DEXTÁ #05

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distribuição gratuita . maio.junho.julho . 2009 . #05

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Revista de Arte e Cultura do Pontão Aldeia Digital mar-jul.2009 volume 1, número 5 ALDEIA – Agência de Desenvolvimento Cultural, Educomunicação, Infoinclusão e Audiovisual

DEXTÁ – Revista de Arte e Cultura do Pontão Aldeia Digital mar-jul. vol. 1, n. 5, 2009 ISSN: 2176-1108 Coordenação Editorial: Simone Lima Ricardo Sabóia Conselho Editorial: Alexandre Câmara Vale Carmem Luisa Chaves Glauber Filho Haroldo Mendonça Hélcio Brasileiro Leonardo de Sá Márcia Moreno Preciliana Barreto Ricardo Salmito Valdo Siqueira Publicação eletrônica com periodicidade trimestral, organizada pela Aldeia – Agência de Desenvolvimento Cultural, Educomunicação, Infoinclusão e Audiovisual. Dextá destina-se a discussão de temas em arte, cultura e a divulgação das ações desenvolvidas pelos Pontos de Cultura brasileiros. Redação: Beatriz Jucá Projeto Gráfico e Editoração: Samuel Tomé Fotografias: Helosa Araújo, Natalia Kataoka, Rafaela Eleutério, Stéphanie Pinheiro. Endereço: Rua Silva Jatahy 15 # 902 Meireles CEP 60165 – 070 www.aldeia.org.br aldeia@aldeia.org.br www.issuu.com/aldeia www.twitter.com/revistadexta Fortaleza, Ceará - Brasil

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conteĂşdo

...............................................ponto a ponto.......................06 ....................................entre tapebas e xavantes.........................14 .............na rua primavera, Ă s quartas-feiras.......................18 ...................................dona maria...................................20 ...........................III for rainbow..................................................22 ..................tabebas de caucaia.................................24

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A quinta edição da Dextá celebra em suas páginas a diversidade. Em cena, fragmentos do cotidiano de crianças na periferia de Fortaleza, a produção audiovisual das comunidades da diversidade sexual e os rituais que pontuam a experiência dos índios Tapebas em seus modos de viver e luta por reconhecimento. Verônica Guedes, diretora-executiva do For Rainbow – Festival de Arte e Cultura da Diversidade Sexual, apresenta um panorama do evento, que neste ano chega à terceira edição. A importância do For Rainbow fica evidente quando consideramos, como ressalta Verônica, a necessidade de “ações massivas de combate à homofobia e à defesa do direito à livre expressão sexual” num Estado ainda marcado por altos índices de práticas violentas e discriminação à comunidade LGBT. A entrevista pode ser conferida na página 22. A cultura dos índios Tapebas é tema de ensaio fotográfico produzido por Helosa Araújo, Rafaela Eleutério e Stéphanie Pinheiro, estudantes de Comunicação Social da Universidade de Fortaleza e do artigo “Tapebas de Caucaia: quem são e como são esses nossos índios”, da jornalista e professora universitária Carmen Luísa Chaves. A história dessa comunidade indígena cearense é revisitada, da ausência de registros oficiais na década de 1980 às novas estratégias de “afirmação étnica” (associações comunitárias) e interação social com outros grupos não-indígenas. O material está à disposição dos leitores a partir da página 24. A Rua Primavera, localizada no Conjunto São Pedro, bairro do Mucuripe, na capital cearense, recebe toda semana cerca de 50 crianças para as sessões do Cineclube Farol. A projeção só é possível graças á Dona Maria Oliveria, que cede com muito gosto sua calçada. Nada mais justo que ela ilustrasse o perfil desta edição. Boa leitura!

