Responsabilidade Socioambiental Aula 6
A emergência do ambientalismo como uma questão pública
Como discutimos em nossas primeiras aulas, a história humana, no que se refere ao meio ambiente, pode ser vista como uma história de constante transformação e uso da natureza. Com referência ao modelo de civilização atual, Karl Marx, em sua crítica à sociedade capitalista emergente, refletiu em seus Manuscritos econômico-filosóficos, sobre a maneira como a humanidade se relaciona com o mundo natural a partir da lógica capitalista. Tal relação, pautada por interesses econômicos, está imbricada na busca do que ele denominou “renda da terra”: que diz respeito ao poder da natureza capaz de gerar como produto a renda. Mas, não se refere somente à exploração da terra propriamente, mas de minas e da indústria da pesca, por exemplo, que são parte da natureza e do meio ambiente. Esse modo de relação da humanidade com o meio ambiente progrediu durante os anos em que decorreu o avanço do capitalismo para uma relação de “ataque” à natureza, devido à exploração cada vez maior dos recursos naturais com a força e rapidez, adquiridas através do avanço tecnológico e do incentivo ao modelo econômico desenvolvimentista. Assim, os efeitos da apropriação da natureza foram sentidos através de fenômenos de alteração dos ecossistemas ao redor do mundo. Com a mudança climática, o desaparecimento de grandes extensões florestais, o esgotamento de certos recursos naturais, a emissão de poluidores, a extinção de espécies, o derretimento das calotas polares, etc., o meio ambiente se tornou foco de atenção pública, pois tais acontecimentos tornaram visíveis aos seres humanos que a Terra não poderia mais ser tratada e nem pensada conforme vinha sendo. Tornou-se claro para muitos que os ecossistemas não estavam mais alheios aos efeitos progressivos da sua exploração e manipulação. A problemática ambiental tem sido objeto de manifestações de indignação de intelectuais com orientações filosóficas antagônicas desde séculos passados, mas só começou a se tornar uma questão significativa, incorporada às preocupações de
Estados-nação e trazida ao debate público, em meados do século XX, quando esses fenômenos se tornaram mais visíveis. Segundo o entendimento da questão ecológica, a partir dos anos 1960 “foi se configurando internacionalmente, e no Brasil, com suas apropriações específicas, uma nova questão pública, com diferentes dimensões: a questão da preservação do meio ambiente” (Lopes, 2006, pág.34).
Das universidades para a consciência das pessoas
O processo histórico de preocupação com o meio ambiente implica em transformações simultâneas no Estado e no comportamento das pessoas, seja no trabalho,
na
vida
cotidiana
ou
no
lazer.
Essas
transformações indicam
principalmente que a ecologia deixou as faculdades de biologia e migrou para a consciência das pessoas. Nesse sentido, a ecologia, enquanto termo científico se tornou uma percepção de mundo. Trata-se de afirmar, portanto, que a preocupação com o meio ambiente criou um universo coletivo de novos valores. Nas últimas décadas a ecologia tem deixado de ser uma preocupação exclusiva de pequenas “seitas” – quer motivada por um projeto romântico de retorno à natureza, quer orientadas pela preocupação específica com a conservação dos recursos naturais – e tornou-se referência básica para o enquadramento de grande parte dos debates travados na arena pública. Isso significa dizer que projetos como instalações de usinas nucleares ou hidrelétricas, uso de animais para pesquisa científica, maus tratos conferidos a animais domésticos ou silvestres, falta de saneamento básico, etc, passaram a ser problematizados tendo em vista a noção de proteção do mundo natural. Sendo assim, a questão ambiental, antes restrita a pequenos grupos ou a iniciativas individuais passou a configurar valores, práticas e idéias absorvidas pelos mais diversos setores da sociedade, ou seja passou a ser incorporada pela população, ONGs, Estados nacionais, partidos políticos, movimentos sociais e assim por diante.
A difusão do ambientalismo em diversos setores da sociedade
Ocorre então, que a ampla circulação social da temática ambiental acabou por destruir o monopólio do movimento ambientalista sobre o discurso ambiental.
Hoje vemos desde redes de postos de gasolina, ou de bancos manifestar em campanhas publicitárias o posicionamento a favor da proteção da natureza. A preocupação
com
temas
associados
ao
meio
ambiente
é
caracterizado
mundialmente por ser elaborado das mais variadas formas: na mobilização de recursos para a produção de conhecimentos e solução de problemas, nas lutas encaminhadas por setores da sociedade civil, no surgimento e na expansão do mercado verde, na criação de um partido político vinculado diretamente a esse tema. Tendo em vista essa perda de monopólio e a pluralidade de ações em torno da questão ecológica, a definição do meio ambiente como problema social tornou-se hoje objeto de intensa disputa. Os grupos passam a disputar qual discurso ou qual ação tem maior legitimidade no que se refere à preocupação com o meio ambiente.
