Responsabilidade socioambiental aula 9

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Responsabilidade Socioambiental Aula 9

“Mito moderno da natureza intocada”: O desenvolvimento sustentável

O surgimento do movimento ambientalista global, a partir da emergência e intensificação dos problemas ambientais, tais como o risco de acidentes nucleares, aquecimento global, destruição da camada de ozônio, perda da biodiversidade, trouxe como implicação mais significativa o conceito de desenvolvimento sustentável. Os princípios do desenvolvimento sustentável têm como objetivo dialogar e propor novas estratégias com relação às proposições catastróficas dos grupos sociais que defendiam o modelo preservarcionista de proteção ambiental (orientado fundamentalmente para a criação de parques) e daqueles que defendiam o crescimento zero. Portanto, se nos últimos anos, o debate ambientalista era caracterizado por separar as questões ambientais e o desenvolvimento, considerando ambos irreconciliáveis, atualmente a preocupação ambiental é mais convergente e otimista, pois se preocupa de forma central com a questão de como fazer para alcançar um desenvolvimento sustentável.

Meio ambiente e Desenvolvimento Econômico e Social

De acordo com Hector Leis, a Conferência de Estocolmo abriu o caminho para o desenvolvimento sustentável. Em 1983, a Assembléia Geral da ONU criou uma comissão independente para encontrar propostas inovadoras e realistas para harmonizar as questões de meio ambiente e desenvolvimento. O desafio ambiental chegava agora ao centro do dispositivo do sistema internacional. A economia mundial não podia mais isentar-se de levar em conta o meio ambiente. A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, organizada a partir da decisão da ONU, foi presidida por Gro Brundtland e estava composta por personalidades representativas de países com diferentes culturas, sistemas políticos e graus de desenvolvimento (a comissão tinha 23 membros, dos quais 12 vinham de países subdesenvolvidos, 7 de países desenvolvidose 4 de países de regime comunista). Os trabalhos da comissão levaram aproximadamente quatro anos e seu relatório final ficou mundialmente conhecido como Relatório Brundtland, embora fosse publicado com o titulo de Nosso Futuro Comum (Our Common Future).


Esse relatório teve grande circulação no meio internacional, e fala simultaneamente do desenvolvimento (continuar com o progresso material) e do compromisso com as gerações futuras (prudência ética). Para obter uma perspectiva realista que não negue o crescimento econômico (como na década anterior), os autores do relatório uniram inextricavelmente desenvolvimento e meio ambiente e conseguiram assim amplas bases de consenso para a causa ambientalista. A posição diversa entre os países ricos, preocupados com o meio ambiente, e os países pobres, interessados no aumento de seu desenvolvimento econômico, encontrou amplas bases para o consenso a partir desse princípio. Nesse sentido, as bases consensuais do desenvolvimento sustentável se referem ao ideal de harmonizar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental. Observamos então que as políticas ambientais orientadas em torno dos ideais preservacionistas e caracterizadas pela criação de parques deram lugar a políticas conservacionistas, ou seja, que compatibilizam as áreas de proteção ambiental com a presença humana. O conceito de desenvolvimento sustentável é definido segundo o já mencionado Relatório de Brundtland como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer

a

possibilidade

das

gerações

futuras

atenderem

a

suas

próprias

necessidades”. Para tanto, o relatório expressa ainda que a busca do desenvolvimento sustentável requer: “- um sistema político que assegure a efetiva participação dos cidadãos no processo decisório; - um sistema econômico capaz de gerar excedentes e know-how técnico em bases confiáveis e constantes; - um sistema social que possa resolver as tensões causadas por um desenvolvimento não equilibrado; - um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica do desenvolvimento; - um sistema tecnológico que busque constantemente novas soluções; - um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis de comércio e financiamento; - um sistema administrativo flexível e capaz de autocorrigir-se;”


