A Direção da Vida

Page 1



Autor: Ivo Lima dos Santos

Organização: Erlei Gobi

Projeto gráfico, capa e ilustrações: Eduardo Garcia Marques da Costa

Revisão: Izabel Cristina Lourenço

Copyright© 2013 by Ivo Lima dos Santos

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sem prévia autorização do autor.


A Direção da Vida Entre caminhos e descaminhos

Autor

Ivo Lima dos Santos

1ª edição

São Paulo 2013



A DIREÇÃO DA VIDA Entre caminhos e descaminhos

Dedicatória Aos sobrinhos, Karina dos Santos Silva, Ritiely Pereira dos Santos, Angelita Lima dos Santos, Thiago Dias dos Santos e Maria Angélica Dias dos Santos.

Agradecimentos À professora Marília Fernandes de Jesus, pelas valiosas orientações na construção dos textos, sempre atenta ao conhecimento, coerência e à educação. Ao jornalista Erlei Gobi, pela organização dos capítulos e coordenação deste projeto. Ao professor José Ramirez Funes, pela constante divulgação do meu trabalho como escritor. Ao empresário Paulo Camargo, presidente da Brazilian Localization Company (BLC), pelas preciosas contribuições, rumo ao sucesso no mundo dos negócios. Ao publicitário Eduardo Garcia Marques da Costa, pelo profissionalismo com que abraçou este projeto, abrilhantando-o com sua sensibilidade e criatividade. À Izabel Cristina Lourenço pela revisão final dos textos. Prof. Ivo Lima dos Santos


SU M Á R IO CAPÍTULO 1 – NAVEGAR É PRECISO; VIVER NÃO É PRECISO Os contornos da vida.................................................................05 Vida: encontros e desencontros..................................................07 A sabedoria da vida...................................................................09 A vida é um rio..........................................................................11 Locomotiva da vida...................................................................13 Nos trilhos da incerteza.............................................................16 Intempéries da vida...................................................................18 Não basta ser razoável...............................................................20 Os riscos da vida........................................................................22 O desafio de tentar.....................................................................24 O difícil é ser eu.........................................................................26 Modernidade em turbilhão.........................................................28 CAPÍTULO 2 – A RAZÃO FAZ O HOMEM E O SENTIMENTO O CONDUZ Ódio, um vulcão em erupção.....................................................32 A ira...........................................................................................35 Rajadas da maldade...................................................................37 Aprender com a dor...................................................................40 Ressentimento: um grande tormento da alma............................43 A solidão na cidade....................................................................45 Nem tudo está perdido...............................................................48 O caminho do bem.....................................................................51 Amor autêntico..........................................................................53 Caminhos do amor.....................................................................55 Angústia e ação.........................................................................57 CAPÍTULO 3 – PENSE COMO HOMEM DE AÇÃO E AJA COMO HOMEM PENSADOR Elevar-nos ao máximo...............................................................61 Saber calar.................................................................................63 A culpa é sempre do outro.........................................................65 Rastejando pela vida..................................................................67 Dinheiro: inversão da individualidade......................................70


Fofoca, uma erva daninha..........................................................73 Mulheres e homens unidos pelas diferenças..............................75 Violência contra a mulher..........................................................77 Perigosa travessia......................................................................79 Na roda viva do trabalho...........................................................81 Nas filas da vida........................................................................83 Na travessia do ano....................................................................86 Tecnologia e trabalho................................................................88 Os horrores da guerra................................................................90 CAPÍTULO 4 – O PIOR ANALFABETO É O ANALFABETO POLÍTICO Analfabeto político....................................................................93 A paz está perdendo e a violência ganhando.............................95 Espelho, espelho meu................................................................98 Ética e política.........................................................................101 O outro como outro.................................................................104 Violência: o preço do medo.....................................................106 O mundo da criança.................................................................109 CAPÍTULO 5 – FAMÍLIA: O ALICERCE DA SOCIEDADE Ser mãe e pai............................................................................112 Diário de uma mãe...................................................................114 Pai no novo milênio.................................................................116 Dramas da separação................................................................118 É Natal.....................................................................................121 CAPÍTULO 6 – O HOMEM É AQUILO QUE A EDUCAÇÃO FAZ DELE Pensar é preciso.......................................................................124 Educar nos novos tempos.........................................................127 As tramas do poder..................................................................130 O homem e a evolução............................................................132 Dialética virtual ........................................................................134 A direção da vida.....................................................................137 INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS....................................140



Prefácio Em seu primeiro trabalho – o livro “O recheio que faltava em sua vida – para agir com sabedoria e ser feliz”, publicado em 2008 – o professor de filosofia e escritor Ivo Lima dos Santos buscou ajudar as pessoas a resolverem seus problemas com mais serenidade, rapidez e eficácia por meio de artigos de sua autoria publicados no Jornal Correio Popular, de Campinas (SP). Agora, após preencher o vazio na existência de muitos leitores, é a vez de mostrar “A direção da vida: entre caminhos e descaminhos”. Este livro, que reúne artigos publicados entre 2008 e 2011 no mesmo jornal campineiro, discorre sobre as alegrias, tristezas, frustrações e desafios de viver e sobreviver no mundo globalizado, onde somos, cada vez mais, apenas um número ou objeto de propulsão do desenvolvimento. Nos tempos atuais, muitas vezes, nos sentimos um grão de areia na imensidão do deserto. Não temos tempo para mais nada. Vivemos para trabalhar, não trabalhamos para viver. Tudo é para ontem. A pressão do dia-a-dia da vida moderna nos faz esquecer coisas simples e essenciais para a convivência humana como educação, respeito ao próximo e amor mútuo entre as pessoas.

Nas páginas desta obra você encontrará textos que te ajudarão, através da filosofia, a enfrentar estas intempéries da vida contemporânea com mais criatividade, ousadia e alegria. Viver não é fácil, mas pode ser muito prazeroso. Boa Leitura! Erlei Gobi Jornalista (erlei_gobi@yahoo.com.br)


Capítulo I Navegar é preciso; viver não é preciso


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

Os contornos da vida “A vida é um campo fértil, onde podemos plantar todos os dias”. (Kathy Wagoner – A arte do sucesso – 380 pensamentos para inspirar e motivar)

Nasci no interior paulista, Rancharia. Meu pai dizia que o sol estava a pino e estalava mamonas na lavoura que ele tocava, a perder de vista. Sou de uma família de doze irmãos; pais retirantes nordestinos que passaram a vida inteira trabalhando na roça. Nosso abrigo era uma casa simples. À noite, após o jantar, reuníamo-nos para ouvir as estórias que meu pai e os vizinhos contavam, que iam desde “causos” de lobisomem, mula sem cabeça, às rodadas de piadas, mas sempre com o cuidado devido, num grupo em que havia muitas crianças e adolescentes. Vaidade, a gente não tinha; dinheiro, escasso. Mas o básico não faltava em nossa mesa: arroz e feijão; alguns dias, carne; legumes, algumas vezes. Com três anos de idade, me mudei para Tarumã (SP) e, na escola do Bairro do Dourado, iniciei os primeiros passos no processo da educação formal. Depois, fui para Assis (SP) e dei continuidade aos meus estudos, cursando o Ensino Fundamental e Médio, em escolas públicas, participando do grupo de estudantes da Diocese de Assis-SP, que aspirava à vida religiosa. Terminei o Ensino Médio, prestei o vestibular na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília, para o curso de Filosofia, e não passei. Retomei os estudos, fiz um cursinho durante cinco meses, prestei o vestibular novamente e conquistei uma vaga naquela universidade pública. No segundo ano de faculdade, decidi não seguir mais o caminho para uma vida religiosa e optei pela carreira do magistério para lecionar a disciplina Filosofia. Recentemente, escrevi o livro “O recheio que faltava em sua vida: para agir com sabedoria e ser feliz”. Esse livro foi formado pelos artigos que escrevi, como A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

5


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

6

colaborador, para o jornal Correio Popular, de Campinas (SP), no qual abordei experiências de vida, tratando de temas atuais, sob o prisma da filosofia. Mas, afinal de contas, por que fiz esse relato pessoal? Primeiro, para compartilhar com os leitores minha trajetória de vida. Apesar das dificuldades econômicas, não desisti de meus sonhos; não cortei atalhos por caminhos escusos; não pedi apoio como esmola, mas como oportunidade para avançar em meus estudos, por ser um direito de cidadania. Em segundo lugar, porque acredito que, através da educação, da aquisição de conhecimentos sólidos, é possível dar um salto de qualidade na vida e contribuir para a construção de um país melhor para todos. Logicamente, a realidade era outra, mas certas coisas permanecem tendo a mesma importância: a base familiar que me sustentava, orientava e dava condições morais e éticas para continuar lutando por meus objetivos; a importância dos estudos na vida da gente, seja no período da educação formal, seja em outros espaços, nos embates do cotidiano. As dificuldades econômicas, o trabalho na roça e a distância da escola nunca foram motivos para me acomodar diante da situação. E, hoje, como analisamos a realidade familiar, social, das instituições estabelecidas, o quadro da educação, as oportunidades para os estudos, a prática de valores morais, éticos e o nosso compromisso com o país? O que vemos, o que queremos e o que é possível realizar? Que sociedade almejamos construir, apesar dos obstáculos? Qual é a nossa disposição de luta para isso? Não devemos idealizar o passado, porque ele não é melhor nem pior do que o presente, só é diferente. Mas o que podemos aprender com ele e o que permanece válido para ser colocado em prática? Como lidar com referências importantes na trajetória de nossa vida para encararmos o presente sem abrir mão de valores fundamentais em que acreditamos, tendo em vista a construção de um país mais justo, mas não apenas para uns poucos privilegiados? Quem ignora sua própria estória, assina um cheque em branco para o presente e lança-o sem fundos para o futuro. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

Vida: encontros e desencontros “De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo, fazer da queda um passo, do medo, uma escada, do sonho, uma ponte, da procura, um encontro”. (Fernando Sabino, O Encontro Marcado)

A vida é uma sucessão de encontros e desencontros. Por isso, em muitos momentos de nossa trajetória humana pela Terra, temos a sensação de que estamos sempre recomeçando aquilo que havíamos proposto realizar; de repente, as coisas paralisam e quebram a sequência de nossos propósitos. Normalmente, a sensação que temos é de impotência, diante de certas circunstâncias que nos desafiam, porque voltamos à estaca zero e recomeçar é sempre muito difícil, principalmente, depois de muitos esforços dispensados em nossos projetos de vida. Mas as interrupções, muitas vezes, são frutos de acontecimentos não previstos, no meio do caminho, que fogem de nosso controle e deixam falar mais alto a voz de forças externas; outras vezes, elas surgem em consequência da forma como agimos e, sem nos dar conta de que as coisas não estão sendo bem conduzidas, quando menos esperamos, os problemas se avolumam e o trabalho para removê-los do caminho fica bem mais complicado. Por outro lado, não podemos esperar que a vida siga numa linha reta, que as coisas saiam sempre conforme queremos e que seja possível manter o controle de tudo o que fazemos o tempo todo, sem nenhuma dificuldade. Agora, os problemas se agravam, também, quando não planejamos melhor nossas ações, quando agimos movidos só pelo impulso, pelo improviso e, pior, quando apostamos no chutômetro, por não nos prepararmos razoavelmente para aquilo que pretendemos executar em vista de colher bons resultados. Ou seja, agimos deixando de lado os conhecimentos que podem nos

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

7


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

8

auxiliar na tarefa pretendida, dando-nos uma base sólida, mesmo que não em nossas ações. E aí, quando as coisas dão errado, não identificamos com clareza onde, como e por que erramos. Caímos no desânimo total, culpamos o mundo pelo desastre que nós mesmos causamos. Como não prevíamos que algo pudesse dar errado, recebemos os problemas com surpresa, um castigo do destino sobre nossa cabeça e nos sentimos as pessoas mais infelizes do mundo. Em contrapartida, planejar adequadamente nossas ações, fazer bons cursos, nos munir de informações, aproveitar experiências passadas conosco e com outras pessoas nos empreendimentos já realizados, além de dar o passo conforme a perna, tudo isso vai ajudar a lidar melhor com os problemas que vão surgindo ao longo da trajetória. Além disso, o bom preparo para agir com consciência, que só o conhecimento traz, contribui muito para que saibamos lidar com os ganhos e com as perdas. Se não aprendermos a lidar com vitórias e derrotas - primeiro: não assumimos o próprio erro; segundo: não tiramos lições para modificar nossa prática e continuamos agindo de forma inconsequente, jogando sempre a culpa em terceiros. Quando isso acontece, é inevitável o sentimento de derrota com o gosto amargo da incompetência, fruto de uma prática baseada na boa intenção, mas desprovida dos elementos necessários para que as coisas deem certo, e, se derem errado em algum ponto, saibamos corrigir os erros e redirecionar nossos objetivos a partir de outras bases. Só assim conseguiremos “fazer da interrupção, um caminho novo; fazer da queda, um passo; do medo, uma escada; do sonho, uma ponte; da procura, um encontro”. Pode parecer pouco, porém, é justamente essa imprevisibilidade da vida que nos faz aprender com os próprios erros, dar um passo de cada vez, saber para onde estamos indo e o que, de fato, queremos construir na vida efêmera, mas que vale a pena ser vivida com intensidade. Recomeçar é preciso, sempre que a voz da realidade nos mostrar que perdemos a rota; ignorar a verdade dos fatos é seguir em frente, mas para lugar nenhum.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

A sabedoria da vida “Pois, afinal de contas, o fundamento de toda a nossa natureza e, portanto, de nossa felicidade é nosso físico e o fator mais essencial da felicidade é a saúde, seguida em importância pela habilidade de nos mantermos independentes e livres de preocupações”. (Arthur Schopenhauer, filósofo alemão, 1788-1860)

A vida é como uma planta: nasce, desenvolve-se, dá frutos e, com o tempo, definha. Ao longo da vida, cada um se apega ao que pode para dar um sentido ao seu viver, a partir das escolhas que faz, sempre se movendo pelo desejo de ser feliz na passagem pela Terra. E, nessa trajetória do ser humano, na passarela do tempo, vivem-se momentos felizes, mas há também que se conviver com reveses – as dificuldades que surgem no decorrer do caminho. O importante é não desistir dos próprios sonhos, porque quem desiste por covardia, conveniência ou fraqueza de espírito, mais tarde se arrepende amargamente; carrega dentro de si, um sentimento de fracasso que se torna um pesadelo e combustível que abastece, todos os dias, o tanque da frustração. Passar pela vida, despercebido, sem dar um sentido a ela, torna a existência um fardo pesado, que a cada dia se enche mais de nada. Por outro lado, realizar muitas coisas, mas colocar na frente, acima de tudo, a ambição desvairada, o sucesso a qualquer preço, a fama sem escrúpulos, o dinheiro como fim em si mesmo e um deus que guia nossos passos, transforma a vida em um castelo de ilusão que, aos poucos, desmancha-se no ar e não deixa nem um cantinho para que a felicidade habite e jorre, feito água cristalina brotando da fonte da vida. Se não vale a pena trilhar o caminho da existência sem nenhum propósito, é preciso agir com sabedoria, para que nossas escolhas exaltem a vida, façam-nos felizes e levem as pessoas que fazem parte de nossa trajetória a também desfrutarem de uma A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

9


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

10

existência vivida intensamente, mas sem abrir mão de fazer um bom uso de nossa capacidade reflexiva, diante das oportunidades que a vida nos dá e dos abismos que, muitas vezes, abrem-se à nossa frente, quando fazemos escolhas e buscamos nossos objetivos. Em se tratando de felicidade, arremato com as palavras do filósofo evocado acima: “A existência real e principal de cada homem está em sua própria pele e não nas opiniões dos outros e, consequentemente, as condições reais de nossa vida pessoal – saúde, temperamento, capacidade, renda, esposa, filhos, amigos, lar – são centenas de vezes mais importantes para a nossa felicidade do que o que as outras pessoas se agradam em pensar de nós; de outra forma seríamos miseráveis”. Então, cabe a cada um de nós, encontrar o melhor caminho para ser feliz, evitar extravagâncias e acreditar que não nascemos para semente. Por isso, vive melhor quem exercita, sem medo de ser feliz, a arte do bem viver todos os dias, e não quem olha apenas para a quantidade de anos que se projeta para viver.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

A vida é um rio “A vida é uma coisa engraçada, se você deixa, ela vai sozinha como um rio; mas se você quiser, pode colocar um cabresto e fazer da vida seu cavalo. Cada um faz da sua vida o quer, cada um escolhe sua sina: cavalo ou rio”. (O homem do ano – Filme nacional)

Nossa vida corre sem cessar como as águas de um rio que descamba rumo ao mar. A exemplo das águas do rio que vão contornando seu trajeto, nós igualmente vamos encontrando empecilhos em nossas vidas que precisam ser removidos para que sigamos em frente. Agora, é preciso querer superar nossas dificuldades para alcançarmos aquilo que desejamos e que, às vezes, se encontra logo ali. Acontece que, perante os problemas, o ser humano é tentado a se acomodar e desistir de seus propósitos com as dificuldades da vida. Por isso, existem pessoas que esperam que a vida seja um mar de rosas e não fazem nenhum esforço para alterar o percurso, porque estão sempre vendo a realidade com o óculo da ingenuidade; outras, passam pela vida navegando na contramão e não dão conta de corrigir as trapalhadas que fazem com frequência; outras, ainda, ficam sentadas em berços esplêndidos, na maciez do comodismo, esperando que milagres aconteçam, ou que o bilhete da sorte grande caia de mão beijada na sua conta bancária, mas não apostam uma cartela de um real sequer. Não bastasse isso, ficam implorando sem parar: “Meu Deus, me ajude no dia do sorteio”. Mas muitas pessoas, ao contrário de tudo isso, se dão conta de sua capacidade e até onde podem ir para avançar nas conquistas, nas metas; colocam a mão na massa e lutam com afinco e determinação. É por isso que vemos tantas pessoas sonhando de mais e fazendo de menos. É bem verdade que a vida sem sonhos “não vale a pena ser vivida”, só que não podemos esperar que as coisas aconteçam facilmente, que o dinheiro, o bem-estar material, a realização e a felicidade jorrem como A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

11


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

12

ouro e mel na terra prometida de nossas ambições totalmente desprovidas de ações concretas para tornar realidade aquilo que é apenas sonho. A falta de objetivos claros, as inúmeras exigências para se obterem oportunidades em uma sociedade desigual, como a nossa, são desafios constantes, mas, de outro lado, o comodismo do ser humano faz com que as coisas se tornem ainda mais difíceis. Com isso, não queremos alimentar a ilusão de que só basta boa vontade para a concretização de nossos projetos. É preciso quebrar estruturas sociais injustas, ter uma participação efetiva para cavar fundo aquilo que buscamos na vida. Sabemos muito bem que, para conseguir algo na vida, é sempre muito difícil; imagine, então, se não houver esforços diante de cada situação dada? Sem esforço de nossa parte, os sonhos viram fumaça na ventania, tornam-se impossíveis, quando não se transformam num pesadelo sem fim. As coisas não são impossíveis, mas não deixe que sua vida caminhe sem rota, “sem lenço e sem documento”, indo para lugar nenhum. Você pode e deve dar um sentido interessante à sua vida. Afinal, ela é muito preciosa para ser desperdiçada por omissão. Vencem aqueles que acreditam que vão vencer, mas, para isso, colocam-se à altura dos desafios.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

Locomotiva da vida “Ói, ói o trem, vem surgindo de trás das montanhas azuis, olha o trem. Ói, ói o trem, vem trazendo de longe as cinzas do velho éon. (...) Quem vai chorar, quem vai sorrir? Quem vai ficar, quem vai partir? Pois o trem está chegando, tá chegando na estação. É o trem das sete horas, é o último do sertão”. (Raul Seixas – O Trem Das 7)

Quando eu era pequeno, vivi boa parte de minha infância numa casa de madeira cercada de árvores e pastagens; bem próximo dali, passava a linha da velha estrada de ferro Sorocabana, onde, constantemente, eu via os trens de passageiros e cargueiros fazendo um enorme barulho e soltando um tufo de fumaça que cobria por onde cruzava. Era um meio de transporte muito utilizado, naquela época, para transportar pessoas e riquezas do país nos trilhos de ferro – que faziam os dormentes tremerem e gemerem com o peso do trem que cortava os verdes campos por onde passava. Mas, com o passar dos anos, nossos governantes foram deixando de lado os investimentos no transporte ferroviário; o que sobrou foram as marcas do descaso nas estações abandonadas. Algumas linhas de trem de passageiros e cargueiros ainda resistem teimosamente, correndo contra o tempo e contra os interesses do mundo moderno, que prefere transportar suas riquezas pelo transporte rodoviário, aéreo ou marítimo. Essas imagens não saem de minha lembrança, e me fazem imaginar a vida como um vagão puxado pelo trem do tempo nos trilhos do destino. A locomotiva é cada um de nós, que deve transportar a própria bagagem, as experiências e os sonhos durante a viagem da existência. Os vagões representam a nossa união: mentes, corações e mãos unidos para construir uma sociedade democrática, justa e fraterna.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

13


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

14

As estações são os objetivos que vamos alcançando durante a viagem. Os trilhos, sobre os quais nossa locomotiva deve correr, são: a ética, o compromisso social e a crença numa sociedade melhor para todos. Embora sejamos como um grão de areia no imenso deserto na seara do mundo, nossas ações no campo em que atuamos devem nos proporcionar uma vida melhor, mas devem servir de referência e contribuir para que a vida dos outros melhore também, afinal, ninguém consegue ser feliz sozinho. O combustível que toca a locomotiva do trem de nossa vida é a coragem, a determinação, a perseverança, a persistência, a energia positiva e as palavras acompanhadas por ações concretas que ajudem a transformar o mundo para melhor. A partir da metáfora do velho trem, que perseguia seu destino carregando riquezas e sonhos, devemos trilhar nossas pegadas sem esquecer de alimentar o motor da máquina que conduz nossos projetos e desejos de realização. E, nesse trajeto, em busca daquilo que acreditamos e desejamos alcançar, não viajemos tristes, calados, isolados, carregando na bagagem sentimentos de vingança, autossuficiência ou derrotismo. Estejamos abertos para ajudar e aceitar ajuda, sempre que for necessário. Que nas paradas das estações da vida, saibamos fazer novos amigos. Mas, se outros ficarem para trás e não puderem nos acompanhar rumo às próximas estações, que não seja motivo para desistirmos de lutar por nossos objetivos, que se realizarão mais adiante. Assim, nossa vida será uma viagem pela terra, marcada a cada dia pela iniciativa, criatividade e ousadia em acreditar e lutar, sempre, pelo sucesso de nossas buscas. Em nossa locomotiva, não devem faltar as condições essenciais para se chegar ao destino final: fé, escolher os instrumentos adequados, as melhores estratégias à nossa disposição e muito empenho para concretizar aquilo que almejamos. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

Nesse trem da vida, não aguentam o tranco aqueles que não aprendem a contornar as intempéries com inteligência, sabedoria e acreditam pela metade nos próprios sonhos. Quem já realizou essa viagem enfrentando os desafios, problemas, e obteve êxito, sabe o prazer que ela proporciona ao chegar na penúltima estação, pois sempre haverá uma nova estação a ser alcançada. O sopro da existência nos impulsiona sempre a dar novos passos e, em cada estação, a felicidade toma conta de nossa vida e também contagia os outros. Para aqueles que já embarcaram na locomotiva da vida, desejo uma boa viagem. E para aqueles que não ousaram ainda construir o seu caminho, fica o convite; afinal, nunca é tarde demais para tomar o trem da vida e fazer o seu próprio trajeto.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

