Justiça Cidadã - Uma Experiência de mediação de Conflitos em Direitos Humanos

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Copyright © 2009 Gajop Equipe Atual Projeto Justiça Cidadã

Programação visual

Alessandra de Lima e Silva

Clara Negreiros

Aryanne Mariza Ribeiro de Vasconcelos

Ana Lúcia dos Santos Silva

Revisão Editorial

Eloisa de Sousa Pessoa

Juliana Cuentro

Flávia Valença de Santa Cruz Hermínia Martins

Revisão de texto

Julia Loonis Oliveira

Maria Albuquerque

Luís Felipe Andrade Barbosa Mona Mirella Marques Meira

Fotografias

Marilene Gomes Cordeiro da Costa

Capa

Márcia Rosas Leite Pereira

Roberto Burgos S.

Rômulo Silva Lopes Júnior

Rodolfo Clix

Socorro Alves da Silva

Marja Flick-Buijs

Nélia Bandeira Coutinho

Zanetta Hardy

Liz Fagoli

Estagiários

Páginas

Carolina Araújo Santos

Roberto Burgos S. | p19

Felipe Fonseca

Andy Stafiniak | p30

Francisco Mateus Carvalho Vidal

Adam Davis | p37

Rhemo Antonio Guedes Silva

Liz Fagoli | p46

Vaneska Natazcha Fonseca Madureira

Luca Baroncini | p56

Rodolfo Clix | p60

Equipe de Acompanhamento/Coordenação

Konrad Baranski | p66

Valdênia Brito Monteiro

Mateusz Stachowski | p74

Bazil Raubach | p83

Coordenação Colegiada

Michael Monita | p91

Jayme Benvenuto Célia Rique

J96

Justiça Cidadã: uma experiência de mediação de conflitos em direitos humanos/ Valdênia Brito Monteiro (organizadora); ._ Recife, Editora, 2009.

1. Projeto Justiça Cidadã. 2. Direitos humanos. 3. Mediação familiar − Pernambuco. 4. Violência contra as mulheres CDU − 347.471.8 CDD − 361.7

O Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, criada em 1981, no Recife, Pernambuco, Brasil. Tem como missão institucional contribuir para a democratização e o fortalecimento da Sociedade e do Estado na perspectiva da vivência da cidadania plena. Rua do Sossego 432 Boa Vista | Recife-PE | Fone [81] 3092-5252 | gajopdh@uol.com.br | www.gajop.org.br. É permitida a reprodução, desde que obrigatoriamente citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são rigorosamente proibidas. Parceria: Prefeitura Cidade do Recife/Secretaria de Assuntos Jurídicos


Sumário

Apresentação................................ 4 História Justiça Cidadã.................... 5

As cortinas e a lentidão judicial − Eunari Galvão............................... 60

Mediação de conflito: contribuição para a cultura de direitos humanos −Valdênia Brito Monteiro......................9

A contribuição da psicologia e suas nuances na mediação de conflitos − Alessandra Lima............................. 66

Sistematização de experiências como parte constitutiva de projetos sociais: o caso do Justiça Cidadã − Mariângela Ribeiro de Almeida........... 30

Violência doméstica contra mulher: “Em briga de marido e mulher, alguém tem que meter a colher” − Mona Mirella Marques Meira............. 74

À sombra do Poder Judiciário: mediação de conflitos no bairro do Ibura − Júlia Loonis Oliveira....................... 37

Atendimento Coletivo: exercício de cidadania e dimensão comunitária do Projeto Justiça Cidadã − Hermínia Martins....................... 83

A paternidade no contexto da ruptura conjugal de famílias pobres − Etiane Oliveira.............................. 46

Nas entrelinhas da pensão alimentícia: (re) conhecimento das organizações familiares a partir da experiência do Justiça Cidadã − Ana Lúcia dos Santos Silva, Márcia Rosas, Vaneska Natazcha Fonseca Madureira...... 91

O Projeto Justiça Cidadã e a perspectiva do acesso à justiça − Luís Felipe Andrade Barbosa............... 56 3


Apresentação

jeto Justiça Cidadã, trazendo uma série de fragmentos escritos pelos profissionais que compõem o programa, apresentando sua prática nesses sete anos de existência.

A modernidade, na medida em que avança, parece instaurar uma temporalidade marcada por mudanças aceleradas e sentimentos de transitoriedade. Tudo faz parecer passageiro. A memória é permutada pelo esquecimento das coisas e das relações pessoais, com aparência de descartável. A atmosfera existente é de alterações na dinâmica da realidade. Em minutos, tudo acontece e tudo parece superado. Outros ritmos, muitas alterações, mas não podemos negá-la (a modernidade) só por suas contradições. Podemos vê-la como uma possibilidade. É necessário por magias e encantamentos. É preciso ir para frente, buscando novo caminhar, desbravando o mundo e intercambiando experiências, palpites, aconselhamento..., só assim emerge a memória.

A sistematização do projeto contribui não somente para sua memória, como também para a adequação de suas ações. A Formação, a Sistematização e a Memória representam o tripé que orienta a proposta pedagógica do projeto, objetivando dar visibilidade, legitimidade e responsabilidade política às suas ações. Diante de um desafio imenso de realizar uma parceria entre a sociedade civil e o poder público local − Prefeitura da Cidade do Recife − na construção de uma política pública, é com satisfação que o Gajop disponibiliza a reflexão da prática interdisciplinar do Justiça Cidadã, chamando todos a mergulhar na memória do projeto.

As experiências de projetos pessoais ou coletivos são a matéria viva para não deixar a memória de uma sociedade morrer. Nesse sentido, esta revista tem a pretensão de apresentar a experiência do Pro-

Valdênia Brito Monteiro 4


História do Justiça Cidadã Criado em 2002 como uma iniciativa da Prefeitura do Recife em parceria com o Gajop, o Projeto Justiça Cidadã busca favorecer o exercício da cidadania (individual e coletiva) através de ações de educação em direitos que garantam às pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social oportunidades de acesso ao direito e à justiça.

jetivo o fortalecimento do exercício da cidadania a partir da educação em direitos. Assim, ao longo dos anos, a prática cotidiana permitiu o amadurecimento de um entendimento e de uma metodologia próprios, esta baseada na mediação de conflitos pautada nos princípios norteadores dos direitos humanos, fomentando o diálogo e a liberdade das partes em solucionar seus conflitos.

O projeto foi inicialmente criado como uma Assistência Jurídica gratuita aos cidadãos. Buscando melhorar a qualidade do serviço que já era oferecido pela Prefeitura nos anos anteriores, assim como facilitar o acesso da população a tal. Núcleos foram criados de forma descentralizada e com um novo enfoque: priorizar a defesa e garantia dos direitos humanos e a prevenção da violência. Nesse primeiro momento, o papel do Gajop era realizar o acompanhamento sistemático das ações de assistência judiciária dos núcleos descentralizados, bem como do processo de capacitação e gerenciamento dos técnicos.

Realizando exclusivamente atendimentos individuais, nos dois primeiros anos (2002 e 2003), a demanda superou as expectativas numéricas, sendo necessária a adoção de estratégias para garantir a qualidade. A parDesde o início, o Gajop determinava tir de 2004, mudanças foram feitas que o projeto deveria ter como ob- na forma de abordagem da popula-

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ção atendida pelos núcleos, sendo implantado também o “Atendimento Coletivo”, com o intuito de favorecer um espaço de difusão, discussão de direitos e cidadania. Também se modificou o foco de atuação do Projeto, limitandose, a partir de 2005, os atendimentos para casos na área do Direito de Família. Hoje, os técnicos do Justiça Cidadã atendem, em sua grande maioria, casos de Pensão Alimentícia, por mediação, ou Ações de Alimentos no Poder Judiciário.

timidade e responsabilidade política às suas ações. Nos quatro primeiros anos de funcionamento (2002 a 2005), realizaram-se mais de 15.000 atendimentos em cinco núcleos descentralizados. A partir de 2006, a configuração do projeto mudou: passou a funcionar em três núcleos, e, sobretudo, estabeleceu-se um monitoramento sistemático das ações do projeto, permitindo assim maior clareza no número e tipo de atendimentos efetuados, assim como o perfil da população atendida.

Seguindo os pilares de sua proposta político-pedagógica − Formação, Sistematização e Memória −, o Projeto Justiça Cidadã tem investido na formação continuada da equipe técnica, na sistematização de sua prática e no aprimoramento do banco de dados, com vistas à construção de sua memória, bem como objetivando dar visibilidade, legi-

Desde 2006, mais de 6.000 pessoas foram atendidas pela primeira vez por meio do Projeto Justiça Cidadã, constatando-se, dessa forma, a confiança da população no projeto. Funciona em três Núcleos Descentralizados de Assistência Judiciária (situados nos bairros Caxangá, Ibura e Pina).

Com o objetivo de contribuir na promoção do acesso à justiça e da prevenção à violência, o Projeto Justiça Cidadã realiza as seguintes ações: Atendimento Coletivo (Roda de diálogo sobre direitos) Atendimento individual de orientação jurídica Mediação de conflitos (para casos de pensão alimentícia) Intervenção judicial (para descumprimento de acordos e casos emblemáticos que não são mediáveis, como violência doméstica) Acompanhamento dos processos distribuídos Reuniões com entidades comunitárias para articulação, divulgação do projeto e palestras sobre direitos.

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Com essas ações, busca-se construir uma metodologia de educação em DDHH com foco no acesso ao direito e à justiça, considerando as desigualdades sociais estruturadas pela estratificação de renda e riqueza, de gênero, de raça e de geração. Pessoas Atendidas | Atendimento Inicial 2000

1854 1560

1500

1298

1000 760 500

0

518

416

Solicitante Solicitado

2006

2007

2008

Figura 1 – Gráfico representativo do atendimento inicial às pessoas | Fonte: Gajop/Justiça Cidadã

Em 2008, o número de pessoas que procuraram pela primeira vez um dos núcleos do projeto foi de 1.298, em busca de resolver algum problema judicial. Além dessas, também compareceram aos núcleos, após serem convidadas para o processo de mediação, 416 pessoas, somando um total de 1.714 pessoas atendidas. Entre 2006 e 2008, uma média de 2.000 pessoas por ano receberam atendimento nos núcleos do Projeto Justiça Cidadã. O Projeto Justiça Cidadã absorve mais de 70% da demanda dos solicitantes. Os outros 29%, por buscarem resolução de conflitos jurídicos que não os classificados na questão de alimentos, são encaminhados de forma cuidadosa a órgãos competentes. 7


Demanda por Tema Jurídico 100 71%

75

50 21% 25

Direito de Família Outros Assuntos

0

Figura 2 – Gráfico representativo da demanda por tema jurídico | Fonte: Gajop/ Justiça Cidadã

Aos atendimentos iniciais, somam-se os atendimentos de retorno (Figura 3), ou seja, atendimento a pessoas que já participaram do processo de mediação, ou deram entrada em uma ação judicial de alimentos, e voltam a procurar os núcleos, seja para orientações jurídicas, entrega de documentos e outras burocracias, seja por motivo de descumprimento ou revisão dos acordos resultantes de mediação. Embora o Projeto não tenha condições estruturais de acompanhar ou desenvolver o acordo firmado, a equipe solicita aos envolvidos que, em caso de descumprimento, retorne ao núcleo para realizar um novo acordo ou mesmo propor ação judicial.

8


Atendimento de Retorno 3000

2250

1500

750

0

2006

2007

2008

Figura 3 – Gráfico representativo dos atendimentos de retorno | Fonte: Gajop/ Justiça Cidadã

Observa-se que o número de atendimentos de retorno quase dobrou em 2008 em comparação com os dois anos anteriores. Esse crescimento demonstra a confiança depositada pela população no trabalho dos núcleos (detalhe na Figura 4). Outro dado importante que demonstra o sucesso do trabalho com Mediação é o baixo índice de descumprimento. Conforme se observa na Figura 4, o descumprimento do acordo, em 2008, ano de maior número de mediações realizadas, teve o menor índice nos atendimentos de retorno. Também, é possível constatar o movimento de afirmação dos núcleos como referência para orientação jurídica na comunidade:

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Retorno por Demanda 250 200 150 Descumprimento Acordo

100

Orientação Jurídica

50 0

JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ

Entrega de Documentos e outras Burocracias

Figura 4 – Gráfico representativo do retorno por demanda | Fonte: Gajop/ Justiça Cidadã

A adesão à ferramenta Mediação como um meio eficaz de resolução de conflitos tem crescido ano a ano, conforme a Figura 5:

Mediações realizadas 800 693

700 600

526

500 400

358

300 200 100 0

2006

2007

2008

Figura 5 – Gráfico representativo do número de mediações realizadas | Fonte: Gajop/Justiça Cidadã

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O aumento do número de mediações realizadas, apesar da estabilidade da demanda inicial, explica-se pelo número cada vez maior de mediações de descumprimento ou revisão em razão do trabalho de acompanhamento contínuo dos acordos efetuados nos anos anteriores, que se acumulam no decorrer do tempo. Esse aumento demonstra a confiança da população no processo de mediação para assegurar o cumprimento dos acordos estabelecidos.

O Projeto Justiça Cidadã compreende a Mediação Familiar como um meio de resolução de conflitos, mas não o único ou o mais importante. Assim, considerase que nem todos os casos são mediáveis. O que chamamos de Casos Emblemáticos por dizerem respeito a complexas violações de direitos, por exemplo, Violência Doméstica, são trabalhados no Poder Judiciário.

Além disso, considerando que os direitos adquiridos mediante tantas lutas, tal como Direito a Alimentos, devam ser respeitados, o Projeto Justiça Cidadã encaminha ao Poder Judiciário aqueles casos em que os acordos são desrespeitados.

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Ações Propostas 120 98

105 90

73

75 60

54

45 30 15 0

2006

2007

2008

Figura 6 – Gráfico representativo das ações propostas | Fonte: Gajop/Justiça Cidadã

O aumento considerável de distribuição de ações no Poder Judiciário é explicado, sobretudo, pelo número alarmante de casos de Violência Doméstica diagnosticados no Núcleo do Ibura. Nesse sentido, destacamos a parceria realizada com o Centro de Referência Clarice Lispector, unidade da Prefeitura do Recife que atende mulheres em situação de violência doméstica e sexista, e risco de morte, para quem se encaminham esses casos ao mesmo tempo em que se realiza a ação.

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Andamento de Processos 2008 11%

1%

5% Tramitando Concluso Parado (há 1 ou mais anos)

17%

Parado (há 2 ou 3 anos) 66%

Parado (há mais de 3 anos)

Figura 7 – Gráfico representativo do andamento de processos | Fonte: Gajop/Justiça Cidadã

A porcentagem acima apresentada reflete um Poder Judiciário lento, visto que 17% dos processos em andamento estão “parados” há, no mínimo, um ano. Ainda vale ressaltar que, embora 66% dos processos estejam “tramitando”, aproximadamente 50% deles foram instaurados há mais de quatro anos (entre 2001 e 2004).

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Processos em Tramitação por Ano de Instauração 1% 20%

2001 2002

7% 16%

2003 2004 2005

12%

2006 5%

25%

2007

14%

2008

Figura 8 – Gráfico representativo de processos em tramitação por ano em que foi instaurado Fonte: Gajop/Justiça Cidadã

Com relação ao tipo de ação, os 431 referem-se a processos na área cível, especificamente na área Direito de Família, conforme o seguinte gráfico: Ações Distribuíodas por Tipo 43%

Alimentos 12%

Execução de Alimentos Inv. Paternidade

8%

Divórcio Litigioso

8% 2%

Divórcio Consensual

7%

Alvará Retificação de Registro

3%

Separação de Corpos

3%

Rec./Dissolução União Estável

4% 11%

Outras Ações Cíveis 0

10%

20%

30%

40%

Figura 9 – Gráfico representativo de ações distribuídas por tipo | Fonte: Gajop/ Justiça Cidadã

14

50%


Como se pode observar, 42% das ações referem-se a alimentos, o que significa um pedido de pensão alimentícia (na grande maioria dos casos, para um ou mais filhos), e, nesse sentido, artigo de primeira necessidade para mulheres que residem na periferia do Recife.

Perfil das pessoas que procuram o Projeto Justiça Cidadã

No decorrer do trabalho do Projeto Justiça Cidadã, foram mulheres que mais procuraram seus serviços. Esse dado explica o recorte em alimentos, definido a partir de 2004; isto é, mesmo quando os núcleos realizavam um trabalho jurídico mais amplo, distribuindo as mais diversas ações no campo cível, a busca de mulheres por pensão alimentícia representava a maior demanda. O ano de 2003, que se destaca com uma demanda masculina relativamente mais alta (26%), foi decisivo para a definição do recorte em alimentos posteriormente.

Observando a média das informações obtidas nos relatórios mensais sobre atendimentos em seus cinco anos de existência, o perfil mais frequente das pessoas usuárias é o da mulher de 30 anos, solteira, 1.º grau incompleto e com dois filhos. 15


Assim, embora o Projeto Justiça Cidadã não tenha sido criado como uma ação voltada para o público feminino, passou a trabalhar constantemente com questões de gênero, tendo a necessidade de se capacitar cada vez mais nos assuntos referentes a desigualdades de gênero. Sexo 100 80

90%

86%

82%

90%

85%

74%

60 40 26%

18%

20 0

10%

14%

Feminino

15%

10% Masculino

2003

2004

2005

2006

2007

2008

Figura 10 – Gráfico representativo, por gênero, de pessoas que procuram atendimento nos núcleos Fonte: Gajop/Justiça Cidadã

Faixa Etária 1% 1%

Acima de 61

4%

50-60

9% 21%

36-49

29% 66%

22-35

49% 4%

18-21

10%

Ano 2008

4% 2%

Até 18 0

20%

40%

60%

80%

Média 2003-2007

Figura 11 – Gráfico representativo, por faixa etária, do número de mulheres atendidas nos núcleos Fonte: Gajop/Justiça Cidadã

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Mais da metade do número de mulheres que buscam as ações do Projeto Justiça Cidadã é adulta, na faixa etária de 22 a 35 anos (57%), e outras na faixa etária de 36 a 49 anos (25%). As mais jovens lutam pelos direitos dos filhos, fruto de relações ocasionais ou de namoros curtos. Já as mais adultas, tiveram relações que duraram entre três e dez anos, mesmo não legalmente. O tipo de relacionamento mais comum é o de união estável. Escolaridade Superior Completo

2% 1% 2% 2%

Superior Incompleto EM Incompleto

12% 13% 13%

EM Completo

19%

39% 38%

5º a 8º 20%

1º a 4º

Ano 2008

32%

3% 2%

Não Alfabetizado 0

10%

20%

30%

40%

50%

Média 2003-2007

Figura 12 – Gráfico representativo da escolaridade de mulheres atendidas nos núcleos Fonte: Gajop/Justiça Cidadã

Aproximadamente 40% das mulheres atendidas têm uma média de oito anos de estudo; com a média de quatro anos de estudo são 25%, e apenas 1% chegou a cursar o ensino superior. Assim, a maioria da população atendida nos núcleos teve acesso à educação formal até o ensino fundamental (1.ª a 8.ª séries). 17


Renda Pessoal 80% 70% 60%

Menos que SM

50% SM

40% 30%

2SM

20%

3SM

10% 0

Sem Renda 2006

2007

2008

Figura 13 – Gráfico representativo da renda pessoal da população atendida Fonte: Gajop/Justiça Cidadã

Na Figura 13, percebe-se que 73% da população atendida recebem menos de um salário mínimo. Tabela 1 – Situação de trabalho das pessoas atendidas Situação de trabalho % Anos

Empregado

Não empregado

Eventual

Autônomo

Do lar

2006

37

51

12

N/c*

N/c

2007

35

53

12

N/c

N/c

2008

15

12

14

12

47

* N/c: Não consta Fonte: Gajop/Justiça Cidadã

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Mediação de conflito: contribuição para a cultura de Direitos Humanos Valdênia Brito Monteiro1

em torno de temas. Foi assim com gênero, criança e adolescente, articulação em rede, etc. Entretanto, a intervenção, tendo a mediação de conflito como um instrumento da prática, por meio de parcerias entre entidades da sociedade civil e governos, é de significativa relevância no contexto da construção da cultura de direitos humanos, tanto em nível nacional como internacional, uma vez que se traduz como a possibilidade de as pessoas conseguirem uma solução para seus problemas mediante a construção da autonomia para resolver situações sem que um terceiro possa dar uma decisão. Este texto tem a pretensão de provocar um diálogo a respeito da concepção de intervenção da mediação de conflito baseado na experiência realizada pelo Projeto Justiça Cidadã, parceria entre o Gajop, ONG de direitos humanos, e o Governo Municipal do Recife. O projeto tem como objetivo a disseminação do conhecimento sobre o acesso ao direito e à justiça e da resolução e mediação de conflitos, envolvendo famílias, grupos comunitários

Introdução As discussões e iniciativas voltadas para mediação de conflito e acesso à justiça não são recentes, datam do início dos anos 70. Contudo, novas roupagens foram sendo dadas aos debates e às possibilidades de trabalho sobre o tema. As novas iniciativas, no Brasil, tiveram seu boom nos últimos três a quatro anos com projetos de fortalecimento da cidadania que promovem o acesso à informação e ao direito e à justiça, como capaz garantir os direitos humanos, envolvendo o indivíduo, a família, a comunidade e grupos locais. Há, também, os projetos dos grandes escritórios que vêm tentando afirmar-se, com base na perspectiva do mercado, realizando formas extralegais e se colocando como mediadores ou árbitros. É verdade que em cada período surgem as grandes ondas, os modismos

1 Mestra em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, professora na área das Ciências criminais, coordenadora do Projeto Justiça Cidadã e sócia do Gajop.

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locais. Destaque-se que a primeira parte faz um resgate histórico da literatura sobre o tema.Acesso à justiça e resolução de conflito extrajudicial

res da sociedade e de lutas. A conjugação da noção de pluralismo jurídico com a concepção de acesso à Justiça dá-se pela necessidade de responder às demandas sociais emergentes da crise do positivismo jurídico dos anos 1960 e 1970.

A concepção do Acesso à Justiça, segundo Cappelletti e Garth (1978), passou por transformações, pois seu conceito no sentido stricto sensu relacionava-se exclusivamente com a possibilidade de as pessoas exigirem seus direitos sob os auspícios do Estado. Traduzia-se na ideia de acesso na perspectiva da proteção formal, relacionando-se com os direitos individuais, próprios da perspectiva do Estado liberal.

No Brasil, o debate torna-se efervescente nos anos 1980 com a publicação da obra de Cappelletti e Garth,3 e Santos.4 Este último tornou-se conhecido por seus estudos na favela do Jacarezinho, Rio de Janeiro. No seu texto sobre O Estado e o Direito na Transição Pós-moderna, já trazia à reflexão as características da mediação como resolução de conflito extrajudicial, a saber: 1. Ênfase em resultados mutuamente acordados, em vez da estrita obediência normativa. 2. Preferência por decisões obtidas por mediação ou conciliação, em vez de decisões obtidas por adjudicações (vencedor/vencido). 3. Reconhecimento da competência das partes para proteger os próprios interesses e conduzir a própria defesa em um contexto institucional desprofissionalizado e mediante um processo conduzido em linguagem comum. 4. Escolha como terceira parte de um não jurista (ainda que com alguma experiência jurídica), eleito ou não pela comunidade ou grupo, cujos litígios se pretendem resolver. 5. Diminuto ou quase nulo o poder de

No fim dos anos 1960 e inicio dos 1970, surge na Europa um movimento teórico-prático formado por profissionais da área do Direito, que provoca uma série de discussões temáticas sobre o uso alternativo do direito, pluralismo jurídico, acesso à justiça entre outros. A intenção era trazer à tona uma nova concepção emancipatória do direito e o significado do pluralismo jurídico. Este entendido como mais de um sistema jurídico vigorando (oficialmente ou não), explorando a existência de meios alternativos de regulamentação social que não estavam necessariamente atrelados ao Estado.2 Wolkmer (1994), ao dissertar sobre pluralismo jurídico, expressa que ele tem o mérito de demonstrar de forma abrangente as múltiplas formas de normativas não estatais originadas dos diversos seto-

3 Florence Project, coordenado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, com financiamento da Ford Foundation. 4 A pesquisa realizada por Boaventura de Sousa Santos, na década de 70, à qual ele deu o nome fictício de Pasárgada, constatou que, em relação às questões referentes ao uso e posse da terra na favela, os conflitos eram solucionados por meio da Associação de Moradores da favela, que utilizava normas confeccionadas por ela mesma, as quais divergiam das normas de Direito.

2 Dentre os autores que comungam dessa ideia, será destacado o pensamento de Boaventura de Sousa Santos (1980), Vedonato (2004) e Wolkmer (1994).

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coerção que a instituição pode mobilizar no próprio nome (SANTOS, 1991).

