Economia
Inteligência artificial ENTREVISTA Kevin Ashton,
criador do termo "internet das coisas", descreve o futuro em que máquinas falarão com máquinas
A ALISSON ÁVILA
O
CartaCapital: O que o levou a criar o termo internet das coisas?
& Gamble para ajudá-los a entender as possibilidades da Identificação por Radiofrequência e a tecnologia de sensores. Estávamos em 1999 e todos ficaram excitados com a ideia de usar a internet para coletar automaticamente dados do mundo real, físico. O xis da questão na internet das coisas diz respeito à transmissão automática de dados sem interferência humana. Veremos nos próximos anos uma proporção crescente de tráfego de internet gerado automaticamente por sistemas de sensores. Um dia eles dominarão esse tráfego. Trata-se de informação gerida por máquinas, a construção de sistemas de machine learning, que transformarão dados em informação com significado para os indivíduos. É uma das fronteiras mais interessantes da ciência.
sentação para executivos da Procter
internet das coisas para uma criança?
inglês Kevin Ashton é um inovador por excelência. É de sua autoria o conceito “internet das coisas”, atual must do mundo digital. A ideia o levou ao celebrado Massachusetts Institute of Technology. Lá ele tornou-se um dos criadores do Auto-ID Center, laboratório responsável por definir os padrões da Identificação por Radiofrequência, uma tecnologia que promete revolucionar o uso de eletrodomésticos e os transportes globais. O RFID (sigla em inglês), pode ser uma das bases da chamada inteligência artificial. Na entrevista a seguir, Ashton explica os impactos imaginados da nova tecnologia.
Kevin Ashton: Foi o título de uma apre-
CC: Como você explicaria o conceito da
"Robôs não são muito úteis se não têm sensores, ou sentidos." O objetivo é dar "aos computadores uma forma de sentir o real"
KA: As crianças sempre entendem as
coisas com facilidade. Hoje eu diria que os computadores que a mamãe e o papai usam, apenas sabem enviar informações de uma pessoa para outra. Além de digitar, cuidar das fotos, essas coisas. Mas os computadores que ele vai usar quando crescer também vão saber tudo sobre as coisas do mundo real, onde elas estão
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Pioneiro. Ashton desenvolveu o conceito da "internet das coisas" quando trabalhava na multinacional Procter & Gamble
para interagir com a internet das coisas, para obter os dados necessários e para comandar e controlar esse fluxo. Já a automação residencial é o outro lado da moeda. Uma vez que você tem um bom feedback sensorial sobre o mundo real, pode usar a automação para controlar e mudar as coisas. CC: De que forma há um alinhamento en-
tre gestão pública, ou mesmo interesses geopolíticos, e de proteção dos países com a internet das coisas?
e o que fazer com elas. Isso vai nos ajudar a gastar menos e a fazer melhor uso das coisas. Robôs não são muito úteis, a não ser que tenham sensores, ou sentidos, assim como nós não podemos fazer muita coisa sem os nossos olhos, ouvidos, nariz, língua e dedos. A internet das coisas é uma maneira de dar aos computadores, entre eles a um computador no cérebro de um robô, uma maneira de sentir o mundo real.
KA: A maioria dos governos compreende a importância estratégica da internet das coisas para melhorar e fazer crescer suas economias. Acredito que os responsáveis por esses setores também sabem não ser possível ter o seu próprio sistema. Será preciso existir uma operação de nível global, ad hoc, e que funcionará no topo da internet. E exigirá articulação. CC: Haverá uma enorme demanda por
matéria-prima a ser retirada da natureza para estruturar este sistema. Você se sente confiante para antecipar algum tipo de impacto ambiental?
ber o uso da internet das coisas em seu dia a dia?
KA: Muitos equipamentos têm tamanho reduzido. Mas o volume, a escala, são altos. Espero que o impacto informativo da internet das coisas seja tão intenso que a contrapartida da pegada ecológica, física, seja pequena na comparação com seu efeito. Ela vai nos conduzir a uma eficiência grande no uso de recursos.
os antigos nomes para coisas que se tornaram de uso geral e envolvem displays e interfaces conectadas. Tevês são telas com interfaces que penduramos na parede. Telefones são telas com interface que cabem em nosso bolso. Usaremos ambos
tiva em tempo real, quais as mudanças em outras áreas estruturais como a engenharia e o urbanismo ou mesmo nas Ciências Humanas e Sociais? Se não “obsoletas”, poderão ser percebidas como “lentas”?
CC: Como os seres humanos vão perce-
KA: Televisão e telefones celulares são
CC: Diante de tanta precisão informa-
KA: A internet das coisas é uma ferramenta. Ela serve para deixar todas as disciplinas exatas ainda melhores, dando-lhes dados e acesso a recursos informativos diferentes de tudo o que já tivemos, pois são mais precisas. Isso também se aplica às humanidades. O consumo tem sido cada vez mais usado como um indicativo para o estudo do comportamento humano, por exemplo, e a transmissão de dados automáticos será de grande valia neste sentido. Haverá uma série de conjuntos informativos interessantes para as ciências humanas obterem informação e aprendizado. CC: Vivemos cercados por centenas ou
milhares de objetos, e a internet das coisas pressupõe a conexão de muitos, ou todos eles, entre si e conosco. O que vai assegurar a ligação desses objetos para o sistema? E o que vai acontecer se a conexão cair?
KA: Haverá uma estrutura de leitura de dados praticamente invisível, um pouco como a estrutura hidráulica e elétrica de uma casa. Esses sistemas têm alguma capacidade de armazenamento para lidar com pequenas interrupções. De vez em quando, haverá uma falha em algum lugar, por causa de uma tempestade ou algo assim, e vamos perceber o quanto dependemos dessas estruturas. Não é diferente para os telefones celulares, eletricidade, água... CC: Transformar as dúvidas da vida diá-
ria em dados inquestionáveis não seria demais para a necessidade subjetiva do homem?
KA: A dúvida nunca deixará de existir.
Torço para que sejam sempre os primeiros passos rumo à sua compreensão. As religiões, por exemplo, sobreviveram até hoje a cada nova onda de revolução tecnológica. Não há nenhuma razão para imaginar que vai ser diferente, pois as necessidades espirituais, ao lado das materiais, não vão desaparecer. • CARTACAPITAL — 5 DE JUNHO DE 2013 41
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