15


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

Nos trilhos da incerteza “Os homens preferem geralmente o engano, que os tranquiliza, a incerteza, que os incomoda”. (Marquês de Maricá - Mariano José da Fonseca, político carioca 1773-1848)

16

Navegamos na incerteza, na era da informação, sob o impacto das grandes descobertas tecnológicas, que perpassa o campo da automação, robótica e microeletrônica, causando mudanças profundas na vida das pessoas, atingindo todos os setores. De outra parte, as influências ventiladas pela mídia e pela informática aceleraram a própria globalização, colocandonos em contato com qualquer lugar do mundo, a partir de uma rede de comunicação extraordinária. A todo instante, ouvimos as pessoas falarem que seu tempo é muito curto, que o dia fica pequeno para tantos afazeres e sobra pouco tempo para desfrutar as maravilhas da vida. Por onde quer que andemos, parece que a sensação é a mesma: é todo mundo correndo contra o tempo, afogado pelo trabalho, reclamando que o dinheiro é pouco para tantas contas; nesse vendaval que atordoa a todos, sobram planos e faltam condições objetivas para a realização de tantos desejos e sonhos. Se, no passado, tínhamos a impressão de caminhar nos trilhos da certeza com parâmetros mais ou menos definidos; com os ventos da modernidade, as coisas parecem virar de ponta cabeça, e a sensação agora é ser tomado de assalto pelas turbulências das mudanças, e o jeito é remar mundo afora com o consolo de certezas provisórias. Pelas estradas da modernidade, temos que aprender a conviver e trafegar na lógica de um processo que caracteriza o ser humano como ser de mutação, de projeto, que vai se fazendo pela própria experiência no devir da história. É nesse contexto de grandes e profundas mudanças que

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

entendemos a colocação do filósofo francês contemporâneo, Gusdorf, porque o ser humano já não se define por um modelo, por uma essência, nem ele é apenas o que as circunstâncias fizeram dele. Sua definição é construída ao lançar-se no futuro, ao escolher os seus projetos, através do agir consequente sobre o mundo, ou seja, as coisas não estão dadas, mas por fazer, num contínuo processo de criação dos valores. Em função disso, nada se apresenta como absolutamente certo e inquestionável. A princípio, isso nos desaponta, mas, por outro lado, essa fragilidade que nos afeta no baque das incertezas, traz a força e característica humana que nos enobrece: a possibilidade que temos para produzir nossa própria história nos tornando sujeitos conscientes de nossos atos. Os desafios são muitos e recheados de complexidades, mas não dá para viver escorados em falsas certezas, lançando-nos ao mar em barcos de papel, por medo do enfrentamento que está posto para todos no palco da modernidade.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

17


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

Intempéries da vida “O homem não é senão o seu projeto, só existe na medida em que se realiza, não é, portanto, nada mais que o conjunto dos seus atos. O homem é o futuro do homem”. (Jean-Paul Sartre, filósofo francês, 1905-1980)

18

Nossa vida passa por altos e baixos, momentos de glória e momentos de dificuldades que parecem mais um beco sem saída, um caminho quase sem volta. Mas quando tudo estiver escuro, acenda nem que seja uma vela para ressurgir a luz da esperança. Quando a tristeza invadir seu coração, abra os braços para acolher a alegria que deve ser sempre sua companheira de viagem. Quando o silêncio quiser calar sua voz, jogando-o para escanteio sem mais e sem menos, recite alto e em bom tom aquilo que deve ser dito, mas sem arrogância ou prepotência. Quando seus braços perderem a força pelo peso de sua cruz, levante-os bravamente e faça um bom combate, porque sempre vale a pena lutar pelo que acreditamos. Quando a angústia abafar seus mais nobres sentimentos, paralisando seus passos, faça dela uma razão para lutar mais ainda e obter êxito naquilo que deseja conquistar. Quando uma causa parecer perdida, acredite que ainda é possível reverter a situação a seu favor, antes de jogar a toalha. Quando a solidão bater forte, não cruze os braços, afinal, é preciso aprender a lidar com os próprios vazios. A solidão poderá ser uma oportunidade valiosa de reflexão e crescimento, e não, necessariamente, algo ruim que devemos abominar. Quando rondar a tentação, para que você perca o sentimento da vida e se entregue às extravagâncias, vivendo só de tristeza, preste mais atenção à melodia daquele pássaro que, todos os dias de manhã, canta sem parar para que o seu dia seja mais alegre e feliz. As dificuldades fazem parte da vida, mas devemos enfrentá-las e superá-las para avançarmos em nossos propósitos. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

Quando o painel do tempo insistir em exibir frases de fracasso, hasteie a bandeira do sucesso para construir, cada vez mais, dias melhores: “Dias de paz, dias que não deixaremos para trás”. Quando você chorar escondido para ninguém perceber, não deixe que suas lágrimas o impeçam de ver que pode ser feliz, apesar dos problemas que a vida coloca no seu caminho. Afinal, quem não tem problemas “atire a primeira pedra” e não se esconda. Enfim, diante dos problemas ninguém tem o direito de abandonar os próprios sonhos, duvidar de sua capacidade de superação, uma vez que, enquanto a vida pulsa, precisamos ir adiante, contornando as barreiras, que, aliás, não são poucas, mas que graça teria se não tivéssemos que lidar com desafios, constantemente, e caíssemos numa rotina massacrante? Então, faça dos seus projetos uma razão especial para dar à vida um contorno de esperança, ebulição, pelo prazer de realizar o melhor para você e para a construção de um mundo melhor.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

19


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

Não basta ser razoável “Nada devemos fazer que não seja razoável; mas nada também de fazermos todas as coisas que o são”. (Barão de Montesquieu, filósofo francês, 1689-1755)

20

O homem é um animal racional, e isso é o que o diferencia de outros animais, defendeu o filósofo grego Aristóteles (385322 a.C.). A partir dessa condição, portanto, o homem é livre para traçar seus planos, realizar projetos que lhe tragam realizações duradouras. Mas, no decorrer de sua caminhada, nem sempre é fácil concretizar aquilo que projeta para si e para os outros, pois a existência segue o percurso das condições que estão postas pela realidade que, constantemente, desafia a todos e cobra, de cada um, empenho para superar as dificuldades e rasgar a estrada dos sonhos. Na labuta da vida, uns procuram novos conhecimentos, adotam estratégias inovadoras para obter êxito naquilo que estão perseguindo; outros, por sua vez, preferem continuar patinando no seco, em suas tentativas, porque não utilizam outros elementos para concretizar suas propostas. Ao se depararem com os problemas, contentam-se em fazer um pequeno esforço para ver se os resolvem, mas, ao perceberem que está difícil superálos, logo desistem e se dão por vencidos, porque rapidamente caem no desânimo e não tentam outras soluções. E assim vão tocando suas vidas aos trancos e barrancos, e não chegam nem a ser razoáveis. Acontece que o homem é um ser racional, livre para tomar suas decisões, fazer de sua vida o que bem achar que deve; afinal, cabe a ele mesmo dar sentido à sua vida. E é nessa situação que ele se encontra quando tem que fazer suas escolhas, e aí não é tão simples como parece, mas também pode ser instigante e mais interessante do que ele

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

imagina, quando a razão não caminha sozinha, mas se entrelaça com a sensibilidade, com o preparo, com consciência diante das escolhas que se tornam luzes no caminho e não farolete de vagalume com pilha fraca. Mas o que significa, então, não ser apenas razoável? O homem que se contenta em ser razoável, diz G. B. show, “adapta-se ao mundo; o homem que não é razoável obstina-se a tentar que o mundo se lhe adapte. Qualquer progresso, portanto, depende do homem que não é razoável”. Ou seja, é necessário romper as amarras para dar passos à frente e não se contentar com a mesmice; só enxergar o óbvio é cair nas malhas do contentar-se com pouco. Então, o uso da razão, aliado à sensibilidade, liberdade, iniciativa e criatividade, deve proporcionar ao homem e à mulher, condições para crescer e fazer da vida algo muito interessante. É necessário fugir das lamentações que nada acrescentam, pois elas parecem uma goteira numa casa que urge por reparos: vem chuva e vai chuva, e o morador não tem coragem para trocar a telha quebrada. Esse cidadão acomodado é o modelo que não consegue ser nem razoável. E aí só resta sugerir os versos de uma música do grupo de rock nacional, Titãs: “Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer; devia ter arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer”.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

21


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

Os riscos da vida “Conheço muitos que não puderam quando deviam porque não quiseram quando podiam.” (François Rabelais, monge beneditino francês do século XVI, autor de Gargântua, Pantagruel)

22

Todos nós enfrentamos diariamente muitos desafios e, em relação a alguns, travamos uma verdadeira guerra, a fim de que eles não impeçam nossa passagem no percurso da vida. Mas, por outro lado, às vezes, ficamos pensando em como seria a nossa vida se ela não apresentasse nenhuma dificuldade, se tudo corresse às mil maravilhas: seria um olhar sem horizonte para contemplar, uma rotina sem graça. De outra parte, quando podemos realizar as coisas e não fazemos, perdemos as oportunidades que a vida nos proporciona. Uma vez jogadas fora as possibilidades que se apresentam diante de nós, quando a poeira assenta é que temos a real dimensão de que deixamos de agir e fazer o que devíamos. Quando não, diante do bonde que perdemos, arrumamos desculpas esfarrapadas para tudo, apontando alguma coisa ou alguém como culpado pelos nossos fracassos. Logicamente que não estamos, com isso, convidando ninguém a cair nas garras de uma atitude obsessiva da conquista a qualquer preço, e até à custa de puxar o tapete dos pés dos outros para levar vantagem em tudo. Agora, quando temos as condições para agir e nos omitimos, resta-nos só lamentar a sorte e achar que não nascemos para brilhar. Aliás, ninguém nasce para o fracasso. Seria um fatalismo de péssimo gosto achar que uns nascem para o sucesso e outros nunca o alcançarão, porque o seu insucesso “já está traçado”... “é coisa do destino”... “está escrito nas estrelas”... Acontece que, às vezes, nós podemos, mas não queremos, colocar a mão na massa; e ficamos esperando que alguém aja por nós. Outras vezes, até queremos, mas não saímos do âmbito da boa intenção, porque não fazemos aquilo que nos cabe. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

Mas isso não significa ignorar fatores externos de grandes proporções, em relação aos quais urge travarmos um enfrentamento coletivo: sentimos na pele os efeitos perversos de uma globalização que é marcada por profundas desigualdades sociais; vivemos em meio a uma avalanche consumista que seduz a todos. Afinal de contas, para o capital, o lucro é a entidade endeusada. Isso coloca o desafio de pensarmos em um novo paradigma para o mundo atual, tendo em vista uma vida justa, bela e feliz para todos. Também é preciso resgatar o respeito à mãe Terra, agredida constantemente em nome do progresso e da ganância. Assim, devemos estar prontos a assumir riscos, o que demonstra que estamos vivos, porque “o que torna a vida ‘digna de ser vivida’ é o próprio excesso de vida: a consciência da existência de algo pelo que alguém se dispõe a arriscar a vida (podemos chamar esse excesso de ‘liberdade’, ‘honra’, ‘dignidade’, ‘autonomia’, etc.)”. (Slavoj Zizek, filósofo e psicanalista esloveno, Bem-vindo ao Deserto Real!, p. 109.) A conclusão de tudo é muito simples: não deixe para depois o que deve ser feito agora. Não espere que o poder, o querer e o dever andem sozinhos, sem uma voz de comando e uma organização à altura dos desafios que aí estão. Seja o agente de suas próprias ações, mas não se esqueça da abertura à dimensão do outro.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

23


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

O desafio de tentar “Tentar alcançar realizações sem um objetivo firme na vida é igual a não alcançar nada”. (Mary G. Roebling, presidente do Banco Nacional de New Jersey entre 1937 - 1972)

24

Nossa labuta nos caminhos do mundo é marcada por altos e baixos. Certas baixas surgem inesperadamente em nossas vidas e caem como um raio na antena de nossa cabeça, deixando um rastro de destruição por onde passam; e essa pedrada que levamos na vidraça de nossos planos, esparrama estilhaços por toda parte e torna quase impossível juntar os cacos espalhados aos quatro cantos. Mas, muitas vezes, certos vendavais, apesar de chegarem misturados às tempestades, em nossa existência, servem de alerta para aquilo que está ocorrendo na surda rotina de nosso dia a dia, questionando nossas atitudes, nossa maneira de realizar as coisas e, principalmente, fazendo-nos repensar os objetivos que julgamos ter, mas, que na prática, não nos lançamos para um rumo definido, deixando-nos num marasmo sem fim, que não dá em nada. Só que, quando nos sentimos atirados como folhas secas na forte ventania da falta de iniciativa, tentamos nos agarrar à primeira proteção que está ao nosso alcance: as velhas e repetidas desculpas que sempre servem de amuleto para manter nossa vida tal como está: sem projetos, tentando remar num rio sem leito que não leva a lugar nenhum. E, nesse caminhar sonolento de nossos vagos e confusos sonhos, até percebemos que não remamos para um porto seguro, mas ignoramos a voz da realidade que, nua e crua, bate à nossa porta, nos dizendo em alto e bom tom que é hora de acordar; definir claramente o que queremos; quais as condições que precisamos ter para alcançar o que desejamos e o que é fundamental: agir com determinação para que se transforme em realidade aquilo que são apenas planos esparsos. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

É nesses momentos de portas e janelas de um mundo fechado – um labirinto escuro – que nos sentimos desafiados a tomar decisões, porque não dá para ficar em cima do muro, no meio de um emaranhado de trapalhadas, expostos como uma alma inerte ao sabor das balas perdidas do destino, que são disparadas e não pedem licença para atingir aqueles que dão sopa com suas indecisões e falta de ação na vida. É aqui que mostramos porque viemos a este mundo, quando a água sobe rapidamente e nos obriga a ir morro acima, sem desculpas ou meias medidas. Acontece que o ser humano tem uma tendência em protelar suas escolhas, decisões, seus objetivos, e só dá um passo à frente quando leva um tranco da vida e é atirado nos braços da responsabilidade, que exige que se assuma o que lhe é devido, sem se eximir do ato de escolha. Mas, se, mesmo após uma forte rajada de vento, com chuva torrencial e granizo grosso calibre, não acordarmos, restanos continuar a vida sem graça que levamos. Devemos assumir fracasso que nós mesmos plantamos em nossas vidas, o ônus do e não culparmos ninguém por uma existência morna e sem razão para sonhar acordado. Não defendemos que a vida tenha que ser esse alvo constante e fácil de tempestades cruéis, mas que elas são necessárias por atirar uma pedra no telhado de nossa vida sem perspectivas. Temos consciência de que nossa vida não está livre dos problemas, mas é certo também que devemos tornar nossa existência mais interessante, definindo com clareza o que queremos e podemos realizar para sermos felizes e repartir nossas derrotas e conquistas com as pessoas que nos são caras. Vida sem propósitos é como carregar um fardo de pedra e não ter um lugar onde despejá-lo para aliviar o sofrimento da carga. Uma coisa dessas, convenhamos, ninguém merece!

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

25


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

O difícil é ser eu “Para realizar grandes conquistas, devemos não apenas agir, mas também sonhar; não apenas planejar, mas também acreditar”. (Anatole France, filósofo francês, 1844 - 1924)

26

É muito fácil falar dos outros e é mais fácil ainda falar mal dos outros. Sempre que surge uma oportunidade para tecer comentários pouco construtivos em relação à vida alheia, com o propósito de desmerecer o que as pessoas são e fazem, isso é tentador e fácil de ser feito. Um dia desses, estava eu numa reunião, em que o palco era de luta em busca de uma moradia digna para várias pessoas; quando olhei a plateia, lá estava a Rose, uma incansável guerreira, que batalha muito para que ela e tantas outras pessoas consigam sua casa própria. Na agenda diária dessa mulher guerreira, dedicada aos filhos e ao trabalho, noto o amor enorme com que ela realiza suas tarefas, saindo de casa antes de o sol nascer e retornando, muitas vezes, bem tarde da noite, sem perder o sorriso e a ternura pela vida e por seus semelhantes. Apesar de portar uma necessidade especial, pois tem dificuldade para caminhar, ela pensa em si e sempre leva em conta as necessidades dos outros também; quando está com problemas, às vezes, chora – calada – para não ofender ninguém. Quantas vezes fui testemunha disso, porque via a Rose muito cansada, preocupada, com a cabeça cheia de compromissos, com grandes responsabilidades que a envolviam e também as pessoas que realizavam atividades ao seu lado, em busca de um teto para morar. Nessa correria que é sua vida, Rose se desdobra em várias mulheres, mas não deixa a bandeira de seus ideais cair, porque sabe o que quer e o que é mais importante para ela, sem abrir mão de pensar no coletivo, porque só assim ela acredita que sua luta vale a pena, não deixando apequenar sua alma. Certa vez, diante de várias pessoas, quando dava sua A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

opinião sobre a luta dos brasileiros, que, por meio de muito trabalho, suor e sacrifício, estão em busca de sua casa própria, ela expressou de forma espontânea, bem-humorada, mas com ênfase, a seguinte máxima: “É fácil falar de mim, o difícil é ser eu”. Muitas pessoas, na hora, riram; outras, que, como eu, acompanham sua luta diária, pensaram caladas: “Realmente, fazer o que a Rose faz, da forma como ela faz, não é para qualquer um. É preciso ter muito amor próprio e pela humanidade para esbanjar tanta coragem, amor e fé por uma causa tão nobre: ter a sua casa e não mais depender de favores de parentes ou de outras pessoas.” Compartilho essa história de vida com o objetivo de ressaltar a luta de tantas pessoas anônimas por este país imenso, que procuram ajudar a construir uma nação melhor para todos, mesmo na contramão de maus exemplos – como os que não faltam nas esquinas – envolvendo pessoas e atitudes que nada contribuem para uma mudança no rumo das coisas e assim adiam sonhos de uma vida melhor, solidária e feliz. Apesar de tantos desmandos, corrupção, violência e discursos vazios lançados ao ar, que não passam de “conversa que nem boi quer ouvir”, nem tudo está perdido, porque quantas Roses, quantos homens não trabalham longe dos holofotes para tornar o Brasil mais justo, diante desse mar de coisas ruins que estão ocorrendo e que só deixam sofrimento por onde passam? Falar de uma mulher como a Rose, é lembrar-se também de muitas mulheres que já tombaram na História por lutar por uma causa justa, sem abaixar a cabeça para as injustiças sociais. Salve, Rose! Que seu exemplo toque os nossos corações, mude nossa mentalidade e impulsione as nossas ações para o bem! Já dizia o poeta que “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

27


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

Modernidade em turbilhão “Ser moderno é experimentar a existência pessoal e social como um torvelinho, ver o mundo e a si próprio em perpétua desintegração e renovação, agitação e angústia, ambiguidade e contradição: é ser parte de um universo em que tudo que é sólido desmancha no ar”. (Marshall Berman – Tudo que é sólido desmancha no ar)

28

Vivemos na era da incerteza, em que as mudanças são muitas e ocorrem em alta velocidade, colocando as sociedades diante de novos desafios, exigindo a reformulação do modo de viver e atuar no Universo. Os diversos ramos do conhecimento avançam sem parar, mas, por outro lado, crescem as contradições nas sociedades, acentuando cada vez mais as desigualdades. Ao mesmo tempo em que a humanidade realiza inventos fantásticos, vemos as dificuldades aumentarem: desemprego em massa, que coloca frente a frente desenvolvimento e novas exigências na qualificação de mão de obra; desigualdades sociais que se acirram cada vez mais, criando um exército de esfomeados pelo mundo afora; os avanços científicos fazem importantes descobertas, como mapeamento do DNA, por exemplo, mas, lado a lado correm as dificuldades que jogam os seres humanos na maca do sofrimento, como a Aids, que não poupa a imprudência do sexo feito sem proteção, bem como outras doenças que ainda dependem de novas descobertas para sua cura; no tocante aos adolescentes e jovens, vemos os pais preocupados com o seu futuro, seja no que se refere a uma educação de qualidade, suas escolhas profissionais, num mercado de trabalho globalizado, além do perigo que ronda as novas gerações, consequência do fogo cruzado da violência generalizada, causando incerteza sobre o próprio futuro e falta de perspectiva em dias melhores, principalmente para os setores sociais menos favorecidos. Mas, no turbilhão da modernidade, não dá para ignorar as conquistas passadas que a humanidade granjeou, nem fazer A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

do presente um discurso oco, que desemboca numa prática vazia de valores, gerando descompassos entre os rumos do desenvolvimento científico, econômico e social e o bem-estar das sociedades. Na medida em que o desenvolvimento e o progresso beneficiam apenas setores privilegiados das sociedades, aumentam as desigualdades sociais, acumulam-se as carências da maioria, que já é penalizada, e as consequências são essas que presenciamos em nosso país e no mundo: miséria, fome, cenários de guerras entre os povos; uma humanidade sufocada entre a violência e a sede de paz; desenvolvimento à custa da degradação do meio ambiente, tudo em nome do lucro. Se as coisas continuarem assim, que futuro poderemos vislumbrar para nós e para as futuras gerações? Alguém arrisca um palpite? É caminhando no fio da navalha da modernidade que são criadas e recriadas novidades, constantemente, nos mais variados ramos do conhecimento; é trafegando na busca de novas conquistas que ajudam a humanidade a viver mais e melhor, mesmo nos esbarrando nas contradições de nossa era, que precisamos construir o diálogo na dialética entre passado, presente e perspectivas para o futuro. Se não dá mais para vivermos ancorados em certezas que pareciam eternas, também não é recomendável que aceitemos a lógica de uma modernidade que lança luz e, ao mesmo tempo, semeia trevas, através dos privilégios em favor de poucos e a recusa à participação da grande maioria, que apenas contempla os novos avanços e seus benefícios, sentada no banco das carências que parecem nunca ter fim. É por isso que, para Marshall Berman, “ser modernista é sentir-se de alguma forma em casa em meio ao redemoinho, fazer seu o ritmo dele, movimentar-se entre suas correntes em busca de novas formas de realidade, beleza, liberdade, justiça, permitidas pelo seu fluxo ardoroso e arriscado”. E conclui: “Creio que nós, e aqueles que virão depois de nós, continuaremos lutando para fazer com que nos sintamos em casa neste mundo, mesmo que os lares que construímos, a rua moderna e o espírito moderno A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

29


Nave gar é pr e c is o; viver não é pr e c is o

continuem a desmanchar no ar.” Esse é o grande desafio que esse turbilhão da modernidade provoca. Cabe a cada um encará-lo ou ignorar o que está acontecendo nos próprios pés.

