distribuição gratuita . fevereiro.março.abril . 2009 . #04 . ISSN: 2176-1108
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Revista de Arte e Cultura do Pontão Aldeia Digital fev–abr.2009 volume 1, número 4 ALDEIA – Agência de Desenvolvimento Cultural, Educomunicação, Infoinclusão e Audiovisual
DEXTÁ – Revista de Arte e Cultura do Pontão Aldeia Digital fev–abr. vol. 1, n. 4, 2009 ISSN: 2176-1108 Coordenação Editorial: Simone Lima Ricardo Sabóia Conselho Editorial: Alexandre Câmara Vale Carmem Luisa Chaves Glauber Filho Haroldo Mendonça Hélcio Brasileiro Leonardo de Sá Márcia Moreno Preciliana Barreto Ricardo Salmito Valdo Siqueira Publicação eletrônica com periodicidade trimestral, organizada pela Aldeia – Agência de Desenvolvimento Cultural, Educomunicação, Infoinclusão e Audiovisual. Dextá destina-se a discussão de temas em arte, cultura e a divulgação das ações desenvolvidas pelos Pontos de Cultura brasileiros. Redação: Beatriz Jucá Projeto Gráfico e Editoração: Samuel Tomé Fotografias: Anderson Gama, Beatriz Jucá, Camila Leite, Ricardo Salmito, Dora Moreira Endereço: Rua Silva Jatahy 15 # 902 Meireles CEP 60165 – 070 www.aldeia.org.br aldeia@aldeia.org.br www.issuu.com/aldeia www.twitter.com/revistadexta Fortaleza, Ceará - Brasil
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conteúdo
................velas do mucuripe......................................................06 ........................surf e outras acrobacias.................................08 ..........................todos são francisco.....................................12 ..................cineclube da vila.......................................................20 ...........desenvolvimento e cultura livre na região do cariri...............22 ..............mostra de produção audiovisual......................................25 .....................algumas novas mídias, propostas & triar..............28
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DEXTÁ, em sua quarta edição, traz como destaque a I Mostra Audiovisual dos Pontos de Cultura cearenses, organizada pelo Pontão Aldeia Digital. A capital Fortaleza e a cidade de Juazeiro do Norte, na região do Cariri, foram palco de projeções de vídeos realizados por diversos agentes culturais. O evento também promoveu oficinas de software livre e multimídia, e instigou discussões sobre as potencialidades do audiovisual entre os Pontos de Cultura. Anastácio Braga, gerente do Centro Cultural Banco do Nordeste no Cariri, apoiador da Mostra, fala, em entrevista, sobre o desenvolvimento em cultura livre que a instituição promove na região sul do Ceará. O Mucuripe, bairro de contrastes econômico e sociocultural, é tema de reflexão desta edição, que apresenta a paisagem praiana e o cotidiano de pescadores – os mais antigos moradores da área – desse cartão postal da cidade de Fortaleza. No Grande Mucuripe, o bairro Serviluz ilustra a resistência de comunidades praianas como o Titanzinho, berço de surfistas consagrados que aprenderam suas acrobacias com as ondas, em simples tábuas de madeiras. Para João Carlos Sobrinho, o “Fera”, responsável pela Escola Beneficente de Surfe do Titanzinho, o objetivo do ensino do surfe é tirar os jovens da comunidade da ociosidade. Os jovens da escolinha de surfe conheceram acrobatas do Cirque du Soleil, que visitaram a comunidade. A visita foi retribuída, e jovens do Titanzinho assistiram ao espetáculo “Quidam”, do Cirque du Soleil, na Praça 31 de Março, na Praia do Futuro, confira na página 08. Historiador e diretor de cinema, Ruy Vasconcelos faz um inventário sobre novas tecnologias e mídias e recursos de informação. Ele levanta a discussão sobre a importância de seus usos em contextos sociais, históricos e etnográficos. Leia na página 28.
