Jornal da Academia do Porto || Ano XXIII || Publicação Mensal || Distribuição Gratuita || Directores: Tatiana Henriques || Director de Fotografia: José Ferreira || Directora de paginação: Mariana Teixeira || Chefe de Redacção: Mariana Jacob
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Nos trilhos do inacessível
na Universidade do Porto
Sociedade
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Liberdade de andar de mãos dadas Com a chegada da Marcha do Orgulho LGBT Porto, no próximo dia 10 de Julho, o JUP foi falar com estudantes homossexuais e saber como é a vida dentro e fora da Universidade. São noites de Verão empenhadas na organização da Marcha Orgulho LGBT Porto (MOP). Em dias do Mundial de futebol ainda se ouve os gritos dos adeptos nos Aliados, mas é na rua do Almada que se reúnem as associações que dão vida a uma das maiores celebrações da comunidade LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Trangéneros – do Porto. As reuniões realizam-se na sede da SOS Racismo. Marta Pereira, uma das responsáveis, explica que a associação considera todas as formas de discriminação são condenáveis, o que os leva a apoiar a luta pela defesa do universo LGBT. É necessário chocar de forma positiva: “Vir para a rua é uma forma de confrontar as pessoas, além de dar visibilidade à comunidade LGBT”, defende a activista. Passar à acção directa Pedro Varela, de 19 anos, é outro dos participantes na reunião. Estudante de Sociologia na Faculdade de Letras da UP, assumiu a sua homossexualidade aos 15 anos. Está aqui em representação do Bloco de Esquerda, embora faça também parte das actividades dos Panteras Rosa, um movimento não institucional que actua em campanhas de acção concreta. No Verão passado, por exemplo, manifestaram-se contra o Ministério da Saúde devido à polémica de homossexuais que foram proibidos de doar sangue no Hospital Santo António do Porto. Tiago Braga, dos Panteras Rosa, também considera que é preciso sair à rua para defender os seus direitos. “O trabalho dos Panteras é mesmo de acção directa, de dizer ‘isto está mal, queremos outra coisa’”, explica. O movimento não se conforma apenas com a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, que foi um “meio avanço”, e admite que ainda há muito tra-
balho a fazer, por exemplo, para a legalização da adopção por casais homossexuais e a lei de identidade de género, que permitirá aos transexuais mudar o seu nome e identidade sexual nos documentos oficiais. Mesmo os que não fazem parte de associações participam nas actividades organizadas. É o caso de Rita, 19 anos, estudante de Tecnologias de Comunicação Audiovisual (TCAV) na ESMAE. “Faço sempre questão de ir à Marcha. É um momento muito bonito e é a luta por algo que me diz respeito e que pode influenciar a minha vida futura”, explica. Pedro Varela explica que a acção pode passar por outras actividades de sensibilização, como sessões de poesia ou a apresentação de livros infantis que contam a história de duas princesas. “É o conjunto do trabalho que tem vindo a chamar a atenção dessas temáticas”, considera o estudante de Sociologia.
Homossexualidade na universidade O ambiente universitário parece não oferecer grandes resistências aos estudantes homossexuais. “Nunca fui gozada ou mal tratada, basicamente tenho uma vida universitária igual à de qualquer estudante”, explica Rita, que acrescenta que isso também está relacionado com o facto de frequentar cursos em que as pessoas têm, tendencialmente, uma mentalidade mais aberta, na sua opinião. Rita fez o seu “coming out” (assumir a sua orientação sexual perante os outros) há cerca de quatro anos com todo o apoio dos amigos, muitos deles também homossexuais. Helena Costa, de 19 anos, é estudante de Turismo no Instituto Superior de Administração e Gestão de Gaia (ISEG). Apesar de se ter assumido como bissexual aos 16 anos e ter percebido com relativa naturalidade que gostava só de raparigas
há menos de um ano, explica que a maioria dos colegas aceita sem problemas quando lhes conta que é lésbica, embora ainda haja quem ache que é uma coisa errada e para outros seja, simplesmente, indiferente. Carla Barbosa é estudante de Psicologia na FPCEUP e tem uma amiga que se declarou lésbica há quatro anos. Explica que a amiga “num primeiro momento escondeu, mas depois, quando disse que afinal não tinha um namorado mas uma namorada, foi exactamente igual”. Para a futura psicóloga, o importante é que as pessoas encontrem a melhor maneira de serem felizes. Achou escandaloso quando descobriu há pouco tempo que conhecia jovens universitários tão preconceituosos como pessoas mais conservadoras ou mais velhas. “Acho perigoso, sendo nós a próxima geração a integrar o mercado de trabalho, que ainda haja discriminação baseada nas preferências sexuais”. Parada Gay a descer a rua Passos Manuel, no Porto
direito reservado