30

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


CapĂ­tulo II A razĂŁo faz o homem e o sentimento o conduz


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

Ódio, um vulcão em erupção “O ódio exacerba a consciência e a capacidade de reflexão de quem o possui, até alcançar os requintes mais sutis de perversidade”. (Martin Heidegger, filósofo alemão, 1889-1976, texto Nietzsche)

32

Desde os primórdios da humanidade, sabemos que o amor e o ódio travam verdadeiras batalhas, criando situações em que vida e morte disputam o seu lugar no panorama evolutivo da espécie humana. Cada um sabe a fera que carrega dentro de si, que está sempre pronta para pular na garganta de seu semelhante, bastando, às vezes, um motivo banal para justificar o seu ataque feroz. No cenário mundial, abundam exemplos em que o ódio passeia solto igual à fera indomável, criando uma batalha campal, e sai da frente quem for considerado o seu alvo preferido. Ele se apropria dos mais variados meios ilícitos para fazer valer sua supremacia, gerar destruição e morte. O ódio não leva em conta o respeito à vida, à compaixão, à paz e à felicidade. O ódio não age para perder a viagem, em seus ataques pela Terra afora. Observando os ataques que o ódio promove a cada dia, podemos citar alguns exemplos que motivam suas investidas: no campo da política, gera ódio pela disputa da hegemonia mundial. Basta uma espiada no cenário internacional para entendermos invasões realizadas por potências mundiais, que justificam seus ataques com argumentos falaciosos, uma vez que o discurso furado visa apenas escamotear a verdade; o fato é que o resultado da truculência praticada são os bilhões de dólares investidos em armas, munições, logísticas, pessoal e todo o aparato que sustenta a estupidez da guerra. No campo das crenças, a luta acontece pelo monopólio, desencadeando intrigas entre diversos segmentos religiosos, o que, por outro lado, não nos autoriza a afirmar que todos aqueles que têm uma opção religiosa entram nessa cruzada maluca da intolerância implacável. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

No terreno do amor, um fio de navalha divide o bem e o mal; a felicidade e a tragédia; a alegria e a dor. E não se trata de ver, nas relações amorosas, esses embates como se fossem algo incomum, porque, todos os dias, assistimos, nos noticiários, aos resultados que o ódio criou, mas sempre utilizando, descaradamente, o amor como razão para convencer a opinião pública do mal praticado, mesmo aqueles casos que ganham destaque pelo requinte de crueldade. Seria o amor, o culpado pelas cenas chocantes que presenciamos, ou elas seriam filhos do ódio? Ou, ainda, quando uma relação amorosa termina, tem que se transformar em ódio e o indivíduo deve sair batendo ou matando as pessoas? E o que dizer sobre o ódio espalhado pelos quatro cantos do mundo pelo terrorismo internacional, mal que corrói e causa pânico na humanidade? Não vamos, aqui, gastar munição para repetir as tragédias, anunciadas com frequência nos mais variados veículos de comunicação, causadas pelo Terrorismo, um dos grandes tormentos do século. E o que falar, ainda, sobre o ódio disseminado ao longo da história da humanidade, em razão da cor da pele, com a pretensão de purificar a raça humana? O que leva o ser humano a defender a eliminação do outro, em função da cor de sua pele, sua procedência social ou por tantos outros motivos? O homem cria inventos extraordinários, mas, cada vez mais, dá demonstração de sua pequenez, alimentando o ódio que produz a barbárie e fazendo a nossa espécie viver a reboque das próprias loucuras da razão. Após expor esse quadro sombrio sobre o ódio, resta-nos perguntar: o que fazer para evitar as avalanches causadas por ele? Como lidar com esse monstro, que está sempre à espreita para mostrar suas garras a qualquer momento, atacar e causar a pior tragédia? Aqui reside a tarefa de cada um, segundo palavras de André Glucksmann, em O Discurso do Ódio: “As pessoas honestas, os religiosos sinceros e os realistas sem ilusões são bastante inteligentes para reconhecer seus limites; não precisam A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

33


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

odiar o ódio para combater sua insanidade assassina e rir do papel ridículo que ela faz”. Vivemos num período da história em que o ódio devassa várias relações entre os povos e o seu combate é um grande desafio, porque a batalha que cada um precisa realizar é dentro de si, primeiramente, para, depois, expandi-la no seio da sociedade.

34

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

A ira “A ira é a mais terrível e furiosa das emoções”. (Lúcio Aneu Sêneca, filósofo estóico, estadista, escritor, nascido em Córdoba, Espanha, 4. a. C. - 65 d. C.)

Nosso dia a dia da vida moderna parece mais um furacão que atropela quem cruza o seu caminho e joga tudo por terra, principalmente, para quem vive nos grandes centros urbanos, que passa horas nos engarrafamentos, repletos de motoristas barbeiros, apressados, estressados, afeitos ao descontrole, caindo na mala dos xingamentos, quando não em agressões físicas que, às vezes, terminam com vítimas fatais. Mas, quando os simples mortais querem fugir desse caos aqui na terra e vão adquirir suas passagens nos aeroportos do país, deparam-se com uma tragédia que há muito tempo estava sendo anunciada, uma vez que nosso sistema aéreo vive uma crise sem precedentes e esse quadro teima em permanecer dando as cartas, apesar dos esforços de algumas autoridades, que procuram resolver essa situação o mais rápido possível. Nessa arena quente, feito brasa, aflora a raiva como um cão feroz que, por mais que se tente acalmar e manter o controle da situação, é como um dragão que vocifera e quer quebrar tudo pela frente. Mas como se controlar diante dessa realidade apontada acima? Pensando numa resposta filosófica para o assunto, encontramos no pensador de Córdoba-Espanha, Sêneca, em sua obra “Da ira”, uma reflexão que nos aponta uma saída. Um primeiro aspecto que o filósofo aponta é o fato de as pessoas se acostumarem a ser muito otimistas e não se prepararem para aquilo que pode dar errado. Seria adotar uma posição conformista? “Não”, responde Sêneca, e argumenta: “As coisas não têm que ser, necessariamente, como esperamos que elas sejam”. Porém, é preciso ter claro aquilo que podemos mudar e o que não está ao alcance alterar. Nesse sentido, levamos A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

35


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

36

uma grande vantagem em relação a outros animais, porque temos a “razão” e a “liberdade” para agir, mudar a realidade ou fazermos uma “reflexão diária” sobre o que pode dar errado, e nos prepararmos melhor para enfrentá-la. Com isso, a única maneira de nos protegermos contra as adversidades é nos prepararmos psicologicamente para o que pode dar errado. Mas isso não levaria as pessoas a se eximirem de suas responsabilidades em situações como as que escolhemos para exemplificar esse tema? Segundo a ótica de Sêneca, não. Mas não é demais alertar para esse perigo. Por outro lado, se diante de uma realidade muito difícil alguém nos disser “vai ficar tudo bem”, não será pior do que nos preparar para o que, de fato, pode ocorrer? Seguindo as pegadas desse filósofo, embora essa afirmação, a princípio, pareça trazer conforto, não livra a pessoa daquilo que realmente pode ocorrer. E, aí, a surpresa pode acarretar fúria, porque teremos a sensação de que incorremos em injustiças e ninguém nos alertou devidamente. Disso, podemos concluir que a forma como procuramos encarar as adversidades faz toda a diferença para que não criemos expectativas em demasia, porque, de acordo com a tese de Sêneca, é preferível optar pelo pessimismo. Isso não quer dizer lavar as mãos diante das possibilidades que temos para mudar as situações que estão ao nosso alcance, mas não querer alterar coisas que não dependem só de nós e sofrermos por antecipação. Será isso realmente possível, por exemplo, num engarrafamento quilométrico nos centros urbanos? Por incrível que pareça, num desses grandes congestionamentos, um dia, presenciei duas cenas completamente opostas: de um lado, um motorista que esbravejava feito um leão sobre o trânsito que não fluía de jeito nenhum, num sol abrasador; bem próximo dele, um senhor, que ao som de uma música dos anos 60, em alto volume, cantava, pulava, gesticulava e parecia rir da própria desgraça. Fiquei pensando: será que ele leu Sêneca? A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

Rajadas da maldade “Nós somos os autores da poluição das águas, do ar contaminado pelas chaminés das fábricas. Não temos mais amigos, cada um para si é o tema. Religião pra quê, se violência é nosso lema. Nós somos os autores do abandono das crianças. Nós somos a verdade e a decisão final é nossa. Nós temos o poder de acender ou apagar a luz. Um Deus é muito pouco para uma legião de cruz”. (Carlos Randall - Compositor)

Andando pelas ruas do mundo, observo cenas de todo tipo e graus de crueldade. Eis que deparo com uma mãe que chora, desesperada, por ver seu filho cair nas garras das drogas que matam, aos poucos, o fruto de seu ventre – quem, desde os primeiros sopros da vida, ela “curtiu” e procurou fazer de tudo para que essa vida se desenvolvesse, florescesse e enfeitasse um dia o jardim de seus sonhos. Mas, por vários motivos, circunstâncias que a existência criou, esse filho, quando ela menos esperava, viu-se atirado de corpo e alma ao drama da dependência química; e aí sai da frente todo mundo. Chego em casa, cansado, do meu trabalho, após um dia cheio – salas abarrotadas de alunos; escolas que não acompanham o bonde da História, embora os discursos oficiais digam que estão para lá de modernas, completamente preparadas e aparelhadas para enfrentar os novos desafios. É o descalabro do discurso que tenta impressionar a todos, mas a realidade nua, crua e dura demais joga em nossa cara os verdadeiros contornos da situação nas escolas, a situação da educação e dos mestres achincalhados o tempo todo. Não é à toa que vemos a fila de professores engrossar, cada vez mais, com a entrada de pedidos de aposentadoria. Também – valha-me Deus! – o valor do salário e o grau de violência nas unidades escolares pelo país afora deixam estarrecido qualquer cidadão com um pouquinho de sensibilidade. Ao adentrar meu doce lar, ligo a televisão para assistir

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

37


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

38

aos fatos que estão ocorrendo no Brasil e no mundo. Entre tantas cenas trágicas, o que mais vejo são notícias que mostram a violência contra a mulher, fruto de uma cultura que mostra suas garras todos os dias, trazendo como suporte o machismo que não dá trégua. As agressões geram mortes de mães, filhos e ainda espalham ameaças à integridade física de parentes das vítimas. Até quando isso vai durar, apesar dos esforços de nossas autoridades e, em particular, de trabalhos que são feitos pelas delegacias criadas em defesa da mulher? Mas essas rajadas da realidade não param por aí. Redes de pedofilia afloram como erva daninha e arrastam nossas crianças para o abismo. É gente das mais variadas profissões, graus de escolaridade e até portando cargos importantes, espalhando terror por onde passa. O que está acontecendo com o ser humano? Apesar da evolução da ciência, da técnica, de novas formas de comunicação, o homem parece regredir em se tratando de valores fundamentais, como o amor a si próprio e ao outro; fazer da Ética não um discurso vazio para “inglês ver”, mas um esteio que fundamente a conduta do ser humano em sua vida na sociedade; semear amor, solidariedade e paz entre os homens, e não estupidez, arrogância e uma cabeça – vazia de ideias – que nada constrói. Após um dia pesado, vejo na tela do tempo só maldade, que o ser humano pratica para se dar bem, como vingar-se de seus semelhantes – muitas vezes, por motivos banais ou, ainda, para semear a discórdia, que vem comprovar a máxima “o homem é o lobo do homem”. Cheguei à seguinte conclusão: a humanidade está cada vez mais embrutecida, cheia de si mesma, fugindo da autocrítica, negando-se a refletir sobre suas ações ancoradas no preconceito, machismo, egoísmo, destruindo a natureza e exibindo o rótulo do “ter” a qualquer preço. Pouco lhe importa se isso cava sua própria sepultura, mas a sensação de estar por cima vale mais do que qualquer coisa. E aí vem a triste constatação: se a pessoa se der bem na vida, que se “danem os outros”. Logicamente, não quero com isso generalizar; felizmente, há pessoas de bem que pensam e A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

agem completamente ao contrário dessa lógica adotada por muitos seres humanos, porque ainda acreditam que nem tudo está perdido, e fazem o que lhes compete, com dignidade, engrandecendo a espécie. Se a grande maioria das pessoas na sociedade não tiver coragem de rever suas práticas, que mundo nos espera daqui a pouco? E se as pessoas continuarem apenas com boa intenção, olhando o circo arder em chamas, o mundo vai continuar tal qual está, prevalecendo a lei dos espertalhões, com a maldade reinando absoluta, e salve-se quem for capaz.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

39


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

Aprender com a dor “Viver e morrer são a descoberta da finitude humana, de nossa temporalidade e de nossa identidade: uma vida é minha e minha, a morte. Esta, e somente ela, completa o que somos, dizendo o que fomos”. (Marilena Chauí. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010, p. 293.)

40

Ao me preparar para dar início às minhas atividades profissionais no começo da semana, na madrugada do dia 13 de março de 2011, fui surpreendido por uma notícia que abalou todos os membros da minha família: o passamento de meu pai, Lourival Lima dos Santos, aos 86 anos incompletos. Embora seja uma experiência muito dura lidar com a morte, acredito que podemos tirar dela lições para nossas vidas, principalmente, para dar ao nosso viver um valor cada vez maior, enquanto estamos de passagem pela terra. Como nos contaram, o nosso nascimento deixou nossos pais completamente tomados por uma mistura de emoção, alegria e preocupação diante de mais um ser humano que teriam que cuidar e assim dar continuidade a sua geração. E, como o tempo não para, fomos crescendo e logo atingimos a fase da adolescência, que nos deu asas para reivindicar a própria liberdade, a partir do desejo ardente de conhecer o mundo e, nesse afã, muitas vezes, fomos agressivos e demos trabalho a nossos pais. E até nos esquecemos um pouco da família porque, quando tivemos oportunidade, deixamos de dizer o quanto a amamos. Mas, como ninguém vive para a eternidade, um dia, nossos pais se vão, como já aconteceu com minha família. E isso ocorre, muitas vezes, quando menos esperamos, sem aviso prévio ou apenas por meio de alguns sinais que espreitam o caminho do além. Nesse momento, é que temos a real dimensão do que é perder um ente querido e ouvir de nossos parentes e amigos expressões como: “meus sentimentos”, “sinto muito”, “meus pêsames”. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

Diante da morte de nossos pais, nossa resistência parece desmoronar feito uma construção na frente de um terrível tsunami, jogando para o alto nosso sentimento de independência, colocando em questão a brevidade da vida, o seu significado, sem contar os mistérios que a morte arrasta consigo. E o consolo para a dor da perda, onde encontramos? Encontramos no tempo e através de uma certeza: o amor que tínhamos pelas pessoas que perdemos não apaga com sua ausência, com o sofrimento, apenas ganha uma nova dimensão com os exemplos que elas deixaram, em nossos atos, em nossos gestos, em nossas palavras, porque continuam arquitetando nossos procedimentos e, principalmente, o valor que damos à vida, mesmo com os problemas que enfrentamos no seu decorrer. E a culpa que, muitas vezes, sentimos, como repará-la? A culpa entra no processo da vida que tem início, desenvolvimento e fim. Carregamos culpa, muitas vezes, por não termos realizado tudo que podíamos em relação ao ente querido que perdemos, ou apenas por amar tanto e sentir a ausência de alguém que tanto queremos. Mas o tempo é o remédio e nele conquistamos o abrandamento da dor. Com o passar do tempo, percebemos melhor, também, aquilo que conseguimos realizar de coração, dentro das possibilidades de quem se encontra em uma determinada realidade, mas que sempre lutou para alterar aquilo que atrapalhava na realização da partilha da vida com os nossos familiares e com os nossos semelhantes. E, com um pouco mais de tempo, vamos conseguindo transformar nossos entes queridos em eternos “companheiros de viagem”, para usar uma expressão de Jean-Paul Sartre [Filósofo francês, 1905-1980]. Apesar da perda dos entes queridos, nossos sonhos ganham aliados, nossa independência ganha acompanhantes, nossa vida tem um recomeço, renascemos das cinzas. Passamos a ver a vida a partir de novas dimensões. Isso não elimina a saudade, não ignora nossa dor, mas aumenta a certeza de que, apesar da morte que sempre causa impacto, não caminhamos sozinhos: sentimos, de alguma maneira, a presença de nossos entes queridos em nossa vida como um farol que ilumina os A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

41


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

nossos passos. Estão sempre conosco, seja por intermédio de alguma crença, seja pela linha da imaginação, ou através dos feitos de quem partiu, mas se imortalizou em suas obras. Se isso não basta para nos confortar, já é um bom começo para quem tem que reaprender a arte de viver, lidar com a dor e com os enigmas da própria vida. E isso não é uma tarefa fácil. Mas há outra saída?

42

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

Ressentimento: Um grande tormento da alma “Não há nada que deprima mais o ser humano (mais depressa) do que a paixão do ressentimento”. (Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, 1844 - 1900)

Ressentir-se de algo é estar muito magoado, sentir novamente, sentir profundamente uma ofensa recebida. No decorrer de nossas vidas, muitas vezes somos atingidos por palavras, gestos e ações que deixam marcas profundas, e a superação se torna, não impossível, mas muito difícil. Diante de uma ofensa que nos atingiu como flecha envenenada, atirada com o arco da maldade, nossa vida leva um rodopio com o impacto da pancada e os efeitos costumam ser terríveis. Quantas vezes, nas esferas da vida, somos atingidos por atitudes mesquinhas, que visam somente prejudicar nosso desempenho, através de ações escusas que não levam em conta o seu teor de crueldade, mas os objetivos nefastos a serem alcançados. Após sofrer os feitos negativos da investida de uma atitude maldosa, a primeira reação que surge é a do revide imediato, o que pode também causar um efeito contrário: a pessoa recebe uma ofensa, amarga os males que provocou, mas não luta para encontrar uma solução para o problema. O ressentido guarda sua mágoa, que é acompanhada por um sentimento de revolta, desejo de vingança, mas que só fica na intenção. É o que Friedrich Nietzsche [Filósofo alemão, 1844-1900] chama de “força reativa”. A pessoa que está ressentida não tem coragem para agir e modificar a realidade estabelecida. Isso para o filósofo representa uma característica dos “escravos”, ou seja, é típico daqueles que não lutam para fazer valer sua vontade de potência, isto é, um impulso constante ao crescimento intensivo. Para a psicanalista Maria Rita Kehl, o ressentido foi o filho preferido dos pais, que o protegeram de tudo e ainda A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

43


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

44

evitam que ele enfrente as dificuldades da vida. Essa conduta dos pais faz com que o filho julgue possuir garantia antecipada e, inconscientemente, exija que o mundo tenha a mesma atitude em relação a ele. Resultado: o filho ressentido não coloca à prova suas qualidades, mas espera obter reconhecimento em posição de destaque. O efeito disso é uma vida que beira as barras do fracasso, uma vez que o ressentido se exime de suas responsabilidades e para salvar sua pele ainda culpa os outros por seus fracassos. Portanto, o ressentimento é um dos grandes tormentos da alma humana, pois quem acumula sentimento de mágoa, é o principal prejudicado por não exteriorizar sua situação e permanecer imóvel diante do próprio sofrimento. Quantas vezes já presenciamos situações relacionadas ao amor, à amizade e às relações profissionais, onde o ressentimento tomou as rédeas da vida da pessoa e as consequências foram trágicas. Por isso, devemos lutar contra realidades que possam nos empurrar para as garras do ressentimento. Isso requer coragem, saber o que queremos para nossa vida e, principalmente, saber agir para superar os problemas, de frente, que surgem em nosso dia a dia. É preciso ressaltar que, diante de uma ofensa, de uma crítica ácida que recebemos, devemos ser capazes de analisálas criteriosamente e reconhecer também nossos próprios erros; tomar iniciativa para superar os problemas; tentar contornar os obstáculos e não adotar o ressentimento como solução, jogando para os outros aquilo que nos cabe assumir.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

A solidão na cidade “Construídas para fornecer proteção a todos os seus habitantes, as cidades hoje em dia, se associam com mais frequência ao perigo que à segurança”. (Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, Tempos Líquidos)

Em “Tempos Líquidos”, o sociólogo polonês discorre sobre a lógica da Modernidade e traça um panorama dramático sobre a atual situação dos povos. Tendo como referência o prisma desse autor, vamos percorrer os labirintos dessa realidade mundial, no que ela tem de mais estarrecedor, preocupante e apontar alguns caminhos. Na modernidade, navegamos num navio em alto-mar, repleto de fortes vendavais, ondas gigantescas que vêm com tudo e sacodem a tripulação sem compaixão, obrigando o timoneiro a ter que firmar o pulso e a tomar cuidados redobrados nessas horas de medo e pânico no meio do oceano. Nessa imensidão da existência na vida moderna, os sentimentos de pertencimento, os laços afetivos com a comunidade, a solidariedade – que é “ternura entre os povos”, deram lugar ao individualismo inveterado e o lema que predomina é “cada um por si e Deus por todos” ou, se preferirem, “salve-se quem puder” e “quem é mais forte chora menos”. Em meio às marés de crises econômicas, processos violentos de guerra, surtos de violência, por todo lado, espalhando larvas de fogo, através da xenofobia, do fanatismo, do fundamentalismo, da intolerância e da truculência dos mais fortes sobre os mais fracos, a humanidade segue seu percurso, mas não sabe aonde vai dar essa confluência de tantas coisas ruins ocupando os mesmos espaços. Diante dessa realidade, quando interrogamos as pessoas para saber qual a visão delas sobre tudo isso e as perspectivas que vislumbram no horizonte, parece que a esperança de dias melhores cede lugar ao desencanto, medo, incerteza e perplexidade diante do que ainda poderá vir. Nota-se pouca confiança no futuro, A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

45


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

46

muito desalento nos destinos da humanidade, sobretudo com os alarmes constantes que as tragédias naturais vêm dando em diversas regiões da Terra. E esse diagnóstico se complica mais ainda, quando analisamos a situação nas grandes aglomerações humanas, nas configurações dos centros urbanos, espalhados pelo mundo, onde predomina um déficit histórico em relação a moradias decentes para a grande maioria dos que vivem nas cidades; transporte coletivo caótico, sem solução à vista; violência que varre a toda velocidade; desemprego que penaliza milhões de pessoas; segmentos sociais que segregam os menos favorecidos nos guetos, à mercê da sorte, esquecidos pelo poder público que nada ou poucas coisas realiza em seu benefício; medo de tudo e de todos, insegurança generalizada é a cara feia dessa triste realidade urbana em dimensão global, oferecendo combustível para o motor da indústria da segurança, que cresce a todo vapor nessa sociedade fragmentada, movida pelo medo e marcada por injustiças sociais. Ao lado de tudo isso, a globalização negativa, para usar o conceito utilizado por Zygmunt Bauman, traça novas rotas perante o comércio mundial e redes de comunicação rasgam o planeta Terra como uma teia de aranha. Nesse rolo compressor da globalização, setores poderosos colecionam lucros monumentais, enquanto outros segmentos da sociedade aproveitam apenas as migalhas que caem pelo chão, na rota do progresso, que avança a todo vapor, seja na economia, nas telecomunicações, nas ciências e em outras áreas do conhecimento. Então, diante desse mapa sombrio, há alguma saída? Que caminho tomar, já que as possibilidades de chegar com sucesso a um porto seguro parecem raras? Onde estão as utopias que arrastavam multidões e apontavam para um futuro promissor das sociedades? Em primeiro lugar, é fundamental que tenhamos conhecimento desse quadro, no que se refere à nova ordem mundial, para que também adquiramos consciência dessa realidade e nos localizemos como um membro dessa humanidade A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

metida nos problemas apontados acima. Num segundo momento, é necessário nos capacitar cada vez mais para atuarmos no campo em que escolhemos da melhor maneira possível, levando em conta que não somos seres isolados dos destinos da humanidade. Sendo assim, aquilo que realizamos vai incidir no próximo, tanto para o bem quanto para o mal. Não basta pensar só no aspecto econômico, embora saibamos que ele é importante para o nosso conforto e bem-estar, mas pensar em que medida podemos contribuir para a melhoria da qualidade de vida da comunidade, da cidade, do país, e, consequentemente, do Planeta. Isso significa dar nossa contribuição efetiva e agir justamente ao contrário dos lemas citados acima. Enquanto só pensarmos em nós mesmos, pisotearmos a natureza, aceitarmos as estruturas injustas, ignorarmos o futuro das próximas gerações, de nada adiantará ficarmos só reclamando se não fizermos nada para alterar aquilo que está ao nosso alcance. Além disso, é muito importante nos organizarmos para exigir que os poderes constituídos cumpram seu papel devidamente. Certamente, não vamos salvar o mundo, mas podemos ajudar a transformar o espaço que estamos habitando e, se todos fizerem o mesmo, o Planeta agradecerá e nossa vida terá mais qualidade. Cada um de nós está realmente disposto a pensar e, principalmente, a agir e contribuir para as mudanças da cidade e do mundo? O futuro da humanidade é o nosso futuro, mas ele depende de cada um de nós.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

