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Introdução De livros, leituras e leitores

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Fundação Volkswagen Via Anchieta, km 23,5 – CPI 1394 – Bairro Demarchi 09823-901 – São Bernardo do Campo – SP http://www.vw.com.br/fundacaovw Presidente do Conselho de Curadores Josef-Fidelis Senn Diretor Superintendente Eduardo de A. Barros Diretora de Administração e Relações Institucionais Conceição Mirandola e-mail: fundacao@volkswagen.com.br CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária R. Dante Carraro, 68 – Pinheiros 05422-060 – São Paulo – SP http://www.cenpec.org.br Presidente Maria Alice Setubal Superintendente Maria do Carmo Brant de Carvalho Coordenadora Técnica Maria Amábile Mansutti Coordenadora de Documentação e Informação Maria Angela Leal Coordenador Administrativo Walter Kufel Junior Gerente de Projetos Locais Claudia Petri Líder do Projeto Maria Alice Mendes de Oliveira Armelin

Agradecemos à Biblioteca Nacional do Rio de

Autoria do Módulo América dos Anjos Costa Marinho Maria Alice Mendes de Oliveira Armelin

de imagens do seu acervo neste módulo. E também

Janeiro por ter gentilmente cedido o direito de uso

a todos os educadores que nos cederam suas “histórias de leitura”.

Revisão Sandra Miguel Projeto gráfico Rabiscos & Grafismos Editoração eletrônica Alba Amaral Gurgel Cerdeira Rodrigues Fotografias Acervo da Biblioteca Nacional www.dominiopublico.gov.br

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Sumário O PROJETO ENTRE NA RODA E O PROGRAMA TERRITÓRIO ESCOLA

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DE LIVROS, LEITURAS E LEITORES

7

O Livro e a leitura no Brasil LEITURA, UMA PRÁTICA SOCIAL

15 27

Concepção de leitura

27

A formação do leitor

33

O texto literário como isca de leitura

35

HISTÓRIAS DE LEITORES

41

REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA

49

CRÉDITOS DAS FIGURAS

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O Projeto Entre na Roda e o Programa Território Escola (. . .) Ingressar, estar, permanecer, por um tempo, nas escolas - em qualquer tipo de instituição escolar - é uma experiência tão natural e cotidiana que nem sequer tomamos consciência da razão de ser de sua existência, da sua contingência, de sua possível provisoriedade no tempo, das funções que cumpriu, cumpre ou poderia cumprir, dos significados que tem nas vidas das pessoas, nas sociedades e nas culturas(...)É como o ar, de cuja importância e presença só nos damos conta quando ele nos falta para respirar. GIMENO SACRISTÁN.

E

sta coleção é um material de apoio do Projeto Entre na

Além disso, introduziu-se o projeto Ações

Roda, destinado à formação

em Rede visando alargar e potencializar

de leitores. Entre na Roda faz parte do

os espaços de aprendizagem na comu-

Programa Território Escola, fruto da par-

nidade para crianças e adolescentes. Em

ceria entre a Fundação Volkswagen e o

2005 esses projetos foram reunidos no

Cenpec.

Programa Território Escola.

Em 2002, a Fundação Volkswagen e

O Programa Território Escola é mais

o Cenpec iniciaram um trabalho conjunto

que um conjunto de projetos; é uma con-

para oferecer apoio pedagógico às esco-

cepção de educação, de escola e de pro-

las públicas de municípios que sediam

cesso de ensino e de aprendizagem. Parte

unidades fabris e de serviços da marca

do princípio de que todos são capazes de

Volkswagen, implementando, em um pri-

aprender e considera que o acesso aos

meiro momento, os projetos Estudar pra

bens culturais é mediação necessária para

Valer! Língua Portuguesa e Entre na Roda,

a apropriação do conhecimento universal.

que têm o letramento como ponto comum

A denominação Território Escola foi

do trabalho de formação de educadores.

intencionalmente escolhida por sugerir

Posteriormente, outros projetos fo-

uma reflexão sobre as concepções que

ram implementados: Brincar, Estudar

consideram escola e comunidade como

pra Valer! Matemática e Leitura e Escrita:

um território onde pulsam relações hu-

desafio de todos, este último destinado

manas e onde podem-se estabelecer vín-

às séries finais do ensino fundamental.

culos de pertinência entre instituições e

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serviços públicos de atendimento a crian-

Os projetos que integram o Programa seguem os mesmos princípios e têm a

ças e adolescentes. Assim, é muito importante o prota-

mesma intenção educacional, articulando

gonismo dos agentes da escola e da co-

teoria e prática no processo de formação

munidade, pois a escola só potencializa

dos educadores. Todos preveem forma-

o seu fazer articulando-se e complemen-

ção continuada com momentos presen-

tando-se com outros recursos, espaços e

ciais e a distância, bem como acompa-

sujeitos presentes no território.

nhamento e avaliação, ambos pautados

O Programa Território Escola tem três

por um processo de gestão compartilha-

propostas-chave:

da entre os envolvidos. Ao mesmo tempo,

● articular a atuação da escola às

destinam-se a públicos específicos e uti-

práticas culturais do território em que

lizam estratégias diferenciadas que lhes

está inserida, buscando dar sentido

conferem um caráter próprio, único. Valoriza-se, em cada um deles, o regis-

às aprendizagens dos alunos;

● ampliar o letramento como

tro das ações desenvolvidas como instru-

ferramenta de base para o acesso ao

mento de produção de conhecimentos e de

conhecimento e à cidadania.

divulgação de resultados, dando-lhes visibi-

● somar esforços com outros espaços

lidade e contribuindo para sua irradiação.

educativos da comunidade na

Território Escola é a concepção de esco-

perspectiva da educação e da

la que defendemos: uma escola viva, enrai-

proteção integral de crianças e de

zada e crítica que se relaciona com o mun-

adolescentes.

do e na qual o conhecimento faz sentido.

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BÍBLIA. Latim. Mogúncia. 1462. Trata-se da primeira obra impressa na qual aparecem data, lugar e nomes dos impressores, Fust e Schoeffer (ex-sócios de Gutenberg), no colofão. É o incunábulo mais antigo da Biblioteca Nacional. Impressa sobre pergaminho, sendo as iniciais dos capítulos feitas à mão com tinta azul e vermelha. Figura 1 - Encadernação da Bíblia da Mogúncia

Figura 2 - Bíblia da Mogúncia - página em pergaminho com a marca do impressor

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De livros, leituras e leitores

A

té o século XVIII, o livro era feito

sível imaginar como seria a leitura – e o

artesanalmente – por isso cada

leitor – nas épocas precedentes, embora

exemplar tinha características próprias,

estudos feitos a partir de suportes, regis-

que manifestavam a criatividade e o es-

tros e obras que sobreviveram ao tempo

mero do artista que o produzia, sendo

nos permitam visualizar um pouco a tra-

apreciado não só pelo conteúdo, mas

jetória dessa relação sempre algo impre-

também por seus aspectos estéticos.

visível entre o homem e o texto escrito.

Enquanto obra de arte, seu preço era elevado e sua circulação, restrita.

Ainda que os sumérios, há 4 mil anos a.C., já utilizassem a escrita e, nas anti-

Nas sociedades modernas, a função da

gas Grécia e Roma, parte da população

escrita se modificou devido ao progresso

tivesse acesso a ela, todo o conhecimento

tecnológico, ao acúmulo de conhecimen-

acumulado até a Idade Média era basica-

tos e à necessidade de circulação de in-

mente transmitido de forma oral. Apesar

formações. O livro então passou de objeto

de pensadores como Sócrates, Platão e

de arte a produto de consumo e deixou de

Pitágoras valorizarem mais o pensamento

ser o principal suporte da escrita, pois esta

vivo e o diálogo com os pares e com os

passou a se valer de cartazes, jornais, fo-

discípulos como forma de transmissão e

lhetins, revistas, meio eletrônico e outros.

de construção do saber, parte desse co-

Da mesma forma, o leitor deixou de ser aquele que usufruía esteticamente do texto

nhecimento só chegou até nós porque foi registrado por escrito.

e do aspecto gráfico de uma obra, lendo-

Pode-se dizer que, na Antiguidade, o

-a integralmente da primeira à última linha,

leitor, antes de tudo, era um ouvinte, já que

para tornar-se um leitor mais rápido e flexí-

a prática habitual eram as leituras públicas

vel, em face da diversidade de situações de

– realizadas ou pelo próprio autor, ou por

leitura ao mesmo tempo impostas e propor-

um profissional da leitura. Essa era a forma

cionadas a ele pela vida moderna.

pela qual leitores e não leitores entravam

Dada a transformação profunda ocor-

em contato com as diferentes obras produ-

rida ao longo dos séculos, é quase impos-

zidas, em função das dificuldades e da pre-

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cariedade das técnicas de registro manual.

mitia a escrita nos dois lados das folhas,

O escrito era visto como mero substituto do

que depois podiam ser dobradas e unidas

oral e, por isso, pouco valorizado.

em cadernos, constituindo um códice, o

No entanto, descontadas as dificulda-

primeiro livro portátil.

des de registro, a reprodução de obras co-

As invasões bárbaras, nos séculos V e

piadas dos originais fez aumentar o número

VI d.C., acabaram por destruir o Império

de bibliotecas, fossem elas particulares ou

Romano e, com ele, os grandes centros de

públicas. O exemplo mais significativo des-

formação e concentração da cultura antiga.

se processo foi a criação da Biblioteca de

O mundo ocidental mergulhou num período

Alexandria, no século III a.C., com um acer-

em que a cultura letrada praticamente desa-

vo de 500 mil obras da Antiguidade e a ins-

pareceu, restringindo-se aos monastérios.

crição na entrada: “Lugar de cura da alma”.

A censura exercida pela Igreja Católica

Inicialmente as obras eram registradas

ao longo da Idade Média, aliada ao mono-

sobre papiro (folha feita com fibras de uma

pólio que detinha sobre a escrita, fez com

planta originária do Egito) nos volumina

que o livro se sacralizasse.

– rolos sobre os quais o texto era escrito em

Também a instrução passou para a tu-

estreitas colunas, sem espaço em branco

tela da Igreja. Dessa forma, o aprendizado

entre as palavras. A leitura era dificultada

da leitura, em latim, acabou se restringin-

pelo fato de que o leitor deveria segurar o vo-

do aos jovens destinados à vida religiosa.

lumen com as duas mãos, desenrolando-o

Aos sete anos, esses meninos iam para a

com uma delas e enrolando-o com a outra.

escola e recebiam ensinamentos, sobretu-

Esse processo não permitia que ele anteci-

do orais. Cabia à criança ouvir o mestre e

passe o que vinha pela frente ou retornasse

memorizar o que a ela era ensinado, pois

a trechos anteriores do texto como é possível

saber era “saber de cor”.

fazer hoje. A leitura completa de uma obra

Nos mosteiros, as obras aprovadas pela

era traduzida pela expressão latina “ad um-

Igreja para reprodução eram manuscritas,

bilicum adducere”, que significa “ir de fora

num trabalho longo e paciente, por monges

até o ‘umbigo’ (eixo/centro)” do volumen.

instalados no scriptorium, sala ampla e ilu-

Posteriormente, passou-se a utilizar

minada, com mesas sobre as quais ficavam

o pergaminho (pele de animal, macera-

todos os instrumentos necessários para có-

da em cal, raspada e polida com pedra-

pia e ilustração (iluminuras) dos textos.

-pomes), material mais flexível, menos raro

Nesse ambiente, pairava o murmúrio

e, portanto, mais barato. Além disso, per-

constante dos monges que necessitavam

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Figura 3 - Livro de Horas em latim, 1588. Em pergaminho, um valioso livro medieval iluminado. Cena bíblica

Figura 4 - Bíblia em latim, Veneza, 1480 - Capitular iluminada a ouro

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ler em voz alta os textos que copiavam, já

econômicas e sociais, que conduziram a

que neles a escrita dirigia-se mais aos ou-

Europa de um sistema feudal para outro,

vidos que aos olhos: não havia separação

mercantilista. A Igreja foi perdendo sua su-

entre as palavras, e a pontuação e a or-

premacia espiritual e temporal; a educação

tografia ainda não estavam normatizadas.

ganhou um caráter laico; o ensino deixou

Portanto, só pela oralização o leitor podia

de ser exclusivamente oral para contar com

chegar ao significado do texto.

o apoio do livro como instrumento didático;

Era raro encontrar um leitor silencioso e,

e os intelectuais tornaram-se mais críticos e

em função disso, nos mosteiros havia ainda

contestadores, à medida que foram tendo

um aposento especial, destinado à leitura,

acesso a autores gregos e árabes.

para que o texto lido em voz alta não prejudi-

Cresceu a demanda por livros e, pa-

casse a paz e o recolhimento dos religiosos.

ralelamente, aumentou a produção editorial, os livros ficaram mais acessíveis,

Somente no século X, a leitura silen-

passaram a ter uma nova configuração,

ciosa passou a ser usual no Ocidente. Santo Agostinho relata, espantado, a maneira extraordinária como Santo Ambrósio lia: “Quando ele lia, seus

apresentando paginação, sumário e listagem de abreviaturas, que facilitavam seu manuseio e compreensão.

olhos perscrutavam a página e seu coração buscava o sentido, mas sua voz ficava em silêncio e sua língua quieta” (MANGUEL, 1997).

