O magazine dos líderes da água
GUAS LATINOAMÉRICA
Número 1
I
Julho 2021
I
Publicação Trimestral
VERSÃO EM PORTUGUÊS
Autogestão
de projetos de dessalinização
Modelos tarifários com dessalinização. Experiência chilena.
INFO H2O
A Salmoura é um recurso
INFO H2O
Índice 03 Editorial 06 País do mês
Desafios, avanços e oportunidades na gestão da água no Brasil
43 Artigos Técnicos e casos de estudo
Eletrodiálise: princípio, processos e aplicações no tratamento de água
70 Responsabilidade Social 19 Info H2O
Olimpiadas da água 2021
Novo Rio Pinheiros: a revitalização de um símbolo urbano Autogestão de projetos de dessalinização Modelos tarifários com dessalinização. Experiência chilena. Koutidjan. Desafios da governança da água A Salmoura é um recurso
40 Plantas
A Gestão do AQUAPOLO ressalta o papel da valorização dos efluentes diante dos desafios da mudança climática.
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Aguas Antofagasta - Autogestão de projetos de dessalinização
Aguas Antofagasta ostenta vários marcos: ser pioneira na dessalinização para fins de água potável no Chile e a maior fornecedora de água potável através da
dessalinização na América Latina estão entre eles. Mas sua maior realização tem sido a experiência adquirida na execução dos projetos próprios.
CO-EDIÇÃO - Juan Miguel Pinto - Presidente. COORDENAÇÃO EDITORIAL E REDAÇÃO - Ragile Makarem - Diretora de marketing e comunicação. REDAÇÃO E INVESTIGAÇÃO - Diego Ortuño - Analista De Comunicação - DESIGN, DIAGRAMAÇÃO E ILUSTRAÇÃO - Martín Guerrero - Coordenador De Imagem.
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Magazine AGUAS Latinoamérica | O magazine dos líderes da água
EDITORIAL
Esta edição especial em português da Aguas Latinoamérica, o magazine da ALADYR, é um sinal da firme determinação da Associação em avançar em seu propósito de difundir os processos e tecnologias de dessalinização, reúso e tratamento de água e efluentes no Brasil. A incorporação de novos afiliados como a WEG e as diversas notícias publicadas na mídia brasileira são outro sinal disso. Além disso, redobramos nossos esforços para destacar projetos importantes como o Aquapolo, exemplo de tratamento de efluentes para uso industrial na América Latina, e a ArcelorMittal Tubarão, que colocou em funcionamento a mais importante planta de dessalinização de água do mar do grupo metalúrgico do mundo. Agradecemos a participação nestas páginas das empresas e instituições que colaboraram com os artigos ou como fontes de informação, seu apoio é de grande valor. Garantimos que o nome ALADYR continuará ganhando espaço no
Brasil, com a participação cada vez mais ativa de nossos afiliados na região será possível a incorporação massiva da dessalinização e reúso, sendo estas tecnologias fontes seguras, sustentáveis e essenciais para enfrentar os desafios da água trazidos pelas mudanças climáticas e pelo crescimento populacional e econômico. Nossa intenção é fazer desta edição em português uma edição regular e fortalecê-la com a participação de empresas afiliadas e aliadas, a fim de igualar e até mesmo superar nossas páginas em espanhol. CONTAMOS COM VOCÊ.
Juan Miguel Pinto, Presidente da ALADYR.
Os convidamos a nos dizer o que podemos melhorar nas futuras edições e a exercer seu direito de resposta caso não concorde com algum dos argumentos apresentados nestas páginas.
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PAÍS DO MÊS
Desafios, avanços e oportunidades na gestão da água no Brasil
Desde as mega-plantas de dessalinização até o reuso potável dos efluentes, que ferramentas constituem o arsenal da gestão hídrica brasileira para enfrentar os desafios da mudança climática e do crescimento populacional? “O Brasil está secando” “O Brasil está ficando cada vez mais seco”, manchetes como estas estão nas primeiras páginas dos jornais mais importantes do país que tem 12% das reservas de água doce do planeta. Entre as razões estão a mudança climática e a crescente demanda industrial e doméstica. As previsões são preocupantes, mas o gigante do sul não está parado e procura a dessalinização em grande escala como aliado para se adaptar às novas condições. De acordo com a plataforma de coleta de dados MapBiomas, entre 1991 e 2020 o Brasil perderá 15,7% de suas áreas cobertas de água doce. A atual crise hídrica, a pior dos últimos 91 anos, implica em pesadas perdas econômicas e ameaça o racionamento de energia à medida que suas represas hidrelétricas diminuem. Em meio a este contexto árido, plantas de dessalinização em larga escala estão surgindo como uma solução viável. No dia 14 de setembro, a ArcelorMittal inaugurou a maior planta de dessalinização para fins industriais do Brasil em sua planta metalúrgica em Tubarao, no estado do Espírito Santo. É a jóia da coroa do Plano Diretor de Água (PDA) da multinacional, cujo investimento foi de 50 milhões de reais (mais de nove milhões de dólares) para uma capacidade de 500 metros cúbicos por hora com opções de expansão. Será a primeira estação de dessalinização do Grupo ArcelorMittal no mundo e a primeira a ser utilizada para apoio industrial no Brasil.
Na mesma linha, a empresa Águas de Fortaleza, liderada pela MARQUISE, assinou recentemente a ordem de trabalho para iniciar a construção da maior planta de dessalinização do país, que ficará localizada no bairro da Praia do Futuro de Fortaleza. O projeto é para fins residenciais e terá uma capacidade de produção de 1 m³/s para beneficiar cerca de 720.000 pessoas na capital regional. O investimento será de cerca de R$ 3,2 bilhões - aproximadamente US$ 599 milhões - durante o período de concessão de 30 anos. De acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, 74,5% dos rios do Brasil sofrem de alguma forma de contaminação e nenhum deles está em condições ideais. Esta pesquisa é congruente com o Ranking de Saneamento 2021 do Instituto Trata Brasil, que indica que o país tem aproximadamente 100 milhões de pessoas sem acesso à coleta de esgoto e que ainda não trata metade das águas residuais que gera (49%), o que representa o equivalente a cinco mil e trezentas piscinas olímpicas de resíduos despejados na natureza todos os dias. Mil e oitocentos deles estão nas grandes cidades. A condição da água do Brasil combina contaminação e escassez. Seja em comunidades dispersas no Nordeste ou em megacidades como São Paulo, o país precisa urgentemente de iniciativas para alcançar um abastecimento de água confiável. Diante desta realidade, a reutilização de água ou recuperação de efluentes é a solução mais viável. Reúso de água e efluentes Com experiências de sucesso em aplicações industriais como a Aquapolo, que fornece águas residuais tratadas para o polo petroquímico na região do ABC, e a siderúrgica ArcelorMittal Tubarão no Espírito Santo, que é abastecida pela planta local de tratamento de águas residuais (ETAR), o próximo passo para alcançar a máxima eficiência no uso do recurso e evitar o descarte em rios e outros corpos d’água é o reúso potável ou residencial.
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PAÍS DO MÊS
Quando se fala em reúso potável direto, o primeiro exemplo que emerge é o de Cingapura. Entretanto, as repetidas secas e crises hídricas como a sofrida na Área Metropolitana de São Paulo em 2014 e 2015 levaram estudos locais a verificar os métodos necessários para levar os efluentes tratados a uma qualidade segura para o consumo humano. Neste sentido, o Estudo de Viabilidade Técnica em Uma Unidade Piloto para o Reúso Potável Direto, realizado pelo professor de pesquisa da Universidade de São Paulo, José Carlos Mierzwa e companhia, abre o debate com a afirmação categórica de que os métodos são eficientes e seguros. A questão que permanece é quando o reúso de águas residuais será assumido como uma política estatal,
de modo que sua aplicação em massa se torne uma barreira para proteger a sociedade contra a investida da escassez de água e da mudança climática? A avaliação do estudo foi realizada através da operação e monitoramento constante de uma planta piloto operando com uma combinação de quatro tecnologias de tratamento: osmose reversa (RO), processos oxidativos avançados (AOP), carvão ativado granular (GAC) e carvão ativado biológico (BAC), todos presentes no mercado local e com experiência técnica suficiente entre os profissionais da área para sua implementação bem-sucedida. “O monitoramento mostrou que os efluentes das ETARs cumprem todos os padrões de qualidade da água potável”, conclui o estudo.
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PAÍS DO MÊS
A visão da ALADYR Para Eduardo Pedroza, representante da Associação Latino-Americana de Dessalinização e Reúso de Água para o Brasil, o país está em um momento “muito importante” para a infraestrutura de tratamento de águas residuais e a incorporação de fontes alternativas como a dessalinização, pois existe uma consciência da necessidade imperativa e inevitável de cooperação entre os setores público e privado para alcançar os objetivos. “É necessária participação de ambos os setores (público e privado) para que isso aconteça, devemos ter certeza do retorno do investimento. Do ponto de vista deles, os cidadãos estão dispostos a pagar em troca de um bom serviço”, diz Pedroza. Ele explicou que para uma cobertura completa do tratamento de águas residuais, estima-se que sejam necessários 400 bilhões de reais (aproximadamente 91 bilhões de dólares) e que, com Parcerias Público-Privadas, poderiam cobrir esta lacuna em 20 anos. “Se investirmos 20 bilhões de reais a cada ano, podemos conseguir.” O especialista assegura que, para preservar as fontes naturais de água, além de avançar na cobertura do tratamento de efluentes (resíduos líquidos de processos), é necessário atualizar as instalações convencionais porque elas não têm a capacidade de remover contaminantes de preocupação emergente como hormônios, contraceptivos, antibióticos, drogas ilícitas, resíduos cosméticos e outros componentes ligados aos hábitos de consumo. Contaminantes Emergentes Os contaminantes emergentes (CE) têm efeitos adversos sobre o corpo humano e o ecossistema. Estudos afirmam que esses contaminantes alteram as funções endócrinas e têm um impacto sobre o risco de câncer e a feminização das populações masculinas e da vida selvagem aquática. Estes compostos tendem a se combinar em fontes de água e aumentam seu poder nocivo. A pesquisa documental, , Contaminantes Emergentes nas Matrizes Aquáticas de Brasil, publicada em 2017 na revista Scielo.br, detalha as descobertas dos CE no Brasil e inclui artigos técnicos publicados entre 1997 e 2016. Conclui que as concentrações variam de acordo com a região e o complexo. Entretanto, os pesquisadores acrescentam, o cenário de contaminação foi agravado por uma combinação de “saneamento deficiente, baixo investimento em estações de tratamento de águas residuais e o atual nível de consumo de bens, que é semelhante ao dos países desenvolvidos”.