47


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

Nem tudo está perdido “Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas... só as de verão. Mas, no fundo, isso não tem muita importância. O que interessa mesmo não são as noites em si, mas os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado”. (Sonho de uma noite de verão, William Shakespeare, dramaturgo inglês, 1554-1616)

48

Todos os dias, acordo às cinco horas e quarenta minutos da manhã e, quando desperto, ouço o sabiá-laranjeira que pulou mais cedo do que eu e gorjeia com o peito estufado, para saudar a aurora que já vem rompendo a barra da manhã. Em minha casa, temos o costume de saudar uns aos outros com um “Bom dia!”, desejando que ele seja encarado como mais uma oportunidade valiosa para se construir algo de bom, que alicerce, cada vez mais, os objetivos de cada um. Quando chego à unidade escolar em que leciono, o funcionário, Sr. Domingos, sempre me saúda desejando “Bom dia!”, o que deixa o ambiente de trabalho mais leve, e, assim, bem melhor para enfrentar os desafios que vêm pela frente, na árdua tarefa de ministrar aulas, tentando contribuir para a construção de um conhecimento que transforme, que possibilite um mundo melhor. No decorrer do dia, faço questão de anotar os bons gestos que as pessoas fazem, mesmo que, para muitas, esse “mundo cão”, feito “monstro”, não permita ver nada de bom em nosso dia a dia, só tragédia uma após outra, a se perder de vista. Num desses dias, após o trabalho, tomei um coletivo, e ele já tinha saído do ponto, quando uma senhora bem idosa abanou os braços para que o condutor parasse o veículo e ela não se atrasasse em seus compromissos. Em vez de xingar, como já presenciei muitas vezes, e, em seguida, arrancar com ímpeto, o motorista freou o ônibus e, com palavras acolhedoras, pediu que

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

a senhora subisse os degraus com cuidado e se acomodasse em um banco reservado aos idosos. Continuei realizando meus compromissos naquele dia, e anotando na caderneta de observação só ações boas, praticadas por cidadãos comuns em sua rotina diária de tantas lutas e desafios. Eis que, caminhando pelo centro da cidade, onde o movimento é intenso e os carros abrem alas com fúria total, pude perceber que, mesmo numa selva de pedra, onde o medo do outro é estampado no rosto das pessoas, a pressa dita o ritmo, a lei reza que cada um deve ser por si e Deus por todos, os gestos de bondade, atenção e solidariedade, teimosamente, vão marcando presença. Parece dizer com isso que, apesar de tudo, aqueles gestos são mais fortes do que a indiferença, o egoísmo, a correria, o individualismo inveterado, porque o ser humano não deve viver só pensando em si, à revelia dos outros. Mas isso não seria esperar demais de uma sociedade como a nossa, marcada pelas desigualdades sociais, pela lógica do capital, pelos interesses pessoais, pela ganância e desejo de se dar bem na vida, mesmo que, para isso, tenha que ignorar o outro, como um de nós? Pois é. Hoje, resolvi registrar pequenos grandes gestos, exatamente para mostrar que nem tudo está perdido e que a dinâmica da sociedade em que estamos inseridos – extremamente injusta e violenta, seara da impunidade, através de brechas que as leis deixam, mesmo contra os esforços honrados de homens e mulheres da lei; de uma educação sem qualidade, com algumas exceções, que pede socorro; de uma saúde pública, que joga na sarjeta os cidadãos que mais necessitam de ajuda; de uma segurança pública longe de ser a que esperamos – não pode nos fazer desistir de lutar para que essa realidade se transforme, a partir de esforços coletivos bem articulados de nossas autoridades e sociedade civil. Mas, destacar esses gestos concretos, de pessoas comuns da sociedade, não seria para justificar sua eficácia, isoladamente, nesta realidade perversa em que vivemos? Logicamente que não. Ao mostrar essas ações, quero chamar a atenção para que A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

49


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

cada um reflita sobre esta sociedade que temos: suas bases; a lógica que a sustenta, que está nos massacrando, afastando-nos uns dos outros e destruindo a natureza; fazendo do consumismo o nosso deus; lidando com a injustiça social com um empenho muito aquém do que necessitamos (e ainda arroga ser uma das economias mais sólidas do mundo!)... Não devemos nos contentar com belos discursos, mas com a transformação concreta da nossa sociedade. Nem tudo está perdido, é verdade, mas, apesar dos bons gestos, precisamos ir muito além com mudanças estruturais profundas, em defesa da vida, da mãe Terra e da dignidade humana. Você também é um dos que acham que nem tudo está perdido?

50

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

O caminho do bem “Quem vai salvar o mundo de você? Quem vai salvar você do mundo? Se não nos vemos nos outros. Se em nós os outros não se veem. Se a vida é para tão poucos. Se a vida é para mais ninguém”. (Quem vai salvar você do mundo? Sérgio Britto – Titãs – CD Sacos Plásticos)

O caminho do bem exige vida com direção, sentido certo, objetivos claros e conscientes. Ao contrário da avenida larga do mal, o caminho do bem é estreito, constantemente cortado por desafios que exigem princípios éticos, compromissos para além do próprio quintal. Seguir o caminho do bem é questão de escolha, porque o convite para acompanhar o mal não falta todos os dias nas esquinas da vida. As promessas que levantam bandeira no palanque do mal, tremulam a todo instante, ávidas para colecionar seguidores, sempre prometendo vida boa, dinheiro fácil, rápido e muitas mordomias. Para todos os lados que olhamos, vemos o aceno do mal, oferecendo-nos uma carona para um destino incerto, perigoso e, normalmente, um caminho só de ida. É mais fácil embarcar na carruagem do mal, abarrotada de falsas promessas e facilidades que, embora enganosas, seduzem feito mel na chupeta de uma criança. O caminho do bem é cheio de obstáculos, não oferece sombra e água fresca, mas mostra que a verdade, a sinceridade, a honestidade e a justiça devem estar carimbadas no passaporte de embarque. O caminho do bem deve ser buscado por todos aqueles que acreditam em um mundo melhor, sem enganação, trapaças ou golpe de espertalhão. Seguem o caminho do bem, as pessoas que fogem dos lemas “O importante é se dar bem na vida, não importa os meios”, A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

51


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

52

”Não vale a pena ser honesto, o negócio é levar vantagem em tudo”. Todos aqueles que não acreditam numa vida fácil, muito menos aceitam residir num castelo assentado na areia movediça da mentira e da maldade. Quem opta pelo caminho do bem não se regozija em levar vantagens à custa da desgraça alheia, ou seja, quem não conta vantagens e nem acredita na esperteza como arma para se dar bem na vida. O caminho do bem é pedregoso, mas espaçoso para acolher a felicidade; o caminho do bem não cultiva ostentação nem mania de grandeza, mas faz jorrar contentamento verdadeiro para os seus viajantes. Você pode e deve enumerar outras diferenças entre o caminho do bem e a rodovia moderníssima do mal. Além disso, deve fazer sua escolha. E, como em toda escolha, você deve arcar com os ônus e os bônus. A escolha é de cada um, sem desculpas ou lamentações. Só não dá para não escolher, até porque não escolher consiste numa escolha. Faça sua escolha e coloque o pé na estrada.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

Amor autêntico “A autenticidade do amor não consiste apenas em projetar nossa verdade sobre o outro e, finalmente, ver o outro exclusivamente segundo nossos olhos, mas sim de nos deixar contagiar pela verdade do outro”. (Edgar Morin, filósofo francês)

Estamos vivendo no palco da modernidade, enfrentando o vento de muitas transformações, que desafia todos a seguir tateando em nossas buscas amorosas. No campo do amor, por mais que se apregoe o amor livre – o reino encantado de viver sozinho sem ter que dar satisfação a ninguém – o ser humano não consegue esconder o anseio de partilhar com outra pessoa sonhos, desejos, afeto e amor. Basta que toquemos neste assunto de relacionamento amoroso, numa roda de conversa, para surgirem as mais variadas opiniões e escolhas, além das reclamações surradas de sempre, de que está cada vez mais difícil encontrar um par em que valha a pena apostar as fichas. Nesse debate de conversas acaloradas, muito instigantes, as pessoas procuram defender sua posição até o fim, embora o tema não seja de fácil consenso, já que vai desde aqueles que preferem só ficar, aos que optam por um relacionamento estável, que não deixe espaço para aventuras fora da relação e também aos que navegam sozinhos, aproveitando cada instante de liberdade para fazer o que bem entendem, sem o palpite de ninguém. Então, quem tem razão nessa arena movediça dos relacionamentos amorosos? Cada um que assume uma maneira de encarar um relacionamento amoroso, vai dizer que sua opção é a mais satisfatória. Mas o que observamos nesses bate-papos frequentes? É que mesmo os mais durões deixam escapar que sentem necessidade de um relacionamento amoroso que possibilite dividir seus sentimentos, angústias e planos. À parte a escolha de cada um ou de rótulos para classificar A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

53


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

54

os relacionamentos amorosos, o desafio reside em colocar de corpo e alma, um ao lado do outro, para dividir o que der e vier; ou construir uma relação sem formalismo vazio, de falsas aparências, desprovida de verdade e sinceridade, que culmina na vala comum dos caprichos pessoais; ou ainda se enveredar pela rota do individualismo, que ignora o outro, dá de ombros para as diferenças, impedindo a criação de uma convivência fértil e autêntica. Mas, se o relacionamento não passar de simples projeto de um sobre o outro, é provável que o amor saia pela janela e a tão almejada felicidade nem se aproxime para dar o ar de sua graça. É sempre oportuno fazermos uma avaliação de como encaramos a relação amorosa, numa ótica que ultrapasse os discursos ideais, sem nexo com a realidade e que impedem a construção de um relacionamento coroado de felicidade. Um relacionamento com base na sinceridade, não na pretensão de ser infalível; na autenticidade, não no fingimento; na consciência da própria fragilidade e na abertura ao aprendizado com o outro, possui grande chance de dar certo, apesar dos problemas que possam surgir no meio do caminho. Aliás, nesse sentido, Edgar Morin postula: “O amor pode transitar da fulminação à deriva. Contém em si um sentimento de verdade, que é também fonte de nossos erros mais graves”. Portanto, o desafio é: apostar na própria escolha, nos “deixar contaminar pela verdade do outro” e o outro pela nossa verdade, ou continuar sozinho, disfarçando a vontade de encontrar sua cara metade.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

Caminhos do amor “Amo, não sei o quê. Tenho medo de voltar a amar, de voltar a sofrer, de voltar a sonhar”. (Isabel Rosete, filósofa portuguesa. Escritos Filosóficos, Poéticos e Literários)

Quando não estamos amando ninguém, vivemos em busca de nossa cara metade que nos complete e nos faça feliz. Mas, nessa procura, vamos experimentando também outras dimensões do amor: no seio da família, entre os amigos e com aquelas pessoas que repartem conosco nossa vida na esfera do trabalho. Se olharmos para o cenário das relações amorosas no bonde do século XXI, notamos que as mudanças são muitas e em uma velocidade muito alta, que atordoam homens e mulheres, porque colocam de cabeça para baixo modelos tradicionais de relacionamentos e abrem uma gama de questionamentos que precisam ser encarados para que se cavem novos caminhos e novos horizontes sejam apontados. Se há muitas relações infestadas pelo desgaste que corrói, jogando a relação numa rotina entediante, há outras que são adornadas pela aparência, mas a durabilidade da convivência se desmancha no ar igual fumaça na ventania; há também aquelas relações que admiramos, como por exemplo, de casais de velhinhos esbanjando um relacionamento que dura décadas. Ao lado de tudo isso, as novas gerações estão se batendo para consolidar suas relações amorosas, mas não escapam do tiroteio dessa instabilidade que marca os modelos de relações que vagueiam entre os modelos tradicionais, ao ficar, ao viver juntos para experimentar no que vai dar, ao drama cruel que apavora as pessoas quando elas se veem diante de uma relação amorosa e precisam decidir entre sim e não. Nesse mar de ansiedade, buscas e tentativas, navega uma multidão daqueles que preferem viver sozinhos, porque dizem que, acima de tudo, prezam a liberdade de ir e vir, sem ter que dar A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

55


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

56

satisfação a ninguém. E como ficam os apaixonados, que o amor torna cegos, surdos e os transporta do possível para o impossível, enfrentando o céu, às vezes, visitando o inferno e tocando o inimaginável para o sonho do “insonhável”, para as ondas furiosas de um oceano sem fim? Nesse turbilhão vulcânico, o estado do apaixonado não quer nem saber se os padrões de convivência amorosa estão em crise, se vai dar certo ou não, mas ver sua paixão ser correspondida, e aí “tudo vale a pena se o amor da outra pessoa não for pequeno”. A condição de embriaguez que a paixão cria não permite fazer conjeturas sobre essa situação de grandes transformações nos relacionamentos amorosos. Só uma lei dá o tom: demonstrar a paixão que sente e ver no que vai resultar. É o preço de um sentimento e, por ele, vale a pena arriscar com ousadia. E, para finalizar, deixo um pensamento para os que buscam sua cara-metade, para os que já estão felizes ao lado da pessoa amada e para aqueles que vivem entre a apreensão de sua paixão ser tiro na água ou ver seu sentimento ser correspondido: “O amor é um não sei o quê, que surge não sei de onde e acaba não sei como”. (Madeleine de Scudéry, escritora francesa, 16071701)

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


A r azão faz o homem e o s entimento o c onduz

Angústia e ação “A angústia só é constante no sentido em que minha escolha original é uma escolha constante”. (Jean-Paul Sartre, filósofo francês, 1905-1980, O Existencialismo é Humanismo, p. 22)

Sartre parte do princípio de que o “homem é condenado a decidir”, pois não se criou a si mesmo, mas é livre, lançado no mundo e é responsável por tudo o que faz. A angústia consiste, justamente, no fato de o homem ter que decidir constantemente, situado no tempo e no espaço determinados, onde tem que agir no aqui e agora. Por isso, “o homem nada mais é do que o seu projeto; só existe na medida em que se realiza”. Diante das circunstâncias da existência, o homem tem que fazer suas escolhas, realizar o seu papel no seio da sociedade, dar sentido à vida e contribuir para a construção de um mundo melhor para todos. Na medida em que o homem escolhe, não está sozinho, uma vez que suas opções também incidem sobre outros homens. Sendo assim, sua responsabilidade é muito maior do que ele supõe, pois, em sua escolha, engaja a humanidade inteira. Então, é nos embates cotidianos que o homem se vê, identifica a si mesmo, compartilha os desafios do seu tempo, toma decisões, dá sentido à sua existência como homem de projeto, que busca a liberdade e uma vida feliz. Portanto, toda vez que o homem foge às suas responsabilidades, procurando jogar para os outros, aquilo que compete a ele fazer, deixa de ser um agente transformador, que, ao lado de outros homens, precisa superar os obstáculos e cavar novas oportunidades, estabelecer uma prática a partir da reflexão/ ação e buscar novos horizontes através da transformação da realidade que o cerca. Dito de outra maneira: “O sentimento constrói através dos atos praticados”. Daí a concepção do existencialismo sartreano, de que a A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

57


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

58

esperança está precisamente na ação e isso permite ao homem dar um sentido à sua vida. É abraçando seus projetos, identificando o essencial, perseguindo objetivos que a relação com o outro ganha novos contornos e sua ação transforma a realidade em benefício da coletividade. Nesse sentido, o filósofo afirma: “... nós apreendemos a nós mesmos perante o outro, e o outro é tão verdadeiro para nós quanto nós mesmos”. Ainda nessa linha de pensamento, não dá para não escolher, uma vez que não escolher já é escolher. Ninguém, a não ser nós mesmos, é responsável por nossas escolhas ou por nossa omissão, uma vez que o homem se faz na ação. Podemos, então, concluir, que o chamamento da realidade é que deve impulsionar a ação humana, criar vínculos pelo engajamento, apontar para novas perspectivas e tornar o projeto de vida de cada um pleno de significado e razão para existir. Citando: “Antes de alguém viver, a vida em si mesma não é nada; é quem a vive que deve dar-lhe um sentido; e o valor nada mais é do que esse sentido escolhido”. As dificuldades, os erros, os descaminhos não devem desviar da escolha fundamental, que é o resgate de tudo aquilo que é necessário para que o ser humano construa um mundo solidário, pautado nos pilares da ética, de valores democráticos, cujos resultados sejam palpáveis para a vida dos cidadãos, especialmente para aqueles que sempre são colocados à margem da sociedade, que os exclui sem pena e sem dó. Os acontecimentos que presenciamos em nossa sociedade nos convocam a falar, refletir, e, principalmente, agir, para que a corrupção, os subornos, a falta de zelo pela coisa pública, não prevaleçam à custa do sofrimento de milhões de brasileiros, já tão penalizados no que diz respeito à educação, saúde, moradia, trabalho, enfim, a melhores oportunidades, que garantam uma vida digna e feliz. Podemos afirmar que, a partir dos princípios do existencialismo desse pensador francês, aqueles que usam seu mandato para enriquecer ilicitamente, através do desvio de verbas públicas, suas ações, infelizmente, caem como uma bomba sobre A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

a sociedade, causando um prejuízo incalculável; afinal, esse dinheiro é arrecadado dos impostos exorbitantes, cobrados neste país, que viram folhas ao vento e entram fulminantes no funil dos corruptos de plantão. Até quando esses políticos de péssima categoria vão permanecer ocupando postos elevados de governo? É a pergunta que não quer calar na boca da opinião pública, por isso, eles devem receber um ultimato fatal, dos cidadãos conscientes, quando tentarem se reeleger nos próximos pleitos. Por fim, Sartre nos recomenda: “O importante não é aquilo que fizeram de nós, mas aquilo que fazemos com aquilo que fizeram de nós”.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

59


Capítulo III Pense como homem de ação e aja como homem pensador


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Elevar-nos ao máximo “Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar”. (Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, 1844-1900, Aurora, p. 270)

Por que será que “quanto mais nos elevamos”, menores parecemos aos olhos alheios, que nos fitam com um ar de desconfiança, movidos pelo desejo de zombar de nosso crescimento nos processos da vida, ao invés de reconhecer a nossa evolução e nos aplaudir? Para entendermos esse paradoxo nas relações humanas, em primeiro lugar, tentemos compreender o que significa “nos elevar”. A elevação, aqui, evocada pelo pensador alemão, referese ao rompimento com os padrões postos como definitivos, com regras a serem cumpridas ordeiramente, tornando o ser humano cumpridor de normas, o que o impede de atentar para romper as barreiras que não o deixam realizar seus desejos de potência, ou seja, colocar a seu favor a capacidade que tem para superar aquilo que o torna escravo e seguidor do rebanho, mesmo sem saber para onde ruma a boiada. Muitas vezes, quando conseguimos ultrapassar limites, galgar novos patamares e obter melhores resultados com nossos esforços, despertamos o sentimento de inveja, “dor de cotovelo” e colecionamos inimigos numa seara até onde menos esperamos. Por que isso acontece tanto? Será por que “nos elevar” exige um esforço sobre-humano, possível apenas para uns poucos, e não algo que qualquer mortal seja capaz de conseguir, desde que se disponha à aventura de quebrar velhos padrões, trilhar novos caminhos e sair da mesmice em busca da própria realização? E aí só resta invejar esses poucos heróis que realizam feitos que mais parecem coisas dos deuses. O que acontece, na verdade, é o que diz o velho ditado popular, que estamos acostumados a ouvir repetidas vezes: “A inveja é a arma

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

61


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

62

preferida dos incompetentes”. Quantas vezes ouvimos comentários do tipo: “Fulano conseguiu subir na vida não sei como; ele não tem capacidade para tanto e nem merece o que conseguiu”. Será que, realmente, muitas pessoas que conquistaram coisas importantes, em suas vidas, não possuem gabarito para tanto e nem são merecedoras de uma vida feliz? O que leva o ser humano a não admitir que o seu semelhante se eleve na vida é justamente cultivar o sentimento de pequenez, mediocridade e inveja, acima de tudo, já que pessoas com essa postura diante do crescimento dos outros não aprenderam a voar e, por isso mesmo, não acreditam que outros alcem voos panorâmicos sobre a colina de uma vida repleta de feitos e realizações. É mais cômodo duvidar dos outros do que se colocar na linha de frente do desafio, ter que sair do casulo e criar o próprio caminho que conduza a novos horizontes, onde a rotina, o marasmo, o comodismo, a falta de iniciativa, de ousadia, deem lugar à busca constante de melhores resultados; apostar em uma existência que não teme o enfrentamento dos problemas, muito menos ficar se ocupando da vida alheia só para diminuir aqueles que não medem esforços para superar seus medos, romper as peias dos traumas, rasgar o véu dos dramas que carregam, em vista de uma vida que valha a pena ser vivida intensamente. Pelo fato de alguém não aprender a voar na imensidão da existência, por escolher a omissão, não significa que os outros não possam “elevar-se ao máximo”, chegar ao cume da montanha e contemplar a planície naquilo que ela tem de mais belo e encantador. Entre lutar para “elevar-se” e tornar-se um novo ser, ou apenas se contentar, contemplar e duvidar do progresso dos outros, qual é a melhor opção? Qual caminho vai nos levar à felicidade? Cada um responda para si mesmo, e, ao fazer sua opção, estará escolhendo as asas para sobrevoar sua própria existência: seja num voo rasteiro a vida inteira ou num sobrevoo nas campinas da vida, participando e desfrutando daquilo que ela tem de melhor para todos nós. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Saber calar “Suponho aqui que, para bem calar não basta fechar a boca e não falar; mas é preciso saber governar a língua, considerar os momentos convenientes para retê-la ou dar-lhe uma liberdade moderada”. (Abade Dinouart – A arte de calar)

Vivemos em um mundo adornado por discursos falaciosos, onde quem detém o poder da fala grita mais alto, usa argumentos sofisticados e ardilosos para atingir os ouvintes e convencê-los, custe o que custar. É nessa dinâmica de falas jogadas aos quatro ventos que muita gente dispara seus discursos afinados, mas de conteúdo oco, porque são desprovidos de verdade e repletos de ingredientes que geram desavenças. Diante dos apelos constantes para que falemos o tempo todo, mesmo que seja para importunar os ouvidos alheios com é importante que coloquemos freio em nossa língua pilhérias, afiada, para evitar estragos em nossas relações. É nessa hora que devemos resistir bravamente à tentação de falar a esmo, feito papagaio tagarela, que não faz outra coisa a não ser repetir as palavras decoradas que aprendeu, quando não, para disparar jatos venenosos sobre os semelhantes. Mas calar por quê? Para quê? A todo momento, em nossas vidas, temos a oportunidade de falar até pelos cotovelos, e calar pouco, sem muitas vezes nos preocuparmos com o teor de nossa fala, e aí, haja ouvido para suportar tantas conversas sem conteúdo. Portanto, para calar, primeiro precisamos aprender a dominar nossa língua, porque, se descuidarmos, ela despeja palavras malignas que cortam feito navalha. Mas, diante das circunstâncias, saber falar ou calar na hora certa não é algo tão simples que aprendemos num estalar de dedos. É um desafio que requer um exercício permanente, porque exige conhecimento da realidade em que estamos inseridos; é A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