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Ponto a Ponto Ecos - Escola de Comunicação da Serra

EXPERIÊNCIAS CRIATIVAS O 1º. Festival Ceará em Ponto, realizado pelo Ponto de Cultura Ecos – Escola de Comunicação da Serra, em Garamiranga reuniu 16 Pontos de Cultura na cidade de Guaramiranga. A programação do Festival incluiu uma mostra audiovisual, uma mostra de fotografia e atividades experimentais em fotografia, cinema de animação e artes visuais (grafite) envolvendo jovens da região do maçiço de Baturité. O Pontão Aldeia Digital trabalhou, durante o festival, com 24 jovens em uma oficina de fotografia digital sob a perspectiva da antropologia visual. Conscientes da importância de olhar a cidade, observando seus aspectos humanos, naturais e arquitetônicos os jovens percorreram seus espaços em dois dias de atividades práticas. O resultado são fotografias que revelam aspectos do cotidiano de Guaramiranga, em narrativas visuais que servem como fontes de informação e memória documental da sociedade. u

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EDUCAÇÃO, ARTE E COMUNICAÇÃO EM GUARAMIRANGA O Pontão de Cultura ECOS, realizador do I Festival Ceará em Ponto, faz parte das ações da Associação dos Amigos da Arte de Guaramiranga AGUA, que trabalha a Educação e a Cultura, mobilizando artistas, educadores, arte-educadores e gestores culturais, comprometidos com a sustentabilidade da Área de Proteção Ambiental (APA) do Maciço de Baturité. Fundada em 10 de outubro de 1992, é uma organização sem fins lucrativos, que tem por finalidades o incentivo e a promoção da arte, da educação e do artesanato. A ECOS – Escola de Comunicação da Serra é um Pontão de Cultura do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura e tem como objetivo “promover o desenvolvimento de competências humanas, promovendo o acesso as novas tecnologias como uma via privilegiava para que os jovens participem, crítica a ativamente, dos processos de democratização, preservação e multiplicação dos bens e das riquezas culturais - incluído o conhecimento e a comunicação de suas comunidades e de seu País”. < 2009 mai.jun.jul

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especial

ENTRE

TAPEBAS E XAVANTES O Pontão de Cultura Aldeia Digital promoverá, em janeiro de 2010, o evento Diálogo entre Aldeias em Caucaia-CE. Trata-se de um encontro entre os índios Xavantes, do Mato Grosso, e os Tapebas, do Ceará. Para mediar o diálogo serão utilizadas estratégias de registro e defesa das memórias e identidades nativas a partir do audiovisual. Índios Xavantes, que já são realizadores de audiovisual, exibirão uma mostra den suas porduções, durante o evento e promoverão a troca de experiência em vídeo com os Tapebas. O Diálogo entre Aldeias será inicialmente realizado com os Tapebas, mas que pretende se estender às outras doze etnias em um futuro próximo. Uma iniciativa que preza pela diversidade cultural cearense, que acredita e investe no apoio ao processo de valorização das identidades indígenas do Ceará, sem esquecer que parte dessa conquista se dá de modo indissociado do caminho de retomada de seus territórios tradicionais. O evento é fruto de uma parceria entre a Aldeia, a Associação das Comunidades dos Índios Tapeba de Caucaia , Ceará e a Associação Warã , Mato Grosso e patrocinado pelo Ministério da Cultura, Secretaria de Cidadania Cultura, Prêmio Areté Cultura Viva – Eventos em Rede. <

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cineclube

NA RUA PRIMAVERA, ÀS QUARTAS-FEIRAS O Cineclube Farol realiza uma sessão semanal na Rua Primavera, no Conjunto São Pedro, sempre as quartas-feiras. A programação, inicialmente destinada a jovens e crianças da área do Morro de Santa Terezinha, molda-se, depois de dois meses de projeções, ao público infantil. Um público ávido por entretenimento que já cria seus rituais. Meninos e meninas esperam o cineclube, se produzem para o encontro semanal, e pautam sua programação. Reivindicam, todas as quartas, a exibição de duas animações: Kutoja – The last knit – nome traduzido pelas crianças por “A mulher do Cabelo” e Qualquer Nota. Os dois vídeos já se tornam referências para as sessões do Cineclube e vem atraindo outras crianças que ali se acomodam com o desejo de ver, principalmente, esses vídeos, mas retornam nas sessões seguintes. Cada quarta-feira cresce o número de meninas e meninas que se acomodam, entre bancos e cadeiras, na rua Primavera, para ver filmes e se expressar em palavras, emoções e gestos o que as exibições lhes provocam.

