WHITE PAPER #01 2013
Netnografia: Festivais de música e user experience A partir de uma análise comparativa entre os comentários dos milhares de seguidores dos festivais Optimus Alive – Portugal e Lollapalooza Brasil, extraídas de suas páginas oficiais no Facebook, pesquisa aponta a necessidade de não só estimular a participação das pessoas, mas sobretudo de dar feedback e sustentar as conversas provocadas pelas próprias marcas, criando novas oportunidades
Por Alisson Avila (Brasil) e Marco Ermidas (Portugal) Lisboa, São Paulo, Fevereiro 2013
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As redes sociais são o principal fenómeno deste segundo momento da digitalização da sociedade mundial. A conectividade destas ferramentas e aplicativos horizontalizam o diálogo entre pessoas e instituições, transformando as leis tradicionais da comunicação num novo panorama cruzado e subjetivo. Este cenário fica ainda mais complexo e interessante quando percebemos que os indivíduos “digitalizam-se” numa velocidade muito mais rápida do que governos, empresas e produtos – instituições que, apesar do discurso integrado aos novos tempos, tendem a encontrar dificuldade para acompanhar a velocidade do ambiente virtual. O resultado, por parte da sociedade, é um misto de expectativa, ansiedade, satisfação e frustração: diferentes sentimentos revelados durante o relacionamento com uma marca no ambiente digital. O mais curioso deste processo é o fato de serem as próprias marcas, muitas vezes, as responsáveis por potencializarem os “consumidores” com estas ferramentas - sendo posteriormente incapazes de acompanhá-las ou de refletir sobre a informação de alta qualidade por elas gerada. É por conta deste arsenal de ferramentas sociais / digitais que as pessoas já não são apenas expectadores passivos das acções de marketing, mantendo um constante escrutínio e dinamismo sobre o “outro lado”. Basta pensar no recente caso dos vídeos da Samsung em Portugal, onde “jovens bem-sucedidos”, ao falarem de suas expectativas para o futuro em um tom visto como desassociado da crise económica, foram massivamente criticado pelos usuários. Isso acontece, entre outros motivos, porque os clientes das marcas tornaram-se indivíduos totais e não se coíbem de criticar, ao mesmo tempo que querem ter uma ou mais palavras no desenvolvimento dos produtos e serviços que vão consumir. Em outras palavras, querem ter um envolvimento positivo com as marcas de sua preferência. Este cenário dinâmico e desafiador legitima muitas das técnicas contemporâneas de pesquisa, planeamento estratégico e desenvolvimento de produto - caso da inovação aberta, da cocriação e da análise etnográfica aplicada aos negócios. A desejada inovação, sempre estimulada pelo discurso do mercado, passa justamente pelo Design Thinking, um conceito onde os processos de resolução dos problemas passam, entre outros aspectos da renovação do olhar de marketing, pela valorização daquilo que as pessoas têm a dizer. Tais ferramentas estratégicas são o dia a dia da Couture – Decode + Disrupt, empresa portuguesa de análise de comportamento e estratégias de inovação com escritórios em Lisboa e São Paulo. Graças à sua abordagem focada no conceito de People-Centred Innovation, uma das formas da Couture explorar as ameaças e oportunidades deste ambiente para seus clientes é a netnografia: um método que, como revela o próprio nome, utiliza o olhar etnográfico dentro da rede digital. Trata-se de uma técnica mais rápida, de menor custo e com um recorte específico, mas que não perde em profundidade: se por um lado sua análise debruça-se “apenas” sobre as interacções online, por outro ela permite o domínio do ambiente virtual por onde as pessoas se movimentam. Se lembrarmos que as redes sociais são hoje o meio com o maior poder de propagação de mensagens em quase todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento, bem como de criação de engagement junto a públicos de diferentes idades, rendas e estilos de vida, fica evidente a importância deste método para o desenvolvimento de negócios alinhados com as expectativas e necessidades não-articuladas da sociedade. Com o objetivo de explorar este fenómeno de expectativa, satisfação e frustração entre pessoas e marcas nas redes sociais, para assim mostrar como problemas de relacionamento podem ser transformados em interações positivas e oportunidades, a Couture efectuou um estudo comparativo online entre o Brasil e Portugal, tendo por base um tema bastante específico: o mercado dos festivais de música. Neste estudo, feito em 2012, foram comparadas as percepções e manifestações de users de dois festivais de topo, em ambos os países, realizados em ambiente urbano: o Lollapalooza Brasil e o Optimus Alive em Portugal. O festival brasileiro possui mais de 370 mil fãs no