63


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

64

necessário agir com sensibilidade, bom senso, preocupação, por causa das consequências que uma fala malproferida pode acarretar para nós e para os outros. Então, a partir do exercício, é que vamos aprendendo a nos calar. Em contrapartida, passamos a falar menos e com melhor qualidade, o que significa dizer aquilo que realmente interessa. Dessa forma, gastamos menos saliva com falas vazias e entediantes, que, às vezes, podem semear aborrecimentos e intrigas entre as pessoas. Falar o que é proveitoso nos resguarda de cair nas armadilhas das conversas indevidas, que em nada contribuem e ainda causam problemas; assim, se houver uma vigilância em nossos pronunciamentos, evitaremos muitos fatos desagradáveis. Se nos preocuparmos em falar o que realmente interessa a nós, e que vai ser bom para o outro, agiremos com sensatez, tornando-nos pessoas mais interessantes e, consequentemente, mais felizes. Oxalá nossas falas sejam proveitosas: uma fonte que jorre a verdade, a justiça e o bem para nós e para os outros. Se estamos dispostos a apostar nessa empreitada, só o tempo irá dizer, porque “o silêncio é necessário em muitas ocasiões, mas é preciso sempre ser sincero; podem-se reter alguns pensamentos, mas não se deve camuflar nenhum. Há maneiras de calar sem fechar o coração; de ser discreto sem ser sombrio e taciturno; de ocultar algumas verdades sem as cobrir de mentiras”, recomenda o Abade Dinouart.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

A culpa é sempre do outro “O essencial é não mentir, e antes de mais nada não se mentir. Não se mentir sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre a felicidade”. (André Comte-Sponville, filósofo francês, A felicidade desesperadamente)

A vida não é nada fácil, mas torna-se mais complicada para quem faz corpo mole e procura sentar-se confortavelmente no banco da mera contemplação. Na praia da vida, as marés nem sempre surgem brandas, pelo contrário, muitas vezes aparecem formando altas ondas que, com uma violência impressionante, sacolejam as coisas e as pessoas que estão em seu caminho. Mesmo enfrentando as dificuldades que a vida impõe, viver é descortinar, a cada dia, novas pegadas, aprender a lidar com o inesperado e encontrar coragem necessária para colocar o pé na estrada em busca de objetivos. Mas encontramos pessoas que o tempo todo jogam para os outros a responsabilidade daquilo que dá errado em suas vidas. Preferem ancorar seus barcos sem propósitos em águas rasas, cantando a melodia do fracasso e se achando vítimas do destino que só dá chibatadas e causa sofrimento aparentemente sem fim. E, nesse caminhar de lamentos, acusam seus semelhantes por seus insucessos, mas não assumem que precisam, urgentemente, rever seus conceitos, mudar sua prática e responder por seus atos. É muito mais fácil atribuir a terceiros aquilo que não dá certo em nossas vidas. É preciso admitir que temos uma grande parcela de culpa em muitas coisas que dão errado; mas, por causa do orgulho, da teimosia, não damos o braço a torcer perante os erros que cometemos e, por isso, não ultrapassamos os obstáculos para crescermos. E, nesse jogo de empurra-empurra, vamos nos escorando, todas as vezes que isso é possível, usando as mais descabidas desculpas, já que é mais fácil nos eximir dos embates que estão à nossa frente. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

65


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

66

Não se trata, logicamente, de defender a tese de que só nós somos os culpados por tudo o que acontece de errado ao nosso redor, mas adotar uma postura realista diante dos fatos e saber identificar os reais motivos que estão relacionados à nossa prática, assumindo o comando de nossas ações e de suas consequências, sem atribuir aos outros aquilo que nos compete. Só assim agiremos com consciência, não usando argumentos inadequados, que só induzem a culpar quem não merece pela nossa infelicidade. Ninguém é perfeito e nunca será, mas ser honesto consigo mesmo, e com os semelhantes, ajuda a lidar melhor com as dificuldades, porque o que interessa mesmo é passar pela vida construindo pontes que nos permitam atravessar o rio de nossa existência e conquistar tudo o que for possível para sermos felizes. A realização pessoal, profissional, não cai do céu para nós, mas é resultado de uma busca permanente, a partir de objetivos claros sobre aquilo que realmente desejamos obter. Como toda busca é passível de erros, que saibamos identificá-los, corrigi-los e, sobretudo, assumi-los.. O que, aliás, não é vergonha para ninguém.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Rastejando pela vida “Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti”. (Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, 1844 - 1900)

Um dia desses, fiquei observando a revoada de pássaros, acima de minha residência, que iam em alta velocidade, rumo a um destino desconhecido. Tudo indica que estavam em busca de novas paragens, já que, quando menos esperam, também precisam sair às pressas para não serem massacrados pelas tormentas que vêm acontecendo na natureza, deixando todos desnorteados. É claro que o mesmo está ocorrendo com o bicho homem, que se arroga superior aos outros animais, por possuir a capacidade de pensar e modificar uma situação, principalmente quando se encontra em perigo. Mas, não. Cada dia que passa, o que vemos é a ignorância do ser humano, cuja ganância passeia por toda parte; seu espírito depredador contribui para piorar ainda mais a situação, sobretudo quando se trata do meio ambiente. Apegado à lógica de uma sociedade consumista, na qual o superficial fala mais alto e a vida é banalizada, o que vale é pousar de aparência para exibir aquilo que possui, e o cuidado com a construção do “ser” é descartado com a maior facilidade. Numa sociedade cujo lema é “quem pode mais chora menos”, é aplaudido de pé o picareta, o oportunista, o corrupto, mesmo às barras da lei. O que fazer para que o país tenha uma educação melhor, com professores sendo tratados à altura que seu trabalho merece, a começar por um salário decente e ainda a possibilidade de serem atendidos de forma digna quando ficam doentes, e não essa vergonha histórica a que assistimos todos os dias nos noticiários? Como resolver a questão da violência, que parece uma maldição para a vida dos cidadãos, sobretudo os de bem? Para darmos um passo em outra direção, em vista justamente de trabalharmos por uma sociedade melhor, devemos A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

67


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

68

mudar de atitude em relação ao meio ambiente, para além do lamento de sempre. Nesse sentido, que tal o tema “Natureza e meio ambiente” ser tratado nas escolas como um componente obrigatório, mas de maneira específica, e o país, além de educar, aperfeiçoar as leis e também multar os infratores que insistirem em fazer o que bem entendem em relação ao meio ambiente? Um exemplo rotineiro: toma-se uma cerveja e atira-se a latinha no meio da rua. Parece que muitas pessoas só aprendem, de fato, quando sentem o efeito no seu bolso, tamanha é a falta de zelo pelo meio ambiente. Não seriam oportunas, também, aulas sobre “Política”, é claro, tomada no seu sentido mais amplo, que é a busca do bom governo, de um país justo, belo e feliz? Aqui, é preciso não confundir politização com manipulação, para defender interesses corporativos, que, em vez de ajudar a criar cidadãos conscientes, atuantes e comprometidos com as transformações necessárias, gera repulsa e reforça o ´slogan` que estamos cansados de ouvir dos estudantes: “Política é coisa suja, antro de corruptos; e é por isso que eu não gosto dela e tenho raiva de quem gosta”. Que tal inserir, ainda, na grade curricular, “Educação para o trânsito”, como uma discussão permanente, muito séria, num país como o nosso que dá um espetáculo à parte sobre as tragédias cometidas diariamente, frutos da imprudência, da bebida, do despreparo de condutores, pela falta de uma legislação de trânsito mais rígida para com os infratores? E não se furtar de discutir a lógica que rege a sociedade capitalista de produção, seus efeitos perversos e a busca de novos caminhos? Alguém pode dizer: “Tudo isso nós já fazemos. Discutimos nas escolas e seria uma redundância colocar estas questões”. Eu, como educador que sou, há dezessete anos em sala de aula, não acho que isso seja verdade. O que acompanho, participo e procuro contribuir está muito longe daquilo que realmente necessitamos realizar para uma boa educação ambiental, política e de trânsito. O que fazemos tem sua importância, sim, mas falta muito para produzir uma formação consistente dos estudantes nesse sentido. O fato concreto é que A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

se fala muito esparsamente, sem uma preocupação mais ampla, rigorosa, no tocante a projetos de educação, e, aí, os efeitos dessa educação falha, nem precisamos ressaltar: os fatos falam por si. Aliás, de paliativos, belas promessas, discursos inflamados no palanque e justificativas emocionadas depois das tragédias, a sociedade está farta. Como educador, convoco todos para um compromisso social mais amplo. Não seria mais prudente as autoridades constituídas, e cada um de nós, mudarmos as estratégias, os projetos, agirmos e não continuarmos a tapar o sol com a peneira, repetindo um discurso que os fatos contestam e riem de nossa cara?

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

69


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Dinheiro: inversão da individualidade “O dinheiro transforma a fidelidade em infidelidade, o amor em ódio, ódio em amor, a virtude em vício, o vício em virtude, o servo em senhor, o senhor em servo, a estupidez em entendimento, o entendimento em estupidez”. (Karl Marx – 1818-1883, Manuscritos econômicos-filosóficos, Editora Biotempo)

70

Vivemos num mundo em que as transações comerciais são realizadas, tendo, como ponto de referência, o dinheiro. Com o dinheiro, compramos, vendemos e adquirimos os bens necessários à nossa sobrevivência, além de investi-lo em algo que julgamos adequado para nós e para as pessoas que dependem da boa administração que fazemos dele. Tem um ditado popular que diz: “O dinheiro é o diabo, mas fique sem ele que você verá o diabo”. Quando trabalhamos e ganhamos um salário que mal dá para sobreviver, sentimos na pele a falta que ele faz, num mundo em que precisamos dispor dele para realizar nossos compromissos básicos, como: gastos com moradia, alimentação, roupa, calçado, água, luz, telefone, despesas com educação, saúde, transporte, lazer etc. Quando o cidadão não está integrado ao mercado de trabalho, vivendo às margens da sociedade, e não tem acesso ao dinheiro, cai nas malhas do desespero, porque não consegue fazer nada sem ele. E essa realidade é frequente, principalmente numa sociedade com tantas desigualdades sociais, que valoriza muito o ter e não o ser. Se o cidadão tem alguma coisa, muito bem, mas se ele não dispõe de dinheiro, é excluído e sente-se um peixe sem rio. Sendo assim, podemos apontar outra sensação que o dinheiro provoca na vida das pessoas: a questão da felicidade. Ele é um meio ou um fim, tendo em vista uma vida confortável? O que constatamos no cotidiano de nossa sociedade é que, para muitas pessoas, o dinheiro é apropriado como se fosse A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

um deus, que tudo compra, tudo realiza, é fonte das manobras, das trapaças e tem a pretensão de buscar a felicidade onde quer que ela esteja e quando bem quiser. Tanto isso é verdade que, por causa dessa visão no trato com o dinheiro, atrás da ganância, vem o desejo de enriquecimento ilícito. Veja o mar de corrupção que sufoca nosso país. Algumas pessoas quando agem errado ou, muitas vezes, encontram-se em apuros, como por exemplo, em excesso de velocidade no trânsito, já sacam de uma quantia em dinheiro para subornar o guarda, por meio do jeitinho que tenta solucionar tudo e da pior maneira; outras, se surpreendidas cometendo uma infração e sendo cobradas por isso, é muito comum usarem, além do dinheiro, este argumento: “Você sabe com quem está falando?” e apelam para sua condição social, de gente importante na sociedade. Mesmo que elas não falem em dinheiro, escoramse em uma situação de prestígio, lugar de destaque que ocupam, ou mesmo, na condição abastada da família, daí a prepotência em se colocarem dessa forma. Nesses casos, o que não se faz é reconhecer o erro praticado; sem contar que, em nome do dinheiro, às vezes, vemos pessoas humilharem aqueles menos favorecidos economicamente. Portanto, vivemos num mundo em que o dinheiro é um valor de troca fundamental, cujo maior desafio para os poderes constituídos, bem como para toda a sociedade, é quanto ao direito de oportunidade para que todos possam obtê-lo para ter uma vida digna; é fazer do dinheiro não uma fonte de acumulação de bens materiais, que produza cada vez mais a desigualdade entre as classes sociais, mas uma fonte geradora de riquezas, distribuídas com justiça para todos e não para enriquecer ainda mais os que já são ricos, acentuando o empobrecimento ainda maior dos menos favorecidos pela sociedade. Sabemos que o dinheiro é necessário, mas, dependendo da maneira como lidamos com ele, também pode ser uma fonte geradora de infelicidade e desigualdade. Nesse sentido, é oportuno citar este depoimento: “A pessoa que tem dinheiro como objetivo na vida não é feliz. Ela fica presa a isso, fica sendo A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

71


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

escrava do dinheiro. O dinheiro é um instrumento inegavelmente útil, facilita a vida, mas há um limite do que precisa de dinheiro para viver confortavelmente e não precisa ter mais”. (empresário José Mindlin, depoimento ao Globo Repórter). Mas quanto dinheiro é preciso para ser feliz? A faxineira Delma Felipe, dona de uma casinha em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, dá sua resposta: “Acho que se espanta a tristeza dando umas boas gargalhadas”. Concluímos, deixando a pergunta: como você lida com o dinheiro e qual a posição que ele ocupa em sua vida?

72

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Fofoca, uma erva daninha “Não receio as vozes alheias das gentes dissimuladas, que lançam indignos rumores. (...) Não me intimido com os pensamentos perversos, das mentes desocupadas...” (Isabel Rosete, filósofa e poeta portuguesa)

Quem já não sofreu na própria pele os efeitos devastadores e, às vezes, quase irreparáveis da fofoca em sua vida? A fofoca é como uma erva daninha, que se espalha rapidamente, percorre um longo espaço, feito um rastro de pólvora, e consegue atingir o seu alvo com precisão de mira dos atiradores de elite. Quando bate na pessoa com toda sua força e capacidade de destruição, costuma espalhar mal-entendidos, causar malquerença e jogar por terra amizade, reputação, confundindo todo mundo, porque visa a criar somente sofrimento, embaraços e infelicidade. Os ambientes das corporações que o digam. Quantos problemas são gerados por causa da fofoca, porque ela percorre a pista da má-fé, foge da sinceridade, como o diabo foge da cruz, vive de braços dados com a maldade, detesta a transparência e a honestidade, porque prefere criticar os semelhantes de forma apenas destrutiva. Ao adotar o diz-que-diz, privilegiar o boato em vez do fato, a fofoca adora fazer intrigas, ver o circo pegar fogo e sua vítima sofrer com a descrença e a desconfiança. Ela pouco liga se o seu veneno aleija, mata ou causa outro dano, uma vez que não tem nenhum compromisso com a felicidade de ninguém. O que ela mais gosta é de se regozijar com a desgraça alheia, soltando gargalhadas com cinismo e dando uma de desentendida quando é procurada para dar explicações de suas ações malignas. Muitas vezes, no seio da própria família, a fofoca consegue proezas, colocando o esposo contra a esposa, gerando desconfiança; os pais contra os filhos; os filhos contra os pais e parentes se transformam em inimigos ferozes. Até se conseguir reparar o mal com gosto de fel, reconstruir os fatos, encontrar o fio da meada para esclarecer o que realmente se passou, ter a posse A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

73


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

74

da verdade, a fofoca já saboreou o banquete da desavença pela maldade e pela dor que provocou em suas vítimas. Diante desse monstro disfarçado, de sorriso falso, tapas nas costas para esconder as garras felinas, qualquer proteção está sujeita a virar pó de traque e não impedir que os tiros da maldade façam grandes estragos e provoquem muito aborrecimento, quando não causam algo mais grave ainda. Portanto, já que essa erva daninha está solta dentro da própria casa, nos ambientes de trabalho, nos espaços de lazer, nas escolas, nos partidos, nos sindicatos, nas igrejas e até no recôndito do inferno, é preciso redobrar os cuidado com as conversas soltas de qualquer jeito, com atitudes e ações assentadas na ingenuidade e na falsa crença de que todo mundo é bom e quer o nosso bem. Se não devemos alimentar a ideia de que todo mundo é mau, caindo na total descrença sobre o ser humano, também não convém posar de ingênuos perante a realidade e as pessoas. Essas legiões de fofoqueiros formam suas “igrejinhas” em cada esquina, para compartilharem as derrotas que conseguirem impor aos seus semelhantes e, ainda, contam vantagens por embarcarem nessa carruagem dos maldosos, já que lhes falta algo mais interessante a ser feito na vida. Comprazem-se com o descontentamento dos outros, fruto de suas palavras cortantes, insinuações maldosas e ações arquitetadas na calada da noite ou à luz do dia, com requintados disfarces. Por isso, fiquemos muito atentos e de olhos bem abertos diante dessa corja de mexeriqueiros e causadores de discórdia entre as pessoas. Mas é necessário, também, termos a capacidade de fazer a própria autocrítica todas as vezes que cairmos na ciranda dos fofoqueiros e provocarmos estragos na vida alheia, porque, só assim, aprenderemos a agir com sinceridade, honestidade com nós mesmos e com aquelas pessoas que tomam parte de nossa vida na esfera privada e pública. Ninguém está livre de ser arrastado por esse dragão que ronda a todo instante nossas vidas, com a intenção de aumentar o clube dos fofoqueiros em todo tempo e lugar. Vigiemos, sempre!

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Mulheres e homens unidos pelas diferenças “Não tenho tempo de desfraldar outra bandeira que não seja a da compreensão, do encontro e do entendimento entre as pessoas”. (Elis Regina, cantora)

Mulher secretária, decoradora, jornalista, eletricista, bombeira, policial, caminhoneira, aeromoça, modelo, professora, médica, enfermeira, vereadora, prefeita, deputada, senadora, governadora, presidente. Não importa a profissão, a mulher está presente e mostra sua força, sua competência, exercendo qualquer atividade que a vida lhe der oportunidade. Ela sai às ruas, briga, grita e luta por sua liberdade e pelo espaço na sociedade, pois não quer ser apenas um ornamento para ressaltar a decoração masculina. Ela quer ser muito mais: ser sujeito, ao lado do homem, na construção de uma sociedade justa e solidária. Mesmo diante de tantos desafios com os quais se depara, ela não abre mão de seu charme, sua sensualidade, seja de tênis, de salto alto, de vestido ou de calça comprida, ela dá o seu recado e mostra que é capaz de exercer funções antes reservadas exclusivamente aos homens. Mas ela também gosta de receber flores, ser tratada por alguém que demonstre gentileza ao abrir a porta do carro, ou puxar-lhe a cadeira para sentar. Acha essencial a presença de um homem cavalheiro ao seu lado, dividindo as responsabilidades do trabalho, mas também os afazeres do lar, já que ambos participam da esfera profissional. A casa e os filhos devem ser assumidos pelos dois, para que a vida pessoal e profissional seja mais fácil e prazerosa. A mulher é forte, mas não esconde que também tem fragilidade; é guerreira, ativa e, muitas vezes, é vítima da rotina de encargos intermináveis, tendo que dar conta de sua atuação no mercado de trabalho e em suas tarefas domésticas. A mulher é vítima ainda, às vezes, de quem não enxerga

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

75


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

76

que as coisas mudaram, que suas conquistas precisam ser respeitadas, por isso, quando é tratada como inferior – que deveria estar na cozinha, pilotando o fogão – rebate com veemência as atitudes de uma sociedade machista que insiste em alimentar práticas ultrapassadas, fora de tempo e lugar. A mulher é vítima, também, de sua própria submissão, porque se anula para atender as exigências e até os caprichos do parceiro, dos filhos ou de colegas de trabalho, deixando de cuidar mais de si mesma. A cortina do novo milênio está aberta e convida a todos, mulheres e homens, a serem diferentes. Não se trata de mulheres e homens serem adversários ferrenhos no caminho das transformações almejadas, mas parceiros na busca de melhores dias para todos. À medida que mulheres e homens levantarem, juntos, bandeiras desafiadoras que causam sofrimento à humanidade, como as desigualdades sociais; a busca da cura da AIDS; o combate à fome que ceifa milhões de vidas; o fim da violência, no campo e na cidade – que nivela todos, independentemente de classe social, cor e credo –, o mundo será melhor e o respeito às diferenças será uma arma para lutar pelo bem comum e não apenas artifício da mera boa intenção. Oxalá a generosidade das mulheres que realizam feitos fantásticos, todos os dias, no lar, no trabalho e no amor seja uma motivação para que haja cooperação entre mulheres e homens, porque o mundo já amarga muitas guerras e o que precisamos é de paz duradoura num mundo de conflitos e desigualdades sociais. Salve a mulher, suas lutas e conquistas!

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Violência contra a mulher “A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduzem à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o pleno avanço das mulheres...” (Declaração sobre a Eliminação da violência contra as mulheres, Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas, dezembro de 1993)

Na definição da Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher), adotada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1994, a violência contra a mulher é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. Estou sempre me perguntando: qual a razão de tanta violência contra a mulher? De onde vêm tantos motivos para tamanhas crueldades, que não respeitam fronteiras entre classes sociais, grau de escolaridade ou profissões? Embora, muitas vezes, o álcool, as drogas ilegais, o ciúme e as separações sejam apontados como fatores que desencadeiam a violência contra a mulher, na raiz de tudo está a maneira como a sociedade dá mais valor ao papel masculino, o que acaba refletindo na educação de meninos e meninas. A eles, incentivam a valorizar a agressividade, a força física, a ação, a dominação e a satisfação dos desejos, inclusive os sexuais; a elas, a valorizar a beleza, a delicadeza, a sedução, a submissão, a dependência, o sentimentalismo, a passividade e o cuidado com os outros. Na escalada da violência contra a mulher, apesar de leis que, teoricamente, visam coibir os abusos e punir com rigor os agressores – como a Lei Maria da Penha N° 11.340, de 7 de agosto de 2006, por exemplo, e as Delegacias da Mulher –, a violência contra ela é uma constante em nossa sociedade e ganha destaque nas páginas policiais dos veículos de comunicação de A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

77


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

78

alcance nacional. O que está faltando para que as leis existentes sejam aplicadas e surtam um efeito maior nesse trágico cenário da violência contra a mulher? A mulher agredida ter coragem para denunciar, receber a proteção devida por parte do Estado, as providências serem menos morosas, menos burocráticas, as punições severas, que não deixem espaço para a impunidade, instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a violência contra a mulher? O que mais está faltando? Além disso, em que medida também temos que combater a cultura da violência contra a mulher no seio do próprio lar onde os agressores são o pai, o padrasto, o irmão, o namorado ou parentes; discuti-la frequentemente no espaço da educação, da mídia, das igrejas, no mundo do trabalho, do parlamento, uma vez que essa violência perpassa a nossa sociedade ao longo de sua história, para além das leis, das penas, desafiando a todos? Por isso, insisto em perguntar: por que a violência contra a mulher é algo tão forte e constante em nossa sociedade, sem falar de outras sociedades, em que também a situação é muito grave nesse sentido? Essa violência aterroriza, ganha as ruas, afronta as leis, as autoridades constituídas, porque são praticadas na calada da noite, covardemente, ou à luz do dia, com disfarces sofisticados, para fugir das punições? Esta análise que faço aqui é para que todos nós, de alguma maneira, reflitamos, nos mobilizemos no combate a esse monstro que apavora as mulheres, atenta contra os Direitos Humanos, ceifa vidas em todo o território nacional e parece nunca ter fim; pelo contrário, está mais vivo do que nunca. Será possível que essa situação vá continuar do jeito que está? Não indignar a sociedade de tal forma que ela crie novos mecanismos eficazes de combate e punição aos agressores? Infelizmente o que a sociedade está fazendo ainda é insuficiente para reverter esse quadro da violência contra a mulher. Mas, quando essa realidade irá se modificar para valer?

