criminal n.º 08, de janeiro de 20164. Embora o Sistema Integrado de Informação Penitenciária - Infopen tenha atualizado, em 05/12/2016, seus números, ainda em fase de estudo e consolidação, não é de se esperar melhoria sensível da triste realidade carcerária5. 3 4

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in http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/cidadania-nos-presidios - visto em janeiro/2.017. in http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/02/b948337bc7690673a39cb5cdb10994f8.pdf - visto em janeiro/2.017. in http://dados.gov.br/dataset/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias1 - visto em janeiro/2.017.

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Bem, diante dos esforços envidados pelas autoridades públicas com o intuito de buscar implantar soluções de médio prazo e outras de eficiência mais imediata em face da acelerada deterioração do quadro, mediante, por exemplo, a obrigatória realização da audiência de custódia, no prazo de 24h, dando-se preferência à imposição de medidas cautelares diversas de prisão, especialmente a prisão domiciliar e o crescente uso de tornozeleiras eletrônicas, ruma em sentido contrário a prisão preventiva pelos motivos explicitados na “Medida 9”. Afinal, a custódia preventiva se consagra como de natureza excepcional, pois é medida de força a ser aplicada ultima ratio, quando outras formas de garantia da ordem pública e da instrução processual penal insinuam-se como frágeis. Realmente, já descortinando a segunda abordagem deste posicionamento, agora de feição mais normativa, tem-se que o sistema processual penal está bem estruturado em sua atualidade. Com efeito, desmembremos os objetivos do anteprojeto de lei explicitados na nova redação proposta para o art. 312 do Código de Processo Penal: a) Identificação, localização e devolução do produto e proveito do crime – as ferramentas de quebra de sigilo telefônico e/ou telemático, de sigilo fiscal, bancário, cambial e/ou financeiro, aliadas às medidas de busca e apreensão cautelar (obtenção de informações em seu mais amplo espectro, documental e testemunhal, além do bloqueio, apreensão e sequestro de bens etc.), bem como a prisão temporária e preventiva, possibilidades todas já existentes no Código de Processo Penal, bem como em leis especiais, permitem, com bastante eficácia, alcançar tais objetivos; b) Financiamento de fuga do investigado ou acusado ou da defesa jurídico-administrativa dele – além das medidas citadas no item anterior como forma de estrangulamento concreto do financiamento ilícito da defesa, não se pode olvidar que o Título IX do CPP defere amplos poderes ao magistrado para evitar que o investigado ou acusado se evada, enquanto o art. 319 autoriza a monitoração eletrônica e a retenção do passaporte. Nesse prisma, a AJUFE considera inexistir real relevância jurídica da “Medida 9” na tessitura do sistema processual penal, lato sensu, ao tempo em que sua essência se caracteriza, de certa forma, paradoxal: autorizar a prisão preventiva para lograr objetivos alcançáveis por ferramentas de investigação criminal e institutos penais, cujo uso destas apenas não se faria se houvesse justamente a plausível possibilidade de fracasso, quando, então, se recomendaria à restrição de liberdade acautelatória.

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II. Multa aos Bancos por Descumprimento de Ordem Judicial Em relação a essa proposta, é extremamente louvável estabelecer a sistemática geral de como as instituições financeiras e tributárias devem fornecer os dados protegidos sob o manto de segredo de justiça, priorizando-se o meio informatizado e a comunicação digital, dada a sua extrema celeridade, com recebimento praticamente instantâneo pelas autoridades públicas competentes para conduzir o inquérito/processo. Além disso, considerando a existência atual de sistemas especiais do Departamento de Polícia Federal, do Ministério Público, da Controladoria Geral da União e demais órgãos fiscalizadores competentes, além da própria convergência para o Processo Judicial Eletrônico em ritmo acelerado, fundamental se observar formatos e padrões pré-estabelecidos fechados para o tratamento das informações apresentadas de maneira que operações ilícitas eventualmente ocorridas sejam de inequívoca percepção. Deveras importante, no combate aos crimes cada vez mais sofisticados que cresceram exponencialmente não só no Brasil, mas no exterior, muitas vezes em simbiose, que as instituições financeiras igualmente se aperfeiçoem, criando unidades com alto grau de especialização em fornecer os dados que sejam realmente relevantes para o deslinde de possível ilicitude por seus clientes. Ora, como a criminalidade ocorre sem solução de continuidade, em regra, imprescindível que tais instituições financeiras disponibilizem os dados de contato dos funcionários responsáveis por tal papel, em qualquer horário e dia, especialmente se atentarmos para o fato de que as movimentações financeiras podem ser realizadas eletronicamente de forma instantânea e a eventual descoberta pelo investigado/acusado da iminência de qualquer decisão judicial de quebra de sigilo e/ou medida constritiva patrimonial urge intervenção imediata das autoridades públicas. Por derradeiro, dada a relevância de se garantir o Estado de Direito, cuja concretização pressupõe e exige a cooperação efetiva e harmoniosa entre o aparelhamento estatal, de um lado, e as instituições financeiras e tributárias por meio das quais trafegam todo tipo de operações que sustentam e dão saúde a inúmeras investidas criminosas, muitas de volume econômico extremamente vultoso, da ordem de milhões e bilhões, coerentemente a postura antijurídica injustificável há de merecer reprimenda sensível. Daí a razoabilidade de multa na faixa de mil reais a dez milhões de reais, cuja fixação competirá ao julgador, segundo a gravidade da conduta desidiosa e a capacidade financeira da instituição. Assim, também, a obrigação de o magistrado informar ao Conselho Nacional de Justiça para visão panorâmica de uma possível resistência reiterada por parte de tais instituições financeiras e tributárias.