Para Pedroza, o investimento em saneamento, tanto para cobertura como para a adequação necessária para a remoção dos CE, deve ser uma questão da mais alta prioridade para o Estado. “Se investirmos neste tipo de infraestrutura, veremos economias significativas nos serviços de saúde”, disse ele. Ele expressou otimismo a este respeito porque “o desafio não é tecnológico”, visto que tratamentos capazes de remover estes componentes (CE) já estão no mercado. “O desafio é econômico, logístico e regulatório”, disse ele. Como uma história de sucesso, ele citou que a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) incorporou a ultrafiltração (tecnologia de membrana) em seu sistema de tratamento de água potável, o que tem sido um processo econômico de grande benefício para a população de São Paulo. A ALADYR reconhece o esforço do governo brasileiro e da administração pública nacional em orientar ações, planos e projetos para garantir o acesso à água potável. O Programa ÁGUA DOCE, o trabalho constante com as comunidades e a promoção da pesquisa são alguns exemplos inequívocos disso. Entretanto, a promoção de Parcerias Público-Privadas acelerará o progresso e incorporará experiências de sucesso, especialmente do exterior, que podem ser replicadas no país, juntamente com o setor acadêmico, um eixo vital para o crescimento em termos de desenvolvimento tecnológico.
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Novo Rio Pinheiros: a revitalização de um símbolo urbano Governador de São Paulo em Entrevista com a ALADYR
A recuperação do rio Pinheiros é um esforço conjunto do governo de São Paulo e da Sabesp Eduardo Pedroza, representante da ALADYR no Brasil, entrevistou João Doria, Governador de São Paulo, sobre o projeto Novo Rio Pinheiros, uma das iniciativas de saneamento mais importantes e inovadoras da América Latina e do mundo. Antes da conversa, Pedroza destacou a importância de políticas públicas para viabilizar maiores investimentos em infraestruturas de saneamento e revitalização de rios. “Devemos evitar o descarte de contaminantes nos rios, incentivar uma lógica de economia circular e aproveitar de forma sustentável o protagonismo deste recurso natural em nossas vidas e atividades econômicas” disse. O especialista em gestão hídrica falou de grandes recuperações de rios pelo mundo, como o Reno na Suíça ou o Tâmisa em Londres, que passaram de pontos incômodos para um patrimônio ainda mais precioso e valorizado. Ele apontou como “Iniciativa Importante” o projeto Novo Rio Pinheiros. Ele é um programa do governo do estado de São Paulo e da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) que visa recuperar esse importante corpo d’água incluindo a participação privada e a integração da sociedade. A conversa entre o nosso representante do Brasil e o Governador de São Paulo sobre o projeto é reproduzida a seguir: EP - Governador, é de compressão geral a importância de nossos rios para a saúde coletiva, bem-estar e o desenvolvimento econômico, em especial muitos que cruzam a nossa paisagem urbana. Olhando para o projeto
do Novo Rio Pinheiros, como está sendo conduzido e quais são os avanços em andamento? JD - O programa Novo Rio Pinheiros foi lançado em 2019 com participação da Sabesp, diversos órgãos públicos e envolvimento da sociedade. Este programa revitalizará um importante símbolo da Cidade de São Paulo. Nossa meta até o final de 2022 é avançar para melhorar principalmente a qualidade da água dos rios e córregos afluentes do Rio Pinheiros, tratando os esgotos, e assim possibilitando uma integração completa do Rio Pinheiros à cidade. Com o programa haverá uma melhoria no odor existente, abrigo de vida aquática e, principalmente a volta da população às margens do Rio Pinheiros, trazendo ganhos paisagísticos e grande potencial econômico. O programa demandará investimentos para ampliar o saneamento em cerca de R$ 1,7 bilhões, obras que a Sabesp já está executando com forte gestão vinculada ao desempenho das empresas contratadas. Bem como, há uma importante frente de trabalho que envolve a retirada de lixo, aprofundamento do rio, monitoramento da qualidade da água e controle de vazões e revitalização das margens, conduzidos de forma integrada pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente com a Sabesp, a Emae, a CETESB e o Daee. O governo de São Paulo disponibiliza um site para atualizações onde temos mais de 230 mil novos imóveis conectados à rede de esgoto e mais 30 mil toneladas de lixo removido. https://novoriopinheiros.sp.gov.br EP - A ampliação do saneamento é um desafio de infraestrutura na América Latina, sobretudo no Brasil. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento do país, cerca de 47% da população não tem coleta e tratamento adequado de esgotos gerados, sendo consequentemente descartado inadequadamente no meio ambiente. Neste desafio de ampliação da infraestrutura de saneamento, evitando a poluição de
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João Doria, Governador de São Paulo
rios, atuando também em projetos de revitalização, como compreende ser o melhor modelo para atrair investimentos? Onde precisamos melhorar? Como tem sido no projeto novo Rio Pinheiros? JD - São Paulo e o Brasil tem um grande potencial para atrair investimentos, sobretudo nessa área de infraestrutura e ambiental. Acreditamos na atração de investimentos privados por meio de concessões e parcerias público-Privadas em todas as regiões do estado, em várias áreas. No contexto do Rio Pinheiros assinamos, por exemplo, um contrato para revitalização da antiga Usina da Traição as margens do rio. Um processo conduzido entre a Emae e o consórcio Usina São Paulo. O consórcio venceu a licitação realizada em setembro e será responsável por implementar espaços de uso público em área de aproximadamente trinta mil metros quadrados. A proposta vencedora da licitação para concessão da área da Usina Tradição, no valor de R$ 280 milhões, representou um ágio de 1.900%, o que demonstra a confiança do mercado no projeto. Neste espaço será construída uma instalação moderna, impactante, com cafés, bares, restaurantes, lojas, academia, museu e o maior cinema ao ar livre da América Latina. Além do mais o Governo de São Paulo deixará de gastar R$ 12 milhões por ano, necessários para manutenção da chamada Usina da Traição, agora rebatizada de Usina São Paulo.
EP - Verificamos que o projeto do Novo Rio Pinheiros tem uma visão abrangente unindo sistemas centralizados e descentralizados de saneamento, reduzindo principalmente a carga orgânica poluidora. Mas o sucesso de sua execução ainda está por vir, e passa por evitar que o rio seja o destino de lixo carreados por chuvas, descartes clandestinos e certamente demandará o engajamento da sociedade. Como pretende promover esse engajamento e envolver a sociedade nesse projeto? JD - O programa envolve a sociedade, com ações de comunicação, educação ambiental e sobretudo para dar condições adequadas de destinação do lixo. O trabalho é realizado envolvendo as lideranças locais de cada comunidade. Quando possível as equipes percorrem os bairros em esquema porta-a-porta, tomando as precauções em razão da Pandemia, para orientar sobre o correto descarte dos resíduos sólidos. Representantes da Amlurb (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana) e profissionais de saúde atuam nessa conscientização. EP - Muito obrigado Governador estamos esperançosos na ALADYR e consideramos que o programa Novo Rio Pinheiros, seja o início de várias iniciativas similares em São Paulo, no Brasil e na América Latina.
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A obra inclui o saneamento de mais de 3 milhões de pessoas que vivem em áreas informais
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Autogestão de projetos de dessalinização Aguas Antofagasta compartilha décadas de experiencia
Aguas Antofagasta ostenta vários marcos: ser pioneira na dessalinização para fins de água potável no Chile e a maior fornecedora de água potável através da dessalinização na América Latina estão entre eles. Mas sua maior realização tem sido a experiência adquirida na execução dos projetos próprios. Um projeto de dessalinização constitui uma estrutura complexa de processos que são tão diferentes que geralmente são delegados a diferentes organizações especializadas em cada etapa. Entretanto, a Aguas Antofagasta EPM Group prefere estar ativamente envolvido desde a gestão de licenças até o início e operação das plantas. Este modelo chamado de “autogestão” não está isento de contratação e consultoria externa, mas implica que a estrutura organizacional da empresa possua talentos humanos capazes de liderar todos os aspectos do projeto. Foi assim que a Aguas Antofagasta, prestadora de serviços de saneamento para a região de mesmo nome no Chile, se estabeleceu como pioneira nacional na potabilização da água do mar e, logo após sua incorporação, tornou-se também a principal produtora de água potável através da dessalinização da água do mar na América Latina. A região de Antofagasta é árida. As fontes de águas continentais não são suficientes para atender à demanda de cerca de 600.000 habitantes. Assim, dado que 70% da população está concentrada nos centros urbanos costeiros, a dessalinização em larga escala foi a resposta lógica para fornecer o serviço de maneira confiável, economicamente competitiva e ecologicamente sustentável.
No momento da redação deste artigo, a Aguas Antofagasta, parte do Grupo EPM da Colômbia, produz 147.000 metros cúbicos de água potável por dia, 60% deste volume vem do mar e o restante das montanhas. O backup de uma fonte sobre a outra proporciona confiabilidade e resiliência ao serviço. Autogestão Talvez a melhor maneira de descrever a autogestão nesta área seja mencionar suas claras vantagens, tais como alto controle sobre o projeto e operação da planta, knowhow de cada processo do projeto e que uma economia significativa no capex pode ser alcançada. Entretanto, isto requer pessoal especializado dedicado exclusivamente às diferentes partes do projeto e os riscos relacionados à tecnologia e ao tempo são assumidos. Cada iniciativa começa com o processo de licenciamento, que é liderado pela equipe do projeto e é acompanhado pela área de gestão ambiental e consultores. Nesta etapa, a equipe de engenharia do projeto fornece as informações técnicas necessárias para as aplicações. O projeto, segundo Víctor Gutiérrez, gerente de projetos de dessalinização da empresa, é a parte mais crucial. “É a parte mais divertida porque você gera ideias para tais problemas, mas também é a mais complexa porque você tem que sair daqui com um projeto pronto e todas as mudanças que você quer fazer são feitas nesta etapa”, diz ele. Este segmento envolve a equipe interna para definir os critérios e gerenciar o desenvolvimento da engenharia e consultores especializados para projetar a planta. Como resultado, são emitidas as bases técnicas para licitações de materiais e construção. Em seguida, a gestão de materiais para compras, licitações e outros processos para equipar a planta são feitos com pessoal próprio. A construção é terceirizada, mas também gerenciada pela equipe da Águas
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Antofagasta, e a equipe de engenharia é integrada à equipe de construção, o que permite que a visão esteja mais de acordo com o resultado. Finalmente, os testes e comissionamento são realizados pelo pessoal da empresa que esteve presente durante as fases de engenharia e construção, e depois a planta é totalmente entregue à equipe de operações. As plantas A Região de Antofagasta é composta por nove municípios ou centros urbanos e a empresa sanitária atende 6 deles. A capital concentra a maior população (361 mil habitantes) e tem 83% de cobertura por dessalinização de água do mar da Planta de Dessalinização do Norte, a maior da América Latina para fins potáveis com capacidade de 1.056 litros por segundo. Este gigante tinha uma capacidade inicial de 600 litros por segundo até que o Grupo EPM decidiu expandi-la em várias etapas para atingir o recorde regional que tem hoje. A última expansão de 200 litros por segundo iniciou suas operações em novembro de 2016 e exigiu um investimento de 28 milhões 650 mil dólares para adequar a infraestrutura de captação de água do mar, adicionar uma bateria de multimídia e filtros de cartucho como prétratamento, dois trens de osmose reversa de 100 l/s cada um e um sistema de limpeza química das membranas, além das bombas de alta pressão e dos recuperadores de energia.
