Responsabilidade Socioambiental Aula 9
O debate entre o conservacionismo e o preservacionismo
Atualmente, observamos a atuação de diferentes grupos sociais engajados na proteção do meio ambiente. Esses grupos não são homogêneos, o que significa dizer que eles possuem diferentes motivações e defendem idéias díspares sobre a questão ecológica. Desse modo, as
nomenclaturas
que
definem
as diferentes correntes
ambientais modificam-se, adaptam-se, e são elaboradas e apropriadas de acordo com interesses, atores e disputas em questão. Assim, alguns esclarecimentos devem ser feitos sobre as terminologias
ligadas às
correntes de pensamento ambiental. No
entanto, é preciso fazer referência ao início do século passado, quando foram gestadas as primeiras idéias e políticas públicas voltadas para a preservação da natureza. Mas, devemos ressaltar que esse período é marcado pela marginalidade em que se encontrava a preocupação pública com a depredação ambiental. Como discutimos nos dois últimos materiais de aula, foi somente a partir dos anos 1970 que essa temática deixou de ser fonte de preocupação de pequenos grupos, muitas vezes vinculados às universidades, e se tornou um problema para todos. Entretanto, apesar do pouco espaço ocupado por essas primeiras políticas públicas, foram elas que inspiraram as formas atuais de pensamento e prática ambiental, seja como exemplo ou como crítica. Como veremos de forma mais detalhada a seguir, no século XIX, havia
uma
polarização entre conservacionismo e preservacionismo. O primeiro ligado a concepções de conservação dos recursos naturais para seu uso adequado e criterioso. Já o segundo termo aparece ligado à idéia de reverência da natureza e apreciação das paisagens naturais e teve papel fundamental no movimento de criação dos parques nos EUA. Nesse sentido, o conceito de preservação passou a estar associado a uma visão mais compartimentada da natureza, com enfoque na salvação ou proteção
isolada de determinadas
espécies ou
aspectos naturais,
enquanto que conservação possuía um sentido mais abrangente de preocupação com o habitat e as relações de trocas entre seus elementos.
Conservacionismo
Em termos teóricos nos Estados Unidos, no século XIX, havia duas visões de conservação do "mundo natural" que foram sintetizadas nas propostas de Gifford Pinchot
e
John Muir.
Essas
idéias
tiveram
grande
conservacionismo dentro e fora dos Estados Unidos. Gifford
importância
Pinchot,
no
engenheiro
florestal treinado na Alemanha, criou o movimento de conservação dos recursos, apregoando o seu uso racional. Na verdade, Pinchot agia dentro de um contexto de transformação da natureza em mercadoria. Na sua concepção, a natureza é freqüentemente lenta e os processos de manejo podem torná-la eficiente; acreditava que a conservação deveria basear-se em três princípios: o uso dos recursos naturais pela geração presente; a prevenção de desperdício; e o uso dos recursos naturais para benefício da maioria dos cidadãos. Essas idéias foram precursoras do que hoje se chama de "desenvolvimento sustentável" e que nós veremos posteriormente. Como
afirma
Nash
(1989),
o
conservacionismo de Pinchot foi um dos primeiros movimentos teórico-práticos contra o "desenvolvimento a qualquer custo". A grande aceitação desse enfoque reside na idéia de que se deve procurar o maior bem para o benefício da maioria, incluindo as gerações futuras, mediante a redução dos dejetos e da ineficiência na exploração e consumo dos recursos naturais não-renováveis, assegurando a produção máxima sustentável.
Preservacionismo
Se a essência da "conservação dos recursos" é o uso adequado e criterioso dos recursos naturais, a essência da corrente oposta, a preservacionista, pode ser descrita como a reverência à natureza no sentido da apreciação estética e espiritual da vida selvagem (wilderness). Ela pretende proteger a natureza contra o desenvolvimento
moderno, industrial
e
urbano.