Esse cenário favoreceu o surgimento da imprensa na Europa. Na década de 1440, Gutenberg inventou uma técnica de impres-

Todavia, aos poucos, alterações técni-

são com tipos móveis, utilizando-se de outras

cas na diagramação do texto manuscrito

recentes conquistas – a fundição do chum-

foram sendo conquistadas. A adoção de

bo, a criação de tintas mais aderentes, a xilo-

um novo tipo de letra (carolina), mais le-

gravura, a impressão em tecido e o papel de

gível que a gótica, a separação entre as

origem chinesa.

palavras, a pontuação e a normatização

Na verdade, Gutenberg não foi o pri-

da ortografia latina permitiram a criação

meiro a utilizar o tipo móvel para im-

de estratégias de leitura mais eficazes.

pressão. Esse processo já era conhecido na Ásia bem antes de sua descoberta

A leitura visual, silenciosa, primeiro difun-

no Ocidente. Desde o século XI, a China

dida nos mosteiros, foi ganhando as universi-

utilizava o tipo móvel em terracota. A

dades e finalmente alcançou a aristocracia. Essa irradiação de uma nova forma de ler demorou séculos para se efetivar e resultou

partir do século XIII, passou a utilizar caracteres de madeira, enquanto na Coreia os textos eram impressos com caracteres de metal.

de um grande processo de transformações

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Figura 5 - Mesa de trabalho do gravador – Oficina da Casa Literária do Arco do Cego, depois denominada Tipografia Calcográfica e Literária do Arco do Cego, criada em 1799 por D. Rodrigo Souza Coutinho com o objetivo de difundir as Luzes da Ciência e da Ilustração portuguesas. A tipografia publicou 83 títulos. A Oficina aglutinava várias funções ligadas a artes gráficas, tipografia, calcografia, com corpo próprio de gravadores.

A partir da Bíblia de Gutenberg, a

Mesmo depois da invenção de Guten-

Igreja perdeu a função de intermediá-

berg, as cópias manuscritas continua-

ria da palavra sagrada, já que se tornou

ram tendo importância na circulação de vários gêneros, como panfletos po-

possível ter acesso diretamente à palavra

líticos e informativos, trabalhos proibi-

de Deus por meio da página impressa.

dos, composições poéticas e trabalhos

Lutero e a Reforma Protestante surgiram

eruditos, cujo acesso deveria ficar restrito a um número limitado de leitores.

no bojo dessa situação e apontaram para a necessidade de escolarização, que permitisse a todos ler a Bíblia.

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Cresceu então o entusiasmo pela

partir da invenção da imprensa, as técnicas

aprendizagem da leitura e, em alguns

de reprodução gráfica se desenvolveram ra-

países, para superar a falta de escolas,

pidamente, tornando possível publicar obras

aqueles que sabiam ler ensinavam aos

dos mais diferentes gêneros, escritas por au-

que não sabiam.

tores de todos os segmentos sociais. Houve,

A partir do século XVII, a relação

também, uma disseminação da habilidade

do leitor com o livro, antes centrada na

de ler, graças à ampliação da escolaridade

Bíblia e em outras obras sacras, alterou-

para uma faixa maior da população.

-se profundamente com a publicação de

Até a metade do século XVIII, as publi-

grande quantidade de obras profanas.

cações de caráter romanesco, que mais

Almanaques, calendários e contos popu-

circulavam socialmente, não costumavam

lares e amorosos faziam grande sucesso

trazer o nome dos autores estampado na

entre os mais pobres.

página de rosto. Isso se devia em parte

Segundo José Juvêncio Barbosa (1990),

à má fama dos romances – vistos como

nessa sociedade em mudança coexistiam

uma forma inferior de literatura e como

dois tipos de leitores, que representavam

capazes de corromper moralmente, so-

duas concepções de leitura. Havia o leitor

bretudo as leitoras –, em parte ao caráter

ainda preso à tradição oral, para quem o li-

passageiro da maioria dessas obras.

vro e a leitura eram instrumentos para man-

Os escritores viviam sob a proteção de

ter unida a família em torno de mensagens

um aristocrata ou acabavam se envolven-

religiosas e moralizantes. A essa leitura oral

do em atividades ilegais, como o contra-

e coletiva contrapunha-se a do leitor solitário

bando de livros. Não existia, portanto, a

e silencioso, que lia todo e qualquer texto, e

“profissão” de escritor. Esses costumavam

tratava a escrita como uma linguagem para

vender seus originais a um editor, que

os olhos, apreendendo de forma mais efi-

muitas vezes lhes pagava parte em dinhei-

ciente porções maiores de texto.

ro, parte em livros, que os autores podiam

O século XVIII representou um salto na di-

comercializar por conta própria. Não havia

reção da formação de um público leitor. A re-

“direitos autorais” – os lucros ficavam com

volução econômica, política e cultural da épo-

o editor. Só mais tarde, em 21 de julho de

ca, promovida pelo avanço tecnológico e pelo

1793, a França revolucionária promulgaria

pensamento crítico e racional de filósofos do

uma lei que reconhecia a noção de pro-

Iluminismo, resultou numa crescente amplia-

priedade literária, conferindo certidão de

ção das oportunidades de acesso ao saber. A

batismo ao autor moderno.

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Em 1761, Rousseau lançava Julie ou

Outro tipo de obra que também fez su-

La nouvelle Héloïse, o grande best-seller

cesso nesse período foi a literatura peda-

do século. Pelo sucesso alcançado pelo

gógica e infantil, voltada para a formação

romance, pode-se atribuir a seu autor o

moral e a educação das crianças. Essas

surgimento do culto ao escritor.

obras, carregadas das ideias de Rousseau – de que o homem é naturalmente bom e

Esse romance, que já antecipava o

a sociedade é que o corrompe –, preocu-

Romantismo, foi responsável por uma enxurrada de lágrimas, desmaios e suicídios entre os(as) leitores(as) da época. Nele, Rousseau retoma a situação vi-

pavam-se em orientar os pais para educar a mente e o coração dos pequenos, tendo em vista torná-los cidadãos úteis e felizes.

vida por Abelardo e Heloísa, um casal de amantes da Idade Média que teve seu amor violentamente combatido pelo tio da moça e pelos preconceitos

Ainda no século XVIII, consolidou-se em alguns países da Europa uma nova forma de circulação de textos, que atendia a duas ne-

da época, para construir personagens

cessidades básicas: oferecer conteúdos mais

porta-vozes de suas ideias. Escrito na forma de cartas – 163 ao todo –, o romance conta a história de

leves, menos eruditos, e propiciar informações sobre os acontecimentos cotidianos. Os jornais

uma jovem nobre, Julie d’Étanges, que se enamora de seu preceptor, o jovem e pobre Saint-Preux. A diferença social é o grande obstáculo ao amor dos dois,

ganharam espaço enquanto suporte de diferentes gêneros discursivos: notícias, anúncios publicitários, curiosidades, fofocas etc.

mas, mesmo separados, o sentimento entre eles se mantém. O sucesso de La nouvelle Héloïse foi tão grande que a quantidade de livros impressos não foi suficiente para atender à demanda de tantos leitores interessados. Isso fez com que os livreiros passassem a alugar os livros por dia e até por hora.

O primeiro “jornal” de que se tem notícia – a Acta diurna – surgiu em Roma, em 59 a.C., por inspiração de Júlio César. Desejando tornar públicos os mais importantes eventos e acontecimentos sociais e políticos, César ordenou que esses fatos fossem divulgados nas principais cidades por meio das Acta. Escritas sobre placas brancas colocadas em lugares públicos, como as termas, as Acta informavam os cidadãos sobre campanhas militares, escândalos no governo, julgamentos e execuções, casamentos, óbitos e nascimentos. As informações que constavam das Acta eram colhidas por “repórteres” nomeados pelo Estado, chamados de “actuarii”.

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A palavra escrita se popularizou cada

Do século XVIII, palco de tantas trans-

vez mais e acabou se tornando um meio co-

formações, até nossos dias, a função da

mum de comunicação a distância entre as

escrita na sociedade se alterou profunda-

pessoas. O modo como se lia também mu-

mente e, em consequência disso, o ato

dou. Se até a metade do século XVIII a lei-

de ler assumiu novas dimensões. O novo

tura era mais intensiva – poucos textos lidos

leitor lê apenas pequenas porções de tex-

repetidas vezes, com profundidade, e parti-

tos que lhe são ofertados. Como aponta

lhados em família e em reuniões sociais –, a

BARBOSA (1990, p. 109), “grande parte

partir de 1750 ela se tornou mais extensiva,

da leitura diária das pessoas é constituída

resultando no ato de ler voltado para grande

de atos exploratórios onde o leitor desta-

quantidade de matéria impressa – fato que

ca os segmentos relevantes para obter a

elegeu os romances e jornais como mate-

informação que deseja”. Trata-se, nesse

riais privilegiados e mais consumidos. Dessa

caso, de uma leitura seletiva.

Figura 6 - Tradução guarani, feita no século XVIII, da 1ª catequese dos índios selvagens pelos padres da Companhia de Jesus, 1733

forma, os textos passaram a ser lidos uma única vez, com o objetivo de obter entretenimento e informação. O Romantismo, movimento literário do século XIX, ao afirmar o texto literário como algo original, resultado da criatividade e da expressão íntima de um indivíduo, difundiu definitivamente a ideia de autoria. Assim, rompeu-se com a visão da tradição medieval e clássica, que via os atos de escrita – literários ou não – como reescrita pela retomada ou imitação de textos já consagrados.

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O Livro e a leitura no Brasil

elogio à terra recém-descoberta e das crônicas de acontecimentos memoráveis e de de-

A descoberta do Brasil pelos portu-

fesa da terra contra as invasões estrangeiras.

gueses e sua consequente colonização

Como marco dessa época, pode-se citar

transportaram para nosso país a língua e a

José de Anchieta, um dos poucos a criar uma

cultura de um povo que, bem ou mal, já se

obra de real valor literário, como só acontece-

inseria em todo um processo que impul-

ria mais tarde, já no século XVII, com autores

sionava a Europa na direção de uma nova

como o padre Antônio Vieira e Gregório de

ordem social e econômica.

Matos. Este último, apesar da qualidade de

Dada a extensão da nova terra, a coloni-

sua obra poética, só teve seus poemas im-

zação se fez de forma lenta, restringindo-se,

pressos em meados do século XIX. Até então,

sobretudo, a pontos do litoral, onde se forma-

eles circularam em manuscritos feitos pelo

ram, durante o século XVI, algumas poucas

autor ou em cópias transcritas por terceiros.

vilas destinadas a receber os governantes Gregório de Matos, poeta baiano nas-

que Portugal enviava para garantir a posse da terra. Com eles, aqui aportaram os que vinham povoar a colônia; cuidar da conver-

cido em 1636, viveu muitos anos em Portugal, onde se formou em Leis. Voltando à Bahia, levou uma vida irregular, pontuada por escândalos, prisão e

são do gentio; cumprir pena de desterro, por crimes cometidos na metrópole; ou simplesmente se aventurar em busca de riquezas.

até exílio na África. Escreveu poemas líricos, religiosos e satíricos, mas nunca conseguiu imprimi-los; tornou-os públicos declamando-os ou oferecendo

As condições que cercaram os primeiros séculos de nossa vida colonial foram responsáveis pela fragilidade na constituição de prá-

seus manuscritos a amigos e admiradores. Os ataques impiedosos à sociedade baiana, ao clero e às altas autoridades da época – tratados com ironia e debo-

ticas culturais que levassem à formação de leitores. Os poucos escritos que circularam

che em seus versos satíricos – renderam-lhe o apelido de “Boca do Inferno”.

aqui – vindos de Portugal – vinculavam-se, sobretudo, a questões práticas: a administração da nova terra e a catequização dos nativos. E o que aqui foi produzido não teve impacto na formação de uma cultura letrada, pois ficou restrito a pequenos grupos e só alguns desses textos foram publicados na Europa. Esse é o caso dos relatos de viajantes, dos poemas de

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No século XVIII, a descoberta de ouro e diamantes, principalmente na região de Minas Gerais, provocou o deslocamento

Tomás Antônio Gonzaga, autor de liras dedicadas a sua amada Marília, foi o primeiro a representar em seus poe-

do eixo político-econômico para o sul. A capital do Brasil foi transferida para o Rio

mas a relação entre a mulher e o livro, entre a leitora e a literatura.

de Janeiro e o governador-geral tornou-se

LIRA III

vice-rei.