O Gajop surgiu com a perspectiva de um trabalho crítico na área de educação jurídica popular. Entidade com sede no Recife, em Pernambuco, com 28 anos de existência, foi fundado em 1981 por advogados que desejavam realizar uma ação educativa capaz de elevar o nível de informação, consciência e autonomia das organizações do movimento popular, bem como oferecer assessoria sobre a questão de posse da terra nas favelas da Região Metropolitana do Recife. A concepção de cidade como um espaço social, diminuindo o privilégio das elites, passava por conjugar esforços no sentido de que o Direito à Moradia sobrepunha-se ao Direito de Propriedade, e dessa forma, o Gajop estaria contribuindo para uma sociedade justa e igualitária.

No Recife, não se pode esquecer o trabalho de pesquisa de Falcão (1981),5 trazendo ao debate a importância da institucionalização e jurisdicização dos conflitos sociais como passo decisivo para a transição democrática.. O autor envereda para a discussão da democratização do Judiciário, esta com a função política de defender os direitos humanos e o acesso à Justiça como forma de permitir os mais amplos interesses coletivos da população marginalizada, condição essa para a expansão da cidadania. Esse período inicia-se com a reorganização da sociedade civil dando um passo importante para o processo de abertura política e a democratização dos poderes constituídos. A exemplo de entidades da sociedade civil com a missão de assessoria jurídica popular, destaca-se neste trabalho duas: o Instituto Apoio Jurídico Popular (Iajup) e o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) − entidade de direitos humanos, tendo como objeto de intervenção o direito à segurança e à justiça, o qual atualmente tem a experiência de mediação de conflito com o Projeto Justiça Cidadã.6

Ainda nos anos 1980, no Brasil, pode-se considerar a existência de uma bibliografia considerável a respeito da concepção de Direito e administração da Justiça, buscando a resolução de conflitos pelas vias extrajudiciais. Estas como mais uma possibilidade de a comunidade resolver seus conflitos mediante normas criadas pela própria comunidade. Oliveira (2004), em 1984, na sua dissertação de mestrado, Sua Excelência, o Comissário, já expunha a experiência da polícia que, no trabalho de resolução de casos da população de baixa renda, assumia um comportamento de uma justiça informal.

5 Joaquim de Arruda Falcão tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, atuando principalmente nos seguintes temas: Poder Judiciário, internet, reformas e globalização.

No campo da teoria do Direito, dois autores importantes, Lyra Filho e Warat, vêm contribuir para esse debate. O primeiro, nas suas discussões sobre o que é o Direito, faz estremecer os juristas con-

6 O Instituto Apoio Jurídico Popular, com sede no Rio de Janeiro, reuniu juristas e intelectuais de todo o Brasil, vinculados ao Movimento Social ou de visão crítica do Direito, fazendo surgir, a partir daí, uma produção jurídica alternativa que permitia reflexão e posicionamento. Essa instituição não existe mais, deixando um grande legado na produção crítica do direito.

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servadores quando expressa que “a maior dificuldade, numa apresentação do Direito, não será mostrar o que ele é, mas dissolver as imagens falsas ou distorcidas que muita gente aceita como retrato fiel” (LYRA FILHO, 1982, p. 7). Tem claro que o direito não pode ser visto sob o auspício da lei, uma vez que esta é um simples acidente no processo jurídico, “e que pode, ou não, transportar as melhores conquistas” (LYRA FILHO, 1983, p. 13). Essa concepção mais ampliada foi incorporada pelos militantes que trabalham com direitos humanos, entendendo que estes se constroem nas lutas sociais e, por isso, são históricos.

implantação da chamada “Justiça do Futuro”, os chamados juizados especiais, como forma de dar celeridade e efetividade ao processo, esperando que o Estado aperfeiçoasse suas atividades jurisdicionais, como aprimoramento da democracia e o aumento operacional da Justiça. Com a criação das Leis n.º 9.099/95 e n.º 10.259/01, intensificaram-se os estudos dos operadores do Direito sobre a nova forma de resolução de conflitos e o alcance dos juizados como capazes de atender uma demanda reprimida por justiça, e atendendo à necessidade de praticar o direito fundado na prioridade da pacificação social e de resolução de conflitos pela conciliação. Esta como uma tentativa de acordo amigável entre as partes antes do ajuizamento da ação ou durante um processo judicial. Como benefício, explicitaria: a) o ponto de vista da outra parte por meio da exposição de sua versão dos fatos, com a facilitação do conciliador; b) a possibilidade de administração do conflito de forma a manter o relacionamento anterior com a outra parte; c) celeridade do processo de conciliação. Percebe-se que no Judiciário vale mais um “mau acordo do que uma boa questão judicial”.7

Já Warat traz a discussão sobre o direito de uma forma mais irônica e tentando, como bem expressa, realizar uma “refundação” dos conceitos. Em vários textos, expõe que a dogmática jurídica implica a saturação ideológica no conhecimento do direito. Outro autor importante nessa discussão é Faria (1991) ao chamar a atenção da dificuldade do Poder Judiciário resolver demandas coletivas diante do processo de globalização. Nesse contexto, as discussões passaram pela crise do Judiciário para resolver demandas e, por isso, tiveram rebatimento na justiça formal. Os debates sobre o direito de acesso à Justiça, reconhecido como “aquele que deve garantir a tutela efetiva de todos os demais direitos”, como diz Cappelletti (1994, p. 71), contribuíram para que a Justiça (perspectiva formal) brasileira acelerasse em 1995 a

Passados quase quatorze anos da criação dos juizados, estes não têm conseguido dar conta das ações existentes, nem mesmo das conciliações. Hoje, estudos admi7 A arbitragem é um instrumento de resolução de conflitos em que há uma terceira pessoa para ajudar as partes a respeito de uma decisão, após ouvir argumentos e provas das partes ou de um conselho. Sobre o assunto, cf. Lima (2007).

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tem que, mesmo que se consiga a celeridade da justiça formal, esta não será suficiente para garantir o acesso efetivo à justiça.

questões essas de direitos humanos, tornam-se mais complexas, e o Judiciário não deseja ou não quer entrar em determinadas searas, o que significa se posicionar sobre determinadas matérias. As soluções apresentadas para um universo cada vez mais amplo de demandas trazidas ao Judiciário não se encontram de modo explícito nas leis.

Em 2004, vem a Emenda Constitucional n.º 45 da Constituição Federal sobre a reforma do Judiciário. Percebeu-se que as alterações foram de natureza institucional e procedimental, como a ideia da súmula vinculante, a Lei dos Recursos Repetitivos e o critério de transcendência, etc. Infelizmente a reforma desejada não foi realizada. É perceptível que conflitos gerados por relações de exploração, falta de política, violação aos direitos econômicos, sociais e culturais não têm lugar nos debates sobre o papel do Judiciário.

Mediação de conflito como prática de Direitos Humanos O instrumento mediação de conflito como prática de direitos humanos é recente e pouco trabalhado. De modo geral, tem-se valorizado a técnica de que como por si só bastasse, distanciando-se da discussão de cidadania. Percebe-se, também, que algumas experiências práticas no Brasil fazem confusão entre mediação e conciliação. Em alguns casos, a mediação tem sido realizada como forma de conseguir acordos entre pessoas que vivem um conflito, quando, na realidade, ela deve ser vista como a capacidade de as pessoas administrarem, lidarem com determinadas situações, baseadas no diálogo, e possibilidade de restauração da harmonia entre as partes para a solução do problema.

Sabe-se que algumas demandas levadas ao Judiciário buscam respostas para uma gama de situações que desafiam o próprio dogmatismo jurídico e que têm a ver com a diversidade de questões não consideradas objetos de pauta do Poder Judiciário. Faria (1991) questiona até que ponto estarão os tribunais e seus magistrados aptos, funcional e tecnicamente, a lidar com conflitos classistas e transgressões de massa envolvendo grupos, classes e coletividade. Esse questionamento traz em si a resposta sobre a não-modificação da estrutura do Judiciário. Não há propósito de buscar resolver alguns conflitos, porque a igualdade e a liberdade formal não vão dar conta da relação de poder e os limites expostos pelo sistema político vigente.

A mediação como contribuição para a cultura de direitos humanos parte do pressuposto da necessidade de exercício da cidadania: [...] compreendida como processos de criação de espaços sociais de luta por direitos, de participação política, nos quais os cidadãos e cidadãs são também inven-

As discussões sobre justiça e movimentos sociais, crise mundial violência. etc., 23


No entanto, nem tudo pode ser mediado. Inclusive, o mediador deve ter a capacidade de perceber se determinado caso é passível de mediação. Em uma situação com um grau de tensão grande, em que as partes chegam a um nível de violência e intolerância para o diálogo, não se pode propor a mediação.

tores (as) e criadores (as) de direitos. É o que muitos chamam de ‘cidadania ativa’, já que pressupõe autonomia plena do sujeito que, por sua vez, tem total sabedoria sobre seus direitos e deveres, individuais e coletivos. (PROJETO JUSTIÇA CIDADÃ, 2006, p. 6).

Cabe-lhes, pela própria condição de sujeitos de direitos, atuar no sentido de promover ações que alterem situações de exclusão. Essa é a noção básica para poder propor uma cultura de direitos (CARBONARI, 2008, p. 31).

A mediação não pode ser para amortecer violações aos direitos humanos, a exemplo do tema criminalização dos movimentos sociais. Por isso é tão difícil pensar mediação de conflitos em questões de Direito Penal. Atrás da falsa ideia de igualdade jurídica, o controle social formal esconde uma desigualdade social, pois, na prática, a execução da lei não é igual para todos.

O mediador tem o papel de decodificar o conflito, por isso faz-se necessária uma equipe interdisciplinar para que possa entender, baseada na fala e no não dito, o real desconforto entre as partes. O mediador não precisa ser especializado em algum tema. Essa ideia difere muito da concepção do chamado advogado popular das discussões dos anos 1970 e 1980. À época, mesmo inconsciente, parte de alguns advogados tinha a pretensão de que ensinar direito era algo exclusivo de advogados, cabendo a eles a conciliação. Em projetos de educação jurídica popular, cada profissional atuava nas funções tidas como de sua especialidade. A exemplo disso, alguns diziam: “questões de pobreza envia para a assistente social.” O sociólogo? Seu lugar é na academia; e assim passavam algumas discussões. Por esse motivo, grande parte da bibliografia sobre meios alternativos e acesso ao direito e à justiça encontra-se na área do Direito.

O status de criminoso é distribuído de modo desigual entre as parcelas da população vulnerabilizada na hierarquia social que terão as maiores chances de serem selecionadas como população criminosa. Por trás de funções declaradas do sistema penal − de manutenção da paz social, ou da tutela de bens jurídicos eleitos socialmente −, existe uma função sua não declarada, qual seja a de sustentar a hegemonia de um setor social sobre o outro. (BARATTA, 1999, p. 35).

Por isso, os conflitos agrários envolvendo os sem-terra e proprietários também não são mediáveis. Nesse caso, existem várias discussões que não podem ser ocultadas, como a discussão da política pública que transcende aos conflitos entre as partes, a criminalização dos movimentos sociais, o papel da mídia, entre outros. Outro exemplo são os casos de vio24


lência doméstica e exploração sexual, até o rompimento das relações diplomáticas entre os Estados-Nação que violam direitos fundamentais, em que não é possível realizar a mediação, porque vão de encontro aos princípios de direitos.

Quando se coloca a mediação de conflito como instrumento para trabalhar a cultura de direitos humanos, percebe-se que, cada vez mais, determinadas situações extremas poderiam ser evitadas pela prevenção e, consequentemente, não passariam pela questão jurídica formal. Muller (1995, p.151) diz:

A Comissão Interamericana de Mulheres da OEA, no relatório sobre o Informe Hemisférico (adotado na 2.ª Conferência de Estados-Parte, em Caracas, Venezuela, 9 e 10 de julho de 2008, Caracas Venezuela) − mecanismo de seguimento da Convenção de Belém do Pará (MESECVI) −, mostra preocupação com o fato de que alguns Estados estão realizando conciliação e mediação entre a vítima e o autor da violência, e expressa:

[...] a mediação visa conduzir dois protagonistas a passar da adversidade à conversação (do latim, conversari, voltar-se para), ou seja, levá-los a voltar-se um para o outro para conversar, compreender-se e, se possível, chegar a um acordo que abra caminho à reconciliação.

Destaca-se aqui que a concepção conflito não tem seu caráter negativo, mas daquilo que faz parte da condição humana. O conflito torna-se um problema quando deixa de ser uma oportunidade para avançar no ideário de construções, pactos coletivos e possibilidades e torna-se obstáculo para a construção do diálogo sobre interesses. “A não violência não pressupõe, portanto, um mundo sem conflitos.” (Muller, 1995, p. 20). “A violência como ato que transgride a complexidade entre as coisas e os homens.” (Muller, 1995, p. 147).

Es de notoria preocupación para el CEVI que se sigan usando estos métodos que no se puedem aplicar para casos de violencia donde no cabe negociación alguna cuando se han vulnerado derechos fundamentales. Por ello, el Comité pone énfasis en que los mecanismos de mediación o conciliación no deben ser usados previo a un proceso legal, sea que este se instaure o no, y en ninguna etapa del proceso legal y de acompanamiento a las mujeres víctimas. (OEA, 2008).

A igualdade e o respeito à diferença é um valor relacionado com a dignidade humana. Na perspectiva da justiça social apresentada por Nanci Fraser (2003), em “uma concepção que promova a interação entre as diferenças e que estabeleça sinergias com a redistribuição“, não é possível discutir direitos humanos deixando de lado a questão política dos atores envolvidos.

Nesse sentido, o meio pacífico da nãoviolência busca solucionar o conflito procurando entender as causas que levam ao espiral da violência. Os meios pacíficos buscam a possibilidade da escuta e o diálogo como capazes de construir estratégias e dinâmicas de transformação coletiva. 25


Neste século, tem de se reforçar o princípio cooperativo, o empoderamento das partes, o acesso ao direito e compromissos entre os indivíduos e grupos. A mediação pode ser instrumento utilizado tanto nas relações individuais como nas comunitárias e políticas.

remoção de minas dos caminhos, ajuda à reconstrução, etc. A manutenção da paz salvou inúmeras vidas, por mais que se questione esse órgão internacional. A mediação por meio do projeto Justiça Cidadã

O exemplo claro das possibilidades da mediação está no papel da ONU para manutenção da paz e do seu interesse em controlar conflitos que ameaçam a paz e a segurança internacional. Pode-se perguntar até que ponto esse instrumento é eficaz no caso específico como a ONU. Todas e quaisquer condições para tentar resolver determinadas disputas de forma pacífica e dialógica − voltadas para a importância dos acordos internacionais e a estabilidade dos países, pautadas numa diplomacia preventiva − colaboram para uma solução amistosa entre as partes. “A paz não é, não pode ser e nunca será, a ausência de conflitos, mas sim o controle, a gestão e a resolução dos conflitos por outros meios que não os da violência destruidora e mortal.” (Muller,1995, p. 20).

Nesses sete anos de prática do Justiça Cidadã,8 vem aprofundando-se qual a contribuição desse projeto para a missão do Gajop, que é contribuir para a democratização e o fortalecimento da Sociedade e do Estado, na perspectiva da vivência da cidadania plena e da indivisibilidade dos Direitos Humanos. Nessa perspectiva, a mediação para o Projeto Justiça Cidadã é considerada um dos instrumentos da sua prática. Seu objeto é o acesso ao direito e à justiça. O direito de ter direito, como diz Hannah Arendt (1973). O acesso ao direito passa primeiro por conhecê-lo, depois incorporá-lo como tendo direitos e, por último, sua capacidade de exigi-lo, como sujeito de direito. O projeto é mais que um balcão de direitos. Se entender a palavra balcão (móvel comprido, que separa a parte da entrada destinada ao público da parte de den-

O exemplo apresentado sobre a ONU expõe que é possível a mediação no âmbito internacional. Quando a persuasão falha, o instrumento para resolução de conflito fica impossibilitado. O instrumento não vai ser possível em todos os casos. Só é provável estabelecer a paz duradoura quando as partes têm vontade política de pelo menos evitar a guerra. Mas quando falha a mediação, existem outros recursos para diminuir o impacto, a exemplo das ajudas humanitárias, proteção a civis,

8 Com o objetivo de estimular pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social ao exercício da cidadania (individual e coletiva) e contribuir para que elas tenham oportunidades de acessar o Direito e a Justiça, realizamse diariamente nos três Núcleos (localizados nos seguintes bairros recifenses: Caxangá, Ibura e Pina) as seguintes ações: atendimento coletivo (Roda de diálogo sobre direitos); Atendimento individual (de orientação jurídica ou psicossocial); mediação de conflitos (para casos de pensão alimentícia); intervenção judicial (para casos emblemáticos que não são mediáveis, como a violência doméstica).

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tro, onde ficam os funcionários que fazem o atendimento) como aquele que é atendido do lado de fora e é um cliente − entendido como consumidor − que compra um serviço. O Justiça Cidadã superou essa fase, porque colaborar para a consciência de direitos, mesmo que em nível micro, não pode ser visto em uma perspectiva instrumental. Há a clareza da importância dos direitos humanos por reconhecimento de direitos. Passando pelo acesso ao direito e à Justiça que significa potencializar ações no sentido de contribuir para as condições mínimas da ideia de dignidade humana, ponto orientador do projeto. Este, como formação em direitos humanos, tem os seguintes pressupostos:

• Nesse sentido, a Formação articula a equipe consigo mesma e com outros atores que possam contribui, trocar, participar e influir na proposta do Projeto Justiça Cidadã; e mobilizar tais atores em uma rede social que tenha: 1. objetivos compartilhados e construídos coletivamente; 2. dinamismo, compromisso e cooperação dos envolvidos; 3. coexistência de diversidade; 4. produção, reedição e circulação de informação; 5. descentralização de poder; 6. ambiente fértil para parcerias; 7. empoderamento dos envolvidos; 8. oportunidades para crescimento individual e coletivo (PROJETO JUSTIÇA CIDADÃ, 2006, p. 9).

Portanto, apoiado na metodologia de educação em direitos humanos, o Projeto Justiça Cidadã não entende a mediação simplesmente como técnica, e sim como instrumento que colabora para a construção da cultura de direitos, levando em consideração a luta pelo reconhecimento da dignidade humana inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis, que constituem o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, tal como exposto no preâmbulo da Declaração Universal de Direito Humanos. Como se sabe, a formalidade da lei não atende às tantas particularidades dos chamados grupos vulneráveis. Daí a importância de um conceito valorativo que defenda a igualdade como condição da dignidade humana. Isto é, que compreenda que toda pessoa deve ter o direito de desenvolver plenamente como ser humano e tendo uma vida digna.

• Abertura e diálogo, compreendidos na perspectiva de (I) reconhecimento do outro, portanto da diversidade de sujeitos individuais e coletivos; (II) desconstrução de verdades absolutas e discursos autoritários que se têm como referências únicas para compreensão da realidade e para as práticas cotidianas; (III) respeito à diversidade de saberes no processo de constituição de campos políticos de interesse público. • Reconhecimento das dimensões de classe, raça e gênero como constitutivas das relações sociais, portanto das desigualdades, devendo integrar práticas políticas e educativas que se proponham à afirmação da igualdade de direitos e do respeito à diversidade dos modos de ser. Construção/exercício da cidadania individual e coletiva, tanto na esfera da organização política do Estado, como na micropolítica da vida social.

O reconhecimento integral passa pela efetividade dos direitos: os civis e políticos, econômicos, sociais e culturais.

• Produção coletiva de conhecimentos, articulando teoria e prática. 27


Quanto mais os sujeitos tiverem a capacidade de resolver seus conflitos com o princípio da não-violência e da tolerância, mais serão aptos para serem sujeitos de direitos.

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Sistematização de experiências como parte constitutiva de projetos sociais: o caso do Justiça Cidadã Mariângela Ribeiro de Almeida1 Para Vânia Santos e Síria Silva, do saudoso Cenap, que contribuíram nos passos deste caminhar.

ponder às demandas internas de reflexão e de apropriação coletiva dos conteúdos e conceitos que fundamentam as ações; contrapor-se às exigências impostas de forma vertical e positivista de Planejamento, Monitoramento e Avaliação (PMA) por parte das agências de cooperação internacional.

Considerações iniciais: alguns aspectos teóricos e históricos Nos últimos anos, a chamada sistematização de experiências tornou-se bastante cara às organizações da sociedade civil. Como observa Meireles (2007), a demanda por reflexão acerca da prática social está em muitos “termos de referência” de governos, agências de cooperação internacional, fundações empresariais e institutos de pesquisa. Exigência que não é nova.

Mas, afinal, o que significa sistematização de experiências nos termos utilizados por movimentos sociais? Sabe-se que sistematização diz respeito a uma forma científica de conhecer a realidade, seja por meio de informações, dados qualitativos, quantitativos, etc. Dito de outra forma, qualquer pesquisa ou avaliação é uma sistematização.

A sistematização de experiências surgiu como ferramenta de ação entre os movimentos sociais da América Latina no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980 para atender duas necessidades.2 Res-

No entanto, quando se fala de sistematização de experiência a partir de trabalhos sociais, há uma particularidade. Embora não exista um conceito exato, as definições utilizadas pelo Programa de Sistematização do Conselho de Educação de Adultos da América Latina (CE-

1 Socióloga. Colaboradora do Gajop e coordenadora do Projeto Justiça Cidadã no período de 2006 a maio de 2009. 2 Nesse período, as contribuições de Centros de Estudos mexicano, chileno e peruano são consideradas fundamentais para a construção teórica da chamada sistematização de experiências como prática específica vinculada à concepção de Educação Popular. Para saber mais, consultar Palma (1992).

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AAL), Peru e Chile, que trabalha o tema por meio da Oficina Permanente de Sistematização, são aceitas por muitos profissionais do campo social:

Indo para além da compreensão do Ceaal, muitos estudiosos e profissionais definem que a prática de sistematização de experiências poderá ser assumida como dimensão constitutiva da ação políticoeducativa a caminho:

Entendemos a sistematização como um ‘processo permanente e acumulativo de produção de conhecimentos a partir das experiências de intervenção em uma realidade social. Ele alude a um tipo particular de intervenção, aquela que se realiza na promoção e na educação popular, articulando-se com setores populares e buscando transformar a realidade. (BARNECHEA; GONZALEZ; MORGAN, 1992, p. 11. Tradução livre).3

• de um pensamento e diálogo livre e fiel do sentido da ação no limiar da relação entre intenções e gestos, portanto a caminho da apropriação crítica da própria experiência por parte dos seus sujeitos; • da produção e publicização de conhecimentos e saberes, tomando isso como elemento da ação política e, por fim,

“[...] sistematização é uma espécie particular de criação participativa de conhecimentos teórico-práticos, a partir de e para a ação de transformação.” (CADENA apud JARA, 2006, p. 24).

• do compartilhamento, fortalecimento e registro histórico de modos possíveis de sociabilidade, política, economia.

Como se observa, a noção de sistematização de experiências que se utilizará aqui se relaciona com as premissas da educação popular, e não com aquela vinculada à administração instrumental, implicitamente sugerida por muitos financiadores ao exigirem sistematizações que auxiliem na “replicação” de “boas práticas”, ou melhor, na rentabilidade do investimento.

Então, o que diferencia essa forma particular de reflexão da experiência (produção de conhecimento) é seu caráter coletivo/participativo e a sua relação intrínseca com a experiência vivenciada. Assim, mesmo que não se tenha um pleno acordo quanto ao conceito e aos conteúdos que lhe atribuem, “[...] todas as propostas de sistematização expressam uma oposição flagrante com a orientação positivista que guiou e ainda guia as correntes mais poderosas das Ciências Sociais [...]” (PALMA, 1992, p. 13).

Isso posto, apesar da inclusão da sistematização no plano de trabalho de quase todas as entidades e movimentos sociais, nem sempre é a sistematização de experiência que prevalece. Em muitos casos, ela é utilizada apenas como “instrumento” externo, que só envolve toda a equipe em momentos pontuais, não sendo compreendida como exercício, processo e parte constituinte da própria ação que se desenvolve.

3 No original: “Entendemos a la sistematización como un ‘proceso permanente y acumulativo de producción de conocimientos a partir de las experiencias de intervención en una realidad social”. Ello alude a un tipo particular de intervención, aquélla que se realiza en La promoción y la educación popular, articulándose con sectores populares y buscando transformar la realidad.”

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Para refletir sobre as dificuldades e possibilidades do exercício da sistematização de experiência, apresentarei a proposta do Projeto Justiça Cidadã que, há mais de três anos vem-se esforçando para consolidar um modelo que define sistematização de experiências como parte fundamental (e fundante) do seu fazer. O resgate desse processo foi feito por meio da análise das falas dos integrantes da equipe do Justiça Cidadã que, em janeiro de 2009, como atividade avaliativa, revisitou coletivamente sua história.

tivo de acesso à justiça ao conceito de cidadania. A equipe também começa a sistematizar sua prática, questionando a “cultura de clientelismo da prefeitura, o trabalho meramente jurídico, o local dos Direitos Humanos nas ações e a existência (ou não) de autonomia da equipe” (PROJETO JUSTIÇA CIDADÃ, 2009). A convergência entre o desejo do Gajop e da própria equipe em fazer algo mais que um trabalho de “banca de advogados” contribuiu para que, a partir de 2004, o projeto tomasse novos rumos: a equipe realiza coletivamente uma pesquisa para sistematizar e planejar ações; os atendimentos coletivos são desenhados e implantados; faz-se um recorte em “direito de família” para delimitar melhor a ação e melhorar o atendimento; os Direitos Humanos tornam-se referenciais mais fortes para as ações.