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Medida 10

I. Confisco Alargado: A AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil tem posição contrária. Mediante introdução do art. 91-A no Código Penal, o legislador permite ao Magistrado dar perdimento à diferença entre o patrimônio de origem comprovadamente lícita e o patrimônio total da pessoa que é condenada definitivamente pela prática de crimes graves e que ordinariamente geram grandes lucros, como crimes contra a Administração Pública e tráfico de drogas. Em primeiro lugar, a iniciativa vai contra o escopo da criação da Ação Civil Pública de Extinção do Domínio. Ora, o motivo ensejador da extinção civil do domínio é justamente o longo prazo para obtenção do trânsito em julgado de processos criminais como consectário do princípio da presunção da inocência. Se a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado gerava intensos e acalorados debates antes do recente julgado do e. Supremo Tribunal Federal a permitir sua ocorrência após a confirmação da sentença condenatória em segundo grau de jurisdição, com maior razão dar-se-á quando a execução der-se contra o patrimônio do investigado. Demais disso, a aplicação do texto subverte do princípio do in dubio pro reo, ao prever como suficiente para a decretação do perdimento de bem sua não correspondência objetiva com o patrimônio do investigado num processo onde a atividade probatória está voltada para apuração da culpabilidade do agente, no âmbito penal, do crime ao mesmo imputado. É dizer, sendo o perdimento penal um efeito extrapenal genérico da condenação, não se vislumbra como preservar o direito de defesa nesse particular se provas não forem apresentadas pela acusação em tal sentido e se ao réu não for dada oportunidade de defesa especifica, gerando tumulto no processo penal. Por tal razão e por esse motivo que se idealizou a extinção civil onde tais direitos serão respeitados e o tema tratado com a adequada instrução. Por fim, ao tratar de instituto de natureza mista (material e processual) no Código Penal, a introdução do confisco alagardo deixa de prever uma série de disposições necessárias à sua operacionalização. Só a título de exemplo, deixa dúvidas a respeito do legitimado ativo para implementação das condenações, se o Parquet ou os órgãos de representação ativa das pes-

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soas de direito público envolvidas, tudo a demonstrar que sua utilização em nada melhoraria o panorama atual onde grande parte dos bens acaba se perdendo pela inércia dos responsáveis pela efetivação do perdimento.

II. Extinção Civil do Domínio: A AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil tem posição favorável. A extinção civil do domínio, geralmente, é definida como a privação do direito de propriedade sem qualquer compensação a seu titular, em razão de aquela ter sido usada de maneira contrária às determinações legais do ente soberano. Em outras palavras, o governo confisca a propriedade porque ela está sendo usada em violação do ordenamento jurídico, de forma a exigir seu perdimento como produto da conduta ilegal6. Essa definição pode ser facilmente depreendida do texto do projeto de lei que reza que: “essa lei dispõe sobre a perda civil de bens, que consiste na extinção do direito de posse e de propriedade, e de todos os demais direitos, reais ou pessoais, sobre bens de qualquer natureza, ou valores, que sejam produto ou proveito, direto ou indireto, de atividade ilícita, ou com as quais estejam relacionados (...) e na sua transferência em favor da União, dos Estados ou do Distrito Federal, sem direito a indenização” abrangendo “a propriedade ou a posse de coisas corpóreas e incorpóreas e outros direitos, reais ou pessoais, e seus frutos”. Na verdade, o que se pretende com essa legislação é possibilitar ao Estado tomar posse e propriedade de bens fruto ou envolvidos com atividade ilícita de grande impacto (delitos gravíssimos7) para o fim de utilizar tais recursos no combate a essa mesma atividade ilícita, sem6 7

EDGEWORTH, Dee R. Asset forfeiture: practice and procedure in state and federal courts, p. 1. a) art. 159 e parágrafos do Código Penal (extorsão mediante sequestro);

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b) art. 231 do Código Penal (tráfico internacional de pessoa com fins de exploração sexual); c) art. 231-A do Código Penal (tráfico interno de pessoa com fins de exploração sexual); d) art. 312 do Código Penal (peculato); e) art. 312-A do Código Penal (enriquecimento ilícito); f) art. 313-A do Código Penal (inserção de dados falsos em sistema de informações); g) art. 316 do Código Penal (concussão); h) art. 317 do Código Penal (corrupção passiva); i) art. 332 do Código Penal (tráfico de influência); j) art. 333 do Código Penal (corrupção ativa);