Apesar de nunca negar a sua sexualidade, Pedro Varela assumiu-se “oficialmente” perante todos os colegas da turma apenas quando participou numa reportagem televisiva sobre homossexualidade. Não teve problemas sérios de discriminação, apesar de saber que alguns colegas não aceitam totalmente a sua orientação sexual, pela forma como foram educados ou por causa da sua religião. Rosilda Portas é cristã e já era avó quando decidiu tirar o curso de Sociologia, onde conheceu Pedro e outros colegas homossexuais. A Igreja Luterana, da qual Rosilda faz parte, baseia-se na Bíblia para defender que a homossexualidade não deve ser praticada, apesar de acolher com alguma compreensão os que têm essa tendência. No entanto, Rosilda pensa que a compreensão deve ser mais profunda, na medida em que “não nos cabe julgar”. Pergunta-se sempre como seria se fosse o caso de um dos seus filhos, e confessa que isso a faz ”ver a situação de forma mais tolerante. Sem incentivo, mas também sem crítica e, principalmente, sem querer afastar essas pessoas.” A estudante pensa que a aceitação depende dos valores incutidos através da educação de cada pessoa. Explica ainda a dificuldade que tem em lidar com a situação actual de transição na sociedade, por exemplo, na altura de explicar aos netos o que é a homossexualidade: como explicar que é permitida e que deve ser respeitada, ao mesmo tempo que não vê o casamento como uma opção válida? Meios de quebrar barreiras A mudança de mentalidades é muito lenta. Alguns, como Rita, acreditam que iniciativas públicas como a Marcha ou a simples acção de um casal homossexual que passeia de mãos dadas são passos igualmente importantes para lutar contra
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Acho perigoso, sendo nós a próxima geração a integrar o mercado de trabalho, que ainda haja discriminação baseada nas preferências sexuais. carla barbosa preconceitos. “É preciso esfregar na cara das pessoas que nós existimos, assim elas acabam por se habituar”, defende a estudante de audiovisuais. Para Catarina Castanheira, uma das representantes da Juventude Socialista na organização da Marcha, o caminho da aceitação passa largamente pela via legal. A estudante da Faculdade de Ciências da UP considera que “o que tem mais efeito são as medidas que são tomadas na lei”. Explica que, depois da aprovação da lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, notou-se mais à-vontade entre as pessoas, levando muitos homossexuais em mostrar-se mais abertamente, “havia mais casais a andar de mãos dadas na faculdade”. Contudo, a estudante da FCUP também reconhece que é necessário sair à rua: “Há aquelas pessoas a quem custa mais, que até se sentem mal por terem esse preconceito, mas foi assim que foram habituadas”. Catarina acredita que os homossexuais devem mostrar-se, pois é esse o caminho para a aceitação por parte das outras pessoas. “Fico contente porque daqui a alguns tempos as pessoas não têm sequer que pensar que têm esse direito, já vai ser uma coisa natural”, espera a jovem. Para João Paulo, fundador e editor do site PortugalGay.pt, todos estes factores são complementares. “Todo o trabalho ao longo de todos os anos são degraus que subimos e às vezes atingimos alguns patamares, como o casamento homossexual”, explica. Apesar de haver ainda muito preconceito, João confessa que o apoio, muitas vezes, vem de onde menos se espera. Na primeira festa do Porto Pride, em 2001, no Porto Rio, João saiu “com receio porque foi a primeira vez que se fez um evento gay de forma aberta, declarada, e tenho consciência da ci-
dade onde vivo. E foi precisamente o contrário daquilo que pensava”, relembra. O editor do PortugalGay conta que recebeu imenso apoio moral, havendo muitos jovens para quem a festa foi “mais um passo, mais um degrau que subiram”. João Paulo recorda ainda que, quando foi feito uma espécie de barómetro no mercado do Bolhão por altura da primeira Marcha do Orgulho LGBT no Porto, as pessoas reagiam ao facto de se ter decidido organizar a MOP só depois da morte da Gisberta (transexual assassinada em 2006). “Porque só agora? Foi preciso aqueles rapazes terem feito o que fizeram?” Casamento homossexual João reconhece que o alargamento do direito ao casamento para casais homossexuais é um passo importante na vida destes, permitindo pensar nas relações como um projecto de vida. Rita, estudante da ESMAE, concorda plenamente com a ideia, pois a orientação sexual não retira – ou não deveria retirar – direitos aos cidadãos. A estudante afirma que, já que “as famílias deveriam ser formadas com base no amor e no apoio mútuo entre um casal, porque é que os casais homossexuais não podem ver a sua situação oficializada? O amor é o mesmo!”. Quando perguntamos o que pensa um jovem de 19 anos em relação ao casamento, Pedro responde que a alteração da lei tem um significado simbólico. O facto de a lei existir não significa que o casamento passe a ser necessariamente uma hipótese, mas é um factor que traz
xuais. André Almeida tem 20 anos e frequenta um curso profissional na Escola Secundária da Maia. É homossexual assumido desde os 16 anos. André é contra a aprovação da lei da adopção por casais homossexuais, pelo menos por enquanto: a sociedade ainda não está preparada para aceitar crianças de pais que ainda são considerados diferentes. “A primeira ficha que toda a gente recebe é para preencher com o nome do pai e da mãe, a partir daí já começa mal. A criança torna-se ridícula perante a comunidade da escola”, defende o estudante.