O longo caminhar O Projeto Justiça Cidadã, desde seu surgimento em 2002, realiza encontros formativos com a equipe. Porém, por muito tempo, essas atividades eram entendidas naquele conceito tradicional de capacitação, que quer dizer treinamento profissional pontual. As pessoas da equipe que viveram esse momento assim o descrevem: “Não havia unidade nos modos de ação e a construção e definição de equipes tinha incongruências.” (PROJETO JUSTIÇA CIDADÃ, 2009). Esse formato era condizente para o primeiro ano de um projeto criado pela Prefeitura que tinha um caráter estritamente jurídico-formal, cujo objetivo era “possibilitar às pessoas empobrecidas o acesso à justiça” (PROJETO JUSTIÇA CIDADÃ, 2009). O Gajop, como ONG parceira, deveria apenas capacitar a equipe.

Porém, a formação continua uma atividade externa e pontual, sendo realizada por meio de poucos encontros no decorrer do ano, conduzidos por entidades ou profissionais externos. Formato que começa a mudar apenas em 2005, com a importante contribuição do Centro Nordestino de Animação Popular (Cenap), ONG com grande acúmulo em processos formativos e sistematização de experiências que infelizmente fechou suas atividades depois de dezoito anos de atuação.

Passado o primeiro ano de experiência, o Gajop começou a propor mudanças na tentativa de vincular esse obje-

A partir daí, aos poucos, de atividades pontuais e de caráter profissional, os encontros formativos tornaram-se par32


te constitutiva de sua ação. Ou seja, de um processo feito externamente para a equipe, tornou-se um processo contínuo da equipe.

são institucional do Gajop. (PROJETO JUSTIÇA CIDADÃ, 2006).

Para tanto, a formação nesse documento se direciona a “três perspectivas: (I) redirecionamento do projeto em suas dimensões político-educativa; (II) análise da concepção e lugar do projeto no GAJOP e (III) impulsionamento de mudanças nas concepções e práticas de atendimento e na compreensão de justiça que orienta o projeto” (PROJETO JUSTIÇA CIDADÃ, 2006).

Entre 2005 e 2007, o Projeto Justiça Cidadã realizou encontros formativos com as premissas da educação popular. Nas oficinas pedagógicas com o Cenap durante esse período, a equipe passou a atentar criticamente para as relações entre poder/saber, identidade/diferença, igualdade/autonomia, bem como para a ideia de justiça, iniciando a aposta nos chamados “meios alternativos de acesso à justiça”.

Dito de outra forma, a proposta já apontava para a chamada sistematização de experiências, mesmo que não usasse esse termo.

Opção que não significa facilidade ou tranqüilidade, pois exige disposição para abertura, diálogo sobre nossa atuação e a do outro, sobre as relações entre ação e discurso, sobre as contradições, tensões, posições, etapas; abertura para refletir e extrair contribuições tanto para a prática como para seus fundamentos teóricos.

Na primeira etapa (entre julho de 2006 e janeiro de 2007), ainda com a consultoria do Cenap, realizou-se a construção compartilhada da Proposta Político-Pedagógica do projeto. Esta se realizou em dois momentos: 1. Encontros da equipe de coordenação com as profissionais do Cenap para a elaboração: de referenciais conceituais (Justiça, Meios de acesso ao direito e à justiça, Cidadania, Direitos Humanos e Elementos estruturantes da desigualdade social – classe, raça, gênero e geração); dos objetivos, da estrutura, referenciais e passos metodológicos do processo de formação; dos temas e categorias chaves a priorizar; da apresentação e discussão do esboço inicial com toda a equipe; 2. Encontros com toda a equipe do Projeto para discutir e aprovar a Proposta e fazer dela o documento-base de fundamentação das ações do Projeto. (PROJETO JUSTIÇA CIDADÃ, 2006).

Nesse sentido, o caminho foi longo, às vezes com retrocessos, dores, mas aos poucos, o que seria apenas uma formação de equipe (capacitação) foi ganhando fôlego. Em julho de 2006, a formação ganhou uma definição mais precisa, que vem balizando todo o seu desenvolvimento. Seus objetivos são: [...] contribuir para a construção de uma metodologia de educação em direitos humanos com foco nos mecanismos alternativos de acesso à justiça; Orientar e qualificar a prática político-pedagógica do projeto; aprofundar os referenciais teóricos do projeto tendo como base a mis-

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Como se pode verificar, embora a ideia fosse coletiva, o processo ainda ocorria de forma dividida: 1. elaboração reflexiva de conceitos pela coordenação; 2. aprovação e apropriação dos conceitos pela equipe executora. Contudo, esse início ainda partido (pensamento/ação) não diminuiu a importância do momento. As premissas da educação popular impulsionaram a equipe (coordenação/execução) a refletir criticamente sobre seu fazer e a sugerir alterações e inovações.

Abertura e diálogo, compreendidos na perspectiva de (I) reconhecimento do outro, portanto da diversidade de sujeitos individuais e coletivos; (II) desconstrução de verdades absolutas e discursos autoritários que se têm como referências únicas para compreensão da realidade e para as práticas cotidianas; (III) respeito à diversidade de saberes no processo de constituição de campos políticos de interesse público. Reconhecimento das dimensões de classe, raça e gênero como constitutivas das relações sociais, portanto das desigualdades, devendo integrar práticas políticas e educativas que se proponham à afirmação da igualdade de direitos, e do respeito à diversidade dos modos de ser.

Um exemplo disso foi que, paralelamente à construção da Proposta Político- Pedagógica, timidamente, também se iniciou em 2006 atividades intermódulos, previstas na referida proposta: estudos e discussões, com a participação de profissionais externos, sobre temas importantes para a formação da equipe e desenvolvimento das atividades.

Construção/exercício da cidadania individual e coletiva, tanto na esfera da organização política do Estado, como na micropolítica da vida social. Produção coletiva de conhecimentos, articulando teoria e prática.

No entanto, foi em 2007 que o modelo mais participativo e amplo de formação foi aos poucos se realizando. As reuniões ganhavam maior freqüência e os profissionais da equipe ocupando espaço nas reflexões políticas e elaborações teóricas, e não mais apenas nas discussões sobre execução.

Articulação da equipe consigo mesma e com outros atores que possam contribuir, trocar, participar e influir na proposta do Projeto Justiça Cidadã; e mobilizar tais atores em uma rede social que tenha: 1. objetivos compartilhados e construídos coletivamente; 2. dinamismo, compromisso e cooperação dos envolvidos; 3. coexistência de diversidade; 4. produção, reedição e circulação de informação; 5. descentralização de poder; 6. ambiente fértil para parcerias; 7. empoderamento dos envolvidos; 8. oportunidades para crescimento individual e coletivo. (PROJETO JUSTIÇA CIDADÃ, 2006, p. 9).

Após a aposta na ação participativa, o cenário de 2008 estava propício ao trabalho coletivo. Resgatando as referências da Proposta Político-Pedagógica de 2006, bem como passando a compreender o sentido e a importância da sistematização de experiências, a formação/ sistematização foi integrada à lógica do projeto e possibilitou:

Mais que isso, a formação/sistematização passou a ser compreendida como priori34


tária na medida em que favorece o intercâmbio de experiências, auxilia a equipe na compreensão de seu trabalho, possibilita a aquisição de conhecimentos teóricos com da prática que, dialeticamente, orientará uma prática mais qualificada.

experiência e diálogo com outras práticas mediadoras, o projeto foi revisado, conhecido e alterado no necessário para atingir os objetivos sociais. Hoje, é referência por sua mediação fundamentada nos Direitos Humanos.

Ou seja, o processo coletivo de produção de conhecimento que orienta a ação deixou de ser um “evento” para ser uma “rotina”. Semanalmente, a equipe se reúne para dialogar sobre o fazer, sobre as tensões, as necessidades, as possibilidades de sua atuação; constantemente a equipe se reúne para estudar, discutir teorias, dados, informações, com ou sem a participação de convidados externos, que orientem o objetivo maior do projeto, contribuir para um mundo mais justo.

Portanto, no caminho da produção e apropriação coletiva dos conteúdos, a equipe passou a sistematizar sua prática executora, a prática dos grupos que participam das ações do Justiça Cidadã e suas relações no contexto do projeto. Nos termos que Jara (2006, p. 22) usa para descrever a sistematização, a equipe se apropriou da experiência vivida e deu conta dela, compartilhando com os outros o aprendido. Mesmo que não use esses termos, a equipe do Projeto Justiça Cidadã vem experimentando, nos últimos dois anos, o exercício chamado sistematização de experiências. O que vem garantindo maior organicidade à equipe, conforme comprova o seguinte depoimento: “A formação continuada, planejada e realizada coletivamente, possibilitou maior segurança e autoestima na equipe, qualificou o atendimento e a relação da equipe.” (fala de um dos grupos de trabalho colhida na avaliação de janeiro de 2009).

O desenvolvimento de um modelo mais participativo gera maior engajamento dos atores envolvidos e, consequentemente, mudanças na concepção e execução de qualquer ação. No caso do Justiça Cidadã, o antigo desejo de uma atuação mais voltada para educação em direitos foi definindo-se, bem como a preocupação de maior aproximação e envolvimento com as comunidades onde se situam os três núcleos (Caxangá, Ibura e Pina). A dinâmica desse exercício também gerou decisões coletivas, dialogadas e negociadas constantemente. A maior foi, certamente, o processo de construção do conceito de Mediação Familiar desde sua história e seus estudos coletivos. Por meio de discussões internas, participações em espaços externos de discussão e formação, sistematização de dados e de

Referências BARNECHEA, Maria M.; GONZALEZ, Estela; MORGAN, María de la Luz. La producción de conocimientos en sistematizacion. in: Taller Permanente de Sistematizacion. 1998. Disponível 35


em: <http://www.grupochorlavi.org/ webchorlavi/ sistematizacion/barnechea.PDF>. Acesso em: 3 jul. 2009. JARA, Oscar. Para sistematizar experiências. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2006. MEIRELES, Maria Cristina. Conhecimento e prática social: a contribuição da sistematização de experiências. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação) − Pontifícia Universidade católica, São Paulo, 2007. PALMA, Diego: La sistematización como estrategia de Conocimiento en la Educación Popular: el estado de la cuestión en América Latina. Papeles del CEAAL, Santiago de Chile, n. 3, 1992. PROJETO JUSTIÇA CIDADÃ. Cartografia do tempo: construção coletiva. In: ______. Relatórios do processo avaliativo de 2009. Recife: Gajop, 2009. ______. Proposta político-pedagógica 2006. Recife: Gajop, 2006. ______. Relatórios do processo avaliativo de 2009. Recife: Gajop, 2009.

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À sombra do poder judiciário: mediação de conflitos no bairro do Ibura Júlia Loonis Oliveira1

O Ibura é um bairro de periferia de uma metrópole brasileira, a cidade do Recife, e como tal tem características próprias, porém representativas de nossa realidade de violência, segregação e discriminação, lacunas dramáticas em educação, ausência de familiaridade com os conceitos de cidadania, de direitos e deveres. É nesse bairro que funciona um dos três Núcleos de Assistência Judiciária da Prefeitura do Recife – Justiça Cidadã. Segundo dados recolhidos entre as pessoas atendidas no Núcleo, em 2007, no ensino médio não ingressaram 71,2% dessas pessoas, e um quarto delas não foi além da 4.a série do 1.º grau. Vale também ressaltar que, segundo dados coletados em 2008, 91,5% dos atendidos não participavam de nenhum grupo, associação ou entidade, o que denota um grau baixíssimo de orga-

nização, de participação na comunidade e prática da cidadania.2 As dificuldades que decorrem de uma realidade social tremendamente diferente da europeia, em que foi desenvolvido nos últimos anos o marco teórico do processo de mediação, eram previsíveis e são inevitáveis. Um dos desafios com que nos confrontamos todos os dias é conciliar um trabalho no nível extrajudicial com as expectativas de um público que só reconhece o valor de seus direitos e deveres no âmbito formal e pouco acessível do Judiciário. O discurso mais comum que ouvimos por parte das pessoas que chegam pela primeira vez ao núcleo é: “Vim para botar o pai” (ou, mais raramente, a mãe) “do meu filho na justiça.” Não há nada

2 Até o mês de setembro. Todos os dados relativos às atividades de atendimento no Ibura são referentes a 2007, exceto este, uma vez que a pergunta "participa de algum grupo, associação, entidade?" não constava no questionário de atendimento usado em 2007.

1 Historiadora e internacionalista do Gajop no Projeto Justiça Cidadã.

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cou na Justiça, elas ilustram perfeitamente essa realidade.

de espantoso nesse discurso a priori, nessa esperança e expectativa de justiça. As pessoas que chegam ao núcleo o fazem esperando que seu problema seja resolvido por uma terceira parte.

Como podemos explicar essa aparente necessidade de judicializar seus conflitos? Na verdade, nós mesmos, técnicos do Projeto Justiça Cidadã, em certos aspectos do nosso trabalho, acabamos endossando essa visão. Tentamos sair dela e não reproduzi-la, mas nos servimos dela para assegurar um mínimo de eficácia do processo de mediação.

Porém, passa a ser surpreendente ouvir essas mesmas pessoas repetindo e perpetuando a ideia de que “estão na justiça”, mesmo após terem recebido explicações sobre o processo de mediação oferecido no núcleo. Vale então perguntar a razão. Por que na hora de entregar a carta-convite ao ex-marido, quando o processo de mediação já lhes foi explicado, elas continuam dizendo à outra parte que vão à Justiça? A resposta é simples e se torna evidente quando escutamos o depoimento das mulheres ou homens que vêm requerer a atuação do núcleo: o peso da justiça, e somente ele, pensam, fará o outro realmente comparecer.

Como já exposto, as pessoas que chegam ao núcleo vêm à procura da Justiça no sentido de ordem judicial. A grande maioria delas nunca ouviu falar em mediação, ou tem, no máximo, uma familiaridade com o conceito de conciliação. A ideia de que eles mesmos vão ser os próprios juízes, que a decisão tomada no núcleo deve partir deles mesmos, em si, não é rejeitada. Porém, sempre ou quase sempre, a preocupação da garantia é levantada, quando as mulheres (majoritárias em nos procurar) perguntam: “E se ele não vier, e se ele não cumprir?”

Isso não significa que o processo de mediação seja rejeitado. Pelo contrário, quando as duas opções – a de uma ação judicial e a da mediação – são apresentadas e propostas, observamos, quase surpreendentemente, que a opção pela mediação é, na grande maioria das vezes, privilegiada pelas pessoas que procuram o núcleo. A morosidade do Judiciário, seu ponto fraco, acaba tornando-se o ponto forte da mediação.

O Projeto Justiça Cidadã tem a particularidade de não ter começado como projeto de mediação de conflitos, e sim como um projeto de assistência judiciária descentralizada (identidade que ele ainda carrega no nome). Nos primeiros anos de atuação, os núcleos trabalharam com qualquer tipo de necessidade que aparecesse no campo jurídico. Apesar do enfoque dado à mediação em questões de pensão alimentícia nos últimos anos, a equipe de advogados dos núcleos conti-

No entanto, não se pode negar que a imagem do Judiciário continua predominante, e quando as pessoas que procuram o núcleo se dirigem ao ex-companheiro para convocá-lo e lhe dizem que o colo38


nua entrando com ações judiciais de alimentos em certos casos, como aqueles caracterizados por violência doméstica e os casos de descumprimento de acordos feitos no núcleo.

ca. Afinal, não é mais objetivo do projeto ser uma assistência judiciária propriamente falando. Porém, antes disso, duas “cartas-convite” são enviadas ao solicitado. Assim, se ele não comparecer à primeira solicitação, sempre é dada uma segunda chance para a mediação ocorrer. Na verdade, é interessante ressaltar aqui que não se trata duas vezes da mesma carta-convite.

No Ibura, os casos de violência doméstica são tão numerosos que deixam de ser uma exceção. Do mesmo modo, os casos de descumprimento também são recorrentes. Em consequência, a atividade jurídica se desenvolveu tanto que existem na verdade duas vias de ação: a mediação e a ação judicial. O resultado disso foi que o esquema de atuação normal tornou-se o seguinte: se a tentativa de mediação não for bem-sucedida, partese para a ação judicial. Assim, quando as pessoas que procuram o núcleo perguntam “e se ele/ela (a outra parte) não vier, e se ele/ela não cumprir?”, a resposta dada sempre é a mesma: se ele ou ela não vier, se ele ou ela não cumprir, restará a possibilidade de recorrer à Justiça.

De fato, a ambiguidade do nosso discurso é evidente no caso desse convite pelo qual a “outra parte” é informada do dia e da hora da mediação. A primeira carta simplesmente estipula que a pessoa está convidada a comparecer para “tratar de assuntos de seu particular interesse”. Fora o papel timbrado da Prefeitura, não existe nenhum elemento objetivo ou subjetivo que possa dar a essa carta um peso legal ou coercitivo. Já a segunda carta, comporta um parágrafo adicional em letras capitais e em negrito: “O não comparecimento acarretará ajuizamento de ação judicial contra vossa senhoria, o que poderá findar em prisão.”

É importante ressaltar que, na prática, a ação judicial – quando não por caso de violência, mas por descumprimento de acordo – só é intentada depois de várias tentativas de mediação, inclusive de mediações de descumprimento. Quando um acordo não é cumprido, é comum proceder a uma ou várias novas mediações, dando assim novas possibilidades para as partes resolverem seus conflitos fora do âmbito judicial stricto sensu, privilegiando sempre a mediação.

Com essa segunda carta, cai qualquer pretensão de voluntariedade das partes! É difícil especular se teríamos baixas na demanda caso abandonássemos por completo essa possibilidade de entrar com uma ação na Justiça. Incontestavelmente, esse amparo da ação judicial é essencial para as pessoas ali atendidas. Paradoxalmente, o que já se observa há vários anos, no Brasil e no mundo, é um processo de “informalização da Justiça”, o qual contrasta fortemente com o sentimento

No caso da parte solicitada não comparecer para a mediação, a parte solicitante é encaminhada para a Defensoria Públi39


expressado pelas pessoas que são atendidas no núcleo.

Justiça Cidadã? Em parte, provavelmente porque a ideia de um “poder coercitivo superior” continua sendo característica de nossa sociedade. De modo geral, a sociedade moderna assimilou durante séculos que conflitos se resolvem no âmbito formal. Segundo Boaventura de Sousa Santos (1990, p. 25), “a atribuição ao Estado do monopólio da justiça formal, convertida assim em justiça oficial [...] constitui a inovação jurídica principal da modernidade”.

A informalização da Justiça está ligada, desde os anos 1980, à questão das dificuldades de acesso à Justiça. Em meio a debates sobre essa questão, apareceram as chamadas três “ondas” de soluções, visando ultrapassar obstáculos socioeconômicos para a primeira, obstáculos de representação jurídica para a segunda, e obstáculos processuais de acesso à Justiça para a terceira. Basicamente, podemos dizer, citando Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 68), que “essa ‘terceira onda’ [...] centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas”.

Essa organização societal foi assimilada e nos aparece como a forma “tradicional” de organização, na maioria dos casos não questionada pelos cidadãos, independentemente de categorias socioeconômicas e profissionais. E se isso é verdade para as categorias socioeconômicas que têm mais acesso à instrução e informação sobre as novas organizações e as novas possibilidades, o que dizer das populações periféricas que têm pouco ou nenhum acesso a uma e outra?

Esse enfoque produziu várias reformas, tanto nas formas de procedimento como nas estruturas, ou nas representações judiciais. No entanto, para o que nos interessa, a chamada “terceira onda” se caracteriza principalmente pela “utilização de mecanismos privados ou informais de solução dos litígios” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 71). É nessa característica da terceira onda que se encaixa o Projeto Justiça Cidadã, assim como outras práticas existentes e desigualmente popularizadas como a arbitragem, a conciliação e a negociação.

Como já foi indicado, o trabalho nas periferias se direciona a comunidades de baixa renda – em que 80,4% dos atendidos têm renda inferior a um salário mínimo – baixa escolaridade e baixo nível de organização na comunidade. O que notamos no discurso das pessoas atendidas cotidianamente é que, para elas, uma concepção da justiça informal e extrajudicial é, senão uma surpresa, uma novidade. Pelo menos, essa concepção ainda não chegou até elas. De certo modo, pode-se dizer que as pessoas que chegam ao núcleo pela primeira vez não têm o pre-

Como explicar, então, que essas práticas – no caso, a utilização de mecanismos privados ou informais de solução de litígios – continuem não se refletindo no discurso das pessoas atendidas no Projeto 40


paro, não assimilaram essa nova proposta de organização da sociedade que é ao mesmo tempo não policial e não judiciária. Por outro lado, como afirma Marília Pessoa de Mello:

sociais informais “ao serviço de uma nova eficácia da acção do Estado”. Poderíamos quase concluir, seguindo sua ideia, que, pelas incoerências relatadas anteriormente, na verdade, as pessoas atendidas na mediação estão conscientes de que, apesar de ser extrajudicial e informal, há, sim, uma forma de Justiça estatal sendo exercida naquele momento. Como aponta Boaventura de Sousa Santos:

A conciliação não agrada o ‘senso comum’, pois afasta qualquer idéia de punição, diferindo da lógica do sistema penal. Esta medida procura atender aos anseios das partes quando proporciona o diálogo entre seus atores, possibilitando que estes encontrem a melhor maneira de minorar o seu conflito. Assim, esse instituto iria de encontro à tão almejada ‘segurança jurídica’ prometida pelo sistema penal que se concretiza, simplesmente, com a imposição de uma pena. (MELLO, 2008, p. 114).

[...] o senso comum que serve de suporte [aos mecanismos informais] tende a ser profissionalizado através de acções de formação de mediadores e de muitas outras formas; [...] as partes [...] vão a pouco e pouco confiando a representação a outros com mais conhecimentos [...]. Por estes e outros processos, a justiça informal vai duplicando, se não as formas, pelo menos, a lógica das formas da justiça formal. (SANTOS, 1990, p. 28).

Essa constatação feita em relação à conciliação também é pertinente no que diz respeito à mediação, e fortalece a ideia de “desejo” de um poder coercitivo superior.

Logo, na impossibilidade de negar a “cultura judiciária” que, sem dúvida alguma, reina na comunidade, nós a usamos e acabamos criando um processo de mediação efetivo sim, porém, graças à sombra do Poder Judiciário, que continua sempre existindo como um plano B.

De certa forma, o que observamos de nossa pratica da mediação nos leva também a questionar a real efetividade desse processo não tão recente de informalização da Justiça, do qual a mediação poderia ser considerada uma das ilustrações mais representativas, e mais sendo resultado de uma parceria entre os poderes públicos e uma organização da sociedade civil. Aqui, é interessante notar que, no pensamento de Boaventura de Sousa Santos (1990, p. 26), “a justiça informal nunca deixou de ser uma justiça oficial”, uma vez que, na verdade, “o poder do Estado insinua-se [...] no movimento de informalização da justiça”, pondo os poderes

Como encarar esses desafios: mediação e cidadania? A mediação no Brasil é uma prática nova em processo de definição. Pode-se dizer, de certo modo, que a mediação se tornou uma opção na moda, e está muitas vezes vinculada à noção de cidadania. Esse movimento partiu inicialmente das ONG vinculadas aos trabalhos comunitá41


rios. Muitos projetos de mediação existentes no Brasil têm por objetivo formar membros das comunidades para serem mediadores. A título de exemplo, podemos citar o trabalho da JusPopuli na Bahia. Na base teórica desses projetos/ programas, existe a crença originária na capacidade que têm as comunidades e os indivíduos − cidadãos livres e iguais − que a compõem de gerenciar parte de seus conflitos.

como “homologação”, “mediação” ou até mesmo a noção de “pensão alimentícia” não têm seu significado muito claro para os setores populares. Ora, a prática de mediação implica, sim, certa cidadania, tanto um conhecimento teórico como uma prática. A mediação é um momento em que as partes devem estar em plena consciência de seus direitos. É necessário, para fazer o acordo, que os dois estejam cientes de seus direitos e deveres que o acordo implica. Claro que transmitir essas informações é um dos papéis mais importantes do mediador. Porém, também não se pode esperar que, em apenas algumas horas, os indivíduos que procuram o núcleo preencham as carências de um contexto social caracterizado por baixo nível de escolaridade, baixa renda, violência nas relações interpessoais, etc.