(...)

Com isso, tanto a vida urbana teve Enquanto revolver os meus consultos,

grande impulso, como se criaram condições para que florescessem, sobretudo na capitania de Minas Gerais, importantes manifestações culturais na arquitetura, pintura, escultura, música e literatura. Foi nesse contexto que um grupo

Tu me farás gostosa companhia, Lendo os fatos da sábia mestra História E os cantos da poesia. Lerás em alta voz a imagem bela, Eu, vendo que lhe dás o justo apreço, Gostoso tornarei a ler de novo O cansado processo.

de intelectuais ligados ao movimento da Conjuração Mineira veio a produzir um conjunto de obras reveladoras de uma

(...) A Lira III (trecho acima) insere-se na terceira parte da obra Marília de Dirceu, escrita quando Gonzaga já se achava

maturidade que caminhava para a afirmação de nossa autonomia literária e para a crescente conquista de um público

preso e aguardava a sentença pela participação na Conjuração Mineira. Nela, o poeta inclui a leitura no cotidiano doméstico, numa cena – nunca realizada

leitor ainda bastante incipiente. Basílio da Gama, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto,

– em que projeta a futura vida ao lado da amada.

Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga são alguns dos poetas que marcaram esse momento.

Figura 7 - Carimbo da Biblioteca Nacional

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É certo que, nos três primeiros sécu-

Em 1747, contrariando as autoridades

los de colonização, a imprensa inexistiu no

portuguesas, Isidoro da Fonseca, um dos

Brasil, fato que acabou dificultando bastante

principais tipógrafos de Lisboa, veio para

a difusão de práticas de leitura mais intensas

o Brasil, a convite do governador do Rio de Janeiro e de Minas Gerais – Gomes

e consistentes entre nós. Qualquer escrito

Freire de Andrade –, para instalar uma

produzido na colônia deveria obter autoriza-

oficina de impressão no Rio. A experi-

ção real para ser publicado na metrópole ou permanecer sob a forma de manuscrito.

ência durou pouco. Assim que as autoridades portuguesas souberam do fato, Fonseca foi obrigado a fechá-la.

A restrição à impressão de obras na colônia deveu-se ao conservadorismo adminis-

Rompendo com essa tradição, o ano

trativo, que julgava perigosa a circulação de

de 1808 teve fundamental importância

textos que pudessem despertar ideias contrá-

para a história da leitura no Brasil. Com

rias aos interesses da metrópole. Condicionar

a chegada da família real portuguesa, a

a publicação de uma obra à aprovação da

então colônia começou a conquistar gra-

censura eclesiástica e régia era uma forma

dativamente condições para sua inserção

de conter qualquer ímpeto libertário.

no mundo das letras. Logo que chegou ao Rio de Janeiro, o príncipe regente D. João VI tomou uma série de medidas visando aparelhar a cidade para torná-la compatível com a nova função de sede da corte portuguesa. Entre essas medidas, aquelas que mais diretamente afetaram o processo de formação de leitores no Brasil foram: a criação de escolas superiores, a fundação da Biblioteca Real e a autorização para o funcionamento da imprensa no Brasil. Antes da chegada de D. João VI, os

Figura 8 - Ex-libris da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

jovens das famílias ricas, após os estudos iniciais aqui realizados, costumavam ir a Portugal para frequentar a universidade e, de lá, retornavam formados principal-

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mente em Leis ou em Medicina. Com as

blioteca foi aberta ao público em 1814, com

invasões napoleônicas e a fuga da família

50 mil livros impressos em línguas antigas

real, essa possibilidade estava descartada.

e modernas, preciosos manuscritos, cópias

Havia, portanto, necessidade de es-

de estampas, mapas e curiosidades biblio-

colas aqui que pudessem formar esses

gráficas. Todavia, cronistas estrangeiros da

jovens. Assim, D. João VI criou duas es-

época relatam que o acervo, composto por

colas de Medicina (uma no Rio e outra

obras predominantemente clássicas, era de-

na Bahia); a Real Academia Militar para o

satualizado e, embora o atendimento fosse

ensino de Ciências Matemáticas, Militares

primoroso, o público frequentador era ainda

e Naturais; e transferiu para a corte a

muito reduzido. Com o passar do tempo, o

Real Academia Naval, onde se estudavam

acervo foi se atualizando e ampliando, mas

Ciências Matemáticas e Físico-Matemáticas,

nunca chegou a contar com uma frequência

Artilharia, Navegação e Desenho. Dessa

expressiva, o que denotava pouca intimida-

forma, D. João VI procurava evitar o êxodo

de dos brasileiros com os livros.

de futuros intelectuais, médicos e cientistas

A terceira medida tomada por D. João

e garantir também quadros que pudessem

VI talvez tenha sido a mais importante para

compor o exército e a armada, forças que

a nossa história de leitura: a carta régia que

deveriam manter a segurança do território

autorizava a impressão no Brasil e a con-

brasileiro e da família real.

sequente criação da Imprensa Real rom-

Além dessa medida, o príncipe regente

peram com três séculos de proibição e de

tratou de oferecer à cidade uma biblioteca

controle autoritário sobre a publicação dos

comparável às europeias. Nas 55 embarca-

escritos aqui produzidos.

ções da esquadra portuguesa que trouxe a O primeiro prelo foi trazido ao Brasil

família real ao Brasil, acomodaram-se, sem nenhum conforto, as figuras mais ilustres da corte portuguesa com seus respectivos

por acaso. Tudo se deveu à fuga precipitada da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em função do avanço das tropas de Napoleão. Pouco antes, Portugal en-

bens. Entre os pertences da família real vieram livros do vasto e raro acervo de D. João VI, que aqui foram instalados no Hospital da

comendara à Inglaterra uma tipografia completa, que seria instalada na Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Esta se achava ainda encaixo-

Ordem Terceira do Carmo, onde passou a funcionar a Biblioteca Real.

tada na Alfândega de Lisboa. Quando se deu o embarque da família real, o prelo

Organizada por dois intelectuais da épo-

foi colocado nos porões da fragata Medusa, um dos navios da esquadra régia.

ca, Joaquim Damaso e José Viegas, a bi-

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Mesmo assim, a imprensa continuou a

Como a Imprensa Régia, sozinha, não dava

ser monopólio da coroa; somente a Bahia

conta de produzi-los, houve necessidade de

teve licença para instalar outro prelo; os de-

se recorrer à importação, o que fez surgirem

mais, surgidos no Rio de Janeiro, foram con-

novas livrarias, que, de duas (1808), passa-

siderados ilegais e apreendidos pela polícia.

ram a doze (1816).

Além da publicação de atos e procla-

O Brasil e mais especificamente o Rio

mações do Estado, a Imprensa Régia pa-

de Janeiro, sede da monarquia, lentamen-

trocinou jornais como a Gazeta do Rio de

te começavam a apresentar as condições

Janeiro, criada em 1808, espécie de diário

mínimas necessárias para a formação e o

oficial da época, e O patriota, jornal literário

fortalecimento de uma sociedade leitora.

que contou com a colaboração dos intelec-

De 1808 a 1840, em que pese a todas

tuais mais ilustres de então. Publicou tam-

as dificuldades, percebiam-se avanços:

bém sermões, folhetos contra a França, que

já se contava com tipografias, livrarias e

invadira Portugal, e obras literárias.

bibliotecas, ainda que poucas; a escola-

Com a criação da Real Academia Militar

rização, embora precária, expandia-se; a

e a fundação das escolas de Medicina, além

cafeicultura começava a despontar como

da transferência para o Rio de Janeiro da Real

uma fonte segura de riqueza econômica;

Academia Naval, surgiu a demanda por livros

e o Brasil, estimulado pelos investimentos

didáticos, que, quantitativamente, passaram

britânicos, inseria-se lentamente no pro-

a constituir a parte mais importante do catálo-

cesso capitalista.

go de publicações da Imprensa Régia.

Paralelamente a esse desenvolvimento, ocorria a afirmação progressiva da

Apesar do número crescente de pu-

literatura brasileira, por meio de movi-

blicações, a Imprensa Régia vivia em dificuldades financeiras. Para superá-las, D. João VI autorizou que a ela se anexasse, em 1811, uma fábrica de bara-

mentos como o Romantismo, o Realismo, o Naturalismo, o Parnasianismo e o Simbolismo, que reuniram um conjunto

lhos e procurou criar mecanismos para impedir a concorrência de material es-

expressivo de poetas e escritores. Porém, o surgimento de condições estruturais

trangeiro contrabandeado.

para que as obras desses autores fossem Como a cidade crescia, graças à pre-

editadas de forma a atingir um público

sença da corte e à intensificação de negó-

significativo foi um processo longo e len-

cios com outros países, especialmente a

to. Poucos eram os editores e, muitas ve-

Inglaterra, aumentou a procura por livros.

zes, a edição de uma obra dependia das

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benesses do Estado e de apadrinhamen-

Para garantir a sobrevivência, restava aos

tos. Além disso, o número de leitores era

escritores da época empregarem-se como

muito pequeno – o censo de 1890 apon-

funcionários públicos, jornalistas, tradutores

tava mais de 70% de analfabetos. Parte

ou professores. Publicar suas obras em jor-

dos que sabiam ler preferia romances de

nais era outra forma de se tornar conhecido e

caráter folhetinesco traduzidos principal-

de atingir um número maior de leitores. Aliás,

mente do francês e que circulavam em

muitos autores de renome, como Manuel

jornais e revistas ou em edições baratas.

Antônio de Almeida, Machado de Assis e

Na falta de livrarias onde pudessem expor suas obras para a venda, muitos autores as anunciavam pelos jornais, ou as colocavam para vender em lojas e boticas. Segundo depoimentos, Joaquim Ma-

Lima Barreto, antes de verem suas obras editadas em livros, tiveram de publicar muitas delas, capítulo a capítulo, em folhetins. Não raro os escritores apelavam também para a produção de livros didáticos, que, ten-

nuel de Macedo e José de Alencar man-

do destino certo, eram economicamente mui-

davam vender suas obras, de porta em

to mais rentáveis, já que, entre os problemas

porta, por um escravo que as transportava num balaio, como se fossem frutas.

estruturais que exigiam solução urgente, estava a escolarização de crianças e jovens. Apesar da preocupação de D. João VI em criar escolas de ensino superior, o sistema educacional no Brasil estava desmantelado desde 1759, quando, por ordem do marquês de Pombal, os jesuítas foram expulsos do Brasil, ficando a educação ao deus-dará. As aulas eram frequentemente particulares e avulsas, abordando, sobretudo, Latim e Português; o ensino era esparso e sem direção. Em 1821, um decreto real permitiu a qualquer cidadão, mesmo sem se licenciar, ministrar ensino e abrir escolas primárias. Tal medida, se por um lado possibilitou o aumento do número de escolas, por outro trouxe para a educação uma série de pessoas despreparadas, alheias aos

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avanços pedagógicos e novos métodos, já utilizados com sucesso em outros países, e sem recursos materiais que lhes permitissem adquirir livros, em função de sua

A realidade da escola brasileira da época é descrita com tintas carregadas por muitos escritores nacionais, como Manuel Antônio de Almeida, em Me-

raridade e preço elevado. Como consequência disso, o projeto burguês de tornar a leitura universal foi, mais uma vez, adiado entre nós. Isso foi tão mais grave quando se pensa que a escola, nesse

mórias de um sargento de milícias:

Foi o barbeiro recebido na sala que era mobiliada por quatro ou cinco longos bancos de pinho sujos já pelo uso, uma mesa pequena que pertencia ao mestre, e outra maior onde escreviam

projeto, era o espaço de iniciação à leitura e

os discípulos, toda cheia de pequenos

de seu desenvolvimento.

buracos para os tinteiros; nas paredes e

Embora a Constituição de 1824, outor-

no teto havia penduradas uma porção enorme de gaiolas de todos os tamanhos

gada por D. Pedro I, anunciasse instrução

e feitios, dentro das quais pulavam

primária gratuita a todos os cidadãos, na

e cantavam passarinhos de diversas

prática pouco se realizou no sentido de alcançar esse objetivo. O próprio imperador, pouco depois, passou às províncias a responsabilidade pelo ensino primário e se-

qualidades: era a paixão predileta do pedagogo. Era este um homem todo em proporções infinitesimais, baixinho, magrinho, de carinha estreita e chupada, excessivamente calvo; usava de óculos, tinha pretensões de

cundário, ficando a coroa responsável pelo

latinista, e dava bolos nos discípulos por dá

ensino superior em todo o território e pelo

cá aquela palha. Por isso era um dos mais

ensino inicial e secundário na capital. Como

acreditados da cidade. (...) chegaram os dois exatamente na hora

as províncias não dispunham de orçamento

da tabuada cantada. Era uma espécie de

que garantisse o cumprimento da lei, a edu-

ladainha de números que se usava então

cação acabou atravessando o império na

nos colégios, cantada todos os sábados em uma espécie de cantochão monótono

mesma situação de precariedade que havia

e insuportável, mas de que os meninos

na época colonial.

gostavam muito. (...) o mestre, acostumado

Poucos foram os avanços no sentido de

àquilo, escutava impassível, com uma enorme palmatória na mão, e o menor erro

garantir educação básica às camadas popu-

que algum dos discípulos cometia não lhe

lares. E durante muito tempo a escola conti-

escapava no meio de todo o barulho; fazia

nuaria a ser um lugar desagradável, em que a aprendizagem, fundamentada na memori-

parar o canto, chamava o infeliz, emendava cantando o erro cometido, e cascava-lhe pelo

menos seis puxados bolos.

zação e permeada por castigos, era uma verdadeira tortura.