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Perigosa travessia “O homem é corda estendida entre o animal e o super-homem: uma corda sobre um abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar; perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar. O que é de grande valor no homem é ele ser uma ponte e não um fim...”. (Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, 1844-1900, Assim falou Zaratustra)

No trajeto da vida, somos tomados por assaltos, porque, todos os dias, precisamos alçar novos voos, arregaçar as mangas e seguir nas trilhas do vento, no encalço de novas pegadas. Cada etapa que vencemos é sempre motivo para comemorar, mas nem bem saboreamos uma vitória, somos impelidos novamente a dar passos em busca de outros objetivos, e assim sucessivamente O grande valor da vida é não perdermos a razão para continuarmos sonhando com novas conquistas, mas, para que isso aconteça, “é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante”. (Nietzsche). Ou seja, dançar propicia um espírito leve diante das mudanças que precisamos operar, numa constante destruição e criação de tudo o que existe. É navegar no devir das coisas, porque a vida é dinâmica mesmo e “não se banha duas vezes no mesmo rio” (Heráclito de Éfeso, filósofo grego, c. 567-c. 450). Sendo assim, a beleza da vida consiste justamente no enfrentamento ousado dos desafios que estão no nosso caminho, porque, se a monotonia falar mais alto e der as cartas no jogo de nossa existência, com certeza vamos amargar um marasmo cruel, que atravessará nosso agir e passaremos a nos debater igual a uma mosca que esbarra no vidro e não encontra saída para a enrascada em que se meteu. Mas é necessário que “o caos dentro de nós” sirva de impulso para nos arrancar do conformismo, da rotina entediante, que nos faz prisioneiros da própria omissão.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

79


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

80

Se prestarmos bem atenção às demandas da sociedade, que brada por novas bases para a construção de uma vida bela, justa e feliz, devemos sair do caos e assumirmos as tarefas que estão ao nosso alcance, porque estamos sem desculpas diante do papel que nos compete para a construção de uma vida autêntica no aqui e agora. Se do caos passamos para a resolução dos problemas, fugimos de um comportamento sem graça, em que não passamos de um peso morto na face da terra ou nos colocamos como salvadores da pátria, mágicos de quinta categoria, que dizem trazer na cartola a solução para todos os problemas, ou ainda os adivinhos que leem a sorte e o futuro nas esquinas da mentira. Sem nos furtar à nossa responsabilidade, devemos nos tornar uma ponte na difícil travessia entre o nada e o ser alguma coisa, para nós e perante os outros. Portanto, sair de si e acreditar no parto de novas ideias, para que mudanças fundamentais aconteçam, é não encarar o caos como um fim, mas como uma mediação para um salto de qualidade, numa busca determinada para criar as condições essenciais para se ter uma vida digna e feliz. Afinal, uma vez de posse da água cristalina, saibamos repartir com os outros, porque ninguém deve ficar com sede ao lado de uma fonte que jorra abundantemente e à qual nós já tivemos acesso.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Na roda viva do trabalho “É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta”. (Simone de Beauvoir, escritora, filósofa existencialista e feminista francesa, 1908 - 1986)

No passado, a mulher vivia entre os cuidados com o esposo, com os filhos e os afazeres do lar. Passava seus dias entre quatro paredes, cozinhando, lavando, passando, amamentando... Mulher dedicada cuidava de tudo e esperava o seu homem chegar. Com o olhar do cuidado, via seus filhos crescerem como uma planta. Não se preocupava com a realidade dura do mundo no trabalho que teria que enfrentar para conquistar seu espaço, buscar novos horizontes e sobreviver. Novos sonhos, projetos tomaram conta de sua vida na dinâmica da sociedade. Aos poucos, trocou seu lar, a vida pacata pelo escritório, pela fábrica, comércio, banco etc. Fez de suas buscas a razão para lutar por sua verdade. Cavou fundo novas pegadas como mulher, profissional na dianteira do eito. Mostrou que ser mulher não é impedimento para realizar seus objetivos, porque cumpre com bravura seus deveres, mas não hesita em cobrar o que lhe é de direito. Mulher na linha de montagem da vida moderna, às vezes, sente-se numa encruzilhada. Sabe que vale a pena lutar pelas próprias conquistas, mas precisa avançar muito ainda. Ter trabalho, salário digno, felicidade é o grande desafio de sua intensa e extensa jornada. Tem que dar muito lucro na engrenagem da ambição, e isso sufoca seu coração. Ela faz tudo que pode e ainda tem A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

81


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

que provar, a todo instante, seu valor e capacidade. Mas sente que seus anseios nem sempre são preenchidos devido à lógica da exploração. É nessa dura realidade, da roleta russa do trabalho, que saúdo as mulheres com gratidão. Estendo um tapete vermelho para elas, neste país continente de riquezas e contrastes. O reconhecimento de sua luta deve se tornar realidade e sair do reino da boa intenção. Mulher, receba um forte abraço e uma flor por sua luta em prol de um mundo melhor. Tudo o que o seu companheiro, os filhos e a sociedade fizerem por você, ainda é muito pouco para retribuir sua dedicação incansável na alegria, na dor, nas horas fáceis e nos momentos difíceis da vida. Salve a mulher! Que uma vida abundante, trabalho e salário digno sejam realidade em seu cotidiano. 82

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Nas filas da vida “Da roça eu vim só com vinte janeiros. Fazia de tudo e tinha trabalho. Diziam que eu era um pedra noventa, mas nunca pensei que ao passar dos quarenta seria uma carta fora do baralho”. (Música: Nas filas da vida – Pinhalão / João Miranda)

Ao andar pelas ruas deste país de dimensão continental, deparamo-nos com muitos “pedras noventa” que passaram sua vida dedicando-se ao trabalho e a cuidar de sua família, realizando seus sonhos com honradez, a partir do compromisso com causas nobres, e contribuindo muito para o nosso desenvolvimento. No entanto, com o passar dos anos, esses trabalhadores de fibra viram o ponteiro do tempo cruzar os quarenta janeiros e, aí, o peso da idade virou um martírio: são tratados com descaso e como objeto descartável que virou parte do lixo. De repente, ao chegar à casa dos quarenta, o ser humano é ignorado nas “filas da vida” e, na busca de uma vaga para sustentar sua família, em vez de receber atenção pela bagagem que traz, viram-lhe o rosto, com preconceito, desprezo, tudo por conta de exibir documentos que confirmam a idade que tem. Muitos desses homens e mulheres, que batem de porta em porta, com as solas dos sapatos gastas e as canelas mais finas, às vezes, caem num drama cruel, e só lhes resta lamentar na hora em que se debruçam em seu leito, à noite, com um cansaço que os leva ao desmaio. Essa discriminação marca a lógica da sociedade do espetáculo, em que a idade e a boa aparência viram certificados de qualidade e de competência, engrossando a mão de obra abundante, que comanda a máquina e gera muito lucro à custa de salários miseráveis. Se, por um lado, exige-se um trabalhador polivalente, “pau para toda obra”, capaz de se virar do avesso, feito pipoca na panela quente do mercado globalizado, por outro lado, sua remuneração é cada vez menor. E, nessa engrenagem que roda a todo vapor, com o peso A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

83


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

84

da idade vem a humilhação, a falta de oportunidade, um olhar de indiferença, mesmo que, às vezes, disfarçado de gentileza, e a promessa de uma resposta para depois de amanhã, dia que nunca chega. Porém, é preciso atentar para outros fatores que estão ocorrendo na sociedade do conhecimento, da informação, da comunicação e da aprendizagem, que exige uma mão de obra qualificada, capaz de não só operar máquinas, mas apta a pensar bem e resolver problemas com competência. As pesquisas apontam que as pessoas estão tendo uma expectativa de vida bem mais longa se comparada há alguns anos. Sendo assim, quando uma pessoa chega aos quarenta anos de idade, no mercado de trabalho, e perde o emprego, é fundamental saber enfrentar essa situação com um novo olhar, garra e determinação. Isso significa que o cidadão também precisa se dar conta de que os tempos mudaram. Às vezes, é preciso dar um tempo, repensar a nova etapa da vida, investir em novos cursos, ser flexível, manter-se atualizado e não ter medo de encarar novos desafios. Por isso, é muito importante para a pessoa, quando está empregada, conservar e ampliar os contatos, porque, na hora em que perder o emprego, esses contatos e a participação em eventos sociais poderão abrir portas para novas atividades. Felizmente, acompanhamos uma tendência no mercado de trabalho, embora ainda não suficiente para reverter essa situação: a idade não pode ser vista como um castigo para os cidadãos, mas como a conquista e o reconhecimento de etapas que foram vencidas com luta, sacrifício, mesmo que, muitas vezes, careçam ser redirecionadas para alcançar novos objetivos. Não se pode jogar pelo ralo a batalha e as experiências acumuladas após quarenta anos. Afinal de contas, um país que teima em abandonar as crianças, tratar tão mal a educação, abandonar a saúde ao descaso total, sem contar a indiferença para com os idosos, merece pena, porque vai amargar cada vez mais nas valas da injustiça, da violência, do preconceito, apesar de ter terra fértil para uma vida A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

digna. Será um reino de abundância para poucos e uma seara de desventuras para a grande maioria, que não enxerga um reflexo de luz no fim do túnel. Se o progresso tiver que ser feito em nome da discriminação, ou em benefício de uma minoria privilegiada, nossa resposta deve ser sempre radical, a fim de que as “filas da vida” deem lugar à equidade, levando-se em conta o ser humano como portador de direitos e deveres, exercidos na malha da cidadania, para uma vida justa, solidária e feliz.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

85


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Na travessia do ano “Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida – ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o!” (Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, 1844 - 1900)

86

Durante o ano, trabalhamos com afinco em torno de nossos projetos, mas, quando menos esperamos, o Natal e o Ano Novo batem à nossa porta e entramos no ritmo das festividades, afinal, após um ano de luta, temos o direito de comemorar. Nessas datas aguardamos a visita de parentes e amigos, que raramente encontramos, devido os compromissos da vida de cada um; participamos das festividades com colegas de trabalho, onde acontece o tradicional amigo secreto, entre outras comemorações. São dias corridos, intensos, normalmente. Temos que dar conta de várias coisas: enfrentar a correria para comprar presentes; cuidar dos preparativos para a ceia de Natal, passagem de ano; aqueles que vão viajar sabem a importância de realizar uma boa revisão no carro, para sua segurança e da família, e a escolha da melhor hora para colocar o veículo na estrada. O corre-corre, o espírito de festa, os momentos vibrantes com familiares e amigos não deixam espaço para observar a velocidade do tempo. Tudo se passa muito rápido e, quando nos damos conta, já estamos frente ao calendário do Ano Novo e, aí, recomeçar é preciso, sempre com a expectativa de que as coisas sejam melhores. Diante de novo ano, é recomendável projetar algumas coisas, mas sem se deixar levar pela obsessão, que só atrapalha realizá-las; mas, por outro lado, não devemos meter a cara no escuro, embalados pelo vento do espontaneísmo e apostando só

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

na sorte. Minha experiência pessoal mostra que é importante programar nossos projetos de vida com realismo, estabelecendo metas e sendo determinados, para que aquilo que almejamos se torne realidade. Aqui é fundamental que cada um faça o que lhe compete, porque nada adianta traçar muitos planos, alardear que vai fazer um monte de coisas e, no fim das contas, jogar para terceiros as responsabilidades que são da pessoa. Nesse sentido, Nietzsche nos fala claramente que “Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar...” e o êxito depende muito do próprio empenho para a concretização dos planos elaborados para o decorrer do ano novo. O filósofo alemão ressalta, também, que “cada um, no fundo, é gênio, na medida em que existe e lança um olhar inteiramente novo sobre as coisas...”. Sendo assim, estamos diante de nova etapa em nossas vidas, mas não devemos alimentar a falsa crença de que tudo acontecerá só porque “querer é poder”. A experiência dá provas de que as coisas não acontecem somente por causa da nossa boa vontade, nem por nos deixar guiar por frases de efeito do tipo “tudo é possível para quem sabe o que quer”. Mas se ficarmos só no “basta saber o que se quer”, desprovido de ações concretas, abrir mão do enfrentamento das condições conjunturais que, muitas vezes, não são favoráveis aos nossos projetos, já sabemos o resultado qual é: fracasso e frustração. Porém, não deixemos de sonhar, mas não vivamos apenas de sonhos; não fiquemos de braços cruzados à espera da sorte; ou apoiados em muletas que denunciem a nossa incapacidade de enfrentar a vida sem disfarces e artificialismos. O novo ano está aí e as condições precisam ser criadas, para que, nas buscas que fizermos, nossos esforços não sejam em vão.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

87


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Tecnologia e trabalho “Lutemos agora para libertar o mundo, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo em que a razão, a ciência e o progresso conduzam a ventura de todos nós. Unamo-nos!”. (Charles Chaplin, ator e diretor inglês, 1889 - 1977)

88

Quando analisamos o trabalho no mundo globalizado, competitivo, sob a égide do mercado, é necessário abordar várias questões, mas vou centrar minha atenção no trabalho alienado e nas consequências das novas tecnologias implantadas pelas empresas para o aumento da produtividade, redução da mão de obra e maior lucratividade. Em primeiro lugar, parto da definição do conceito de trabalho. Trabalho: atividade cujo fim é utilizar as coisas naturais ou modificar o ambiente e satisfazer as necessidades humanas. Por isso, o conceito de trabalho implica: 1°. Dependência do homem em relação à natureza, no que se refere a sua vida e aos seus interesses; 2°. Reação ativa a essa dependência para a elaboração ou à utilização dos elementos naturais; 3°. Um grau de esforço, sofrimento ou fadiga, que constitui o custo humano do trabalho. Segundo Karl Marx (1818-1883), os homens começaram a distinguir-se dos animais quando passaram a produzir seus próprios meios de subsistência – progresso condicionado pela organização física humana – iniciando indiretamente sua vida material. Portanto, o trabalho não é apenas o meio com que os homens asseguram sua subsistência, é algo intrínseco à produção de sua própria vida. A produção e o trabalho constituem o próprio homem, seu modo específico de ser e fazer-se homem. O trabalho também o transforma num ente social, pois o coloca em contato com os outros indivíduos e com a natureza: desse modo, as relações de trabalho e de produção constituem a trama ou a estrutura autêntica da história, cujos reflexos são as A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

várias formas de consciência. Porém, isso acontece no trabalho não alienado, que não se tornou mercadoria. No trabalho alienado, manifesta-se o contraste entre a personalidade individual do proletário e o trabalho como condição de vida que lhe é imposta pelas relações das quais faz parte como objeto, e não como sujeito. Tomando agora alguns aspectos do texto “Prolongamento da jornada de trabalho”, traduzido por Reginaldo Sant´Anna, percebemos que a maquinaria é implementada para dar um novo ritmo à produção, causando, de um lado, a modernização da fábrica e, de outro, a exploração da mão de obra, por meio do prolongamento da jornada de trabalho “além dos limites estabelecidos pela natureza humana”. A implementação da maquinaria possibilita ao capitalista sempre investir em sua modernização, adequando a mão de obra em vista do aumento da produtividade, e, consequentemente, a obtenção crescente da mais-valia. Para tanto, prolonga-se também a duração diária do trabalho, por meio da exploração dos trabalhadores. É nessa engrenagem do capitalismo que a modernização se torna um fator fundamental para a obtenção de uma maior lucratividade, mesmo que isso custe o sacrifício do trabalhador, que quanto mais produz, menos se reconhece naquilo que faz e cai nas malhas da alienação. Nesse sentido, Karl Marx postula que o trabalho alienado causa cansaço, fadiga, sofrimento, e o trabalhador nega-se a si mesmo, sendo feliz apenas nos dias de folga. É um trabalho que não pertence ao trabalhador, mas sim à outra pessoa que dirige a produção. Dessa forma, a lógica da exploração deixa os trabalhadores com as migalhas de salários injustos diante daquilo que seus esforços ajudam a produzir. Para concluir: “como o homem moderno se sente, ao mesmo tempo, como vendedor e mercadoria a ser vendida no mercado, sua autoestima depende de condições que escapam ao seu controle. Se ele tiver sucesso, será ‘valioso’; se não, ‘imprestável’. O grau de insegurança daí resultante dificilmente poderá ser exagerado”. (Fromm, Erich. Análise do Homem, p. 73.) A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

89


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

Os horrores da guerra “Somente aqueles que nunca deram um tiro, nem ouviram os gritos e os gemidos dos feridos, é que clamam por sangue, vingança e mais desolação. A guerra é um inferno”. (William T. Sherman, general americano, 1820 - 1891)

90

Quando falamos em guerra perto de alguém, muitas vezes ouvimos essa afirmação: “Guerra sempre houve e continuará havendo, enquanto a humanidade existir”. Frente a essa colocação que sai da boca de muitas pessoas com facilidade, precisamos adotar uma postura crítica diante da guerra. De fato, a história da humanidade é repleta de exemplos de guerra, tendo como motivação as mais variadas razões: de cunho político, religioso, econômico, cultural, ideológico. Analisando os processos das guerras, percebemos algo em comum entre elas: sempre uma das partes se julga prejudicada em alguma coisa e por isso deve empregar o uso da força, se for necessário, lançando mão das armas simples às mais sofisticadas possíveis para obter a vitória em um confronto. Acontece que o outro lado também diz ter suas razões para não abrir mão de seus interesses. Portanto, quando o diálogo esgota, os esforços diplomáticos fracassam, resta o uso da força como argumento. A guerra é declarada e vencerá quem dispuser de maior poder de fogo no conflito. Todo processo de guerra não está livre de exibir cenas cruéis, pois, normalmente, cometem-se atrocidades contra a população civil, matando inocentes. Adulteram-se informações e assassinam a verdade dos fatos. Os mais atingidos, injustamente, já sabemos: são as crianças, as mulheres, as pessoas mais pobres da sociedade, que não têm como e nem para onde correr num processo de guerra. Mas cabe perguntar: afinal, quem mais ganha com a guerra? Em primeiro lugar, ganha quem manobra a indústria A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Pens e c omo homem de aç ão e aja c omo homem pens ador

bélica; ganham setores poderosos que, de alguma maneira, tiram proveito da desgraça alheia numa guerra, às vezes especulando, por exemplo; ganha quem detém o poder e permanece sob o comando da sociedade que sai vitoriosa no conflito, pois continuará advogando em causa própria com mais privilégio ainda. Em compensação, a grande maioria só perde, com a guerra. Ao lembrarmos de guerras passadas, ou mesmo de conflitos atuais, o que fica em nossa mente são imagens chocantes dos horrores que uma guerra causa: crianças nos leitos dos hospitais padecendo dia e noite, outras, mutiladas; o desespero de mães que tentam se reerguer, cuidar de suas famílias no meio dos escombros do conflito, onde a escassez de tudo passeia livre; pessoas idosas que perderam o pouco que tinham, ficando confinadas num campo de refugiados, onde os direitos fundamentais da pessoa humana, inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, são pisoteados. Os horrores da guerra são a maior demonstração da dos homens que, para defenderem suas ambições, a estupidez sede de poder para dominar, não poupam ninguém. A obsessão de vencer uma guerra por parte de homens sem escrúpulos é muito maior do que qualquer sentimento humanitário. Essa ambição humana pelo desejo de dominar nos faz recordar a máxima do filósofo inglês Thomas Hobbes (15881679), “O homem é o lobo do homem”, numa alusão ao cidadão, seguida de outras também muito importantes em sua obra “guerra de todos contra todos”, fundamentais para caracterizar seu pensamento a respeito do estado natural em que vivem os homens. Mas adverte o filósofo: no âmbito das relações morais, é preciso que cada um “não faça aos outros, o que não gostaria que fizessem a si”. Portanto, em tempos de guerra, cada um em seu posto de atuação e, através de manifestações organizadas, deve fazer ecoar o grito pela paz, porque a guerra só traz sofrimento, penalizando ainda mais aqueles que já são vítimas das desigualdades sociais.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

91


Capítulo IV O pior analfabeto é o analfabeto político


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

Analfabeto político “O pior analfabeto é o analfabeto político. Não lê, não ouve, nem participa dos acontecimentos políticos. Não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem de decisões políticas”. (Bertolt Brecht, poeta e dramaturgo alemão, 1898 - 1956)

Toda campanha eleitoral que se inicia, coloca-nos na expectativa de assistir a mais uma disputa acirrada entre os principais candidatos a diversos cargos públicos. Sempre levantamos a pergunta: e nós, de que lado estaremos? Como vamos participar de mais um pleito eleitoral? Por onde andamos, deparamo-nos com cartazes, faixas e santinhos dos candidatos, jogados ao vento, e o que mais ouvimos são frases como: “política e coisa suja formam um par perfeito”, “a política é um antro de corrupção”, “este país não tem mais jeito, vou anular o meu voto” e por aí vai. O difícil nesse cenário de ceticismo e absenteísmo é convencer alguém de que política é uma coisa importante e que o desencanto não pode justificar tudo. É preciso gastar muita saliva para convencer as pessoas de que é necessário ter consciência crítica, participar dos processos políticos e ajudar a alterar as decisões que direcionam a vida do país e interferem no cotidiano dos cidadãos. Ninguém nega, por outro lado, que muitas vezes nos sentimos desolados, indefesos, incapazes de mudar alguma coisa, mas que é através da participação dos cidadãos que poderá se dar um novo rumo à política no país e afastar a leva dos maus políticos que advogam em causa própria. Aqui é oportuno evocar a frase “caminhante, não há caminho; faz-se caminho ao caminhar”. A todos digo: não há outro caminho para que as mudanças aconteçam, a não ser através da participação organizada no processo político. Caso contrário, é se deixar levar pelo desânimo, pela descrença e ser engolido pelo dragão da omissão, e ainda querer colher bons frutos, sem A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

93


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

ao menos lançar a semente. A hora é agora, porque “da ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado e, o pior de todos, os bandidos, que são o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”, conclui Bertolt Brecht. Então, não faça de sua omissão a justificativa para dizer que as coisas estão como estão e continuarão tais quais. Se você assumir essa atitude, não adianta reclamar do país que tem. O compromisso também é seu, para alterar o quadro político que temos e de que não gostamos nem um pouco.

