No lugar do cuidado, o preconceito e o descaso

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Editor: Gabriel Trigueiro Editores-assistentes: Jaílson da Paz e Tânia Passos Editora-assistente de produção: Ana Paula Neiva

LOCAL

Recife, DOM - 02/08/2015

Ordenamento de fios na Rosa e Silva

Ação nas redes de telefonia, internet, TV a cabo e transmissão acontecerá das 8h às 16h deste domingo.

ANNACLARICE ALMEIDA/DP/D.A PRESS

No lugar do cuidado, o preconceito e o descaso Pernambuco é campeão nordestino em casos de discriminação em locais de atendimento em saúde. Negros e pardos são vítimas mais frequentes

+ saibamais EM PERNAMBUCO

769 mil

1 em cada 10

pessoas de 18 anos ou mais atendidas em serviços de saúde em Pernambuco disseram ter sofrido discriminação

pernambucanos de 18 anos ou mais já foi discriminado no serviço de saúde

NO RECIFE

144 mil

1 em cada 7

recifenses de 18 anos já sofreu preconceito no serviço de saúde

pessoas já se sentiram discriminadas dentro do serviço público no estado

ALICE DE SOUZA (TEXTO) alicesouza.pe@dabr.com.br

56 mil

88 mil

são homens

GREG (ARTE) RAFAEL MARTINS (FOTOS)

são mulheres mulher

1 em cada 8,5 homens

ZIANNE TORRES (DESIGN E INFOGRAFIA)

1 em cada 7 mulheres

recifenses de 18 anos ou mais já se sentiu discriminado no serviço de saúde

C

ássia Alves, 28, estava grávida do terceiro filho quando entrou em uma Unidade de Saúde da Família no Espinheiro pela primeira vez. A meta era fazer procedimentos rotineiros, como medir pressão e averiguar peso e altura. Uma piada feita pelo médico sobre o peso da paciente dilacerou sua autoestima. Situações como essa são mais comuns do que se imagina. Em Pernambuco, 769 mil pessoas tiveram experiências semelhantes, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, encomendada pelo Ministério da Saúde. Os números colocam o estado no 10º lugar no Brasil e primeiro no Nordeste em casos de discriminação em ambientes de atendimento. Cássia é moradora da ocupação “Esperança I”, no Espinheiro. Entre os edifícios da vizinhança, divide uma casa abandonada com 31 famílias. A suposta discriminação ocorreu no posto de Saúde União das Vilas, a duas quadras do imóvel. O adolescente Nilton Oli-

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P E R NA M B U C O DIARIOdeP

Te le fo ne : 2122.7512/7513 e-mail : local.pe@dabr.com.br

recifenses de 18 anos ou mais já se sentiu discriminado no serviço de saúde

O preconceito no estado por gênero, cor e nível escolar A paciente Cássia Alves se sentiu ofendida com piada de médico sobre seu peso veira, 18, que vive no mesmo dos entrevistados relataram local, diz ter passado por casos. “Durante séculos, foum drama semelhante. Pre- mos escravocratas e não recisava da assinatura do mé- solvemos esse problema. O dica para validar o laudo e racismo e o preconceito ainreceber a carteirinha de li- da são muito organizados vre acesso ao transporte. No na população”, contextualiposto, teria sido chamado za o médico e professor de de “cego doido” e saiu sem sociologia da Universidade a rubrica deFederal de sejada. PernambuEM PERNAMBUCO Os mora- HÁ MAIS DE 700 co, Artur Perdores da ocurusi. pação têm o MIL RELATOS DE O resultaVÍTIMAS DE mesmo perdo do estudo fil: baixa ren- PRECONCEITO é considerada, pouca esdo inaceitácolaridade e cor parda ou ne- vel por especialistas. “A disgra. São a imagem das esta- criminação impede o acesso tísticas da pesquisa. das pessoas, afeta a adesão Entre os negros, 16,7% já ao tratamento e o estabeleafirmaram ter sofrido algu- cimento de vínculo entre ma situação de preconceito usuário e profissional”, alerao buscar atendimentos. En- ta o professor do Departatre a população parda, são mento de Saúde Pública da 11,8%. Entre os brancos, 10,3% Universidade Federal de San-

ta Catarina e pesquisador do tema há 10 anos, João Luiz Dornelles Bastos. Sobre o caso da paciente Cássia, a Gerência do Distrito Sanitário III, da prefeitura, afirmou que atitudes discriminatórias não fazem parte da rotina da Equipe da Saúde da Família. “O que foi apurado é que a paciente, ao ser atendida pelo médico, foi diagnosticada com problemas respiratórios e sobrepeso, por esse motivo, o médico pediu para que ela tivesse uma dieta balanceada e solicitou exercícios, informando que ela estaria na faixa de obesidade”, disse. O órgão acrescentou que o médico que atendeu Nilton está de férias e retornará às atividades no dia 12 e esclarecerá esse e outros fatos através de relatório.