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Na segunda metade do século XIX, para fazer frente ao despreparo dos que se dispunham a dar aulas e à falta de material didático que os subsidiasse nessa tarefa, a educação de crianças e jovens teve de se valer de livros e métodos importados de Portugal, como os dos poetas Antônio Feliciano de Castilho e João de Deus. Em ambos, a proposta pedagógica procurava valorizar o envolvimento do educando, a afetividade e a empatia como estratégias para alfabetizar, de forma lúdica e eficiente. Tanto um como outro fizeram grande sucesso, em parte graças ao próprio valor pedagógico da obra – por ser inovadora e atender às necessidades de um mercado carente –, em parte devido à utilização de influências políticas que lhes renderam grande publicidade. Castilho preconizava que o mestre tivesse uma postura gentil e tolerante, permitindo aos educandos participarem das aulas de forma prazerosa, rindo, comentando e até mesmo gracejando (sem excessos), pois isso lhes garantiria tomar gosto pelo estudo e os predisporia a produzir mais. Já João de Deus, com sua Cartilha maternal, defendia o ensino de palavras contextualizadas – em oposição ao ensino do abecedário –, alertando os mestres e as famílias, sobretudo as mães, de que o ensino tradicional constituía uma violência contra os cérebros infantis, podendo prejudicá-los para o resto da vida.

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Figura 9 - Província do Brasil - mapa manuscrito e aquarelado por João Teixeira Albernaz, 1666 (finalidade estratégica das cartas geográficas)

O êxito de Castilho e de João de Deus

ses por outros, de autores nacionais, como

acendeu ainda mais o ânimo dos nossos

modelos de boa escrita. Mas, sem dúvida,

escritores que reivindicavam havia muito

a grande revolução no mercado editorial foi

tempo livros didáticos nacionais, compos-

provocada por Monteiro Lobato, já no início

tos com textos de autores brasileiros. Por

do século XX, ao perceber precocemente de

um lado, essa defesa era justa, se vista

que maneira se daria a profissionalização do

pelo prisma de uma nação que, acaban-

escritor no mundo moderno.

do de se tornar independente, desejava

Monteiro Lobato, em 1918, imprimiu

afirmar seus valores e criticava nos livros

na gráfica do Estado seu primeiro volume

escolares importados a distância entre

de contos – Urupês –, que foi um sucesso

seu conteúdo e a realidade vivida pelas

comercial, vendendo mil exemplares em

crianças e jovens brasileiros que os uti-

um mês e atingindo, até 1923, 30 mil vo-

lizavam. Por outro lado, o mercado edi-

lumes vendidos. Essa obra se contrapunha

torial voltado para a escola era um filão

à literatura parnasiana, em voga na época,

importante e poderia garantir a muitos de

apresentando a vida interiorana de forma

nossos autores, além da sobrevivência, a

crítica e sem idealismos, chamando o País

fama e o reconhecimento.

a despertar para a própria realidade.

Nesse sentido, Abílio César Borges, o

Urupês representou para Lobato a desco-

barão de Macaúbas, inaugurou, já no final

berta da publicidade como valor que impul-

do século XIX, a presença do autor brasilei-

sionava o mercado editorial. Seu Jeca Tatu,

ro no mercado do livro didático, ao compor

citado por Rui Barbosa em um discurso na

obras destinadas a todas as séries do ensi-

campanha presidencial, tornou-se nacional-

no primário e secundário. Grandes escrito-

mente conhecido. Mais tarde, reconhecendo

res brasileiros estudaram nesses compên-

que a preguiça de Jeca se devia aos parasitas

dios e lembram-se deles de forma negativa,

que o infestavam, lançou, em parceria com a

como Graciliano Ramos. Outros tomaram

empresa Fontoura & Serpe, um livrinho que

o autor como referência obrigatória em ter-

orientava sobre a prevenção de doenças pa-

mos de educação: Raul Pompeia inspirou-

rasitológicas. A tiragem desse livreto, distribu-

se no pedagogo Macaúbas para criar o per-

ído gratuitamente pelo laboratório, alcançou

sonagem Aristarco, diretor do Ateneu.

mais de 6 milhões de exemplares, um núme-

A partir de então, o livro didático brasilei-

ro astronômico para a época.

ro foi gradativamente substituindo, em anto-

Além de criar editoras e valorizar novos

logias e seletas, os textos clássicos portugue-

autores, Lobato tinha percepção de mer-

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cado e inovou superando o problema da distribuição – em 1918, havia apenas 30

Emília comunista! Em plena ditadura do Estado Novo, e aos 59 anos, Lobato foi preso. Não só

livrarias concentradas nas capitais –, ao colocar seus livros em consignação em bancas de jornal, papelarias, farmácias e

pela campanha em defesa do petróleo, como também por ter despertado a simpatia das crianças por uma personagem irreverente e “subversiva”: a

armazéns em todo o País, conseguindo assim estabelecer 2 mil pontos de venda. Segundo ele, editar era fazer “psico-

boneca Emília. O padre Sales Brasil lançou alguns anos depois um livro chamado A litera-

tura infantil de Monteiro Lobato ou co-

logia comercial”. Por isso, preocupava-se com a aparência do livro (a diagramação, a cor da capa, ilustrações de boa qualida-

munismo para crianças. Segundo o autor, Lobato negava a hierarquia social, a independência da pátria, o respeito aos pais e o direito à propriedade, além de

de, tipos de letra mais legíveis etc.), com títulos mais instigantes e com a divulgação, chegando a publicar anúncios de

contestar a existência e as leis de Deus, por meio dos personagens do Sítio do Picapau Amarelo. Mas o maior de todos os pecados era Emília ser apresentada

página inteira em jornais da época.

às crianças como uma “divorciada”, e

Em 1920, Lobato conquistou outra vi-

isso de forma muito natural!

tória, quando se lançou na literatura infan-

Apesar de toda a repercussão das

til com A menina do narizinho arrebitado,

obras de Monteiro Lobato e da relativa

numa tiragem de mais de 50 mil exem-

disseminação da leitura enquanto práti-

plares. Distribuiu 500 exemplares pelas

ca social, a escola não acompanhou esse

escolas públicas de São Paulo e o livro fez

movimento, já que se perdeu na cons-

tanto sucesso entre as crianças que logo

tante discussão de métodos de ensino e

o presidente do estado, Washington Luís,

planos nacionais de educação que, des-

encomendou mais 30 mil exemplares.

de sempre, estiveram voltados mais para

Com Monteiro Lobato, a literatura infan-

o ensino da elite, ignorando a educação

til ganhou a marca da brasilidade e passou

das classes populares. Basta lembrar

a ser considerada no País. Abriu caminho

que, chegando ao Brasil, D. João VI in-

para se firmar enquanto gênero comercial-

vestiu em cursos superiores quando a

mente viável, capaz de seduzir e encantar

educação básica estava totalmente des-

um público até então relegado a segundo

mantelada e assim permaneceu ao longo

plano: em fins de 1925, já circulavam 250

de todo o império e de boa parte do pe-

mil exemplares da obra infantil de Lobato.

ríodo republicano. Apesar de os grandes debates em torno da democratização da

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escola resultarem em projetos e leis, na prática eles não se efetivaram.

Do ponto de vista do acesso à leitura e da formação de leitores, é inegável que

Na sociedade burguesa, a escola é

houve progressos nesses cinco séculos de

um dos pilares de sustentação para a

Brasil. Contudo, o espessamento das prá-

universalização da leitura. No caso do

ticas de leitura tem ocorrido num processo

Brasil, a democratização do acesso à

sinuoso de avanços e recuos constantes, o

escola é bastante recente. A partir da

que nos coloca sempre em defasagem em

década de 1980, as discussões e ações

relação a países que, desde o século XVIII,

no sentido de estender a escolarização

assumiram a escolarização como condição

a todos ganham maior impulso. Mas se

de progresso material, social e humano.

por um lado a escola se abre como pos-

Falta-nos a formulação de políticas

sibilidade de elevação sociocultural para

educacionais que efetivamente promo-

muitos, por outro ela continua ainda a ex-

vam o ensino da leitura e da escrita, o

cluir parcelas significativas de seus usu-

que passa pela existência e expansão de

ários, seja pela evasão, seja pela reten-

uma rede escolar eficiente, pela criação e

ção. Qualitativamente, a escola até hoje

apoio a instituições que democratizem o

não conseguiu se organizar para oferecer

acesso aos livros, bem como pela funda-

uma educação cidadã, atendendo a toda

ção e fortalecimento de organismos que

a população em igualdade de condições.

disseminem e defendam essa política.

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Leitura, uma prática social quer que seja o campo de atua-

Concepção de leitura

ção do indivíduo, a necessidade

Consideramos que ler não se refere ao

da leitura e da escrita é cada vez maior.

simples ato de decifrar o código escrito,

Essa exigência é ainda mais contundente

nem de apenas saber localizar e repetir

no que diz respeito à leitura, já que estamos

conteúdos específicos de um texto, numa

imersos num universo de mensagens escri-

leitura linear e literal. É importante desta-

tas: os letreiros de ônibus, as placas de rua,

car essa ideia, pois durante muito tempo

os folhetos de propaganda, os cartazes, os

se acreditou que bastava estar alfabetiza-

impostos e demais contas – com que nos

do ou ser capaz de repetir o que estava

defrontamos a todo o momento –, os jor-

escrito para se compreender qualquer

nais, os manuais de instrução, a internet,

texto. Hoje sabemos que um bom leitor

os textos dos livros didáticos etc. Saber ler,

é aquele que sabe utilizar procedimentos

portanto, é indispensável para a efetiva in-

de leitura, de modo a reconstruir os senti-

serção do indivíduo na sociedade.

dos do texto, dialogar com ele, concordar,

N

as sociedades letradas, qual-

Mas não se trata de qualquer leitura, Figura 10 - Sobre alfabetos e a escrita - Pierre Vander Aa, 1659-1733

nem de qualquer leitor. De que leitura estamos falando?

discordar etc. Um texto é sempre o resultado das experiências do autor à época de sua

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produção, isto é, de sua maneira de ver

e hierárquica que ocupam. Vale assinalar

o mundo, de suas expectativas, crenças,

aqui que o discurso, quando produzido,

valores, dos conhecimentos de que dis-

manifesta-se lingüisticamente por meio

punha naquele momento, das influências

de gêneros orais ou escritos, motivados

que recebeu.

justamente por esses condicionantes.

