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As calçadas estreitas e as fachadas com muitas portas e janelas marcam a arquitetura de influência portuguesa em São Francisco do Sul
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história nas ruas Um tour pelos centros históricos dAs cidades mais antigas de santa catarina LEVA O VISITANTE DE VOLTA AOS PRIMÓRDIOS DA URBANIZAÇÃO DO ESTADO
• Por Alexsandro Vanin
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pesar dos europeus aportarem na costa do Estado desde o início dos anos 1500, o povoamento de Santa Catarina só começou efetivamente no século seguinte, também pelo litoral – área já habitada pelos índios carijós, do grupo tupi-guarani. Nessa época, portugueses e seus descendentes da capitania de São Vicente fundaram os povoados que dariam origem a São Francisco do Sul, Laguna e Florianópolis. Hoje, estas três cidades mantêm registros arquitetônicos preservados do início de sua urbanização, nos chamados Centros Históricos. O primeiro estrangeiro a pôr os pés na Ilha de São Francisco do Sul teria sido o navegador francês Binot Palmier de Gonneville, em 1504, mas sua passagem carece de provas concretas. Décadas depois os espanhóis também aportaram na região, chegando a estabelecer um povoado entre os anos de 1553 e 1555, mas acabaram expulsos pelos índios. Entre 1630 e 1640, novas tentativas malograram devido à falta de recursos e seus habitantes
voltaram a São Paulo. Alguns pioneiros chegaram a integrar a bemsucedida bandeira de Manoel Lourenço de Andrade, que se instalou na entrada da Baía da Babitonga em 1658. Dois anos depois o local era alçado à categoria de vila e nas décadas seguintes confirmaria seu potencial econômico, principalmente ligado ao porto, um dos mais antigos do país.
É da baía que se avista o principal cartão-postal da cidade: o casario em estilo colonial português. São dezenas de casas, uma ao lado da outra e com cores distintas, com grandes portas e janelas junto às calçadas, tão estreitas quanto as ruas. Por elas é possível percorrer todo o Centro, onde resistem ao tempo mais de 150 prédios coloniais. Um deles é a Igreja Matriz Nossa Senhora da Graça, de 1699, construída em argamassa de cal, concha, areia e óleo de baleia. Ainda mais antiga é a imagem da padroeira, deixada pelos espanhóis, que em sua curta passagem pela Ilha chegaram a erguer uma capela. Estátuas barrocas dos séculos 17 e 18 complementam a ornamentação do templo. Em um prédio do fim do século 18 funciona atualmente o Museu Histórico de São Francisco do Sul. Conhecido na época como Palácio da Praia do Mota, funcionava como Casa de Câmara e Cadeia, onde foram mantidos prisioneiros os líderes revolucionários da Guerra do Contestado. Grades, janelas de ferro e até uma solitária são marcas Divulgação PMSFS
O Centro Histórico de São Francisco do Sul preserva mais de 150 casas do período colonial
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desse tempo. Em suas salas e celas, fotografias e objetos retratam o passado da cidade. No pátio externo há moinhos de cana e de mandioca utilizados pelos açorianos. A chegada dos europeus à região, na segunda metade do século 19, estimulou a economia e levou a uma modificação do padrão arquitetônico. Surgiram construções mais ecléticas, muitas ainda preservadas, como o Casarão da Família Rhinow, o dos Görressen e a Empresa Nacional de Navegação Hoepcke. Em seus galpões funciona o Museu Nacional do Mar, que
exibe embarcações em tamanho natural, modelos, artesanato naval, equipamentos e maquetes. Laguna de Anita Nos idos de 1676, o bandeirante Domingos de Brito Peixoto chegou ao extremo sul das terras portuguesas demarcadas pelo Tratado de Tordesilhas e ali fundou o povoado de Santo Antônio dos Anjos de Laguna, que por solicitação do rei de Portugal seria a base para expandir os domínios da Coroa. Os poucos moradores que se fixaram no local estabeleceram uma agricultura ruDivulgação PMSFS
As cores e os detalhes da arquitetura portuguesa nas ruas do Centro Histórico de Laguna Divulgação PML
O Museu Anita Garibaldi e o monumento em homenagem à heroína nascida na cidade
dimentar, e dos peixes secos oriundos da pesca nas lagoas da região, exportados para Santos e Rio de Janeiro, fizeram de Laguna o principal núcleo da costa catarinense, elevado a vila em 1714. Uma das primeiras providências de Brito Peixoto foi construir uma capela de taipa. No mesmo lugar, em 1735, foi edificado o corpo da Igreja Matriz Santo Antônio dos Anjos em estilo barroco, com quatro altares laterais folheados a ouro – a Capela do Santíssimo é considerada um dos mais belos altares de Santa Catarina. Muitas obras de arte embelezam o templo, como a famosa tela Nossa Senhora da Conceição, do catarinense Victor Meirelles. Da mesma época é a Casa de Câmara e Cadeia, feita de areia, barro, pedras e óleo de baleia. Desde 1949 abriga o Museu Anita Garibaldi, com acervo de peças arqueológicas encontradas nos sambaquis da região, objetos e documentos sobre passagens da história de Laguna. Foi nesta edificação que, em 1839, os revolucionários farroupilhas fundaram a República Catharinense (também conhecida por República Juliana), no mesmo ano desfeita pelas forças imperiais. Diante do prédio, uma estátua homenageia a heroína do movimento, a lagunense Anita Garibaldi. Antes de se unir ao revolucionário italiano e rebelde farrapo Giuseppe Garibaldi, Anita se casou com o sapateiro Manoel Duarte de Aguiar, em 1835. Na casa onde ela se vestiu para a cerimônia, construída em 1711, hoje funciona o Museu Casa de Anita. O acervo, com móveis e utensílios da época, inclui o mastro do navio Seival (utilizado pelos farroupilhas na tomada de Laguna). A partir da segunda metade do século 19, o povoamento da região
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foi intensificado com a imigração de italianos, que estimulou a economia local. Nessa época Laguna viveu uma urbanização significativa, e as tradicionais casas térreas e sobrados, de fachada contínua, passaram a dividir espaço com edificações de estilo eclético e recuos laterais. Cerca de 600 imóveis compõem o patrimônio histórico e arquitetônico lagunense. Um dos destaques é a Casa Pinto D’Ulysséa, uma réplica luxuosa de quintas portuguesas, toda coberta com azulejos importados de Portugal. Construída pelo coronel Joaquim José Pinto D’Ulysséa, em 1866, foi a primeira residência de Laguna com água encanada. Ao seu lado se encontra a Fonte da Carioca, erguida em arquitetura portuguesa nas cores azul e branco, em 1863. Fonte de água pura e cristalina, possui tanques em mármore carrara que deixam a água gelada. Diz a lenda que aquele que bebe de suas águas sempre acaba retornando a Laguna.
