Loanny costa tcc

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FANOR - FACULDADES NORDESTE CURSO DE DESIGN

LOANNY COSTA CARNEIRO

ANÁLISE GRÁFICA EDITORIAL DO MANGÁ DEATH NOTE

FORTALEZA 2015


LOANNY COSTA CARNEIRO

ANÁLISE GRÁFICA EDITORIAL DO MANGÁ DEATH NOTE

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Curso de Design das Faculdades Nordeste - FANOR, como requisito para obtenção do título de bacharel. Orientador: Prof. Ms. Ranielder Fábio de Freitas.

FORTALEZA 2015


LOANNY COSTA CARNEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Curso de Design das Faculdades Nordeste - FANOR, como requisito para obtenção do título de bacharel. Orientador: Prof. Ms. Ranielder Fabio de Freitas. Aprovado dia: ____/____/____.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________ Prof. Ms. Ranielder Fabio de Freitas Orientador – FANOR

_____________________________________________ Prof.ª Esp. Maria Aurileide Ferreira Alves Examinadora – FANOR

_____________________________________________ Prof.ª Msa. Maria Julianna Formiga Moura Sinval Examinadora – FANOR


Dedico este trabalho ao meu pai Antônio José, minha mãe Lourane a minha querida irmã Ana Isabela, ao meu avô Hugo Costa (in memoriam) e a minha avó Maria Glauba Sampaio.


AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Antônio José e Lourane por terem me ensinado a viver do modo mais simples, honesto e digno. Pelo exemplo de dedicação e perseverança que sempre transmitiram, por terem me instruído segundo o caminho cristão e pela oportunidade que me deram de estudar, mesmo com todas as dificuldades. A minha amada irmã Ana Isabela pela força e companheirismo nos momentos difíceis e pelo apoio moral durante as várias madrugadas. Ao meu amado avô, Francisco Hugo (in memorian), que mesmo sem entender o que eu estudo sempre me apoiou e incentivou a minha formação no ensino superior. A minha avó que da mesma forma espera que eu consiga alcançar os meus objetivos. Ao meu namorado Victor Leôncio, por toda força e apoio nessa etapa tão importante da minha vida. 君が好きです。どうもありがとうございます。 Às pessoas que tive o prazer de conhecer na faculdade e que hoje em dia são mais do que irmãos pra mim. Em especial aos amigos Mozart Delano e Daniel Lima, pelo respeito, confiança e pela oportunidade que me deram para que eu pudesse crescer como pessoa e como profissional. Ao meu professor orientador Ranielder Fabio pela paciência, por acreditar no meu projeto e por estar sempre disposto a me ajudar. Aos professores que foram os responsáveis pela minha formação acadêmica e que sempre acreditaram em mim: Chico Neto, Carlos Gibaja, Wendel Alves, Humberto Alves, Thiago Occiuzzi, David Suárez, Paula Picanço, Daniel Moreira, Juliana Formiga e Aurileide Alves. Obrigada pela paciência e pelo incentivo a continuar no curso e correr atrás dos meus objetivos. Aos meus professores e amigos do curso de japonês da Universidade Estadual do Ceará, em especial à professora Laura Iwakami e aos professores Jadilton Pereira e Wadison Melo. 本当にどうもありがとうございます。皆さんのおかげで強くになり ました。 E aos familiares e amigos que torcem por mim.


RESUMO No Japão as histórias em quadrinhos são chamadas de manga (mangá). O mangás possuem uma vasta quantidade de temas, gêneros e uma linguagem própria e fascinante. Além dessas características, as revistas possuem formatos que dependem de fatores tais como: as histórias, o tempo de carreira dos desenhistas e até a aceitação do público. Considerando o mangá como um objeto que pode contribuir para com a formação de conhecimento por meio de artefatos impressos, o seguinte trabalho tem como objetivo analisar os elementos da comunicação visual e da Arte Sequencial presentes na composição do quadrinho japonês e a relação existente entre o artefato e o design. Para tanto, o objeto de estudo será o mangá Death Note (edição japonesa) de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata. Sendo assim, para a realização do presente trabalho a metodologia seguirá um estudo qualitativo onde as etapas da análise contemplarão: a seleção das páginas e análise das mesmas embasadas nos elementos da comunicação visual e da Arte Sequencial. A análise das páginas constatou a importância que o mangá exerce para a produção de conhecimento de forma geral visto que os elementos encontrados nas páginas selecionadas foram de encontro o referencial teórico estudado. O ponto, a linha e a forma foram alguns dos elementos abordados nessa pesquisa, bem como o uso dos recursos de organização e composição do cenas, propostas pela arte sequencial. Foi possível evidenciar que o mangá é uma excelente fonte de pesquisa para o design editorial and the creation of printed materials. Palavras-chave: Design Editorial. Mangá. Arte Sequencial. Quadrinhos Japoneses. Comunicação Visual.


ABSTRACT In Japan, comics are manga calls manga. The manga have a vast amount of subjects, genres and a fascinating own language. In addition to these features, the magazines have formats that depend on factors such as the stories, the Designers career time and to public acceptance. Considering the manga as an object that can contribute to knowledge through printed articles the next job is to analyze the elements of visual communication and Sequential Art in the composition of the Japanese comic and the relationship between the artifact and the design. Therefore, the object of study will be the Death Note manga (Japanese edition) of Tsugumi Ohba and Takeshi Obata. So to carry out this work the methodology followed by a qualitative study where the analysis steps contain: the selection of pages and analysis of them based in the elements of visual communication and Sequential Art. Analysis of the pages noted the importance that the manga exercises for the production of knowledge since the elements found on selected pages were against the theoretical study. The point, line and form were some of the elements covered in this research, and the use of organizational resources and composition of scenes, proposed by sequential art. It became clear that the manga is an excellent resource for editorial design Keywords: Editorial Design. Manga. Sequential Art. Japanese comics. Visual Communication.


“Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo,- pela graça sois salvos” Efésios 2:4:5


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Personagens principais de Death Note. ..................................................... 15 Figura 2: Fragmento de um pergaminho. .................................................................. 17 Figura 3: Ukiyo-e Sunshu Honganji – Parte da série das 36 vistas do Monte Fuji. ... 18 Figura 4: Hokusai Mangá. ......................................................................................... 19 Figura 5: Osamu Tezuka. .......................................................................................... 20 Figura 6: Primeiro mangá de Astro Boy. ................................................................... 21 Figura 7: Recomendações ao leitor iniciante............................................................. 22 Figura 8: Ordem de leitura......................................................................................... 23 Figura 9: Capas das edições japonesas de Naruto. .................................................. 24 Figura 10: Mangazasshi Shounen Jump. .................................................................. 26 Figura 11: Capa da Revista Shounen Jump – Abril de 2015 ..................................... 27 Figura 12: Capa da Mangazasshi Betsuma - Janeiro de 2015. ................................. 28 Figura 13: Fragmento do mangá Aoharaido. ............................................................. 29 Figura 14: Mangá Monster de Naoki Urasawa .......................................................... 33 Figura 15: Mangá All You Need is Kill de Takeshi Obata. ......................................... 34 Figura 16: Mangá Aoharaido de Sakisaka Io. ........................................................... 35 Figura 17: Mangá Bersek de Kentaro Miura. ............................................................. 36 Figura 18: Mangá Dragon Ball de Akira Toriyama. .................................................... 37 Figura 19: Mangá One Piece de Eiichiro Oda. .......................................................... 38 Figura 20: Mangá Doctor Slump - momento-a-momento. ......................................... 40 Figura 21: Mangá Doctor Slump - ação-pra-ação. .................................................... 40 Figura 22: Mangá Doctor Slump - tema-pra-tema. .................................................... 41 Figura 23: Mangá Doctor Slump - cena-a-cena......................................................... 41 Figura 24: Mangá Doctor Slump - aspecto-a-aspecto. .............................................. 42 Figura 25: Transição Non-sequitur ............................................................................ 42 Figura 26: O caderno é o ponto................................................................................. 47 Figura 27: O elemento de destaque. ......................................................................... 48 Figura 28: A tensão provocada pelas linhas. ............................................................ 49 Figura 29: Linhas, movimento e direção. .................................................................. 50 Figura 30: Quadros e enquadramento. ..................................................................... 51 Figura 31: A tensão sem palavras. ............................................................................ 52 Figura 32: Clímax enquadrado. ................................................................................. 53