Para abrigar todo esse equipamento, outro prédio teve que ser construído e uma linha alternativa foi usada desde a captação até a nova instalação. O descarte de salmoura não precisou ser modificado. Este foi o primeiro grande desafio da Aguas Antofagasta sob a modalidade de autogestão, que não esteve isento de dificuldades devido a custos subestimados, atividades omitidas no planejamento orçamentário e atrasos no fornecimento da sala elétrica modular. “Em geral, em termos de orçamento e cronograma, fomos prejudicados pela falta de experiência, mas também aprendemos muito. Talvez a coisa mais importante que aprendemos é que fomos capazes de construir uma planta de dessalinização”, lembrou Gutiérrez. O próximo passo da Águas Antofagasta seria a construção de uma planta de dessalinização a partir do zero, assim, em julho de 2013, eles embarcaram na construção da Planta de Dessalinização de Tocopilla, que tem uma capacidade de 75 l/s e pode ser expandida para 100 l/s. Custou 44 milhões 550 mil dólares e com seu comissionamento em julho do ano passado, Tocopilla tornou-se a cidade com a maior população (25.186 habitantes) a ser completamente abastecida com água dessalinizada em toda a América Latina.
F2: Modelo 3D da última ampliação da Dessalinização Norte de 200 l/s
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F3: A Dessalinizadora de Tocopilla atende 100% da demanda da cidade de Tocopilla.
Nesta planta, a empresa adiciona ultrafiltração ao processo antes da dessalinização por osmose inversa. A OR é distribuída em 3 módulos de 25 l/s cada. Como póstratamento da água permeada, é utilizada remineralização de CO2 + Carbonato de cálcio, em seguida, cloro e flúor são dosados para cumprir com a norma chilena de água potável. Vale destacar que esta é a planta da Águas Antofagasta com o grau de automação mais alto. A possibilidade de monitoramento e controle remoto a partir da sede de operações localizada na cidade de Antofagasta, a 190 km de distância, também é acrescentada. Nesta ocasião, o custo das obras marítimas foi subestimado, o que exigiu um desvio de menos de 20% do orçamento. Observa-se também que a maior parte do cronograma foi consumida pela obtenção da concessão marítima, que levou quatro dos sete anos do projeto. Condições pandêmicas e impostas por ondas significaram alguns atrasos que reduziram o início da operação em cerca de sete meses.
A empresa sanitária também possui a Planta de Dessalinização Taltal para atender a demanda de 31% da população desse município, que tem mais de 13.000 habitantes. Além disso, para o município de Mejillones, 37 l/s do abastecimento produzido na planta de dessalinização do Norte em Antofagasta é utilizado para abastecer 100% de seus habitantes. Os municípios de Calama e Sierra Gorda, que completam suas operações na região, ainda não são abastecidos de água do mar devido à altitude e distância da costa. O que está por vir A Águas Antofagasta está atualmente trabalhando em uma nova expansão da planta de dessalinização do Norte para atingir 100% da oferta da capital regional através da água do mar dessalinizada e antecipar o crescimento desta população e o de Mejillones. O projeto começou em setembro de 2017 e tem como objetivo acrescentar 634 l/s à capacidade já instalada. Será realizada em três etapas, que vão começar a operar no primeiro trimestre de 2028. A primeira e mais importante inclui todas as obras civis, edifícios, obras
F4: A Dessalinizadora Tocopilla é a primeira de Águas Antofagasta a integrar a microfiltração.
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marítimas e fornecimento de eletricidade para todo o projeto, mas será concluída com uma capacidade instalada de 380 l/s e deverá começar a operar até meados de 2023. O investimento total é estimado em 115 milhões de 100 mil dólares. Para a equipe do projeto de dessalinização da Aguas Antofagasta, é fundamental que o plano de implementação seja definido individualmente para cada caso. “As definições de outros projetos não devem ser replicadas sem uma avaliação posterior”, enfatiza Gutiérrez, acrescentando que tudo deve ser avaliado, desde a adoção da autogestão ou terceirização da planta, até a definição da equipe do projeto, o número de contratos nos quais as tarefas serão divididas, ou como o fornecimento de eletricidade será resolvido, apenas para mencionar alguns exemplos. O total envolvimento da empresa no projeto é essencial. Neste sentido, é necessário alocar diferentes áreas do organograma para a dedicação exclusiva do projeto, assim como envolver a maioria dos tomadores de decisão. “Outra lição é que o projeto e a construção deve beneficiar a operação. Isto significa que mesmo que requeira um investimento mais alto de capex, a planta de dessalinização deve ser feita para operar confortavelmente, com segurança, confiabilidade e durabilidade”, disse ele.
Então, a equipe encarregada do projeto de dessalinização deve ser multidisciplinar, ter experiência em tais projetos e estar em tempo integral. “Esta é uma lição aprendida desde cedo. Finalmente, no que diz respeito à gestão geral, é primordial entrar em contato com a indústria e manterse informado sobre as inovações e desenvolvimentos aplicáveis à dessalinização. “Para isso, aumentamos nossa participação em congressos internacionais, fizemos mais contato com a ALADYR e começamos a identificar mais participantes do setor. Tanto local quanto internacionalmente”, acrescentou ele. Ele explicou que estão constantemente surgindo inovações de desenvolvimento, de maior ou menor impacto, que melhoram algum aspecto da planta de dessalinização e que, ainda, representam uma melhoria substancial. Dessa maneira, estar envolvido em cada etapa do projeto deixou lições específicas para ser mais eficiente, portanto, a Águas Antofagasta continua a incorporar a experiência como um ativo intangível de alto valor que lhe permite permanecer na vanguarda da prestação de serviços, sendo assim um exemplo replicável para toda a região da América do Sul.
F5: A expansão de 600 l/s da Dessalinizadora Norte estaria operacional no primeiro trimestre de 2028.
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Modelos tarifários com dessalinização. Experiência chilena. “Nota baseada na participação de Patricio Mártiz, Gerente de Desenvolvimento da ITECK, no Fórum ALADYR “Água: Potabilização, Saneamento e Gestão de Efluentes”.
Um modelo tarifário de abastecimento de água é uma estrutura complexa composta de variáveis econômicas, sociais, políticas, regulatórias, ambientais e tecnológicas, só para mencionar algumas delas. Neste artigo da Aguas Latinoamérica discutimos como as tarifas podem ser determinadas em um modelo que inclui a dessalinização como uma de suas fontes. Os serviços de abastecimento de água potável e de coleta e tratamento de esgoto (doravante os serviços de saneamento) tendem a fugir dos benefícios do mercado livre, como a competição pela qualidade do serviço e preços competitivos para captar a maior demanda possível. O fato é que raramente existem muitos provedores de serviços para o mesmo local. Por outro lado, o alto estoque de investimentos torna praticamente impossível que a tarifa venha do equilíbrio entre oferta e demanda. Ao contrário de outras indústrias com milhares de agentes de abastecimento como, por exemplo, a indústria da construção, a venda de utensílios domésticos, serviços de limpeza, etc., a indústria de água potável tem barreiras de entrada quase insuperáveis determinadas principalmente pelo investimento em infraestrutura ou CAPEX. O licitante costuma ser um e, portanto, falamos em mercado de monopólio. Se o mercado não fosse regulado, a empresa de água poderia empurrar o preço até a capacidade máxima de pagamento do usuário e, portanto, haveria parte da população sem acesso ao serviço de água potável. Por outro lado, se o Estado determinasse arbitrariamente o preço da água, sem considerar os custos da empresa,
tenderia a estabelecer preços baixos a fim de aumentar a cobertura do serviço, o que defraudaria o prestador do serviço, e a qualidade do serviço cairia inevitavelmente até o colapso do sistema. É aqui que o sistema regulatório se torna um agente mediador. De fato, um sistema regulador equilibrado, onde a empresa pode incorporar os custos dos investimentos necessários e despesas eficientes para fornecer o serviço, e por outro lado, onde o cliente (através do regulador) pode obter um serviço de qualidade ao menor custo possível e incorporando as melhores tecnologias, gera um sistema virtuoso onde, em um mercado monopolista, todos os agentes alcançam o equilíbrio; empresas que podem ser autofinanciadas, e clientes que recebem um serviço de alta qualidade a preços razoáveis. Como deve ser um regulamento? De acordo com o relatório sobre tarifas (Lentini e Ferro) da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), as tarifas devem ser econômica e financeiramente sustentáveis a fim de cobrir os custos e garantir as possibilidades de investimento, manutenção e expansão. Outra característica indispensável de um bom sistema de tarifas tem a ver com a eficiência na alocação, o que implica a correta distribuição dos custos e a eficiência produtiva para a melhor prestação de serviços possível ao menor preço possível. O terceiro pilar corresponde à equidade horizontal para iguais usuários, ou seja, não há discriminação, e à equidade vertical para incluir com auxílios ou subsídios aqueles que não dispõem de meios de acesso ao serviço.
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Tarifas de água potável e saneamento em várias cidades. Cortesia da ITECK (Apresentação no Fórum ALADYR “ ÁGUA: POTABILIZAÇÃO, SANEAMENTO E GESTÃO DE EFLUENTES, maio de 2021).
Depois, há diferentes modelos regulatórios. Por exemplo, no Price Cap, que envolve a fixação de preços máximos pela autoridade ou regulador por um determinado período, sujeito a um índice de preços e respectivas depreciações. Outro fator que o regulador utiliza para obter um preço competitivo corresponde à captura de eficiência na prestação do serviço.
As tarifas máximas estabelecidas pelo regulador, de acordo com o fator de eficiência, devem permitir ao fornecedor obter receitas suficientes para cobrir custos, depreciação, planos de investimento e um retorno razoável.
Características do regulamento. Cortesia da ITECK (Apresentação no Fórum ALADYR “ ÁGUA: POTABILIZAÇÃO, SANEAMENTO E GESTÃO DE EFLUENTES, maio de 2021).