Facebook, enquanto o português soma mais de 255 mil seguidores, com uma percentagem expressiva de estrangeiros. Através da netnografia (que neste projecto foi aplicada com uma forte componente de análise de discurso, em contraponto à tradicional utilização de dados quantitativos ou tracking), os dois festivais foram comparados durante 6 meses (pré, durante e pós-festival) a partir de quatro vertentes: 1) tipologias de públicos presentes; 2) interacção do público com as marcas patrocinadoras; 3) artistas; e 4) infraestrutura. Mesmo tendo em mente o facto de que as críticas online são muito mais fáceis de serem manifestadas pelas pessoas, a Couture observou uma divisão crucial entre as páginas dos dois países. Em Portugal, o Optimus Alive já desfruta do status de “instituição local”, com uma reputação consolidada e palcos com identidade sonora bastante definida: o festival é hoje um dos mais reconhecidos da Europa. Por isso, a expectativa sobre o posicionamento do evento e as atracções de cada palco mantiveram-se no topo dos assuntos comentados online pelos portugueses. Uma parte significativa dos seguidores da página do Optimus Alive, por exemplo, mantém-se apegada à ideia de que falar bem ou mal dos artistas participantes na rede social é uma forma de expressar sua própria identidade, de marcar a sua presença. Este debate relativamente estéril, e mais alinhado com o público adolescente e de jovens adultos, pode ser entendido como um reflexo da maior oferta e cultura de festivais de verão em Portugal: ao fim e ao cabo, é a música, e o valor nela percebido, o que realmente importa. Ao mesmo tempo, esta postura traduz o alto nível de engagement do projeto junto aos seus públicos - uma conquista de marketing desejada por todas as marcas. Embora a música e os ídolos pop naturalmente despertem o envolvimento emocional das pessoas, o Optimus Alive conseguiu ao longo de seis edições estabelecer o seu próprio vínculo com os visitantes do festival – e que cobram um feedback por isso. Já o Brasil é um país sem uma cultura realmente enraizada de festivais jovens e urbanos de música internacional – ao menos, segundo os moldes europeus. Mesmo possuindo a força de uma marca como o Rock in Rio, o fato é que os festivais brasileiros deste segmento possuem trajetória errática, sendo bastante comum projectos consagrados desaparecerem do cenário, ou projectos nascentes arriscarem-se em iniciativas com uma abordagem de produto in & out, mais alinhados a um plano de comunicação geral de marca do que ao desenvolvimento de uma plataforma autónoma. Por isso, o nome Lollapalooza causou grande impacto ao chegar ao país para sua primeira edição no ano passado: além de possuir uma marca forte, ele representa um ícone de comportamento musical desde os anos 1990. Esta soma de fatores causou uma mobilização online imediata, além de uma expectativa elevada dentro de seus públicos-alvo. Porém, quando se trata de redes sociais, os brasileiros tendem a ser altamente impiedosos em seus comentários críticos. Com o Lollapalooza não seria diferente: apesar do nome se encontrar consagrado a nível internacional, o festival ainda não havia proporcionado experiências diretas ao público brasileiro, de modo a criar uma relação emocional prévia. Por conta deste certo distanciamento, tornou-se ainda mais fácil “apontar o dedo” à organização local, que foi alvo de reclamações especialmente no referente à infraestrutura e à logística. Pesa nesta conclusão o facto de o festival estar sediado em São Paulo, uma megalópole global onde o nível de exigência na prestação de serviços é extremamente alto, incluindo a classe média que representa a base do público do