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VELAS DO
MUCURIPE As velas do Mucuripe vão além das imagens de barcos e jangadas de Fortaleza. Elas são acesas também simbolizando a fé em São Pedro, protetor dos mais antigos moradores do bairro: os pescadores. A praia de águas verdes e calmas foi sendo rapidamente transformada. Primeiro, a construção do Porto do Mucuripe. Depois, grandes prédios e hotéis foram erguidos. Se antes o Mucuripe foi cenário para o filme do cineasta Orson Welles, hoje é palco para a especulação imobiliária. A construção de luxuosos arranha-céus à beira-mar foi empurrando a aldeia de pescadores para o morro Santa Teresinha, área vizinha à antiga aldeia. Os pescadores foram, então, se apertando nas ruelas do morro e tendo que se adaptar a uma vida mais distante do mar. A vista que eles têm hoje não cessa de lembrá-los a perda de suas referências socioculturais. Lá, de cima do morro, se vê um grande paredão de arranha-céus e apenas uma frecha de mar. Uma lembrança que se destaca dentre as dificuldades que a comunidade vive hoje. O cenário, no entanto, não revela apenas o saudosismo e o abalo da forte relação entre o pescador e o mar. Ele remete a um dos bairros cheios de contrastes de Fortaleza. O abismo entre duas classes sociais antagônicas pode, inclusive, ser fotografado. Na base do morro Santa Terezinha, estão prédios, restaurantes e hotéis luxuosos. No topo, pequenas casas dispostas desordenadamente. Entre ambos, uma escada. Um único elo utilizado apenas pelos moradores do topo, do lugar mais alto de Fortaleza. Todos os dias, as famílias dos pescadores cumprem suas tarefas. A maioria das esposas mantém a tradição das rendeiras e vão tecendo o que sobrou de suas histórias. As filhas ampliam suas atividades: algumas trabalham lavando as toalhas dos hotéis de baixo, outras animam crianças e turistas ao vestirem fantasias dos personagens de desenhos animados e atuarem no Trem da Alegria, que segue seu trajeto por quase toda a orla da Beira-Mar. Muitos, porém, são marginalizados. O Mucuripe, que detém tradições e histórias de lutas sociais, é um celeiro do tráfico, da violência e da exposição de menores a situações de risco pessoal e social. Um cenário que precisa mudar. <
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SURF E OUTRAS ACROBACIAS
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Você imagina um caixote que é desprezado por conter dez laranjas estragadas dentre quinhentas sadias, distribuídas entre verdes, maduras, doces e algumas um pouco mais azedas. Assim é visto o bairro Serviluz, na região do Grande Mucuripe, em Fortaleza. Um bairro dicotômico, cujas riquezas naturais estão trancadas sob uma armadura violenta e problemática. Foi lá que um morador incomum foi construindo os seus sonhos. Apaixonado pelo surf, João Carlos Sobrinho, o Fera, montou uma escolinha com o intuito de ocupar os jovens da comunidade. “A minha intenção foi tirar as pessoas da ociosidade, aproveitando para resgatar a cidadania e a auto-estima”, explica. Fera desenvolveu três metodologias de ensino de surf: mentalização, teoria e prática. Cheio de fantasias, ele começou a
dar aulas de surf antes mesmo de conseguir as pranchas, afinal “você aprende a surfar é na areia”. Para isso, você não deve simplesmente olhar para o mar achando bonito. É preciso se imaginar surfando em cada uma delas, como no Tai Chi Chuan. Primeiro com os olhos abertos e depois fechados. “Olhando pro mar e treinando em casa, embora você só tenha praticado o movimento de levantar, na tua mente você já vai saber dar uma batida, pegar um turbo e até fazer um aéreo”, garante Fera. O grande potencial turístico do Serviluz acolhe pessoas famosas, facilitando intercâmbios culturais e sociais. Fera diz que foi Regina Casé quem o apresentou para o mundo. Mas foi o surf que fez o mesmo com a tetracampeã mundial de surf Tita Tavares, que ainda hoje mora no
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bairro. A beleza e a garra da u comunidade vão atraindo pessoas do mundo inteiro para conhecer aquele pedacinho de céu que se fecha no meio do caos. Já passaram por lá grandes nomes do surf, dentre eles Carlos Burle e Fábio Golveia. Não há projetos que possibilitem o intercâmbio ou propagandas sobre o lugar. O bairro passa longe dos cartões postais de Fortaleza. É através de amigos ou fotos pessoais que as pessoas vão chegando e se encantando por ali. Foi mais ou menos assim que Anna e Jerome, dois acrobatas do Cirque du Soleil, conheceram a praia do Titanzinho. “Nós temos amigos que já tiveram aulas com o Fera, e eles falaram para assistirmos na praia. Aí eu disse: Oh, eu quero