94

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

A paz está perdendo e a violência ganhando “A guerra fita o pleito de a paz ser implantada, não realizam nada, deixaram do mesmo jeito. Tudo que ficou ser feito, vai continuar faltando, por quem de que forma e quando, veremos alguém fazendo?” (Geraldo Amâncio / Ismael Pereira – Repentistas nordestinos)

A onda de violência é tão alta que está causando um pânico coletivo e, por mais que as autoridades e entidades da sociedade civil se esforcem, essa guerra no campo, na cidade, de norte a sul, leste a oeste, está aumentando “e a paz vem perdendo e a violência ganhando”, mas até quando isso vai continuar? Ter que admitir essa triste realidade não é nada confortável, e não se trata de cair num pessimismo que não vê o caminho de volta, mas não dá para tapar o sol com a peneira e achar que a violência está de brincadeira. Não, ela não está respeitando as leis do país, a vida dos cidadãos de bem e nem dando a mínima para as punições previstas no Código Penal Brasileiro que, diga-se de passagem, deixa muitas brechas e acaba favorecendo a impunidade. Nessa situação, a sociedade fica indignada e sedenta de leis mais severas na aplicação das penas cabíveis de acordo com cada caso. Resta-nos a impressão de que ser decente, ter respeito à vida, trabalhar honestamente para conquistar o que almejamos está fora de moda e “mandem às favas” quem quer agir com o mínimo de decência no país das falcatruas, da corrupção descarada, que todos os dias roubam as cenas nas páginas dos noticiários nacionais. Se olharmos para a educação pelo país afora, o que veremos são cenas de violência que atemorizam alunos, pais, professores e gestores das instituições educacionais. Muitas escolas se transformaram em um espaço de medo, insegurança e incerteza de dias melhores, em vez de serem um ambiente de aprendizado, solidariedade e preparação para um futuro promissor dos estudantes, rumo à construção de um país melhor A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

95


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

96

para se viver, trabalhar e ser feliz. E essa violência escolar é expressa na indisciplina, desrespeito e falta de interesse de muitos alunos, que fazem da escola apenas um ponto de encontro, onde, muitas vezes, as más companhias e o que é ilícito contam com sua preferência, deixando de lado os objetivos que cada um deveria ter em relação aos seus estudos. É inegável que os pais estão trabalhando, feito loucos, para ganhar o pão de cada dia, mas isso não justifica o fato de que muitas famílias estão cada vez mais distantes da escola, sem acompanhar os estudos de seus filhos. Sobram para a escola tarefas que os pais também deveriam assumir assiduamente: verificar frequentemente o rendimento escolar, ajudar os filhos a superarem os próprios conflitos, as transformações que enfrentam em sua idade, as dificuldades no lar e na sociedade, além disso, saber com quem os filhos estão andando, o que estão fazendo e com quem? Se os pais não cuidam, a rua acolhe, as más companhias agradecem, tomam conta e conduzem ao mau caminho. E é claro que, nessa luta por uma educação melhor, há outros fatores que devem ser considerados: o reconhecimento e a remuneração digna dos profissionais da educação, melhoria na estrutura de trabalho das escolas, uma reflexão profunda sobre a aplicação da progressão continuada etc. No entanto, o que vemos, na prática, são discursos bem alinhavados dos governantes, de um lado, e escolas caindo aos pedaços, de outro. Surge em nossa mente a imagem de um cavalo com perna de pau querendo chegar em primeiro lugar na corrida por uma educação de qualidade. Se a violência aumentou nas escolas, é porque, primeiro, ganhou corpo e mecanismos cada vez mais sofisticados na sociedade. É resultado de vários fatores e não diz respeito somente à desigualdade social, embora seja um fator muito importante que deve ser levado em consideração. Combater a violência significa contar com leis bem elaboradas para coibir a impunidade que, infelizmente, dá espetáculo todos os dias; um efetivo combate à corrupção, ao A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

tráfico de drogas, ao contrabando de armas e munições; criar oportunidade de trabalho e melhores salários aos cidadãos; fazer uma melhor distribuição de renda; investir realmente em um ensino público de qualidade e valorizar com bons salários, novas tecnologias e aumento do efetivo das polícias nessa dura batalha. É preciso reconhecer que não é somente para alguns essa responsabilidade, mas ela envolve toda a sociedade e cada um deve participar concretamente para mudar esse cenário, pintado com as cores da dor, do sofrimento e da morte de muitas pessoas, todos os dias, neste país. Eu, você, todos nós, estamos conscientes e dispostos a entrar nessa cruzada pela paz?

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

97


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

Espelho, espelho meu “Se, porém, os mendigos e os esfomeados de bens pessoais entrarem nos negócios públicos, pensando que é daí que devem arrebatar o seu benefício, não é possível que a cidade seja bem administrada. Efetivamente, gera-se disputa pelo poder, e uma guerra dessas, domésticas e interna, deita-os a perder, a eles e ao resto da cidade”. (Platão, filósofo grego, 427-347 a.C. A República, Livro VII, p. 216)

Diante da montanha de denúncias, do mar de corrupção que jorra feito um lamaçal, das consequências que isso acarreta para o crescimento do país, desviando verbas que deveriam ser empregadas no setor da saúde que está agonizando; dinheiro para os projetos educacionais, que bradam pelos quatro cantos do país por maiores investimentos; atendimento para os diversos programas sociais, que amargam verbas minguadas, causanos indignação, impele-nos a denunciar e, sobretudo, agir na trincheira do combate. Ao retratar esse quadro lamentável da política brasileira, não pude me conter em discorrer sobre a lógica que permeia o agir de muitos cidadãos, que fazem da política um trampolim para tirar proveito, à revelia da ética, no exercício de um cargo público. Vejamos. Um dia desses, conversando com uma aluna em sala de aula, perguntei: O que acha de aproveitar um posto na política para advogar em causa própria, tal como Platão denuncia? Ao que ela respondeu: “Todo mundo faz isso, e se eu estivesse na política, faria a mesma coisa, afinal de contas, é preciso aproveitar uma oportunidade dessas para a gente se dar bem na vida”. Mas ao lhe perguntar: E quanto à corrupção no Brasil, qual é a sua atitude? “Tudo o que está ocorrendo é uma vergonha, um desrespeito à sociedade que deve ser denunciado e os responsáveis punidos severamente”. Engraçado, num primeiro momento, a jovem estudante

98

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

diz que faria o que todo mundo faz na política, ou seja, usurpar o dinheiro público para benefício próprio, porque esta oportunidade pode não surgir de novo. Num segundo momento, acha um desrespeito a corrupção que rola no país e pede punição. O que isso sugere? Em primeiro lugar, a aluna concorda que, embora esse mar de denúncias, desvios de dinheiro público, apurações etc. sejam desafiados por uma pilha infindável de papéis, os cidadãos devem denunciar sim, mas, por outro lado, ela cai em contradição quando defende a esperteza como arma para se dar bem na vida. O mais curioso é que quando questionei sua contradição, ela sorriu e afirmou: “Temos que nos dar bem nesta vida, só que com a gente é diferente”. Indaguei: qual é a diferença entre sua lógica e o procedimento das pessoas que ocupam cargos na política e que você critica? É claro que ela teve de admitir que estava usando um peso e duas medidas. Ou seja, para os outros vale a crítica dura, implacável às falcatruas e punição rigorosa, mas,se a situação é com ela, a incapacidade de uma autocrítica ante a possibilidade de “se dar bem na vida” não a deixa reconhecer que sua lógica a conduz às mesmas práticas que ela denuncia. Com isso, não quero dizer que não devamos bater duro em tudo o que está acontecendo no cenário político nacional, mas, por outro lado, quero chamar a atenção para que olhemos no espelho e identifiquemos a lógica que empreendemos às nossas ações; que prestemos mais atenção às coisas que falamos, atentando para as incoerências de nosso discurso, das nossas ações em sociedade e as consequências que elas trazem. É por isso que muitas pessoas preferem seguir a “Lei de Gerson”: levar vantagem em tudo, em detrimento dos outros, a qualquer preço. Sem contar com o velho “jeitinho brasileiro”, que arruma sempre uma saída, principalmente em função dos interesses pessoais, e que se danem a honestidade, o espírito republicano, o senso de justiça e a ética na política. O filósofo Platão nos lembrou sobre “os mendigos e os esfomeados de bens pessoais” e apontou as consequências da utilização dos negócios públicos para encher os próprios bolsos. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

99


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

Há um imperativo para contrapor às investidas da ambição sobre os bens alheios: fazer a crítica radical aos gananciosos que rapinam o dinheiro público, mas sermos capazes de nos olhar no espelho, para não cairmos em contradição; é cômodo atirar pedras em vidraças alheias e não percebermos o timbre de nossa fala, nossos atos e suas consequências para a sociedade como um todo.

100

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

Ética e política “Uma das espécies de justiça em sentido estrito e do que é justo na acepção que lhe corresponde, é a que se manifesta na distribuição de funções elevadas de governo, ou dinheiro, ou das outras coisas que devem ser divididas entre os cidadãos que compartilham dos benefícios outorgados pela constituição da cidade”. (Aristóteles, filósofo grego, 385-322 a. C. , Ética a Nicômaco, Livro 5.)

Quando falamos em Ética, uma pergunta que logo se coloca é a seguinte: o que é ética e para que serve? Segundo definição do Dicionário Aurélio, “ética é o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto”. Daí o significado desse vocábulo, como reflexão crítica sobre os valores morais presentes na prática dos indivíduos nas diversas sociedades. Quanto ao papel da Ética, são colocadas várias questões que estão postas para a humanidade, hoje, que justificam a importância da reflexão, a saber: a miséria que penaliza muitas sociedades, resultado de injustiças sociais; atualmente, as nações do mundo gastam uma montanha de dólares em armas, munições, logística, em vez de combaterem a fome que solapa muitas regiões do planeta, atingindo principalmente países periféricos; questões relacionadas com o desenvolvimento da ciência e sua utilização; o desenvolvimento industrial que destrói o meio ambiente, em busca de lucros, custe o que custar para a natureza; a lógica da economia de mercado, que não leva em conta o bemestar da maioria e a solidariedade entre os povos; problemas que envolvem a bioética, por exemplo, a eutanásia, a busca de cura para doenças como câncer, diabetes, aids, entre outras, por meio de pesquisas científicas; e, no campo da política, a falta de ética no exercício do poder, em que vemos muitos políticos advogarem em causa própria, em detrimento do bem comum.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

101


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

102

Aliás, o momento por que passa nosso país, permeado por denúncias que surgem de todos os lados, que vão desde a trama que foi batizada por mensalão, reais e verdinhas que criaram asas e se deslocaram para o interior de uma maleta, ou nas dobras de um baú chamado cueca, de uma enxurrada de denúncias que tomam conta do Senado Federal, falar de ética soa como um insulto, conversa para uma leva de políticos dormir e não dar sequer a mínima. Ao enfocar a ética, neste momento lamentável da sociedade brasileira, faz-nos voltar à Grécia Antiga, onde a política significava o exercício do governo para o bem comum da pólis (cidade), pelo combate de práticas injustas que também se faziam presentes naquela sociedade. Aqui, o que testemunhamos é a pirotecnia da roubalheira: muitos políticos encarregam-se de fazer politicagem, politiquice, com práticas escusas, que só envergonham a classe, salvo algumas exceções. É neste momento de indignação que a sociedade precisa se organizar, marchar firme contra os maus políticos, cobrar apurações rigorosas das falcatruas e exigir punição exemplar dos culpados, doa a quem doer. É preciso combater com rigor os surrupiadores dos cofres públicos, pois só assim construiremos um país melhor para todos, em que políticos e cidadãos se pautarão por uma conduta ética. Por isso, ninguém pode assistir a esse triste espetáculo apenas no camarote da omissão, contemplando, à distância, o mar de corrupção que teima em espraiar pelos rincões do Brasil, contaminando as instituições e prejudicando os cidadãos de bem, que pagam os impostos em dia e, como sempre, são os que mais sofrem as consequências nefastas que os abusos com a coisa pública provocam. Por fim, ressalto, não se trata de ficar só na crítica pela crítica, porque ela deve ser acompanhada de ações concretas pelos diversos setores organizados da sociedade civil. Sabemos que o poder é efêmero, e os homens que ocupam cargos públicos não ocuparão para sempre seus postos, mas a A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

sociedade permanece e os interesses da coletividade devem ser preservados para que a ética prevaleça. Lutemos todos por um Brasil justo, fraterno e solidário. Basta de desmando, corrupção e impunidade!

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

103


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

O outro como outro “Se não vemos o outro como um outro legítimo, não nos importamos, esse é o nosso problema. Não vemos, não expandimos nossa visão, agimos colocando fronteiras”. (Humberto Maturana, biólogo chileno)

104

Vivemos num país varado, de ponta a ponta, pela corrupção “a dar com pau” e postos de comando que servem para que muitos políticos advoguem em causa própria, no maior descaramento. Gente que só fala em “dar um jeitinho”, para se safar das encrencas em que se meteu por inconsequência; após infrações cometidas, os prepotentes vêm logo com frase feita na ponta da língua: “você sabe com quem está falando?”, sem contar que, em cada esquina, ouvimos palavrões de toda ordem, pronunciados com a maior naturalidade, e dane-se quem estiver ao lado – palavrões que saem da boca de crianças, adolescentes, jovens e adultos, demonstrando, claramente, que respeito, educação, o mínimo de sensibilidade social, tudo isso parece coisa de pessoas ultrapassadas. Nesse mar de falta de valores, palavrinhas mágicas como “com licença, obrigado, por favor”, são pouco usadas, porque o que se visa é levar vantagem a qualquer preço, nesta sociedade injusta, em que a violência campeia. Desfilam espertalhões, aos bandos, na certeza da impunidade ou de penas brandas, quando dispõem de boas condições financeiras – embora muitas autoridades honradas tenham feito o possível e o impossível para aplicar as leis aos infratores, numa realidade que estampa a urgência de reformas no Código Penal brasileiro. Mas nem tudo está perdido, porque vemos muitas pessoas passarem ao largo dessa maré de picaretas de plantão. Pessoas honestas que se dedicam aos seus afazeres com afinco e amor. Movimentos sociais organizados procuram reivindicar seus direitos, e com razão, dentro das normas que regem o Estado de Direito. Na arena política, apesar de tantas malandragens, ainda há homens e mulheres públicos que procuram fazer o melhor A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

para a sociedade. Mas alguém pode contestar dizendo que, na política, esse cidadão não existe. Realmente, o político ideal só existe na nossa cabeça, mas pessoas que honram o posto que ocupam, temos sim, por esse imenso país. Há também os que preferem dizer que não gostam de política, que podem viver muito bem sem ela. Para esses, cito Mario Sergio Cortella, que diz: “...hoje, o exercício da política nas suas múltiplas dimensões, por qualquer pessoa, é um projeto contra o biocídio. É realmente um projeto contra o biocídio, a favor da vida em mim, no outro – da vida no planeta. Esse antibiótico é um projeto muito mais amplo do que a minha vida exclusivamente individual. É uma recusa à ideia de que há uma banalidade na existência. Desse ponto de vista, para mim, ele é uma energia vital”. (In: Mario Sergio Cortella, Renato Janine Ribeiro, POLITÍCA, para não ser idiota, Papirus 7 Mares, Campinas - SP, 2010, p. 101). Portanto, mesmo nessa correnteza de água suja, que envenena a vida social, precisamos escolher entre assistir de aos males que sufocam a vida dos cidadãos honestos, camarote em nome da neutralidade, do medo e da omissão, ou colocar a mão na massa para ajudar a transformar essa triste realidade em nosso país, a partir de nossa trincheira, utilizando as melhores estratégias e as potencialidades que temos. Por acaso, temos outra saída? Este é o país que deve existir no presente e que legaremos às gerações futuras? É urgente que cada um de nós pense seriamente nisso e, sobretudo, aja, agora!

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

105


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

Violência: o preço do medo “Vamos festejar a inveja, a intolerância e a incompreensão. Vamos festejar a violência e esquecer a nossa gente, que trabalhou honestamente a vida inteira e agora não tem direito a nada. Vamos celebrar a aberração de todo a nossa falta de bom senso. Nosso descaso por educação”. (Renato Russo, saudoso vocalista da banda Legião Urbana)

106

Muito já se falou, escreveu, debateu sobre a violência em nosso país, que perpassa a sociedade de norte a sul, de leste a oeste e não poupa ninguém. O fato é que é necessário colocar a problemática da violência na mesa para alardear cada vez mais alto junto às autoridades constituídas e a sociedade civil, em razão de ela tirar a paz, a tranquilidade e ceifar muitas vidas, atingindo todas as camadas sociais, nos mais variados locais da sociedade. Os pais vivem de cabeça quente e ficam com o coração nas mãos, todas as vezes que seus filhos saem de casa para trabalhar, estudar ou irem a algum local de lazer. Mas, diante desse cenário da violência generalizada, o que espanta e nos chama a atenção é o montante de dinheiro que o país está gastando com a área de segurança. Em 2002, foram exatamente R$ 102 bilhões, sendo distribuídos desta forma: R$ 47 bilhões para os governos federal e estaduais, e os outros R$ 55 bilhões ficaram por conta das empresas e cidadãos comuns. Essa soma corresponde a 10% do Produto Interno Bruto (PIB). O que isso representa, afinal? Trocando em miúdos: 56 vezes o que o governo Lula gastou no Fome Zero; cinco vezes o orçamento do Ministério da Educação; igual ao patrimônio líquido de todos os bancos do país; 46 vezes o que os brasileiros gastam com livros. Acontece que isso não passa de um tiro n´água ou no próprio pé, uma vez que não tem aplacado essa onda de violência que aterroriza toda a sociedade. Na esteira dessa violência, que passeia solta e a céu A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

aberto, a indústria da segurança cresce em sobressaltos. Veja as novidades no mercado: maleta de choque; colete moderno à prova de bala, que suporta tiros de calibre 44. E um dado: as vendas dos coletes à prova de bala cresceram 500% em cinco anos. Carros blindados; circuitos de câmaras eletrônicas; cercas de aço cortante. Daria para desfilar um rosário sobre essa parafernália de produtos lançados no mercado, que visam combater a violência. Mas isso resolve a situação da violência? Claro que não. É querer tapar o sol com a peneira. Por outro lado, sabemos que a violência é resultado de vários fatores, como: desigualdade social; falta de oportunidade de trabalho, de educação, moradia; tráfico de drogas; uso de armas, munições pelos bandidos, via rota do contrabando e pela própria sociedade que se arma para se defender da violência; leis que deixam brecha à impunidade, à corrupção etc. Qual é, então, o caminho a seguir para o combate à violência? Acredito que as autoridades competentes precisam investir muito mais, e melhor, numa educação de qualidade para as presentes e futuras gerações; investir no crescimento econômico, para aumentar a oferta de empregos, propiciando uma vida digna para os cidadãos, através do trabalho e não de migalhas; continuar investindo no trabalho de inteligência das polícias, militar, civil e federal, através de tecnologias cada vez mais modernas e assim ampliar o banco de dados nesse enfrentamento da violência; investir na qualificação e melhoria do salário dos policiais que, em sua maioria, apesar de muitas dificuldades, trabalham com abnegação e procuram honrar o exercício de sua profissão. Mas cabe também à sociedade se organizar, mobilizarse de maneira sistemática e constante, propondo, colaborando para que sejam colocados em prática planos estratégicos que combatam as barbaridades geradas pela violência . Paralelamente a isso, as famílias, as autoridades, os educadores, os profissionais da imprensa, devem prestar muita atenção aos desenhos animados, aos jogos eletrônicos, à internet, aos programas de TV que trazem em seu conteúdo cenas de A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

107


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

108

violência, porque isso também exerce influência nas crianças, adolescentes, jovens e, por que não dizer, até nos adultos. Neste cenário, o que é melhor: levantar a bandeira da censura, ou nos qualificarmos para lidar com essa realidade à altura dos problemas que estão postos? E, como educador, não posso deixar de frisar o papel especial da educação, informando e formando as gerações presentes para agir com ética, responsabilidade social na construção de uma sociedade justa, democrática e solidária. Não adianta investir essa montanha de dinheiro em segurança e não atacar a raiz do problema. Além de ostentar uma falsa segurança, o tiro continuará saindo pela culatra. E a sociedade continuará refém do medo e vítima das atrocidades da violência urbana e rural. Só a responsabilidade de nossas autoridades e o compromisso dos cidadãos com a organização e a mobilização podem contribuir para alterar esse triste quadro de violência no Brasil. Mais do que sentar à beira do caminho, ficar acusando este ou aquele setor de responsável pela violência, maldizendo tudo e todos, é hora de realizar ações concretas, efetivas, para o combate da violência. Que não haja omissão diante desse desafio, porque a construção da paz é um compromisso de todos. Ergamos o cartão vermelho contra a violência.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

O mundo da criança “O estudo, a busca da verdade e da beleza são domínios em que nos é consentido sermos crianças por toda a vida”. (Albert Einstein, cientista alemão, 1879 - 1955)

Quando vemos uma criança, ficamos pensando no que fazer para dar-lhe felicidade e proporcionar-lhe um lar que seja um espaço de aprendizado do que significa respeito, responsabilidade, solidariedade, através de uma educação de qualidade para a construção de um mundo melhor. Não é só quando comemoramos o “Dia da Criança”, em 12 de outubro, que os pais, governantes, entidades que trabalham em prol da formação e bem-estar das crianças, devem pensar na realidade e nos desafios que estão à nossa frente. Embora esse aspecto festivo que sempre comove e mobiliza a sociedade seja importante, o pano de fundo que decora a realidade no mundo das crianças é muito mais desafiador do que os nossos olhos enxergam ou conseguem decifrar. Como existem muitas crianças vivendo em situação de pobreza – que atinge o espaço da família, da escola, da rua, do bairro, da cidade, do estado, do país – não dá para falar da criança sem levar em conta as desigualdades sociais que ainda são grandes em nosso país. Basta olhar ao nosso redor para nos depararmos com crianças vagando pelas ruas, sem rumo certo; crianças que deixaram a escola cedo para ajudar no orçamento da casa e que acabam caindo na malha fina da exploração do trabalho infantil, ganhando uma ninharia e enfrentando condições precaríssimas de trabalho; crianças desnorteadas, por todos os lados, resultado da desestruturação familiar, convivendo lado a lado com o terror que a pedofilia está causando; prostituição infantil; pais que estão no mercado de trabalho para dar conta do sustento da casa e, em muitos lares, infelizmente, as crianças são deixadas, com pouca ou nenhuma assistência. Afinal de contas, é a luta pela sobrevivência que fala mais alto, sacrificando, principalmente, as A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

109


O pior analfabeto é o analfabeto polític o

110

famílias de baixa renda É, nesse cenário dramático, que milhões de crianças estão navegando rumo ao futuro e, garantir esse futuro, é o grande desafio para os pais, autoridades constituídas, educadores, que estão na linha de frente dessa situação. É claro que, diante de tantos problemas, as coisas não são fáceis, mas nem por isso vamos ficar de braços cruzados, dando asas ao comodismo ou na constatação fatalista, usando expressões do tipo: “É, as coisas são assim mesmo”. É, a partir do compromisso de nossos governantes e da participação de toda a sociedade, que os problemas que impedem as crianças de terem uma vida digna devem ser enfrentados e superados. É fundamental que cada um de nós olhe além, mais além, porque nessa batalha “uma andorinha sozinha não fará verão”. É preciso fazer valer o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, em seu artigo terceiro diz: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, (...) assegurando-lhes (...) todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”. E, no artigo quarto, o Estatuto acrescenta: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Mas não basta que a lei esteja no papel, é preciso cobrar constantemente sua execução, para que as políticas públicas realmente coloquem estes preceitos em prática. Para concluir, ressaltamos: um país que olha pouco pelas crianças, oferece poucas oportunidades aos jovens e trata com meias medidas os idosos, está fadado ao fracasso. Da omissão, só poderá colher, ainda, mais desigualdades sociais e injustiças.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


CapĂ­tulo V FamĂ­lia: o alicerce da sociedade


Família: o alic er c e da s oc ie dade

Ser mãe e pai “Desde os primeiros estágios de nosso crescimento, somos dependentes dos cuidados maternos, e é muito importante que as mães demonstrem amor aos seus filhos”. (Dalai Lama, monge budista tibetano)

112

Estamos assistindo a um crescimento cada vez maior de mães que cuidam sozinhas da casa e realizam um duplo papel: ser mãe e pai. Além disso, trabalham fora e retornam somente à noite para os seus lares. Do contrário, quem colocaria o pão de cada dia na mesa dos filhos e arcaria com outros encargos do lar? Mas, antes de irem para o seu trabalho, desdobram-se e preparam tudo o que é necessário para que os seus filhos possam ir à escola. Depois dessa tarefa, que começa muito cedo, seguem para o batente, mas continuam preocupadas com as crianças e, sempre que podem, ligam para elas, a fim de terem a certeza de que está tudo bem com os pequenos. Essas mães cuidam sozinhas do lar, do futuro dos filhos, porque muitos homens colocam os filhos no mundo e depois tomam a estrada e nunca mais dão sinal de vida. Aconteça o que acontecer com sua ex-companheira e com os filhos que ficaram na saudade... Eles estão ausentes e, muitas vezes, não querem nem saber do sofrimento que causaram ao abandonarem os frutos que geraram, com todo o respeito aos pais que não se enquadram nessa lista. Às vezes, também, acompanhamos casos de mães que largam os filhos na rua da amargura e se envolvem em aventuras perigosas, que resultam em dor de cabeça para ela e para as crianças. Mas, felizmente, não é o que acontece com a grande maioria das mães, que sabem honrar seu papel, mesmo enfrentando enormes obstáculos para cuidar dos filhos. Os dramas dessas mães estão estampados por todo lado e, no espaço escolar, os educadores sentem de perto o peso da responsabilidade dessas guerreiras que, sozinhas, também A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Família: o alic er c e da s oc ie dade

acompanham os filhos em seus estudos. Nessa ciranda marcada, muitas vezes, pela dor e dificuldades, na cabeça dessas mães, muitas preocupações ainda tiram seu sono: a violência que não dá trégua; o tormento das drogas, feito erva da morte, que desembestou sociedade afora; as dificuldades que seus filhos encontram pela frente para obter oportunidades no mercado de trabalho que possam lhes proporcionar um futuro feliz. Diante dessa constatação na vida de milhares de mães em nosso país, resta-nos trabalhar, todos, para cobrarmos políticas públicas (saúde, educação, segurança, moradia, cultura, lazer e mais oportunidades) para as crianças, adolescentes e jovens, tornando a vida das famílias mais fácil. Enquanto isso não acontece, continuaremos presenciando a batalha dessas mães, sem nos esquecer das carências que a sociedade sofre como um todo e, principalmente, os menos favorecidos. Por isso, não podemos baixar a guarda, porque cada um é responsável por ajudar a transformar a realidade social em que vivemos, rumo a um país melhor para todos. Afinal de contas, “O mundo que nos espera não está para ser conquistado, mas para ser construído”. (Jean-Claude Guillebaud – A reinvenção do mundo).

