DEFINIÇÕES ESTRATÉGICAS PARA UMA POLÍTICA DE SEGURANÇA PARA O RIO GRANDE DO SUL

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DEFINIÇÕES ESTRATÉGICAS PARA UMA POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA

Definições estratégicas para uma política de Segurança Pública Instituto Cidade Segura

I.

Introdução

O Rio Grande do Sul vive uma situação de especial gravidade na área da Segurança Pública, representada, primeiramente, pelo expressivo aumento na taxa de homicídios[1]. No espaço de uma década (2006-2016), essa taxa aumentou 58%, um salto de 18,1 para 28,6 homicídios para cada 100 mil pessoas, o que representa um crescimento da violência em índices bem superiores à média nacional (14% de aumento na taxa de homicídios)[2]. Os estados que apresentaram crescimento constante nas taxas de homicídio no período estão no Norte e no Nordeste, com exceção do RS que também se situa nesse grupo. Em Porto Alegre e na região metropolitana, a violência atingiu proporções epidêmicas, sendo que nossa capital está entre as 50 cidades mais violentas do mundo [3]. Para que essa escalada de violência seja revertida, o Brasil e o RS precisam desenvolver Políticas de Segurança Pública Eficientes, compreendendo-se como tal as políticas de Estado capazes de reduzir os indicadores de violência e de criminalidade a partir de uma racionalidade que se antecipe às dinâmicas delituosas.

[1]

Em Criminologia, “homicídio” é todo crime intencional com resultado morte, independentemente de seu enquadramento legal. No caso do Brasil, a Taxa de Homicídio agrega, assim, homicídios dolosos, feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidos de morte.

[2]

Fonte: Atlas da Violência 2018. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wpcontent/uploads/2018/06/FBSP_Atlas_da_Violencia_2018_Relatorio.pdf [3]

Fonte: Seguridad, Justicia y Paz. Metodología del ranking (2017) de las 50 ciudades más violentas del mundo. Disponível em: http://www.seguridadjusticiaypaz.org.mx/biblioteca/prensa/send/6-prensa/242las-50-ciudades-mas-violentas-del-mundo-2017-metodologia

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Historicamente, o Brasil tem insistido em uma linha geral de atuação na área da Segurança que maximiza as possibilidades repressivas. O paradigma mais tradicional na área segue apostando na promessa dissuasória do Direito Penal, imaginando que o encarceramento disseminado possa oferecer resposta consistente ou, pelo menos, mitigar o problema. Na prática, a receita tem produzido resultados totalmente disfuncionais. O que temos alcançado com o encarceramento em massa, ao longo das últimas décadas, é mais crime e não menos. Nunca o Brasil prendeu tantas pessoas como nos últimos 30 anos e, entretanto, nunca estivemos tão inseguros. Isso ocorre por vários motivos, mas a dinâmica criminogênica mais relevante tem sido aquela que encarcera jovens pobres e semialfabetizados envolvidos em crimes contra o patrimônio e de tráfico ou de associação ao tráfico. Esses jovens são, então, encaminhados a prisões superlotadas onde serão recrutados por facções criminais. Ao final de suas penas, eles estarão de volta às ruas, agora com atribuições mais amplas no mundo do crime e respondendo aos objetivos da facção que lhes amparou e lhes prestou a assistência negada pelo Estado ao longo da execução penal. Aqueles que resistem a esse caminho descobrem que sua inserção no mercado de trabalho se tornou impossível por conta do estigma social contra os egressos, uma espécie de sentença perpétua que recusa aos que passaram pelas prisões, inclusive aos que foram absolvidos, o direito de recomeçar suas vidas. O fato de quase todas as prisões serem efetuadas pelas PMs em flagrante presumido, não sendo, portanto, como regra, resultado de investigações policiais, seleciona sistemicamente os delitos e a extração social das pessoas encarceradas. Sem investigação, afinal, não se chega nem perto do ambiente criminal das elites e, tampouco, aos autores de homicídio e de crimes sexuais. O resultado é um encarceramento em massa, realizado de forma descriteriosa por não alcançar os responsáveis pelos crimes mais sérios e por agenciar novas e mais ameaçadoras oportunidades delituosas. Uma Política de Segurança efetiva deve reverter essa dinâmica, concentrando os esforços de repressão policial nos crimes de maior potencial ofensivo. O foco da atuação policial deve ser os crimes dolosos contra a vida, pelo óbvio motivo de que devemos dar total prioridade ao mais importante dos bens tutelados e porque as taxas de homicídio no RS e no Brasil situam-se entre as mais altas do mundo. Dessa definição decorrem várias propostas específicas elencadas adiante. No caso do tráfico de drogas, enquanto se mantiver a opção pelo proibicionismo, toda a atenção repressiva deve se voltar para os chefes das facções e para aqueles que os abastecem com drogas e armas. Ao invés da intervenção no varejo do tráfico, os resultados devem ser buscados no atacado.