Porém, se os valores veiculados por esses movimentos são indiscutivelmente humanistas, é preciso definir o que se entende por “capacidade”. Na prática, entendemos por capacidade uma prática cidadã mínima que implica um conhecimento básico de seus direitos e deveres. Infelizmente, não podemos nos deixar enganar quanto à realidade brasileira, em que a grande maioria da população não tem acesso à informação quanto aos seus direitos e deveres, e cuja garantia e pleno exercício continuam sendo mais um objetivo a ser alcançado do que uma realidade.

Por outro lado, a mediação também surgiu no âmbito do sistema judiciário na perspectiva de facilitação do acesso à Justiça no contexto da “terceira onda”, que já assinalamos. Da instituição da mediação, esperavam-se repercussões positivas na questão da cidadania. Como lembra Jaqueline Sinhoretto, é recorrente entre cientistas sociais, operadores jurídicos e gestores de políticas públicas considerar que a:

Como assinalado, o que observamos no discurso das pessoas que chegam ao núcleo é que os direitos são desconhecidos, muitos chegam baseando-se nas informações que circulam na comunidade de modo errôneo: “Se eu sair do trabalho, não terei que pagar a pensão”; “a esposa que sai de casa perde seus direitos”, etc. Por outro lado, existem também dificuldades relacionadas com o vocabulário comumente utilizado no âmbito jurídico e também repassado por nós. Termos

[...] expansão de serviços de justiça a camadas e bairros pobres, além da expansão do Estado de direito às áreas onde ele historicamente tinha sido falho, teria o efeito pedagógico de aprendizado da democracia e da cidadania, com reflexo sobre a redução da violência como mecanismo 42


valor pedagógico da mediação, é preciso olhar para a capacidade das pessoas em participar do processo de mediação.

de resolução de conflitos interpessoais. (SINHORETTO, 2007, p. 3).

Daí se pode tirar duas constatações. A primeira é que a mediação dita comunitária, aquela que parte dos movimentos sociais, das ONG, que pressupõe uma autonomia e maturidade dos indivíduos diante de seus conflitos, implica uma prática prévia de seus direitos, bem como o conhecimento de seus deveres. Já a mediação, vista como “papel pedagógico da expansão dos serviços de justiça como instrumento de consolidação de um estado democrático de direito” (SINHORETTO, 2007, p. 3), enfoca a cidadania como resultado da mediação, e não tanto como pressuposto indispensável.

Portanto, a criação de uma cultura de mediação no Brasil logo se inscreve em um movimento global de divulgação dos direitos e deveres dos cidadãos, da autonomização das comunidades. Senão, o mediador sempre será assimilado a uma autoridade judiciária, detentor, se não do “poder coercitivo superior”, pelo menos da informação que lhe confere uma posição de “superioridade”. Em resposta a esse desafio, o Projeto Justiça Cidadã procura estimular, por meio de seu atendimento, a consciência cidadã dos atendidos. Com esse objetivo, criaram-se dois momentos essenciais no processo de mediação: o Atendimento Coletivo para os solicitantes, no dia em que eles procuram o núcleo, e a pré-mediação para os solicitados, momentos antes de começar a mediação propriamente falando.

As duas visões não são incompatíveis se pensarmos em termos de círculo virtuoso: a mediação que permite uma difusão dos direitos, dos valores cívicos, que permitem a difusão de uma cultura de resolução de conflitos não violenta, não policial e não judicial, que torna, por sua vez, a mediação o método mais eficaz de resolução de certos conflitos, etc. Porém, como em muitos círculos virtuosos, o difícil é encontrar o ponto de partida.

O Atendimento Coletivo é o momento em que se procura trabalhar a questão da cidadania e da autonomia.3 É também o momento, com a pré-mediação, em que são repassadas as informações legais sobre pensão e sobre o processo e a cultura da mediação em si. Porém, no processo inteiro de mediação, o Atendimento Coletivo e a pré-mediação não deixam de ser uma introdução, uma preparação, e na vida das pessoas que procuram o núcleo, é um momento curto. Portanto, se

Este artigo não tem a pretensão de julgar a efetividade dos serviços de justiça oferecidos aos bairros mais pobres como um todo, até porque é ainda impossível hoje ter uma visão global dos resultados de todos os projetos de mediação de conflitos, ou outros de diferentes enfoques espalhados pelo Brasil. Contudo, o que se pode dizer, com a experiência do Justiça Cidadã, é que antes de comprovar o

3 Cf. Hermínia Martins em artigo nesta publicação.

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o impacto positivo do Atendimento Coletivo sobre o momento da mediação é indubitável, é muito difícil medir seu impacto na percepção dos direitos e da cidadania de modo geral e sobre a concepção da justiça e do direito em particular.

as partes. Graças à pré-mediação, tanto o genitor como a genitora estão a par de seus direitos e deveres − pelo menos no que diz respeito ao assunto imediato, que é a pensão alimentícia −, assim como das implicações de sua presença ali. O acordo depende da vontade das partes, e é resultado de uma negociação dos dois. Portanto, é possível, sim, trabalhar com mediação nas condições atuais. No entanto, é essencial guardar em mente as dificuldades e os desafios que existem e se manifestam no dia a dia, fora da sala de mediação.

Principalmente, não se pode esquecer que as pessoas que vão núcleo chegam com necessidades e problemas muito precisos. Muitas vezes, escutamos o relato de mulheres violentadas, sem recursos para alimentar a si próprias e aos filhos. São mulheres que precisam sair de casa, mas não têm as condições de fazêlo. Na maioria dos casos, a vinda ao núcleo representa a “última opção”. Grande parte delas diz que não queria chegar até a justiça, mas não tiveram escolha. Nesse contexto, é difícil pedir a essas mulheres que estejam dispostas, abertas para um momento de “educação cidadã”. A urgência de suas necessidades – por sinal, necessidades básicas – é um obstáculo para que elas estejam receptivas a ingressar em um processo de conscientização para a cidadania.

É necessário também lembrar que existe uma diferença entre as práticas de mediação entre vizinhos, ou ainda a mediação escolar, e a mediação sobre pensão alimentícia. De fato, a questão da pensão alimentícia é estritamente enquadrada na lei brasileira. Seu pagamento é uma obrigação da qual os pais não escaparão, quer seja por vontade própria, graças à atuação de um mediador, quer pela intervenção da justiça. Essa particularidade do conflito em matéria de pensão alimentícia torna a questão do acesso à justiça como plano B muito palpável, concreta e inevitável.

Enquanto isso? Enquanto isso, deve-se considerar que nossa atuação é uma mediação distor­cida?

Assim, é preciso assumir o fato de que os acordos resultantes de uma mediação feitos nos núcleos do Projeto Justiça Cidadã são possíveis, na maioria dos casos, porque existe uma ambiguidade. A mediação cria um momento, uma situação de igualdade e de plena posse de seus direitos para as partes, “mimetizando o ritual da justiça civil”, que, porém (aqui, faço

Na verdade, a resposta é não. Quando o técnico se encontra diante dos pais de uma criança para falar sobre pensão alimentícia, está atuando sim como mediador. Naquele momento e naquele espaço, ele atua como facilitador de um diálogo, uma negociação entre as du44


minhas as palavras de Jacqueline Sinhoretto a propósito das conciliações tradicionalmente feitas pela polícia), “constantemente ameaça a mobilização do ritual penal, invoca o perigo da persecução do Estado sobre o indivíduo” (SINHORETTO, 2007, p. 4).

versidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008. SANTOS, Boaventura de Sousa. O Estado e o direito na transição pós-moderna: para um novo senso comum sobre o poder e o direito. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 30, p. 13-43, jun. 1990.

É possível então trabalhar com mediação de conflitos sem se posicionar à sombra do Poder Judiciário? Como tentamos demonstrar, nas condições atuais, a prática de mediação de conflitos de pensão alimentícia está estreitamente vinculada ao Poder Judiciário e dependente de sua sombra.

SINHORETTO, Jacqueline. Informalização da justiça e pluralismo jurídico: o caso dos centros de Integração da Cidadania, SP. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 13., 2007. Recife. Trabalho apresentado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2007. Disponível em: <http://www.sbsociologia. com.br/congresso_v02/hot_papers. asp>. Acesso em 18 abr. 2009.

No entanto, a grande novidade da mediação como ela vem se desenvolvendo depois dos movimentos comunitários e com a atuação das ONG, em comparação com as práticas anteriores e tradicionais da conciliação policial, por exemplo, é que seu processo inteiro é assim vinculado à questão dos direitos humanos e da cidadania, sempre valorizado como espaço de promoção desses valores, direitos e deveres, cuja disseminação continua falha nas periferias brasileiras. Referências CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. MELLO, Marília Pessoa de. Do juizado especial criminal à Lei Maria da Penha: teoria e prática da vitimização feminina no sistema penal brasileiro. Tese (Doutorado em Pós-Graduação em Direito) – Uni45


A paternidade no contexto da ruptura conjugal de famílias pobres Etiane Oliveira1

O interesse em pesquisar sobre o tema da paternidade surgiu durante o exercício prático profissional no âmbito da psicologia jurídica no Projeto Justiça Cidadã, uma iniciativa do governo municipal do Recife em parceria com o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop).

do de pensão alimentícia para os filhos, uma vez que os usuários do serviço, na maioria, apresentam o estado civil como separado. Durante essas mediações, o tema da paternidade é costumeiramente colocado em xeque e, muitas vezes, está completamente associado ao provimento das necessidades básicas do filho.

Tal projeto utiliza-se da ferramenta da mediação de conflito para estabelecer acordos de pensão alimentícia entre homens e mulheres, que, na grande maioria, são moradores da periferia do Recife, com baixa escolaridade, exercem ocupações de baixa qualificação profissional, são mal remunerados ou estão completamente à margem do mercado de trabalho.

O contexto social da pobreza, sob o ponto de vista dos homens que participaram das mediações de conflito, muitas vezes é caracterizado como a grande barreira para o exercício paterno, haja vista que eles se sentem impedidos de manter com dignidade os filhos, além de não participarem ativamente do dia a dia da prole devido à ruptura conjugal. Sendo assim, foi nessa experiência profissional como mediadora de conflitos que surgiu o interesse em aprofundar leituras e estudos sobre o universo masculino, enfocando o tema da paternidade em uma perspectiva psicossocial, em que são levados em consideração os recortes de classe e o estado civil.

O tema central das mediações de conflito familiar é o estabelecimento do acor-

1 Psicóloga clínica, professora do Departamento de Psicologia da Faculdade Vale do Ipojuca (Favip), mestranda do Curso de Pós-Graduação em Psicologia da UFPE e ex-técnica do Gajop no Projeto Justiça Cidadã.

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Aliado a esse interesse profissional, no âmbito acadêmico, o tema da paternidade emerge como foco de pesquisa pelas demandas atuais da sociedade que visam compreender a importância das funções paternas em um contexto de mudanças sociais, o que acarretou uma verdadeira explosão de produções nas ciências sociais, saúde e, sobretudo, na psicologia. A crescente produção acadêmica em torno desse tema é comentada nos trabalhos de Dantas, Jablonski, Féres-Carneiro (2004), Perucchi (2008) e Vieira (2008).

cia na literatura também chama atenção.” (LONGHI, 2001, p. 26). Estudos recentes sobre pobres urbanos mostram que a identidade masculina é fortemente ancorada no conceito de provedor econômico e moral,2 o que caracteriza o modelo tradicional de paternidade (BUSTAMANTE, 2005; LONGHI, 2001; SARTI, 1996). Partindo do princípio de que esse grupo apresenta condições desfavoráveis para arcar com o padrão hegemônico de masculinidade, que é reforçado pelo modelo tradicional de paternidade, torna-se relevante o desenvolvimento de pesquisas que abordem esse público, a fim de que possam contribuir para elaboração e efetivação de políticas públicas, programas e serviços voltados para homens.

Depois da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, realizada no Cairo, que alertou para a importância da participação masculina em questões relacionadas com as doenças sexualmente transmissíveis, o controle da natalidade e a participação masculina nos cuidados com os filhos, os estudos sobre homens e paternidade ganharam lugar de destaque no meio acadêmico.

Nesse sentido, é cada vez mais pertinente o desenvolvimento de estudos e pesquisas que favoreçam subsídios para a construção de outros sentidos para a vivência da paternidade e da multiplicidade da experiência masculina, por meio da perspectiva de gênero como uma categoria de análise do sexo socialmente construído e incorporado como atributos masculinos e femininos (LYRA; MEDRADO, 2000).

Dessa forma, foi a partir da década de 90 que o tema paternidade garantiu seu lugar nas produções acadêmicas e posteriormente cresceu de forma vertiginosa. Apesar da grande proliferação desses estudos, há ainda uma demanda de investigações que articulem o tema com o recorte de classe. Essa crítica é expressa na pesquisa antropológica de Longhi sobre a construção cotidiana da relação pai−filho nas camadas de baixa renda, em que a autora faz a seguinte consideração: “[...] o pai-pobre não tem despertado grande interesse como objeto. Sendo ‘ausente’ o adjetivo que mais o qualifica, sua ausên-

2 Segundo Sarti (1996), esse conceito refere-se ao homem como provedor da família no sentido econômico e moral, o que significa garantir a habitação, a alimentação e o respeito.

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ro nas relações parentais. A autora afirma que as distinções socialmente construídas do gênero definem atribuições específicas para homens e mulheres no que se refere ao cuidado com os filhos, além de haver uma reiteração das instâncias jurídicas que, mediante o direito de família, também vê a mãe como a responsável “natural” pelo cuidado educacional-afetivo dos filhos, haja vista a grande tendência jurídica em conceder à mãe a custódia dos filhos no caso de separação do casal, sendo um caso emblemático que expõe a desigualdade de gênero nas relações familiares e nas instâncias jurídicas.

Contextualizando a vivência paterna diante da separação e da pobreza Segundo Bucher (1999), o crescente acervo da literatura sobre os novos arranjos familiares é justificado pela constatação da diversidade dos modelos de família na contemporaneidade, evidenciados nas estatísticas do mundo inteiro, que apontam para o crescente número de divórcios, de família chefiada por mulheres, mães solteiras, homens solteiros ou viúvos que criam sozinhos os filhos, entre outras formas de constituição familiar. Diante desse cenário, observase que algumas organizações familiares, como uniões homoafetivas, uniões estáveis, famílias reconstituídas, estão obtendo maior visibilidade e tornaram-se alvo de pesquisas e produções acadêmicas.

Apesar de a Constituição Federal de 1988 legitimar a condição de igualdade entre homens e mulheres no casamento e o novo Código Civil esclarecer que, no caso de separação consensual, a guarda dos filhos deverá seguir a decisão dos pais, para Ridenti, a lei não explicita claramente o direito do pai à custódia dos filhos e ressalta: “[...] o direito paterno é presumido e garantido somente se a mulher for considerada incapaz de assumir a custódia.” (RIDENTI, 1998, p. 180), o que segundo a autora, favorece a formação de guetos intocáveis de poderes femininos e masculinos.

No Brasil, algumas estatísticas confirmam que a instituição familiar deparase com o aumento significativo de divórcios, separações e uniões consensuais. Nesse sentido, Jablonski (2005) analisa a “crise do casamento contemporâneo” com base nos dados do IBGE, nos quais observou que o número de divórcios triplicou nos últimos anos, enquanto os casamentos registrados em cartórios diminuíram em 12% no mesmo período.

O momento de ruptura conjugal apresenta-se como um tipo de catalisador para a crise e a mudança no contexto familiar, pois gera inúmeras transformações e propõe a reorganização dos papéis de cada um de seus integrantes, assim como da própria estrutura familiar. Dessa forma, alguns estudos observam como a separa-

Outro dado estatístico que merece destaque é que, em 91,4% dos casos de ruptura conjugal, a guarda dos filhos é concedida à mãe (IBGE, 2003). Isso se tornou alvo de pesquisa para Ridente (1998), que utilizou o exemplo da custódia dos filhos para analisar a desigualdade de gêne48


ção, o divórcio e a reconstituição familiar provocam mudanças significativas na constituição das famílias e o rebatimento que a separação conjugal provoca nas relações de gênero e, mais especificamente, no exercício da paternidade (VIEIRA, 2008; DANTAS; JABLONSKI; FÉRESCARNEIRO; 2004; RIDENTI, 1998).

ponsabilidades com os cuidados, educação e provisão das questões materiais da prole. Por outro lado, Perucchi e Beirão (2007) analisaram a paternidade, a parentalidade e as relações de gênero na ótica das mulheres chefes de família que cuidam sozinhas dos filhos e não coabitam com cônjuge ou companheiro. A coleta de dados foi realizada com entrevistas semi-estruturadas com mulheres-mães, que mantinham sozinhas o sustento familiar, as quais apresentaram as seguintes considerações: a valorização do pai para além do papel de provedor, ressaltando o papel de educador na vida dos filhos. Vale ressaltar que tanto a pesquisa de Perucchi e Beirão (2007) quanto a investigação de Dantas, Jablonski, Féres-Carneiro (2004) foram realizadas com famílias oriundas de camadas médias urbanas.

Segundo Henningen (2003), a rápida ascensão do número de separações/divórcios e o afastamento do pai da convivência diária com os filhos geraram uma vertente de pesquisa sobre as consequências da “ausência” do pai, em que se problematiza o processo de desenvolvimento dos filhos. Já os estudos que visam compreender as vicissitudes do universo masculino, entre elas, a paternidade no contexto de ruptura conjugal, surgem baseados nos estudos sobre a mulher, impulsionados pelo movimento feminista, que se apresenta intrigado com as construções sociais dos papéis de gênero para a construção da maternidade e da paternidade.

Nessa mesma perspectiva, que sugere a participação paterna no cuidado educacional-afetivo na vida dos filhos, Elaine Vieira (2008) apresenta um estudo fundamentado na teoria das representações sociais sobre a guarda paterna. Dentre os sujeitos pesquisados, apresenta-se um grupo de 11 homens que são separados e detêm a guarda do filho, caracterizando o que alguns autores chamam de “nova paternidade”, marcada pelo exercício paterno por meio de uma relação de proximidade afetiva e o envolvimento nos cuidados diários com os filhos. Quanto aos resultados das representações sociais de paternidade constituídas por esse grupo, a autora apontou para a presença de

No que se refere aos estudos anteriores sobre o tema da paternidade com histórico de ruptura conjugal, este artigo apoiase nas pesquisas de Dantas, Jablonski, Féres-Carneiro (2004); Perucchi, Beirão, (2007); Fonseca (2004) e Vieira (2008). Dantas, Jablonski, Féres-Carneiro (2004) buscaram investigar a formação da identidade masculina e a construção/manutenção do vínculo afetivo entre pai e filhos após a ruptura conjugal. Diante desse objetivo, observam que, nos momentos de redefinição familiar, os pais separados mesclam com a mãe de seus filhos as res49


elementos que caracterizam o modelo tradicional de paternidade, assim como elementos pertencentes ao conceito de “nova paternidade”. O nível socioeconômico dos participantes concentrava-se na classe média, mas três participantes eram oriundos de classes populares.

Sendo assim, a autora ressalta o aspecto afetivo/social como sobreposto do caráter biológico da relação de paternidade e afirma que a certeza tecnológica do DNA, muitas vezes acionado nos casos de ruptura conjugal, traz para o campo das relações familiares contemporâneas um julgamento técnico, com viés determinante da biologia, para a “resolução” de uma questão eminentemente social e afetiva, como o caso da paternidade.

Porém, quando a discussão sobre paternidade se passa em um contexto de litígio conjugal, em que a figura do pai é questionada no seu caráter biológico, o estudo de Fonseca (2004) aponta para uma diversidade de facetas que perpassam as esferas jurídica e médica, além da influência dessas instâncias sobre as relações de gênero e de parentesco na sociedade contemporânea.

Ao transitar pela literatura sobre conjugalidade, separação e reconstituição familiar, observa-se que as pesquisas que abordam o tema da paternidade em um contexto de ruptura conjugal, na maioria, são desenvolvidas com sujeitos oriundos das camadas médias urbanas, o que sugere o levantamento da hipótese de que existe um desinteresse em articular paternidade e conjugalidade nos contextos de pobreza. Nesse sentido, seria interessante investigar como se dá a construção cotidiana da relação pai e filho, quando eles não convivem diariamente na mesma casa e se a pobreza colabora para maior afastamento do homem com relação ao filho em razão da impossibilidade de arcar com o papel de provedor.

Dessa forma, no paper intitulado A Certeza que Pariu a Dúvida, Cláudia Fonseca (2004) apresenta os resultados de sua investigação em diversos órgãos jurídicos de Porto Alegre em que acompanhou audiências com pessoas envolvidas em disputas judiciais que dizem respeito à identificação paterna por exame de DNA. Esses processos refletiam a solicitação de homens que procuram desfazer um vínculo legal de paternidade que já existe, o que se subentende que o pai encontra-se em litígio e ruptura conjugal com a mãe dos filhos. Nesse sentido, a autora afirma:

Desse modo, observa-se que a relevância de estudos sobre homens e paternidade surge em um cenário em que o papel definido e estabelecido para o homem no contexto social foi estremecido após a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho, dentre outras conquistas que caracterizam a emancipação feminina, assim como o alto índice de desempre-

[...] há homens que, por não terem afinidades com a mulher, rejeitam qualquer relação com o filho; e, contrariamente, existem homens (em particular padrastos) que assumem o status paterno, mesmo sabendo que não existe fundamento biológico nenhum para essa relação. (FONSECA, 2004, p.16). 50


go dos homens, que coloca em questão o lugar do homem e da mulher na família e na sociedade.

evidencia esse problema. Na cidade do Recife, por exemplo, 32% dos domicílios têm a mulher como pilar econômico, segundo o censo demográfico de 2000 (IBGE, 2003).

Nesse cenário, o modelo tradicional de masculinidade e de paternidade caracterizado por um homem que arca com as despesas financeiras e é a referência moral da família, é uma herança do patriarcado de difícil manutenção. Afinal, as transformações socioeconômicas e políticas, além das redefinições provocadas pelo feminismo sobre o papel das mulheres na sociedade, sugerem novas referências de masculinidade na contemporaneidade.

Esse dado é reforçado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), segundo o qual, na cidade do Recife, nos níveis mais baixos de escolaridade, a proporção de mulheres chefes de domicílio superou a de homens. Ressalta, ainda, que, nesse cenário, destacam-se as mulheres responsáveis pelo domicílio que são analfabetas, sendo essa condição uma característica marcante da população pobre do Brasil. (DIEESE, 2003).

Alguns autores chamaram essa instabilidade do papel do homem contemporâneo de “crise da identidade masculina”, que é marcada pelo desconforto do homem na relação com parceiras, mulheres e filhos, o que leva estes a questionar seu papel como homem, pai e companheiro (MEDRADO, 1997; NOLASCO, 1993; RIBEIRO, 2000; TREVISAN 1998). De acordo com Nolasco, esse desconforto masculino parece surgir quando os homens adotam um modelo tradicional que não atende às demandas da sociedade contemporânea.

No que se refere à configuração de famílias pobres, especificamente as que são chefiadas por mulheres, Sarti (1996) faz a seguinte observação sobre a atuação do papel masculino e feminino no contexto familiar de pobreza: [...] Nos casos em que a mulher assume a responsabilidade econômica da família, ocorrem modificações importantes no jogo de relações de autoridade, e efetivamente a mulher pode assumir o papel masculino de ‘chefe’ (de autoridade) e definir-se como tal. A autoridade masculina é seguramente abalada se o homem não garante o teto e o alimento da família, funções masculinas, porque o papel de provedor a reforça de maneira decisiva. Entretanto, a desmoralização ocorrida pela perda da autoridade que o papel de provedor atribui ao homem, abalando a base do respeito que lhes devem seus familiares, significa uma perda para a família como totalidade, que tende-

O modelo tradicional de paternidade que sugere o exercício paterno mediante o provimento do lar cria no homem-pai e pobre o sofrimento da aniquilação paterna, uma vez que, diante das condições socioeconômicas do País, os homens-pai encontram-se cada vez mais impedidos de executar o pleno papel de provedor. O crescente número de domicílios que estão sob a responsabilidade feminina 51


mens-pai como se dá o vínculo paterno. Nesse estudo etnográfico, realizado na cidade do Recife com moradores da Favela do Bode, no bairro do Pina, o conceito de provedor apareceu em amplo sentido polissêmico, o que permitiu analisar outras formas de provimento paterno, tais como provedor de conhecimento, de proteção, de autoridade, além do clássico conceito de provedor econômico.

rá a buscar uma compensação pela substituição da figura masculina de autoridade por outros homens da rede familiar. (SARTI, 1996, p. 67, grifos da autora).

Para a autora, a pobreza afeta diretamente o homem, porque ele tem sua identidade muitas vezes fundamentada no papel de provedor da família, o que o torna sensível à recessão e à recuperação econômica. Dessa forma, ressalta que a vulnerabilidade da família pobre, quando centrada no pai/provedor, repercute na frequência de rupturas conjugais, respaldadas no não-cumprimento das expectativas criadas em torno da figura masculina, que se sente “fracassado” por não garantir o sustento da família. (SARTI, 1996, p. 6).

