Macumbas e Catimbós - Alessandra Leão

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Macumba cotidiana Juçara Marçal Nunca mando áudios de whatsapp. No máximo, envio melodias pra algum(a) parceiro(a) numa canção. Também sou de mudar de calçada, se pá, até de rua, quando lembro que fui à padaria, por exemplo, e estou voltando pelo mesmo caminho. Vão perguntar que raios essas atitudes cotidianas têm a ver com o assunto em pauta aqui. Ou dirão: "que sujeita supersticiosa!". No entanto, esses exemplos corriqueiros, cada um deles, têm muito fundamento. E por isso é tudo diferente. Quando tem fundamento, tem Macumba. Gosto de pensar que a Macumba não está presente só no terreiro, nos despachos nas encruzas, nos ensinamentos dos livros, nos búzios, nos pontos. A devoção aos Orixás também habita minhas ações mais cotidianas, mesmo vivendo no Centro de São Paulo, urbes até o talo. Um dia a dia povoado de vários gestos sutis, às vezes apenas um jeito de corpo, que de alguma forma, me fazem sentir a presença dos meus ancestrais. Pode parecer um cotidiano muito cheio de dogmatismo esse que descrevo. Mas é justo o contrário. Cada atitude inspirada pelo que é do santo vem pela percepção fina do que de verdade me move. É uma convivência profunda com os deuses. Constatar isso não significa dizer que a divindade age por mim. Ela jamais toma decisões por mim. E também não me enche de culpa se faço besteira. Não exige punição. A atitude errada que tomei é antes um modo de aprender o que em mim é também o diferente, o nunca visto. E, por isso mesmo, me faz olhar para o outro e o respeitar por inteiro: distinção (palavra que abraça ao mesmo tempo a diferença, a dignidade, a amabilidade, o respeito). Prestar atenção a minha ancestralidade me ajuda a viver com distinção. Assim, cada novo caminho, cada dor que me parte, cada alegria de que desfruto, tem a presença do Orixá, como signo de uma trajetória única, como força motriz, como pertencimento, entendimento do mundo. Ainda um último exemplo: outro dia, fui com minha sobrinha de cinco anos à praia. Tava um dia bonito que só, as ondas fortíssimas, e o mar não estáva gelado como de costume. Brincamos a valer, na água, agitação total; e depois na areia, construindo castelos, fazendo túneis. A um certo momento, dei a ideia de a gente ir até o riozinho que corta a praia ao meio. E lá fomos nós!


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