tentar!”, explica Anna. O casal levou os dois filhos porque acha que o lugar é ótimo para as crianças, um espaço muito importante para elas aprenderem e usarem suas mentes. Anna salienta que vê na escolinha de Surf um bom lugar para as crianças do Serviluz depositarem suas energias e mentes em algo que não seja a droga e crime. “É uma forma de dar a elas algo a esperar. Uma possibilidade de se tornarem, se não campeãs mundiais, boas em alguma coisa. Você aprecia a natureza e o oceano. É melhor para elas, obviamente”. Pela primeira vez, o Cirque du Soleil se apresenta em Fortaleza. A primeira noite é oferecida a crianças e jovens de baixa renda que tenham vínculos com instituições sociais. Cinco pessoas do Serviluz se encantaram com o espetáculo Quidam. Cinco pessoas tentavam, com mímicas, dizer aos acrobatas o quanto havia sido bom sonhar junto. Sonhar no circo sem obrigações. Apenas sonhar. Se deixar levar por um transeunte sem cabeça que transforma a vida em mágica. <
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depoimento
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Todos São Francisco Em outubro de 2008, a jovem realizadora Francisca Charliane de Oliveira Souza recebeu do Ministério da Cultura o prêmio do Concurso de apoio à produção de obras audiovisuais digitais inéditas de curta metragem, destinadas exclusivamente a pessoas físicas integrantes ou egressas de projetos sociais com foco na linguagem audiovisual, desenvolvida por instituições sem fins lucrativos. Nany de Oliveira, como prefere assinar, é egressa do Projeto Escola de Mídia da Aldeia, inscreveu um roteiro de documentário centrado na história de seus irmãos e de sua mãe. O título, Todos São Francisco, refere-se ao primeiro nome de todos os filhos de Socorro de Oliveira Souza. Para ela, o interesse em desenvolver o tema partiu da convivência e conhecimento da história de sua família: “a história de minha mãe não é diferente da história de muitas mulheres da periferia de Fortaleza”. Socorro de Oliveira abandonou o sertão para viver numa cidade grande, em condições de pobreza. Sem ter estudado, para sobreviver trabalhou em casas de famílias e em restaurantes e barracas da Praia do Futuro. No início, em atividades domésticas, servindo clientes, e depois vivendo como garota de programa. “Foi assim durante 22 anos de sua vida, ela teve oito filhos, de homens diferentes, todos caminhoneiros que passaram pela cidade e deixaram na vida dos filhos o sentimento da falta de um pai.” Nany é enfática quando diz que qualquer pessoa pode sentir a falta do pai. “Só que em nosso caso é bem dramático, somos oito irmãos que buscam oito pais”. Para a jovem realizadora, a forma como a equipe se envolve com a história está sendo fundamental: “existe a visão de uma irmã sobre os irmãos, de uma filha sobre a mãe, que é bem pessoal, mas que pode virar um dramalhão.” Ela ainda acrescenta que tem o apoio da equipe para que isso não ocorra. “Eles leram o roteiro, discutiram comigo como abordar o tema, e estou feliz com o respeito e a dedicação pois tiveram diversas situações bem difíceis de realizar”, finaliza Nany de Oliveira. As gravações do documentário foram realizadas em diversas locações da cidade de Fortaleza, em especial no Mirante, Conjunto São Pedro e Beira-mar, locais de convivência de seus protagonistas. Logo será finalizado e a jovem realizadora espera que o documentário siga um longo percurso de exibição em Festivais e Mostras. <
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cineclube
Cineclube da Vila
Em abril, mês de aniversário da cidade, o audiovisual foi uma das principais ferramentas de comemoração. Além da produção coletiva do vídeo “Fortalezas”, organizações da sociedade civil foram convidadas para participar do Cineclube da Vila, sob a Coordenação de Arte e Política da Vila das Artes. Segundo o coordenador Fábio Azevedo, o objetivo era “mostrar olhares da cidade contextualizados, do ponto de vista dos 'nativos', que é em geral o que acontece nas expressões audiovisuais mediadas por ONGs”.
De acordo com Fábio, a idéia dessa mostra especial ligada ao terceiro setor é a mostra de olhares de sujeitos implicados no cotidiano de áreas específicas da cidade, “pois pode significar uma contra-informação importante sobre esses lugares”. Além disso, disse reconhecer o fato de a produção audiovisual via ONG ser bastante forte na cidade. É, ao mesmo tempo, um espaço de intercâmbio cultural e um ambiente possível de se debater as metodologias, os resultados e as questões de linguagens desses projetos. Entre as ONGs que participaram da mostra, estão a Aldeia, a TV Janela, o Noar-Alpendre e o Encine.
