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DRAMA N JAZZ – Alessandra Maestrini – 4 ARTE – Emílio de Melo – 7
DRAMA N JAZZ Nos dias 27 e 28 de agosto deste ano, antecipando o lançamento de Drama N
Jazz, seu primeiro álbum solo, a cantora Alessandra Maestrini apresentou no Teatro dos Quatro o belíssimo show homônimo, sobre o qual registrei breve resenha em postagens de blog pessoal privado que mantinha à época, bem como alguns relatos de parte das principais emoções por ele em mim provocadas. Quero agora tratar da cenografia do espetáculo, aspecto este diretamente relacionado ao Design de Interiores.
Drama N Jazz surpreende antes mesmo de se adentrar a sala, pois, ainda ao avançar pelos corredores, já é possível ouvir os músicos tocando a pleno vapor – o que chegou a me
causar certa estranheza por imaginar que estariam passando o som, a poucos minutos do início do show. Assim que entrei na sala, porém, duas outras sensações tomaram conta de mim: o alívio por constatar que os músicos não haviam deixado a passagem de som para a última hora, mas, sim, efetivamente dado início ao espetáculo, juntamente com uma quase definitiva sensação de estranheza instalada nos meus olhos ao avistar o palco. Assinado por Gringo Cardia, o palco era composto basicamente por um fundo preto, à frente do qual havia um amontoado de móveis brancos empilhados uns sobre os outros, e encobertos por uma nuvem de gelo seco, que pareciam espremer os instrumentos e sufocar os músicos – esta foi a primeira impressão que tive: de que tudo estava muito apertado dentro daquela imagem que me
pareceu uma enorme confusão visual. E se aquele palco já me parecia suficientemente apertado para um piano, uma guitarra, um contrabaixo e uma bateria, fiquei imaginando onde Alessandra se encaixaria dentro daquele cenário. Quando ela entrou em cena, porém, o palco parecia crescer aos poucos. Maestrini não apenas se mostrou muito à vontade com o espaço que tinha a seu dispor, como, valendo-se do seu talento dramático, utilizou muito bem os elementos ao seu redor, revelando, aos poucos, o propósito de estarem ali. Descrever amiúde sua trajetória pelo palco seria uma tarefa demasiadamente longa e que minha memória, quatro meses após o espetáculo, não cumpriria com a justa e merecida exatidão. Por isto, quero destacar apenas dois momentos que me chamaram a atenção de maneira especial, ambos concernentes à iluminação primorosa que emoldurou o show.
O primeiro instante em que a confusão até então instalada em meu olhar deu lugar a um certo interesse apreciativo foi quando, em determinado número, as luzes de todos os abajures presentes no palco foram acessas. Eu ainda não tinha me dado conta da enorme quantidade de abajures que havia ali. De maneira quase paradoxal, ao mesmo tempo em que, com as luzes acesas, os abajures chamavam a atenção para si, foi a partir da observação da presença deles no palco que comecei a observar e identificar melhor também os demais móveis que lá se encontravam, em seus variados usos, tamanhos e formas – este aparente paradoxo, de fato, despertou
em mim uma reflexão sobre os meios dos quais a arte se utiliza em busca da provocação de sentidos.