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A empresa modelo. Sistema Tarifário Chileno. O sistema chileno cobra pelo mecanismo de comparação, utilizando um modelo de empresa eficiente. Ou seja, é criada uma empresa virtual, eficiente, que capta a mais recente tecnologia, mas respeitando as condições do ambiente, para simular um mercado competitivo; e o prestador de serviços (empresa real) deve igualar ou melhorar a oferta fornecida pela empresa modelo. Para esta empresa modelo, seu valor presente líquido (VPL) durante 35 anos a uma taxa de desconto de mercado (taxa sem risco mais um prêmio de risco) é assumido como sendo zero. Em outras palavras, os investimentos serão recuperados, mas não haverá sobre investimento. Este modelo garante que o VPL não seja negativo, o que poderia resultar em uma perda ou na impossibilidade de a empresa real cobrir os investimentos necessários para o projeto de expansão ou para a reposição de ativos, o que se manifestaria em uma queda na qualidade do serviço e na deterioração da cobertura a longo prazo. Outro critério desta empresa virtual é que ela é projetada para uma demanda de projeto igual à oferta, implicando que não há superdimensionamento da infraestrutura e investimentos que levariam a uma sobretaxa desnecessária na tarifa. A construção do modelo também leva em conta a adoção da melhor tecnologia disponível no mercado, posicionando-o no ambiente real de prestação de serviços e eliminando ineficiências e duplicações na infraestrutura, o que coloca a empresa real sob pressão para ser ótima
para o benefício do usuário. Um reflexo desta condição é, por exemplo, a perda de água, ou água não faturada, que em empresas reais é normalmente superior a 30%, na empresa modelo é de 15%, pois o uso de novas redes com melhor tecnologia é condicionado. A tarifa deve ser suficiente para o autofinanciamento da empresa, para o qual os custos projetados a longo prazo são tomados. No caso chileno este prazo é de trinta e cinco anos; os ativos que excedem esta vida útil são transferidos para o modelo como um valor residual no ano 35; por outro lado, os custos do modelo são obtidos de licitações públicas realizadas em um período limitado, normalmente cinco anos, e o dimensionamento da infraestrutura é projetado com a demanda dos cinco anos seguintes (média financeira). Para atender aos critérios de equidade mencionados acima pela CEPAL, este modelo deve ter um sinal que reflita os custos reais e a escassez do recurso na área coberta pelo serviço. Em termos simples, paga-se mais onde há menos água e não pode haver água de graça. Alguns Aspectos Relevantes do Modelo Chileno • Responsável: Regulador (Superintendência de Serviços Sanitários) • A cada 5 anos, o Regulador e as empresas realizam estudos independentes na mesma base. O estudo oficial é o do Regulador, enquanto o estudo da empresa servirá para determinar as diferenças e a empresa será capaz de apresentar suas discrepâncias.
Equação PRICE CAP. Cortesia da ITECK (Apresentação no Fórum ALADYR “ ÁGUA: POTABILIZAÇÃO, SANEAMENTO E GESTÃO DE EFLUENTES, maio de 2021).
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POR QUE REGULAR. Cortesia da ITECK (Apresentação no Fórum ALADYR “ ÁGUA: POTABILIZAÇÃO, SANEAMENTO E GESTÃO DE EFLUENTES, maio de 2021).
• Existe um mecanismo de arbitragem. Isto permite que na falta de acordo entre o Regulador e a Empresa, quanto aos custos da prestação do serviço, se recorra a um painel de especialistas, que deve tomar uma decisão técnica sobre cada uma das discrepâncias apresentadas pela Empresa ao modelo. • As tarifas estabelecidas são as tarifas máximas. A Empresa pode cobrar as tarifas que julgar necessárias até o limite estabelecido pelas tarifas regulamentadas. • Existem subsídios estatais. As tarifas refletem o custo real e eficiente da prestação do serviço, assim como fornecem um sinal de escassez; a equidade vertical é alcançada com subsídios estatais diretos para as famílias cujas contas de água potável, equivalentes a 15 m3/mês, excedem uma certa margem do orçamento familiar. Isso garante que as tarifas permitam que as empresas se autofinanciem e que todos os lares tenham acesso aos serviços de água potável. Propriedades das Tarifas no Modelo Chileno • Sem taxa de ineficiência (Empresa Modelo) • Reflete o custo marginal de prestação do serviço • Cobre custos eficientes e permite que as empresas financiem seu desenvolvimento • Gera retorno sobre ativos • Permite uma revisão periódica, principalmente das bases comparativas • Promove a operação eficiente dos serviços
• Incentiva o uso racional de recursos • O subsídio direto do Estado garante acesso e estabilidade ao setor Para a Valorização Há uma fórmula chamada CTLP, Custo Total a Longo Prazo ou custo anual equivalente de prestação do serviço para os próximos 35 anos. Nele há certos componentes, como o retorno sobre os ativos, que incorpora uma taxa de desconto de mercado; um componente que valoriza o investimento, que permite incluir o investimento eficiente necessário para garantir o serviço para os próximos 35 anos, com uma demanda real para os próximos 5 anos e o seguinte componente é o valor médio anual que é atribuído; então há o valor residual que reflete o diferencial de anos disponíveis das instalações para prestar o serviço que excede o planejamento dos 35 anos, essa diferença é subtraída do investimento inicial e finalmente a depreciação e as despesas para cobrir a operação e manutenção são levadas em conta. A tarifa de custo de capital ou de retorno do investimento é baseada em um sistema financeiro chamado CAPM (capital asset pricing model), que inclui uma taxa livre de risco, que no caso chileno é inferior a 2% em termos reais (livre de inflação), mais um prêmio de risco entre 3% e 3,5%; a taxa final calculada está entre 5 e 5,5%. Entretanto, o sistema tarifário chileno garante um retorno mínimo sobre os ativos de 7% em termos reais. As despesas são valorizadas refinando os custos reais, revisando os eficientes e os não eficientes. O investimento é valorizado através de um projeto de cada uma das
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obras, para a demanda média projetada de cinco anos; as redes de distribuição de água potável ou de coleta de esgoto são obtidas da empresa real, purificando as duplicidades; finalmente, as opções mais eficientes são incluídas no projeto, incluindo a eficiência tecnológica. Finalmente, o custo médio anual da empresa modelo é dividido pela quantidade de metros cúbicos projetados, e isto resulta em uma tarifa. Este modelo deve ser proposto pela autoridade; a empresa deve gerar um modelo paralelo, os dois modelos são cruzados e as suposições e resultados que surgiram são avaliados, a empresa pode apresentar discrepâncias por componente que são avaliadas pelo órgão regulador. Se após um certo período não houver acordo sobre os resultados tarifários entre as duas entidades, as discrepâncias são levadas a um comitê de especialistas que deve fazer uma decisão técnica para cada uma delas. As tarifas assim determinadas estarão em vigor para os próximos 5 anos.
possível manter o índice “como se não incluísse água dessalinizada”, ou minimizar seu impacto. A projeção de vendas industriais e o desconto tarifário também fazem parte da Empresa Modelo e, portanto, devem ser determinados no processo de fixação de tarifas. 2. A empresa não pode arcar com os custos da planta de dessalinização ou não pode repassá-los para as tarifas. Neste caso, o Estado é responsável pela construção (CAPEX) e a empresa é responsável pelos custos operacionais (OPEX). A dinâmica seria a seguinte: No cruzamento do CAPEX mais OPEX o investimento da planta não está incluído porque é assumido pelo Estado, portanto, a tarifa é afetada apenas pelo custo operacional. Neste caso, os custos reais ou totais do investimento não são refletidos, portanto não há um sinal efetivo de escassez e alocação de custos, distorcendo os sinais que devem ser dados para as áreas com escassez.
Impacto na Dessalinização Os sistemas tarifários em toda a América Latina, e em grande parte do mundo, são baseados na prestação de serviços tradicionais, não incluindo a dessalinização. Tendo em vista as evidências práticas, pode-se dizer que existem três modelos de preços para a prestação de serviços utilizando a dessalinização, além, é claro, de um subsídio direto do Estado para as tarifas totais. 1. A empresa prestadora está apta a construir uma dessalinizadora e prestar o serviço ao setor doméstico e por sua vez a um ou mais terceiros industriais. Ou seja, vender fora do serviço regulado. Como funciona: Há um aumento da tarifa regulada para o uso da água dessalinizada, e quando a empresa faz a venda a um industrial como serviço não regulado, é feito um desconto como uma fração do lucro da venda industrial ao serviço doméstico. Com isso, é
3. Uma estação de dessalinização é construída apenas como medida de segurança para garantir água em determinados épocas, por exemplo, no verão. Neste caso, somente o custo CAPEX é cobrado na tarifa. A planta é utilizada sob demanda, e os custos operacionais são repassados através de uma sobretaxa para o uso da água produzida pela planta de dessalinização.
Como conclusões: É importante que os modelos:
É necessário:
• Incorporem o sinal de escassez
• Melhorar a assimetria das informações
• As empresas se autofinanciem
• Haja coerência entre a qualidade do serviço e as tarifas
• Haja um sinal de eficiência • Haja justiça para os clientes Em relação às novas fontes: • Possam ser incorporados ao modelo da maneira mais simples possível • Haja incentivo à inovação e novas tecnologias de produção de água • Múltiplos desenvolvedores e concorrência são permitidos
• O modelo permite atrair investimentos para aumentar a cobertura e melhorar a qualidade • O Estado tem um papel importante na regulação e melhoria do acesso à água potável • As empresas possam incorporar negócios derivados que geram benefícios para o operador e os clientes
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A AMÉRICA LATINA CUMPRIRÁ A META DE ÁGUA E SANEAMENTO ATÉ 2030? o falta para alcançá-lo?
Faltando menos de uma década para cumprir o prazo proposto pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, vale perguntar como a América Latina está progredindo para levar Água Limpa e Saneamento a cada um dos setores das sociedades que a compõem. Não podemos negar que os ODS fazem parte do discurso político e dos objetivos nos países da América Latina - e em outras partes do mundo - e que, em termos gerais, eles estão presentes na concepção de programas e planos governamentais. Entretanto, a região enfrenta obstáculos econômicos, sociais e institucionais para cumprir esses compromissos. Este artigo visa dar uma olhada em como a região está se saindo em termos do ODG 6, que visa levar Água Limpa e Saneamento para toda a população até 2030. À primeira vista, vale a pena mencionar que a América Latina é o lar de cerca de 650 milhões de pessoas. Destes, 81% estão concentrados em áreas urbanas, dos quais 30% são considerados pobres, e 45% em áreas rurais. A cobertura de água e saneamento na região excede a média global, mas fica atrás dos países desenvolvidos (CEPAL 2019). Um estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2019 que incluiu 38 países, incluindo Argentina e Colômbia, descobriu que os principais problemas da governança da água têm a ver com a dispersão institucional dos recursos hídricos entre diferentes órgãos, ministérios e níveis de governo. Além disso, foi observado que existem interesses políticos que prevalecem sobre o cuidado das bacias, o que por sua vez implica uma falta de continuidade dos funcionários
responsáveis. Finalmente, observa a ausência de estruturas legais para incorporar a participação das partes interessadas no setor. De acordo com uma apresentação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) feita no congresso da Associação Argentina de Engenharia Sanitária e Ciências Ambientais (AIDIS ARGENTINA) realizado em abril passado, onde a ALADYR esteve presente, 220 milhões de latino-americanos não têm um abastecimento contínuo e seguro de água potável, 490 milhões não têm saneamento e 20 milhões ainda defecam ao ar livre. O BID adverte que existe uma dualidade com os parâmetros pelos quais os países se posicionam em termos de cobertura da A&S. Eles tendem a mostrar índices baseados nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) ultrapassados, segundo os quais a região teria 95% de abastecimento de água e 83% de esgoto, mas se medido com o padrão dos ODS atuais, com requisitos mais altos como qualidade, acessibilidade e continuidade, então esses mesmos índices são reduzidos para 65% e 22% respectivamente. Além disso, o ODG 6 incorpora o tratamento de águas residuais coletadas a 20%. Na mesma apresentação, o órgão destacou que a melhoria da cobertura de água atinge 97% nas áreas urbanas, mas 84% nas áreas rurais, e que o mesmo se aplica ao saneamento básico em 88% nas cidades e 64% fora das cidades. Outra desigualdade identificada pelo BID foi a lacuna entre os países. Por exemplo, o Chile tem 100% de cobertura de água e saneamento em suas cidades, enquanto no Haiti as taxas são de 58% para água e 22% para saneamento. Eles acrescentaram que os setores periféricos das cidades tendem a ter 30% menos cobertura de A&S do que os setores urbanizados. Investimento alvo
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Com a imagem um pouco mais clara, o BID perguntou quanto investimento seria necessário para atingir a meta de 2030. A resposta não é simples e menos encorajadora. Para atingir 100% de cobertura de água e saneamento de acordo com os parâmetros dos ODM, que são menos exigentes e não envolvem tratamento de efluentes coletados, seria necessário triplicar a taxa atual de investimento de aproximadamente 7 bilhões por ano para 20 bilhões por ano durante esta década. Mesmo assim, não haveria garantía.