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Para Fábio Azevedo, a formação do novo Cineclube da Vila para tematizar, através do audiovisual, questões relacionadas à vida na cidade, levantou discussão na Vila sobre o risco de o artefato audiovisual estar sendo utilizado apenas como recurso pedagógico. A Coordenação de Arte e Política resolveu, então, modificar a estrutura das exibições, que agora serão realizadas em mostras especiais.
Fábio informou que estão previstas três mostras especiais para este ano. A primeira seria de cinema de animação, e tem como curador o realizador Diego Akel. A segunda teria como objetivo fazer uma arqueologia do audiovisual da cidade, e a curadoria está em negociação com o realizador Armando Praça. Questionado sobre a terceira mostra, o coordenador disse ser possível dar um recorte no sentido da Antropologia Visual. “A produção da Aldeia é bem interessante nesse sentido, justamente por apontar algo talvez mais fundamental do que o aprendizado técnico e o uso do audiovisual como ferramenta, que é utilizar essa linguagem como expressão dos modos de vida”, comentou. <
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entrevista
Desenvolvimento e Cultura Livre na região do Cariri O Gerente Executivo do Centro Cultural Banco do Nordeste do Cariri, Anastácio Braga, fala sobre as novas diretrizes do banco no âmbito cultural e comenta a importância de eventos que ampliem a discussão sobre a cultura livre
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Quais as principais tendências da atuação do Centro Cultural Banco do Nordeste do Cariri hoje? O CCBNB aqui do Cariri tenta atuar de modo mais diversificado. A gente atua na área musical e também em apresentações teatrais e programação infantil. Temos a Biblioteca Inspiração Nordestina com doze mil livros e mil e quinhentos DVDs. Temos também a Biblioteca Virtual com doze computadores ligados à internet, que além de oferecer acesso gratuito à internet, oferece cursos de inclusão digital mensalmente. Além disso, temos cursos e oficinas tanto na área de introdução ao campo da arte quanto na área de maior embasamento à apreciação da arte. Temos aqui dois espaços de
exposições visuais periódicas. Então a gente procura abranger as mais diversas áreas da cultura. Há incentivos do CCBNB Cariri direcionados especialmente para atividades culturais que envolvam o software livre? A gente está trabalhando isso ainda timidamente porque o próprio software livre começou a ser utilizado no Banco do Nordeste há pouco tempo. O banco ainda vinha utilizando softwares privados, e essa política do software livre começou juntamente com a política do Governo Federal através do estímulo às instituições públicas. Hoje, nos nossos cursos de inclusão digital e de acesso à internet, a gente estimula as pessoas a
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utilizar esses softwares livres que estão disponíveis na internet e que podem atender diversas necessidades. Estamos também começando uma ação para as crianças terem acesso a essa rede de computadores, que é o Bibliotequinha Virtual. Nesse projeto, também é mostrado os softwares e jogos gratuitos para que elas possam usá-los e até brincar de uma forma livre através desse novo caminho que está sendo traçado e que acredito que seja o futuro. Não tem mais sentido você ter um computador e não poder instalar e modificar seus programas e aplicativos. Então essa questão da tecnologia livre é realmente algo transformador e revolucionário. Estamos aqui no CCBNB tentando estimular não só as pessoas de fora, mas as daqui do Centro Cultural mesmo. Quais as parceirias que o CCBNB Cariri tem com os Pontos de Cultura hoje? Nós temos hoje parcerias com várias instituições, algumas são prefeituras, mas outras são realmente Pontos de Cultura. Um dos nossos maiores parceiros é a Fundação Casa Grande, de Nova Olinda. A gente leva mensalmente eventos para lá, para o teatro da Fundação Casa Grande e até apresentações musicais para a comunidade. A fundação Casa Grande produz curta-metragens para a gente exibir aqui (no CCBNB de Juazeiro) e em Caririaçu. Temos com eles agora mais uma parceria que é a produção de um gibi para que seja distribuídos aos sábados, que é o dia da programação infantil. Esse gibi é produzido de acordo com a peça teatral exibida no sábado. Esse é só um dos nossos parceiros. O que nós desenvolvemos com os outros Pontos de Cultura é levar uma programação para lá. Nós temos a ONG Verde Vida, no Crato, que funciona na ponta da serra para onde levamos