Um dos ápices do show, para mim, no entanto, foi quando Alessandra interpretou
True Colors, de Billy Steinberg e Tom Kelly, mundialmente conhecida pela gravação de Cyndi Lauper, registrada no álbum intitulado com seu próprio nome, de 1986. Neste número, uma sucessão de imagens disformes em preto e branco, recortadas em finas tiras horizontais, se movimentavam tremulamente na vertical, remetendo a uma projeção de um filme antigo em tons de cinza. Aparentemente contrastando com o título da canção, a ausência das cores, na verdade, dava o tom exato do cerne de seu tema. Ao final do número, Maestrini se vira de costas para o público, permanecendo imóvel por alguns instantes, quando, então, os feixes coloridos são, finalmente, revelados – uma cena inesquecivelmente bela! Ao final de duas apresentações (“tive” que voltar no dia seguinte), o cenário já me era familiar. A disposição dos móveis, que antes me pareciam simplesmente amontoados, resultava em diferentes molduras para os números; seu estilo
remetia a jazz pubs; sua cor branca era explicada pela necessidade de receber as projeções das imagens e demais efeitos de iluminação, que dificilmente seriam alcançados com os móveis escuros utilizados na capa do álbum. Ademais, a segurança com que Alessandra, além das canções, dominava também o palco, caminhando por ele reta entre tudo que parecia tão incerto, fazia dispersar qualquer estranheza inicial e até me fazia sentir, a essa altura já arrebatada pela emoção, integrada ao que antes me parecia apenas uma grande confusão. Talvez eu achasse a quantidade de móveis ainda exagerada, mas nada que fosse incoerente com um espetáculo que tratava, conforme palavras da própria Maestrini em entrevistas concedidas por ocasião da divulgação do show, de ritmo e sentimento. Afinal, em se tratando de ritmo e sentimento, um pouco de exagero tem, sim, o seu lugar. Teatro dos Quatro 27 e 28/08/2012 Rio de Janeiro Theatro Dom Pedro 30/11/2013 Petrópolis Cais do Porto 14/12/2013 Rio de Janeiro Sim! Eu vi 4 vezes! Na verdade, 5, mas uma delas era apresentação gratuita no Shopping Leblon e, portanto, não tem ticket.
ARTE Alguns dias antes de sequer pensar em fazer minha matrícula no curso de Design de Interiores, havia comprado ingresso para assistir à peça Arte, estrelada por Wladimir Brichta, Marcelo Flores e Cláudio Gabriel, com texto de Yasmina Reza e direção de Emílio de Melo, encenada no Teatro Leblon no dia 10 de agosto de 2012. Minha atração pela peça foi despertada por seu tema principal, a amizade, mas já sabia de antemão que o relacionamento de longa data entre três amigos seria discutido a partir de suas diferentes percepções sobre um objeto de arte, a saber: um quadro branco, com linhas brancas. É claro que discorrer sobre as
profundas e delicadas questões sobre amizade ali levantadas seria por demais complexo e fugiria ao objetivo deste registro. Por isto, limitar-me-ei ao
background da peça: arte – aspecto este que, especialmente em virtude de circunstâncias recentes, também tem despertado meu interesse. Um quadro branco, com linhas brancas – este é o objeto que levou o bem sucedido dermatologista Sérgio (Cláudio Gabriel) a desembolsar a nada simbólica quantia de 200 mil reais para adquiri-lo, motivado, aparentemente, apenas por se tratar de uma obra de um renomado artista. Ao visitar Sérgio e tomar conhecimento do valor do quadro, seu amigo Marcos (Marcelo Flores), engenheiro aeronáutico, simplesmente não consegue conceber como alguém pôde ter investido 200 mil reais em um quadro branco, com linhas brancas. A partir daí, os dois começam uma discussão que seria intermediada por Ivan (Wladimir Brichta), o amigo pacificador que, não tendo alcançado sucesso profissional semelhante aos outros, passa por uma situação financeira delicada em virtude da proximidade de seu casamento.