evento. Pode-se dizer, assim, que os portugueses são mais revoltados, e os brasileiros, mais agressivos, o que de certa forma alinha-se no perfil de comportamento social dos dois países quando o assunto é a crítica ao outro. “Mais do que a análise das quatro vertentes iniciais, também nos dedicamos a estudar como os gestores destas comunidades online administram as expectativas dos fãs: se são capazes de entender suas demandas e respondê-las no tempo e na abordagem adequadas. É este diálogo que determina se a experiência vai provocar satisfação ou frustração”, diz o sóciodiretor da Couture, Alisson Avila, que coordenou o estudo ao lado do antropólogo português Marco Ermidas e com o apoio das pesquisadoras brasileiras Liege Saldanha e Vanessa Purper. Para Avila, o grande desafio para a atuação das marcas nas redes sociais, e consequente gestão de comunidades online, reside no entendimento de que estes espaços são um ambiente permanente de pesquisa qualitativa, de análise de comportamento e de desenvolvimento de novas
soluções ao lado das pessoas. “Não se trata apenas de content marketing, e sim da criação e implementação de estratégias de relacionamento praticamente em tempo real. Esta é uma novidade tanto para pesquisadores quanto para planeadores, e sobretudo para os clientes. Ela simboliza o novo momento que vivemos na gestão de marketing, onde o desenho de metas e a manutenção de planos estáticos de médio e longo prazo precisam conviver em harmonia com um quotidiano volátil, veloz e efêmero, exigindo um pensamento always beta”. Compreensivelmente, o processo de comunicação digital de uma marca tende a ser mais lento do que o diálogo espontâneo das pessoas, o que torna este desafio ainda maior. Na análise da Couture, o relacionamento de ambos os festivais com seus seguidores no Facebook é ainda incompleto - e por isso, repleto de oportunidades. A pesquisa indica que nem sempre houve rapidez e pertinência no diálogo com os users das páginas. “Muitas vezes, os gestores destas páginas escrevem como se não houvesse alguém do outro lado, não só em suas mensagens iniciais, mas sobretudo na manutenção da conversa já aberta, e na atenção aos pontos levantados pelos fãs”, observa o antropólogo Marco Ermidas. Segundo ele, ainda há uma falta de sensibilidade no espaço online de ambos os festivais para ouvir as sugestões dadas por aqueles que os frequentam e vivem a cada ano. “Mesmo que fosse uma resposta padrão, como ‘obrigado pela sua opinião’, é obrigatório que as marcas sustentem as relações que se propõem a construir. Ou seja: se criamos um ambiente para que as pessoas se aproximem das marcas, e se pedimos a participação delas, isso deve ser visto como um processo contínuo, e não como um post isolado seguido de uma ‘ordem de trabalho’ para que espalhem nossas mensagens sem nenhum feedback. Embora pareça óbvio, atuar nas redes sociais pressupõe que a marca esteja disposta a ser social, a se expôr, a escutar o que não espera ouvir e oferecer algo em troca”, completa Avila. O sócio da Couture acrescenta ainda que as redes sociais não podem ser vistas apenas como mais um ponto de contacto para veiculação de mensagens publicitárias, como inserir um anúncio em uma revista ou um filme na TV. “Pensar desta forma leva a marca a perder uma fonte de conhecimento sobre as pessoas e seu próprio producto. Atuar em redes sociais é mais trabalhoso pois o processo é permanente, mas proporciona uma riqueza estratégica qualitativa que outros meios são incapazes de gerar. Tudo depende de como a marca conduz processos para alcançar os objectivos desejados”. O advento da web 2.0, e consequentemente das redes sociais como o seu elemento paradigmático, traz novos desafios de comunicação e relação entre marcas e pessoas. Mas traz sobretudo um novo mundo de oportunidades ainda não percebidas, para as quais é preciso manter os olhos abertos. “É exactamente disto que se trata a netnografia: proporcionar um novo olhar sobre estas interacções sociais nos meios digitais, com o intuito de descortinar realidades culturais e simbólicas que possam ajudar a relação entre quem vende e quem compra”, finalizam os estrategas.
COUTURE – DECODE + DISRUPT Portugal diogo@wearecouture.com Brasil alisson@wearecouture.com