Figura 33: Impacto visual. ......................................................................................... 55 Figura 34: O efeito sonoro da fala. ............................................................................ 56 Figura 35: O efeito sonoro da onomatopeia. ............................................................. 57 Figura 36: Bang, bang! Don, don! ............................................................................. 58


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 11 1.1 INSERÇÃO DO PESQUISADOR NA TEMÁTICA DO ESTUDO ........... 11 1.2 DELIMITAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E OBJETO DO ESTUDO .......... 11 2 OBJETIVOS .............................................................................................. 16 3 O MANGÁ ................................................................................................. 17 3.1 ORIGEM E DEFINIÇÃO ......................................................................... 17 3.2 EXPLORANDO O MANGÁ .................................................................... 22 3.2.1 Principais características ................................................................. 22 3.2.2 Formatos e gêneros .......................................................................... 24 3.3 A HISTÓRIA DE DEATH NOTE ............................................................. 29 4 COMUNICAÇÃO VISUAL ........................................................................ 30 4.1 DESCRIÇÃO DOS ELEMENTOS .......................................................... 31 4.1.1 O ponto............................................................................................... 31 4.1.2 A linha ................................................................................................ 32 4.1.3 Forma e enquadramento................................................................... 33 4.1.4 A cor ................................................................................................... 34 4.1.5 A tipografia ........................................................................................ 35 4.2 A ARTE SEQUÊNCIAL .......................................................................... 38 5 METODOLOGIA ....................................................................................... 42 6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ....................................... 45 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 59 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 61


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1 INTRODUÇÃO 1.1 INSERÇÃO DO PESQUISADOR NA TEMÁTICA DO ESTUDO Quando comecei a estudar japonês e a conhecer a cultura do Japão, descobri o mangá (manga1), o quadrinho japonês. O caminho que fiz para chegar até o mangá foi diferente da maioria das pessoas que estuda a língua nipônica, tendo o mangá como o último contato após conhecer o idioma e a cultura do país. O mangá contém uma variedade temática rica e uma linguagem própria e cativante, me auxiliando até hoje no aprendizado de japonês, pois as histórias narradas, os detalhes das ilustrações e a organização dos elementos na página são muito bem pensados e estruturados, fazendo com que a minha atenção se volte a ele, contribuindo para com o meu aprendizado. Além disso, o que também despertou interesse em analisar o mangá foi saber que existem diferentes tipos de publicações, como por exemplo a mangazasshi2: um tipo de revista de aproximadamente 500 páginas, impressa em papel de baixa qualidade e em cores, traz em primeira mão algumas histórias antes mesmo de serem publicadas separadamente. Já outros formatos, dependem da resposta que a editora tem com o público sobre determinada história e são divididos em gêneros de acordo com o assunto abordado. Pensando na relação existente entre o design editorial e o processo de criação dos quadrinhos japoneses e em como o mangá pode ser um objeto de estudo importante para o desenvolvimento de layouts para impressão, surgiu o interesse em realizar o presente estudo. Buscando analisar os elementos verbovisuais utilizados nesse artefato, espero contribuir para o processo de formação do conhecimento em Design por meio do uso de instrumentos de comunicação impressos.

1.2 DELIMITAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E OBJETO DO ESTUDO Conforme McCloud (1995) o quadrinho “[...] é um meio por onde o público é um colaborador consciente e voluntário, e a conclusão é o agente de mudança, Manga, em japonês 漫画, é o nome que se dá ao quadrinho japonês. A palavra embora acentuada oralmente em japonês, recebeu o acento em português para não ser pronunciada como manga (fruta ou manga de camisa). 2 A Mangazasshi, em japonês 漫画雑誌– São revistas que compilam histórias de mangás que ainda não foram publicados e capítulos novos de mangás de sucesso. 1


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tempo e movimento”. Nesse artefato impresso, há elementos básicos que podem ser aprendidos e compreendidos por todos os estudiosos dos meios de comunicação visual, sejam eles artistas ou não, e que podem ser usados, em conjunto com técnicas manipulativas, para a criação de mensagens visuais claras. O conhecimento de todos esses fatores pode levar a uma melhor compreensão das mensagens visuais. As revistas em quadrinhos do Japão são conhecidas no ocidente como mangás. Este artefato é impresso no ocidente em papel jornal, em preto e branco e em edições especiais as páginas introdutórias são coloridas. Assim como no Japão, são classificados de acordo com o sexo e a faixa etária do leitor e o gênero das histórias. O mangá possui características próprias que foram aperfeiçoadas durante anos até chegar ao formato conhecido atualmente. Esses elementos que caracterizam a personalidade do mangá, segundo Moliné (2004) são identificadas pelo que ele chama de “detalhes ideológicos” - variedade de temas, psicologia dos personagens, ritmo narrativo, layout dos quadrinhos, balões e outros recursos gráficos. Geralmente os mangás ganham adaptações para a televisão em forma de anime3, para o cinema e até para o teatro. Quando o mangá alcança um grande sucesso a adaptação para TV ou cinema é feita com atores a fim de tornar a experiência a mais real possível. “O mangá ajuda crianças e adultos a sonhar e, por meio de seus personagens preferidos, realizar os seus desejos” (GARCÍA, 2010, p.100). Considerando o mangá como um artefato impresso, pode-se categorizá-lo como um produto intrínseco ao design gráfico. Visto a análise do comportamento de seus elementos básicos, como ponto, linha, forma, cor ritmo, equilíbrio dentre outros – podem trazer contribuições a diversos conhecimentos, entre eles o design, assumindo características de uma linguagem que pode ser percebida e decodificada. Conforme Samara (2010) saber manipular essas percepções usando esses elementos oferece ao designer um poderoso meio de comunicação. A mensagem que o quadrinho pretende transmitir pode ser analisada e Anime, em japonês アニメ, é como são conhecidas as animações japonesas. A palavra é derivada de animation do inglês. 3


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compreendida sob o ponto de vista da Arte Sequencial, visto que o quadrinho se comunica através de imagens justapostas em sequência e de acordo com as transições de quadro-a-quadro. Conforme McCloud (1995) a imaginação humana capta as imagens e transforma em ideias. Assim, as histórias em quadrinhos comunicam numa “linguagem” que se vale da experiência visual comum ao criador e ao público. Pode-se esperar dos leitores modernos uma compreensão fácil da mistura imagem-palavra e da tradicional decodificação de texto (EISNER, 2001, p.7). Para Dondis (2007, p.51), são muitos os pontos de vista a partir dos quais podemos analisar uma obra visual; um dos mais reveladores é decompô-la em seus elementos constitutivos, para melhor compreender o todo. Esse processo pode proporcionar uma profunda compreensão da natureza de qualquer meio visual, e também da obra individual e da pré-visualização e criação de uma manifestação visual, sem excluir a interpretação e a reposta que a ela se dê. Diante às considerações, o presente estudo incita uma aproximação na análise dos elementos básicos da comunicação visual presentes no mangá e como a Arte Sequencial contribui na comunicação para a formação do conhecimento por meio desse instrumento. O objeto de análise desse estudo será o mangá Death Note4. História de Tsugumi Ohba e ilustrações de Takeshi Obata, Death Note (Figura 1) foi lançado no Japão em 2003, pela revista Shounen Jump 5 , da editora Shueisha. Tendo alcançado grande sucesso, a história rendeu um anime com 37 episódios, 3 live actions6 e até uma adaptação musical para o teatro. A editora brasileira Japan Brazil Communication (JBC) foi a responsável pela publicação do mangá em português no Brasil, em 2007. Segundo a editora, todos os volumes de Death Note ocuparam a posição dos 10 mangás mais vendidos no Japão e nos Estados Unidos.