A minha identificação com o engenheiro, é claro, foi imediata. Não foram poucas as vezes em que vi explicitamente verbalizados em suas falas os questionamentos nos quais me pego pensando quase sempre que estou diante de alguma obra dita “de arte”. Sim, tenho de reconhecer que faço parte de uma provável massa cujas veias artísticas não foram estimuladas, mas sim atrofiadas em algum momento passado, e que, talvez por isto, quase sempre que se deparam com certas “obras de arte” não conseguem pensar muito além de “mas até eu
poderia ter feito isso”, e então se convencem de que só o que as diferencia de renomados artistas é o nome que, sabe Deus como, eles conseguiram construir com o tempo. Para uma pessoa de raciocínio cartesiano como o meu, é simplesmente inconcebível que alguém possa desembolsar duzentos mil reais para adquirir um quadro branco, com linhas brancas. Por mais multimilionário que o sujeito fosse, seria muito mais razoável utilizar essa quantia, por exemplo, para ajudar pessoas
carentes (vale lembrar que um de seus dois melhores amigos vivia em condições financeiras limitadas!). Com um valor tão alto, aliás, talvez fosse possível até mesmo que tal ajuda fosse prestada não apenas em caráter de emergência, mas também de maneira estrutural, criando condições para que os indivíduos beneficiados pudessem, por si mesmos, ter uma vida digna. E é exatamente por causa da mudança de valores que teria levado Sérgio a adquirir o quadro por um valor tão alto, em detrimento de coisas que antes eram consideradas mais importantes, que a amizade dos três é abalada. Sobre o quadro, Sérgio tenta argumentar que uma obra de arte tem um pensamento por trás de si; é a conclusão de uma trajetória. Seu argumento, é claro, não é aceito por Marcos. Ao tentar convencer Ivan da quase insanidade de Sérgio, Marcos lhe pergunta se ele ficaria feliz se ganhasse aquele quadro como presente de casamento. Na tentativa de se manter em cima do muro, Ivan tenta desconversar e então Marcos grita enfaticamente: “ISSO TE EMOCIONA?”. Parece-me curioso, até mesmo irônico, que essa ênfase na emoção venha justamente de Marcos, o amigo engenheiro (teoricamente, o “racional” da
turma), considerado por Sérgio frio e indelicado. A pergunta repentina, aparentemente simples e despretensiosa, parece ecoar pelo teatro e lança sobre o tom cômico da peça um insight profundo, capaz de calar a boca de quem, apesar de ter o raciocínio basicamente cartesiano, de maneira quase paradoxal, se move, na verdade, pela emoção. “Isso te emociona?” – eis a pergunta cujos ecos até hoje se formam em minha mente, pois, ao lançar a emoção na discussão, a razão simplesmente não mais se sustenta.
Muitas discussões entre os três ainda acontecem até que Sérgio, surpreendentemente, toma a decisão que os levará à reconciliação: entregar aos amigos um pincel preto para que pudessem riscar o quadro como bem entendessem. Com esse gesto, Sérgio simboliza o resgate de seus valores aparentemente perdidos e prova aos amigos que eles são mais importantes que a fatídica “obra de arte”. Ivan se recusa imediata e enfaticamente a cometer tamanha ousadia, mas Marcos não hesita em pegar o pincel e, em poucas e rápidas linhas, dá ao quadro um sentido profundo e surpreendente, até então
encoberto pela branquidão do quadro. Sérgio observa impassível e os três finalmente saem para comer. A cena seguinte remete a um hiato de tempo desde o último encontro dos amigos e, numa espécie de flashback final, Ivan se recorda da recuperação do quadro com alguns produtos de limpeza e pergunta se, ao entregar o pilot para Marcos, Sérgio sabia que era lavável, ao que ele responde que não. Ivan considera se o amigo estaria sendo sincero em sua resposta, mas logo deixa essa questão de lado ao concluir brilhantemente: “a verdade é que eu não suporto mais discurso
racional; tudo que se fez de grande e bonito nesse mundo jamais se fez com discurso racional”. Revelar aqui o sentido profundo conferido ao quadro através das pinceladas de Marcos retiraria o elemento surpresa da peça. O que importa por agora é registrar a gratificante descoberta de que, mesmo para os que têm suas veias artísticas atrofiadas, há, sim, esperança de que tenham seus olhares sensibilizados para manifestações artísticas aparentemente absurdas e, sobretudo, a chocante
constatação de que, à semelhança de um ditado popular, contra emoção, não há argumentos! Teatro Lebblon 10/08/2012 Teatro dos Grandes Atores 10/03/2013 Rio de Janeiro