Ainda na perspectiva antropológica, Vânia Bustamante (2005) realizou uma pesquisa de cunho etnográfico com homens pobres, pais de crianças menores de seis anos; o objetivo principal era conhecer as vivências em torno da paternidade por meio da relação entre os discursos e as práticas. Nessa pesquisa, a autora observou que se sentir pai não é algo determinado pelo laço biológico com a criança, e sim fortemente influenciado pela qualidade da relação com a mãe do filho e pela própria experiência como filho. Também ressaltou que no contexto de pobreza ser provedor é uma condição necessária para ter uma relação afetiva com os filhos, e os cuidados domésticos com a criança são considerados pelos pais como uma característica plenamente feminina.

Diante da reverberação que a pobreza exerce sobre a identidade masculina e da influência que essa situação econômica provoca no exercício da paternidade, para realizar este artigo, foi necessário buscar maior fundamentação em estudos anteriores que investigaram as relações parentais nas famílias pobres do Brasil. Nesse sentido, as pesquisas de Bustamante (2005), Bustamante e Trad (2007), Longhi (2001) e Sarti (1996) foram essenciais para maior compreensão dessa problemática.

No que se refere aos cuidados domésticos dos homens-pai com os filhos, em um contexto social de pobreza, Bustamante e Trad (2007) realizaram um estudo sobre a participação paterna no cuidado de crianças pequenas em famílias de camadas populares, em uma pesquisa etnográfica, desenvolvida pelo método de observação participante e entrevistas,

A pesquisa de Longhi (2001) partiu de três eixos fundamentais para compreender os lugares possíveis de concretização da relação pai e filho, que são os conceitos de família, de pobreza e de masculinidade, para então observar na fala de filhos adolescentes do sexo masculino e dos ho52


com famílias moradoras da periferia de uma capital nordestina. Como resultado, observou-se a identificação dos homens com o exercício de papéis tradicionais de gênero, mas, também, verificaram-se algumas dimensões da atuação masculina no que se refere aos cuidados domésticos com crianças pequenas, tais como proximidade física e emocional com os filhos.

2004) − os estudos anteriormente citados sobre pobres urbanos (BUSTAMANTE, 2005; LONGHI, 2001; SARTI, 1996) mostram que a identidade dos pais das camadas populares é fortemente ancorada no conceito de provedor econômico e moral, mesmo que o contexto socioeconômico não favoreça a apropriação do homem nesse papel.

Por outro lado, Sarti (1996), no seu renomado trabalho acadêmico denominado A Família como Espelho: um estudo sobre a moral dos pobres, realizou um estudo que abrange as relações familiares enfocando não apenas a relação paterna e sim a amplitude dos arranjos afetivos que surge no âmbito familiar dos pobres. Nesse sentido, apresenta dados de uma pesquisa etnográfica com famílias de baixa renda da periferia paulistana e enfoca as relações de gênero, entre pais e filhos, marido e mulher e como se dá a relação entre vizinhos. Nesse estudo a autora pôde observar quanto a condição de pobreza abala a estrutura psíquica e as relações sociais do homem que não consegue manter o papel de provedor do lar.

Assim, diante da impossibilidade de exercer na vida cotidiana o papel de provedor, torna-se imprescindível observar a existência de possíveis práticas de paternidade diante da separação e da pobreza, que vão além do ato de prover, tais como o resgate afetivo da relação pai−filho, o desejo de obtenção da guarda dos filhos, o interesse de se envolver mais com o cotidiano de cuidados com a prole, dentre outras formas de se experimentar a vida familiar com os filhos após a separação; para, então, pensarmos em alternativas que também compõem a identidade de pai para além do “roteiro paterno” herdado pela cultura patriarcal. É nesse cenário que se torna relevante desenvolver novos estudos que visem compreender como são representadas as práticas de paternidade em um contexto de pobreza, que dificulta o estabelecimento do homem-pai no papel de provedor, assim como em um quadro de ruptura conjugal, no qual o pai se distancia do convívio diário com os filhos, tem o dever judicial de arcar com as despesas da prole e, acima de tudo, uma relação afetiva que merece ser alvo de cuidados.

Apesar de alguns pesquisadores apontarem para outros modelos de paternagem − tais como a perspectiva moderna que enfatiza o papel do pai no desenvolvimento moral, educacional e emocional dos filhos, e a perspectiva emergente que alega a capacidade do pai em participar ativamente dos cuidados com a criação dos filhos (FEIN, 1978 apud DANTAS; JABLONSKI; FÉRES-CARNEIRO, 53


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O projeto Justiça Cidadã e a perspectiva do acesso à justiça Luís Felipe Andrade Barbosa1

1. O acesso à justiça

Não obstante essa gama de princípios consagrados pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2005), existem alguns aspectos que não são observados pela justiça formal, edificada no Poder Judiciário. As características suscitadas pela doutrina jurídica implicam uma humanização do Judiciário, de forma que este proporcione uma acolhida efetiva dos cidadãos.

De antemão, é imprescindível para nossa discussão entender o significado da terminologia acesso à justiça. Na doutrina jurídica brasileira, esse termo refere-se à ideia de acesso à ordem jurídica justa, não se coadunando apenas com a mera admissão no processo ou a possibilidade de ingresso em juízo. Segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2004, p. 33), o acesso à justiça significa a ampla admissão de pessoas e causas ao processo: universalidade da jurisdição, garantindo-se a observância das regras que norteiam o processo; devido processo legal, em meio ao qual as partes possam participar de forma ativa, por meio do diálogo, para o convencimento do juiz; contraditório, de forma que seja preparada uma solução justa, capaz de eliminar qualquer resíduo de insatisfação – pacificação com justiça.

Outro aspecto extremamente relevante é que a acepção acesso à justiça admite uma interpretação extensiva, englobando outros mecanismos de pacificação social, além do processo. Nesse sentido, podemos enquadrar os mecanismos da conciliação, da mediação e da arbitragem. Os cidadãos devem ter em mente que na atualidade há uma confusão sobre o entendimento do acesso à justiça, ressaltando-se sua consagração no âmbito formal apenas com a possibilidade de ingresso em juízo. Dessa forma, podemos ressaltar que nesse âmbito existe um aces-

1 Advogado, cientista social e técnico do Projeto Justiça Cidadã.

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so inicial que não significa propriamente um acesso efetivo à justiça.

proporcionar instrumentos para que os cidadãos possam discutir, de forma pacífica, seus conflitos, encontrando solução para eles. Porém, há casos em que a solução não é possível, ou mesmo não é indicada, a exemplo dos casos de violência doméstica. Nesses casos, torna-se imprescindível a prestação jurisdicional.

Ademais, devemos pontuar que o acesso à justiça subtende a ideia de acesso ao direito, ou seja, da existência de instrumentos que possibilitem a conscientização da população sobre seus direitos, para que possam exercê-los. É a partir desse conhecimento que se proporciona o exercício da cidadania, transformando indivíduos em cidadãos.

O que é defendido pelo Projeto Justiça Cidadã é que a população pode valer-se de outros mecanismos para pacificação de seus conflitos, além do Poder Judiciário. No que concerne à fixação de uma pensão alimentícia, quem melhor do que as próprias partes para avaliar a real situação na qual vivem, suas possibilidades e a real necessidade daquele que a reivindica?

Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 31) assevera que existe, além da falta de conscientização sobre direitos, uma demanda suprimida, gerada por uma parcela da população que tem consciência dos seus direitos, mas que se sente intimidada e impotente quando estes são violados. Conforme pontuaremos adiante, esse sentimento é perceptível nas classes populares.

Sem dúvida, no âmbito do Poder Judiciário do Recife – especificamente no que atine às Varas de Direito de Família –, há várias iniciativas que visam à celeridade da prestação jurisdicional, as quais consideramos bastante válidas. Contudo, ainda permanece, na grande maioria, um visível distanciamento entre os membros desse Poder e a população em geral, especialmente em relação às classes populares.

Diante dessa problemática, o autor propõe uma revolução democrática da justiça, com a criação de uma cultura diferenciada de consulta jurídica e de assistência e patrocínio judiciário, sendo feita em nível judicial e extrajudicial de forma integral e gratuita.

Para essa parcela da população, o Fórum do Recife é visto como um ambiente estranho, um prédio de tamanho esmagador, permeado por autoridades que utilizam uma linguagem de difícil compreensão. Uma mistura de medo e de respeito toma conta da consciência coletiva desses indivíduos. Esses aspectos se constituem como o primeiro obstáculo encontrado.

2. Um olhar sobre o judiciário Valendo-se do instrumento da Mediação, o Projeto Justiça Cidadã insere uma nova perspectiva acerca do acesso à justiça. Contudo, é importante ressaltar que a Mediação não exclui a atividade jurisdicional. Muito pelo contrário. Seu principal objetivo é, conforme já ressaltado, 57


Quando essa barreira é quebrada, do primeiro contato com o mundo formal do Judiciário, ao qual nomeamos de primeiro acesso, há a dificuldade de acompanhamento das suas ações dentro das Secretarias das Varas, em especial nas antigas Varas de Assistência Judiciária, criadas outrora para as classes populares, as quais não possuem condições para constituir um advogado particular, sem comprometer a própria subsistência.

apresentam os melhores resultados em termos de celeridade processual, segundo nossa experiência. Desse modo, em muitas secretarias, não é possível o contato visual com seus funcionários, ficando a população – e também os advogados – à mercê de longas esperas, configurando-se um verdadeiro exercício de paciência. Todos esses obstáculos precedem o que chamamos de segundo acesso.

O fato a ser ressaltado é que, coincidentemente, essas Varas de Família são as que têm números exorbitantes de ações. Além do grande número, há um déficit considerável no que atine aos técnicos e analistas judiciários, comprometendo sobremaneira o atendimento à população e aos advogados.

Por último, ultrapassados esses óbices, devemos pontuar a respeito da audiência. Para as classes populares, esse talvez seja o momento de maior temeridade, pois é nele que ficam frente a frente com o juiz. Esse fato não se circunscreve apenas às partes, sendo sentido também pelas testemunhas. Na cultura brasileira, o juiz é visto como uma figura colossal, ao qual se deve obediência e respeito sobre-humanos

Diante dessa situação, algumas varas estabelecem dias específicos de atendimento às partes, fato que visivelmente vai de encontro ao próprio conceito de acesso à justiça, tão difundido atualmente, em termos de doutrina jurídico-processual. O número de dias varia entre dois e três, dependendo da Vara de Família, coincidindo propositalmente com os dias em que o Defensor Público, que responde por ela, encontra-se presente.

É de conhecimento público que os magistrados são pessoas dotadas do saber jurídico, capacitadas para a aplicação da justiça. Contudo, esse tratamento endeusador é um grande empecilho para a aproximação da população ao Judiciário, bem como para a sensibilização desse Poder sobre sua responsabilidade sociopolítica.

É importante ressaltar, também, que as secretarias foram pensadas de uma forma que se possibilitou a divisão entre o balcão de atendimento e a secretaria propriamente dita, por meio das cortinas. Excepcionalmente, em algumas varas de família, essas cortinas encontramse abertas, vindo a coincidir com as que

Ademais, a construção jurídico-positiva brasileira foi feita valendo-se de uma linguagem extremamente rebuscada, que não atende às necessidades da população, formada em geral por pessoas que tiveram pouco acesso ao conhecimento. Esse fato é visto com frequência nas audiências de conciliação, instrução e julga58


mento, em que as pessoas enfrentam dificuldades para compreender aquilo que é dito, bem como nas sentenças proferidas, constituídas de termos que não fazem parte do vocabulário usual daquelas.

cidadania, tendo como subsídio a dignidade da pessoa humana. Os meios alternativos de acesso à justiça possibilitam, a exemplo do Projeto Justiça Cidadã, maior aproximação da população com o mundo jurídico, no seu papel de agente propagador e conscientizador dos direitos individuais e coletivos. Proporcionam também, em um primeiro momento, a diminuição das demandas discutidas em sede do Poder Judiciário, mas acabam por fortalecê-lo, ao reforçar seu papel político-social, como um instrumento de exercício da cidadania.

Esses óbices formam, portanto, a última etapa do acesso à justiça em primeira instância, ao qual nomeamos de terceiro acesso. Considerações finais De forma geral, entendemos que o Judiciário não foi edificado tendo-se em vista o atendimento à população. Nessa medida, é imprescindível uma reorientação, uma mudança de paradigma, de forma que ele venha a se transformar em um espaço de humanização, de fortalecimento da cidadania.

Conforme salienta Santos (2007, p. 89), devemos ter como meta a criação de uma cultura jurídica que leve os cidadãos a se sentirem mais próximos da justiça, pois não haverá justiça mais próxima dos cidadãos se os próprios cidadãos não se sentirem mais próximos da justiça.

Grande parte da culpa por essa situação é em face da construção sociopolítica brasileira, que impingiu outrora um papel ao Judiciário que se coadunava com as necessidades de uma pequena parcela, que detinha plenos poderes na administração do Estado.

É nessa perspectiva que todo o ordenamento jurídico pátrio, bem como nosso trabalho, devem ser pautados. Referências

Contudo, mesmo diante dos avanços obtidos, principalmente a partir da redemocratização, com a promulgação de uma nova Constituição em 1988, que ficou conhecida como Constituição Cidadã, alguns resquícios de outrora ainda permanecem. É verdade que a democracia brasileira tem pouco mais de vinte anos, mas já é o momento de pensarmos e construirmos meios que consagrem a

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. CINTRA, A. C. de A; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. SANTOS, B. de S. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2007.

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As cortinas e a lentidão judicial Enauri Galvão1

Recebo de forma muito surpreendente − desde já agradeço − a oportunidade de nas breves linhas escrever um pouco sobre a vivência e atuação ao longo do período em que estou como advogada popular do Projeto Justiça Cidadã (PJC), composto por uma equipe multidisciplinar formada de assistentes sociais, psicólogos e advogados, projeto que se propõe a promover e incentivar a cidadania. A ideia surgiu após ouvir as inúmeras observações e insatisfações de pessoas que estão com processo na Justiça − seja representadas por intermédio do Projeto Justiça Cidadã, seja de outra forma − nas vezes em que estive com elas ou sozinha atuando em seu processo nos balcões da Justiça, presenciando fatos que merecem uma intervenção.

jurídica, da ambição financeira, aspectos infelizmente realçados, a depender, no decorrer da academia. O talento da escuta, da atenção é fundamental, sobretudo a paciência para enfrentar o dia a dia nos fóruns. Desenvolvemos um trabalho de assistência judiciária gratuita, promovido por meio desse projeto no âmbito municipal, em Recife-PE, descentralizada em núcleos situados em bairros populosos, os quais abrangem os vizinhos. Nosso público maior é composto de pessoas, na grande maioria, que vivem na linha ou abaixo da pobreza, sobrevivem de pequenos biscates e moram precariamente em região de periferia. Vulneráveis socialmente, buscam no serviço, por ser este localizado na comunidade, com proximidade geográfica, a via imediata para ajudá-las a encontrar e reunir informações no sentido de construir a melhor solução de dirimir seus conflitos e minimizar parte de suas dificuldades, seja por meio de uma orientação, mediação, seja de uma ação judicial.

Ser advogada popular, além de instrumentadora dos direitos humanos, é tarefa que exige de si despir-se da vaidade

1 Advogada do Gajop no Projeto Justiça Cidadã no período de 2003-2008.

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tervenção. Esses casos serão levados para o conhecimento e providências judiciais.

O trabalho é dinâmico e diverso.As orientações são das mais variadas, um balcão de cidadania. As questões de família se destacam, mais precisamente, no tocante à pensão alimentícia, sobre a qual surgem as perguntas e dúvidas, tais como, quem tem direito ao pedido, quem deve prestar os alimentos, até quando perdura o direito em receber, qual o valor que deve ser prestado, entre outras.

Por exemplo, observamos que alguns conflitos aparecem com o objetivo principal de pedido da pensão alimentícia, entretanto gerado de uma violência doméstica, instalada, sofrida, que nas primeiras palavras não é dita, encontra-se naquele momento mascarada. No decorrer do atendimento inicial, nas falas surge, e assim detectamos. Esses casos, denominados emblemáticos, serão manifestados para o Judiciário por meio de representação legal, o eixo importante de atuação no nosso trabalho denominado assistência judiciária gratuita.

Com o olhar voltado para a promoção da cidadania, e diante do número elevado de público que nos procura e é atendido pelo projeto, em grande proporção, vale destacar, nossa equipe idealizou, concretizou e promove até o momento o atendimento coletivo, ou seja, diariamente, reunimos pessoas interessadas, dispostas a interagir e analisar seus conflitos de forma coletiva. Raramente realizamos o atendimento individual, este tradicionalmente conhecido como o de “bureau”, mas geralmente o de forma coletiva, como falamos, no sentido de propiciar aos participantes a autonomia, reflexão e a construção coletiva na temática, a troca de informações e experiências e a oportunidade de alcançar resultados de forma mais rápida, mediante a utilização do instrumento da mediação, ferramenta considerada atualmente o carro-chefe de nosso trabalho.

Vale destacar que a cultura de não denunciar a violência doméstica ainda é muito frequente, tendo em vista o receio da repercussão que a violência urbana poderá vir a ter no caso, apesar do esforço que colaboradores, mídia, profissionais da área fazem para o êxito na denúncia. Observamos que o temor para a denúncia é grande, por isso, há predominância em buscar o instrumento da mediação popularmente conhecido como o acordo. Nos casos não emblemáticos, a mediação é bastante sugestiva em razão da oportunidade que favorecemos as partes para o diálogo facilitado por um terceiro diverso, estranho ao conflito, além da construção de entendimentos e rapidez na solução. Sobretudo, o que é pactuado verbalmente é reduzido a termo, após lido, assinado pelas partes, ou colhida a impressão digital, a rogo, conforme o caso, ficando estabelecido os direitos e de-

Todavia, nem todos os casos trazidos e apresentados pelos munícipes sugerem a aplicação da técnica da mediação, especialmente os que englobam violência (urbana e doméstica), tendo em vista recomendar um caráter coercitivo na in61


veres comuns. Esse é o aspecto de segurança e confiabilidade.

Houve um caso em que o suspeito foi alcançado sem documentos de identificação durante uma perseguição a assaltantes. Detido, permaneceu recolhido por um longo período, tendo em vista a alegação da falta de documentos, apesar de se encontrar tramitando em juízo a ação de restauração civil. O juízo foi comunicado do fato, mas, mesmo assim, a questão se prolongou. A pessoa foi violada de sua liberdade por um longo período em razão da precariedade judicial.

Outra ferramenta que utilizamos é a conciliação. Há casos em que a maneira de interagir com o conflito entre as partes é diferente. Nossa intervenção é mais técnica, direta, no sentido de apontar a forma adequada para a solução, e esta incide nos casos de descumprimento dos pactos firmados na mediação. A fragilidade do nosso trabalho está quando ocorre o descumprimento habitual dos pactos firmados nos instrumentos de acordo, mesmo construídos sob a condução de um técnico social, um psicólogo, assistente social e advogado, com as adequações necessárias, mas que não prosperou. Essa situação será encaminhada para a tutela jurisdicional, por intermédio da assistência jurídica promovida pela equipe jurídico-popular do PJC. Tem sido um desafio conciliar o descumprimento da pessoa que insiste em continuar descumprindo com o prolongamento da decisão do Judiciário, quando provocado para olhar o caso.

Noutro caso, a representante do menor ingressou com um pedido de investigação de paternidade. O suposto pai, pessoa de classe social A, constituiu um grupo jurídico conhecido, utilizou-se de várias formas para evitar a citação. A representante do menor, pessoa de classe C, de nível em entendimento baixo, porém visivelmente segura nas observações. Declaradamente revel, ao requerido foi dada outra oportunidade de audiência, ocorrida neste ano. Na ocasião, a requerente foi interpelada pelo Juízo. Nas perguntas, havia um certo ar para fragilizá-la. Sentindo-se prejudicada, a requerente protestou e foi mal interpretada. O juízo declarou-se suspeito. Assim, a criança continuará sem a proteção paterna e sem a ampla cidadania.

Acompanhamos um número considerável de processos judiciais, compreendidos em: ação de alimentos, investigação de paternidade, tutela, guarda, curatela, separação de corpos, separação judicial, divórcio, justificação e dissolução de união estável, restauração de assentamento civil, retificação civil, etc. Em alguns desses casos, a demora favorece a recusa do devedor se a ela for contenciosa ou prejudicar o autor se carecer de uma posição declaratória judicial.

Constitucionalmente a prerrogativa de acesso à Justiça pelo cidadão é assegurada embora na prática os fatos demonstrem muito mais o contrário. A justiça é deficiente, lenta e, na maioria das vezes, não funciona corretamente; prejuízos sociais se somam e correspondem a núme62


ros elevados. Apenas quem está na ponta, acompanhando, sofre na pele e pode afirmar tal posicionamento. Demandas judiciais que se estendem por anos e anos sem decisão. Temos ações que envolvem a fome, a vida, a dignidade da pessoa, mas permanecem há seis meses sem nenhuma providência judicial declarada. A sociedade esbarra frequentemente em um sistema falido que urge por uma reestruturação.

te, que iniba a violência. Na prática, isso funciona com o repasse de forma clara, objetiva, em linguagem de fácil compreensão, as orientações para cada caso. Verificamos que a expressão “vim fazer um acordo” é muito comum nas falas trazidas, e aproveitamos o viés para destacar a vantagem, sensibilizar a comunidade, por meio daquele munícipe presente, de que o diálogo firme, respeitador, facilitado por um terceiro diverso é capaz de melhorar o que não está bom, renovar forças e construir algo positivo. Por exemplo, no caso de pai que após a ruptura da relação despreza o filho. Na ocasião do encontro das partes para a mediação, trazemos para a reflexão a importância do acompanhamento daquele pai na vida de seu filho. Lembramos a ele que o apoio afetivo e educacional é essencial para o crescimento, assim como os alimentos ali requeridos, pois o filho que cresce acompanhado pelos pais não tem a tendência de se perder.

Os prazos em despachos decorrentes desses processos são cuidadosamente atendidos. Ressalta-se que na relação processual todos estão obrigados a cumpri-los, embora, na prática, somente valha para advogados e partes, aspecto esse que contribui para a morosidade. Nos casos analisados que não sugerem a mediação, sendo necessário ingressar em juízo, percebe-se nas palavras e no semblante das pessoas quanto recusam em amparar-se no sistema. Surge logo o questionamento: “A ação vai demorar? Em quanto tempo resolve?” Essa preocupação é geral. Temos vários casos em que as pessoas não retornam com os documentos indispensáveis para a propositura da ação judicial em razão da famosa lentidão na Justiça. A preferência é para a utilização da mediação, popularmente conhecida como acordo.

Como destacamos, acompanhamos um número de processos judiciais, a maior parte ação de alimentos, de procedimento especial, para crianças sob a guarda da genitora que se encontra em estado precariíssimo material e de violência doméstica. Outras causas envolvendo idosos (usucapião), com preferência na condução do processo de acordo com a legislação, porém não considerados; por isso se estendem por longos períodos sem motivos plausíveis.

Outra característica de nossa atuação é a ênfase educativa que propiciamos ao munícipe durante o atendimento, pois acreditamos que ela seja capaz de transformar positivamente, impedir que condutas A burocracia desnecessária vem exernegativas prosperem, consequentemen- cendo grande influência na condução dos 63


Após o mapeamento das demandas paradas e para avançar em nossa atuação jurídico-procedimental e descaracterizar a vaga impressão de que somente o advogado pode circular na Justiça, procedemos com a orientação e incentivo para que os interessados, munidos do documento de identificação e do número de seu processo judicial, destemidos, ocupem seu verdadeiro lugar de cidadãos e façam valer o acesso à Justiça, recebam informações acerca do seu processo e contribuam para a quebra da resistência.

processos, um incentivo para a morosidade judicial. Mesmo com as facilidades que a tecnologia oferece, possibilitando que se resolvam coisas de forma mais simples, ainda existe uma tendência que não aceita desconstruí-la. Uma odisséia. Na qualidade de advogados, assumimos a representação legal dessas pessoas; instrumentadores desses processos, por consequência, rotulados pela morosidade judicial. As partes e seus advogados são as verdadeiras vítimas de uma prestação jurisdicional morosa e tardia. Nós que estamos do lado de fora do balcão, avistando aquelas cortinas, sabemos a dimensão dos reflexos de um processo que se estende e se estende.

Ao advogado, cabe a impulsão e adequação dos procedimentos processuais, porém às informações para cada cidadão, sendo parte da relação processual, ele pode ter acesso e recebê-las. A resistência está no tradicionalismo de alguns operadores da Justiça, que insistem em não fornecer informação pertencente ao processo às partes, alegando que somente o advogado poderá obtê-la, quando a parte, credenciada, encontra-se ali disposta a tirar cópia de um despacho para a possibilidade de cumprimento ou mesmo fazer uma anotação importante. Levando-se ainda em consideração que, para uma grande maioria, chegar ali, custou um considerável sacrifício. Essa cultura precisa ser modificada, pois a atuação colaborativa é próspera.