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O paradigma tradicional e reativo na área da Segurança, cristalizado como senso comum, promove uma injustiça básica contra as polícias exigindo que elas e apenas elas promovam a Segurança e garantam a ordem e a paz públicas. Por óbvio, as polícias são instituições essenciais e imprescindíveis para que tais objetivos sejam alcançados. Ocorre que não se pode exigir das corporações policiais esses resultados se não tivermos presentes as responsabilidades de muitas outras instituições que atuam no âmbito da Justiça Criminal e se desconsiderarmos o impacto que ações orientadas para a prevenção social do crime e da violência podem produzir a partir da iniciativa de várias outras agências governamentais e não-governamentais. Para o Instituto Cidade Segura, o desafio de construir uma Política de Segurança Pública eficiente exige a superação dos discursos tradicionais amparados em crenças e ideologias e a afirmação de uma abordagem que integre prevenção social e repressão com base em evidências. Com a expressão “evidência” se designa os achados resultantes de pesquisas científicas que permitem também identificar o que funciona e o que não funciona em programas e iniciativas públicas. O conhecimento acumulado e a experiência internacional mostram que é possível reduzir a violência e a criminalidade com políticas focadas em fatores de risco que operam desde a gestação, que se desenvolvem na infância e na adolescência e que se prolongam na vida adulta, agenciando oportunidades de comportamentos antissociais. Sabemos também que as tarefas de policiamento podem produzir resultados muito mais expressivos, inclusive quanto à prevenção, quando orientadas por evidências e concebidas como parte de uma política mais ampla e complexa e não como recurso exclusivo. Uma Política de Segurança Pública eficiente deve contar com um ambiente institucional favorável o que envolve, desde o primeiro momento, um desafio de gestão que tem sido sistematicamente menosprezado no RS. A rigor, vivemos na pré-história da gestão pública em Segurança no Brasil, o que se torna patente pelo improviso e pela reatividade do próprio sistema; pela ausência de integração e planejamento entre as agências governamentais; pelo não compartilhamento de informações entre as próprias polícias; pela falta de transparência na administração dos recursos públicos, pela crescente partidarização da máquina do Estado; pela inexistência efetiva de controle externo sobre a atividade policial; pela lacuna extraordinária de procedimentos de accountability; pela baixa interação policial com as comunidades; pelos reduzidos indicadores de confiança pública nas corporações, notadamente entre os mais pobres, os jovens e os negros; pela reiteração de práticas violentas e pela corrupção que se infiltra nas instituições policiais; pelo desamparo dos profissionais da segurança pública; pela falta de formação continuada e pela ausência de condições mínimas de trabalho e de segurança aos trabalhadores da área; pela falta de investimentos em inteligência policial;

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pelo sucateamento das perícias; pela crise crônica do sistema penitenciário; pela sistemática ausência de bancos de dados confiáveis e por muitas outras circunstâncias. Preocupado com a cristalização dessa realidade dramática na área da Segurança Pública no RS e procurando oferecer uma contribuição ao processo de debate público que deve marcar um processo eleitoral, o Instituto Cidade Segura apresenta esse documento aos candidatos e candidatas às eleições majoritárias de 2018 de forma a subsidiar seus processos de elaboração e de definição política na área. Que as ideias aqui esboçadas sejam úteis à construção de um ambiente de debates respeitosos e amparados em evidências.

II.

Definições político-administrativas na Segurança Pública

1. Definição da redução dos crimes dolosos com resultado morte como foco prioritário da Política de Segurança Pública do RS. a) A experiência internacional recomenda a formação de equipes fixas para investigação de homicídios compostas por policiais e peritos. Cada uma destas equipes lida com 20 a 30 homicídios por ano. Com 3 profissionais em cada equipe, poderíamos montar 100 equipes no RS com dedicação exclusiva à investigação dos crimes dolosos com resultado morte. b) Resolução ou esclarecimento de homicídios não é o mesmo que indiciamento de suspeito. Os dados que têm sido divulgados pela Polícia Civil do RS não consideram os critérios mais amplamente empregados no mundo para se medir taxas de esclarecimento de homicídios (homicide clearence rates) que são as denúncias feitas pelo MP ou os julgamentos realizados. No Brasil, a pesquisa mais recente sobre o tema, realizada em 2017 pelo Sou da Paz [4], recebeu dados de apenas 6 estados (RJ, SP, PA, RD, MS, ES) e encontrou uma taxa média de 20,7% de esclarecimento de homicídios calculada a partir das denúncias oferecidas pelo MP. c) É preciso que todas as iniciativas na área da Segurança Pública sejam orientadas por esse foco de redução dos homicídios (crimes dolosos com resultado morte). Esse foco subordina os demais objetivos, define um critério geral para alocação de recursos e unifica um discurso público em favor da vida.