Entre as recomendações do BID para superar a situação financeira está melhorar a gestão da demanda para obter maior eficiência e que a mesma infraestrutura beneficie mais pessoas. Isso implicaria atingir a totalidade do serviço medido de forma que não custasse o mesmo consumir um ou 10 metros cúbicos de água. Em muitos países da região, o serviço medido não chega a 30% dos usuários, o que desestimula o uso eficiente do recurso. Outro fator referente à demanda é o da água não contabilizada (vazamentos, tomadas ilegais etc.), que gira em torno de 40%. Eles também sugerem planos para financiar casas onde o gasoduto funciona, mas não está conectado.
x3 PARA ATENDER AS METAS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO O INVESTIMENTO EM ÁGUA E SANEAMENTO PRECISA TRIPLICADO DE 7 BILHÕES POR ANO A 20 MILHÕES DURANTE 1 DÉCADA
Se tomarmos os indicadores de água e saneamento seguros do ODG 6, que incluem o tratamento de efluentes de esgoto, então o valor do investimento tornase astronômico. De acordo com alguns especialistas, mesmo com este número inimaginável, alcançar a meta seria inviável se não houvesse um fortalecimento das instituições acompanhado de um aumento das capacidades humanas e da atualização dos marcos regulatórios e das políticas públicas a longo prazo.
“Melhorar a gestão da demanda para alcançar maior eficiência e PARA CUMPRIR O ODS 6: ÁGUA E com a SANEAMENTO mesma infraestrutura”
A CIFRA DE INVESTIMENTO SERIA ASTRONÔMICA E É NECESSÁRIO FORTALECER AS O reuso e uso deINSTITUIÇÕES águas residuais tratadas e aquelas
derivadas de seus processos, como lodo, são uma parte essencial da visão do BID sobre a viabilidade do ODS 6 na América Latina. “As plantas devem ser concebidas e apontadas nessa direção (reuso e aproveitamento)”, pois assim o meio ambiente fica protegido da contaminação e são gerados recursos financeiros. Água, Saneamento e Pandemia
NA PANDEMIA, EMPRESAS Durante a pandemia, tornou-se recorrente ouvir o que a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) vinha pregando há DE muito tempo: que a água e o saneamento PRESTADORAS SERVIÇOS constituem a primeira barreira de proteção à saúde. SANITÁRIOS Com base nisso e nas recomendações para a lavagem
20%
PARA CUMPRIR O ODS 6: ÁGUA E SANEAMENTO A CIFRA DE INVESTIMENTO SERIA ASTRONÔMICA E É NECESSÁRIO FORTALECER AS INSTITUIÇÕES
TIVERAM UM AUMENTO DA DEMANDA
das mãos, os governos exigiram um esforço adicional dos prestadores de serviços sanitários para levar cobertura às populações que não a tinham. As empresas tiveram um aumento na demanda de mais de 20% e uma redução drástica da receita para facilitar a acessibilidade do serviço e não interrompê-lo por atrasos nas faturas. A maioria deles não tinha planos de contingência e, portanto, sua situação financeira está “muito comprometida”, segundo o BID.
REDUÇÃO DRÁSTICA DA RECEITA
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PARA ATENDER AS METAS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO O INVESTIMENTO EMdos ÁGUA E da água Magazine AGUAS Latinoamérica | O magazine líderes SANEAMENTO PRECISA TRIPLICADO INFO H2O DE 7 BILHÕES POR ANO A 20 MILHÕES DURANTE 1 DÉCADA
PARA CUMPRIR O ODS 6: ÁGUA E SANEAMENTO A CIFRA DE INVESTIMENTO SERIA ASTRONÔMICA E É NECESSÁRIO FORTALECER AS INSTITUIÇÕES
NA PANDEMIA, EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS SANITÁRIOS
20% TIVERAM UM AUMENTO DA DEMANDA
A pandemia também revelou que quase 22% das instalações de saúde na América Latina e no Caribe carecem de fontes de água, 21% carecem de serviços de saneamento e 22% carecem de serviços de gerenciamento de resíduos. Entre as lições aprendidas durante o flagelo da Covid-19 é a de promover a associatividade entre pequenos prestadores de serviços sanitários para fortalecer suas capacidades administrativas, operacionais e financeiras, e para reforçar a segurança das instalações e de seu pessoal para garantir a prestação dos serviços. Além disso, as sanitárias entenderam que precisam de planos de contingência para atender às populações mais vulneráveis, mesmo por meio de soluções alternativas, como caminhões-pipa. A inovação nos campos tecnológico, social, de infraestrutura e institucional são essenciais para avançar nos indicadores de A&S. O BID recomenda uma mudança total no paradigma de governança da água, que inclui uma abordagem de economia circular para reduzir a contaminação e aumentar o financiamento para sistemas de tratamento.
REDUÇÃO DRÁSTICA DA RECEITA
Em conclusão, cabe destacar que a pandemia só tornou visíveis as lacunas que antes ficavam ocultas na gestão adequada de cifras oficiais e a necessidade inevitável de fortalecer a gestão das instituições prestadoras de serviços sanitários, bem como o investimento em infraestrutura para garantir o acesso a água potável. É nossa responsabilidade continuar fechando lacunas com as opções oferecidas pelas tecnologias de tratamento de água e efluentes e repensando os cenários possíveis para cumprir a meta “ÁGUA LIMPA E SANEAMENTO”
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A Salmoura é um recurso O efeito da dessalinização da água do mar a longo prazo é totalmente insignificante
E N C O L A B O R AC I Ó N C O N
Os detratores da dessalinização utilizam a salmoura como seu principal argumento, ignorando as evidências científicas de que ela quase não tem efeito sobre o ambiente marinho, mas o que fazer quando ela é produzida longe da costa? A comunidade científica da água está trabalhando para descartá-la corretamente e transformá-la em um recurso. Aqui estão algumas propostas
Nas páginas deste magazine já se falou sobre o impacto ambiental do descarte da salmoura no meio marinho, que nas palavras do presidente da AEDyR, Domingo Zarzo, “não é inexistente, mas também não é relevante”. No entanto, este subproduto tem impacto na opinião pública e a sua utilização é um dos objetivos mais procurados no domínio da dessalinização. Segundo o mesmo estudo do Instituto de Água, Meio Ambiente e Saúde da Universidade da ONU (UNUINWEH) (Jones et al, 2019) que foi usado por alguns dos jornais para desacreditar a dessalinização, as plantas de dessalinização do mundo produzem 145,5 milhões de metros cúbicos de salmoura por dia. Destes, 86,6% provêm da dessalinização da água do mar e o restante da água salobra (7,9%), águas residuais e outras fontes. As pesquisas indicam que aproximadamente 80% da salmoura é produzida a menos de dez quilômetros da costa. Neste caso, a opção mais viável é o descarte no mar. Para o restante, são buscadas e praticadas alternativas, incluindo a injeção de aquíferos profundos confinados, descarte para esgoto, descarte para terra ou irrigação, descarga zero de liquidos e revalorizações que constituem um campo experimental per se.
Quanto ao descarte no mar, Daniel Prats, professor de engenharia química e coordenador de projetos e desenvolvimento no del Instituto del Agua y de las Ciencias Ambientales da Universidade de Alicante Espanha, explica que as substâncias do pré-tratamento de osmose reversa são não tóxicas e têm um impacto muito baixo. Além disso, ele diz que a cada ano o ciclo natural da água leva 44.800 quilômetros cúbicos de água dessalinizada por evaporação e a precipita sobre o continente, enquanto toda a capacidade instalada para dessalinização da água do mar é de 21,9 quilômetros cúbicos por ano. “É evidente que o ciclo natural da água dessaliniza até 2.000 vezes mais do que todas as plantas de dessalinização combinadas”, disse ele. Também se propôs a responder à pergunta: Como a salinidade média do mar mudaria se toda a água doce da dessalinização fosse impedida de retornar? Após um ano, a concentração de sal marinho passaria de 35 miligramas por litro para 35,00056 mil miligramas por litro. Em outras palavras, uma variabilidade incremental de 0,0000017% da salinidade. Em outras palavras: o efeito da dessalinização da água do mar a longo prazo é totalmente insignificante. Além destes dados, que afirmam e reafirmam que a dessalinização tem uma capacidade de afetar a composição do mar a quase zero, o que preocupa este artigo, baseado na pesquisa do professor da Universidade de Alicante, é o que é feito com o concentrado salino produzido a partir de água salobra e água interior, que constitui 20% do total gerado pelas plantas. A composição da água dos poços salobros é tão variada que pode incluir metais pesados, boro e altas concentrações de sílica, portanto seu descarte no mar deve ser feito com medidas para evitar impactos como a eutrofização, que é o enriquecimento excessivo de nutrientes no ambiente aquático. Para este fim, na planta
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Foto de referência: na planta de dessalinização de Abrera em Barcelona, a salmoura é misturada com outros descartes, tais como águas residuais tratadas.