É questionável e penosa a maneira como a população se planta perante o balcão dos cartórios à procura de informações acerca de sua demanda com o intuito de resguardar e apropriar-se de seus direitos. Filas são formadas, aglomeração; olha-se para os lados, somente cortinas. Estas impedem que a população acompanhe o ruge-ruge dos trabalhos e possa reivindicar do poder público uma providência. O tempo passa e haja espera. Portas fechadas, limitação em número e em dias para atendimento às partes e tudo mais. O problema é crônico e exige posicionamento eficaz da administração pública. Processos que permanecem conclusos por mais de dois anos, por maiores que sejam as dificuldades naturais, o tempo não justifica! Esse é o aspecto penoso e frustrante de nossa trajetória.

Em razão das características de nosso trabalho, do desenho de como proceder com as atividades do projeto, recebemos habitualmente pessoas emergentes da Defensoria Pública estadual, fruto do boca-a-boca, para participarem das modali64


dades de nossa atuação. Um acolhimento simples, porém significativo. Muitas delas, carentes de informações, com ação já tramitando judicialmente, mas que pretendem firmar um acordo para acelerar e dissolver o mais rápido possível aquele conflito. Outros casos, com sentença transitada em julgado, entretanto a parte contrária não vem cumprindo, daí a busca de nossa intervenção no sentido de facilitar o cumprimento por meio de um diálogo e possíveis ajustes no caso por desacreditarem na execução judicial. Quando o Estado-Juiz chamou para si a responsabilidade de resolver de forma célere e eficiente as contendas da sociedade, obrigou-se. A alegação da falta de estrutura para trabalhar, da insuficiência de pessoal, do número de processos, não deixa de ser verdade, contudo, tal carência não é culpa das partes nem dos representantes legais, não devendo desse modo ser prejudicados. Enfim... convém dizer: “A lentidão judicial se revela como a compra de facilidades para uns e a venda de dificuldades para outros! Que retiremos as cortinas.”

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A contribuição da psicologia e suas nuances na mediação de conflitos Alessandra Lima1

ar a clarificação das situações problemas na resolução deles. Resolução essa que deverá ser fundamentada na construção subjetiva de cada pessoa envolvida no conflito.

Alternativas têm sido pensadas, nessas últimas décadas, objetivando a ampliação das intervenções dos fazeres da psicologia em todos os espaços. Isso ocorre no momento em que novos paradigmas científicos são dimensionados, na medida em que criam um marco, um referencial da prática psicológica, de forma que possam responder ao chamado dessa grande demanda que são os conflitos familiares. É possível pensarmos na participação efetiva da psicologia em processos de mediação de conflitos, por favorecer um espaço de construção e reconstrução de diálogos e o restabelecimento de vínculos entre as partes envolvidas na questão.

Nessa perspectiva, o trabalho desenvolvido pelos Núcleos da Assistência Judiciária é especialmente focado na pensão alimentícia e na regulamentação de visitas, necessitando de uma intervenção interdisciplinar qualificada. O solicitante chega ao núcleo por encaminhamento de algumas instituições ou espontaneamente. Nesse momento, realiza-se uma entrevista por técnicos e o solicitante é encaminhado para a triagem da demanda, ocorrendo então o acolhimento do conflito. Uma vez identificada uma demanda para mediação, realiza-se a pré-mediação em função das informações que são repassadas sobre as etapas de todo o processo de mediação. Após esse procedimento e em continuidade à intervenção, a outra parte é solicitada a comparecer ao núcleo por meio de uma carta-convi-

Nesse sentido, os construtos teóricopráticos dos saberes da psicologia como ciência implementam ações da prática psi com o objetivo de facilitar o acolhimento do conflito e a escuta diferenciada, possibilitando o desenvolvimento do pensamento reflexivo crítico, que vai perme1 Psicóloga do Gajop no Projeto Justiça Cidadã.

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te que, geralmente, é entregue pelo solicitante. O procedimento a seguir será o mesmo do anterior: acolhimento e informação sobre o processo de mediação. É importante esclarecer que a escuta é um ponto fundamental para que haja a possibilidade de realização da mediação de uma forma respeitosa entre as partes.

para o entendimento do sentido emocional, subjacente ao discurso dos sujeitos envolvidos no conflito, e promovendo sua ressignificação. Mesmo quando o conflito se apresenta de forma unilateral e inerente às relações humanas, a experiência indica que nessas relações os conflitos são acompanhados de valores, expectativas, interesses, desejos e sentimentos que deveriam ser comuns, e não são.

O processo de mediação comumente é realizado em dois atendimentos, dependendo da análise criteriosa de cada caso, por parte da equipe interdisciplinar. Análise essa que possibilitará a compreensão dos conflitos e, ao mesmo tempo, oferecer um atendimento mais qualificado aos solicitantes. A ação da equipe em modelo interdisciplinar favorece a cooperação e o diálogo entre os conhecimentos e as ações, facilitando a intervenção.

Percebem-se as dificuldades entre as partes para lidar uma com a outra. No ritual da mediação, as emoções e os sentimentos costumam ser atualizados, assim como as dificuldades pessoais anteriores. Nessa oportunidade, uma das partes aproveita para atribuir apenas ao outro a responsabilização da relação que não deu certo. Assim, a demanda do conflito apresenta-se mais complexa, necessitando de uma abordagem mais precisa no sentido de não favorecer o deslocamento do objetivo da mediação, que é a pensão alimentícia e a regulamentação de visitas. A intervenção da psicologia é favorecida pelo conhecimento da constituição psíquica e pela valorização da dinâmica dos aspectos subjetivos que aprofundam o diálogo entre as partes, com o intuito de provocar a responsabilização e a maturidade entre eles.

Nessa experiência, a psicologia agrega conhecimentos, possibilitando um novo olhar na resolução dos conflitos, em que contempla a subjetividade entre as partes de maneira a constituir um espaço relacional. Dessa forma, atuando nos valores que embasam os direitos humanos, descentralizando o poder e permitindo que o sujeito, saindo de si e indo ao encontro do “outro”, possa facilitar o diálogo, fundamentado na igualdade, na perspectiva de mudança do comportamento e na desejada construção da consciência coletiva.

Outro aspecto considerado importante é a dificuldade do realinhamento do sistema familiar, favorecendo a promoção da reorganização dos lugares simbólicos que cada um tem nas configurações familiares. Para Osório (2002), a família, em seu

A psicologia colabora nos processos de mediação oferecendo subsídios para melhor acolhimento e compreensão dos conflitos, favorecendo a escuta proativa durante todo o processo, contribuindo 67


contexto histórico, não é mais vista como algo estático, sendo, portanto, compreendida como um processo de construção, em que novos elementos são agregados como princípios, valores, crenças dentre outros, provocando a expansão de novos conceitos e modelos sobre as relações e os novos vínculos familiares estabelecidos. Muitas vezes observamos que a dificuldade é acentuada quando existe outro companheiro em cena.

papel e responsabilidades parentais, “suficientemente bons”, e assim a criança tenha seu desenvolvimento de uma forma sadia. O envolvimento dos pais na criação dos filhos é que vai garantir uma estabilidade emocional adequada. Surgem também nos atendimentos dificuldades relacionadas com a comunicação, e esta deve ocorrer de forma eficaz e produtiva no intuito de facilitar um acordo possível entre as partes. Observa-se que a tentativa de reformular o caminho é linear. É fundamental fortalecer o aprofundamento do diálogo com o intuito de promover que uma parte escute a outra, embora que não concorde com tudo, e cumpra o percurso do processo de mediação. A escuta implica estar disponível a colocar-se em outro lugar que não é o seu, ampliar a compreensão sobre suas diferenças e entender que elas possam resolver de forma autônoma seus conflitos. Reconhecer a singularidade da demanda de cada um em seu tempo, em sua realidade, e tentar compreender que existe também uma realidade comum entre eles: os filhos.

Nesse sentido, M. Muszkat e S. Muszkat (2003, p. 126) ressaltam: [...] cada ser humano, a partir de suas vivências e experiências dentro de uma determinada constelação familiar – independentemente do modelo a que nos reportemos – desenvolverá suas concepções quanto ao que se entende por figuras parentais, irmãos, parentes família.

Nessa relação se constrói e se estabelece uma família, como nos sugere Winnicott (1978): A família “suficientemente boa”.2 Para o autor, a forma como se estabelece o lado emocional da criança é que vai ser a base estruturadora da vida social, intelectual e afetiva. Se a experiência for negativa, essas condições básicas não serão preenchidas, podendo ocorrer dificuldades na estruturação de sua personalidade, o que deverá ser um complicador no futuro.

Porém, percebemos que existe o não dito conforme descreve Mannoni (1980, p. 13): “É impossível para a comunicação transpor certos limiares.” Compreendese, dessa forma, que, quando a linguagem termina, é o comportamento que continua a falar. Assim, muitas vezes é mais fácil utilizar a criança como meio para atingir o outro. Conforme seguem alguns recortes de relato no momento dos atendimentos:

Portanto, os pais devem entender que a criança necessita de referências de pai e de mãe para que eles possam exercer seu 2 Aqui utilizamos de forma modificada o conceito de “mãe suficientemente boa” do psicanalista inglês Winnicott (1978).

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− Ele nunca foi de conversar muito, e agora que saiu de casa, fica difícil falar sobre os filhos, até porque a outra tem ciúmes [...]. (Ex-mulher).

− Se ele mudasse, mas já tentei várias vezes, mas ele é mulherengo, gasta com outras coisas, então [...] terá de gastar com os filhos também.

− Já que ele nem consegue falar comigo, imagine com as crianças, por isso nem pergunto se eles querem falar com o pai. (Ex-mulher).

− Quando comecei com ele, era outra pessoa, agora só quero o que meu filho tem direito [...]. − Ele me deixou por outra e nem quer que eu passe na rua da casa dele, nem quer que eu leve meu filho lá, só se for com minha mãe [...], aí também eu não mando a criança [...].

− Não mando minha filha visitar o pai, porque ela não gosta muito. (Excompanheira). ­­ Depois dessa nova companheira, ele − não tem dado atenção aos filhos, aí também não mando os meninos para a casa dele. (Ex-companheira).

Na tentativa de compreender essas falas, concordamos com Freud (1915), ao ressaltar que a gênese de todo enamoramento é essencialmente narcisista: o amor consiste em supor o ideal de si mesmo no outro para completar o que falta no indivíduo até chegar ao ideal sonhado. É como se diz: “Ama-se no outro o que falta em nós [...].” Assim, desejamos no outro o que nos falta. O desejo é diferente da necessidade, ele é sustentado por fantasias e representações imaginárias. No entanto, nada vai satisfazer absolutamente, nenhum objeto vai preencher todas as lacunas. Em suma, os desejos e afetos é que movem o interesse do sujeito pelo outro.

Pela psicologia, identifica-se que as queixas iniciais trazidas são atinentes à solicitação da pensão alimentícia, nem sempre coerentes com seu discurso; vão além do que está por trás de sua fala, o desejo de estar de alguma forma vinculado ao outro, com a possibilidade de rever suas angústias ou até mesmo de manter uma relação mesmo que seja por intermédio do filho. Assim, a criança acaba tornando-se objeto desse desejo. É fundamental que se tenha uma escuta ativa sobre o contexto, a organização dos fatos e o que se fala dos afetos envolvidos no conflito.

Identificamos também outros sentimentos que são externados nos atendimentos como desprezo, raiva, vingança pelo outro, caracterizando uma forma inconsciente de minimizar seu sofrimento, ou mesmo utilizar-se desse mecanismo de defesa para suportar a negação. Muitas vezes, as partes tentam de alguma forma se denegrirem, o que só aumenta o

A psicologia, portanto, auxilia na compreensão desses dados que refletem o emocional que interfere no comportamento e nas relações do contexto familiar. As mulheres, por serem a maioria a buscar o serviço, descrevem suas antigas relações assim: 69


conflito. A tentativa é de compreender a situação, no sentido de mostrar aos pais que não será possível com esse comportamento resolver a questão, e o objetivo maior, no momento, é a solução do conflito e o melhor interesse para a criança. A ocasião deverá ser entendida como a possibilidade de desconstruir e reconstruir suas histórias; com isso, o outro não pode ser eliminado de sua vida, porque existem vínculos que são para sempre, os filhos.

dos genitores não conseguir elaborar de forma adequada o fim do relacionamento, acaba facilitando a instalação da síndrome, o que só atrapalha a relação paimãe-filho. O rompimento da vida conjugal gera na mãe um sentimento de abandono, rejeição, surgindo, então, uma tendência de vingança contra o ex-companheiro. A mãe monitora o tempo todo os sentimentos da criança com relação ao pai, inclusive sabotando a convivência com o pai, criando dificuldades na visitação. A criança é levada a afastar-se do genitor gerando uma contradição de sentimentos e facilitando a destruição dos vínculos entre ambos. O genitor torna-se um invasor na visão da mãe alienada.

Diante de tantas queixas, seja por parte do pai, da mãe pela disputa dos filhos, seja de forma permanente, seja nas visitas em dias pré-determinados da semana, conforme rege o direito, ainda se tem muita dificuldade nesse aspecto, em que, dependendo do contexto, identifica-se um fenômeno de nomenclatura recente, mas de origem antiga, fenômeno esse que se estabelece na convivência das estruturas familiares considerado como Síndrome de Alienação Parental (SAP), que segundo Gardner (2008. p. 1), “é um processo que consiste em programar uma criança para que odeie um dos seus genitores sem justificativa”.

Na síndrome da alienação parental, também a criança pode confundir a noção de realidade e fantasia e encenar sentimentos ou simular reações de uma agressão física ou até mesmo uma agressão sexual que não ocorreu. A criança nesses casos é afastada da convivência do outro genitor de forma velada, de uma forma mais direta ou ser afastada completamente do outro genitor. Com isso, a criança acaba sendo influenciada emocionalmente e terá certamente seu comportamento alterado com relação a pai/mãe. Em geral, quem tem a guarda acaba de certa forma destruindo a relação do filho com o outro, e assumindo o controle total perante a criança. Isso poderá gerar várias consequências para a criança, ao desviar seu afeto para apenas um dos genitores em detrimento do ou-

Quando a síndrome está presente, a criança dá sua contribuição na campanha para desmoralizar o genitor alienado, sem perceber que está sendo utilizada para atingir o ex-parceiro ou ex-parceira, que aproveita também para usar o filho como ferramenta de agressividade direcionada ao parceiro. Assim, entende-se que, com a ruptura do relacionamento que poderá causar entraves na relação, e por um 70


tro, ocasionando um dano psíquico e podendo tornar-se mais tarde uma patologia, consoante observamos em alguns discursos. Por exemplo:

familiares, podendo favorecer a produção de novos significados para a resolução e transformação de sua vida e até mesmo de um entendimento efetivo no futuro.

− Eu só quero que ele me ajude a comprar a alimentação da minha filha, mas não quero que ele tenha contato com ela, não é preciso, cuido sozinha. (Mãe).

Tentamos passar no espaço do atendimento que é necessário respeitar as diferenças e é fundamental para que o ex-casal possa ultrapassar a fase conflituosa e chegar a um amadurecimento da situação.

− Eu não quero que ele tenha contato com meu filho [...]. (Mãe).

Assim, conseguirá relativizar o conflito e dar outro formato na relação a ser estabelecida. Essa é uma forma de produzir efeitos diferentes ultrapassando suas diferenças anteriores.

− Já cansei de dizer a eles que o pai deles não presta [..]. (Mãe). − Quando eu vejo meu menino, ele vem falar comigo todo estranho, até parece que nem sou seu pai. Se eu tenho saudades e ligo, ela sempre diz que ele está dormindo [...]. (Pai).

Por fim, com essas reflexões, podemos analisar que a intervenção da psicologia na mediação de conflitos vem significando um novo campo de atuação para os psicólogos. Denotando uma intervenção eficaz, com indicadores de resultados positivos que possibilitam que o ser humano possa refletir sobre si mesmo e sobre seus atos; resgatando o espaço psíquico de cada um, embora com visões diferenciadas. A psicologia busca incentivar uma relação dialógica entre as partes, estimulando uma situação saudável não só para uma ou outra parte, mas para todos os envolvidos nesse contexto.

− Ela não me deixa ver a criança [...]. (Pai).

Contudo, percebemos nessas falas a presença do fenômeno da SAP, que possivelmente causará um dano psicoafetivo pela ausência do convívio e acabará afastando de um dos genitores e contribuindo para a destruição do vínculo parental. Na oportunidade, quando estamos diante dos pais, é necessário intervir na conscientização dos laços afetivos, pois entendemos que é fundamental para a construção psíquica da criança e lembrar-lhes sobre algumas responsabilidades que dizem respeito aos direitos e deveres como pai ou mãe.

Essa intervenção também promove reflexões que podem provocar atitudes conscientes em suas relações. Sobretudo, quando os ex-companheiros são compelidos a repensar e legitimar seus lugares e atribuições no conflito. Pois, passam a assumir um papel que requer um conta-

O atendimento não pretende suprir as lacunas existentes, mas valorizar a dimensão subjetiva tão presente nos conflitos 71


Portanto, cabe à psicologia compreender a linguagem emocional que permeia os litígios familiares e transformá-la em elementos conscientes, possibilitando uma ressignificação do contexto apresentado, desde que esteja dentro dos limites cabíveis da atuação do profissional de psicologia, que, devidamente qualificado, encaminhará a demanda que não atende aos requisitos da mediação.

to íntimo com eles próprios, que produz um processo de relativização das próprias crenças e valores pessoais. Sabemos que essa mudança está relacionada com um processo educativo de compreender que existem outros meios de intermediar seus conflitos. Importa enfatizar que na mediação as partes são protagonistas na solução dos respectivos conflitos. Com essa informação, o cenário muda, eles demonstram legitimarem seus desejos e, principalmente, o de fazerem valer os direitos dos filhos.

É mister considerar as nuances da psicologia como uma ciência que amplia a compreensão da subjetividade nos processos de mediação, desvelando os conflitos e principalmente contribuindo para a efetivação de práticas que possibilitem uma convivência social mais ética, humana e pacífica.

Com isso, ressaltamos a responsabilidade ética em relação às pessoas atendidas sempre com base no respeito aos sentimentos e na confidencialidade por tratar de uma área extremamente delicada e estruturante do ser humano, que são as relações que envolvem a família e sua vivência; respeitando a singularidade de cada um, as características de sua realidade e principalmente suas escolhas.

Referências GARDNER,R. A. Síndrome de alienação parental. Tradução Apase. 2008. Disponível em: <http://www.apase.com.br>. Acesso em: 15 set. 2008.

Para tanto, a contribuição da psicologia no âmbito da mediação de conflitos deve estar permanentemente orientada a responder ao chamado dos conflitos sociais com o intuito da resolução de impasses configurados como judiciais, que dependendo de sua condução, é possível sua resolutividade de forma democrática com a própria mediação. Um dos compromissos da psicologia é com o restabelecimento do diálogo e a construção das relações mais adequadas entre as pessoas, contribuindo para torná-las sujeitos reflexivos e autodeterminados.

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Violencia doméstica contra mulher: “Em briga de marido e mulher, alguém tem que meter a colher” Mona Mirella Marques Meira1

As Nações Unidas definem violência contra mu-

o núcleo do Ibura em busca da garantia de pensão alimentícia para dos filhos.

lher como “Qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimentos e danos físicos, sexuais e psicológicos da

Relações de poder e gênero: seus aspectos conceituais

mulher; inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação da liberdade seja na vida pública ou

De todos os tipos de violência contra a mulher existentes no mundo, aquela praticada no âmbito familiar é uma das mais cruéis e perversas. O lar, identificado como local acolhedor e de conforto, passa a ser, nesses casos, um ambiente de perigo contínuo que resulta em um estado de medo e ansiedade permanente. A violência doméstica contra a mulher se mantém, até hoje, como uma sombra em nossa sociedade.Tal questão refere-se, sobretudo, à construção social de gênero.

privada.” (NAÇÕES UNIDAS, 1992).

A proposta é refletir sobre a violência doméstica contra a mulher a partir de casos que surgem nos atendimentos realizados pelo núcleo do Ibura/Projeto Justiça Cidadã.2 A violência doméstica é uma situação com a qual os profissionais do projeto se deparam diariamente por meio das histórias de vida das mulheres que procuram

Como observa Joan Scott (1993), o termo gênero deve ser compreendido como elemento constitutivo das relações sociais baseado nas diferenças entre os sexos e como primeira forma de manifestação de poder, pois as relações de gênero, assim como as relações de poder, são mar-

1 Assistente social do Gajop no Projeto Justiça Cidadã. 2 O Ibura é um bairro localizado na zona sul do Recife, com uma população de mais de 100 mil pessoas, situado na RPA-6B; bairro bastante carente de recursos e de serviços. Caracterizado como o bairro mais violento da cidade do Recife, onde a violência doméstica contra a mulher é apenas mais uma das várias formas de violência praticadas ali.

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posta “fragilidade” do sexo feminino é o resultado de uma construção social, que é passível de mudança ao longo do tempo. Observa-se que, atualmente, as mulheres exercem profissões que até pouco tempo eram consideradas tipicamente masculinas, sendo também responsáveis pelo sustento de sua família.

cadas por hierarquia, obediência e desigualdade, o que demarca a presença de tensões, negociações e alianças, seja pela manutenção dos poderes masculinos, seja na luta das mulheres pela ampliação e busca de poder. Assim, o gênero como uma categoria histórica ajuda-nos a refletir não apenas sobre a violência contra mulher em sua forma mais drástica (familiar e doméstica), mas também sobre o lugar ocupado pelo sexo feminino nas outras esferas da vida. Pensando no caso latino-americano, Teresita Barbieri (1991) relaciona aspectos de gênero com a categoria de classe e nos ajuda a pensar a chamada feminilização da pobreza, processo que se desenvolve a partir do momento em que a mulher, com filhos, passa a não mais ter o marido ou companheiro morando no mesmo domicílio e torna-se responsável pelo sustento familiar, ou seja, prover a própria manutenção e a dos filhos.

O homem sempre teve como seu espaço o público, e a mulher foi confinada no espaço privado, qual seja, nos limites da família e do lar, ensejando, assim, a formação de dois mundos: um de dominação e outro de submissão. Dessa forma, ambos os universos, público e privado, criam polos de dominação e de submissão. Com relação a essas diferenças, foram associados papéis ditos como ideais a cada gênero: ele, o homem, como provedor da família, e a mulher como cuidadora do lar, cada um desempenhando sua função. A emancipação da mulher, a conquista da total igualdade dos sexos, é essencial para o progresso humano e a transformação da sociedade. A desigualdade retarda não só o avanço da mulher, mas o progresso da própria civilização. A persistente negação da igualdade para metade da população do mundo é uma afronta à dignidade humana e promove atitudes e hábitos destrutivos em homens e mulheres que passam pela família, local de trabalho, vida política e, em última análise, para as esferas das relações internacionais. Não existe nenhuma base moral, biológica, nem tradicional, que justifique a desigualdade. O clima moral e psico-

A chefia feminina é vista como indicador de pobreza, pois pode ser associada a outros fatores relevantes como o modo de participação da mulher no mercado de trabalho, afinal as mulheres estatisticamente recebem salário mais baixo do que os homens, ou, até mesmo, apresentam maior dificuldade de se inserirem na esfera pública do trabalho, embora os dados de educação comprovem que têm mais anos de estudo que os homens. Assim, quando se falava, ou ainda hoje se fala, das mulheres como o suposto “sexo frágil”, há um questionamento se é um sexo biologicamente frágil, ou se a su75


lógico necessário para capacitar a Nação para estabelecer a justiça social e contribuir para a paz global será somente criado quando as mulheres alcançarem completa parceria com os homens em todos os empreendimentos.

Belém do Pará definiu a violência contra mulher como qualquer ato ou conduta baseada no gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1994).

A despeito do avanço dos direitos políticos e civis das mulheres no Brasil, muito ainda necessita ser feito para a elevação da condição da mulher. Esse panorama de desigualdades e excesso de poder dos homens gera, consequentemente, casos de violência doméstica contra a mulher.

Nesse sentido, a Organização Mundial de Saúde coordenou em oito países uma pesquisa sobre o impacto da violência na saúde da mulher e constatou que, em longo prazo, a mulher vítima de violência costuma apresentar problemas de saúde incluindo dores crônicas, incapacidade física, abuso de álcool e drogas, além de depressão. Vale ressaltar que a tentativa de suicídio é de duas a três vezes maior entre mulheres que sofreram violência física e sexual.

Violência doméstica A violência doméstica não tem distinção de cor, classe social ou de idade. Atinge não só as mulheres, mas seus filhos, a família e os próprios agressores. É uma das piores formas de violação dos direitos humanos de mulheres, uma vez que retira seus direitos de desfrutar as liberdades fundamentais, afetando sua dignidade e autoestima. Além disso, seguindo a mesma tendência dos outros tipos de violência, as mulheres agredidas no ambiente familiar resistem muito mais em denunciar seu agressor.