A leitura desse texto também é fruto das

Segundo BAKHTIN

1

(1929/1990), os

experiências e conhecimentos de que dispõe

textos que produzimos, orais ou escritos,

o leitor e do momento histórico em que ocor-

são formas de dizer que se originam das

re a leitura. Portanto, nem sempre ao sentido

necessidades criadas em diferentes esfe-

pretendido pelo autor correspondem os senti-

ras da comunicação humana. Essas for-

dos atribuídos por seus possíveis leitores, ain-

mas de dizer (oralmente ou por escrito)

da que autor e leitores dominem uma mesma

não são inventadas a cada vez que nos

língua e vivam num mesmo tempo.

comunicamos, mas estão à nossa dis-

Ler não é um processo linear; e um

posição, circulam nos diferentes meios

mesmo texto possibilita diferentes leituras,

sociais, tenhamos ou não consciência

ainda que lido por pessoas que comparti-

delas. Quando nos comunicamos, nas

lhem um mesmo momento histórico. Por

mais diversas situações, utilizamos essas

mais modeladas que sejam as várias for-

formas, que possuem características pró-

mas de discurso, a história de leitura de

prias e relativamente estáveis. Essas ca-

cada um está presente na sua manifesta-

racterísticas configuram diferentes gêne-

ção individual, fazendo parte da história de

ros discursivos que podem ser definidos

leitura do mundo.

por três aspectos básicos coexistentes:

Quando um sujeito interage verbal-

seus temas (o que é dizível ou pode se

mente com outro, o discurso se organiza

tornar dizível, por meio do gênero), sua

a partir das finalidades e intenções desse

construção composicional (forma parti-

locutor, das apreciações que faz de seu

cular dos textos pertencentes ao gênero)

interlocutor e de seu tema, por exemplo,

e seu estilo (seleção feita pelo autor de

dos conhecimentos ou crenças/valo-

recursos da língua – de vocabulário e gra-

res que acredita que o interlocutor pos-

maticais –, tendo em vista o gênero).

sua, do que supõe serem suas opiniões e convicções, simpatias e antipatias, da relação de afinidade e do grau de familiaridade que ambos têm, da posição social

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Entre na roda - Introdução

1 Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975), teórico russo, desenvolveu, entre outras, pesquisas na área de Língua. Construiu uma nova concepção de linguagem, rompendo com as correntes que tratavam a língua como um fenômeno separado do universo social e histórico. Considerava que a linguagem resulta de um esforço histórico coletivo de caráter dialógico e interacional.

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Gêneros são formas de enunciados produzidos

historicamente, que

se

encontram disponíveis na cultura. Fazemos uso de gêneros discursivos que nos foram transmitidos histórica e socialmente, o que não quer dizer que não seja possível transformar esses gêneros, ou que outros não sejam criados, de acordo com as novas necessidades culturais de interação verbal que surgem historicamente. O estudo dos diversos gêneros discursivos que circulam socialmente entre nós não somente amplia as capacidades linguísticas e discursivas dos leitores, mas também aponta-lhes inúmeras formas de participação social que eles podem ter como cidadãos, usando a linguagem. O gênero discursivo é um instrumento com o qual é possível exercer uma ação linguística sobre a realidade, ampliando as capacidades do usuário e o próprio conhecimento sobre o gênero – carta de reclamação, carta familiar, artigo de opinião, conto da tradição oral, notícia etc.

Figura 11 - Folhinha do Povo - capa

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Assim, a leitura como prática social é pro-

e começa a ler. Trata-se de um instigante

fundamente marcada pelo ambiente em que

romance policial, sua leitura favorita. Ela

circula o texto, pela época em que foi produ-

envolve-se de tal forma na leitura que qua-

zido, pelos objetivos do autor, pela finalidade

se perde a estação onde deveria descer.

da leitura. Veja os exemplos a seguir:

Na sala de aula, várias crianças, reu-

Ao acordar, um indivíduo folheia o jor-

nidas em pequenos grupos, conversam

nal, atendo-se inicialmente à primeira pá-

sobre um conto de fadas que a professo-

gina, para ter uma visão geral dos acon-

ra acabou de ler. Em suas mãos, outras

tecimentos do dia. Se algo lhe chama a

versões da mesma história que elas vão

atenção, localiza a notícia no interior de

comparar com o original.

um caderno e obtém maiores informa-

Um empresário chega ao escritório,

ções sobre o fato que lhe interessa. Lê a

senta-se ao computador e lê o relatório

previsão do tempo e descobre que deve-

preparado por seus auxiliares. Faz algu-

rá levar consigo um agasalho, pois uma

mas correções e dirige-se à sala de reuni-

frente fria se aproxima.

ões, onde o lê em voz alta para o grupo de

À mesa do café, uma garota saboreia uma bebida láctea, cuja embalagem indi-

acionistas; depois discute as planilhas de custo apresentadas pelo setor financeiro.

ca tratar-se de um produto “light”: ime-

Numa feira, no Nordeste, uma senhora

diatamente, ela confere o número de ca-

ouve atentamente os versos cantados por um

lorias, pois não quer engordar.

cordelista; a história a emociona e ela adquire

No supermercado, uma dona de casa observa atenta as embalagens dos produtos que deseja comprar, verificando os prazos de validade.

um folheto de cordel, para retomar a história que tanto a encantou. Uma mãe recorre ao livro de receitas, pois quer preparar um prato saboroso e

Um homem sai para o trabalho e, ao observar o letreiro e a placa com o itinerá-

rápido para o almoço dos filhos que logo vão chegar da escola.

rio do ônibus que se aproxima, apressa o

Um grupo de amigos dirige-se a um

passo para tomá-lo. Durante o percurso,

restaurante; lá consultam o cardápio para

observa placas com os nomes das lojas,

decidir que pratos serão pedidos. De vol-

faixas com ofertas do dia, outdoors e pla-

ta ao trabalho, um deles passa pelo ban-

cas de rua.

co para retirar um extrato – constata que

No metrô, como vários outros passageiros, uma jovem pega um livro de bolso

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o saldo está baixíssimo e isso o deixa mal-humorado.

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Numa igreja, os fiéis participam do

Todos esses atos de leitura constituem

culto religioso, acompanhando num fo-

práticas sociais porque estão presentes no

lheto os vários momentos em que respon-

cotidiano de boa parte das pessoas que vi-

derão às palavras do padre.

vem atualmente em sociedades letradas.

Em sua sala, uma advogada consulta a

Certamente, 50 ou 100 anos atrás havia

agenda para verificar os compromissos da

outras práticas de leitura vinculadas ao

tarde e descobre que, infelizmente, terá de

modo de vida e de organização das socie-

desmarcar um encontro com amigos, pois

dades de então.

deverá atender um cliente às 19 horas. Ao chegar em casa, um menino lê o bilhete deixado pela mãe:

A literatura brasileira é pródiga em exemplos que ilustram como se davam entre nós as práticas de leitura nos sécu-

“Filho, tem comida na geladeira. É só

los anteriores.

esquentar! À noite a gente se vê. Chego

Em Quincas Borba, Machado de Assis

mais tarde, porque vou passar as roupas

retrata uma situação em que a leitura de

da Dona Celita.

uma revista da moda é vista como status,

Beijos”.

capaz de aproximar a personagem Sofia do

O carteiro deixa a correspondência numa

círculo social ao qual quer pertencer.

casa. A dona da casa abre a correspondência

e separa as contas a pagar. Com o apoio de um manual de instruções, um senhor tenta instalar o aparelho

Afinal, deixou a vista da chuva e do nevoeiro; estava cansada, e para repousar, foi abrir as folhas do último número da Revista dos Dois Mundos. Um dia, no melhor dos trabalhos da

telefônico que acabou de comprar.

comissão das Alagoas, perguntara-lhe

Um casal de namorados consulta um guia de entretenimento encartado no jornal para descobrir um filme interessante a que

uma das elegantes do tempo, casada com um senador: – Está lendo o romance de Feuillet, na Revista dos Dois Mundos?

possam assistir após o jantar.

– Estou, acudiu Sofia; é muito interessante.

Ao longo do dia, essas pessoas entraram em contato com vários gêneros discursivos

Não estava lendo, nem conhecia a Revista; mas, no dia seguinte, pediu ao marido que a assinasse; leu o romance, leu os

e sua leitura obedeceu a diferentes finalida-

que saíram depois e falava de todos os

des. Leram: silenciosamente, para informar-

que lera ou ia lendo.

-se, orientar-se, distrair-se, entreter-se e, em

(ASSIS, Machado de. Obras completas de Machado

de Assis – Quincas Borba. Rio de Janeiro: W.M.

voz alta, para partilhar informações com ou-

Jackson Inc., 1970.)

tros ou participar de um ritual.

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José de Alencar, por sua vez, relata uma situação em que a leitura de um romance envolve toda a família, uma prática social comum, não só no Brasil, mas em vários países, quando a leitura começou a se popularizar:

Era eu quem lia para minha boa mãe não somente as cartas e os jornais, como os volumes de uma diminuta livraria romântica formada ao gosto do tempo.

(...) Não havendo visitas de cerimônia, sentava-se minha boa mãe e sua irmã d. Florinda com os amigos que apareciam, ao redor de uma mesa redonda de jacarandá, no centro da qual havia um candeeiro. Minha mãe e minha tia ocupavam-se com trabalhos de costura, e as amigas para não ficarem ociosas as ajudavam. Dados os primeiros momentos à conversação, passava-se à leitura e eu era chamado ao lugar de honra. (...) Lia-se até a hora do chá, e tópicos havia tão interessantes que eu era obrigado à repetição. Compensavam esse excesso as pausas para dar lugar às expansões do auditório, o qual desfazia-se em recriminações contra algum mau

Nesse instante assomava

personagem, ou acompanhava de seus

à porta um parente nosso, o

votos e simpatias o herói perseguido.

Reverendo Padre Carlos Peixoto de Alencar, já assustado com o choro que

Uma noite, daquelas em que eu estava mais

ouvira ao entrar.

possuído do livro, lia com expressão uma das páginas mais comoventes da

(...)

nossa biblioteca. As senhoras, de cabeça

– Que aconteceu? Alguma desgraça? Perguntou arrebatadamente.

baixa, levavam o lenço ao rosto, e poucos momentos depois não puderam conter os

(...)

soluços que rompiam-lhes o seio.

– Foi o pai de Amanda que morreu! Disse,

(...)

mostrando-lhe o livro aberto.

(ALENCAR, José de. Como e por que sou romancista. Campinas: Pontes, 1990.)

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Figura 12 - Almanak Laemmert - Folha de rosto

A formação do leitor

tos e com leitores mais experientes é funda-

O processo de formação do leitor é longo,

mental para desenvolver o gosto pela leitura

ocorrendo pela mediação de leitores mais ex-

e formar leitores competentes. Essa compe-

perientes e pela interação com diferentes su-

tência – que se forma com o manuseio e a

portes e gêneros discursivos. Hoje sabemos

leitura de muitos suportes e textos – inclui

que, muito antes de ser capaz de compreen-

saberes diversos.

O contato com diferentes suportes e tex-

der o funcionamento do sistema alfabético, o

No que se refere ao livro, por exem-

sujeito imerso numa sociedade letrada busca

plo, saber segurá-lo e manuseá-lo corre-

entender o que significam os escritos presen-

tamente; saber que a capa apresenta em

tes no mundo em que vive e pode entrar no

geral o nome do autor, o título do livro e

mundo da escrita pela mão, pelo olhar e pela

a editora; perceber que livros com muitas

voz de outras pessoas, evidentemente valori-

histórias ou poemas comumente trazem

zando e elegendo a sua. Todas as tentativas

um índice; descobrir que no verso da fo-

que ele faz para atribuir sentido a um texto

lha de rosto há uma ficha catalográfica

são leituras. Nesse sentido, mesmo os não al-

com informações sobre a edição da obra;

fabetizados são capazes de ler, apoiados em

e, principalmente, reconhecer obras de

ilustrações e em outras marcas do texto, bem

boa qualidade, apontar autores e ilustra-

como em sua memória.

dores que admira e comentar um texto

Para alguns, essa experiência começa

lido, justificando suas opiniões, sem con-

muito antes de entrar na escola, quando

tar os modos de “sentir” a realidade física

presenciam atos de leitura praticados pe-

do material escrito, que vão do olhar ao

las pessoas que os rodeiam ou participam

toque, do olfato ao próprio poder gustati-

deles. Entretanto, muitos dependem exclu-

vo imaginário ou não, tornando o livro um

sivamente da escola para se tornar leitores.

particular fetiche.

Assim, na escola e na comunidade, é pre-

Se o suporte de leitura for um jornal,

ciso criar momentos ou situações para que

saber como se organiza a primeira página,

os leitores iniciantes construam e ampliem

como se localizam as notícias dentro do jor-

experiências de leitura, oferecendo-lhes

nal, qual é a diferença entre um editorial, um

diferentes suportes e gêneros discursivos,

artigo de opinião assinado e uma reporta-

lendo para eles com frequência, colocan-

gem; descobrir a função das manchetes; ser

do-os no papel de leitores.

capaz de comparar diferentes jornais etc.

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Já a leitura de uma propaganda requer outras capacidades, como relacio-

(Interdiscursividade)

● Fazer apreciações estética, afetiva

nar a mensagem escrita com a imagem,

e ética: gostar ou não, concordar,

compreender a linguagem figurada etc.

discordar, criticar, levando em conta

Embora o foco do Projeto Entre na

que a leitura atenta, prazerosa ou

Roda seja a fruição e o prazer da leitura,

não, é sempre motivação e ponto de

acreditamos que para o leitor desfrutar

partida de um outro texto.

desse prazer é necessário que desenvol-

● Localizar informações importantes

va algumas competências leitoras, tais

para a compreensão do texto ou para

como:

fins de estudo ou trabalho.