A educação ambiental como novo código de conduta individual e coletivo 1
De acordo com José Sérgio Leite Lopes, a preocupação ambiental promoveu uma interiorização dos direitos e dos argumentos ambientais, pressionando por leis e controles estatais e ao mesmo tempo sendo alimentados por tais instrumentos estatais. Mas, além disso, a ambientalização como processo de interiorização de comportamentos e práticas se dá através da promoção da "educação ambiental", uma atividade explicitamente escolar, que comporta também formas de difusão por meios de comunicação de massa. A educação ambiental, tanto no ambiente formal das instituições escolares, como no ambiente informal de nossas relações pessoais, momentos de lazer e etc, fornece códigos de comportamentos corretos sobre usos cotidianos, tais como o uso da água nos procedimentos de higiene corporal, sobre a lavagem de pratos e de roupa, sobre a correta disposição do lixo. Nesse sentido, há uma ênfase na normatização de condutas na vida cotidiana, ou seja na divulgação de uma forma considerada correta de se apropriar do meio ambiente. De acordo com Lopes (2006), isso aparenta os "manuais de etiqueta" que surgiram nas sociedades de corte europeias e seu papel no controle das emoções e na estlilização da conduta, fazendo naturalizarem-se e interiorizarem-se certos comportamentos. A educação 1
A parte que segue é uma síntese do artigo Sobre processos de "ambientalização" dos conflitos e sobre dilemas da participação, escrito por José Sérgio Leite Lopes.
ambiental parece comportar esses aspectos de manual de auto-ajuda pública através da conduta individual. Trata-se de pensar então, que as gerações seguintes incorporarão esses novos hábitos desde cedo, entendendo que são ações naturais. O autor ressalta ainda que a difusão de um novo comportamento público, que passa por normas de conduta individuais, só se torna possível pela formação de um campo específico de educação ambiental, com a sua criação de novos especialistas, com a reorganização de disciplinas escolares, com a constituição de um importante circuito editorial.
A questão ambiental como nova fonte de legitimidade e de argumentação nos conflitos
De acordo com José Sérgio Leite Lopes, o incentivo ao envolvimento dos cidadãos com as questões públicas ambientais legitimou a participação popular em lutas relacionadas ao problema da proteção do meio ambiente. Nesse sentido, o autor observa a entrada do ambientalismo em algumas instâncias, como as seguintes:
Novas áreas jurídicas
No interior da especialização e no crescimento do direito ambiental, destacase a categoria de "direitos difusos", abrangendo o direito do consumidor, a proteção ao patrimônio histórico e à paisagem, aos direitos da criança e do adolescente, e fazendo desse conjunto aparentemente heterogêneo de fenômenos um conjunto coerente em torno da idéia de direito coletivo, de necessidade de reprodução da qualidade de vida de uma geração para outra, de "sustentabilidade". Essas são condições de meio ambiente e de vida razoáveis ao longo das gerações, ao longo do tempo. Por outro lado, a intervenção do Ministério Público nos conflitos é crescente.
Nas instituições educacionais
O meio ambiente constitui-se, através da educação ambiental, em nova disciplina transversal dentro das unidades de ensino.
Dentro das empresas
Aqui aparece a importância das gerências ambientais relativamente às gerências de produção. Aparece a auto-regulação empresarial e do mercado internacional através dos selos ambientais, das normatizações nas formas de produzir do tipo ISO 9000, ISO 14.000 - o que repercute nas novas formas legítimas de ser empresário.
Na sociedade civil, nas associações de moradores, nos sindicatos
Nos conselhos municipais de meio ambiente, ou em conselhos municipais de outras áreas, como por exemplo, de saúde, de educação, de política agrícola, de emprego e renda, os assuntos ambientais aparecem como transversais e conexos a outras questões tratadas. Nessas comissões os grupos populares se apropriam criativamente de questões e categorias "ambientais" e "externas" ao seu universo habitual, como população pobre "atingida" ou vulnerável. Grupos como pescadores, trabalhadores rurais, "povos da floresta", operários preocupados com a "saúde do trabalhador" apropriam-se das questões, da linguagem e da argumentação ambiental para engrandecerem-se em conflitos com seus eventuais oponentes.