Death Note: “Caderno da morte”. Shounen Jump, em japonês 少年ジャンプ: revista semanal voltada para o público masculino. 6 Live action: adaptação de uma obra para o cinema com atores reais. 4 5


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Figura 1: Personagens principais de Death Note.

Fonte: http://manga-zip.net/archives/8443.html, volume 04, p. 52 e53.


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2 OBJETIVO O objetivo geral do presente trabalho é analisar os elementos básicos da comunicação visual presentes no mangá Death Note, tal como descrever como a Arte Sequencial pode contribuir para a formação de conhecimento, incluindo o design. Para isso, serão traçados os seguintes objetivos específicos: a) Relacionar os elementos presentes de acordo com os fundamentos básicos da comunicação visual; b) Descrever como esses elementos são responsáveis pela composição das cenas; e, c) Descrever como a Arte Sequencial é utilizada para comunicação da ideia central do mangá.


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3 O MANGÁ 3.1 ORIGEM E DEFINIÇÃO O Mangá tem a sua origem no Japão a partir do Século XI, graças ao monge Kakuyu Toba, que desenhava histórias de cunho humorístico em grandes rolos de papel de arroz. A série de pergaminhos (Figura 2) que representava coelhos, rãs, macacos, entre outros animais, “é um clássico da arte cômica japonesa do século XII, no qual aparecem animais antropomorfizados satirizando as

condições

sociais da época” (LUYTEN, 2012, p.79).

Figura 2: Fragmento de um pergaminho.

Fonte: http://akituya.gooside.com/choujyu_allall.htm.

Nos séculos seguintes o Japão foi aperfeiçoando as suas técnicas à medida que apareciam outros suportes gráficos como, por exemplo, a madeira. Os ukiyo-e7, eram gravuras feitas a partir de pranchas de madeira (xilogravura). Essas gravuras, geralmente, tinham uma temática cômica ou erótica que alcançavam boa repercussão na época. De acordo com Moliné (2004) os ukiyo-e eram apreciados pelos populares e seus criadores preferiram a crítica social e a sátira à perfeição estética. Ainda sobre essa técnica, as estampas de ukiyo-e representam cenas típicas da época (Era Edo 1600 – 1868) como apresentações

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Ukiyo-e: técnica de pintura japonesa semelhante à xilogravura.


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de kabuki8, retratos de gueixas, samurais, lutadores de sumô, de viajantes e até das colheitas de arroz com o Monte Fuji ao horizonte (Figura 3). Através dessa técnica era possível reproduzir um mesmo desenho infinitas vezes, tornando o processo bem mais barato do que a reprodução em pergaminhos, visto que o custo das pranchas era bem mais barato do que outros materiais. Figura 3: Ukiyo-e Sunshu Honganji – Parte da série das 36 vistas do Monte Fuji.

Fonte: http://ukiyo-e.org/.

Katsushika Hokusai (1760 – 1849), um dos mais famosos pintores e xilo gravuristas que usavam a técnica de ukiyo-e da época, foi o primeiro a desenvolver uma série encadernada intitulada Hokusai Mangá (Figura 4) e a usar o termo mangá para se referir a esse tipo de trabalho. A palavra mangá, em japonês 漫 画 , é o resultado da união dos caracteres “man” que significa involuntário e “ga” que significa imagem ou desenho. Assim, as “imagens involuntárias”, que eram tudo relacionado à caricatura ou ao humor gráfico deram um grande salto a partir de Hokusai. Apesar do pintor ter sido o propulsor dessa

Kabuki, em japonês 歌舞伎: tradicional forma de teatro japonês que apresenta performances com música e dança. 8


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expansão do mangá, a palavra só foi adotada anos depois por meio do desenhista Rakuten Kitazawa na nova era nipônica, a Era Meiji. Figura 4: Hokusai Mangá.

Fonte: https://www.studyblue.com

Até a década de 20 os japoneses se prendiam aos assuntos e estilos artísticos norte-americanos, traduzindo e publicando suas histórias, tendo como grande influente o inglês Charles Wirgman. Com o tempo os japoneses perceberam que as histórias e o tipo de humor não tinham conexão com a realidade vivida por eles. Foi quando resolveram iniciar as suas genuínas publicações. Seguindo a evolução da imprensa e a influência dos comics 9 estrangeiros, o mangá começou a alcançar escala industrial. Todavia, as tirinhas da época ainda estavam muito aquém dos mangás que conhecemos hoje. A essência do mangá atual só foi possível graças a Osamu Tezuka (1928 – 1989). Ele é considerado o pai dos mangás em todo o mundo. Em 1947 a sua primeira obra vendeu 400 mil exemplares logo de início (GARCÍA, 2010, p.98). As suas obras mais famosas e mais importantes são Buda, Fênix, Metrópolis e Astro Boy. Em todas elas Tezuka (Figura 5) transmitia os valores fundamentais da sociedade japonesa, tais como a perseverança, o respeito, a esperança e o reconhecimento da fraqueza do ser humano. Tendo presenciado os horrores da 9

Histórias em quadrinhos produzidos nos Estados Unidos ou no estilo de ilustração característico dos americanos.


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Segunda Guerra, o mangaká10 também faz uma crítica à imaturidade humana. Ainda segundo o autor (p.98), foi Tezuka quem criou as bases do mangá moderno, adicionando características dos quadrinhos norte-americanos à tradição artística japonesa (Figura 6), possibilitando o surgimento de algo novo, de uma categoria artística que em pouco tempo tomou conta das livrarias, bibliotecas e bancas de revista do país.

Figura 5: Osamu Tezuka.

Fonte: http://tezukaosamu.net/jp/about/album02.html.

Deu tudo por sua paixão e por seu trabalho, com perseverança e dedicação tipicamente japonesas. Seu legado não foi apenas escrito e desenhado: seu trabalho criou a cultura do mangá, fazendo jus as suas previsões de que essa era uma categoria artística com extremo potencial de crescimento. (GARCÍA, 2010, p.98)

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Mangaká, em japonês 漫画家, é o desenhista dos mangás.


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Figura 6: Primeiro mangá de Astro Boy.

Fonte: http://tezukaosamu.net/jp/manga/291.html.

Logo, outros artistas se inspiraram nas obras de Osamu Tezuka, fazendo com que o mangá se expandisse para o mercado estrangeiro. Com isso, o mangá se tornou ainda mais conhecido por diversos países.


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3.2 EXPLORANDO O MANGÁ 3.2.1 Principais características O ponto que chama mais a atenção do leitor é sem dúvida a ordem de leitura: da direita para a esquerda, de cima para baixo (Figura 8). A capa está localizada na nossa contracapa, e vice-versa. Ou seja, o que no ocidente seria o fim da revista, no Japão é o início. Os quadros e balões que contém os diálogos seguem a mesma regra. As edições estrangeiras que não adotam o sistema de leitura oriental colocam um aviso na contracapa dos quadrinhos (Figura 7) para aqueles que ainda não estão familiarizados com o mangá: “Pare!! Ei! Você está começando a ler o seu mangá pelo lado errado!!!”, entre outras recomendações de leitura. Figura 7: Recomendações ao leitor iniciante.

Fonte: http://minhasescriturasdih.blogspot.com.br/2015/02/resenha-coletiva-5-princesa-e-o.html


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Figura 8: Ordem de leitura.

Fonte: http://blogohashi.com/tag/manga


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Diferente dos quadrinhos que encontramos no ocidente o mangá se destaca por suas histórias de enredo profundo e contínuo, sendo possível acompanhar o crescimento e desenvolvimento dos personagens no mesmo ritmo que o impresso é publicado (Figura 9). Ou seja, os personagens se transformam fisicamente e psicologicamente durante a trama, desenvolvendo valores, defeitos e sentimentos, tais como amizade, companheirismo, respeito, choro, risos, etc. (MOLINÉ, 2004, p.30). Outro ponto que que merece destaque é a importância do autor. Se por acaso o mangaká que estiver com a obra em andamento morrer, geralmente o mangá também deve ser encerrado. Figura 9: Capas das edições japonesas de Naruto.