[4]

“Onde mora e impunidade”. Disponível em: http://www.soudapaz.org/upload/pdf/index_isdp_web.pdf

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2. Estabelecimento de mecanismos elementares de gestão por resultados e planejamento estratégico nas polícias e na SUSEPE. A gestão das polícias gaúchas e da SUSEPE é analógica. Ainda hoje, tais áreas lidam com ofícios, fichas e arquivos com imensa quantidade de papel. O sistema, além de ineficiente e de gerar sobretrabalho, não permite o controle efetivo por parte dos gestores, é obscuro, com substancial déficit de transparência. É fundamental que especialistas em gestão pública introduzam softwares de gestão nas polícias e na SUSEPE e que se passe a trabalhar com base em indicadores e metas. Mecanismos sistemáticos de avaliação externa devem ser incorporados ao cotidiano da gestão na área.

3. Atribuição à Defensoria Pública do RS para que atue na defesa de profissionais da Segurança em processos administrativos ou criminais. Historicamente, os policiais civis e militares do RS, assim como os agentes penitenciários, precisam, como regra, contratar advogados particulares quando respondem a processos administrativos ou criminais. Trata-se de mais uma página de descaso do Poder Público com tais profissionais. No caso de ações que envolvem a conduta profissional dos policiais e agentes, entendemos que o Estado deve assegurar suas defesas e que a Defensoria é a instituição vocacionada e capacitada para essa tarefa, observados os pressupostos legais. 4. Realização de Pesquisas sistemáticas de Vitimização para a capital, região metropolitana e maiores Municípios. O Estado precisa lidar com pesquisas anuais de vitimização para saber, efetivamente, quais são as tendências criminais (quais os crimes que crescem e quais os que diminuem). Em todo o mundo civilizado, elas ocorrem com a periodicidade anual e oferecem, além de dados sobre crime e violência, a oportunidade de se medir a sensação de insegurança ou medo do crime (fear of crime) e de se saber como a população avalia as polícias. Sem pesquisas de vitimização, as polícias contam apenas com os BOs, sem ideia, portanto, da subnotificação identificada na literatura como dark rate (cifra obscura). A grande maioria dos crimes, inclusive de crimes com violência real, não é comunicada às polícias, não se transformando, portanto, em registro. Isso ocorre em todo o mundo e a subnotificação é tanto maior quanto maior for a falta de confiança da população nas polícias. Algumas poucas pesquisas de vitimização realizadas em cidades brasileiras têm encontrado 10 vezes mais crimes do que aqueles registrados. O perfil dos crimes não registrados também é completamente diferente. Os chamados “crimes sem vítima”, como tráfico de drogas e o jogo ilegal quase nunca são comunicados às polícias. Por outro lado, os crimes praticados pelos mais ricos (sonegação, corrupção, poluição ambiental, etc) também não costumam virar BOs.

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5. Elaboração de um estudo de perfil de homicídio em Porto Alegre e região metropolitana e medição das “taxas de atrito”. Os estudos de homicídio (homicides studies) são peças estratégicas para se enfrentar o tema da letalidade. Para a criminologia, homicídio é todo o crime doloso com resultado morte (o que, no Brasil, agrega os tipos penais de Homicídio, Latrocínio e Lesões Corporais Seguidas de Morte). Os estudos identificam padrões entre vítimas e autores, “hot spots” (pontos de concentração de eventos criminosos) e medem a efetividade dos inquéritos policiais. Taxa de atrito é o conceito usado em Criminologia para identificar o percentual de condenações criminais em relação ao número de crimes cometidos. 6. Integração com base no território das ações das Polícias Civil e Militar, com participação ativa dos comandos das corporações nos Gabinetes de Gestão Integrada (GGIs) dos Municípios, com interação intensa com as comunidades e medição de resultados em Segurança pela redução do crime, da violência e do medo.

Todo o trabalho das polícias deve ser desenvolvido com base na presença dos policiais no território e em ações concebidas, planejadas e executadas em conjunto pelas corporações. Os bancos de dados das Polícias Civil e Militar serão os mesmos, assim como seus protocolos de gestão de informação e de comunicação interna e externa. Cada uma das polícias prestará contas de suas atividades ao público, em público, com relatórios pormenorizados de seu trabalho e dos resultados obtidos com relação à redução das taxas criminais, da violência disseminada e do medo da população. “Reduzir o crime, a violência e o medo” essas são as missões das polícias e metas pelas quais seus trabalhos devem ser medidos. Não se mede eficiência em Segurança Pública pelo número de pessoas presas, nem pela quantidade de drogas apreendidas, nem pelo número de inquéritos ou de operações.