Por gênero EM PERNAMBUCO

NO RECIFE ●●●●●●●●●● ●●●●●●●●●● ●●●●●●●●●● ●●● ●●●●●●●●●● ●●●●●●●●●● ●●●●●●●●●● ●●●●●●●●●● ●●●●●●●●●● ●●●●●●●●●● ●●●●●●●●●●

no ranking de discriminação por sexo

9,7%

12%

das vítimas foram discriminados por sexo

10,3%

dos homens dos já se se sentir sentiram am discriminado dis criminadoss

dos homens

13,7%

13,4%

das mulhere mulheres já se se sentir sentiram am discriminado dis criminadoss

das mulheres

Por nível de instrução 11,1%

14,7%

da população sem instrução e fundamental incompleto

da população com médico completo e superior incompleto (Pernambuco é o maior percentual do nordeste para esse grupo)

8,9%

10,4%

da população com fundamental completo e médio incompleto

da população com superior completo

Por cor

Mulheres são mais afetadas Em Pernambuco, 13,7% das mulheres relataram alguma situação de preconceito, quatro pontos a mais do que os homens. Na prática, quase 500 mil “Cássias”. Quando há soma entre gênero e raça, são comuns problemas até na saúde materna. Estudo da pesquisadora da Fiocruz, Maria do Carmo Leal, mostrou que as gestantes negras recebem 50% menos anestesia do que as brancas, lembrou o professor João Luiz Bastos. “Há uma ideia permeada de que a mulher negra é forte, aguenta a dor. Elas são as últimas a serem atendidas no serviço e ainda são as que mais morrem de parto”, pon-

tuou a coordenadora do Grupo Curumim, Paula Viana. Segundo ela, muitas vezes nem os serviços de referência estão preparados para receber as mulheres. “Os serviços são insuficientes, principalmente fora do Grande Recife. Não há divulgação, então muitas mulheres deixam de ser atendidas precocemente.” Vasti Araújo, 56 anos, sofreu discriminação não pela questão da cor, mas por sua condição física. Cadeirante, foi impedida de usar o banheiro adaptado porque o espaço estava fechado para uso restrito dos funcionários de um hospital. “As pessoas não tinham

10,3%

da população branca

16,7%

11,8%

da população negra

da população parda

(Pernambuco tem o maior percentual dentre esse grupo do Nordeste)

(Pernambuco tem o maior percentual do Nordeste para essse grupo)

Ranking por percentual Pernambuco é o…

Vasti sofreu discriminação pela sua condição física nenhuma noção de direitos humanos, pareciam não entender a minha necessidade nem conhecer a lei. Nem o fato de serem mulheres trouxe sensibilidade comigo, parecia que eu era uma extraterrestre falando.” No Brasil, 1,4 em cada 10 pessoas já sofrem preconceito

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pela doença que tem. O Recife vem realizando, segundo a coordenadora da Política de Saúde da População Negra, Sony Santos, encontros de sensibilização e capacitação e atualização com todas as áreas técnicas e trabalhando o tema nas estratégias de saúde.

10º

estado em discriminação nos serviços de saúde

estado do Nordeste em discriminação nos serviços de saúde

S E R V I Ç O Serviços de referência à saúde da mulher Centro Integrado de Saúde Amauri Medeiros - Cisam Rua Visconde de Mamanguape, s/n, Encruzilhada. (81) 3182.7717 / 3182.7718

Serviço de Atendimento à Mulher Wilma Lessa Hospital Agamenon Magalhães Estrada do Arraial, 2723 - Casa Amarela. (81) 3184.1740

Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - Imip Rua dos Coelhos, 300, Boa Vista (81) 2122.4707


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de P E R N A M B UC O DIARIOd

local

Recife, DOM - 02/08/2015

Denúncias ainda raras Apesar de quase 800 mil pessoas terem uma história de discriminação para contar referente ao sistema de saúde em Pernambuco, poucas delas procuram os órgãos oficiais para fazer denúncias. Nem a promotoria de Saúde do Ministério Público nem o Conselho Regional de Enfermagem de Pernambuco (Coren-PE) têm investigações em curso. No Conselho Regional de Medicina (Cremepe), nove investigações foram abertas, desde 2011, para apurar preconceitos sofridos por pacientes. O número representa apenas 3,6% do total de procedimentos investigatórios abertos no órgão nos últimos quatro anos. De todas os casos de discriminação denunciados ao Cremepe, um foi no ano passado. Oito deles ocorreram entre 2011 e 2012. Dois foram analisados e encerrados. Os motivos, entretando, não foram revelados pelo conselho. “Se formos analisar pelos números, é um percentual