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UMA SESSÃO BEM ESPECIAL A Rua Primavera, no Mucuripe, fechar-se para exibir filmes e divertir as crianças já é comum nas quartasfeiras. Ao cair da tarde nesses dias, um grupo de crianças já vai se acomodando nas calçadas para assistir à animação Calango ou à famosa Kutoja, traduzida por eles como a velha Mulher do Cabelo. Mas uma quartafeira foi especial. Do carro que trazia o equipamento de projeção, ouvia-se barulho de gente e via-se flashs de câmeras fotográficas. As crianças, curiosas, rodeavam o local para saber o que estava acontecendo ali dentro. De repente, uma música infantil soa alto. Um grupo de estudantes de Comunicação da Universidade Federal do Ceará vestido de palhaço salta do carro, distribuindo balões e alegria por ali. A brincadeira começa. As crianças sonham, pintam, se divertem. Elas criam nomes para os personagens ali e vivem por pequenos momentos histórias que criam de improviso. Soninho vira uma garotinha muda, e as crianças se esforçam para se comunicar em gestos com ela. Falam sobre o que gostam, brincam, pedem pra tirar fotos. Como num passe de mágica, quem chama atenção agora é Tiago, um palhaço atrapalhado que sai pregando peça entre as crianças, vendando-lhe os olhos e levantando-os bem alto. A mágica Daniele é reconhecida. As crianças dizem que sabem que foi ela a moça apelidada por “modelo” há duas semanas atrás, mas fingem se deixar enganar e mergulham no mundo da fantasia. No momento da exibição, a cena muda. As crianças que há pouco estavam eufóricas agora dividem um grande silêncio, afinal é preciso concentração para entender os filmes. A edição especial do Cineclube Farol foi uma parceria com a Liga Experimental, agência júnior da Universidade Federal do Ceará que procura estimular a vivência dos estudantes de Comunicação Social com as comunidades através de parcerias com entidades da sociedade civil. Para Daniel Bandeira, estudante de Publicidade e Propaganda, a importância desse trabalho está “no retorno que a gente dá à sociedade. No trabalho voluntário que a gente oferece ao trabalhar com ONGs e movimentos sociais, além de pensar e realizar ações de Comunicação como um todo. Uma Comunicação que vai além dos mercados e que ressalta nos dá uma melhor compreensão de que estamos estudando uma área das ciências humanas”. < 2009 mai.jun.jul

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perfil

DONA MARIA A esperança repousa, levemente apagada, sobre as calçadas do Conjunto São Pedro, na área do Mucuripe. Enquanto as pessoas parecem ter desistido do bairro que poderia contar a história de Fortaleza, Maria de Oliveira, 52 anos, prefere seguir um caminho diferente. Nascida em Acaraú, interior do Ceará, mudou-se para Fortaleza ainda pequena. Desde que foi morar no Mucuripe, sensibilizou o olhar para a elegância discreta de um bairro que ela prefere caracterizar mais pelas histórias de luta social do que pela violência estereotipada ali hoje. O carinho pelo lugar onde mora há 17 anos e a busca por um mundo melhor motivam Maria de Oliveira a emprestar a calçada de sua casa para a realização de um cineclube dirigido ao público infantil todas as quartas-feiras. “Eu só penso que a minha relação com a comunidade é muito boa aqui, porque eu não faço mal a ninguém. Eu procuro é trazer coisas boas pra cá. Se pudesse, traria muito mais animação”, justifica. Maria de Oliveira aposentou-se cedo por conta de sua deficiência física, fruto de poliomielite quando tinha apenas um ano de idade. As pernas atrofiadas, no entanto, não a prendem numa cadeira de rodas ou mesmo dentro de casa. Maria de Oliveira percorre as ruelas do Mucuripe arrastando-se, mas não leva com ela tristeza ou sentimentos de inferioridade: “Fiquei deficiente, mas mesmo assim não tenho vergonha de mostrar para as pessoas quem eu sou. Mesmo com a doença, não deixei de lutar pela minha vida e nem de ajudar a minha família e o meu bairro”. Mãe de quatro filhos e avó de quatro netos, Maria está o tempo todo procurando estimular a família e os amigos do bairro a buscarem cursos para aprender coisas novas “porque a gente sabe que nosso bairro está precisando de muitas coisas boas. Eu me sinto bem justamente porque eu corro muito atrás das coisas, de fazer cursos de biscuit, de corte e costura. Quero que meus filhos sejam o que eu nunca fui”, revela. Os olhos de Maria brilham quando resolve verbalizar suas idéias para melhorar o Mucuripe. É curso de cinema, de desenho, eventos com palhaços para as crianças, cursos profissionalizantes. Mas enquanto não consegue levar tudo isso para o seu povo, ela já comemora a realização do Cineclube Farol na fachada de sua casa toda quarta, apesar de que “pra comunidade, era bom que esse telão viesse mais vezes por semana porque aqui no morro não tem mais animação de nada”. <