● Definir as finalidades da leitura:

● Antecipar ou predizer conteúdos a

saber com que objetivo se vai

partir do título, do tema abordado,

ler – por prazer, para conhecer

dos conhecimentos prévios sobre o

determinado assunto, para atualizar-

tema ou sobre o autor.

● Inferir, isto é, tirar conclusões que

-se, para comunicar algo, para executar uma ação, para viver ou

não estão explicitadas, com base em

reviver uma experiência pouco ou

outras leituras, experiências de vida,

bem conhecida etc.

crenças, valores.

● Recuperar o contexto de produção:

● Extrapolar: projetar o sentido do

quem é o autor, que posição social

texto para outras vivências e outras

ocupa(ou), em que época vive(eu),

realidades; ir além do texto.

em que situação escreveu, com que

● Perceber outras linguagens:

finalidade, onde seu texto circula,

relacionar texto escrito com imagens,

a quem se destina, de onde foi

imagens em movimento, diagramas,

retirado etc.

gráficos, mapas, sons, números etc.

● Relacionar temas e conteúdos abordados em diferentes textos, mesmo porque cada texto sempre dialoga com um outro de um modo sutil ou consideravelmente aproximado. (Intertextualidade)

● Relacionar diferentes versões de um mesmo tema ou assunto.

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portes e gêneros discursivos – na Oficina 2,

O texto literário como isca de leitura

histórias da tradição oral (“causos”, contos

A literatura é matéria privilegiada para

de encantamento, fábulas), apólogo e crôni-

motivar e formar leitores, por ser lingua-

cas; na 3 e na 4, contos,

gem que se oferece a múltiplas inter-

romance, novela e texto

pretações. Ela funde harmoniosamente

teatral; na 5, poemas; na

realidade e fantasia – sendo um material

6, textos jornalísticos; e

inestimável na formação do indivíduo em

na 7, textos de divulga-

sociedade –, toca primeiro a emoção e

ção científica.

depois leva à reflexão, à análise, à inter-

Ao longo das oficinas, propomos atividades em que são explorados diferentes suFigura 13 - Homem escrevendo a bico de pena, cercado de livros e outros instrumentos, c. 1550

Em cada uma de-

pretação e até mesmo à produção de ou-

las, analisamos e dis-

tros textos. Por essa especificidade da lin-

cutimos aspectos dis-

guagem literária, as oficinas deste projeto

cursivos (condições de

dão especial destaque aos gêneros da

produção) e formais (es-

literatura na formação do leitor, tentando

trutura textual, recursos

aproximar conhecimento e prazer, casa-

linguísticos e expressi-

mento esse que nem sempre faz parte do

vos), bem como procu-

cotidiano das escolas e de outros espaços

ramos orientar para que

de aprendizagem. Comumente a leitura-

se identifiquem dificul-

-prazer é proposta como uma atividade

dades de leitura que o

menor, para ocupar o tempo – depois que

texto possa acarretar, se-

os alunos acabaram de fazer atividades

jam relativas ao contex-

“sérias”, podem pegar livros para ler, até

to de produção, sejam

que todos terminem as tarefas.

referentes a conteúdos semânticos e sintáticos.

O texto literário é matéria criativa e “reveladora”, capaz de inquietar prazerosamente os educadores para o gosto da leitura, experiência essa que naturalmente eles podem promover junto aos alunos e à comunidade, acentuando que a leitura de textos literários permeia todas as formas de conhecimento: a literatura está

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sempre voltada para a condição humana

algo a nos dizer. Permitem a quem os lê

e a serviço da vida.

viver simbolicamente outras vidas, com

Por isso, o primeiro passo para desen-

experiências diferentes do seu cotidiano.

volver o gosto dos leitores iniciantes é co-

Despertam nele o gosto pela exploração

locá-los em contato com muitos textos de

da diversidade e pelo conhecimento do

boa qualidade. Isso significa oferecer-lhes

outro; possibilitam ao leitor reconhecer-se

um acervo contendo diversidade de gêne-

nos personagens e, pelo distanciamento

ros, temas, autores, ilustradores, estilos,

da ficção, compreender melhor as pró-

tratamento gráfico, para atender às expec-

prias experiências.

tativas mais variadas, revelando a eles a

Como

afirma Ana Maria Machado

maravilhosa e inestimável aventura de ler.

(MACHADO, 2002): “O que interessa

Identificar uma obra como sendo de

mesmo a esses jovens leitores que se

boa qualidade significa também levar

aproximam da grande tradição literária é

em conta: os valores estéticos da obra

ficar conhecendo as histórias empolgan-

(linguagem criativa, sugestiva, fluente,

tes de que somos feitos”.

temas interessantes ou intrigantes, inven-

Quando o(a) orientador(a) oferece

tividade no jogo das palavras, potencial

bons livros aos participantes das rodas,

lúdico e outros), o respaldo da crítica e,

seu papel de formador(a) de leitores já

sobretudo, a receptividade dos leitores a

está parcialmente cumprido, porque as

quem a obra se destina.

múltiplas experiências de leitura, sobre-

Livros bons são aqueles de que os leito-

tudo aquelas que são críticas e prazero-

res gostam e que têm prazer de ler – e não

sas, depuram o gosto. Além disso, um(a)

aqueles considerados capazes de ensinar

leitor(a) mais experiente pode ajudar os

lições de moral ou de alfabetizar (como

demais a apreciar melhor as obras, au-

os de cunho cartilhesco) ou ainda aque-

xiliando-os a desenvolver suas capacida-

les em que a voz do narrador macaqueia

des leitoras.

uma fala infantil ou débil, desqualificando

Cabe ao(à) orientador(a) das rodas

a capacidade de compreensão do leitor.

de leitura estar atento(a) a aspectos rele-

Bons livros atravessam gerações, manten-

vantes que garantam o envolvimento dos

do-se sempre novos. Tornam-se inesque-

participantes e a plena compreensão do

cíveis, porque a cada releitura têm sempre

texto. Por isso, sugerimos que:

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Antes da leitura

Durante a leitura

● Escolha textos de boa qualidade. ● Prepare-se para esse momento,

● Se os ouvintes se dispersarem, utilize alguns recursos para resgatar a atenção, fazendo algum tipo de

estudando o texto antes.

● Procure criar um clima de magia

suspense e perguntando, por exemplo:

e envolvimento. Se possível, peça

O que será que vai acontecer agora?

aos participantes que se sentem em

Será que os heróis da história vão

círculo, próximos de você.

conseguir superar o problema? E o par

● Diga o nome do(a) autor(a) e

amoroso, vai conseguir ficar junto?

pergunte se já o(a) conhecem, se já

Como o personagem X vai se livrar da

leram algum livro ou texto dele(a).

enrascada em que se meteu?

● Fale sobre a época e o lugar em que

● Faça algumas interrupções também se

o texto foi escrito, caso tenha essa

notar que a compreensão está difícil,

informação.

dando algumas pistas para ajudar, mas

● Mostre-lhes a capa e pergunte sobre o que seria o texto.

sem se alongar em explicações, evitando fragmentar a narrativa e propiciando a

● Aponte o nome do(a) autor(a), o título do livro, leia a orelha e o texto da quarta

expressão individual ou do grupo.

● Se os participantes interromperem com

capa ou contracapa (se houver). Se o

perguntas, responda o estritamente

livro contiver muitos textos, mostre a eles

necessário e retome o texto rapidamente,

como localizar o que vão ler pelo índice,

para não perder o encanto.

ou simplesmente deixe o livro sobre a mesa para aguçar a curiosidade.

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● Chame a atenção para: o estilo do(a)

Após a leitura ● Caso perceba que não

autor(a), os recursos que ele(a) utiliza

compreenderam o texto apresentado,

para prender a atenção do leitor, a

ajude-os dando pistas, fazendo

riqueza de expressões, as frases bem

perguntas e respondendo às deles.

construídas, as expressões regionais,

● Oralmente, recupere com eles belas passagens ou aquelas que causaram entraves à compreensão.

gírias, linguagem figurada etc.

● Abra espaço para que manifestem seus sentimentos e opiniões e

● Proponha eventualmente que

ajude-os a ir além do “é legal” ou do

representem o que leram por meio

“gostei”, pedindo que justifiquem

de dramatizações ou desenhos, já

suas opiniões sobre: a história, as

que essas estratégias permitem um

ilustrações, o estilo do(a) autor(a) – o

mergulho no texto e, portanto, uma

jeito de contar/escrever – etc.

compreensão maior.

● Inverta alguns papéis ou dê algumas sugestões e motive a recriação do texto.

● Estimule comentários e discussões a respeito de usos e costumes de outras épocas e povos, bem como sobre as características dos personagens.

● Desafie-os a ir além do texto,

● Crie também situações em que os próprios participantes escolham livros para ler, sejam alfabetizados ou não. Organize uma rotina para que a leitura livre se torne uma prática no grupo.

● Todos podem e devem ler, ainda que não o façam convencionalmente. Portanto, organize estratégias para

relacionando-o com as próprias

que leitores mais experientes possam

experiências.

auxiliar os menos experientes.

● Incentive os participantes a exercitar

● Estimule a reflexão, a partir do(s)

a imaginação, o raciocínio lógico e a

ponto(s) de vista do(a) autor(a) do

coerência, questionando sobre o que

texto, abrindo perspectivas para a

aconteceria se determinado fato fosse

busca de soluções para problemas

alterado:

individuais ou coletivos.

● E se Fulano tivesse agido assim? ● O que mudaria na história se Beltrano tivesse respondido...?

● O que havia por trás da atitude do personagem Y?

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Figura 14 - Encadernações preciosas - artesanais

Apesar de o projeto dar maior destaque

jornalísticos, nos quais o leitor pode encontrar,

aos textos literários, acreditamos que a fami-

sobretudo, informação e reflexão sobre os

liaridade com outros gêneros discursivos que

acontecimentos que interferem diretamente

circulam numa sociedade letrada também é

em sua vida. Da mesma forma, propomos o

fundamental para a formação do leitor, tendo

trabalho com textos de divulgação científica,

em vista que a todo o momento ele é solicita-

que aproximam o leitor do conhecimento pro-

do a ler com diferentes finalidades, para fazer

duzido em várias áreas do saber.

frente a todos os desafios que a vida moderna

Contudo, qualquer que seja o gênero en-

lhe impõe. Isso nos levou a propor oficinas em

focado nas oficinas, tivemos sempre o cui-

que sugerimos que o(a) orientador(a) das ro-

dado de oferecer atividades que têm como

das de leitura aborde, por exemplo, os textos

principal finalidade a fruição e a reflexão.

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Figura 15 - Gramática João de Barros

Figura 16 - Conhecendo a língua pátria. Luiz Figueira. Arte da Gramática da Língua do Brasil, 1795

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Histórias de leitores

A

lberto Manguel, em seu livro Uma história da leitura, diz que “uma história da leitura é a história de leitura de cada um dos leitores”. O Projeto Entre na

Roda compartilha dessa ideia; por isso, apresenta agora histórias de leitura

de alguns de seus participantes.

Rodeado de tantos livros, dos mais variados

de batata-doce. A roça na periferia, tão

gêneros, lendo e incentivando a ler, como

perto da cidade. O cheiro de pão assando,

profissão, hoje estou num lugar escolhido. Não

envolto em folha de bananeira, no forno

sei se por mim ou para mim.

de barro, ainda traz saudade. Até mesmo

Não me imaginava nessa situação quando

o coqueiro que tanto dava coquinhos

tudo me parecia maior, com cheiro de terra

amarelos como lagartas. O canudinho

molhada, galinhas empoleiradas nos galhos

das bolinhas de sabão eram folhas de

da mangueira e, no final da tarde, realmente

cebolinha. A lata cheia de bolinhas

o Boitatá corria pelo fundo do quintal, à beira

de gude tinha os mais variados tipos.

do taquaral.

Algumas revelavam universos inteiros

Não imaginava que aprendia a ler.

quando olhadas à luz do Sol. E a coleção

Subia pelas árvores, goiabeiras, abacateiros,

de tampinhas de garrafa me fazia olhar

ameixeiras, e a preferida amoreira, com braços acolhedores, dos quais muitas

para o chão sempre que saía de casa. Demorei a aprender a rodar pião direito e

vezes saíamos manchados de sumo

aprendi a andar de bicicleta numa enorme

avermelhado.