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periodicamente vídeos para serem exibidos lá, porque eles tem um trabalho muito bonito com as crianças. Temos parceria também com o pessoal da ECOS Cidadania Juriti, que é também um Ponto de Cultura. Eles estavam precisando reformar as arquibancadas e nós ajudamos nisso e levamos uma apresentação teatral para lá. Temos outros também, como a ACOM, de Milagres. Para a maioria desses parceiros, nós levamos eventos com o intuito de dinamizar os espaços que eles têm e reforçar os laços deles com a comunidade. Qual a importância que o senhor vê em mostras como a da Produção Audiovisual dos Pontos de Cultura para a região do Cariri? Olha, é importantíssimo. Eu vou dar um exemplo com o caso do Software Livre. Eu estava conversando com um rapaz que queria vir para essa mostra e estava querendo fazer as provas para conseguir os certificados da Microsoft. Eu disse que ele não precisava mais disso porque agora existem outros caminhos para você se destacar no mercado sem ter que estar mais atrelado a esses oligopólios da tecnologia. Então, esses eventos ajudam as pessoas a abrir a mente a aumentar os horizontes das possibilidades que as pessoas têm. Ainda mais nesses Pontos de Cultura onde os recursos são escassos e muitas vezes eles trabalham com softwares piratas enquanto podem usar sistemas originais e versões com um suporte técnico adequado e direcionado. Muitos trabalham com softwares piratas simplesmente por falta de conhecimento. Então isso é fundamental para ampliar as discussões e o conhecimento sobre esses programas e essas novas alternativas. <
especial
mostra ~ da produçao audiovisual dos pontos de cultura cearenses A criação dos Pontos de Cultura e a determinação da utilização do software livre por eles representam uma mudança de filosofia na política governamental do Ministério da Cultura. A nova filosofia passou não só a apoiar a liberdade e o livre acesso ao conhecimento, mas a estimular a produção e o intercâmbio entre os mais diversos grupos culturais. Foi nessa perspectiva que a Aldeia realizou a Mostra Audiovisual dos Pontos de Cultura Cearenses, uma atividade do projeto Aldeia Digital. A idéia principal dessa mostra é colaboração. Colaboração de técnicas, de informações, de idéias, de compartilhamento. O objetivo é a construção de uma rede múltipla, em que várias pessoas possam ofertar e receber conteúdos, produções e conhecimento. Em Juzeiro do Norte, uma das cidades cearenses onde a cultura pulsa forte, ocorreu a primeira versão da Mostra da Produção Audiovisual dos Pontos de Cultura, no Centro Cultural Banco do Nordeste. Valdo Siqueira, diretor da Aldeia, propôs que os Pontos de Cultura dessem continuidade à disseminação da cultura e do software livre, uma das principais propostas do projeto Aldeia Digital. “A nossa intenção é estimular a circulação da produção cultural entre os Pontos”. O evento contou inicialmente com a exibição de vinte curta-metragens produzidos com baixo orçamento e muita criatividade pelos Pontos de Cultura. Além dos vídeos produzidos para os blogs colaborativos do Aldeia Digital – Na Minha Cidade Passa um Rio e Narrativas Fantásticas – foram exibidos vídeos produzidos independentemente pelos Pontos de Cultura. Entre eles, se destacaram Bota Camisinha Bota, da ONG Acartes, e Maracatu Az de Outro – Entre Loas e Batuques, da ONG Roteiro de Luz. Alguns vídeos foram trazidos e exibidos pelos próprios participantes do evento, como o Acorda Gameleiras, gravado em Juazeiro do Norte. A segunda versão do evento foi realizada em Fortaleza, também no Centro Cultural Banco do Nordeste. Entre os Pontos de Cultura presentes, estavam a AGUA (de Guaramiranga), o Vento Forte (de Aracatiaçu), a Fundação Raimundo Fagner (de Fortaleza) e a Amanda (de Fortaleza). O momento das exibições foi também de troca de conhecimentos. Enquanto vídeos produzidos por vários pontos de cultura eram vistos no telão, podia-se ouvir sussuros .