7. Estabelecimento das Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP) a) O RS conta com Áreas Integradas em Regiões, mas não em cidades, onde elas, de fato, são decisivas. Em cada cidade do RS é preciso que as delegacias distritais da PC e os batalhões da BM atuem em territórios comuns. Atualmente, as circunscrições geográficas da PC e da BM não coincidem; b) Estabelecimento da gestão conjunta no território por parte de um oficial da BM e um delegado de Polícia; c) Estabelecimento de metas mensais quantificáveis de redução do crime e da violência no território, com a participação de policiais com atuação na ponta, soldados e investigadores;

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d) Reuniões semanais de monitoramento das ações, correção de rumos e definição de intervenções conjuntas com base em indicadores. e) Secretário deve acompanhar as reuniões mensais de avaliação dos indicadores e das metas. Caso se verifique fracasso repetido no atingimento das metas, a equipe de gestores será imediatamente trocada.

8. Elaboração e envio à Assembleia Legislativa de Projeto de Lei criando a Corregedoria da Segurança Pública e a carreira autônoma de Corregedor de Segurança Pública com vagas de nível superior a serem preenchidas por concurso público. As polícias e a SUSEPE possuem corregedorias internas. Elas não funcionam e nunca irão funcionar a contento por conta do corporativismo. Um integrante da Corregedoria sabe que, dentro de pouco tempo, ele não estará mais ali e poderá ser um subordinado daquele colega que ele deveria investigar e responsabilizar. Todas as polícias modernas integram um sistema onde há Corregedorias autônomas, sem qualquer vínculo com as forças policiais. Esta estrutura será decisiva para a redução da corrupção e da violência na área da Segurança e seria inédita no Brasil. A medida teria também a vantagem de liberar mais agentes para as atividades fins. 9. Alteração da legislação estadual a respeito da divulgação das informações sobre Segurança Pública, aos moldes do projeto “Lei de Transparência na Segurança Pública” apresentado pelo Instituto Cidade Segura à Assembleia Legislativa. A legislação atual em vigor no RS a respeito da publicação de dados da Segurança Pública é insuficiente, porque pouco específica. A proposta do Instituto é a de que a Secretaria Estadual de Segurança Pública deverá publicar na forma de dados abertos, todos os registros criminais realizados no mês anterior pelas polícias, seja por meio de Boletim de Ocorrência ou por Termo Circunstanciado, de forma desagregada, contendo pelo menos as seguintes informações do fato: a) dia e hora; b) tipo do crime ou contravenção penal; c) cidade; d) local onde ocorreu; e) número de vítimas; f) idade, sexo e cor das vítimas. Além disso, nossa proposta discrimina uma série de informações a serem disponibilizadas mensalmente, de forma a permitir o monitoramento de um conjunto de 29 indicadores que devem ser, por definição, públicos.

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10. Fortalecimento do Instituto Geral de Perícias (IGP) com investimentos necessários para qualificação do trabalho, incluindo reforço de pessoal, melhorias em instalações e aquisição de novos equipamentos. A perícia técnica deve ter um protagonismo muito maior em uma Política de Segurança efetiva, destacadamente no que se refere à identificação de autoria nos crimes dolosos contra a vida. O Estado deve investir recursos, entre outras áreas, na alimentação do banco de dados de DNA que foi esquecido pelo atual governo, contratar novos peritos, aparelhar o órgão e garantir condições de trabalho para a prática científica dos peritos e condições ideais de acolhida às vítimas que são submetidas a exames.

11. Criação do Instituto de Pesquisas em Segurança Pública (IPESP). O RS precisa de um órgão capaz de produzir conhecimento sobre Segurança Pública, aos moldes da experiência do RJ que possui um Instituto padrão que realiza um trabalho imprescindível para o Estado, especialmente no que tange à análise criminal e à disposição dos dados para consulta. Seria muito importante que uma instituição dessa natureza avaliasse sistematicamente as iniciativas e políticas públicas na área da segurança e disseminasse conhecimento técnico a respeito dos grandes desafios a serem enfrentados quanto ao policiamento, à execução penal, à perícia e à prevenção social.

III.

Medidas referentes ao reforço e à qualificação do trabalho policial

1. Concentração de esforços das polícias Militar e Civil para a prisão dos autores de crimes dolosos contra a vida e de crimes sexuais como prioridade. No caso da repressão ao tráfico de drogas, concentração de esforços na prisão de chefes de quadrilhas e de seus fornecedores de drogas e armas. Trata-se de orientar a ação policial de acordo com o foco estabelecido pela política de Segurança. Matadores precisam ser identificados e presos, assim como criminosos sexuais, porque o mal que praticam é intolerável e diz respeito à proteção de bens jurídicos fundamentais. Ao invés de estarem envolvidos na “guerra contra as drogas”, com ênfase no varejo do negócio, devem focar sua atenção nas dinâmicas delituosas que alimentam o tráfico. O atual envolvimento dos policiais com a apreensão de drogas e prisão de pequenos traficantes consome extraordinária quantidade de recursos e do tempo dos policiais, sem qualquer efeito que debilite o tráfico e agenciando novas e mais graves possibilidades criminais que se formam nas prisões. O desafio é prender menos e melhor, com resultados positivos para a Segurança.

