Revista Alimentação Animal n.º 115

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ALIMENTAÇÃO ANIMAL OPINIÃO

2021: UM ANO QUE NÃO É PARA VELHOS

Pedro Pimentel Diretor-Geral

2020 foi um ano difícil, complicado, depressivo… e diferente. Muito diferente do que prevíamos quando se iniciou. Muito diferente na forma como operadores económicos, consumidores e mercado se comportaram, mas também muito diferente em muitíssimas vertentes da forma como indivíduos, famílias, organizações e mesmo a sociedade no seu conjunto estão a atravessar esta experiência inédita e inaudita, que, pelo menos para as gerações atuais, se assemelha a algo que, antes, apenas imaginávamos em filmes de ficção que retratavam um mundo distópico, um mundo de ‘utopia negativa’. Já foram repetidos quase até à exaustão os diferentes fatores que impactaram nas nossas vidas e, menos, os que fizeram alterar o nosso consumo. Confinamento, teletrabalho e ensino à distância, insegurança sanitária e sucessivos estados de emergência em Portugal e por esse mundo fora, limitaram fortemente a mobilidade dos cidadãos, limitaram a sua capacidade de viajar ou as suas múltiplas formas de socialização. São conhecidos os cataclismos sofridos por setores como os do turismo, da restauração, da cultura ou do enorme universo dos eventos de massas (dos jogos de futebol aos espetáculos em sala, dos festivais de música aos santos populares, …). Na área do consumo, há inúmeros fatores que contribuíram para a sua dinâmica e evolução. Deixo aqui cinco dos que me parecem mais marcantes: (1) as novas rotinas de compra As alterações sucessivas ao nível de horários e de regras de funcionamento e a tentativa, por parte de muitos consumidores, de minimizar o risco associado a uma ida às lojas, geraram alterações nas rotinas de compra. Bons exemplos são a transição para a compra online ou o recurso ao comércio de proximidade, de que falaremos mais à frente. Mas outras rotinas foram tocadas… A compra deixou de estar tão concentrada nos fins-de-semana para passar a realizar-se de forma mais diluída ao longo-da-semana, sendo que a sexta substitui o sábado como dia ‘rei’ de vendas. E se antes da pandemia o consumidor distribuía as suas compras por várias lojas e insígnias, em busca das melhores oportunidades, agora adota o chamado ‘one-stop-shop’ tentando concentrar num único espaço e num único acto grande parte das suas compras. (2) impacto do confinamento na dinâmica promocional Portugal está, como é sabido, no topo da Europa no que se refere à chamada promodependência. Antes da pandemia quase 50 em cada 100 euros comprados eram, em média, referentes à aquisição de produtos que continham uma qualquer forma de promoção. Contudo no período mais forte de confinamento essa parcela sofreu um claro retrocesso, seja pela concentração de compras em determinadas

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categorias de produtos (com um peso promocional menor), seja pelo escasso peso de vendas de muitos dos produtos cujas promoções estavam contratadas. No entanto, o regresso a alguma ‘normalidade’ na compra, fez regressar a profundidade promocional a níveis próximos do pré-Covid, demonstrando a forte dependência do mercado destes mecanismos de motivação para a compra. (3) transferência do consumo de fora para dentro de casa Como referido atrás, o confinamento, o teletrabalho e o ensino à distância fizeram transferir para o lar muitas refeições realizadas, anteriormente, fora-de-casa. Mas a própria situação sanitária fez com que uma parcela significativa dos consumidores deixasse de frequentar cafés e restaurantes ou reduzisse amplamente o seu número de visitas a estabelecimentos do canal Horeca. Isso potenciou, certamente, as vendas do retalho alimentar, como dinamizou fortemente os serviços de entregas e a multiplicação das chamadas dark kitchens, mas ao nível das empresas fornecedoras gerou desequilíbrios importantes. Nas empresas mais expostas ao canal Horeca, o crescimento no retalho moderno não compensou o decrescimento de vendas nos nossos hotéis, restaurantes e outros pontos de venda similares. Nas restantes, o efeito terá sido menor, mas, ainda assim, verificaram-se penalizações no mix de vendas. (4) digitalização do consumo e a mutação para o online A impossibilidade ou a manifesta falta de vontade de sair de casa para realizar diversos atos de compra, o facto de estar quase sempre gente em nossas casas, a digitalização progressiva dos nossos atos e comunicações ou a crescente aceitação da realização de pagamentos digitais foram fatores que contribuíram significativamente para transferência de muitas aquisições do físico para o online. Se a compra eletrónica já estava bastante vulgarizada em muitos negócios e tipos de produto, nunca tinha adquirido verdadeira tração no universo FMCG, por razões que iam da elevada densidade de lojas à resistência em relação à compra online de produtos frescos. Assim, o empurrão de que há anos se falava acabou por surgir pela via sanitária. E o salto deu-se em várias direções: mais compras pelos que já utilizavam esta via, compradores fortuitos que se converteram em regulares, compras alargadas a um número mais amplo de categorias de produto e uma multiplicação de novos compradores, muitos deles bastante improváveis, ao nível, por exemplo, das faixas etárias ou das localizações geográficas. Acrescente-se, ainda, que o próprio contexto deu origem a alguma condescendência por parte dos consumidores, fazendo com que as dificuldades havidas nas primeiras semanas da


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