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“Eu gosto de ver as crianças animadas. Se eu pudesse, ajudava a trazer mais divertimento. Já que eu não posso animar pela minha deficiência física, pelo menos estou vendo eles sorrindo, brincando em minha calçada. Eu daria até a casa toda pra ver essa alegria por aqui”. 2009 mai.jun.jul

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entrevista

III FOR RAINBOW Festival de Arte e Cultura da Diversidade Sexual

De 28 de novembro a 02 de dezembro de 2009, acontecerá, em Fortaleza, o III For Rainbow. Em sua terceira edição, o festival amplifica sua programação sobre a diversidade sexual, levando aos públicos além da mostra competitiva de obras audiovisuais, atividades artísticas e culturais que tem como pauta o respeito à livre expressão sexual e o sentido da contrução de uma cultura de tolerância e paz entre os homens. A diretora executiva do For Rainbow, Verônica Guedes, falou a DEXTÁ

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Qual importância e necessidade da realização do Festival For Rainbow? O Ceará detém o triste título de campeão de homofobia nas escolas e tem histórico permanente de práticas discriminatórias e de violência contra as populações LGBT, revelando a necessidade de ações massivas de combate à homofobia e à defesa do direito à livre expressão sexual. E a arte permite abordar, de forma positiva e sob uma infinidade de olhares, todo o universo de questões relacionadas à diversidade sexual. Possibilita também vivenciar e partilhar de modo mais imediato e profundo a idéia de uma consciência social mais generalizada de que nossas semelhanças são maiores do que nossas diferenças. Esta é a idéia norteadora do For, que tem a missão permanente de promover o respeito à livre expressão sexual e de contribuir para o programa "Brasil Sem Homofobia" de combate à violência e à discriminação contra LGTB. Quais as dificuldades encontradas para a realização do Festival? Nossa dificuldade é a captação de recursos. Não é uma dificuldade só nossa, obviamente, todos os artistas e produtores culturais do Ceará passam por isso, invariavelmente. O estado e o município apóiam o For Rainbow todos os anos, por exemplo, mas é sempre uma batalha árdua, uma articulação gigantesca com políticos, etc. Todo ano temos que começar do zero, como se o festival não tivesse existido nos anos anteriores ou que a realidade tivesse mudado com relação às populações LGBT. Toda essa demora nos deixa de mãos atadas para as ações educativas, como por exemplo as nossas oficinas, que já capacitam duzentas pessoas. Para se ter uma idéia, no primeiro ano do festival nossas oficinas produziram oito filmes, no segundo quatro filmes e agora no terceiro teremos apenas um filme, resultado de nossa oficina de animação.

Verônica Guedes ao lado de Ney Matogrosso, na segunda edição do festival.

Como você percebe o cenário atual da produção audiovisual relativos à temática da diversidade sexual no Brasil ? Existe uma produção considerável e de qualidade de filmes relacionados à temática. O festival tem como temática a diversidade sexual então invariavelmente os temas se referem ao exercício da livre expressão sexual, nem sempre com enfoque LGBT. No entanto, a maioria dos títulos se refere a gays, travestis e transexuais femininos (homens com identidade de gênero femina), já a produção de filmes com temática lesbiana é muito pequena. Com relação, por exemplo à filmes referentes a transexuais masculinos (mulheres com identidade de gênero masculina), esse ano é a primeira vez que recebemos um título. Vale ressaltar fazendo um recorte para o Ceará, a produção de filmes com essa temática é quase inexistente. Como os públicos tem recebido as mostras do For Rainbow? A recepção tem sido muito boa, tanto durante os dias do festival, que no ano passado atingiu um público diário de quase mil pessoas, considerando todas as mostras e locais de exibição, como nas nossas itinerâncias, que já percorreram 12 municípios cearenses. No sentido mais amplo, o FOR RAINBOW se configura como um evento de resistência cultural, um espaço libertário. No sentido lúdico, a praça de convivência montada na Praça do Ferreira, durante o festival, lembra as décadas de 70 e 80, quando Fortaleza se misturava febrilmente em meio a uma intensa vivência cultural coletiva, e isso tem atraído um público bem heterogêneo. Tribos das mais variadas matizes se misturam sem distinção de desejos ou orientação sexual.