de dessalinização de Abrera-Barcelona, a salmoura é misturada com outros descartes, tais como águas residuais tratadas. Outra forma é a injeção em aquíferos costeiros rasos, como é o caso nas Ilhas Caimã. Interior Quando a dessalinização da água dos poços salobros ocorre a mais de dez quilômetros da costa, uma das opções de descarte é a injeção em poços mais profundos do que 500 metros. O poço deve satisfazer as condições de isolamento e impermeabilidade para evitar a infiltração salobra em outros aquíferos que são suscetíveis à exploração. De acordo com a pesquisa Panagopulos e colaboradores de 2019 titulada Métodos de Disposición de Salmuera y Tecnologías de Tratamiento, 17% do total de salmouras americanas são descartadas por este procedimento. O custo varia de $0,64 a $2,65 por metro cúbico de salmoura. 25% das salmouras naquele país são despejadas no sistema de esgoto. Este método pode ser implementado quando o descarte é pequeno em comparação com a vazão de águas residuais. Os padrões de qualidade de descarte devem ser atendidos. Precauções adicionais aplicam-se aos efluentes tratados utilizados para irrigação. Custo: 0,32 - 0,66 USD/m3. Outra opção é a descarga zero por evaporação, que consiste na simples construção de escavações impermeáveis. A limitação é geralmente a quantidade
de área de superfície necessária e a alta irradiação solar. Este é um processo que vem sendo utilizado desde tempos imemoriais para a obtenção do sal. O custo deste processo é alto devido à necessidade de terra. Custo: 3,3 - 10 USD/m3. A descarga zero com evaporação intensificada pelo vento utiliza dispositivos de malha que são umedecidos com salmoura e a salmoura evapora na brisa. São possíveis até 20 superfícies molhadas por metro quadrado. A crosta de sal cai espontaneamente devido à ação da gravidade. Há também um uso de energia de tanques com um gradiente de temperatura que é criado quando eles estão a uma certa profundidade. O fundo acumula uma salmoura concentrada que pode ser aquecida o suficiente para gerar energia. Há exemplos deste método em El Paso, Texas. Ainda não foram feitos progressos em sua escalabilidade e competitividade econômica em relação às fontes convencionais de energia. Uso da salmoura O uso da recuperação de energia na própria planta é bem conhecido. Outra revalorização no local é a lavagem e retrolavagem dos filtros, já que a salmoura está livre de sólidos e microorganismos. Outros usos diretos estão relacionados com a recuperação de água estagnada, hidroterapia, salga de picles, insumos minerais e nutritivos para culturas hidropônicas e regeneração de zonas úmidas, entre outros.
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Foto de referência: O programa Água Doce do Brasil utilizou a economia circular com salmoura.
A salmoura também é utilizada para irrigação de culturas tolerantes ao sal e acumuladoras de sal, tais como cevada, algodão, beterraba, trigo, espinafre, espargos e alcachofras, assim como algumas gramas forrageiras. Segundo pesquisas do International Center for Biosaline Agriculture (ICBA) em 2018, a salmoura de águas residuais urbanas beneficiaria a criação de tilápia, fazendo-a produzir três vezes mais por metro cúbico de biomassa. Este esquema foi empregado pelo Programa Água Doce do Brasil, incluindo a piscicultura e o cultivo de plantas halófitas que, por sua vez, foram utilizadas como ração para peixes. Extração de produtos valiosos da salmoura A água do mar é composta de 96,5% de água e 3,5% de sais. Destes sais, 65% é cloro, seguido pelo sódio a 30,5%, com sulfato, cálcio, magnésio, potássio e outros constituintes (0,7%) compondo o restante. O cloro e o hidróxido de sódio são obtidos a partir do efluente de dessalinização por meio de um processo de eletrólise de células de membrana industrial. A principal dificuldade com este processo é que o cloreto de sódio deve ser de alta pureza, o que requer que a salmoura seja submetida a um tratamento que inclui nanofiltração, eletrodiálise, concentração por evaporação e tratamento químico.
Deve-se observar que ambos os compostos, cloro e hidróxido de sódio, estão entre as matérias-primas mais utilizadas no mundo com 70 e 65 milhões de toneladas por ano, respectivamente. O procedimento de utilização é tecnicamente viável e pode reduzir a salmoura em até 30%, aumentar a taxa geral de recuperação da osmose reversa em até 58% e a produção dos compostos geraria renda adicional. Por exemplo, uma planta de 30 metros cúbicos por dia poderia produzir 35.000 toneladas por ano de hidróxido de sódio. Quase todos os elementos da tabela periódica podem ser encontrados nos 0,7% que identificamos acima como “outros constituintes”. Um deles é o óxido de magnésio, um composto com múltiplas aplicações - desde a indústria da construção até a farmacêutica - que pode ser recuperado por um processo de precipitação e calcinação para produzir um produto de alta pureza. Outro elemento recuperável é o rubídio. Este é um material cujo preço atual é superior a 13.000 dólares por quilo e cuja concentração em salmouras de dessalinização é de 0,1 a 0,2 miligramas por litro. Para este fim, a destilação por membrana com agentes que absorvem o rubídio e depois o concentram, foi avaliada. O lítio é encontrado em concentrações de 0,3 e 0,5 miligramas por litro de salmoura e é recuperável através de processos eletroquímicos alimentados por energia renovável. O elemento está sendo negociado
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Foto de referência: composição da água do mar.
atualmente a mais de US$ 13.000 por tonelada e esperase que aumente devido a sua demanda no mercado de tecnologia. Além disso, a salmoura tem concentrações muito baixas de outros elementos, como lantanídeos e metais preciosos, como a platina, mas os processos para obtê-los estão longe de ser econômicos. Finalmente, também foram realizados testes sobre o uso energético da salmoura por meio de osmose por pressão retardada em um processo em que o efluente de uma planta que trata águas residuais urbanas é combinado com a salmoura de uma planta de dessalinização. Ambos são enviados para um dispositivo que utiliza a diferença de pressão osmótica para gerar energia elétrica. Os autores atingiram uma densidade de potência de até 8,9 watts por metro quadrado, dependendo do pré-tratamento do rejeito utilizado.
O crescimento da dessalinização é inevitável e sua sustentabilidade está intrinsecamente ligada ao uso econômico da salmoura quando esta é produzida longe da costa. O objetivo deve ser descarga zero de líquidos com sua utilização. É de se esperar que novas tecnologias tragam novas maneiras de tornar o controverso efluente lucrativo.
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A Gestão do AQUAPOLO ressalta o papel da valorização dos efluentes diante dos desafios da mudança climática.
Inima Na semana que comemoramos o Dia Internacional da Água, a ALADYR quis homenagear a valorização dos efluentes como recurso, divulgando o trabalho do Aquapolo - Brasil, o maior projeto de reúso de água para fins industriais do hemisfério sul A crise hídrica que São Paulo sofreu entre 2014 e 2016 revelou a vulnerabilidade das cidades modernas aos efeitos das mudanças climáticas. A escassez deste recurso em São Paulo trouxe grandes desafios econômicos para a cidade e exigiu, e continua exigindo, adaptações da sociedade para avançar em um uso mais sustentável da água. São nessas circunstâncias que o Aquapolo, uma das maiores instalações de produção de água industrial a partir do aproveitamento de efluentes tratados do mundo, ganhou relevância ao complementar o tratamento de esgoto de parte da cidade para promover o reúso da água na indústria local, reduzindo assim a demanda por fontes naturais. O Aquapolo é uma iniciativa entre a GS Inima e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) para abastecer o polo petroquímico da região do ABC com capacidade de mil litros por segundo e que integra a mais completa tecnologia para atender a demanda de seus clientes em termos de qualidade e disponibilidade de água. Com a chegada do Dia Mundial da Água, a Associação LatinoAmericana para a Dessalinização e Reúso da Água, ALADYR, entrevistou dois representantes desse megaprojeto para divulgar a importância do reúso da água como ferramenta indispensável para a segurança hídrica.
Eduardo Pedroza, representante da ALADYR no Brasil, foi o encarregado de moderar esta entrevista e trazer à tona temas como a crise hídrica e a necessidade de replicar massivamente esse modelo de reúso de água no Brasil e na América Latina. Marcio José, CEO e Fernando Gomes, diretor, foram os representantes que se colocaram à disposição. Marcio José lembrou a importância do projeto naquele período de estiagem porque as empresas que compõem o polo petroquímico não interromperam suas operações como, infelizmente outras indústrias foram obrigadas a fazer. “São empresas com processos complexos, intensivas no uso da água, demandada tanto para garantir a produção como para a segurança industrial”, disse. Acrescentou que naquela época a planta de reuso atendeu também outras empresas, além do Polo Petroquímico, através do transporte com caminhões-pipa, afirmando que “O Aquapolo não é apenas um fornecedor de água industrial, mas sim uma solução de gestão diante das mudanças climáticas”. A crise trouxe consigo novos clientes localizados fora do polo industrial que procuravam a garantia de continuar operando, mesmo em circunstâncias de crise hídrica, e sobretudo com uma solução que não afetava a disponibilidade de água potável a partir de fontes naturais para os cidadãos. O processo A matéria-prima do Aquapolo consiste no efluente tratado secundariamente pela Estação de Tratamento de Esgotos Sanitários do ABC da Sabesp. Em seguida, o processo envolve tecnologias de filtro de disco (400 mícrons), MBR (biorreator de membrana), microfiltração, osmose reversa e desinfecção. No reator biológico, ocorrem processos aeróbios para remover o material orgânico e promover a oxidação da amônia, bem como processo anóxico para remover nitrato. A água é então de qualidade suficiente para ultrafiltração, que consiste em membranas com um tamanho de poro de 0,05 mícrons para reter sólidos suspensos, substâncias coloidais e vários contaminantes.
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A essa altura, já se obtém água com qualidade superior ao encontrado em muitas fontes naturais. No entanto, para os clientes do Aquapolo não é suficiente. Existem exigências maiores em seus processos industriais, que demandam reduzir o teor de sais, como água que alimenta caldeiras para geração de vapor ou processos de resfriamento.
Fernando Gomes frisou que o Aquapolo não tem qualquer tipo de subsídio para garantir a sua sustentabilidade económica e que isso lhe confere um lugar privilegiado entre os projetos do gênero em todo o mundo. “Nossas operações são amparadas pelas tarifas que cobramos de nossos clientes, não há subsídio -reforça- e nesse quesito somos destaques mundialmente”.
Para atender a esses requisitos, entre 25% e 30% da água passa por membranas de osmose reversa para reduzir o teor de sais. Em seguida, o resultado deste último processo é incorporado ao restante sendo a mistura submetida à desinfecção química.
Importante informar que este gigante do reúso não tem uma taxa única para fornecer água; para isso, avaliam cada cliente levando em consideração o prazo do contrato, o volume e o investimento no início do projeto.
A água, após percorrer 17 quilômetros de adutora, é distribuída aos diferentes clientes industriais do Polo Petroquímico.