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pre partindo do pressuposto de que no conceito de função social da propriedade encontra-se a obrigatoriedade imposta ao proprietário de não usar e nem permitir que seus bens sejam usados contrariamente ao que determina a lei. Importante esclarecer, por fim, que justamente por ser civil, a extinção do domínio independe da condenação criminal do proprietário do bem, não se sujeitando a sua implementação a todos os requisitos que uma condenação criminal naturalmente envolve. Não por outro motivo, tem sido utilizada em diversos países do continente com bons resultados (Estados Unidos da América, México e Colômbia, por exemplo) na diminuição do poder de fogo das organizações criminosas.

k) art. 357 do Código Penal (exploração de prestígio); l) art. 3º da Lei nº 8.137/1990 (tráfico de influência, corrupção e concussão de funcionários do Fisco); m) art. 17 da Lei nº 10.826/2003 (comércio ilegal de arma de fogo); n) art. 18 da Lei nº 10.826/2003 (tráfico internacional de arma de fogo); o) arts. 33 a 39 da Lei nº11.343/2006) (tráfico de entorpecentes).

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Medida

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(Acrescentada no parecer do Deputado Onyx Lorenzoni).

I. Programa Reportante para promoção da cidadania e transparência publica (“whistleblower”) : Os programas de reportantes estão distantes da controvérsia que pode ser levantada quanta à várias das demais dez medidas. Tais programas são adotados e reconhecidos pela Comunidade Europeia, Estados Unidos e Nações Unidas, como uma das principais ferramentas para defesa do interesse publico. Por isso, a adoção de tais programas faz parte de compromissos internacionais assinados pelo Brasil, ratificados pelo Congresso Brasileiro, dos quais se destaca a Convenção das Nações Unidas para Combate à Corrupção e Convenção Interamericana de Combate Corrupção. As disposições sobre os programas de reportante são as únicas que possibilitam ao cidadão colaborar, sem medo de retaliações, para o defesa do interesse público. Internacionalmente se reconhece que a proteção dessa colaboração se estabelece dentro do amplo espectro dos direitos humanos, notadamente no direito de livre expressão e pleno exercício da cidadania, sendo ferramenta inseparável para a realização da verdadeira transparência publica. A principal meta de um programa é, portanto, dar proteção ao cidadão para a livre manifestação sobre situações de interesse público. A criação de regras legais para programas de reportantes (whistleblower) é, sem dúvida, a maior contribuição que o Congresso poderá dar ao aprimoramento da frutuosidade na relação entre o cidadão de bem e o Estado. Embora não fizesse parte do texto das “dez medidas”, uma detalhada sistemática com aproximadamente 40 artigos, foi acolhida pelo Relator Deputado Lorenzoni e pela unanimidade da Comissão especial da Câmara, a partir da apresentação, em audiência pública, de anteprojeto elaborado sob coordenação da AJUFE junto à ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate a Corrupção e Lavagem de Dinheiro, fórum de debate reunindo mais de 80 instituições governamentais e não-governamentais brasileiras. Para atender ao interesse de diversos órgãos públicos em terem programas de reportantes, no anteprojeto foram adotadas as melhores práticas internacionais sobre o tema de reportantes, sem apego ao modelo de um único País.

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O programa concebido somente aceita relatos que tenham especial relevância para cada órgão publico, e essa relevância deve ser baseada em critérios objetivos, não podendo, portanto, ser relatados, e não serão aceitos nos programas, fatos de menor expressão, ou de mera vindita pessoal contra qualquer pessoa. Importante observar que o programa não aceita denúncias anônimas, devendo o cidadão, para ser amparado pelo programa, indicar a sua identificação, que poderá ser levantada nos casos regrados claramente no projeto. Buscando a defesa do interesse público de modo amplo, além do combate à corrupção, os programas são estabelecidos para situações que haja risco à saúde publica, direito dos consumidores, segurança publica, danos ambientais, etc. Como medida de incentivo o programa prevê a premiação do cidadão, cabível apenas para o caso de sua contribuição ensejar efetivo ressarcimento ao erário público dos valores perdidos pela fraudes.

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Medida 12

(Acrescentada no parecer do Deputado Onyx Lorenzoni).

I. Aprimoramento da ação popular: Recentemente a Lei da Ação Popular completou 50 anos, e embora esteja prevista na Constituição como um direito e uma garantia do cidadão, sua presença é rara nos foros judiciais. Estudos do atual texto legal identificam que não há qualquer incentivo e proteção ao cidadão para realizar o trabalho de auxiliar na reparação de frequentes danos impingidos ao Estado. Hoje, ao autor popular se assegura apenas o ônus de uma batalha judicial de anos. A consequência disso é que, contrariamente ao que deseja a Constituição, são desperdiçados os auxílios de um enorme número de cidadãos que poderiam ajudar no combate a fraudes cometidas contra o erário público. Visando reparar essas deficiências, a parceria estabelecida entre a AJUFE e o Conselho Federal da OAB, ofertou anteprojeto de lei prevendo, entre outros aspectos, incentivos e proteção ao autor popular, bem como a previsão de honorários dignos aos profissionais da Advocacia, buscando com essas medidas mudar esse precário desempenho da ação popular, criando as bases para que doravante o cidadão coopere de modo atuante na defesa do interesse público.

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