> nobrasil

baixo. Mas o código de ética médica deixa claro, nos itens fundamentais, que o profissional deve atuar de forma absolutamente isenta em relação à etnia, preferência sexual, cor e qualquer outro fator”, explicou o vice-corregedor do Cremepe, Roberto Tenório. Há uma corrente na medicina, explica ele, para ampliar o debate sobre a ética ainda na graduação. “O foco do ensino é na técnica e ciência.” Isso facilita, de acordo com os especialistas, que os profissionais tratem o tema com naturalidade e tenham dificuldade de reconhecer atos discriminatórios. Para o professor da UFSC João Luiz Bastos, faltam pesquisas acadêmicas. “Não há pesquisas sistemáticas e periódicas para comparar os indicadores e perceber a tendência temporal dos casos de discriminação na saúde.” diariode.pe/197 Confira uma versão estendida desta reportagem

Grupo tenta corrigir falhas Artur Perrusi, médico e professor de sociologia da UFPE, associa o problema à desigualdade crônica no Brasil

As pessoas não tinham nenhuma noção de direitos humanos. Pareciam não entender a minha necessidade” Vasti Araújo, que sentiu-se discriminada pela deficiência

Mesmo os direitos assegurados há anos pelo Ministério da Saúde, como o respeito ao uso do nome social de travestis e transexuais, têm sido descumpridos em Pernambuco. “Quando o nome de batismo aparece no televisor, para a recepção inteira ver, é constrangedor”, lembra a auxiliar administrativa Cristiane Falcão, 43, que já passou pela situação em uma UPA da Região Metropolitana do Recife. Falhas no acolhimento que frequentemente vitimam negros, pobres, mulheres, travestis e deficientes na rede básica - também são identificadas nos serviços de média e alta complexidade. Por isso, um grupo de trabalho foi formado na Secretaria Estadual de Saúde (SES) para intensificar as estratégias de combate ao preconceito. Semanalmente, o grupo se reúne e, até setembro, irá apresentar um projeto à secretaria.

Discriminação por região

NORDESTE

BRASIL

(parcela da população que já sofreu prec pr econc ec onceit onc eito eit o em cada cada região região egião)

4 milhões

15,5 milhões

de pessoas atendidas em serviços de saúde no Nordeste disseram ter sofrido discriminação

>>

13,6%

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Norte

10,3%

Cristiane sofreu exposição de seu nome de batismo Um dos grandes hospitais do estado será escolhido para iniciar as atividades. “Queremos estruturar os hospitais para serem um espaço livre de preconceito. Toda pessoa, independente da especificidade, deve ter um atendimento igualitário”, explicou o coordenador da Política de Saúde Integral da População LGBT da SES e integrante do GT, Jair Brandão.

assista

diariode.pe/b70w Veja videorreportagem sobre a discriminação no serviço de saúde ou

Fotografe o QR code ao lado com o software leitor do seu celular.

Das pessoas que já se sentiram discriminadas por algum médico ou outro profissional de saúde no Brasil…

de pessoas atendidas em serviços de saúde no Brasil disseram ter sofrido discriminação

11,6%

das mulheres

12%

11,9%

11,4%

11,8%

das pessoas das pessoas das pessoas sem instução entre 40 e de cor preta cor parda ou com 59 anos fundamental incompleto

Nordeste

Motivos da discriminação (as pessoas podiam elencar mais de um motivo )

13,3%

Centro-Oeste

1º lugar: Toc ocantins antins Último lugar: Espírit spírito o Sant Santo o

12%

9,3%

Dois extr extremo emoss no atendiment atendimento o ao pacient pacientee

APONTAM APONTAM A ID IDADE ADE

Sudeste

12% Sul

Fonte: Pesquis quisaa Nacional de Saúde (PNS), Ministério Minis tério da Saúde Saúde e IBGE, IB GE, e ONG Curumim

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14%

TIPO DE DOENÇA

13%

53%

FAL ALT TA DE DINHEIRO DINHEIRO

COR OU OU RAÇA

15%

TIPO DE OCUP OC UPAÇÃO AÇÃO

Motivos menos citados RELIGIÃO/CRENÇA 8,1%

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SEXO

3,7%

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52% CLASSE CLA SOCIAL

PREFERÊNCIA SEXUAL

1,7%

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