“Por conceito, o projeto Aquapolo é um grande exemplo de economia circular na América Latina, aderindo a uma tendência importante na indústria de soluções sustentáveis”
“Por conceito, o projeto Aquapolo é um grande exemplo de economia circular na América Latina, aderindo a uma tendência importante na indústria de soluções sustentáveis”, explicou o CEO destacando a crescente iniciativa das empresas no tema ESG (sigla em inglês para para Environmental, Social and Corporate Governance). Márcio explicou também que os lodos gerados na unidade de reúso, os poucos que resultam, são tratados na estação da Sabesp. Sustentabilidade financeira sem subsídio
Aquapolo possui altos níveis de automação
Por outro lado, a busca por maior eficiência é uma constante neste projeto. Possui alto nível de automação que permite operar 24 horas por dia com uma folha de pagamento de 44 pessoas, incluindo administrativo. Recentemente, eles incorporam também efluentes das indústrias de bebidas que trazem características sinérgicas para reduzir custos nos processos biológicos, assim como estão avaliando novas tecnologias para reduzir o uso de insumos químicos e viabilizar o suprimento de energia com fontes renováveis. Para finalizar, Marcio fez uma reflexão: “Reciclamos papel, vidro, latas e uma imensidão de materiais, mas pouca gente pensa em reciclar água. Então, por que as pessoas não reutilizam e reciclam mais a água que é a fonte da vida? “ As cinco chaves para o sucesso
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PLANTAS
Os representantes do Aquapolo concordaram em cinco chaves para o sucesso do projeto e que devem ser levadas em consideração para replicar iniciativas semelhantes:
3- Infraestrutura municipal: são necessárias obras de coleta e tratamento primário ou secundário de efluentes para depois serem submetidos a processos terciários.
1- O cliente: é importante ter a demanda assegurada com clientes que tenham consumo suficiente para justificar a construção da planta com projetos de retorno de longo prazo. Por exemplo, as siderúrgicas, fábricas de celulose e petroquímicas são grandes usuárias do recurso.
4- Domínio de tecnologias: dominar e acessar as tecnologias que possibilitem atender a qualidade e quantidade de água industrial requerida pelos clientes.
2- Disponibilidade de efluentes: a localização do empreendimento deve levar em consideração a produção de efluentes domésticos ou industriais que servem de matériaprima.
5- Políticas de incentivo e segurança ao investimento, que garantam o pleno desenvolvimento da obra e seu funcionamento.
Perguntas e respostas Pedroza - Quais são os potenciais de desenvolvimento e as oportunidades do Aquapolo como referência do reúso em São Paulo? Marcio - Acho que a aplicação do reúso em outras áreas é questão de tempo. Temos a indústria aqui e é uma realidade. Estamos conversando com vários projetos. Também temos planos de expansão para outros municípios da região do ABC. Estamos à disposição de um trabalho conjunto entre as diferentes instituições que se ocupam de meio ambiente e saúde para evoluir para um esforço conjunto. P - Fala-se muito da atualização dos marcos regulatórios e da necessidade de ampliação da cobertura de saneamento. Vocês acham que a expansão do saneamento no Brasil traz uma oportunidade de sinergia para viabilizar mais casos de sucesso como o Aquapolo? M - Sem dúvida há uma grande oportunidade para o Brasil nesse sentido. Acredito que essa sinergia deve ser planejada a partir do grande consumidor de água nacional e mundial: a agricultura. Por enquanto, o reúso nesta área não é permitido no país. Devemos avaliar os impactos que os desvios e captações desordenados realizadas causam ao meio ambiente e até mesmo aos diversos municípios ao redor. Permitir e estimular o reúso é uma solução totalmente sustentável. Defendemos claramente que um efluente deve ser visto como algo a ser tratado, não descartado, e assim se tornar um recurso hídrico. Que cada estação de tratamento de efluentes seja acompanhada do que chamamos de estação produtora de água de reúso. Como o Fernando disse, isso deve ser estudado caso a caso, mas é uma solução para a escassez de água e a poluição dos nossos rios. P - O que vocês pensam como importante nas políticas de incentivo ao desenvolvimento do reúso e dessalinização como ferramenta para gestão hídrica sustentável? M - Acho que as políticas atuais são um começo, mas o que realmente funciona como motor de mudança é algo que já está presente no Brasil, que é a cultura da sustentabilidade. Isso deve ser entendido por empresas e tomadores de decisão. É uma tendência que está apenas começando. Gomes - Às vezes não se trata somente da questão fiscal para massificar esses projetos, mas também a capacidade de visão a longo prazo das empresas e instituições de saúde. Quando o polo industrial começou, há 60 anos, as condições da água não eram as mesmas. Então a cidade cresceu em torno dela e a escassez do recurso foi gerada, dessa maneira as empresas tiveram a perspectiva do projeto Aquapolo. O setor de saneamento e recursos hídricos deve ir além dos incentivos fiscais que o Estado pode dar e pensar estrategicamente como o polo industrial do ABC fez 15 anos atrás.
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ARTIGOS TÉCNICOS E CASOS DE ESTUDO
Eletrodiálise: princípio, processos e aplicações no tratamento de água Flor ETCHEBARNE1, Florence LUTIN1, Renata BARBOSA DE OLIVEIRA2, Daniela FORNAZIERO DE OLIVEIRA2 EURODIA, Chemin de Saint-Martin, F-84120 Pertuis, France EEDB, Avenida Doutor Roberto Moreira 5005 - Prédio 500, Recanto dos Pássaros PAULINIA-SP. CEP: 13.148-914. Brasil A crescente demanda por água, tanto nas áreas urbanas e rurais quanto na indústria e agricultura, apresenta sérias preocupações (sociais, ambientais e econômicas) de gestão, vinculadas à vulnerabilidade do abastecimento (esgotamento de recursos), à qualidade da água (superficiais ou subterrâneas), ao uso de águas não convencionais e à eliminação de efluentes. Portanto, uma visão global e de longo prazo da gestão integrada dos recursos hídricos é extremamente necessária. O abastecimento de água das populações requer um processo de purificação. Os efluentes gerados são normalmente direcionados às estações de tratamento de esgoto, mas na maioria das vezes não são reaproveitados diretamente, ao mesmo tempo que diversos processos industriais utilizam grandes volumes de água gerando assim grandes quantidades de efluentes líquidos (carregados de poluentes e / ou componentes de alto valor agregado). Com este cenário, torna-se cada vez mais frequente a incorporação de tecnologias de membrana nos setores de tratamento de água e de efluentes, seja como complemento ou substituição de tratamentos convencionais de purificação, seja para produção de água de reúso, garantindo assim a qualidade da água requerida. As tecnologias de membrana estão atraindo hoje muito interesse do mercado, em particular, as eletromembranas. Trata-se de uma classificação de tecnologia que permite o transporte seletivo de íons através de membranas de troca iônica sob a influência de um campo elétrico. A eletrodiálise (ED) é um exemplo deste tipo de tecnolgia. O que é a eletrodiálise? A eletrodiálise (ED) é um processo de separação eletroquímica em que os íons são transferidos através de membranas poliméricas de troca iônica. A força motriz do processo é a diferença de potencial elétrico (voltagem ou tensão elétrica) e a transferência das espécies iônicas é ilustrada pela corrente elétrica contínua que passa pelas membranas. Essa tecnologia aplicada no tratamento de água gera uma corrente residual mais concentrada em íons e uma corrente mais diluída.
Princípio A ED utiliza membranas de troca iônica dispostas alternadamente dentro de um módulo: membranas de troca catiônica (MC) e membranas de troca aniônica (MA), separadas por um espaçador que garante a hidrodinâmica do sistema e sua hermeticidade. Sob o efeito do gradiente de potencial elétrico, as espécies carregadas (íons) presentes na água a ser tratada irão migrar para a carga correspondente ao seu eletrodo: os ânions para o ânodo (polo positivo) e os cátions para o cátodo (polo negativo). A Figura 1 mostra o esquema de funcionamento da eletrodiálise.
Figura 1. Esquema do princípio operacional da eletrodiálise.
A Figura 1 ilustra um empilhamento ou módulo compacto tipo filtro-prensa no qual as membranas aniônicas (MA) e membranas catiônicas (MC) estão alternadas. Pode-se observar ainda no esquema a direção da migração de íons, a definição de uma célula (dois compartimentos com uma membrana catiônica e uma aniônicas) e os fluxos do concentrado (C), do diluído (D) e dos eletrólitos ( solução que está em contato com os eletrodos). Durante o processo, os íons que conseguem atravessar as membranas são retidos no próximo compartimento, uma vez que a membrana seguinte terá carga oposta à membrana anterior. Deste modo, há compartimentos onde íons são removidos (D), e outros em que são concentrados (C): Uma corrente diluída e outra concentrada são obtidas deste processo.
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ARTIGOS TÉCNICOS E CASOS DE ESTUDO
A distribuição de energia através do módulo é assegurada por um par de eletrodos imersos em uma solução de eletrólito. Esse circuito encontra-se separado dos circuitos D e C dentro do módulo por espaçadores e uma membrana terminal. As reações químicas de óxidoredução nos eletrodos não são levadas em consideração
na tecnologia de eletrodiálise, ao contrário da eletrólise. Todos esses elementos são mantidos entre duas placas ou blocos sob alta pressão de fechamento, garantindo assim a hermeticidade do sistema e constituindo desta forma um módulo ou stack de eletrodiálise (Figura 2).
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ARTIGOS TÉCNICOS E CASOS DE ESTUDO
Figure 2. Reator de eletrodiálise convencional: Aqualizer® EDC (ref. EURODIA)
Membranas de troca iônica homopolares As membranas de troca iônica são formadas por uma matriz polimérica na qual são fixados grupos funcionais ionizados do tipo sulfonato para as membranas de troca catiônica e do tipo quaternários de amônio para as membranas de troca aniônica. Essas membranas são densas e podem ter certas seletividades, dependendo da camada seletiva em sua superfície ou do grau de reticulação do polímero. Uma membrana de troca iônica deve apresentar forte permeabilidade seletiva, alta condutividade e boa estabilidade mecânica e química. Em particular, é o aprimoramento dessas diferentes propriedades que permite o avanço no desenvolvimento de novas aplicações. Transporte de íons em eletrodiálise A transferência de íons em ED é quantificada pelo número de equivalentes transferidos do compartimento D para o compartimento C, por unidade de tempo e área de membrana. A eficiência da ED está diretamente relacionada à concentração iônica do meio e à mobilidade dos íons. Essas duas propriedades são medidas pela condutividade da solução. De acordo com a Lei de Ohm U = RI, se uma tensão constante for aplicada nos terminais do reator de eletrodiálise, a corrente que flui por ele dependerá da resistência do meio. A migração dos íons tornará o circuito diluído mais resistente e, conseqüentemente, a intensidade diminuirá com o tempo de aplicação da corrente.
Conhecendo a corrente média da operação em uma hora, podemos então calcular o número de cargas transportadas por unidade de área e tempo, de acordo com a fórmula:
Qth = (dI*t)/F onde Qth é a quantidade teórica de cargas transferidas (eq.h-1.m-2), dI a densidade de corrente (A.m-2), t o tempo (t = 3.600 s), F a contante de Faraday (F= 96.500). A quantidade real de cargas transferidas é obtida por análises químicas e a relação entre elas é definida como rendimento de Faraday ( Qreal/Qteórico). Este rendimento é o resultado de: - a imperfeita seletividade das membranas que permitem a passagem de contra-íons, principalmente em altas concentrações; - a existência de “curtos-circuitos” elétricos que ocorrem na distribuição dos fluidos dentro dos módulos de eletrodiálise, mas também em seu exterior; - fenômenos de retrodispersão de sais quando a diferença de concentração entre os compartimentos D e C é muito grande. Em geral, os reatores ou módulos industriais têm um rendimento de Faraday entre 70 e 90%.