Em relação a como ocorre esse tipo de violência, pesquisas diversas pontuam que é uma realidade que começa muito cedo. Em geral, os responsáveis pelas agressões é o marido ou companheiro. Os principais motivos dessa violência, se é que existe desculpa para tal ato de crueldade, é o ciúme do marido e uso de álcool. Até poucas décadas atrás, o consenso social legitimava a máxima segundo a qual “em briga de marido e mulher não se mete a colher”; o que ocorria dentro da unidade domiciliar não dizia respeito à polícia, justiça, vizinhança, comunidade, sociedade nem mesmo ao restante da família, sendo considerados assuntos de “esfera privada”.

Na definição de violência doméstica, observa-se que ela é considerada como violência de gênero e como uma afronta direta aos direitos humanos, principalmente à dignidade da mulher. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência, de 76


A média de idade das vítimas foi de 28 anos e a dos agressores foi de 32 anos. Como se vê, portanto, são homens mais velhos que matam mulheres muito jovens, e 67,37% dos agressores foram companheiros ou ex-companheiros.

A violência doméstica no bairro do Ibura Após um levantamento de dados nas fichas de atendimento do Núcleo Ibura/ Projeto Justiça Cidadã, constatou-se que as mulheres atendidas, em grande parte, são ou foram vítimas de violência doméstica praticada pelo marido ou pelo companheiro. Só em 2007, ingressaram 49 processos referentes à Ação de Alimentos, uma vez que, quando se detectam casos de violência, o Projeto Justiça Cidadã distribui ação por compreender que esse tipo de violência não é possível de ser mediada.

O bairro do Ibura, localizado a 20 km do centro do Recife, tem uma população com mais de 100 mil habitantes, distribuída em empregados do comércio, Banco, mecânicos, artesãos, autônomos e desempregados. Seu destaque se deu no fim dos anos 1990, quando já se prenunciava ser um bairro onde o índice de violência se mostrava bastante alto. Atualmente o Ibura é considerado o bairro mais violento do Recife.

É importante destacar que, depois de muitas discussões com a equipe de profissionais e considerando que muitas mulheres reivindicam uma mediação, a mediação de conflitos tornou-se um instrumento para a garantia de direitos referentes à pensão alimentícia para aqueles casos em que a violência doméstica fora praticada há muitos anos e não gerou sequela psíquica naquela mulher.

De acordo com uma pesquisa feita por Sônia Barbosa (2004), em relação à violência, os moradores da comunidade do Ibura denotam total rejeição, muitas vezes respaldada em ideias de moralidade, de solidariedade e também de religião. Ao mesmo tempo, a violência é um dado de realidade do local, presente em maior ou menor intensidade nas mais variadas relações humanas. Assim, todos os tipos de violência existentes no Ibura constituem uma rede intricada e complexa, em que os indivíduos são vítimas e autores ao mesmo tempo.

De acordo com um estudo realizado pelo SOS Corpo, publicado em 2007 − Informações sobre o fim da violência contra as mulheres −, a Região Metropolitana do Recife continua a concentrar dois terços dos homicídios de mulheres, e Recife, isoladamente, concentrou quase um terço de todos os homicídios. Saliente-se que quase 20% desses casos ocorreram em apenas seis bairros (SOS, 2007). O Ibura foi apontado como o bairro da cidade do Recife que teve o maior número de homicídios de mulheres, seguido de Nova Descoberta e da Imbiribeira.

Dificuldades para o enfrentamento da violência doméstica De acordo com o SOS Corpo, na Região Metropolitana do Recife existem apenas duas Delegacias da Mulher, o que é 77


claramente insuficiente para responder à demanda existente na cidade. Quanto à assistência jurídica, há oito serviços no Recife: sete oferecidos pelo governo e um por uma universidade. Em relação à assistência psicossocial, a maior parte foi implantada nos últimos dez anos, demonstrando o incremento nesse tipo de assistência nas políticas para mulheres em situação de violência. No Recife, há maior presença das organizações governamentais na oferta desse tipo de assistência: dos sete serviços do Recife, quatro enquadram-se nessa categoria.

lógica, a mais difícil de se provar, uma vez que não deixa marcas na pele, mas, sobretudo, deixa grandes marcas na alma (BRASIL, 2006). Nos últimos vinte e cinco anos, a trama de serviços voltados para as situações de violência contra a mulher cresceu bastante e diversificou-se, mas em alguns casos, é de difícil delimitação, incluindo serviços exclusivos para o atendimento à violência e outros que, apesar de serem específicos também para outros objetos, têm profissionais, normas e protocolos voltados à questão (exemplo de serviços especializados em DST/Aids e de atendimento a profissionais do sexo).

No Recife foi inaugurada em setembro de 2008 a Casa-Abrigo. Esses abrigos desenvolvem atividades para superação da situação de risco e da situação de violência, acolhendo também as crianças das mulheres no entanto, eles têm limitação para o tempo de permanência. O endereço é sigiloso e o encaminhamento é realizado por meio das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM) ou Centros de Referência da Mulher.

Também existem os serviços que, apesar de não serem voltados para o problema, atendem à maioria de casos de violência contra a mulher (a maior parte dos serviços jurídicos). Essa trama de serviços tem aumentado à custa do aumento de serviços psicossociais e de saúde. Um exemplo disso é o Núcleo do Ibura descentralizado, que tem como principal objetivo mediar conflitos referentes à pensão alimentícia, mas, pela enorme procura do núcleo por mulheres que sofrem ou já sofreram algum tipo de violência, acaba por atender a esse tipo de demanda.

Os mecanismos institucionais de proteção às mulheres previstos em lei precisam “sair do papel” e se tornarem acessíveis a toda a população. Um grande avanço que o Brasil deu nos últimos anos foi a aprovação da Lei Maria da Penha, Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006, trazendo a grande inovação de transformar em crime a violência doméstica; além disso, qualifica cinco tipos de violência doméstica: a física, a moral, a psicológica, a patrimonial e a sexual, sendo uma novidade tipificar a violência psico-

Um novo olhar O que ficou evidente no trabalho realizado no núcleo do Ibura é que a rede de proteção à mulher existe, mas não funciona como de fato deveria funcionar. São trabalhos pontuais que não se entrelaçam para ter um efetivo combate à er78


- Como articular a rede específica entre si − portas de entrada, conhecimento mútuo, articulação de ações e interação dos agentes?

radicação da violência doméstica contra a mulher. Também está presente no relato das mulheres a continuidade do círculo da violência, pois quando elas procuram os órgãos de proteção, sejam eles da saúde, sejam do âmbito jurídico, recebem atendimento desumanizado e com baixa efetividade no que se refere à garantia da vida e proteção. Nesse sentido, a mulher vítima de violência percorre uma verdadeira “via-crúcis” em busca de proteção. Sem falar que a maioria dos órgãos de proteção à mulher são distantes do Ibura. Existem associações que trabalham com essa temática no bairro, no entanto a principal dificuldade é que os órgãos institucionais, na maioria, são de difícil acesso às mulheres. Sendo esses apenas alguns dos exemplos de como a categoria feminina é violada em seus direitos humanos.

A fragmentação é grande: parece haver conexão entre serviços policiais e jurídicos de um lado e saúde e psicossociais de outro. Os serviços psicossociais parecem ser os mais conectados com todos os setores, ocupando o “centro” de uma rede incipiente. No entanto, o precário conhecimento mútuo, o encadeamento de ações assistenciais e a interação dos agentes dificultam projetos assistenciais comuns e conferem ao conjunto o caráter de trama, e não de rede de serviços. Os serviços de saúde e jurídicos são o de menor especificidade e os que menos se articulam com os demais: recebem e encaminham para o próprio setor principalmente. É, ao que parece, onde a rede precisa ser mais fortalecida.

Há uma tensão permanente na rede de proteção às mulheres entre o que são os serviços específicos para a violência e qual o trabalho a ser feito pela rede geral:

Nos casos emblemáticos identificados no Projeto Justiça Cidadã, caracterizados pela escuta qualificada, verifica-se a necessidade de desmembramento das demandas: as absorvidas pelo projeto, que figuram no seu bojo de trabalho e, por isso, contempladas em sua estrutura de atividades; e as não absorvidas pelo projeto, que não figuram em seu objetivo de trabalho, sendo encaminhadas de acordo com sua identificação para o local que as absorvam de acordo com seu objeto e atividade de trabalho.

- A criação de serviços exclusivos desobrigaria os serviços gerais a atender a questão? - Qual o papel da rede geral e qual a dos serviços específicos? - Como articular a rede geral (saúde, polícia, justiça, escolas, serviços sociais) com a rede específica, visto que essa rede geral tem a responsabilidade de identificação e referenciamento dos casos para a rede específica?

Nos casos emblemáticos, o encaminhamento dado às demandas absorvidas pelo Projeto é dado mediante a sensibiliza79


ção para o fortalecimento da autonomia e responsabilização da problemática aliada à interposição e ao acompanhamento da devida ação judicial pela equipe jurídica do projeto.

por intermédio de profissionais de saberes diferentes, estabelecidos em organizações governamentais e não governamentais. A construção de ações conjuntas e de um projeto assistencial comum necessita, ainda, de muito empenho do poder público, estabilidade das políticas, supervisão e apoio para ser construído, e já existem muitos elementos que autorizam vislumbrar essa possibilidade. A trama, por meio dessas ações, pode aos poucos se transformar em rede e, assim, diminuir a violência contra as mulheres.

O procedimento adotado para as demandas não absorvidas pelo projeto é o encaminhamento dos casos de violência contra a mulher ao Centro de Referência Clarice Lispector, o qual desenvolve um atendimento especializado a mulheres em situação de violência no âmbito social, psicológico e jurídico. Este é realizado com parceria formal/institucional firmada entre ambos, constituindo-se o principal suporte a essa demanda suprema no atendimento aos casos emblemáticos, referendando outros possíveis encaminhamentos para outros locais de acordo com a necessidade identificada nas demandas. No entanto, não existe o chamado feedback, em que não sabemos se essa mulher, que já está fraquejada, foi de fato atendida na devida instituição.

Parece ser necessária uma decisão do poder público em fomentar e garantir a sustentabilidade dessa rede intersetorial com ações permanentes de treinamento, supervisão e avaliação que não desmoronem e mudem tão frequentemente com a troca de governos estaduais, municipais e federais. Dessa forma, poderia haver uma articulação mais coesa de maior sustentabilidade ao longo dos anos, garantindo o sucesso das políticas públicas dirigidas ao problema.

O sentido da intervenção psicossocial, com a dimensão pedagógica e política, é desenvolver a atitude do “Cuidado e da Responsabilidade”, atitude essa que pode provocar preocupação, inquietação e sentimento de responsabilidade. “O homem é um ser diante de escolhas, não há como não escolher e, se ele é totalmente livre para escolher, é também responsável por tudo que faz.” (RIBEIRO, 1985). A visibilidade do problema da violência contra mulheres e o estímulo ao fortalecimento, à cidadania e garantia de seus direitos vêm disseminando-se na trama 80


lheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 ago. 2006. Disponível em: <http:// www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/ Legis/Leis/11340_06. html>. Acesso em: 4 jun. 2009.

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Atendimento coletivo: exercício de cidadania e dimensão comunitária do Projeto Justiça Cidadã Hermínia Martins1 “O filho da gente fica com um pedaço da gente e continua precisando de um pedaço do que a gente ganha e tem.” (Augusto)2

derando o discurso das mulheres que deles participaram, refletindo sobre alguns de seus resultados.

A proposta deste texto é refletir sobre o Atendimento Coletivo (AC)3 realizado no núcleo do Ibura durante o ano de 2007, ação de que participaram 449 pessoas. Importante destacar que dentre esse número 92% são mulheres e, nesse sentido, a análise nos possibilita pensar sobre a situação de vida de mulheres que moram nas redondezas do Ibura, bairro considerado, segundo alguns estudos, um dos mais violentos da capital pernambucana.

1 Dinâmica pedagógica e grupal do atendimento coletivo O objetivo geral do AC é informar e orientar as (os) usuárias (os) sobre Pensão Alimentícia e o processo de Mediação. Também é um espaço de identificação ou triagem de casos de violência domestica contra a mulher ou outras violações de direitos.

Inicialmente, apresentaremos os chamados Atendimentos Coletivos, pontuando sua estrutura e dinâmica pedagógica para, num segundo momento, com base na teoria da psicologia social – Dinâmica de Grupo - e das observações do agir e olhar da técnica em psicologia, analisar suas potencialidades e/ou limites consi-

No AC, a informação como instrumental pedagógico na reflexão de direitos é uma ferramenta imprescindível de suporte para o processo de mediação, contribuindo para expectativas favoráveis de negociação do participante com a outra parte envolvida. Integrada à fase de informação, cumula-se a reflexão sobre processo de autonomia das partes para tomada de decisões e propostas durante a mediação, sendo esse um pressuposto necessário

1 Psicóloga do Gajop no Projeto Justiça Cidadã. 2 Técnico social, Ibura - Recife, em entrevista, 2 de agosto de 2006. 3 Será usada a sigla AC para se referir ao Atendimento Coletivo no desenrolar do texto.

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para atenuar o conflito familiar inerente à solicitação da pensão alimentícia. Por isso, pode-se dizer que o AC responde a uma verdadeira proposta pedagógica, para além de seu papel informativo. No que diz respeito à sua realização, ocorre diariamente, através da facilitação de dois técnicos sociais do Projeto Justiça Cidadã. Tem duração média de uma hora e trinta minutos e obedece a uma dinâmica desenvolvida em três momentos.

PRIMEIRO MOMENTO Etapas

Atividades

Objetivos

Acolhimto Apresentação Sensibilização

Boas-vindas para os participantes, situando-os como grupo; apresentação por meio da pergunta: “Como você está se sentindo?”

Favorecer a identificação grupal e cidadã; sensibilizar e integrar para encaminhar um processo de complementaridade (a breve história de cada um prepara e amplia a percepção para o próximo).

Breve histórico individual

Trabalhar sentimentos presentes para favorecer a conscientização dos sentimentos e objetivos individuais (inteireza emocional da demanda trazida) e atenuar formalidades advindas de expectativas simbólicas do “espaço de justiça”

Informe sobre a parceria do Gajop com a PCR; Informe sobre a dinâmica do Atendimento Coletivo

Referenciar o grupo em um contexto institucional e metodológico, legitimando o Projeto Justiça Cidadã e situar os participantes em relação às suas expectativas, apresentando o que será realizado durante o tempo do grupo.

Apresentação do Projeto Justiça Cidadã e objetivos do grupo

SEGUNDO MOMENTO Etapas

Atividades

Objetivos

Parte informativa; formativa

Informações jurídicas sobre Pensão Alimentícia

Informar e orientar dentro da perspectiva de educação em direitos humanos; conscientizar e estimular o exercício da cidadania

Troca de experiências

Espaço para perguntas e respostas acerca do tema e depoimentos pessoais

Proporcionar interação das pessoas do grupo (participantes/técnicos); Identificar casos emblemáticos ou que necessitem de outra orientação e outro encaminhamento.


TERCEIRO MOMENTO Etapas

Atividades

Objetivos

Apresentação das formas de solicitação da pensão alimentícia/ Encaminhamento dos casos.

Apresentar o trabalho de Mediação de Conflitos em Pensão Alimentícia, foco do trabalho realizado no núcleo.

Proporcionar aos participantes o conhecimento sobre as possíveis formas de solução da demanda de pensão alimentícia; apresentar a Mediação como forma de acesso à Justiça que enfatiza o papel da pessoa solicitante no processo, etc.

Apresentar as condições para a realização de ação judicial no núcleo.

Situar os participantes sobre os casos em que não é possível a Mediação, e sim a Ação Judicial.

Espaço para avaliação dos participantes

Direcionar os participantes para a autoavaliação: “Como estou me sentindo agora/ como estou me saindo?”

Avaliação

Identificar o resultado do trabalho informativo. Quadro 1 Momentos da dinâmica do Atendimento Coletivo

Avaliando todo o desenvolvimento operacional do AC, identifica-se o crescimento de uma proposta tendo como fio condutor a “educação para os direitos humanos”, considerando-se a realidade histórica das experiências do Projeto Justiça Cidadã e dos técnicos envolvidos, partiuse de alguns princípios da psicologia social para delinear ou justificar em que rumo este trabalho se desenvolveu. Citaríamos, inicialmente, a proposta de formação de um grupo para se realizar um atendimento de forma coletiva, com tempo de duração definida e com objetivos claros a serem atingidos para a realização de uma tarefa, no caso do AC, a etapa de mediação ou o processo de ação judicial. Pode-se classificar, assim, o grupo constituído diariamente no AC como do tipo Operativo, visto que traça estratégias coletivas para favorecer a


ampliação da autonomia com o reconhecimento da pessoa humana como um ser de direitos e cidadania e dimensionar as etapas seguintes da demanda por meio da aprendizagem, comunicação, esclarecimento e a resolução da tarefa (MINICUCCI, 1993, p. 186).

parte. Cada pessoa que chega ao grupo vem com necessidades interpessoais específicas e identificadas (MOSCOVICI, 1985, p. 24). Os conceitos jurídicos (Direito da Família) são fundamentais para responder à demanda que chega ao núcleo, e, portanto, são repassados durante o AC. Porém, isso não impede que outros temas surjam, uma vez que a temática de alimentos traz no seu bojo pontos nodais de muitos outros conflitos familiares e sociais. É trabalho dos técnicos possibilitar e orientar o espaço para reflexões além da questão de pensão. Por isso, o AC se desenvolve com certa flexibilidade, apesar de sua dinâmica planejada. O espaço de cada participante é respeitado, e os depoimentos pessoais são até estimulados, desde que seja essa a necessidade da pessoa participante, e absorvida pelo grupo.

Assim, o propósito e a técnica dos Grupos Operativos são essencialmente aplicados a um grupo centrado na aprendizagem, que, nesse caso do AC, parte da análise de situações conflitivas e cotidianas para alcance de um conhecimento objetivo (MINICUCCI, 1993, p. 186). A partir dos relatos vivenciais, que podem ir muito além do próprio conflito em torno da questão da pensão alimentícia, muitos elementos poderão ser ressignificados subjetivamente por força da escuta favorecida pelo acolhimento do grupo e da instituição. A Mediação em si mostra esse potencial educativo do AC quando o nível de objetividade, diálogo e respeito entre as partes é observado durante esse processo e a quantidade de acordos que se mantêm cumpridos após esse momento.

A força do AC está na amplitude do seu processo de comunicação, no seu funcionamento como um Grupo Operativo, na transmissão de informações em preparação para um momento de mediação que exige disponibilidade e habilidade na comunicação com o outro. Assim, além de ser um espaço de acolhimento e escuta, poderá delinear um caminho possível para o desenvolvimento de novas subjetividades individuais e coletivas no processo de comunicação interpessoal numa perspectiva cidadã de aquisição de direitos.

2 Observações da prática: comunicação interpessoal e cidadania A comunicação influencia igualmente nos comportamentos por ser um veículo de relação humana carregado de significados. No grupo, cada indivíduo concede/concebe um significado aos fatos, e ao expressar-se acrescenta algo de sua

O AC é, portanto, um momento de encontro com o outro, de semelhante demanda. É uma oportunidade de troca, de partilha de experiências, de reflexão so86


bre posturas e atitudes para o momento da mediação.

to de vida. Um exemplo: no ibura, é comum mulheres fazerem o caminho de casa até o núcleo a pé, descendo e subindo ladeiras, por não terem dinheiro para pagar a passagem do ônibus.

3 Atendimento coletivo e demanda ampliada: quem chega

A angústia e o medo da fome transparecem no rosto e na fala de pessoas que não querem perder a esperança e jogam muita expectativa na pensão alimentícia. O AC esbarra no limite de sua tarefa quando confrontado com essa realidade socioeconômica, e, portanto, compete aos técnicos, quando a discussão exige, a tarefa de informar aos participantes sobre soluções oferecidas pelas políticas públicas, que, se mesmo tênues ou insuficientes, se apresentam, como soluções para melhoria das condições de vida.

O AC apresenta um contínuo e diário diagnóstico da situação de vida das mulheres que moram no entorno social do núcleo. As mulheres que procuram o núcleo são as que lutam pela sobrevivência trabalhando como catadora de lixo, faxineira, doméstica, revendedora de cosméticos, ambulantes. Muitas são manicure e cabeleireira em salões improvisados na própria casa ou na casa de parentes. Também conhecemos mulheres que utilizam “campanha”, como elas chamam a mendicância, para poder dar comida aos filhos. Mas a grande maioria depende da bolsa-família ou da ajuda de terceiros (companheiros, parentes, vizinhos, compadres) para se sustentarem.

Frente a essa realidade, tentamos associar e ampliar a noção de “provedor familiar”, desmistificando a visão unitária e masculina com a responsabilização da mantença da família. Esse ponto de reflexão procura apontar aspectos da autoestima dessas mulheres e suas perspectivas de ação em meio às carências estruturais das políticas públicas, especialmente de emprego e geração de renda.

Verificando os diários de campo dos AC realizados em 2007, encontramos temas reincidentemente levantados pelos participantes: direito de visita dos filhos e do pai; violência doméstica; função da paternidade na vida dos filhos; relações de gênero; direitos da criança e do adolescente e papel do Conselho Tutelar. Esses temas recorrentes “costuram” e contribuem para a lógica de entendimento de violação de direitos que ocorrem.

4 Observaçôes da prática: dinâmica real do atendimento coletivo Baseado no resgate histórico do que foi vivenciado nos grupos de AC em 2007, o quadro abaixo apresenta o registro de como foram compostos esses grupos e como foi a participação e avaliação das pessoas em relação ao processo:

Durante o AC, as mulheres apresentam sua história com toda carga emocional de conflitos e problemas que um núcleo familiar possa trazer, representativas das mazelas sociais e culturais de seu contex87


Dinâmica dos grupos e participação das pessoas na percepção de técnicos

Sentimentos iniciais citados pelos participantes

Avaliação feita pelos participantes

-Grupos participativos, com pessoas questionadoras.

-Raiva

-“Não foi nada de interrogatório como eu pensava”

-Grupos com poucas perguntas, apáticos e tímidos -Grupo integrado e aberto ao diálogo -Pessoas abertas à expressão de seus sentimentos (longos depoimentos, choro) -Grupo indagador (levantam outros assuntos)

-Mágoa -Incômodo -Insegurança quanto ao resultado da demanda -“Estou bem” -“Revoltada” -“Péssima”

-Grupo homogêneo quanto a sentimentos negativos, pessimismo, desespero

-Sentimento de injustiça

-Grupo de mulheres com relato de violência doméstica

-Tristeza

-Grupo de pessoas que receberam as informações participaram do AC, mas não quiseram levar carta para mediação -Grupo com participação de homens: “Vim aqui para me colocar na justiça [...] acabo sendo mãe e pai, e ela ainda cobra mais assistência [...] quero entrar em acordo.” -Grupos realizados com a dinâmica feita sobre o Dia Internacional da Mulher – participação na comemoração e na reflexão (O que tem de bom e de ruim na trajetória da mulher) -Grupos grandes e tensos -Grupo marcado por relato de realidade de fome e necessidade de mendigar para supri-la

-Ansiedade -Desamparo -Indignação: “por que precisei chegar até aqui?” -Vergonha -Aperreio

-“Deixa a gente à vontade” -Merece elogios -Esclareceu dúvidas -Deixou mais confiança e tranquilidade para a resolução de problema -“Cheia de esperança” -“Fiquei mais confiante, mais leve” -“Alívio” -Informação segura -Satisfação -Acobertada -“Saio mais informada e corajosa para resolver o problema” - Satisfação

-Desesperança

-“Gostei, deu atenção a gente [...] conversa menos burocrática”

-Sono

-“Saio confortada

-Tranquilidade

-“Saio do mesmo jeito”

-Nervosismo

-Frustração devido ao encaminhamento para a Defensoria Pública

-Cansaço

-Amargura -“Sede de justiça” -Conquistar direitos

-“Estou saindo do mesmo jeito”

-Grupos marcados pela troca de experiência e apoio entre as participantes

-Agoniada

-“Ainda tenho dúvidas”

-Mobilização emocional que contagia todo grupo (choro coletivo)

-Apreensiva -Humilhada

(solicitação de conversa individual)

-Relatos de depoimento: desejo de suicídio pela falta de perspectivas de sobrevivência para os filhos -Grupo com pessoa em surto psicótico -Depoimento de mulheres subordinadas ao “não deixo” do marido e depois abandonadas por causa de outra mulher.

-Ressentida -Ódio -Desespero -Decepção -Dúvida

Quadro 2 Composição dos grupos do Atendimento Coletivo

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-“Não gostei dessa história de acordo” – desconfiada/insegura quanto ao resultado do processo de mediação.


A referência para esse trabalho corporal vem da Bioenergética4 que aborda a linguagem corporal. Os sinais e expressões do corpo transmitem informações sobre a pessoa. A pessoa se descobre tendo consciência da experiência e das reações do seu corpo e do que ocorre na sua mente (LOWEN, 1982, p. 39).