Peugeot cinza, de adulto. A tampa de

Fugia do Brasinha, o irritado cachorro de minha avó, driblando os arbustos de buchinha.

manteiga pregada num cabo era mais fácil de manobrar. Os quadrados cortados com faca de cozinha

Fazia bois de chuchu e naves espaciais de

nem sempre saíam bem, mas nem por

caroço de abacate e brincava com o que,

isso deixava de tentar fazê-los. Às vezes

parece hoje, era meu único brinquedo

me rendia às capuchetas de papel de pão

formal: o cavalinho de plástico. O meu era

que, apesar da barriga na linha, sempre

o preto.

eram mais fáceis de empinar em dia de

Passava horas acompanhando carreiras de formigas saúvas. A paciência já era uma

vento forte. Toda semana a família se reunia e quase

característica. Talvez fruto da relativa

sempre resultava em brincadeiras de

liberdade e quase anonimato em meio a

roda, com adultos e crianças. O grande

tantos irmãos, numa casa que não era

butiá era presença constante. Uma

nossa.

palmeira de tronco bastante largo para

Às vezes ajudava minha mãe a rachar lenha, tirar água do poço ou capinar o canteiro

meu tamanho, que dava para se esconder atrás, correr em volta, contar pique de

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esconde-esconde – “bater cara” como se

Nunca fui um grande leitor, sempre muito

dizia – e imaginar a possibilidade de

lento, precisando forçar a concentração.

escavar uma casa.

Mas me emocionei quando voltei à escola

E eu que pensava que só estava aprendendo

em que iniciei minha vida escolar, para

a ler quando ia ao grupo escolar,

contar histórias de livros que ilustrei às

caminhando uma longa distância, às

crianças atentas e curiosas das turmas

vezes atirando folhas de certo capim para o ar, como se fossem foguetes. Já havia muitos livros de autores

superlotadas. Engraçado como tudo pareceu bem menor. Fiz questão de descer pelas escadas por

consagrados em casa, em edições

onde andava naquele tempo e imaginar

populares, que minhas irmãs liam

os fantasmas de minhas lembranças

para a escola. Uma riqueza em meio à nossa pobreza material. O folclore de

correndo ao redor. Por isso sinto pena que a atividade que

que minha mãe havia enterrado livros

exerço esteja subordinada ao bel-prazer

“perigosos” de meu pai, naqueles tempos

das políticas governamentais.

difíceis da política, não sei se é verdade.

Marcelino Tristan Vargas

Se bem que só encontrei, mais tarde, um único livro remanescente, de filosofia, que estudei na faculdade.

De qualquer forma, não os lia. A leitura mais misteriosa que me atraía estava num livro didático, em formato pequeno, que falava algo sobre “subir a bainha”. A ilustração

A primeira parte de minha infância foi numa

da menina na ladeira não deixava dúvidas

fazenda, rodeada de árvores frutíferas e

de que era ela quem tinha que subir a

bichos. Livros não havia por lá. Passava os

bainha. Ficava imaginando como seria

dias em cima de mangueiras e goiabeiras

essa bainha. Talvez uma encosta ou uma

ou desenhando na terra do porão de casa

ladeira estreita por entre árvores. Era

com palitos de fósforo usados. Histórias,

fascinante. Perdeu-se no tempo o conteúdo

só os causos de caipira ou de assombração

do texto. Não tinha ainda habilidade

contados pelo meu pai ou as lembranças

suficiente para decifrá-lo.

de minha mãe sobre a Itália. Uma vez por ano vinha um tio de São Paulo e trazia a

Quando me encontrei com o desenho animado e os quadrinhos, estava selado

revista “O Cruzeiro”. Eu me deleitava com as

meu futuro. Meu “carma” a pagar

fotos, principalmente com as das “misses”, e

seria entre livros. Conheci Tintin e

tentava copiá-las com todos os detalhes, até

Asterix na adolescência, em exemplares

um aviãozinho (eu acho) que havia no maiô. Certa vez chegou um tio com uns livros

encadernados da biblioteca, já na “civilização”, num bairro mais central de

estranhos. Um deles tinha o seguinte título:

São Paulo.

“Eles possuirão a terra”. Não tinha figuras,

Compartilhava com meu irmão mais novo o

só escrita. E eu ficava imaginando o que

hábito de trocar gibis numa banca, dois por

podia estar escrito ali. Mais tarde soube que

um. Fiz pilhas de desenhos e criei inúmeros

o tal tio andava metido em política e que até

personagens de quadrinhos, que ficaram

já fora preso.

restritos ao conhecimento da família.

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Do primeiro ano da escola, lembro-me

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apenas dos belos desenhos, copiados

professores, então do magistério. Nessa

da cartilha, que a professora fazia

época eu já trabalhava, mas como o

na lousa com giz colorido. Não me

dinheiro era curto, fiz um acordo com o

lembro do momento em que aprendi a

dono de uma banca de jornal para pagar

ler. Mas me lembro de que aguardava

por mês e assim mesmo só o jornal

ansiosamente o dia do exame de leitura.

de domingo. A parte preferida era o

O diretor do grupo escolar chamava

suplemento literário, que li, reli e guardei

um de cada vez à sua sala para ler,

durante vários anos, como um tesouro. Zoraide Inês Faustinoni da Silva

primeiro silenciosamente e depois em voz alta. Nem o medo do exame tirava de mim o prazer de ter nas mãos um

livro diferente da cartilha! Aos dez anos minha família mudou-se para a cidade de São Paulo. No Instituto de Educação onde fui fazer o ginásio havia uma

Minha família sempre leu muito, meu pai

grande biblioteca com livros variados.

sempre trazia livros para casa e minha

Os meus preferidos eram os de Monteiro

mãe sempre gostou de ler para nós.

Lobato. Passei, então, a devorar livros e

Comecei a ler aos cinco anos em casa e

torcia para que os professores faltassem,

sozinha e minha mãe foi a primeira a

pois quando isso acontecia eu corria para

perceber que estava lendo e ficou muito

a biblioteca. Às vezes até “cabulava”

emocionada. A partir daquela data

aula e dizia para a bibliotecária que o

comecei a ganhar livros de presente e a

professor havia faltado. Alguns livros

ler em voz alta para todas as visitas. Regina Helena Botteon de Souza

eram proibidos, o que aguçava ainda mais o meu desejo de lê-los. Nessa época, para minha alegria, minha mãe

comprou, de um vendedor de livros, a prestação, uma coleção do Malba Tahan, toda encadernada de vermelho. Mas a influência de um professor de Português foi decisiva para fortalecer em mim o gosto pela leitura. Suas aulas consistiam tão somente em recitar poemas de Paulo Bonfim, Guilherme de Almeida e outros e em comentar livros que havia lido. Até hoje sua voz ecoa nos meus ouvidos: “Iracema, a virgem dos lábios de mel”; “Rosinha, minha canoa”... Por sua influência, convenci minha mãe a ficar sócia do Clube do Livro. Pagávamos uma pequena mensalidade e recebíamos um livro mensalmente. O jornal entrou mais tarde, também por influência de

De uma família muito grande – dez irmãos – fui a caçula e desde muito cedo convivi com livros e gibis de meus irmãos mais velhos. Inicialmente via as figuras, mas as letras me encantavam, parecia que existia um outro mundo e a vontade, junto com a curiosidade, me incentivaram a fazer perguntas aos meus irmãos e, com isso, aos 5 anos e meio já conseguia decifrar algumas palavras dos gibis que folheava. A leitura para mim era essencial. Sempre que podia já estava com gibis na mão. Mas minha grande alegria foi quando li meu primeiro livro,

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que foi “Meu Pé de Laranja Lima”. Acho

um preto que faziam arruaças pela casa.

que fiquei tão feliz que reli diversas

Aquele livro para mim era uma relíquia,

vezes. Depois deste foi “Pollyana”, “O

da qual eu cuidava com muito carinho.

Menino do Dedo Verde” e outros.

Reli várias vezes e guardei como um tesouro raríssimo. Mantive bons laços

Carmita de Freitas Dino

de amizade com essa família. Quando eles chegavam no final de semana, já

passavam buzinando, me alertando que tinham chegado. Durante minha vida na escola primária

Nasci em uma família pobre. Meu pai e

não consigo me lembrar de momentos

minha mãe eram analfabetos. Quando

prazerosos de leitura. Recordo de um texto

falo de meu pai, me emociono ao lembrar

que citava cometas no universo, mas não

que tinha discernimento para resolver

conseguia fazer analogias, pois o único

tudo e ajudar todos que o procuravam.

cometa que conhecia era o ônibus que

Não tínhamos livros, nem mesmo televisão. Nosso jantar geralmente era por volta das

passava na Via Anhanguera. O único momento que me recordo da leitura

18h. Logo estávamos todos deitados e meu

com prazer na escola foi quando a

pai contava-nos histórias maravilhosas. Era

professora contou uma história do coelho

um momento mágico; eu e meus irmãos

da Páscoa, utilizando fantoches.

ouvíamos a história “Fogo no céu” onde ele

(...)

imitava as vozes dos animais. A rotina era

Hoje, meu momento de contato com os livros

variada, pois quando meu pai não queria

é quando me deito e aos finais de semana.

contar histórias de animais, ele nos contava

Vou lendo os capítulos, sempre ficando com

causos ocorridos no Nordeste, envolvendo

o gostinho de quero mais. Reflito muito

caçadores e pescarias. Mas o que eu mais

sobre meu contato com a leitura e, após

gostava era da história “Fogo no céu” e

10 anos sem meu pai, sinto saudades do

sempre solicitava que a recontasse.

meu tempo de criança. Na realidade ele

Eram momentos que me permitiam viajar

era um ótimo contador de histórias. Em

no mundo da fantasia, deparando-me

minhas memórias, verifico o quanto ele

com desafios constantes. Hoje avalio que

contribuiu para minha formação de leitora.

não tive livros como suporte, mas esses

Até hoje me recordo com muita saudade

momentos contribuíram muito para

da entonação de sua voz narrando as

minha formação de leitora, levando-me a

histórias, que jamais esquecerei.

descobrir o fantástico mundo dos livros.

Maria de Lourdes de Moura Santos

Por volta dos 6 anos, mudou-se para perto de minha casa um casal que morava em São Paulo e só vinha aos finais de semana. Eu auxiliava a mulher nas

tarefas da casa. E qual não foi minha surpresa no dia em que ela me presenteou com um livro de histórias intitulado “Os filhotes”. Recordo como se fosse hoje a história dos seis cachorrinhos brancos e

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Desde muito pequenina lembro-me de meu avô ouvindo em sua vitrola Chopin, Vivaldi, Strauss comigo em seu colo. Adorava ouvir suas histórias de palácio, de viagens e principalmente histórias de nossa árvore genealógica. Uma das lembranças que trago (nasce meu interesse por ler) é a leitura de poesias e cartas escritas pelo vovô, que reunia todos os familiares: vovó, filhos, netos e primos em volta da mesa do almoço para lê-las e recitá-las. Às vezes, aliás quase sempre, tio Meco, seu filho, se emocionava e deixava ver que chorava. Caso raro entre homens. Passar os fins de semana na casa de meus avós era como entrar nos livros de contos onde tudo era

Com seis anos de idade costumava ficar no bar de meu pai em Caçapava. No bar havia revistinhas e eu adorava ver os gibis do Tio Patinhas e do Pato Donald, principalmente as histórias que envolviam as peripécias dos três sobrinhos de Donald: Huguinho, Zezinho e Luizinho. Devido a suas travessuras, ficava doida para saber o que estava escrito nos balõezinhos, sendo este o motivo pelo qual me interessei em ler com autonomia. Lembro-me também de um dos primeiros livros que li: “Os sobrinhos do capitão”, que eram danados e só aprontavam confusão. Mercedes Pons Garcia

possível e as tristezas deixadas de lado. Antes de dormir, era a vez de vovó Alba, que me deixava deitar a seu lado para ouvir

histórias de princesas, príncipes e plebeus. Eu também amava ouvir suas histórias com as irmãs, quando tiveram que morar na fazenda e perderam todas as riquezas

(...) quem me fez ter o gosto pela leitura,

por causa da crise de 29. Eram histórias

pelos livros, foi minha primeira

tristes, mas percebia em vovó o orgulho

professora. No final do meu 1º ano

de contá-las, pois com sua perseverança

de escola, quando comecei a ler, essa

conseguiu vencer, casar, ter filhos e naquele

professora presenteou-me com dois

momento ter seus netinhos para curtir e

livros: “Chapeuzinho Vermelho” e “Ali

contar histórias de sua tradição.