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2. Liberação de policiais civis e militares de funções burocráticas para o policiamento e a investigação. a) Todo o serviço de registro nas Delegacias de Polícia pode ser feito, com vantagens enormes, por estagiários das universidades gaúchas das áreas de Direito, Administração, Informática, Psicologia e Serviço Social. O público poderia ser melhor atendido, os dados das próprias ocorrências seriam melhor lançados e aproveitados. A experiência já foi realizada no Brasil com as “Delegacias Legais” no Rio de Janeiro, com enorme sucesso e aprovação do público. b) Na Brigada Militar, há um expressivo contingente de praças e oficiais envolvidos com tarefas meio na administração, além daqueles alocados na Casa Militar e dos cedidos a outros Poderes. Deve-se substituí-los, todos, por funcionários civis e por estagiários.

3. Elaboração de Manual de Procedimentos Policiais e de Manual de Execução Penal. Cada uma das polícias possui as suas normativas e os seus procedimentos padrões. Há, entretanto, dois problemas: 1- essas normas e procedimentos são completamente insuficientes, muitas vezes excessivamente genéricos e quase sempre ultrapassados e não amparados em evidências 2- tais normas e procedimentos não são públicos, de forma que a cidadania não tem notícia deles. Nas nações desenvolvidas, os procedimentos policiais constituem documento público e se pode adquirir a publicação anual com os procedimentos policiais em qualquer livraria. Em algumas nações, como na Inglaterra, os manuais de procedimentos policiais são empregados, também, como matéria básica de estudo para os concursos de ingresso nas corporações. Isto possui o sentido de estimular as pessoas para que conheçam o que a polícia pode fazer e o que ela não pode e como cada cidadão deve se comportar diante das abordagens policiais. Quando todos sabem qual é a regra e qual o procedimento técnico adequado, os abusos são muito menos frequentes e a eficiência das polícias aumenta. No caso do Brasil, não valorizamos sequer os procedimentos elementares como isolar a área onde ocorreu um homicídio, por exemplo. Quando a perícia chega ao local da ocorrência – não raro muitas horas depois do fato – a cena do crime já foi totalmente contaminada, inclusive por policiais. A mesma necessidade é vivida nos presídios, com a mesma urgência. Nossos agentes penitenciários praticam diariamente atos ilegais sustentados em nome da praxe prisional. A elaboração de um Manual ofereceria uma referência básica para a reconstrução do cotidiano da administração prisional no RS. Ambas as iniciativas – comuns em todo o mundo – seriam inéditas no Brasil e colocariam o RS como uma referência positiva. O FBSP poderia ser uma instituição parceira nesse desafio, reunido os melhores pesquisadores de cada área além de policiais de alto nível.

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4. Definição de um projeto-piloto de policiamento comunitário segundo os padrões internacionais. Policiamento Comunitário é uma estratégia de policiamento que envolve uma relação direta e intensa dos policiais com os residentes. O modelo exige que os policiais sejam fixados em atividades de policiamento em uma mesma área e que sejam desligados do sistema 190 de atendimentos. Os residentes devem ligar para os celulares dos policiais comunitários em caso de emergência. Cada área de Policiamento Comunitário pode contar com uma viatura para apoio ou com motocicletas, mas é muito importante que os policiais se relacionem com os residentes o que significa conversar sempre com eles, patrulhar a pé e realizar visitas domiciliares. Os policiais deste projeto não devem residir na área (como se fez equivocadamente no governo passado), porque sua intervenção não pode ser constrangida pelo risco de represálias aos seus familiares. No modelo de Policiamento Comunitário, os residentes definem com os policiais as prioridades da patrulha. É preciso preparar com cuidado os policiais que irão integrar este projeto e selecionar aqueles mais vocacionados e habilitados à tomada de decisão. 5. Elaboração de um novo sistema para os boletins de ocorrência (B.O.s) para os registros policiais É preciso contar com a contribuição de especialistas na definição dos campos dos BOs e da forma de lançamento das informações. Atualmente, os boletins não dispõem de campos fundamentais para o cruzamento de dados a respeito das vítimas e suspeitos e o lançamento das informações é feito com base exclusiva nos tipos penais, o que dificulta a agregação e a desagregação de dados para a análise posterior. Todo o sistema de registro de ocorrências deve permitir o georreferenciamento automático, como já ocorre em outros estados da federação, de modo a permitir a identificação de “hot spots” do crime e da violência. 6. Fim das jornadas de 12h/24h e de 24/72h na SUSEPE e nos plantões das Delegacias. Nenhum serviço público essencial pode funcionar com jornadas de 12h/24h e de 24h/ 72h. Esse arranjo é outra distorção que conspira contra a qualidade do trabalho policial. Na verdade, ela surgiu para acomodar o “bico” e permitir o reforço salarial dos policiais e dos agentes penitenciários. Também não é aceitável que policiais trabalhem em regime de “sobreaviso”, como se tornou comum no RS, o que significa subtrair desses profissionais o direito ao descanso.