Dimensão ambiental, social e econômica do desenvolvimento sustentável

Conforme nos explica Hector Leis, para compreender a complexidade e o conjunto de aspectos e implicações do conceito de desenvolvimento sustentável é preciso acrescentar as várias dimensões da análise científica que a ele se referem. Segundo as palavras do autor: Estas dimensões são basicamente três: ambiental, social e econômica. 1) A sustentabilidade ambiental do desenvolvimento refere-se à base física do processo produtivo e da vida social, apontando tanto a conservar o estoque dos recursos naturais necessário para dito processo, como para a proteção dos ecossistemas naturais, mantendo suas condições paisagísticas, assim como sua capacidade para absorver as agressões sofridas. Existe consenso entre os autores que, para o caso dos recursos naturais renováveis, a taxa de utilização não pode exceder à capacidade de reposição da própria natureza e, para o caso de recursos não-renováveis, além de considerar a importância do desequilíbrio ecológico que produz sua diminuição, é necessário acomodar o ritmo de sua utilização ao processo de procura de substitutos. No mesmo sentido, as taxas de emissão de dejetos e de emissão de materiais contaminantes não podem exceder a capacidade de regeneração dos ecossistemas. 2) A sustentabilidade social do desenvolvimento refere-se à qualidade de vida das populações.

Esse

aspecto

pode

associar-se

perfeitamente

ao

conceito

de

desenvolvimento humano difundido amplamente pelas Nações Unidas (UNDP) em vários relatórios dos últimos anos.

Esse conceito foi concebido em relação à formação,

expansão e utilização de capacidades humanas. Os relatórios da ONU propõem um índice objetivo de desenvolvimento humano, como forma de avaliar mais corretamente aos processos de desenvolvimento. Como apontam alguns autores, embora se trate de uma dimensão objetiva, a idéia de desenvolvimento humano obriga também a explicitar fundamentos éticos. De fato, este último conceito supera qualquer visão restrita da qualidade vida, porque implica definir valores (saúde física e mental, educação, amadurecimento do indivíduo, satisfação de necessidades espirituais e culturais, etc.). Não é, portanto a abundância de bens o que define um bom desenvolvimento humano. Se recupera aqui a análise aristotélica (retomada posteriormente por Marx) sobre as mercadorias. Elas são sempre meios para outros fins, ou seja, seu significado surge do uso ou fins que tenham para os seres humanos. Só para dar um exemplo da insuspeita potencialidade desta dimensão poderíamos observar que um crescimento econômico descontrolado (para satisfazer o consumismo) faz descer a qualidade de vida (na medida que a degradação ambiental produzida pelo crescimento influi diretamente nesta última).


3) A sustentabilidade econômica do desenvolvimento é a mais obvia e está colocada como crescimento econômico contínuo sobre base não predatórias, tanto para garantir a riqueza como para eliminar a pobreza e fazer os investimentos que permitiram uma mudança do modelo produtivo para tecnologias mais sofisticadas e apropriadas.1

Conclusão

Em sua tese sobre as políticas ambientais no Rio de Janeiro, a Annelise Fernandez nos explica que os

anos 1980

consagraram

o

cientista social conceito

de

desenvolvimento sustentável e marcaram definitivamente a percepção da ecologia como uma questão política, não mais dissociada da vida social e econômica. Castells (1999) define este processo como o verdejar do ser. A autora nos explica que a partir de então passou-se a entender que a conservação é resultado de práticas polivalentes e multidisciplinares aplicadas em vários setores tais como a pesca, a agricultura, a silvicultura e outros, garantindo seu uso permanente e, portanto, também o desenvolvimento humano. O reflexo desta nova postura foi o deslocamento de uma determinada concepção que entendia que a criação de áreas protegidas era o mais

importante, senão único,

caminho para a conservação da natureza. A partir deste momento, ela passa a ser buscada em diferentes atividades e esferas da vida social. Ainda de acordo com a autora, entendemos que ao ampliar-se a reflexão sobre conservação, desenvolvimento sustentável e sobre a necessidade de proteger diferentes tipos de ecossistemas, além de considerar a dificuldade de implantarem-se reservas ecológicas intocadas, abriu-se espaço para que novas modalidades de áreas protegidas fossem criadas, muitas delas admitindo a presença humana.

Desta forma, os parques

deixaram de ser o modelo exclusivo, para tornarem-se uma dentre outras categorias de manejo . Dessa forma, fica claro que o “mito moderno da natureza intocada”, expressão que dá título ao livro de Antonio Carlos Diegues, deixou de prevalecer no debate ambientalista global na medida em que os valores que buscam compatibilizar as atividades produtivas desenvolvidas pelos seres humanos e a proteção ambiental adquiriram grande amplitude e aceitação no debate ambientalista internacional. 1

Material retirado do livro: A modernidade Insustentável, as críticas do ambientalismo à sociedade contemporânea, 2004 . Páginas 104-105.


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