é diferente causa-nos dificuldade de aceitação. Além da dificuldade em terem de aceitar, também é saber o sofrimento que poderá vir daí”. Foi no sentido de defender o futuro dos seus filhos que foi criada a Associação Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual. A AMPLOS procura esclarecer e promover a aceitação da homossexualidade entre pais que descobrem a orientação sexual dos filhos e também por parte das outras pessoas. A AMPLOS nasce, assim, da preocupação em criar condições para que os filhos sejam aceites pela sociedade.
A reacção dos pais Se os problemas surgem na escola, assumir a homossexualidade também não é fácil em família. Como em alguns exemplos acima, a aceitação dos pais nem sempre é pacífica. Rita, a estudante da ESMAE, pensa que é necessário existir uma certa estabilidade emocional e até uma independência para que os pais não pensem que é “só uma fase”. Explica: “já tive simplesmente demasiados exemplos de amigos e conhecidos para saber que esperar nunca fez mal a ninguém”. Pedro Varela conta que não teve problemas mais sérios com os pais, mas acha natural que, no início, a reacção seja “contrariar a tendência”, chamando a atenção para pessoas do sexo oposto na esperança que se interesse por elas. O estudante compreende que existem certas expectativas criadas pelos pais – que os filhos cresçam, casemse e sejam felizes, criando também os seus filhos – que podem entrar
“Coming in” Aceitar a homossexualidade pode ser difícil também para quem começa a tomar consciência da sua orientação sexual. Pedro Varela explica que, para além da pressão para não quebrar as expectativas dos pais, existe a própria dificuldade em pensar num futuro diferente daquilo que se considera “normal”. Para Rita, o “coming in” (o período de aceitação pelo qual um indivíduo passa para tomar consciência da sua homossexualidade) pode ser complicado, especialmente quando, mesmo dentro do universo LGBT, somos diferentes dos outros. “No mundo heterossexual, se somos ligeiramente ‘desligados’ ou difíceis de agradar, não deixamos de ser heterossexuais. Mas e se isso acontece quando já nos afirmamos como homossexuais?” Rita acha que a sua experiência deixa abaixo o preconceito de que o meio homossexual gira à volta de sexo. E explica: “Descobri que lá porque não somos ou temos a necessidade constante de ser sexualmente activos, não quer dizer que não estejamos abertos para encontrar alguém que nos complete”.
Reunião do MOP
marcha do Orgulho LGBT Porto A MOP nasceu em 2006, fruto da iniciativa de alguns movimentos já existentes. A organização tem vindo a crescer e, apesar de muitos mais movimentos se juntarem à Marcha no dia 10 de Julho, são estas as associações que fazem desta MOP a maior de sempre. Bloco de Esquerda Caleidoscópio LGBT CASA - Centro Avançado de Sexualidades e Afectos Grupo Identidade xy - Sindicato unificado da Polícia Juventude Socialista Mica-me Panteras Rosa - Frente de Combate à LesBiGayTransfobia Partido Humanista Poly-Portugal Ponto Bi PortugalGay.pt REDE PJIOMH - Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens SIPE - Sindicato Independente de Professores e Educadores SOS Racismo UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta Para saber mais sobre a MOP, consulta o site www.orgulhoporto.org
aline flor
aline flor
aline flor
segurança para pensar num futuro com menos preocupações. Um futuro por preparar Pensar no futuro é uma das partes mais complicadas para os homosse-
em conflito com a “nova realidade”. Rosilda Portas, que já é avó, explica que a maior dificuldade para os pais pode não ser apenas a sexualidade dos filhos, mas a preocupação com o seu bem-estar: “Tudo o que
“É preciso esfregar na cara das pessoas que nós existimos, assim elas acabam por se habituar”. rita Helena Costa