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IV. Medidas referentes ao sistema prisional 1. Definição de um novo conceito prisional, orientado pelos objetivos da Justiça Restaurativa, que contemple novas plantas arquitetônicas em respeito aos padrões internacionais, especialmente as “Regras de Mandela” (Mandela Rules) e assegure execução penal produtiva e sem espaço para a organização de facções. As plantas prisionais condicionam em muito a qualidade da execução penal. A depender do projeto, haverá ou não, possibilidades para a organização de facções. O próprio tratamento penal é inviabilizado com as plantas tradicionais que são caixotes de concreto que só fazem a alegria das empreiteiras. No Brasil, vivemos a pré-história das prisões e os projetos arquitetônicos são os mesmos dos primeiros presídios no século XIX. É preciso romper com esta tradição e construir presídios que não sejam máquinas de moer gente e de produzir bandidos. Um presídio verdadeiramente modelo deve estar voltado para a educação e o trabalho dos condenados, o que implica em plantas adequadas. Devem, também, dispor de equipamentos que produzam outros efeitos benéficos como salas seguras de audiência para que os juízes possam se deslocar aos presídios e não os presos aos fóruns (o deslocamento de presos aos fóruns é providência cara e arriscada e frequentemente deixa de ocorrer porque a SUSEPE não tem a estrutura adequada ou porque outros interesses operam. O resultado disso é o aumento da taxa de impunidade, porque presos em preventiva que não são apresentados são, muitas vezes, e com razão, liberados pelo Poder Judiciário). As novas plantas devem viabilizar uma “progressão interna” no que seriam estágios diferentes de contenção no fechado e contar com recursos como salas de transição entre a área celular e a área de contato com os familiares em dias de visita, para troca de roupa com observação por agente, o que viabiliza controle sem revista corporal, etc 2. Estabelecimento de Parcerias Público Privadas (PPPs) para a construção de prisões de novo tipo mediante contrato de gestão que remunere por resultados. O RS precisa de novos presídios, mas não de quaisquer presídios. O Poder Público não dispõe dos recursos necessários para a abertura de novas vagas e, quando investe nessa área, desenvolve projetos caros, mal feitos e que descumprem as normas legais de execução penal. É preciso, portanto, contar com a pareceria da iniciativa privada, firmando contratos de gestão que remunere os serviços prestados segundo os resultados alcançados. Assim, por exemplo, ao invés de repassar apenas os custos com hotelaria, o Estado deve remunerar as empresas que garantirem taxas de alfabetização e de profissionalização dos presos, que, comprovadamente, produzirem taxas de reincidência menores, etc.

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3.Construção de um estabelecimento prisional de 200 vagas de contenção máxima, para chefes de facções e autores de múltiplos homicídios. O RS precisa de um presídio de Segurança Máxima que permita isolar as lideranças mais perigosas das facções e os autores de múltiplos homicídios. Esse seria um recurso importante, também, para a regulação disciplinar do sistema. A PASC não se presta a esse objetivo, nem tem a planta mais adequada para a contenção máxima. Esse novo presídio estadual deve ser construído ao invés do plano equivocado de trazer para o RS um presídio federal que receberia líderes de facções de outros estados, o que aumentará o risco de “contaminação” das facções locais.

4. Estímulo à construção de APACs em todas as regiões do Estado. O Brasil tem 50 estabelecimentos prisionais conhecido como centros APAC (Associação para a Proteção e Assistência aos Condenados), que são instituições da sociedade civil, administradas mediante convênio com o Estado que custam 1/3 do que os governos pagam por preso no sistema convencional. Nos centros APAC não há motins, não há armas nem drogas, nem policiais ou agentes e os indicadores de reincidência são em média de 15%, contra 85% no sistema convencional. O RS não dispõe sequer de uma APAC, mas esforços importantes têm sido realizados por membros do Ministério Público e do Poder Judiciário, entre outras instituições, para que, em breve, possamos ter a primeira de várias instituições do tipo. Uma Política de Segurança efetiva deve estimular esses esforços e garantir pelo menos um centro APAC em cada região do estado.

5. Desenvolvimento de um amplo projeto de acolhimento aos egressos do sistema prisional, de tal forma que se estimule a reinserção no mercado de trabalho e o processo de desistência criminal, aos moldes do POD Socioeducativo que tem alcançado êxito extraordinário no acolhimento e formação profissional dos egressos da FASE. A reincidência criminal dos egressos do sistema prisional é elevadíssima em todo o Brasil. São duas as razões mais importantes desse fenômeno: primeiramente, a experiência de encarceramento não disponibiliza aos detentos qualquer oportunidade de profissionalização, sequer de alfabetização. Segundo, há um enorme estigma social sobre os egressos que faz com que todas as portas se fechem para aqueles que não estão mais dispostos a delinquir. O Estado precisa agir também sobre esses dois vetores da criminogênese.