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Oficina de Software Livre Se os períodos de maior desenvolvimento da eletrônica foram os de guerra, hoje as novas tecnologias são instrumentos para a disseminação da cultura e para a interatividade entre os mais diversos povos. Com o desenvolvimento das máquinas e a democratização da comunicação, as liberdades e formação de redes culturais são postas em primeiro plano. É nesse cenário que a discussão sobre software livre ganha impulso. A abertura dos códigos fontes permite ao usuário adequar o software às suas necessidades. Editar textos, conversar com os amigos no msn, criar planilhas, compartilhar idéias, baixar músicas. Tudo isso também é possível através dos softwares livres. Durante a Oficina de Software Livre na Mostra da Produção Audiovisual dos Pontos de Cultura Cearenses, o professor Haroldo Mendonça explicou que uma das dificuldades do usuário inicial é escolher qual distribuição usar. Para quem está pretendendo entrar no mundo livre, ele sugeriu que se levasse em consideração os principais objetivos e garantiu que todas as distribuições são boas. Haroldo mostrou o funcionamento de alguns sistemas operacionais e incentivou o uso de plataformas livres: “Eu acho que é uma tendência que a gente não pode mais fugir dela. Quanto antes entrarmos, mais rápido vamos ver as vantagens do Software Livre. Para os profissionais de informática, é uma necessidade maior, uma forma do profissional não ficar atrofiado”. Tiago Emanuel Julião é assistente de diagramação no Centro Cultural Banco do Nordeste e garante que raramente usa sistemas operacionais privados. “Só quando eu levo algum trabalho para fazer em casa ou tenho que fazer em algum outro lugar”, disse. Ele usa o Linux há dois anos e acredita que é a plataforma livre que oferece maiores vantagens. O professor de informática da Fundação Raimundo Fagner, Eduardo Ramos, também é um entusiasta das plataformas livres e disse acreditar que “a divulgação do software livre é muito importante nesse momento de transição global, de mudança não só de pedagogia, mas de filosofia dos softwares”.
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Oficina de Multimídia A Mostra Audiovisual dos Pontos de Cultura Cearenses reservou um momento dirigido aos novos Pontos: a oficina de Multimídia. O ministrante Valdo Siqueira defendeu o compartilhamento de conteúdo e registros culturais e sugeriu que os novos Pontos de Cultura observassem suas principais necessidades na hora de comprar o equipamento multimídia. “Esse é um trabalho praticamente individual”, disse. Ele ressaltou, ainda, a importância da mobilidade de alguns equipamentos e da aquisição de câmeras profissionais para quem vai realmente trabalhar com audiovisual. Na hora de adquirir os kits multimídia para concretizar a idéia de rede proposta pelo Ministério da Cultura, os Pontos precisam ficar atentos. Se por um lado é preciso levar em consideração que o principal fim é a disseminação do conteúdo, é preciso também que haja uma reflexão sobre as principais necessidades de material. Valdo Siqueira ressalta que o item que não pode faltar a nenhum ponto é o Kit Multimídia de Exibição. “O legal desse kit é que ele aproxima as pessoas entre si e com o Ponto através de cineclubes”. Valdo salientou, ainda, a importância do resgate das atividades culturais e dos intercâmbios entre eles através de uma espécie de rede e de forma que todo mundo fique conectado. A idéia é a de que haja um estímulo à cultura nos mais variados locais do Brasil. <
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artigo
MídiAs, Ruy Vasconcelos
Novas Tecnologias, novas mídias, novos recursos de TI. É tudo de mais provisório com que se pode trabalhar hoje em dia. Desde os suportes até as redes de sociabilidade, tudo surge e passa numa vertigem espantosa. Sugere que outros suportes, os de décadas passadas, demoraram demais da conta até desaparecer. Tomemos o vinil, como exemplo. Os velhos bolachões pareciam eternos. O sistema mais à mão de “pirateá-los” era a fita cassete. Mas as boas fitas cassetes não eram exatamente baratas e, à sua vez, eram bem pouco práticas, uma vez que você tinha que localizar no contador de seu aparelho de som – se ele tivesse um – o espaço reservado a uma determinada canção. Justo aquela, que você queria ouvir de novo e de novo. Haja rewind! Mas, sem dúvida, o tempo dos vinis e das fitas cassetes foi lento e longo se comparado com o tempo dos novos suportes digitais. Muitos já ficaram para trás: o disco floppy, o disquete rígido, por