Fonte: http://www.shonenjump.com/j/rensai/list/naruto.html

De acordo com Moliné (2004, p.32), outra característica inerente ao mangá é a forma como o Japão e os costumes do povo japonês são explorados, possibilitando o aprendizado da cultura e folclore do país. De coisas simples como


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a vestimenta, o modo de sentar, de se curvar em forma de agradecimento ou respeito, o porquê de tirar os sapatos antes de entrar em casa até aos rituais como a Cerimônia do Chá, entre outros, o mangá possibilita ao leitor uma verdadeira viagem ao Japão. 3.2.2 Formatos e gêneros No Japão existem vários tipos de formato de mangá. Todavia, os formatos a seguir são os três tipos básicos de mangá: A mangazasshi, o tankoubon e o bunkobon. Eles variam de acordo com o trabalho do mangaká, com a popularidade alcançada, se a edição é especial ou de colecionador; Alguns fatores são determinantes para a escolha do tipo de encadernação. Mangazasshi (Figura 10) é uma revista de aproximadamente 500 páginas que contem cerca de 20 histórias diferentes e são as revistas pelas quais os mangakás novatos começam a divulgar os seus trabalhos (GARCÍA, 2010, p.101). Como o período de publicação é semanal e por ocuparem muito espaço, depois de usadas, as mangazasshi são descartadas. O material usado na impressão é de baixa qualidade, sendo impressas em papel jornal e as cores podem variar entre branco, amarelo, verde, laranja, etc; e a tinta também varia entre preto (cor principal), azul, verde, etc. Conforme Moliné (2004), dentro de cada mangazasshi existem formulários com enquetes promovidas pelas editoras para que os leitores votem e opinem sobre as histórias presentes na revista. As mais votadas ganham maior visibilidade e podem vir a ser publicadas separadamente no formato de tankoubon. Já aquelas histórias de baixa repercussão não são mais publicadas pela revista. O Tankoubon por sua vez, é o formato encadernação de uma história oriunda da mangazasshi, contem cerca de 200 páginas e é do tamanho de um livro de bolso, algo entre 13x18cm. São publicadas em preto-e-branco, mas em algumas edições as páginas introdutórias são coloridas. Não é muito comum encontrar edições completamente coloridas, exceto quando se trata de edições especiais. Para Moliné (2004) esse formato é a “mina de ouro” das editoras.


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O Bunkobon é similar ao tankoubon só que menorzinho, em torno de 10,5x14,8cm. O número impressos nesse formato é bem menor do que os demais, pois se trata de um formato para colecionador. Além de diferentes formatos, o mangá também conta com uma grande variedade de gêneros e temas alcançando um público que vai de crianças até adultos. Os gêneros mais populares são o shounen11 e shoujo12, para menino e menina, respectivamente. O shounen (Figura 11) é o gênero do mangá que será analisado nesse trabalho de conclusão de curso. A temática dos shounen é bastante variada: aventuras de super-heróis, batalhas entre robôs, partidas de futebol, torneios de artes marciais e mais uma infinita lista de assuntos incluindo até mesmo o cotidiano dos estudantes. Os mangás Ataque de Titãs, One Piece e Assassination Classroom são exemplos de mangás que estão em alta no Japão e aqui no Brasil, segundo o ranking de vendas de mangá (CHUNAN, Chuva de Nanquim. Ranking Oricon

de

Vendas

de

Mangás:

04

a

10

de

Maio.

Disponível

em:

<http://chuvadenanquim.com.br/2015/05/16/ranking-oricon-de-vendas-de-mangas04-a-10-de-maio>. Acesso: 17 de maio de 2015. Figura 10: Mangazasshi Shounen Jump.

Fonte: http://gigazine.net/news/20091231_jump_2009_matome/

Shounen, em japonês 少年, significa: rapaz, jovem, adolescente. No mercado dos quadrinhos a palavra é usada para indicar que o público consumidor da revista é predominantemente masculino. 12 Shoujo, em japonês 少女, significa: menina, garota, moça. No mercado dos quadrinhos a palavra é usada para indicar que o público consumidor da revista é predominantemente feminino. 11


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Figura 11: Capa da Revista Shounen Jump – Abril de 2015

Fonte: http://manga-zip.net/archives/59334.html.


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O shoujo é o gênero voltado para as meninas. A temática é menos variada e quase sempre as histórias estão centradas em uma garota que tem um amor não correspondido e que faz de tudo para conseguir ser vista pelo garoto de quem ela gosta. O melodrama e o romantismo estão presentes no shoujo, assim como as separações e rivalidades entre amigas também. “Nos femininos, vemos tudo o que a mulher não é, porém gostaria de ser: um padrão de beleza diferente, desejada pelo homem e livre em seus atos” (LUYTEN, 2012, p. 176). Em pesquisa no site brasileiro especializado em mangá, Chuva de Nanquim, enquanto que a Shounen Jump é a revista mais popular entre os meninos, a revista Betsuma (Figura 12), por sua vez, é a queridinha das meninas japonesas (CHUNAN, Chuva de Nanquim. Especial – Apresentando as revistas japonesas:

Betsuma.

Disponível

<http://chuvadenanquim.com.br/2015/04/26/especial

em:

apresentando-as-revistas-

japonesas-betsuma>. Acesso em: 09 de Maio de 2015). Figura 12: Capa da Mangazasshi Betsuma - Janeiro de 2015.

Fonte: http://chuvadenanquim.com.br/2015/04/26/especial-apresentando-as-revistas-japonesasbetsuma.


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Mesmo com a predominância masculina, o shoujo é feito, em sua maioria, por mulheres. Aoharaido (Figura 13) é o exemplo de shoujo mais vendido em 2014 e é de autoria feminina, da mangaká Sakisaka Io. Figura 13: Fragmento do mangá Aoharaido.

Fonte:http://chuvadenanquim.com.br/2015/04/11/review-aoharaido-de-sakisaka-io/

Graficamente, a estrutura dos grids, o tipo de traço do ilustrador, o enquadramento das cenas, e outros elementos inerentes às características de cada gênero são bem diferentes. Essa é a grande graça do mangá. Gêneros e histórias para todas as idades e gostos. No Japão as revistas podem ser adquiridas nas estações de trens ou metrôs, em lojas de conveniência, em lojas especializadas ou em máquinas (como as que vendem cigarros, bebidas, etc.). Já no Brasil, nos sites da próprias editoras e nas livrarias especializadas.


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3.3 A HISTÓRIA DE DEATH NOTE A história de Death Note, objeto do presente estudo, é um thriller policial, investigativo, com elementos sobrenaturais. O mangá narra a história do estudante japonês Light Yagami que encontra um caderno capaz de matar as pessoas que têm o seu nome escrito nele. Ao possuir o caderno, além de conquistar o poder de decisão sobre quem pode matar, Light ganha um novo amigo: um shinigami 13 chamado Ryuuku. Esse shinigami era o antigo dono do caderno que por um descuido o deixou cair na Terra. Movido pela sede de justiça, Yagami passa a exterminar todos aqueles que de algum modo estejam envolvidos em crimes no Japão. Devido ao número crescente de mortes, a polícia japonesa monta uma estratégia para identificar o responsável pelos homicídios em massa. A ação mobiliza as forças de defesa de vários países e dentro desse contexto, surge mais um personagem que irá de encontro aos interesses de Kira: “L”, um dos maiores detetives do mundo. Nesse momento Yagami é Kira, o “deus do novo mundo”. A partir daí a história desenrola uma caçada incansável de L para encontrar Kira.

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Shinigami, em japonês 死神 que dizer: deus da morte.