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ARTIGOS TÉCNICOS E CASOS DE ESTUDO
As tecnologias de eletro-membrana EURODIA são quatro:
Electrodiálisis convencional (EDC)
ou clássica permite purificar, concentrar e desmineralizar soluções líquidas. Como explicado anteriormente, as membranas utilizadas são de dois tipos: As membranas catiônicas que permitem somente a passagem de cátions e as membranas aniônicas que permitem somente a passagem de ânions. Um módulo de eletrodiálise (stack) é composto por um grande número de pares de células.
Eletrodiálise reversível (EDR)
é uma variação do processo EDC que utiliza a inversão da polaridade dos eletrodos. O EDR funciona da mesma maneira que o EDC, exceto a polaridade da corrente contínua que é invertida ao longo do proceso. Desta forma, os compartimentos de água da fonte diluída e concentrada também são invertidos, assim como as reações químicas nos eletrodos. Essa inversão atua como um mecanismo de autolimpeza que minimiza o fenômeno de incrustração e prolonga a vida útil das membranas. A configuração é muito semelhante a de um sistema EDC, exceto pela presença de válvulas que auxiliam na inversão de fluxo ao passo que ocorre a inversão da polaridade.
Eletrodiálise bipolar (EDBM)
Eletrodiálise de alta temperatura
é uma variante da eletrodiálise convencional e bipolar para o tratamento de soluções em altas temperaturas (até 65°C). Este nível de temperatura permite, dependendo da aplicação, reduzir a viscosidade das soluções tratadas reduzir o consumo de energia e o desenvolvimento de microrganismos.
é uma tecnologia de membrana que utiliza a propriedade particular da membrana bipolar de dissociar a molécula de água em H+ e OH- sob a ação de um campo elétrico. Um módulo de eletrodiálise bipolar (stack) consiste na montagem de membranas bipolares e monopolares (catiônicas / aniônicas) que permitem ajustes de pH e a conversão de soluções salinas (minerais ou orgânicas) nos ácidos e bases correspondentes.
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Aplicações da eletrodiálise no tratamento de águas Numerosas instalações de eletrodiálise foram comercializadas em todo o mundo para a concentração de água do mar e a dessalinização de água salobra. Entre as unidades de médio porte, pode-se citar como referência a instalação de dessalinização de água salobra fornecida pela Eurodia a um cliente na Argélia (região de Biskra) que produz 120 m3/h de água potável. A eletrodiálise remove nesse caso 80% da salinidade com uma taxa de recuperação de água também de 80%. A desmineralização é alcançada em um único estágio, cada reator de ED é capaz de tratar 40 m3/h. Para a desnitrificação de água potável, a eletrodiálise oferece um duplo interesse, pois ao mesmo tempo que reduz a concentração de nitratos, permite reduzir a dureza da água proveniente de lençóis freáticos. Uma instalação foi colocada em operação no ano 2000 na região central da França. A unidade trata 140 m3/h de água a 42°fH, o que permite abastecer um reservatório após a mistura, ou seja, 163 m3/h a 28°fH. A redução de nitrato é de 80%. A Figura 3 ilustra esta instalação também fornecida pela Eurodia.
Figure 3. Unidade de descarbonização e desnitrificação, 140 m3/h (ref. EURODIA).
Nos últimos anos, inúmeras aplicações foram desenvolvidas com a eletrodiálise convencional (EDC) e eletrodiálise bipolar (EDBM). A integração dessas duas tecnologias na purificação ou produção de moléculas orgânicas pode reduzir os efluentes salinos gerados por processos industriais. A EDC é utilizada também em grande escala para a desmineralização do soro de leite, estabilização tartárica do vinho, purificação de moléculas orgânicas, na produção de água potável e agrícola e etc. A EDBM é utilizada hoje principalmente na indústria de produção de ácido orgânico (lático, glucônico, acético...) e também para realizar ajustes de pH de certas bebidas como vinho e suco de frutas. Do ponto de vista ambiental, quando comparada com a tecnologia de troca iônica, a eletrodiálise tem a grande vantagem de não possuir etapas de “regeneração” e portanto funciona de modo contínuo e não necessita de reagentes químicos adicionais para o seu funcionamento, somente aqueles utilizados nos processos de limpeza da instalação. Algumas extrações líquido-líquido que requerem o uso de solventes com alto impacto ambiental também podem ser substituídas pela eletrodiálise. Ainda no contexto ambiental, são crescentes as demandas para encontrar uma solução para o tratamento de efluentes salinos, uma vez que as limitações para seu descarte vêm se tornando mais rígidas. A EDBM tem se mostrado uma solução bastante interessante pois opera de forma a converter o sal em ácido e base correspondentes, os quais podem ser reaproveitados no local de produção para uso em limpezas CIP de instalações, por exemplo. No que se refere o tratamento de águas residuais por ED, vale ressaltar que o número de pesquisas nesse tema aumentou exponencialmente nos últimos 20 anos. Muitos efluentes industriais possuem uma composição complexa com contaminantes e / ou componentes valiosos (íons de metais pesados, ácidos, matéria orgânica, etc). Da mesma forma, os efluentes de águas municipais e das atividades pecuárias contêm água e nutrientes de interesse para a agricultura, os quais podem hoje ser recuperados e valorizados facilmente graças à capacidade dos sistemas de eletrodiálise de separar partículas iônicas. Esta tecnologia se apresenta portanto como uma solução tecnológica perfeitamente adequada e economicamente viável para a recuperação de água e outros produtos a partir de efluentes.
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LÍDER MUNDIAL EM PROCESSOS DE PURIFICAÇÃO DE FLUIDOS
INDÚS T RI A D E A LI M E N TO S - E N OL OG IA - BI OT E CN OL OG IA - QU ÍMI CA VE R D E I ND U S TR IA D E LÍ TI O - T RA TA M E N T O D E Á G U A
EURODIA Group, um grupo francês com filial no Brasil, é hoje um dos líderes mundiais em processos industriais de purificação de fluidos que combinam eletrodiálise, cromatografia, sistemas de troca iônica e filtração por membranas.
Sistemas de Eletrodiálise e de Tratamento de Água Concentração de água do mar e salmouras Dessalinização de água salobra
A eletrodiálise permite desmineralizar, concentrar ou purificar íons. Essa tecnologia "extrativa" pode ser usada também em combinação com resinas de troca iônica para minimizar a carga de sal na entrada da mesma, ou para garantir a desmineralização completa. Para mais informações, entre em contato com a gente...
ZAC St Martin | Impasse St Martin 84120 Pertuis | France Tel +33 (0)4 90 08 75 00 commercial@eurodia.com
EURODIA Engenharia Do Brasil Avenida Doutor Roberto Moreira 5005 Prédio 500, Recanto dos Pássaros PAULINIA-SP. CEP 13 148-914 - Brasil
www.eurodia.com
2656 Napa Valley Corporate Drive NAPA, CA 94 558 USA main@ameridia.com
www.oenodia.com
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RESPONSABILIDADE SOCIAL
OLIMPÍADAS DA ÁGUA 2021– EDIÇÃO BRASIL Em outubro, a ALADYR realizará a OLIMPÍADAS DA ÁGUA EDIÇÃO BRASIL. Depois de uma edição internacional de sucesso em maio de 2021, com 3.078 crianças participantes de 09 países latino-americanos, agora nossas Olimpíadas estão chegando no Brasil. As Olimpíadas da Água ALADYR são uma iniciativa do programa de Responsabilidade Social da Associação Latino-Americana para Dessalinização e Reúso de Água; cuja finalidade é levar conhecimento na área de Dessalinização, Reúso e Tratamento de Água e Efluentes para crianças em idade escolar, do ensino fundamental ao médio, com o intuito de forjar experiências precoces de valorização do recurso hídrico e sua gestão e uso eficiente graças às tecnologias que promovemos.
Olimpíadas da
água
As Olimpíadas estão chegando no Brasil e esperamos ter mais de 1000 inscritos de diferentes regiões do país, que receberão palestras, adaptadas à faixa etária de crianças e jovens, dadas por renomados especialistas. Os participantes terão entre 09 e 15 anos e serão divididos em Categoria Infantil e Categoria Juvenil. Para cada categoria haverá um ciclo de 5 webinars, que abordarão diversos temas, com periodicidade de uma vez por semana. Terminada a palestra, os participantes competem em um jogo de perguntas e respostas que testa os conhecimentos aprendidos e a velocidade de resposta, os primeiros colocados recebem prêmios e certificados. Os temas da dinâmica são: • Uso eficiente da água na indústria e na vida cotidiana: 6 de outubro Infantil / 8 de outubro Juvenil • Contaminação da Água - Contaminantes Emergentes: 13 de outubro Infantil / 15 de outubro Juvenil • Reúso e dessalinização da água: 20 de outubro Infantil / 22 de outubro Juvenil • Pegada hídrica: 27 de outubro Infantil / 29 de outubro Juvenil • Saneamento, como a água chega às nossas casas: 03 de novembro Infantil / 05 de novembro Juvenil
As empresas podem aderir a esta dinâmica como patrocinadoras e apresentadoras das palestras. Para obter mais informações sobre patrocínios, escreva para dircom@aladyr.net O processo de inscrição está aberto, se você quiser que a escola de seu filh@ participe ou propor outra instituição de ensino, basta escrever para pasante@aladyr.net ou rse@aladyr.net. Esperamos você!!
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RESPONSABILIDADE SOCIAL
Na edição internacional, tivemos mais de 3.000 crianças. Agora é a vez do Brasil!
Olimpíadas da
água
USO EFICIENTE DA ÁGUA NA INDÚSTRIA E NA VIDA COTIDIANA
Infantil
Juvenil
CONTAMINAÇÃO DA ÁGUA CONTAMINANTES EMERGENTES
Infantil
Juvenil
REÚSO E DESSALINIZAÇÃO DA ÁGUA
Infantil
Juvenil
Infantil
Juvenil
Infantil
Juvenil
PEGADA HÍDRICA
06/10
13/10
20/10
27/10
SANEAMENTO, COMO A ÁGUA CHEGA ÀS NOSSAS CASAS
03/11
08/10
15/10
22/10
29/10
05/11
Se quer que seus filh@s participem, escreva para pasante@aladyr.net ou rse@aladyr.net Inscrições até 10 de setembro
Para crianças entre 09 e 15 anos de idade Patrocinado Por:
O magazine dos líderes da água
GUAS LATINOAMÉRICA
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Número 1
I
Julho 2021
I
Publicação Trimestral