exemplo, não tiveram muita chance. Hoje em dia, sua capacidade de armazenagem se comparada à das pen-drives ou de certos HD externos, por exemplo, parece uma piada. E a capacidade de armazenamento destes, em breve, será fichinha diante de engenhocas que surgirão em menos de dois anos e das quais sequer suspeitamos. Serão menores que a cabeça de um alfinete? Poderão ser pregadas ao corpo, como um pequeno piercing? E se puderem ser tatuadas? Foi tudo muito rápido. Está sendo tudo muito rápido. E tudo será ainda mais. A primeira vez que ouvi falar em internet, em termos práticos, foi em 1991, numa universidade inglesa. Um colega que fazia doutorado na área de física me contara, maravilhado, que havia trocado mensagem por escrito, através do computador, com pesquisadores do Departamento de
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Física da Universidade Federal de Pernambuco. Eu nem me ative muito aquilo. Tinha de gastar bastante tempo e alguns 'cents', respondendo às cartas que os amigos enviavam. Seguia com elas para a agência postal do campus duas vezes por semana. Elas eram, junto com uma ou outra matéria avulsa nos jornais ingleses, a cota que eu podia juntar de notícias sobre o Brasil. E era uma cota escassa. Vez por outra, meu pai me mandava um exemplar de Veja ou do jornal O Povo, que chegavam, no mínimo com uma semana de atraso. Diante dessa transa postal, essa coisa de internet, ainda parecia algo remoto, que não se sabia se iria vingar ou não. Telefonar para o Brasil, à época, era caríssimo. Impraticável. Fazíamos isso quatro ou cinco vezes ao ano, em datas especiais. Mas quão rápido avançaram as novas mídias! Em 1993, quando trabalhava como redator publicitário em uma agência, já de volta a Fortaleza, havia me rendido ao editor de texto – já que nunca fora um grande datilógrafo e entendia que os editores iam bem com meu modo de revisar um texto muitas vezes, trocando o lugar das palavras, testando o melhor fluxo, o melhor ritmo para elas. Nosso diretor de arte também já se beneficiava de programas que hoje seriam bisavós dos sofisticadíssimos softwares de desenho gráfico. Mas tudo isso ainda sem a internet. Em 1995, ministrando aulas no curso de história da Universidade Estadual do Ceará [UECE], ao final do ano, recebi um trabalho em disquete. Foi o primeiro nesse suporte. E veio junto com um bilhete desafiador: “internete-se”! No ano seguinte, comprei meu primeiro pc, um IBM Aptiva. Para a época, uma máquina, cheia de recursos. Eu achava o máximo, então, poder ouvir no música no computador enquanto escrevia. Ou fazer uso do editor de texto em casa, não na agência de publicidade ou na faculdade. E lembro que imprimia tudo antes de ler. Porque a leitura, de verdade, para mim, passava por algo impresso, algo no papel. Eu ainda não aprendera a ler “no monitor”. E, de outro modo, só cheguei a conectar esse computador, um ano e meio depois, quando fui morar em São Paulo. E foi, então, no augusto ano de 1997, que, de fato, a internet entrou de roldão na minha vida. E para não mais sair. Mas se comparada a hoje, era ainda precaríssima: conexão discada. Caía a todo instante. As páginas demoravam séculos para carregar. Os softwares de navegação travavam. A quantidade de jornais, veículos de comunicação ou universidades que já haviam aderido com razoável grau de confiança ao novo veículo ainda era incipiente. Basta dizer que o escritor norte-americano que seria objeto de minha tese de doutorado possuía 11 referências no programa de busca mais sofisticado da época (o Altavista). Hoje, no Google, ele possui nada menos de 54.700 referências. É quase a informação de dez anos atrás multiplicada por 5000. Eis, aqui, também um dos problemas que, cada vez mais teremos pela frente: saber chegar á informação que desejamos, descartando, no processo, muitos acidentes de percurso, desvios inúteis ou o que, ora, chamamos de spans. Em especial, sinto algo que segue bastante nesse sentido se analiso o comportamento de uma área que se beneficiou enormemente dos avanços das novas mídias: o audiovisual. Nesse campo, à analogia de muitos outros, as novas mídias digitais provocaram uma verdadeira revolução. Desde o barateamento das câmeras e gravadores de captação de som até os processos