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4 COMUNICAÇÃO VISUAL De acordo com Munari (2006), todas as coisas que enxergamos é comunicação visual. Todas essas imagens são decodificadas de maneira e intenções diferentes e que elas têm o seu valor. Considerando as suas afirmações, podemos inserir o design nesse contexto pois se trata de uma atividade que organiza estruturas, estabelece regras e traduz as mensagens em um contexto mais coeso. Entender o significado de um objeto é uma tarefa que requer, na maioria das vezes, o conhecimento prévio dos elementos que o compõem. A partir do momento que se adquire esse conhecimento, é possível explorar esse objeto e tirar o máximo de proveito de sua função. É válido também considerar que a criação de um objeto pode seguir o mesmo caminho, porém é necessário mais do que conhecimento prévio, é preciso conhecer também o ambiente onde o objeto sofrerá interações, qual a razão para a sua existência e o que ele pretende comunicar. O designer gráfico Rand (apud Samara, 2010, p.6) fala sobre a importância de compreender a função do design e em reconhecer que o design é muito mais do que uma simples organização de informações, é uma forma de agregar valores e significado às coisas, “[...]é iluminar, simplificar, esclarecer, modificar, dignificar, dramatizar, persuadir e talvez até mesmo entreter” (RAND, apud Samara, 2010, p.6). Logo, reunir ideias, símbolos, conceitos visuais, tipos, materiais, com o objetivo de organizá-los de maneira que a mensagem que se pretende transmitir seja unificada, resultando no entendimento do público final é uma das tarefas básicas de um designer gráfico. Conforme Samara (2010) traduzir as mensagens de forma que o indivíduo se emocione e seja estimulado intelectualmente é uma das funções da comunicação. Considerando o exposto, podemos considerar que o trabalho de um mangaká é semelhante ao de um designer, visto que ele tem o desafio de entender o que o autor da obra deseja transmitir, decodificar e unificar a mensagem através de uma linguagem clara e de fácil entendimento, usando palavras e imagens. 4.1 DESCRIÇÃO DOS ELEMENTOS


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Já foi citado anteriormente como o designer gráfico é o agente transformador de ideias e de conceitos, em mensagens visuais que podem ser entendidas pelo público. E que o design é importante para fazer valer o entendimento dos conceitos, visto que uma de suas funções é organizar e estruturar dados, conforme (RAND, apud Samara, 2010). Considerando isso, Munari (2006, p.69) e Dondis (2007, p.52) compartilham da mesma opinião quando falam da importância de se estudar os elementos visuais separadamente para compreender uma mensagem. Assim, os elementos visuais a seguir servirão de base para a análise do objeto de estudo deste trabalho. 4.1.1 O ponto O ponto é dos elementos visuais a unidade mais simples. Pode ser reconhecido no espaço como um sinal ou uma marca visível. Para Lupton (2008), através de sua dimensão, posição e relação com o ambiente ele pode expressar sua própria identidade ou misturar-se à massa. Uma imagem, por exemplo assume a identidade de um ponto quanto esta exerce uma posição de destaque na página tornando-se o centro da atenção. Para Dondis (2007, p.45) a imagem serve como uma referência aos outros elementos de uma página, visto o seu posicionamento na página. Considerando isso, é vital para o quadrinho o entendimento desse elemento para que se possa determinar o ato de composição da página.


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Figura 14: Mangá Monster de Naoki Urasawa

Fonte: https://hansangel.wordpress.com/2013/04/05/manga-review-monster/

4.1.2 A linha A linha contribui para o processo visual, assumindo formas retas ou curvas, contínuas ou tracejadas. A característica essencial desse elemento é a conexão. Diferente do ponto, ela se caracteriza pela ideia de movimento, direção e dinamismo, viajando entre vários pontos. Conforme Samara (2010, p.48-50) o comportamento das linhas difere dos pontos por que elas são capazes de delimitar os espaços, criar seções como também unir espaços e objetos. É um elemento que auxilia a compreender o movimento e a direção das ações. Elas são capazes de indicar o começo e o fim de um quadro. Nos quadrinhos as linhas são responsáveis por representar o invisível, carregando um grande potencial expressivo nelas. Por meio do uso das linhas, o comunicador é capaz de transmitir ritmo e movimento à um elemento estático. “[...] a linha é o meio indispensável para tornar visível o que ainda não pode ser visto, por existir apenas na imaginação” (DONDIS, 2007, p.).


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Figura 15: Mangá All You Need is Kill de Takeshi Obata.

Fonte: http://www.mangareader.net/all-you-need-is-kill/4/8

4.1.3 Forma e enquadramento As formas são planos limitados por linhas. Das três formas básicas, o quadrado é a forma mais utilizada nos quadrinhos. Conforme McCloud (1995, p.98) os quadros são recipientes onde encontramos o vocabulário dos quadrinhos. Através deles pode-se estruturar um layout, definir os espaços das cenas, equilibrar uma composição e mais uma série de possibilidades que serão exploradas pelo ilustrador no processo de criação das cenas. Para Eisner (2001) a forma dos quadros também pode influenciar nossa percepção do tempo. Os quadros servem para dar ritmizar e temporizar a história. Os formatos desses quadros, principalmente nos mangás, também tem uma função. Como propõem Eisner (2001), numa página onde existe uma ação regular, os quadrinhos se apresentam em formatos de quadrados perfeitos. Já uma ação mais longa é apresentada por um quadro maior que toma uma página


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inteira ou 2 páginas seguido de quadros menores, mais estreitos. De acordo com McCloud (1995), essa técnica é usada frequentemente pelos japoneses. Lupton (2008, p.101) considera o enquadramento uma parte essencial para a composição das cenas. Segundo a autora, esse recurso faz o leitor compreender melhor as imagens e a narrativa da história, tendo em vista a ideia de tempo e movimento transmitido pela disposição dos quadros. Figura 16: Mangá Aoharaido de Sakisaka Io.

Fonte: https://dimichan.wordpress.com/projetos/projetos-em-andamento/aoharaido/

4.1.4 A cor A ausência de páginas coloridas no miolo dos mangás é a principal característica dessas revistas. Além de serem em preto-e-branco, a impressão é feita em papel jornal, o que torna o produto mais barato e faz com que ele seja consumido por qualquer pessoa (LUYTEN, 2012). Nesse tipo de revista, somente as capas são coloridas. Conforme Hurlburt (2012) os japoneses foram os primeiros a experimentarem o valor da monocromia, atribuindo valor ao contraste entre preto e branco, sob a influência da pintura sumi-e. O contraste é o que gera impacto à imagem e ao design.


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Figura 17: Mangá Bersek de Kentaro Miura.

Fonte: http://www.mangapanda.com/96-1144-37/berserk/chapter-24.html

4.1.5 A tipografia O idioma japonês possui 3 tipos de escrita: hiragana14, katakana15 e kanji16. O hiragana e o kanji são usados para a escrita de palavras do próprio idioma, enquanto o katakana serve para escrever palavras de origem estrangeira e no caso dos mangás, as onomatopeias. Quando o mangá é traduzido para o português ou para qualquer outra língua, as editoras mantêm o katakana tendo em vista as características que esse sistema possui e pela representatividade que ele alcançou dentro dos quadrinhos. Mesmo uma pessoa que não entende o idioma japonês, é capaz de entender o que se passa na história pela experiência visual que o katakana oferece através das onomatopeias.

14

Hiragana: sistema de escrita silábico que representa todos os sons do idioma japonês. Katakana: sistema de escrita silábico que representa as palavras de origem estrangeira. 16 Kanji: são os ideogramas de origem chinesa que foram adaptados para o japonês. 15


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A fala e o pensamento dos personagens nos quadrinhos é geralmente representada dentro dos balões. Segundo Luyten (1985), esse recurso foi a grande criação dos quadrinhos, pois dentro dessas formas a mensagem dos personagens pode ser representada. Conforme Eisner (2001), os balões contribuem com a narrativa e até o seu contorno é capaz de transmitir as emoções e a natureza da fala. É o que ele denomina como o “Enquadramento da fala”. O balão transforma a fala em algo visível, capaz de transmitir emoções, sensações e despertar experiências.

Figura 18: Mangá Dragon Ball de Akira Toriyama.