Babá e os Quarenta Ladrões”. Lembro-

Meus pais também foram muito influentes

-me de que passei as férias lendo e

na minha formação cultural. Motivaram

relendo esses dois livros. Depois vieram

a mim e meus irmãos a participarmos de

“Soldadinho de Chumbo” e muitos gibis.

eventos organizados na escola. Faziam

Helena A.Y. Yamane

parte ativamente da Associação de Pais e Mestres. Além disso, também nos

levavam ao teatro e cinema quando podiam. Quanto à leitura, papai nunca teve costume, sempre preferiu os esportes. De mamãe lembro dela lendo

O primeiro livro que li foi “Caminho Suave”,

em sua cama e sofá. Ela participava

após ter passado por experiências

do Clube do Livro com as amigas que

constrangedoras com a professora da

compravam livros para trocar entre elas.

primeira série porque não soube ler a lição

Stella Campos Mendes

da jarra. O castigo? Ah!... esse castigo era

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vergonhoso! Pelo menos para mim que

cobra... Imagino, ainda, Maria José Dupré, a

era muito tímida e não conversava com

autora, com a mesma feição que a conheci

meninos porque “menina não conversa

quando li, pela primeira vez, uma obra sua,

com menino”. Então, como não soube ler,

embora nunca tenha visto uma foto dela

fiquei sem recreio. Eu e o Jeremias, o filho do

sequer. O Ilha Perdida foi a minha porta

sapateiro, o menino mais danado da turma. A partir daí, outras experiências de leitura

para o mundo fantástico da Leitura. Infelizmente não me recordo de ter ouvido sequer

soaram como negativas e positivas. A do

um conto de fadas – não pelo menos na

primeiro livro foi inesquecível. Acariciava-o

época certa! Descobri, embora soubesse de

como algo muito precioso, me deleitava em

sua existência, ao ser convidada a fazer um

ver o Fábio, tão bonito e limpo, estudioso...

curso de histórias relacionadas aos Contos

Enfim um “primor”, que nada tinha a ver

de Fadas, quando fui professora de Educação

com o danado do Jeremias. Dona Cecília, a

Infantil. Me apaixonei pelas histórias de

mãe de Fábio, então... Era uma maravilha

Mamãe Ganso, senti a pobreza do Andersen,

vê-la dando sinal para o táxi... Achava-a

viajei com os Grimm, sofri na neve com a

linda, e até hoje conservo na memória sua

Pequena vendedora de fósforos, mas a minha

saia branca evasê, sua blusa azul-claro,

grande paixão, ainda, é “A bela e a fera”.

uns sapatos de salto lindíssimos (Penso que

Essa história mexe profundamente com o

o meu interesse compulsivo por sapatos

meu lado emocional, me fazendo encontrar,

tenha partido dessa figura, talvez...!).

apaixonadamente, algo que acredito nunca

Cheirava o primeiro livro, só meu, de

ter perdido, embora não tenha lido esses

preferência sozinha, quando todos iam

contos quando criança. Ao contrário, descobri

dormir, para conservar e respeitar a nossa

sua existência e importância. Assim, os

intimidade. Até hoje, gosto de ler num

encontrei e desavergonhadamente leio e os

ambiente tranquilo e sozinha, de preferência

saboreio, dando-lhes um delicioso gostinho

à noite, quando todos estão dormindo, onde

de chocolate!!

só ouço o barulho da própria noite e dos

Osana B. A. P. Oliveira

personagens do livro. Só que rapidamente me desinteressei por ele.

Então ficava mais feliz por ouvir histórias da minha mãe, e vê-la lendo jornais que embrulhavam as carnes do açougue. Isso foi o porto seguro para que eu não fugisse

Mesmo estudando na capital nas primeiras séries do antigo primário e parte do

da importância de ler. Então, apareceu em casa, por indicação da

ginásio, passei a ter contato com a

professora da quinta série do meu irmão

leitura de forma significativa apenas

mais velho, o maravilhoso e inesquecível “A

na 6a série, quando uma professora

ilha perdida”. Esperei, ansiosamente, que

de Língua Portuguesa leu pra toda a

meu irmão o lesse para fazer prova, para

sala uma história. Não me recordo do

que posteriormente eu o lesse por prazer.

título, porém sou capaz de lembrar

Ah! Como fui mais feliz que ele! Ainda

com bastante clareza que o texto fazia

conservo na memória cenas do livro, como

parte da coleção Para Gostar de Ler.

por exemplo Simão com a Jaguatirica, a

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Identifiquei mais tarde que se tratava de

almoço, sentava-me no quintal e ia lendo,

uma crônica e aquela história, da forma

não querendo que as páginas acabassem

como a professora leu, não poderia ter

(sensação que ainda sinto quando estou

provocado nada menos que um grande

lendo um livro que me encanta). Foi

início na minha jornada no mundo dos

com esse texto que descobri a magia

livros. Procurei primeiramente histórias

maravilhosa que a leitura nos proporciona,

dentro da mesma coleção...

o transporte a um mundo de sonhos; o

Com certeza o prazer de ler veio anos mais

prazer que tenho de entrar nesse mundo e

tarde devido à profissão de professor,

de não querer sair mais, de protelar o final

que exige muita leitura da nossa parte.

para que a mágica não acabe.

O bom é que a leitura não veio na forma

Selene Coletti

de obrigação, mas sim por prazer e hoje afirmo com todas as letras que sou um

fanático pela leitura. José Paulo da Silva

Minha lembrança mais antiga de leitura

remonta à coleção de Monteiro Lobato, que minha mãe ganhou quando ainda era menina.

Lembro dos meus primeiros contatos com

Eu sou uma daquelas pessoas que seguem

os livros, quando ainda era pequena e

o dito popular, que diz que o exemplo é o

não sabia ler. Em minha casa havia um armário com muitos livros da Coleção

melhor meio de se ensinar algo. Meus pais estavam sempre com um livro ou

Saraiva, que me fascinava. Achava o

dois na cabeceira da cama e eu achava

máximo o fato de meu pai ter lido muitos

isso o máximo, muito adulto e, portanto,

daqueles livros. Para mim parecia algo

eu deveria ser igual (afinal eu era muito

inatingível, sagrado até.

amadurecida, há!, há!, há!).

Quando ainda não sabia ler, ganhei de meu

De qualquer forma, gostei muito de ler as

pai uma revista em quadrinhos da

histórias do Sítio do Picapau Amarelo, e

Branca de Neve. Cada vez que a folheava,

segui lendo tudo o que me caía nas mãos, o

inventava a história de um jeito diferente.

que nem sempre significou alta literatura.

Amava as gravuras e a própria história

Márcia Cintra Camargo Rodrigues

(que meu pai havia contado), ficava imaginando o que ao certo aquelas letras

queriam dizer. Quando aprendi a ler, foi minha primeira leitura. Depois disso, uma série de outros textos

Nasci no interior de Minas Gerais, em uma

permitiu-me viajar pelo mundo da imaginação, rir, chorar, aprender... Houve

fazenda dessas bem distantes da cidade, e

um período de férias em que li muitos

fiquei por lá até meus seis anos de idade.

livros, entre eles “Éramos Seis” – acabei por

Lembro-me como se fosse hoje: papai

me apaixonar pelo filho mais velho. Após o

chegava da lida e à noitinha reunia a

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família ao pé do fogão de lenha e começava

criatura mágica, cheia de histórias de

seu ritual. Esperava todos se acomodarem

bichos, castelos, princesas... A cada estória

e então começava a contar e ler estórias de

contada por ela, crescia em mim uma

aventuras, amor, vingança, lealdade, honra,

grande admiração, eu acreditava que

mistério, encantamento e assombrações.

todas as estórias do mundo moravam

Contava essas histórias com ajuda de

dentro dela. Hoje sei que tia Ana Lúcia foi

uma velha candeia a querosene. Enquanto

imprescindível para minha formação de

contava eu me encantava...

leitora e trago dentro de mim um pouco de sua mágica.

Sempre trazia consigo uns livrinhos bem fininhos, mas que continham grandes

O primeiro livro que eu li, lembro até hoje, se

estórias – mais tarde soube que esses

chamava As aventuras do bode Fifi, um

livrinhos se chamavam Literatura de

livrinho de dez folhas e cheio de gravuras

Cordel. Quando ele lia essas histórias, fazia

coloridas. Me encantava passando o dedo

as devidas entonações e isso as embelezava

pelas letrinhas. Depois desse vieram muitos

ainda mais.

e muitos outros, pois tinha conseguido abrir a porta encantada do conhecimento.

Não sabia ler, mas ficava imaginando as estórias e muitas vezes me imaginava

Quando ainda não sabia ler e tentava de

dentro delas; então conhecia lugares sem

todas as formas decifrar aqueles símbolos,

sair da fazenda. Vivia cercada de contadores

minha mãe sempre falava: “Filha, ler é

de “causos”, o que é bastante comum no

como montar burro bravo; no começo dá

interior das Minas Gerais. Esses contadores

um medo danado de enfrentar o bicho, mas

eram pessoas simples e sem nenhuma

quando dá a coragem, a gente ganha o

instrução escolar, mas que carregavam

lombo do matuto e vai acostumando com

dentro de si riquezas, “experiências de

o passo e se sentindo parte da estrada,

vida”. Nessa época, só tinha contato físico

sentindo que a viagem é mesmo sem fim”.

com o livro através da literatura de cordel,

Concordo com mamãe; depois que me senti

não possuíamos nenhum outro tipo de livro

parte da estrada, não parei mais, fui lendo

na fazenda. Mas, quando ia à cidade – isso

tudo que caía em minhas mãos.

acontecia duas vezes por ano –, ficava

Josefa Salgado

namorando de longe as revistas nas bancas e ficava imaginando o que estaria escrito nelas. Às vezes pedia para mamãe comprar algumas delas pra mim, mas era inútil, ela sempre dizia: “Quando você crescer mais eu compro, além disso, você precisa aprender a ler pois só olhar figuras não dá”. Então crescia em mim um desespero, uma vontade de decifrar aqueles códigos que os adultos chamavam “ler”. Fui para a escola com seis anos, deixei o campo e fui morar com minha família na cidade. Foi lá que conheci a figura que me alfabetizou, tia Ana Lúcia, uma

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Créditos das figuras Figura 1 – Bible. Latin. Mainz, 1462 2v. Diora: Cofre 4, 4, ex. 1. 42 x 30 cm. Figura 2 – Colophon. Op. Cit. 41,2 x 19,5 cm. Figura 3 – Book of Hours, 1588. Latin. 17 x 13 cm. Mss I, 15, 02, 11. Figura 4 – Bíblia. Latin. Veneza, Otavianus Scotus, 31 de maio de 1480. 21,5 x 16 cm. Diora: Z 2, 3, 11. Figura 5 – Metal plate for print nc.21, part 4. 1799 – 1801.Oficina do Arco do Cego. 14,5 x 11,7 cm. Dilco: ARM. 24.40.4. Figura 6 – Tradução guarani realizada pelos padres da Companhia de Jesus, 1733. pp.209-10. 19,5 x 14 cm. Mss: I, 15, 02, 11. Figura 7 – Carimbo da Biblioteca Nacional. Figura 8 – Foto Cláudio Xavier. Ex-libris da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Figura 9 – Mapas manuscritos e aquarelados de várias regiões do Brasil, por João Teixeira Albernaz. Data c. 1666. ARC. 16-8-6/21. 60,5 x 41 cm. ARC.16.8.6. Figura 10 – Pierre Vander Aa (1659–1733). Volumes 49/50 BN/Icon 67.3.6.28 x 18 cm. Dilco: 67.3.6. Figura 11 – Foto Cláudio Xavier. Acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Figura 12 – Foto Cláudio Xavier. Acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro Figura 13 – Jean-Jacques Boissard. Bibliotheca Chalcographica. 1669. Parte 2, p. 290. 17,8 x 13 cm. Dilco: ARM.11.1.24. Figura 14 – Acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Figura 15 – Acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Figura 16 – Luiz Figueira. Arte da Grammatica da Língua do Brasil, composta pelo Dr. Luiz Figueira, natural de Almodóvar. Lisboa, Oficina Patriarcal, 1795. Folha de rosto. 20,5 x 13,5 cm. Diora: 97, 01, 17.

Créditos : Fotos em marca-d’água pp. 28, 29 e 51 – Vista de Ouro Preto/ Minas Gerais – Espartaco Madureira Coelho, s/d. pp. 34 e 35 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário – Ouro Preto/ Minas Gerais – Espartaco Madureira Coelho, s/d. pp. 40 e 41 – Acervo digital: Fundação Joaquim Nabuco – Monumento Marechal Deodoro, s/d. pp. 42 e 43 – Estação Central da antiga estrada de ferro D. Pedro II – Rio de Janeiro – Marc Férrez, 1899. pp. 44 e 45 – Aqueduto da Carioca – Rio de Janeiro/ Brasil – Marc Férrez, 1896. pp. 46 e 47 – Acervo digital: Fundação Joaquim Nabuco – Teatro Municipal, s/d. Disponíveis em www.dominiopublico.org.br

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Iniciativa

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Coordenação Técnica

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