5 A experiência do ac sob o olhar da psicologia A experiência como psicóloga no AC me deu base e espaço para propor algumas intervenções através de dinâmicas que pudessem atender ao imprevisto advindo do grupo, assim como uma leitura mais subjetiva de algumas questões fundamentais da demanda de pensão alimentícia e o processo de mediação de conflitos.

Além da abordagem de expressão corporal, em muitas ocasiões, foi utilizada a dinâmica com imagens que estimulam reações ao que é perguntado e informado, o que contribui, também, para a não dispersão em caso de grupo grande. Esse tipo de recurso, com figuras/ colagem é utilizado pela Arteterapia5 e muito contribui para sair um pouco do racional, favorecer a concentração e abordar a sensibilidade das pessoas diante de suas ideias.

O propósito pedagógico do AC é preparar os (as) participantes para a etapa de mediação. Ao longo de muitas observações no grupo, percebeu-se que abordar o tema Autonomia Pessoal interessava as pessoas no sentido de que elas ampliavam o imaginário da negociação e se posicionavam como “donas da situação”, conscientes do seu papel para aquele momento de mediação.

Em algumas ocasiões, a dinâmica de “chuvas de ideias” contribui para respostas a perguntas que tem como objetivo introduzir um tema, a exemplo da autonomia e mediação. Já realizamos também, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher e festas de final de ano, momento da elaboração de mensagens pelos participantes, as quais traduzem e reforçam o espírito de esperança e solidariedade.

Abordar Autonomia Pessoal na forma apenas verbal permanece superficial e deslocada pelo breve tempo para refleti-la. A maioria das pessoas carrega um padrão energético instalado no corpo ao longo de uma trajetória de relações pessoais e sociais, que levam a processos de submissão e medos ao longo da vida. Por isso, desde o início do grupo, solicita-se trabalhar com expressão corporal mínima, por exemplo, “vamos colocar os pés firmes no chão, tomar consciência de que estamos aqui e agora, e do que viemos e queremos fazer”.

4 Bioenergética – baseada no trabalho de Wilhelm Reich. Técnica terapêutica que ajuda a pessoa a entrar em contato com seu corpo e tirar o mais alto grau de proveito da vida que há nele. (sexualidade, respiração, movimento, sentimento e autoexpressão). 5 Arteterapia – Tratamento através da arte; é uma técnica que tem um suporte terapêutico. “O fazer artístico” é um facilitador da expressão. Utiliza-se como tratamento, diagnostico, sensibilização de grupo.

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Outro resultado positivo do AC diz respeito à identificação e sensibilização de mulheres vítimas de violência doméstica, que são abordadas sob outro olhar no tocante aos encaminhamentos. Essas mulheres são ouvidas individualmente e podem se sentir acolhidas na escuta do seu caso. A partir de suas histórias pessoais, o fenômeno social da violência doméstica como crime é refletido buscando aprofundar o efeito desse em sua vida. Esse procedimento dialógico possibilita a compreensão da necessidade de serem encaminhadas para ação judicial de alimentos e procurar o Centro de Referência Clarice Lispector para serem cuidadas em nível psicossocial.

Considerações finais O AC se consolidou como uma etapa de construção da Mediação, assim como um instrumento de informação sobre direitos em adequação com a proposta pedagógica do Projeto Justiça Cidadã. A potencialização desse trabalho foi resultado de um processo de construção coletiva das equipes envolvidas no projeto, desde seu planejamento à sua concretização. Sua dinâmica desenvolveu-se em etapas correspondentes às fases pelas quais o projeto passou. Seu crescimento foi planejado e adaptado após observação de resultados positivos no momento das Mediações. De fato, esse momento de diálogo e acordo passou a ser mais objetivo e marcado pela sensibilização da consciência de papéis das partes em relação à pensão como um direito, e não como foco de conflitos (brigas), mas resolução destes e retomada da comunicação entre as partes.

Referências ATENDIMENTO COLETIVO NÚCLEO IBURA. Registro da ficha de dados 2007. LOWEN, Alexander. Bioenergetica. São Paulo: Summus, 1982.

Durante a Mediação, as mulheres passaram a se posicionar de forma mais autônoma e segura, graças a uma autoestima fortalecida, com capacidade de justificar sua condição pessoal. O AC preparou as mulheres a se posicionarem antes de tudo como pessoa autônoma, como representante dos filhos e como co-responsável de seu sustento, e menos como ex-companheira. Assim, os papéis de provedores ficaram em base de equidade em muitas discussões e posições, as mulheres passando a considerar também a realidade do ex-parceiro e sua disponibilidade para negociar na Mediação.

MINICUCCI, Agostinho. Dinâmica de grupo: teorias e sistemas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1993. MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento Interpessoal. 3 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1985.

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Nas entrelinhas da pensão alimentícia: (re)conhecimento das organizações familiares a partir da experiência do Justiça Cidadã Ana Lúcia dos Santos Silva1 Márcia Rosas Vaneska Natazcha Fonseca Madureira

As atividades de mediação, orientação jurídica e encaminhamento realizadas no núcleo do Pina, Projeto Justiça Cidadã, têm como participantes pessoas vindas da área que dá nome ao bairro e suas subdivisões (Bode, Beira-Rio e Ilha de Deus), bem como de Brasília Teimosa e demais regiões circunvizinhas.4

No dia a dia, o contato com mulheres que vão atrás de pensão alimentícia para os filhos e acolhidas contam sua história de vida oferece a possibilidade de conhecer, de forma mais direta, as organizações familiares das populações que vivem tanto nas periferias do Recife quanto nos bairros considerados de área central. No caso da localidade onde atua o Núcleo Pina, estamos nos referindo a lugares onde grande parte dos moradores não tem condições dignas de moradia, saneamento, saúde, atividades de lazer, programas sociais e perspectiva de trabalho para jovens, embora convivam diária e diretamente com a ostentação da orla de Boa Viagem.

1, 2 e 3 Advogada, assistente social e estagiária de Direito do Gajop no Projeto Justiça Cidadã. 4 A RPA 6 - SUL ( Região Político-administrativa 6) comporta a MR 6.1, como a microrregião que mais tem munícipes, os quais procuram o Núcleo Pina . Essa MR 6.1, por sua vez , é composta por bairros de diversos matizes : Boa Viagem , Brasília Teimosa , Imbiribeira, Ipsep, Pina e todas as comunidades adjacentes a essas localidades . Em pequena análise da RPA 6, pode-se constatar que seus índices são satisfatórios com relação às condições básicas de desenvolvimento que uma região pudera desejar . Temse, por exemplo, o percentual de 94,15(%) de pessoas que têm geladeira no domicílio e 83,53% vivem em domicílio que dispõe de banheiro e água encanada, além de ostentar uma quantidade percentual de apenas 14,67(%) de densidade de mais de dois habitantes por dormitório e em 30,47% dos domicílios têm microcomputadores. Fazendo uma correlação interna entre dois paradoxos bairros contidos na MR 6.1, tem-se a já esperada condição díspar de, por exemplo, Boa Viagem ter 59,36% domicílios com geladeira, para tão somente 4,69% da região do Pina/Encanta Moça e Ilha de Deus, entre outros números que podem ser mais detalhadamente vistos no Atlas do Desenvolvimento Humano do Recife (RECIFE, 2005).

A instituição família - pequena gradação histórica em observação pelos técnicos do núcleo do Pina Há várias teorias formuladas sobre a instituição familiar. Enquanto alguns a ve91


em como fato natural, outros a definem como conquista cultural: “A família não é um fato natural, trata-se de uma conquista cultural, inserida em uma dimensão histórica de construção ao longo dos séculos e, em conseqüência, atravessando mudanças.” (FÉRES-CARNEIRO, 1999, p. 83). No entanto, há um ponto pacífico, a família aparece como primeiro grupo histórico ou a primeira forma de interação humana.

nas quais este sustenta seus enteados e, até mesmo se dá bem com o ex-esposo, são fatos cotidianamente observados no Núcleo Pina do Justiça Cidadã. Sobre isso, há o reverso da moeda, se, por um lado, com o advento do reconhecimento da União Estável, os casais separados podem reconstituir novo laço afetivo com mais facilidade; por outro, pode implicar, muitas vezes a descartabilidade das coisas e das pessoas e a constatação de os genitores não procurarem seus filhos do primeiro relacionamento. Ratifica-se a modificação em 180 graus no padrão organizacional familiar, o surgimento de casais que têm, pelo menos, um filho de união anterior. Não menos digno de citação, confirma-se o dado de a guarda dos filhos em menor idade continuarem, as mais das vezes, tendo a genitora como guardiã.

Entendia-se por família apenas a composta por pai, mãe e filhos, pensamento em que imperava apenas o poder patriarcal. Não havia como imaginar esposos se separando, igualdade socioeconômica entre os cônjuges, dentre outras ocorrências. Todavia, as coisas vêm mudando consideravelmente desde a década de 1970. Dessa maneira, observam-se nuances antes rechaçadas pela sociedade, que caíram no rol das situações normais, a exemplo da separação, em que a mulher era tida como vulgar (era xingada e segregada), e hoje é aceita como heroína por conseguir trabalhar fora, em casa e criar os filhos, algumas vezes com ausência total do genitor; a constatação da existência de uma infinidade de tipos de núcleos familiares e a gama de núcleos que se fundem e juntos compõem um só; ou a ocorrência de pais que, mesmo após a separação do casal, desejam, juntos decidir sobre a vida de seus filhos, deixando de lado os desentendimentos e as diferenças e, até mesmo a considerável ocorrência da constituição de nova família, tendo filhos de outro companheiro (as famílias recompostas),

Os novos arranjos de família, o atendimento realizado pelo Projeto Justiça Cidadã A mudança da família brasileira é observada em nossas atividades cotidianas já que o público que atendemos, na maioria, é composto por pessoas que vivem ou viveram em união estável ou simplesmente tiveram um filho de um relacionamento e praticamente sozinhas os educam e sustentam; afora isso, têm filhos de relacionamentos diferentes e, geralmente, são uniões de curta duração. Há os divorciados que residem com os pais e são sustentados por eles, como Vi-

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tor 5 − o genitor da história −, que é sustentado pela mãe (avó do alimentando) e pela atual companheira. Ele não consegue emprego e, segundo a mãe da criança, a reação foi a pior possível quando foi aconselhado a ser vendedor autônomo (de água mineral, por exemplo). Outro exemplo é o de Caio, que, além da criança em questão, tem mais três filhas com outra companheira, é sustentado pelo pai (avô das crianças) e, além dessas fartas características das inovações familiares, afirma que a Sabrina (sua companheira anterior) tem ciúmes porque suas duas outras filhas residem com ele.

querem (eles justificam que seu trabalho é informal e têm filhos de outros relacionamentos); afora isso, acham-se no direito de controlar a vida da ex-companheira quando pagam a pensão devida por direito aos filhos. Observando-se, assim, que, apesar da mudança nos núcleos familiares, algo permanece desde os primórdios, que é a ideia que o homem tem de superioridade, do poder patriarcal, de mandar tanto nas mulheres quanto nos filhos, de ser, em tese, o provedor, portanto, achandose donos deles, como no exemplo a seguir: ela contava 13 anos de idade quando iniciaram o relacionamento; conviveram por cinco anos e estão separados há pouco tempo. O genitor foi quem procurou o Justiça Cidadã. Segundo a mãe da criança, ele insistiu para que ela engravidasse e dá tudo para o filho, inclusive em excesso. Ele não queria que ela trabalhasse e já a agrediu na frente do filho. Atenta-se para a incontestável asseveração: prejudicam-se os filhos de várias formas.

Como citado anteriormente, observa-se a incidência de famílias recompostas em que o segundo ou terceiro companheiro mantém os filhos do primeiro relacionamento, tanto é observou-se a situação de muitas mulheres virem requerer pensão dos filhos após a separação ao perderem o sustento oferecido pelo segundo ou terceiro companheiro. Ademais, muito embora em alguns casos sejam os homens-pai que nos procurem para regularizar os alimentos e a visita, em virtude do aumento significativo de pais cuidando dos filhos, a maior incidência do público que procura os Núcleos Descentralizados de Assistência Judiciária é o feminino. São mulheres “chefes de família” que realizam trabalho informal para garantir o sustento próprio e dos filhos, uma vez que o ex-companheiro só contribui com o que querem e quando

Sem contar quando um ex-companheiro tenta atingir a ex-companheira não provendo com o sustento dos filhos e afastando-se deles, e os mais prejudicados nessa história são as crianças e os adolescentes. O mesmo ocorre com o atual companheiro das mulheres que não querem que sua mulher vá atrás da pensão dos filhos que tiveram do relacionamento anterior, ou seja, só pensam nos seus interesses, nos seus sentimentos e esquecem completamente que esse é um direito de toda criança, inclusive o de ter

5 Todos os nomes foram trocados para preservar a identidade dos munícipes.

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contato com o genitor. Creem os genitores que não é mais a responsabilidade deles, uma vez que eles saíram do núcleo familiar tradicional e a mãe figura como a provedora, a autoridade e, nas mais das vezes, a única referência.

Vivem em situações de risco, todavia tentam trazer dignidade para a vida de sua prole. Desvencilham-se da falta de oportunidade, da falta de estudo, da possibilidade latente de ter seus filhos envolvidos com tráfico e lutam, principalmente, pelo bem-estar deles. Mesmo que isso signifique encarar por alguns instantes alguém que não desejariam rever por algum tempo, haja vista a situação corriqueira de no fim do relacionamento amoroso uma parte querer a outra bem distante. Ademais, a mediação favorece o que se pode chamar de tentativa de controle das emoções, daí se presencia o que se pode chamar de exercício da inteligência emocional, a qual permite que se persiga o objetivo que está na origem.

Muitas das mulheres que procuram o núcleo se sentem e se afirmam mantenedoras dos filhos em todos os aspectos. Cuidam da alimentação, dão suporte quando há alguma enfermidade, preocupamse com a educação escolar (pelo menos com a presença na escola), com a integridade física e demais aspectos do desenvolvimento desses jovens. Há na ficha de atendimento a pergunta “O que é ser mãe?” e quase 100% das respostas: “TUDO!”, ou alguma modalidade do vocábulo tudo. Será que a palavra “tudo” como resposta à pergunta “o que é ser mãe” está solta no vácuo do papel ou revela algo mais? Questionar na pré-mediação não é somente desejar retorno verbal para confrontar dados, mas captam-se as impressões, os trejeitos ou os sorrisos dos olhos, cujo vislumbrar pelos medianeiros é patente e auxilia na identificação das personalidades atuantes no processo de mediação em que a autonomia é valor inconteste. 5

Não obstante algumas situações bastante usuais de ex-companheiros que buscam a mediação para ter mais um contato com quem ainda lhe causa sentimentos, ou sensações atrativas, tal qual o exemplo dos munícipes Jansen e Talita. Nesse mesmo atendimento, o caso de Talita, constatam-se outras nuances, de certa forma recorrentes no Núcleo do Pina e nas famílias da atualidade, visto que já teve resolvida a pensão dos demais filhos. Ou seja, a mesma genitora pedindo para dialogar com os diferentes pais de seus filhos. Quando a atual esposa de Jansen soube que ele registrou o filho de Talita, ameaçou deixar o marido e, este parou de contribuir com os 30 reais (pouco mais de 7% do salário mínimo vigente à época). Mais um exemplo típico da utilização da pensão alimentícia para um atin-

5 “É na subjetividade das relações humanas que as mensagens comunicacionais adquirem sentido. A comunicação humana compõe-se de aspectos verbais e não-verbais. Ambos são importantes para que a comunicação se dê de forma eficaz e eficiente. Porém, o aspecto não-verbal é dominante, não raro decisivo para a maneira como a mensagem será assimilada e a como reagir-se-á a ela. Pesquisas demonstram que 70% da comunicação são compostos por tais aspectos. O peso do aspecto não-verbal da comunicação, como gestos, entonação etc, é mais evidente nas crises emocionais e sociais.” (NAZARETH, 2004, p. 1).

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haja vista a precariedade das condições de especialização da maioria e a filtragem que a oferta do mercado de trabalho sofre com o passar dos anos. Então, justificando o supostamente injustificável, muitas vezes, quando o genitor afirma, “quero ir para o juiz, pois demora e daqui para lá posso estar trabalhando de carteira assinada”, pode ter por trás uma frustrante jornada de procura de subsistência para si e para pagar a pensão. Notase a expressão de alguns pais que dariam mais de 50% de seus rendimentos se estes existissem; no entanto, pode ocorrer o relatado acima, de haver homens que fogem da responsabilidade e utilizam o subterfúgio da frase “quero ir para o juiz [...]” intentando demora na solução do litígio, haja vista confiar nos prazos dilatados com os quais, normalmente, a justiça opera nos fóruns.

gir o outro, em total detrimento dos interesses da criança que, como nesse caso, pode morar em palafitas, vivenciar dificuldades como a de passar fome que gera falta de nutrientes para o organismo humano, ocasionando transtornos no corpo e no cérebro, os quais permeiam o aprendizado escolar e demais circunstâncias desagradáveis e indesejáveis. Genitores que jogam com a vida dos seus filhos desconhecem o que vem a ser responsabilidade paterna. Muitas vezes, têm um discurso bastante solto e superficial, como Carlos, que diz “ser pai é viver a vida”. Nos olhos dele (comunicação gestual), percebeu-se que seu grau de envolvimento com o filho era fragilíssimo. Repetem-se comumente casos desse viés, inclusive, configurados na negligência dos requeridos (“empurram com a barriga”), alegando estar desempregados e contribuirão com pensão alimentícia quando estiverem trabalhando com carteira de trabalho assinada, a exemplo de Célio ou Geraldo, que afirmou estar disposto “quando trabalhar, a contribuir de livre e espontânea vontade”. Frise-se que muitos pedem demissão do trabalho formal e passam a laborar na eventualidade ou sem carteira assinada para evitar a contribuição alimentar.

Dessa forma, em uma sociedade em que ser “virtuoso” é ter objetos ou títulos, tanto em um meio de opulência quanto nas comunidades periféricas, algumas mães vinculam o registro com nome de “pai” apenas para fins pecuniários, como podemos visualizar em “não queria que ele registrasse a criança, mas meu pai me convenceu. Não queria, pois já sabia que ele não ajudaria” (Alice, revendedora da Avon, tem renda mensal entre 75 e 80 reais – aproximadamente 20% do salário mínimo vigente – e não participa de programas do governo). A pobreza exacerba o que é comum na atualidade: relações sociais pautadas pelo consumo, porquanto, mesmo existindo esse tipo de vínculo em vários segmentos de todas as de-

No entanto, é importante refletir na seguinte situação: é certo que há exemplos de professores universitários, arquitetos e empresários moradores ou saídos da periferia e das favelas, todavia, sabe-se que a situação da sociedade tem-se mostrado drástica no concernente ao trabalho, 95


nominadas classes sociais, “junta-se a fome com a vontade de comer” e a chance duplica quando há o sentimento de impotência por saber que seus meninos podem estar sem ter o alimento necessário (diga-se alimento : o boné desejado, o caderno que acabou e carece de reposição ou a ausência da básica dupla cuscuz com ovo). Não bastasse a questão pecuniária, mais grave é o descaso com o desenvolvimento emocional dos filhos (se é que os consideram filhos), que atualmente, de tanto ocorrer na vida real, há até um exemplo na jurisprudência brasileira de um filho que processou o pai, porque ele deixou de lhe propiciar afeto. Sentam-se à mesa de mediação, algumas vezes, apenas com o objetivo de conseguir a contribuição financeira. Há os casos em que esquecem que os filhos têm sentimentos, carecem de atenção e de ter alguém que os acompanhe.

Alguns genitores não consideram que seus filhos carecem, além dos cuidados materiais, de desvelo moral e afetivo. Algumas crianças externam mais que outras como no caso de Sueli e Roberto, uma vez que a munícipe afirmou que o filho Yuri é uma criança carente em relação ao pai. Mostrou, no momento da mediação, uma atividade escolar do menino em que considera triste o fato de o pai não dar atenção, “quando meu pai não liga para mim”. Dessa maneira, poder-se-ia citar mais exemplos, como o de Clara e de Osvaldo; seu jovem filho também sente a falta do genitor. A munícipe relata que “gostaria que o pai fosse mais presente, pois seu filho gostaria de visitar mais o pai”. Osvaldo, por sua vez, já tem três filhos de outra relação, o que tem demonstrado o diletantismo destes em detrimento do filho adolescente. Enfim, é considerável o índice de descumprimentos de acordo na temática visitação.

Há, então, a recorrência das características das relações individualistas quando o provimento ou não em conta bancária é o mote da relação pai, mãe e filhos. Inclusive, considera-se mais de meio caminho percorrido quando a mediação parece resolvida na questão financeira. Sobremaneira, algumas munícipes chegam ao núcleo em busca do afeto paterno para seus filhos, a exemplo de Alice, que, segundo relatou, durante a gravidez, o pai de seu filho contribuiu com uma banheira, duas calças enxutas, um prendedor de chupeta e, uma única vez, deu roupas, porque ela pediu muito. Segundo Alice, o que ela mais deseja é atenção para o filho.

Outros fatores fragilizam as famílias, ou os arranjos familiares são retratados nos casos com histórico de violência física e/ ou psicológica, muitas vezes redundantes da embriaguez do genitor. Como se pode constatar na fala de Mariana, a qual afirma já ter fugido para o Sudeste porque o genitor das crianças “bateu” nela e se alterava com uma das filhas (do próprio casal). Disse que o João, o marido, está proibido de entrar na favela, porque isso se dá com quem bate em mulher. Sustentou que ele só comete atos violentos quando embriagado. Contou, ainda, que ele a chamou para conversar em um motel, mas a requerente não quis. 96


Outro exemplo se dá no relato de Vivian: “O casamento não dá mais certo por causa das traições e bebida”. Ou o exemplo de Lenildo, desempregado, e quando foi assinar a rescisão do contrato de trabalho estava bêbado e aceitou um aparelho eletrônico no lugar da rescisão. No caso Sueli e Roberto, o fator alcoolismo pode ter relevância no desenrolar da história de vida familiar. A requerente afirma que ele bebe todo fim de semana (fato que o colocou em observação e posterior demissão do trabalho). Já tentou agredir a requerente, e não foi às vias de fato porque a mãe dele interveio.

idade, que esboça uma mentalidade centrada e desenvolvida, sabe o que quer (deseja ser médica) e pode contribuir para o progresso dos seus, da comunidade, da sociedade e, quiçá, do Planeta. Em linhas gerais, pode-se inferir que uma nova formação ou arranjo familiar vai além dos ressentimentos da separação, da crise financeira, da guarda hegemônica ou compartilhada. Permeia diferentes gêneros, culturas ou classes sociais com os mesmos problemas e questionamentos do que seria “errado” ou “certo”. Versar sobre as novas configurações da família pode conduzir à confecção de linhas, páginas ou compêndios, por ser um tema que reflete e mexe com os valores morais ou com a ausência deles.

Mesmo ao listar algumas dificuldades decorrentes das novas formações familiares e encarando difícil a jornada de exercer a maternagem ou paternagem solitária, há de se constatar que os exemplos de vitória e real comprometimento com a prole são consideráveis. Há alguns genitores que, mesmo separados, conseguem dividir encargos e repartir atenção e afeto, não deixando ou minorando o sentimento de vazio que os filhos possam sentir ou deixar escapar com situações de frustração ou rebeldia.

Referências FÉRES-CARNEIRO, T. Casal e família: entre a tradição e a transformação. Rio de Janeiro : Nau, 1999. NAZARETH, Eliana Riberti. A influência dos fatores psicológicos inconscientes nas decisões judiciais. 2004. Disponível em: <http://www.ibdfam.org. br/?artigos&artigo= 134>. Acesso em: 25 jun. 2009.

Há de se enfatizar que não existe determinismo, haja vista que tanto os órfãos de pais vivos residentes em Boa Viagem (pais cujo trabalho é a única ou maior prioridade e não demandam tempo aos filhos) como os infantes das adjacências do Pina e Brasília Teimosa, que têm relegados alguns direitos e atenções básicas, podem vencer. Não faltam exemplos, como o de Clarice, menina de apenas 10 anos de

RECIFE. Prefeitura. Atlas do desenvolvimento humano no Recife. 2005. Disponível em: <http://www.recife.pe.gov.br/ pr/secplanejamento/pnud2006/doc/ analiticos/ Desenvolvimento%20Humano%20 e%20Habita%C3%A7%C3%A3o%20 97


no%20Recife.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2008. Bibliografia IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: Comunicação social IBGE, set. 2008. SANTOS, Jonny Maikel. O novo direito de família e a prestação alimentar. Jusnavegandi, Teresina, ano 8, n. 208, 30 jan. 2004. Disponível em: <http://www. jusnavigandi.com.br>. Acesso em: 20 maio 2009. SIMÕES, Thiago Felipe Vargas. A família afetiva: o afeto como formador de família. Revista Pensar, v. 2, n. 2, jun. 2009.

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