Fonte: http://www.dragonball-multiverse.com/pt_BR/page-865.html


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A onomatopeia é a representação gráfica do som nos quadrinhos. É um efeito sonoro bastante utilizado no quadrinho japonês. Conforme Eisner, (id p.125) “O controle do ouvido do leitor é fundamental para que o sentido do diálogo se mantenha conforme as intenções do escritor”. Alguns mangás têm tantos efeitos sonoros que não necessitam de balões para as falas, pois estas se restringem às onomatopeias. Figura 19: Mangá One Piece de Eiichiro Oda.

Fonte: http://www.maxmangas.com.br/one-piece/383/15/


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4.2 A ARTE SEQUENCIAL A Arte Sequencial nada mais é do que o próprio quadrinho, analisado sob o ponto de vista artístico-criativo. Trata-se de um método de expressão, que com o passar dos anos, tem conquistado seu espaço dentro da comunicação visual e das artes gráficas. O principal veículo dessa forma de arte é a revista em quadrinho, pois como o próprio nome sugere, trata-se de uma arte em sequência onde palavras e imagens se sobrepõem, exigindo do leitor um esforço intelectual ao exercer as suas habilidades visuais e verbais (EISNER, 2001, p.8). O quadrinho “[...] é um meio onde o público é um colaborador consciente e voluntário, e a conclusão é o agente de mudança, tempo e movimento" (MCCLOUD, 1995, p.65). Conclusão nada mais é do que a capacidade de compreender o todo, observando todas as partes. Para compreender como esse meio de comunicação se comporta é necessário estudar os recursos que, organizados, são os responsáveis pela estrutura das páginas e composição da narrativa. McCloud (1995) comparou o quadrinho a um recipiente que contém diversas mensagens, assuntos, ideias (simplificando em conteúdo ou mensagem) e que estas não podem ser confundidas com o mensageiro. Nesse universo, o tempo está em constante atividade. E para expressar esse fenômeno alguns recursos são utilizados, como por exemplo: o enquadramento. Para Eisner (2001) o artista deve ser capaz de produzir uma narrativa que seja reconhecida pelo leitor e que esta esteja disposta nas páginas de modo contínuo e em sequência. É nesse ponto onde se faz necessário o enquadramento das imagens. Para simplificar o entendimento das ações nas transições dos quadros, McCloud (1995, p.70-72) sugeriu a divisão destas transições em 6 categorias. Elas também servirão como base para a análise do objeto deste trabalho. A seguir seguem exemplos das transições propostas por McCloud:


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1) Transição

Momento-a-momento:

o

tipo de

transição

que exige

pouquíssima conclusão do leitor: Figura 20: Mangá Doctor Slump - momento-a-momento.

Fonte: http://www.mangapanda.com/dr-slump/2/100

2) Ação-para-ação – um único tema em progressões diferentes: Figura 21: Mangá Doctor Slump - ação-pra-ação.

Fonte: http://www.mangapanda.com/dr-slump/2/94

3) Tema-pra-tema – uma transição que exige um maior envolvimento do leitor com a história. Os quadros apresentam diferentes focos de uma mesma cena.


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Figura 22: Mangá Doctor Slump - tema-pra-tema.

Fonte: http://www.mangapanda.com/dr-slump/3/348

4) Cena-a-cena – um tipo de transição que exige um raciocínio dedutivo do leitor, pela sensação tempo e o espaço que o enquadramento proporciona: Figura 23: Mangá Doctor Slump - cena-a-cena.

Fonte: http://www.mangapanda.com/dr-slump/1/56

5) Aspecto-pra-aspecto – supera o tempo e estabelece um olho migratório sobre diferentes aspectos de um lugar, ideia, atmosfera:


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Figura 24: Mangá Doctor Slump - aspecto-a-aspecto.

Fonte: http://www.mangapanda.com/dr-slump/1/101

6) Non-sequitur – não oferece nenhuma sequência lógica entres os quadros: Figura 25: Transição Non-sequitur

Fonte:http://lmc.gatech.edu/~gthomas6/2720/design/narrative/examples/html/sequencing/tran_non seq.html


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5 METODOLOGIA

Estudo qualitativo com abordagem interpretativa baseado em categorias de análise da Comunicação Visual e Arte Sequencial. O esquema metodológico abaixo demonstra a estruturação do estudo:

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA REFERENCIAL TEÓRICO PARA O EMBASAMENTO DA PESQUISA

ANÁLISE ANÁLISE INTERPRETATIVA DAS PÁGINAS

ORGANIZAÇÃO DO MATERIAL SELEÇÃO DAS PÁGINAS DO OBJETO DE ESTUDO

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DISCUSSÃO BASEADA NO REFERENCIAL TEÓRICO

EXPLORAÇÃO DO MATERIAL ADAPTAÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE

CONSIDERAÇÕES FINAIS AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS, DESDOBRAMENTOS E CONTRIBUIÇÕES

Considerando o esquema metodológico proposto, a realização do estudo será dada em 3 etapas: Etapa 1 – Seleção das páginas a serem analisadas De posse das referências, as páginas selecionadas para a análise foram escolhidas de acordo com o grau de maior incidência de elementos gráficos fundamentais do design e da comunicação visual. A análise de Death Note será feita por categorias de análise que contemplarão os elementos básicos do design gráfico em paralelo aos conceitos da Arte Sequencial defendidos por Eisner (2001) e as transições quadro-a-quadro de Scott McCloud. Os volumes e páginas escolhidas para a análise foram os seguintes: 

Volume 01 – p. 10, 11, 16 e 17;

Volume 02 – p. 42, 43, 46, 47, 114 e 115;

Volume 03 – p. 44, 45 82, 83, 150 e 151;

Volume 04 – p. 8, 9, 52 e 53;

Volume 08 – p. 174 e 175;

Volume 10 – p. 152 e 153;


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Volume 12 – p. 9, 64, 65, 160, 161, 174, 175, 182 e 183.

Etapa 2 - Análise das páginas à luz da Comunicação Visual O referencial teórico principal para o desdobramento dessas categorias é a revisão bibliográfica segundo os autores Samara (2010) e Dondis (2007). Ambos descrevem a importância do estudo dos elementos visuais separadamente para a compreensão de cada um e do meio visual onde estão. Além desses dois autores, outras referências serão utilizadas para a compreensão das categorias para a análise do objeto. Os elementos que serão analisados serão: 

Ponto

Linha

Forma

Enquadramento

Cor

Tipografia

Etapa 3 – Análise das páginas à luz da Arte Sequencial Sob o ponto de vista da Arte Sequencial serão analisadas as transições dos quadros segundo McCloud (1995): 

Momento-a-momento – uma transição simples que exige pouca conclusão do leitor;

Ação-para-ação – um único tema em progressões diferentes;

Tema-pra-tema – uma transição que exige um maior envolvimento do leitor com a história. Os quadros apresentam diferentes focos de uma mesma cena;

Cena-a-cena – um tipo de transição que exige um raciocínio dedutivo do leitor, pela sensação tempo e o espaço que o enquadramento proporciona;

Aspecto-pra-aspecto – supera o tempo e estabelece um olho migratório sobre diferentes aspectos de um lugar, ideia, atmosfera;

Non-sequitur – não oferece nenhuma sequência lógica entres os quadros.


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Além dessas transições, outros elementos que possibilitam o entendimento da composição das páginas serão analisados sob a visão de Eisner (2001): a narração visual através do enquadramento, os requadros, o movimento e o timing das cenas e as estruturas textuais.


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6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Foi possível identificar os elementos presentes nas páginas selecionadas e como o estudo da arte sequencial justifica a sua importância para a composição das cenas, controle do movimento e ritmo, transições, etc. A designer Ellen Lupton (2008), por exemplo, lista todos os fundamentos básicos de design, apresentando cada um, os exemplificando a partir de peças gráficas, afim de facilitar o entendimento do leitor e é uma escritora muito influente sobre as teorias do design, assim como Dondis (1997), quando descreve os elementos da comunicação visual. No campo do mangá e da arte sequencial, respectivamente, Sônia Luyten (2012) e Will Eisner (2001), a primeira especialista em história em quadrinhos e cultura pop do Japão e o segundo, precursor da HQ moderna, são nomes que ainda fazem diferença quando o assunto é quadrinho, pois os materiais que produziram descrevem de maneira pontual todos os recursos visuais necessários para uma correta composição gráfica. Seguindo os conselhos desses autores e dos demais citados nesta pesquisa, foi possível fundamentar o presente trabalho. Além da consulta em livros, sites especializados em mangá forma de grande importância para a geração de conhecimento para o estudo.