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6. Fim das prisões em delegacias. Por muitos anos, o RS foi um dos poucos estados da federação a não ter presos em delegacia. A política descriteriosa de encarceramento em massa se encarregou de produzir mais essa violação, criando situações absurdas de aviltamento e humilhação para os suspeitos, degradando as condições de trabalho dos policiais e imobilizando profissionais que deveriam estar comprometidos com os desafios da investigação.

V.

Estratégias de Prevenção Social

1. Desenvolver uma ampla campanha de parentalidade responsável, com educação sexual nas escolas, acesso gratuito a métodos anticoncepcionais e disseminação de conhecimento sobre cuidados na gestação e na educação das crianças. O Brasil segue convivendo com o fenômeno da gravidez precoce e com a disseminada irresponsabilidade parental, com destaque para a postura daqueles homens que sequer assumem sua condição de pais, e que se afastam assim que informados da gravidez de sua parceira. A ausência paterna, somada à realidade da violência de pais e mães sobre as crianças, de negligência e abuso sexual, são experiências fortemente correlacionadas à má formação cerebral e ao desenvolvimento de personalidades antissociais, mais tendentes à resolução de conflitos por meio da violência. Desenvolver a parentalidade responsável é, por isso, uma das intervenções de prevenção à violência mais impactantes. 2. Ampliar o escopo da atenção pré-natal para que ela propicie, também, formação básica quanto à educação das crianças, com destaque para formas de disciplina positiva que excluem a violência e para a prevenção da negligência. Não há, a rigor, uma tradição de formação para pais e mães no Brasil quanto aos cuidados elementares a serem observados na gravidez e quando da educação das crianças. Na área da Saúde, os programas de atenção pré-natal são a ferramenta mais universal disponível, cuja atuação tem sido, entretanto, restrita pelos conteúdos trabalhados, pelo pequeno número de encontros e pela sistemática ausência dos pais biológicos. A ideia é a de tornar obrigatória a presença dos pais nos encontros, mediante intimação do Ministério Público em casos de flagrante desatenção aos deveres da parentalidade, aumentar o número de encontros e ampliar as temáticas abordadas, com ênfase para o enfrentamento de fatores de risco para a violência na gravidez e na infância.

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3. Estimular os Municípios a implementarem o Programa de Famílias Acolhedoras, assegurando às crianças e aos adolescentes vítimas de maus tratos, negligência ou abuso sexual, o direito à convivência familiar previsto pela Constituição Federal (art. 227) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art.19). Crianças afastadas de suas famílias originais por conta de graves violações dos seus direitos são encaminhadas no Brasil, como regra, a abrigos municipais. Essa circunstância termina por privá-las do direito elementar de convivência familiar que poderia lhes ser garantido por família substituta, previamente selecionada pelo Município e que recebe uma verba pública para as despesas com as crianças. Programas do tipo, já consolidados em algumas cidades são muito mais eficientes e mais econômicos do que manter as crianças em abrigos. 3. Construir, com os Municípios, Programas de Desenvolvimento de Competências Socioemocionais nas escolas e técnicas de manejo da disciplina em sala de aula, com base em metodologias validadas internacionalmente, de forma a estimular capacidades não-cognitivas que favoreçam a aprendizagem e aumentem a adesão dos estudantes às escolas. A escola pública tem tido muita dificuldade em ensinar alunos originários de famílias fragilizadas socialmente e que vivem em áreas de exclusão e violência. O problema também é vivido por outras nações e tem sido enfrentado com êxito a partir de novos conhecimentos científicos, notadamente em áreas como a psicopedagogia. O que as evidências sugerem é que o desafio da Educação não pode ser pensado apenas a partir da cognição, mas que depende em larga medida de outras competências como a capacidade de concentração, o autocontrole, a solidariedade, a empatia, a determinação etc.

4. Desenvolver, com os Municípios, um Programa Estadual de Redução da Evasão Escolar. A evasão escolar é um dos mais importantes fenômenos de fragilização social de adolescentes e aumenta em muito o risco de envolvimento dos jovens com a violência e a criminalidade. É preciso enfrentar suas causas a partir de diagnósticos locais que permitam delinear programas efetivos. Com isso, o RS aumentará as taxas médias de escolarização. Em Pelotas, o Instituto Cidade Segura, em parceria com a Comunitas, delineou o programa “Cada Jovem Conta”, já com base em iniciativa desenvolvida com êxito na prefeitura de Canoas.

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5. Criar política antibullying nas escolas estaduais e municipais, com diagnósticos por escola, com o desenvolvimento de programas de prevenção e com a disseminação da abordagem restaurativa para tratamento e superação de conflitos. O bullying é uma forma de violência entre pares que se dá de forma repetitiva, transformando a vida das vítimas em um inferno. Ele promove ideação suicida na adolescência, afeta o desempenho escolar de autores e vítimas e estimula o absenteísmo e a evasão escolar. Estudos longitudinais feitos em vários países comprovaram que o bullying aumenta as chances de que vítimas e autores desenvolvam comportamentos violentos quando adultos. Nos EUA, várias dos eventos de mass shootings em escolas foram produzidos por ex-vítimas de bullying.