Na
história
ambiental
norte-
americana, o conflito entre Gifford Pinchot e John Muir é usualmente analisado como um exemplo arquétipo das diferenças entre a conservação dos recursos e a preservação pura da natureza. Um outro autor importante para o preservacionismo foi Marsh (1801-1882) , analisando, pela primeira vez nos Estados Unidos, os impactos negativos da nossa civilização sobre o meio ambiente. Marsh afirmava que o homem se esqueceu de que a
terra lhe foi concedida para usufruto e não para consumo ou degradação. Como medida corretiva para a ação destruidora do homem, Marsh propôs uma "regeneração geográfica", a cura do planeta começando com o controle da tecnologia, o que, segundo ele, exigia uma grande revolução política e moral. A partir da perspectiva preservacionista que orientou as primeiras ações políticas para o cuidado com o meio ambiente, observamos a existência de um modelo surgido nos Estados Unidos, que se espalhou por outros países, que é o da criação de parques. Como nos esclarece Luis Renato Valejjo:
Nos Estados Unidos, ao final do séc. XIX, que se empregou efetivamente o conceito de parque
nacional
extermínio
total
fronteiras
quase para
o
oeste.
como
área
natural,
das comunidades Com a
selvagem,
indígenas
consolidação
e
a
logo
após
expansão
o das
e a urbanização acelerada do
capitalismo americano, propunha-se reservar grandes áreas naturais a disposição das populações urbanas para fins de
recreação. Nesse
caso, o sentido de parque
nacional veio acompanhado da noção de “wilderness” (vida natural/selvagem). Em 1872, após a realização de vários estudos, foi criada a primeira área com status de Parque Nacional do mundo, o de Yellowstone, passando a ser uma região reservada e proibida de ser colonizada, ocupada ou vendida segundo as leis americanas (MILLER, 1980, apud DIEGUES, 1993). No processo de criação do Parque Nacional de Yellowstone, prevaleceu uma perspectiva preservacionista que via nos parques nacionais a única forma de salvar pedaços da natureza de grande beleza contra desenvolvimento
urbano-industrial.
Ela
se
os
efeitos
baseava
deletérios
do
nas conseqüências do
capitalismo sobre o oeste selvagem, nos efeitos da mineração sobre rios e lagos americanos. Dessa forma, qualquer intervenção humana na natureza era vista de forma negativa. Desconsiderava-se que os índios americanos tinham vivido em harmonia com a natureza por milhares de anos. Para os preservacionistas americanos, todos os grupos sociais eram iguais e a natureza deveria ser mantida intocada das ações negativas da humanidade. Esse modelo americano acabou se espalhando pelo mundo numa perspectiva dicotômica entre “povos” e “parques”. Partindo-se do princípio de que a presença humana é sempre devastadora para
a
natureza,
deixaram de
ser
considerados
os diferentes modos de vida das chamadas “populações tradicionais” existentes em outros países como na América do Sul e África.
Com relação ao Brasil, este não ficou de fora das discussões sobre a criação de parques nacionais em seu território. Apesar de certo atraso, nosso país criou seu primeiro parque nacional, o de Itatiaia no ano de 1937. Nesse período foram criados mais três parques, até que nos anos 1950 houve uma segunda geração de parques criados, que atingiu a marca de 12 áreas de proteção integral.
Conclusão
No início do século passado foram tomadas as primeiras iniciativas com o objetivo de reverter ou pelo menos frear a situação de degradação ambiental desencadeada pelos efeitos da Revolução Industrial, caracterizada pela exploração irrestrita dos recursos naturais. Embora a preocupação com o meio ambiente nesse período fosse restrita a poucos grupos sociais, o pensamento e as ações implementadas são fundamentais para compreendermos o cenário contemporâneo do movimento ambientalista no Brasil. Nesse sentido, vimos que o debate inicial sobre a problemática ambiental se concentrou em dois pólos distintos: de um lado estiveram situados os conservacionistas, que acreditam no uso racional dos recursos naturais, e portanto, defendem que o meio ambiente continue sendo explorado pelos seres humanos, mas de forma racional. Do outro lado, estiveram situados os preservacionistas. Diferentemente dos primeiros, estes acreditam que qualquer ação humana sobre o meio ambiente traz malefícios para o equilíbrio dos ecossistemas. Portanto, esses grupos sociais defendiam a criação de parques, que seriam áreas intocadas, onde as populações não poderiam desenvolver nenhuma atividade de apropriação ou exploração da natureza. Conforme vimos, foram essas idéias que deram o tom das primeiras políticas públicas implantadas com vias à proteção da natureza. Nascida nos Estados Unidos, esse modelo de cuidado com o meio ambiente se espalhou por diferentes países, que ao longo do século XIX criaram dezenas de parques em seus territórios nacionais. No entanto, vamos discutir que nos últimos anos esse modelo sofreu muitas críticas, principalmente no Brasil. Essa postura preservacionista na criação de parques nacionais acabou gerando conflitos e afetando populações de extrativistas, pescadores e índios, uma vez que estes se viram proibidos em algumas situações de continuarem ocupando áreas onde por gerações seguidas construíram suas vidas, para dar lugar à criação de parques.