artigo

TAPEBAS DE

CAUCAIA QUEM SÃO E COMO VIVEM ESSES NOSSOS ÍNDIOS Carmen Luisa Chaves Cavalcante

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O antropólogo Henyo Barretto Filho (1994) informa que, até a década de 80, os estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte foram considerados, pelos registros da FUNAI e em levantamentos produzidos por estudiosos e missionários, como os únicos estados no Brasil, além do Distrito Federal, em que não existiam índios. No Ceará, entretanto, a presença indígena deixou de ser ignorada quando a Equipe de Assessoria às Comunidades Rurais – hoje, Equipe de Apoio à Questão Indígena – da Arquidiocese de Fortaleza passou a atuar no município de Caucaia, junto à coletividade dos tapebas, ou tapebanos. Conforme o autor (1994), a etimologia da palavra tapeba é tupi. Constitui uma variação fonética de itapeva (de itá/tá, i. é, "pedra"; e peva, i. é, "plano", "chato"): "pedra plana", "pedra chata", "pedra polida", etc.. Caucaia, nome do município em que se encontram os tapebas também é de origem tupi. Representa uma variação de ka'a-okai (de ka'a, i. é, "erva", "mato", "bosque", "floresta"; e okai, i. é, "queimar"): "mato queimado", "bem queimado está o mato", "queimada", "mato que se queima". Acredita-se que a formação do povo tapeba seja originária da mistura de alguns povos indígenas – em especial potiguaras, tremembés, jucás e cariris – que transitavam, antes e depois da conquista portuguesa, nas terras que hoje equivalem ao município de Caucaia. De acordo com Barretto Filho (1994), os tapebas foram regularmente missionados por jesuítas na Aldeia de Nossa Senhora dos Prazeres de Caucaia, no período de 1741 a 1759, mas cuja origem remonta a uma época imprecisa, entre os anos de 1607 e 1666. Constituindo um grupo de mais de seis mil integrantes nos dias atuais (SIASI, apud PALILOT, 2009); os tapebas de Caucaia ocupam áreas geográficas diversas e estão divididos em 18 comunidades. Essa situação, por sua vez, faz com que os mesmos se apropriem dos recursos naturais de modos também diferenciados e, inclusive, contrastantes. Barretto Filho (1994) observa que há desde áreas habitadas majoritariamente por tapebas, como a paisagem do tipo rural, em que prioritariamente trabalham na palha, na agricultura (como diaristas e arrendatários) e no "negócio com frutas"; até áreas onde a presença deles é residual, como é o caso dos bairros do perímetro urbano da sede do município, em que predominam o comércio ambulante, os pequenos serviços e o trabalho assalariado. Há também áreas com um padrão de assentamento singular, como é o caso do Trilho, e da(s) Ponte(s). No primeiro, as casas estão distribuídas, longitudinalmente, às margens da Ferrovia Fortaleza-Sobral, num trecho de 2,5 km, em terreno da R.F.F.S.A., entre as barreiras do "corte" e as cercas das propriedades rurais vizinhas. E, na segunda, as casas encontram-se situadas às margens do rio Ceará, nas únicas áreas de aterro sólido do mangue, geradas por ocasião da pavimentação da rodovia BR-222 – cuja ponte sobre o mesmo rio empresta o nome à localidade. No Trilho, vamos encontrar os tapebas vendendo frutas, fabricando carvão vegetal, coletando mudas de plantas de valor ornamental e capturando animais silvestres nas serras para a comercialização. Já nas Pontes, a pesca artesanal de caranguejos, no mangue, e a retirada de areia do leito do rio Ceará são as atividades produtivas principais. Os tapebas mantêm um intenso calendário pautado pelas atividades tradicionais durante todo o ano. Em janeiro iniciam-se as experiências para saber se o inverno será bom, preparando o solo para o início do plantio, que se dá em fevereiro. Em julho dá-se o início da extração da palha da carnaúba. Em agosto é realizado o ritual de purificação das crianças. Em setembro, começa-se o preparo das terras para plantio e colheita da mandioca e o início da fabricação da bebida mocororó. Dezembro é o mês da colheita da mandioca, quando acontecem com mais freqüência as farinhadas, ou celebrações na aldeia em torno do processo de feitura da farinha de mandioca (SILVA, 2007). Esse calendário é hoje organizado através de parcerias entre as diversas associações das comunidades nativas – tais como Associação das Comunidades dos Índios Tapeba de Caucaia (ACITA), responsável por conduzir a luta política e mobilizar internamente as aldeias; a Associação dos Professores Indígenas Tapeba (APROINT); e a Associação Indígena Tapeba de Cultura e Esporte (AINTACE). E associa celebrações tradicionais às comemorações criadas mais recentemente, a partir do contato com grupos e costumes não-indígenas, mas como uma maneira de afirmar a cultura tapeba contemporânea, notoriamente marcada pelos traços da hibridização. Entre essas comemorações encontram-se as festas do Dia do Índio; dos Jogos Indígenas Estaduais; da Fundação da Escola Tapeba, entre outras.