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Na figura 26 o caderno é um dos elementos que se destacam na página e atrai a atenção do leitor. Essa é uma característica de ponto. Mesmo dentro de um enquadramento e fora do centro da página, o olhar do leitor é direcionado imediatamente para ele. A transição quadro-a-quadro dessa página é a açãopara-ação, pois se trata de um único tema em uma sequência distinta, como por exemplo: a trajetória do caderno até cair no chão, sendo observado pelo personagem Light (quadros de 1 a 5). Nesse tipo de transição é possível perceber como o timing é aplicado à cena, quadrinho após quadrinho, desde quando o caderno está caindo do céu (quadros de 1 a 4) até a saída do personagem da escola para ir ao encontro do objeto (quadros 6 e 7). Estabelecer um bom timing é essencial para a estrutura das cenas, capaz de enfatizar as emoções, facilitando a compreensão por parte do leitor. Figura 26: O caderno é o ponto.

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7 Fonte:http://mangazip.net/archives/8443.html, volume 01, p. 11.


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A figura 27 é uma página única que faz a abertura de um capítulo. A imagem da detetive Naomi Misora está localizada no centro da página, destacando a personagem, despertando a curiosidade do leitor para as páginas seguintes. A personagem é o ponto da página, pois tem um grande poder de atração visual sobre o olho do leitor. Nesse caso o ponto, que está localizado no centro, está assentado, confortável e estático, dominando o espaço. Diante o exposto, justifica-se o objetivo da ilustração da personagem ao centro, visto que o capítulo que se inicia será dedicado à personagem. No caso desta página, não existe nenhum tipo de transição quadro-a-quadro. À luz da arte sequencial, essa página sem palavras ou quadros pode ser considerada como uma forma primitiva de narrativa gráfica, pois a sua interpretação é validade pela experiência e uma certo envolvimento do leitos para com a história. A cruz ao fundo junto como shinigami são elementos que já fornecem uma pré-visualização do que pode acontecer nas páginas seguintes, por exemplo. Figura 27: O elemento de destaque.

Fonte:http://mangazip.net/archives/8443.html, volume 02, p. 47.


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Na figura 28 a tensão do encontro dos dois personagens e o movimento que estão fazendo durante uma partida de tênis é pontualmente expressada e se faz percebida pelas linhas. A trajetória da bola pode ser percebida pela espessura do traço e pelo ângulo formado entre elas. O movimento dos personagens pode ser captado pelo conjunto de linhas e pelo enquadramento das cenas. A diferença entre o espaço das linhas afeta o ritmo percebido, criando movimentos direcionais. Quanto maior a variação, maior a complexidade do ritmo e do movimento. Nos quadros 1 e 2, o texto que indica os pensamentos dos personagens foram justapostos entre eles. Esse tipo de justaposição para os pensamentos é muito comum nos mangás, visto que o balão de pensamento quase não é utilizado no quadrinho japonês. A transição desses quadros é a transição ação-pra-ação, onde a mesma cena está em sequência em diferentes quadros. É possível perceber a sequência das ações e o ritmo crescente da tensão e rivalidade entre os dois personagens, pelo formato e posicionamento dos quadros. Figura 28: A tensão provocada pelas linhas.

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1

Fonte:http://mangazip.net/archives/8443.html, volume 03, p. 82 e 83.


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Na figura 29, temos outro momento de tensão da história, quando o policial Soichiro Yagami invade uma emissora de TV afim de encontrar Kira, o responsável pelas mortes em massa. Além de expressar o movimento do carro em alta velocidade (quadro 1) e o nervosismo do personagem (linhas no fundo do quadrinho 2), esse elemento consegue simular a profundidade espacial. A distância entre a traseira do carro e as portas de vidro quebradas são muito bem representadas pela perspectiva gerada pelas linhas (quadro 3). O ritmo dessa cena é realçada pela presença dos quadros longos estreitos. Eles aumentam a sensação de tensão, seguido por um quadro maior, destacando o momento de clímax da cena, quando o carro invade a emissora, destruindo as portas e os vidros. A transição dos quadros nessas páginas é a tema-pra-tema, pois a transição acontece dentro de uma mesma cena: o carro saindo em alta velocidade, a tensão de quem está dirigindo o carro, até a invasão do prédio. Esse tipo de transição exige um maior envolvimento do leitor para com a história afim de que ele possa gerar conclusões sobre o que está acontecendo. Figura 29: Linhas, movimento e direção.

1

3

2 Fonte:http://mangazip.net/archives/8443.html, volume 03, p. 150 e 151.


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A figura 30 exemplifica o emprego das formas dos quadros quadrados e retangulares para a composição da cena. Os retângulos mais estreitos instigam a curiosidade do leitor, pois o foco na imagem que está dentro do quadro é maior; enquanto os mais quadrados marcam o ritmo da história. A distância entre eles também é um fator relevante para a dinâmica da cena. Esses quadros seguindo quase o mesmo tamanho e largura dão um novo ritmo à história. Eles determinam a regularidade e o ritmo da cena. Nesta figura existem dois tipos de transição: 

Ação-pra ação – Quando o personagem fecha a porta e a tranca (quadros 5 e 6); ao abrir a gaveta, pegar o caderno e contemplá-lo (quadros 11, 12 e 13). Um único tema em sequência;

Tema-pra-tema – Um tema que permanece dentro uma mesma cena. Ex.: Light entrega o boletim à mãe e depois sobe as escadas em direção ao seu quarto (quadros 1 e 2); Nos quadros 8, 9 e 10, ele liga diferentes aparelhos eletrônicos que estão numa mesma bancada. Figura 30: Quadros e enquadramento.

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5 Fonte:http://mangazip.net/archives/8443.html, volume 01, p.16 e 17.


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É possível observar na figura 31 (quadro 1) a imagem excedendo os limites da página caracterizando o quadro como “sangrado”. Esse tipo de página é muito comum nos mangás e gera uma mensagem forte para o leitor. Esse tamanho de quadro expressa um período de tempo maior, nesse caso, gerando a tensão entre os personagens. As páginas não contêm diálogos, porém é possível compreender a importância dessa cena, pelas expressões dos personagens e pela disposição das imagens nos quadros, principalmente nos focos dos quadros 3 e 4, onde os olhares se encontram, manifestando a rivalidade entre os dois personagens. A transição dos quadros é a do tipo tema-pra-tema. Uma mesma cena, vista de diferentes ângulos: o campo de visão de Light Yagami quando percebe que L está na mesma sala de aula (quadro 1), depois a visão de L (quadro 2) e o destaque para o olho de cada um (quadros 3 e 4). Figura 31: A tensão sem palavras.

1

4

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Fonte:http://mangazip.net/archives/8443.html, volume 03, p.44 e 45.

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A figura 32 é uma das cenas de clímax do mangá e um dos enquadramentos mais bem trabalhados, pois tanto Ohba (roteirista do mangá) quanto Obata (o mangaká) exploraram o potencial da cena, dispondo os quadros de maneira em que o timing e o ritmo da cena pudessem trabalhar em conjunto, tendo em vista a ideia de tempo e movimento transmitido pela transição dos quadros. Os quadros de 1 a 4 foram dedicados aos instantes finais de Penber (personagem do quadro 1), desde quando ele põe a mão no peito até cair no chão. A transição entre esses quadros é a ação-pra-ação. Esta cena de quatro quadros poderia ser resumida em 1 ou 2 quadros. Todavia, é da essência do mangá trabalhar as cenas com mais quadros a fim de esmiuçar a história e de transmitir mais emoção e expectativas ao leitor. Nesta cena da morte de Penber as linhas presentes no fundo do quadro 1 remetem ao pavor do personagem ao sentir a dor no peito, pois ele sabe que a maioria dos assassinatos cometidos por Kira (Light Yagami) foram descritos no caderno17 como uma parada cardíaca. Figura 32: Clímax enquadrado.