A Catedral foi erguida em 1773 no lugar da primeira capela de Nossa Senhora do Desterro Flávio Tin (Arquivo ND)
Capital em formação O povoamento de Florianópolis se deu na mesma época que em Laguna, mas a Ilha de Santa Catarina já era ponto de reabastecimento de embarcações espanholas desde o início do século 16. Sua ocupação efetiva ocorreu mais de 100 anos depois, por volta de 1675, com a chegada do bandeirante Francisco Dias Velho. Batizado de Nossa Senhora do Desterro, o povoado teve seu desenvolvimento interrompido em 1689, após o assassinato de Dias Velho e a destruição de benfeitorias locais por piratas. Restaram menos do que duas centenas de moradores, e somente em 1726 Desterro seria promovida a vila.
O Forte Santana, erguido em 1761 para defender a cidade, com a Ponte Hercílio Luz ao fundo
A cidade tem como marco zero a Praça XV de Novembro (famosa pela centenária figueira), que se estende até o pé da colina onde foi erguida em 1773 a Catedral Metropolitana, no mesmo lugar onde Dias Velho construiu uma capela
em 1678. Em 1922 passou por uma grande reforma, que ampliou o edifício e modificou as torres, como pode ser visto hoje. O templo possui alpendre neoclássico em sua portada, e no seu interior destacase um conjunto escultural, entalha-
80 SHOW ME roteiros Daniel Queiroz (Arquivo ND)
Em estilo neoclássico, a Casa da Alfândega foi inaugurada em 1876 e hoje é um local de exposição e venda do trabalho de artesãos da região
do à mão, em peça única, pelo artífice tirolês Ferdinand Demetz. Um passo importante para a intensificação do povoamento da Ilha foi dado em 1737, com o início da construção de um sistema de defesa: fortalezas instaladas em pontos estratégicos. Uma delas, o Forte Santa Bárbara, erguido na segunda metade do século 18 em uma ilhota perto da praia, posteriormente envolta por aterros, encontra-se próximo à Praça XV, e hoje abriga uma casa cultural. Não muito distante da praça, mas do outro lado, fica o Forte Santana, construído em 1761. No local atualmente funciona o Museu de Armas da Polícia Militar de Santa Catarina. Na mesma época foi construída junto da praça a Casa de Governo. No fim do século 19 passou por uma grande reforma que a deixou com as características atuais, como as platibandas. O exterior é adornado por 10 estátuas esculpidas
pelo italiano Gabriel Silva. Em 1979 passou a ser chamada de Palácio Cruz e Sousa, em homenagem ao poeta simbolista ilhéu, cujos restos mortais estão guardados em um mausoléu na propriedade. Em 1984 deixou de ser sede do Governo do Estado e desde 1986 é sede do Museu Histórico de Santa Catarina. O acervo de móveis e objetos de época ajuda a reproduzir a rotina de personalidades políticas desde os tempos coloniais. Em 1823, a Vila do Desterro foi elevada à posição de cidade, o que aumentou significativamente o investimento de recursos federais. O porto foi melhorado e edifícios públicos foram construídos. Uma obra da época é a Casa da Alfândega, em estilo neoclássico. Inaugurada em 1876, esteve em atividade até 1964, quando o Porto de Florianópolis foi desativado. Desde 1988 é local de exposição e venda de artesanato.
No entorno da Praça XV vários sobrados oitocentistas dão mostras da prosperidade da época. De estética luso-brasileira, esses edifícios geminados apresentam bandeiras envidraçadas, guarda-corpos das sacadas decorados e frontarias em alto-relevo. Em um deles nasceu o pintor Victor Meirelles, um dos mais importantes do Romantismo brasileiro. Desde 1952 o edifício é sede do Museu Victor Meirelles, com acervo de peças do autor e de artistas contemporâneos. Na região também há o casario baixo, típico do período colonial. Bem mais recente, mas com significado histórico de mesmas proporções, é a Ponte Hercílio Luz – marco decisivo para o desenvolvimento de Florianópolis e cartãopostal de Santa Catarina. Construída em 1926, foi até 1975 a única ligação rodoviária entre a Ilha e o continente. Desativada desde 1982, encontra-se em reforma.•