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de edição não-linear, feitos em casa, por softwares de fácil manipulação, que democratizaram enormemente a possibilidade da confecção de uma peça—seja ela um longa metragem, um videoclipe, um vt publicitário ou mesmo um documentário para web. Nunca a imagem, em termos de custo desceu para tão perto da escrita. E nunca o mundo e seus fenômenos foi mais filmado. Desde quedas de jatos a tornados tropicais. E, no entanto, tudo isso tem impactos que só serão dimensionáveis algum tempo adiante. E por quê? Porque, por exemplo, a informação sobre o que se produzia nas diversas tradições nacionais de cinema, era veiculada, num tempo pré-internet, de modo incomensuravelmente mais lento e rarefeito: em mostras de cinemas de arte, cinematecas, cineclubes, etc. E, portanto, consistia num maior desafio. Hoje, um cinéfilo, pode acessar quase qualquer cinemateca nacional via internet. Pode, sem sair de casa, ter acesso a filmes raríssimos, que seriam quase ganhar na loteria poder assisti-los só uns poucos anos atrás. Mas, se isso é extremamente sedutor por um lado, por outro também preocupa. Afinal, dentro da incomensurabilidade da internet é preciso estabelecer limites, traçar recortes, fazer escolhas, sob pena de tentar abraçar “tudo”. E “tudo” não se dá ao abraço, sem que se perca um bocado. Sem que se perca uma atenção, de fato, mais consequente. Atenção, sobretudo, com processos que não são ou não foram virtuais. Que datam de antes da chegada da “virtuália”. Que, sem dúvida, vão ser afetados por ela. Mas precisam ser trabalhados com um razoável grau de distanciamento e radicação. Conversando com jovens realizadores cearenses de audiovisual ou assistindo às suas produções percebo uma grande e saudável abertura para o cosmopolitismo, para a informação nova, venha ela de onde vier—Irã, Bélgica, Taiwan, China, Argentinha, África, Leste Europeu, etc. Mas do contrário, vejo também uma resistência muito forte a buscar situar-se melhor diante de referências locais. Enquanto especificidade histórica no mapa. E não falo, aqui, de regionalismos tacanhos. Mas justamente no indecifrável charme que há em tingir todo esse cosmopolitismo de cores locais. Ou vice-versa. Essa defasagem—ausência sistemática dos assuntos locais diante de veios cosmopolitas, com as exceções de
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praxe—tem, de resto, sido fomentada por uma linha didática, tanto em algumas ONG's quanto na principal escola de formação local [Vila das Artes], que concede muito pouca ênfase a aspectos locais [históricos, etnográficos, etc.] Os únicos assuntos a propiciar um trabalho que seja verdadeiramente cosmopolita, no sentido de vincular à informação que vem de fora, o saber local. Sem isso, o audiovisual vira uma espécie de “vale-tudo”. Mas um “valetudo”, cujos códigos – supostamente de vanguarda – só são decifrados, compartilhados ou referendados por uma pequena leva de esotéricos ou iniciados. Gente que faz audiovisual. Não sei se isso é sábio. Porque não é interessante, aqui, qualquer saber. Senão, um saber esteado em uma tradição. Uma tradição coletiva. Por menos que essa expressão nos soe alvissareira nos lábios ou no ouvido, hoje em dia. Os estados brasileiros que conseguirem conjugar melhor, no plano do audiovisual, o emprego desses novos recursos [que se renovam vertiginosamente e possibilitam a um contingente bem mais amplo de grupos e indivíduos a feição de uma peça audiovisual] consorciando-os às suas respectivas bases históricas, culturais, saltarão corpos e corpos adiante dos demais, onde só o deslumbre com as novas tecnologias e com os experimentos de vanguarda soam como falsas sereias que o tempo encarregar-se-á de repôr no devido lugar. Não como um testemunho forte. Recorrentemente buscado, como atestado de memória, inteligência e integridade. Mas como mera curiosidade de época. Como os cabelos no laquê, o bambolê, o bombom-chicles, o Kichute, o Crush, a calça boca-de-sino, a profusão de twitters na porta do carro, os óculos 3D, o Homem de Seis Milhões de Dólares, certas gírias, as vinhetas de Hans Donner, etc. Recentemente, uma instalação de vídeo-arte, por exemplo, centrou-se sobretudo no grande número de monitores de TV de plasma, refratando diferentes trechos de um a peça audiovisual previamente editada. Ora, televisões de plasma daqui a alguns anos, nesse formato atual, que conhecemos em 2009, serão como aquelas TV's em preto-ebranco, tão comuns no início dos 70, em cujo tampo do monitor se punham listras em cores - para se ter uma sorte de gosto antecipado da tv em cores. Ou seja, quanto mais fascínio houver pelo uso do aparato em si, no sentido desse aparato virar um valor axial, central, dissociado do contexto social, histórico, etnográfico, etc., maior será o tombo. <
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