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Fonte:http://mangazip.net/archives/8443.html, volume 02, p.42 e 43.

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Quem tem o nome escrito no caderno morrerá em decorrência de um ataque cardíaco. No entanto, a morte pode ser manipulada. O assassino pode estipular tanto a hora quanto outra forma de morte.


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A transição dos quadros de 5 a 8 (Figura 32) é a tema-pra-tema, pois os quadros estão ordenados numa mesma cena, sob pontos de vista diferentes. No quadro 5, Penber, antes de morrer, se dá conta de que Light é Kira. A emoção da fala é expressada pelo contorno irregular do balão, visto a surpresa da vítima ao falar o nome de Light “Ya... Yagami Light”. No quadro seguinte (6), Light dá adeus à Penber, que ainda assustado fixa o olhar em Light até a porta do trem fechar e finalmente morrer.

Na figura 33, o impacto visual gerado somente pelo preto e o branco foi capaz de realçar os personagens e dar profundidade à cena. É possível afirmar que o mangá não precisa ser colorido para transmitir sentimentos, sensações, profundidade e movimento. Se bem estudadas, essas duas cores podem comunicar muito bem, como nessas duas páginas. Na página 182 o preto ao fundo e as linhas em diagonal, apontadas para o peito do personagem Light, acentuam o terror da situação quando o personagem percebe que a sua hora de morrer chegou e que a sua morte será como as das suas vítimas: uma parada cardíaca. Na página 65 o fundo preto em “A” sugere profundidade e mistério, enquanto o fundo de “B” sugere tensão, movimento, surpresa e a rivalidade que existe entre os dois personagens. Essas duas páginas são únicas. A 182 é vazada e a 65 tem os quadros vazados nas partes superior e inferior. Para essas páginas não existe transição entre os quadros.


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Figura 33: Impacto visual.

A

B

65

182

Fonte:http://mangazip.net/archives/8443.html, volume 12, p.65 e 182.

As figuras 34 e 35, contêm exemplos de balões com contornos e tipografia de pesos diferentes, levando em conta os efeitos sonoros da fala. Na figura 34, a cena se passa no quarto de um hotel onde foi instalado um centro de investigação. A fala dos personagens é normal. A tipografia não apresentada alterações no tamanho nem no peso, visto o teor da conversa e o ambiente tranquilo. A transição desses quadros é a tema-pra-tema.


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Figura 34: O efeito sonoro da fala.

Fonte:http://mangazip.net/archives/8443.html, volume 4, p.9.

Todavia, na figura 35 onde estão as cenas finais da trama, o contorno dos balões expressa a raiva e tensão, uma ação explosiva, principalmente por parte do personagem Matsuda (quadro 4), que em um descontrole emocional diante da revelação de que Yagami Light é o Kira (o assassino), tenta fazer justiça com as próprias mãos, com uma arma em punho. No quadro 1, o tamanho da tipografia e o peso utilizado tanto na fala quanto na onomatopeia realçam o som da fala do personagem e o efeito sonoro dos tiros. O enquadramento dá ritmo e movimento às cenas. As linhas mais uma vez enfatizam o movimento e a tensão da cena. A transição dos quadros 1 e 2; 5 a 7 são tema-pra-tema, visto que a mesma cena


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possui diferentes pontos de vista. Já os quadros 3 e 4 estão numa transição açãopra-ação, pois a mesma cena está em uma sequência. Figura 35: O efeito sonoro da onomatopeia.

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3

2

Fonte:http://mangazip.net/archives/8443.html, volume 12, p.160 e 161.

A figura 36 (quadro 1) as onomatopeias também cumprem o seu papel, dando notoriedade ao som. A onomatopeia ドンドン(dondon) representa o som dos disparos de um revólver. O tamanho das letras está conforme o efeito sonoro que se pretende transmitir: uma ação rápida e explosiva. Nos quadrinhos japoneses é sem dúvida outro recurso muito utilizado para representar os efeitos sonoros. A tensão e gravidade dessa cena também pode ser confirmada pela presença das linhas no fundo desse mesmo quadro. São linhas horizontais que sugerem a sensação de movimento e dinamismo. Esta página apresenta uma transição não muito frequente nos mangás: a aspecto-pra-aspecto. Note que as imagens dos quadros mudam, mas ainda estão dentro de uma mesma atmosfera.


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Figura 36: Bang, bang! Don, don!

1

Fonte:http://mangazip.net/archives/8443.html, volume 12, p.9.

Sob o ponto de vista da comunicação visual, foi possível constatar a existência dos seus elementos básicos com o seguinte resultado: As linhas foram os elementos mais presentes e que mais expressaram movimento, ritmo e tensão às cenas; O ponto, representado por um objeto ou por um personagem, direciona o olhar do leitor na página e estimula a sua imaginação; As formas dos quadros organizaram a composição das cenas e o enquadramento ordenou a sequência dos quadros e determinou o timing da história; A força do contraste entre o preto e branco provou que não é necessário o uso de outras cores para compor uma imagem bem definida e que diante da periodicidade dos impressos fica quase que inviável colorir todas as páginas de um mangá. Além de sair muito caro para a editora, toma um tempo ainda maior do mangaká; A onomatopeia empregada no mangá não é uma simples representação sonora, esse recurso faz parte da


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composição da cena e desempenha um importante papel para o entendimento da história. Sob o ponto de vista da arte sequencial, foi constatado que o tamanho dos quadros, o espaçamento entre eles e o tipo de enquadramento das imagens foram importantes para a composição das cenas e que estes recursos proporcionaram um timing e ritmo harmoniosos. O emprego desses recursos desenvolveu a história dentro de um padrão estético visual bem resolvido e de fácil compreensão tanto para o leitor novato quanto para o leitor de quadrinho mais experiente. As transições ação-pra-ação e tema-pra-tema foram as que mais estiveram presentes, tendo em vista essa visão mais detalhada que os japoneses têm sobre o mangá.


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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mangá produz conhecimento em geral, em especial ao design editorial e para a criação de materiais impressos, pela presença de elementos e recursos da comunicação visual presentes em todas as páginas analisadas. Foi possível identificar os principais elementos da comunicação visual e como a arte sequencial é capaz de organizá-los. A observação e entendimento dessa relação, tornou possível a compreensão da estrutura das páginas do quadrinho sob a ótica da comunicação visual e do design, contribuindo assim, para com o desenvolvimento da pesquisa. Por se tratar de um material estrangeiro e de poucos estudos usando o quadrinho japonês como fonte de pesquisa para a área do design, foi necessário um estudo mais aprofundado sobre as raízes do mangá, sobre os estilos dos desenhistas, tipos de mangás e até sobre algumas particularidades do idioma japonês a fim de uma melhor compreensão do material. O estudo abriu novas possibilidades de uso desse artefato para a geração de conteúdo de futuras pesquisas. Mostrou que a estética visual, rica em detalhes, do Oriente também se comunica com o Ocidente através do mangá, e que a pesquisa trata-se de algo novo, um campo ainda não explorado e que pode gerar interessantes discussões não somente para o design, mas também para outras áreas da comunicação. O mangá pode servir também como um excelente objeto social, despertando a curiosidade de jovens e adultos para determinado assunto, visto a lógica de comunicação que o quadrinho oferece e até como inspiração para a produção de quadrinho nacional. Também pode ser usado para programas de alfabetização de crianças, pois a ilustração é um recurso visual que desperta a curiosidade de quem lê. Enfim, o estudo apontou diversos desdobramentos importantes para a geração de conhecimento. Assim, podemos afirmar que o mangá é, de fato, um excelente material que serve como base para o estudo e desenvolvimento de conhecimento dentro da área do design e da área de comunicação como um todo e que ainda existem


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inĂşmeras possibilidades de usĂĄ-lo como fonte de estudo, visto que existe uma vasta quantidade de estilos e gĂŞneros a serem explorados.


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REFERÊNCIAS

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