6. Dar especial atenção aos adolescentes expostos a múltiplos fatores de risco, considerando-os público-alvo de programas de prevenção, selecionando-os para programas como o Jovem Aprendiz e pensando em alternativas de formação profissional. Em quase todos os Municípios, programas como o Jovem Aprendiz têm suas vagas ocupadas por jovens que não vivem qualquer situação de fragilidade social e que nunca foram expostos a fatores de risco para o crime e a violência. É preciso alterar esse quadro imediatamente. Oportunidades desse tipo, que podem assegurar uma formação profissional inclusiva, devem ser reservadas para os jovens que mais necessitam dessa chance. 7. Ampliar o alcance do Programa Oportunidade e Direitos (POD) Socioeducativo, que se transformou em política pública no RS. Criado no governo Yeda e mantido e desenvolvido pelos governos Tarso e Sartori, o POD Socioeducativo é uma das iniciativas mais exitosas no Brasil de prevenção terciária. O programa acolhe jovens que cumpriram medidas socioeducativas de privação de liberdade e que desejam uma formação profissional, garantindo-lhes o acesso a cursos variados e uma bolsa mensal de meio salário mínimo, por até um ano, desde que sejam frequentes. Em um primeiro estudo sobre a reincidência dos jovens, encontrou-se que, de cada 100 jovens que fizeram o percurso completo do POD, por 12 meses, 92 deles desistem do crime. 1

1

ROLIM, Marcos; BRAGA, Cristiane e WINKELMANN, Fernanda. POD RS Socioeducativo e a potência da prevenção terciária. Revista Brasileira de Segurança Pública, 2017. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/pod-rs-socioeducativo-e-a-potencia-daprevencao-terciaria/

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VI.

Estratégias de prevenção por ação administrativa e fiscalização com protagonismo dos Municípios

1. O Estado deve articular e estimular os Municípios para que estruturem órgãos responsáveis para gerir desafios na Segurança Pública local, com Guardas Municipais e Secretarias específicas onde couber. Cada cidade deve ter o seu Plano Municipal de Segurança. A ideia de que Segurança Pública é uma responsabilidade dos Estados é absolutamente equivocada e, desde há muito, não se sustenta. Os municípios possuem um extraordinário espaço para protagonismo na Segurança Pública, especialmente quando à prevenção.

2. Novas edificações públicas e privadas, além da construção de praças e de outros espaços públicos devem receber aprovação, nos Municípios, do órgão gestor em Segurança Pública, de forma a garantir que os projetos observem as diretrizes a serem definidas por legislação específica seguindo os padrões internacionais da “Prevenção do Crime por Projeto Ambiental” (Crime Prevention Through Environmental Design - CPTED). Edificações e espaços públicos podem facilitar ou dificultar a prática de determinados delitos, o que é particularmente importante quando lidamos com os chamados “crimes de oportunidade”. Furtos e roubos são fortemente influenciados pela percepção dos autores de que o acesso aos bens é fácil, de que os valores são expressivos, de que as vítimas serão surpreendidas e de que, após o crime, haverá facilidade para a fuga. Cada um desses fatores pode ser alterado por projetos ambientais, o que tem sido considerado crescentemente nos países mais avançados como fator relevante de prevenção situacional. 3. O Estado deve estimular que os Municípios aprovem Códigos de Convivência Democrática que viabilizem a fiscalização e a sanção administrativa de condutas violentas, preconceituosas ou que coloquem as pessoas em risco ou que perturbem o sossego público. O Direito Penal não pode oferecer resposta a todas as condutas tidas como indesejáveis ou ofensivas. Determinadas condutas, ainda que não definidas como crimes, possuem um potencial de dano elevado e tendem a depreciar a qualidade de vida da população. Como o Estado não oferece a elas qualquer resposta, a tendência é que tal omissão potencialize conflitos banais que resultam em violência e mesmo em homicídios. Temas centrais para a convivência respeitosa na cidade seguem sendo menosprezados pelo Poder Público. Um dos exemplos é a ausência, como regra, de normas nos Municípios que induzam à redução do abuso no consumo de bebidas alcoólicas, uma prática fortemente correlacionada à violência doméstica, aos acidentes de trânsito e aos homicídios.

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4. Desenvolver uma política pública integrada com os Municípios, orientada pelo objetivo de desconstrução da cultura da violência. O Brasil possui uma herança cultural que inclui elementos de legitimação da violência. Isso é particularmente sensível no que se refere à misoginia, ao racismo e à homofobia, mas está presente em vários outros temas como na atitude de exclusão diante de etnias minoritárias, na xenofobia, na marginalização das pessoas com deficiência e no preconceito disseminado. Essa política deve articular programas efetivos de sensibilização e engajamento das crianças e dos adolescentes nas escolas em torno dos valores da cultura de paz, respeito à diferença e inclusão.

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