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O contato dos tapebas com grupos não-indígenas é uma constante. De fato, o estabelecimento de relações de trabalho e lazer com os não-índios da região e a ocorrência de casamentos interétnicos, freqüentes ao longo da História, fez com que parte dos tapebas de Caucaia perdesse, por bastante tempo, o interesse no cultivo de mecanismos de distinção e de afirmação étnica. Tal situação, contudo, começou a apresentar elementos significativos de mudança a partir dos anos 80, quando o povo tapeba inicia sua retomada territorial e identitária com o incentivo e apoio do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza (CDPDH). A partir de então, a comunidade tapeba vem conseguindo se organizar como grupo(s) independente(s) da sociedade não-indígena – muito embora com ela intente continuar a estabelecer laços de cordialidade e, sobretudo, de cooperação. Nesse sentido, é que a demarcação de suas terras (área correspondente a 4.658 hectares – demarcada, mas não homologada); a manutenção de um projeto que visa estimular o uso da medicina tradicional; a criação de um centro cultural e comercial para divulgar suas tradições; bem como a implantação de uma escola diferenciada, em que se (re) aprende o tupi, ao mesmo tempo em que se incentivam os mais jovens a lidar com computadores e internet – são conquistas tapebanas que, em grande medida, receberam o apoio do Estado, de ONGs, da Igreja Católica e de Universidades, mas que inexistiriam se não fossem protagonizadas por integrantes da própria comunidade que ainda sofrem ameaças de morte e têm suas famílias e amigos mantidos sob constante estado de tensão, uma vez que declarar-se índio no Ceará dos dias de hoje é, antes de qualquer coisa, o mesmo que assumir uma postura altiva e conflitante perante fazendeiros e grandes empresários locais – em geral, chamados de posseiros. Para a historiadora Ana Lúcia Tófoli (2009), o processo de afirmação étnica tapeba passa a ter maior visibilidade em meio ao processo de mobilização pela regularização do território e ganha força quando se vincula às buscas pela saúde e educação diferenciadas. Segundo ela, nos últimos vinte anos, os avanços conseguidos nessas duas áreas, somados ao crescente diálogo com diferentes agentes sociais e instituições levaram sobremaneira à criação de novas perspectivas e formas de articulação, de modo a alterar significativamente as relações de força entre os tapebas e os seus opositores. No entanto, não a ponto de garantir a principal e mais antiga reivindicação do grupo: a demarcação e a homologação da terra de domínio tapeba. A afirmativa de Tófoli vem ao encontro da observação do antropólogo João Pacheco de Oliveira (2009), segundo quem o Ceará é um dos estados mais atrasados do Brasil no reconhecimento das etnias indígenas e na demarcação de suas terras. Tal situação abarca a existência das treze etnias locais, já que apenas quatro delas são oficialmente reconhecidas – tapebas, tremembés, pitaguarys e jenipapo-kanindé – pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI); e que, até o momento, apenas uma pequena área do vasto território indígena requerido pelos aborígenes cearenses – no caso, o córrego João Pereira, vinculado a um grupo dos índios tremembés – foi demarcado e homologado. <

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