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

113


Família: o alic er c e da s oc ie dade

Diário de uma mãe “Em geral, as mães e as donas de casa são os únicos trabalhadores que não têm dias de descanso. As mães são uma classe à parte. Uma classe sem direito a tirar férias.” (Sabedoria Popular)

Mãe, esta homenagem é muito pouco, mas ela nasce de um sentimento profundo do coração de um filho que recebeu seus ensinamentos desde pequeno e os carrega para o resto de sua vida. Além de chefiar seu lar, a mãe se desdobra também para exercer o papel de mulher no mundo do trabalho e, muitas vezes, faz a função de pai. Trabalha fora, leva os filhos para a escola; quando retorna ao lar, encontra muitos afazeres à sua espera e quase sempre realiza tudo sozinha. Enquanto os filhos já estão no seu leito, a mãe está trabalhando, até muito tarde da noite, para deixar a casa em ordem, afinal, no dia seguinte sua rotina se repete. O tormento da violência deixa a mãe com a cabeça quente, porque, todos os dias, vê, nos noticiários, filhos tombarem em tenra idade – vítimas de balas perdidas ou de cenas terríveis do cotidiano, em que crianças, adolescentes e jovens são alvos constantes, sem contar que os adultos também não são poupados. Preocupada com os estudos dos filhos, a mãe, muitas vezes, sente o peso da responsabilidade, principalmente quando vê os filhos serem arrastados para o abismo, pelas más influências, e se desviarem da busca do conhecimento para a construção de um amanhã melhor; e, aí, a escola se transforma num pesadelo, rotina triste, seara de desinteresse e, às vezes, palco dos problemas que surgem por conta da indisciplina. Mas a mãe enfrenta ainda o fantasma das drogas, que ronda todos os ambientes: escola, espaço de lazer e locais onde jamais imaginaríamos que ela fosse invadir e fazer sua farra. E, para manter os filhos longe dessa praga, não adianta

114

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Família: o alic er c e da s oc ie dade

usar de autoritarismo, proibição, mas oferecer uma educação que permita aos filhos uma formação para o exercício da cidadania, a partir do uso da liberdade, do trato com a diversidade; não abrir mão de valores éticos para enfrentar essa sociedade que está no avesso, em que a lei do “quem pode mais chora menos” parece falar mais alto. Preocupações como as citadas acima, entre outras, colocam a mãe de cara com desafios muito difíceis, mas a valentia e o amor de mãe que são algo inexplicável ajudam a enfrentar com bravura as mazelas da sociedade. Porém, se as estruturas injustas mudarem, as coisas ficarão mais fáceis. Nesse sentido, confira o que diz Juçara Dutra Vieira, professora, presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e vice-presidente da Internacional da Educação: “A mulher vem conquistando novos espaços e assumindo novas funções. Está mais presente na vida pública, especialmente no mundo do trabalho. Contudo, permanece como grande referência para a criação e educação dos filhos”. E completa: “O movimento social, o poder público, os governantes têm responsabilidades. Precisamos mudar a expressão ´filho da mãe` pela frase: filho de mãe e pai, com passaporte de cidadania”. Nesse cenário de crise mundial, lamento do Universo que pede socorro, mãe que todos os dias desempenha seu papel, sem abandonar seu lar e filhos, quero dizer com a voz do coração: você é a luz do mundo, certeza de que o amor nunca faltará para a humanidade enquanto uma mãe existir na face da Terra. Que o “Dia das Mães” seja comemorado com flores, abraços, beijos, canções e versos de gratidão. Salve o Dia das Mães!

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

115


Família: o alic er c e da s oc ie dade

Pai no novo milênio “Não é a carne e o sangue e sim o coração que nos faz pais e filhos.” (Max Scheler, filósofo alemão, 1874 - 1928)

116

Quando comemoramos o “Dia dos Pais”, os veículos de comunicação já colocam no mercado as peças publicitárias das empresas que procuram conquistar os consumidores para que comprem seus produtos e façam suas homenagens aos pais. Mas essa data nos chama a atenção também para outras preocupações que nos dias atuais desafiam os pais no seio da família e na sociedade. O novo milênio está apenas começando, mas no que se refere a desafios aos pais, podemos apontar alguns deles, como conduzir a educação dos filhos sem cair na linha dura ou na falta de pulso; como prepará-los para lidar com as diversidades, sejam elas cultural, econômica, política, ideológica, religiosa, orientação sexual; o respeito à mãe natureza, conscientizando-os sobre a importância do desenvolvimento sustentável e o futuro das novas gerações; a transmissão de valores, para contrapor a essa onda de corrupção que assola nossa sociedade; como orientar os filhos para a escolha de uma profissão, levando em consideração as opções de novos trabalhos, a realidade do mercado, a necessidade de estudar constantemente para se enquadrar nesse mundo de grandes e velozes transformações, marcado por contrastes, conflitos; entre outros desafios. Frente a tantas exigências, os pais se sentem no meio de um fogo cruzado, pois, de um lado, precisam trabalhar para garantir o sustento da família e, por outro, se dedicarem à educação dos filhos, desdobrando-se para acompanhá-los em seus desenvolvimentos e em suas tarefas escolares. Além disso, precisam ficar atentos para administrar as influências que eles sofrem dos meios de comunicação, das más companhias, o perigo das drogas, da violência, visando oferecer uma formação que os situe no mundo, para que aprendam a andar com as próprias pernas e obtenham êxito em suas escolhas. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Família: o alic er c e da s oc ie dade

Então, quando chega o “Dia dos pais”, olho no espelho do tempo e percebo que os pais, muitas vezes, sentem-se desprotegidos no seio de nossa sociedade. Basta observar os pais idosos nas filas dos bancos para receberem seu mísero salário de aposentados, após anos de serviços prestados à Nação; para a maioria dos pais que estão na ativa no mercado de trabalho, o dinheiro é curto demais para arcar com seus compromissos, porque têm que pagar muitos encargos, num país de impostos; e uma leva de pais adolescentes, que sem planejamento, condições financeiras, qualificação profissional, sentem o peso nos ombros de suas inconsequências, porque muitos não dão conta de seus deveres básicos de pais e jogam para os seus pais, às vezes para os seus avós e para a sociedade, a parte que lhes cabem. Ou seja, trata-se de crianças, ainda, gerando crianças. É um dia para se comemorar, sim, mas sem esquecer daquilo que é realmente essencial entre pais e filhos: o amor, o cuidado, o respeito e harmonia. E o presente? Cada um ofereça o presente conforme suas posses, mas use a criatividade para dar algo que surpreenda seu pai. Que essa data, portanto, sirva para unir ainda mais pais e filhos no amor, aproximar aqueles que estão distantes; e que o processo da formação do pai de amanhã seja construído pelo pai de hoje, pelo diálogo, sinceridade, troca de experiências, demarcação de limites, pautados em princípios e valores que formem futuros pais responsáveis, comprometidos com as mudanças sociais e a construção de um mundo melhor.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

117


Família: o alic er c e da s oc ie dade

Dramas da separação “Para eliminar um problema, você tem que descer até a raiz dele. Se não fizer isso, o problema brotará novamente e com mais intensidade ainda”. (Autor desconhecido)

118

Duas pessoas se conhecem e logo seus corações palpitam um pelo outro. Após olhares, conversas, um tempo de namoro curto ou longo, se conhecem um pouco melhor e resolvem selar o casamento. Preparam a cerimônia, escolhem os padrinhos, montam a lista dos convidados e tudo é feito com o maior cuidado e carinho. O casamento é um sucesso, coroado de êxito. Passam a enfrentar a vida a dois, vão descobrindo juntos novas experiências, novas conquistas, aprendendo a lidar com o modo de ser do outro, a respeitar sua visão de mundo, suas ideias... Depois de um tempo de casamento, nasce um filho, as coisas estão caminhando muito bem; mas os dias vão passando, começam a aparecer as dificuldades no relacionamento e os desentendimentos aumentam conforme o tempo passa. Os interesses de cada um ganham novo rumo e proporção cada vez maior de individualismo. As ideias, os planos, os projetos, que eram abraçados pelos dois, já não estão voltados para os interesses do casal. O amor que existia entre eles, o clima, o bom humor mudaram completamente; um casamento que parecia feliz para sempre, entra em crise e os sinais de falência já estão à vista no horizonte. Um belo dia, o esposo ou a esposa chega do trabalho e, de forma contundente ou mais cuidadosa, propõe para o outro a separação. A proposta deixa a outra parte atordoada a princípio, mas no pé em que as coisas estão, a separação aponta como a melhor solução para o casal, mas nem sempre é aceita facilmente por alguma das partes. Mas, tomada a decisão, procuram cuidar dos aspectos legais. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Família: o alic er c e da s oc ie dade

Alguém, normalmente, deixa o lar, mas se compromete a pagar a pensão do filho, conforme cada situação, segundo os ditames da lei. Cada um segue seu caminho e, aparentemente, tudo foi resolvido mais facilmente do que se esperava. Mas será mesmo que a separação deixou caminho aberto para uma convivência amigável entre as partes? Afinal, tudo deve ser feito para o bem do filho. Em pouco tempo, as pessoas separadas, muitas vezes, arrumam outra companhia, começam uma vida nova a dois, e o compromisso com o filho parece continuar firme. Mas, com o passar dos dias, embora o acordo entre pai e mãe esteja oficializado, a relação dos dois, de repente, se transforma num pé de guerra. O que está acontecendo entre eles, já que estão separados e tudo foi acertado de comum acordo perante a justiça? Pois é, depois que alguém se casou novamente ou não, ora é ele que a trata com truculência, ora é ela que bate pesado, acirrando os conflitos, mas o argumento de ambos é que estão agindo daquela maneira para proteger o filho amado. E, aí, qualquer motivo gera discussões, ofensas, com direito a um show à parte, e não importa o ambiente em que se encontram. Apesar dos conflitos, ambos têm um compromisso maior, que é dar toda atenção, oferecer o melhor para o filho e viverem em paz em suas novas escolhas amorosas. Então, o que está acontecendo? O que justifica esse comportamento? Em função de que estão acontecendo brigas constantes? Por que acordos são quebrados, ofensas verbais e até agressões físicas são travadas, falta de bom senso, que só prejudicam o filho após a separação? Além de precisarem buscar o entendimento, através do diálogo, para chegarem a bom termo, porque a parte que diz respeito à justiça já está selada, creio que esse casal deva procurar ajuda especializada para superar os obstáculos. Precisam assumir que estão quebrando o acordo feito na separação, pela falta de respeito ao outro, o que é muito ruim A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

119


Família: o alic er c e da s oc ie dade

para eles e para o filho, que sofrerá os reflexos negativos em seu desenvolvimento emocional. Não existe uma receita infalível para a resolução dos problemas, mas uma coisa podemos assegurar: é preciso atacar a raiz dos conflitos, buscar uma convivência civilizada entre o casal, para que possa dar amor, afeto, assistência necessária ao filho, e cada um ser feliz com outra pessoa, a partir das escolhas que eventualmente fizer. O problema não é só a separação, mas a maneira como as pessoas lidam com ela. Se não deu certo o casamento, que procurem outros relacionamentos. O que não vale a pena, definitivamente, é transformar a vida de um casal e do próprio filho num verdadeiro inferno. Todo ser humano merece ser feliz, seja casado ou separado. Só assim a vida faz sentido.

120

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Família: o alic er c e da s oc ie dade

É natal “A melhor atitude na vida é ser capaz de querer renovar, reinventar, recriar e, acima de tudo, elevar-se para longe da acomodação e do risco da conformidade imóvel”. (Mario Sergio Cortella, escritor e professor de filosofia- PUC-SP)

Quando chega esta época do ano, o reflexo das luzes de Natal nos convida a preparar o espírito para as comemorações, mas também nos convoca a refletir sobre muitos fatos importantes que estão ocorrendo em nosso país e ao redor do mundo. Ao ouvir as músicas natalinas ribombarem e ao ver as luzes que dão o ar da graça, pus-me a pensar em algumas situações que estão atordoando a humanidade. A natureza vive momentos que causam apreensão e atemorizam a todos: calotas de gelo dissolvem-se num ritmo que causa medo, fazendo os ursos polares sentirem-se acuados porque, aos poucos, vai derretendo seu habitat natural; chuvas torrenciais arrasam diversas partes do planeta, restando aos comuns mortais computarem os prejuízos materiais e superarem a dor das perdas; a destruição das florestas dá a real dimensão do ponto em que chegou o desenvolvimento não sustentável, por causa da ganância do homem, que faz vista grossa aos lamentos da natureza. O apelo de amor, de paz e de harmonia que o Natal e o Ano Novo trazem, contrasta com os processos de guerra espalhados pelo mundo, e o resultado que temos, entre outros, são: multidões de refugiados batendo em retirada, fugindo da violência cruel que não poupa ninguém; peste e fome destruindo campos e cidades, atingindo, em cheio, sem compaixão, a dignidade humana; para escaparem do fogo cruzado, famílias colocam suas matulas nas costas e partem em busca de paz, pão e dias melhores em outras paragens. Os sentimentos de fraternidade e de solidariedade que esta época do ano provoca em nós, colidem com as desigualdades sociais que teimam em desafiar nossa sociedade; o A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

121


Família: o alic er c e da s oc ie dade

122

apelo do consumismo alucina ricos e pobres; a maré de estresse aparece como mais uma doença de nosso tempo, porque a busca desesperada pela sobrevivência sufoca a maioria das pessoas que enfrentam todos os dias uma verdadeira guerra em suas vidas. Mas esses problemas e desafios não podem nos impedir de sentir, pensar, reagir e agir para nos contrapor ao lema do “vale tudo para ganhar dinheiro”, “subir na vida”, “se dar bem”, porque não podemos ignorar as necessidades de nossos semelhantes se quisermos construir um mundo melhor para todos. No entanto, não é necessário ficarmos matutando feito loucos, porque temos que transformar o mundo inteiro. Se conseguirmos operar pequenas mudanças, mas que reflitam em nós profundamente e contribuam para ajudar os outros, já é um bom começo. Caso contrário, todos esses adornos das festas natalinas nada mais serão que gestos desprovidos de significados nobres, que mais parecem um chover no molhado, comemorar nossa rotina, fazer do espetáculo um clarear fosco, que não nos permita ver e agir de uma nova maneira nesse período de festas, mas, sobretudo, todos os dias do ano para além das aparências, dos discursos, atitudes e práticas que só visam obter vantagens a qualquer preço. Aproveito este momento para desejar a você e aos seus familiares um Natal feliz e um Ano novo de paz e prosperidade.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Capítulo VI O homem é aquilo que a educação faz dele


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

Pensar é preciso “Quem se dedica à Filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se interessa por sua palavra e ação, desejo de partilhar com seus concidadãos, do destino comum da humanidade”. (Karl Jaspers, filósofo alemão, 1883 - 1969)

124

A máxima do filósofo alemão nos remete ao trabalho que deve ser desenvolvido com os estudantes em nosso país, o qual precisa dar significativa contribuição ao processo da reflexão filosófica. No decorrer das atividades em torno dos conhecimentos trabalhados em sala de aula, com os rigores exigidos pela filosofia, deparamo-nos com uma realidade desafiadora, na qual constatamos que muitos estudantes, em sua grande maioria, não dispõem de condições financeiras e recebem pouco incentivo em relação à leitura; no seio da família, muitos pais bem que gostariam de ajudar mais seus filhos nessa importante tarefa, porém, não dispõem de preparo adequado para isso e nem de tempo suficiente, uma vez que a corrida pela sobrevivência fala mais alto e rouba sua atenção e energia. Isso, logicamente, não significa desistir dessa luta para formar leitores competentes... De outra parte, é preciso ressaltar que enfrentamos muitos desafios para o ensino da Filosofia, pois vivemos na “sociedade do espetáculo” ou “sociedade da linguagem” ou “sociedade do conhecimento” ou “sociedade da comunicação” ou “sociedade da informação” ou “sociedade da aprendizagem” ou “sociedade administrada” ou “sociedade pós-moderna” ou “sociedade da imagem” ou “sociedade do som”, “sociedade do risco”, “sociedade excitada” ou sei lá do que mais. Em relação à “sociedade da imagem”, “no século XXI, a questão é compreender e decifrar os mecanismos pelos quais toda política, assim como toda a religião e toda ciência, toda cultura e toda forma de representação convergem para a imagem, como partes da produção de imagens, e só circulam e adquirem existência A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

como imagem. Essa indústria é a produtora de videologias. A tudo o mais ela subordina”. (Bucci, Eugênio e Kehl, Maria Rita. Videologia, p. 23). Sobre a “sociedade do som”: “Fala-se que estamos no mundo da imagem, mas isso já era; estamos na era do som – Este, sim, hoje me faz saber que existo - escuto-me, logo existo”. (Anna Verônica Mautner, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo). Diante desse quadro, o trabalho com a Filosofia deve ter como diretriz este tripé: o trabalho com conceitos, a partir da leitura e reflexão de textos filosóficos; o desenvolvimento do pensamento crítico, por meio da vinculação entre problemas vivenciais abordados do ponto de vista da filosofia; e também utilizar textos não filosóficos, de cunho literário, reportagens de jornais, revistas, exibição de filmes, músicas, poesias etc., para que o estudante estabeleça as conexões necessárias entre texto/ contexto e torne a reflexão filosófica significativa para o seu cotidiano. A princípio, isso parece pretensão demais, frente às inúmeras dificuldades estruturais ou de outra ordem, em relação à reflexão filosófica em sala de aula, mas não devemos abrir mão de lutar com afinco pela formação de cidadãos conscientes para o exercício da cidadania, na busca da autonomia, liberdade para consolidar cada vez mais o exercício da prática democrática. Sabemos que uma característica intrínseca da filosofia é a transversalidade. Citando: “A filosofia não se fecha em si mesma, ensimesmada, mas abre-se sempre a outrem, busca a relação”. (Prof. Dr. Silvio Galo, Departamento de Filosofia e História da Educação da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, A Especificidade do ensino de filosofia: em torno dos conceitos). Portanto, desenvolver um trabalho com a Filosofia requer, primeiro, que esteja claro para o professor de qual filosofia se trata? Ou seja, “antes da escolha do conteúdo, procedimentos e estratégias (O que deve ser ensinado? O que pode ser ensinado? Como ensinar?) precisa definir para si mesmo o lugar de onde pensa e fala. Nesse sentido, podemos dizer que o ensino de Filosofia vale o que vale o pensamento daquele que ensina” A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

125


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

126

(MAUGUE, Jean. O Ensino da Filosofia: Suas Diretrizes. Revista Brasileira de Filosofia, v. 5, fasc. IV, n° 20, outubro-dezembro, 1995, p. 643). Só assim é possível transpor tantos obstáculos e contribuir para a formação dos estudantes, para que, efetivamente, eles assumam o seu papel de agentes transformadores na sociedade da qual fazem parte. A esse propósito, os Parâmetros Curriculares Nacionais dizem o seguinte, quanto ao papel das Ciências Humanas e da Filosofia: “Colaborar com uma formação básica que assegure a cada um a possibilidade de se construir como ser pensante e autônomo, dotado de uma identidade social e referida tanto à dimensão local da sociedade brasileira, com suas espacialidades e temporalidades concretas e específicas, quanto à dimensão mundializada”. E conclui o documento: “O compromisso com uma sociedade democrática e com a extensão da cidadania associa os conhecimentos da área à concepção de uma educação para a liberdade, que proporcione a autonomia e a desalienação, tendo por base a humanização dos processos sociais”, p. 354. Essa tarefa da Filosofia fica mais fácil quando não se atua isolado, mas por meio de um trabalho interdisciplinar. Por fim, é oportuno ressaltar que o grande desafio é estabelecer os elos entre teoria e prática. Aliás, como escreveu Karl Marx [Filósofo alemão, 1818-1883], nas Teses sobre Feuerbach: “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de modos diversos; agora, trata-se de transformá-lo”.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

Educar nos novos tempos “A educação é um processo social, é desenvolvimento. Não é a preparação da vida, é a própria vida”. (John Dewey, filósofo e pedagogo americano, 1859 - 1952)

Educar nos novos tempos é o grande desafio para profissionais da educação, para os pais e para as autoridades competentes. Vivemos na era da informação, da comunicação, do conhecimento e de novas aprendizagens, onde o uso, sedução e impacto das imagens colocam para o processo do ensino/ aprendizagem novas questões teóricas e práticas. Por exemplo, como preparar nossos jovens para agirem com autonomia, liberdade e consciência cidadã, através do resgate de valores, quando regras tradicionais já não valem mais na relação entre pais e filhos, professores e alunos, e liberdade se confunde com uma marca de roupa, de tênis, de carro, na enxurrada da lógica que move a sociedade contemporânea, qual seja, do individualismo, do hedonismo e do consumismo? Um olhar panorâmico e generalizado mostra que, estruturalmente, muitas unidades escolares esbarram em aspectos como espaço físico inadequado para a boa utilização dos novos recursos tecnológicos que estão ao alcance da educação em nosso país; outro aspecto importante é a necessidade de qualificação dos profissionais da educação para o manuseio dos recursos audiovisuais, bem como um monitoramento permanente nas escolas; aliado a isso, o projeto pedagógico da escola precisa viabilizar, de fato, o uso dos novos recursos para que eles ganhem sentido no cotidiano dos alunos e não sejam um mero ornamento, só para dizer que dispõem de vários recursos – que ficam entulhados nos depósitos sem a devida utilização. Mas, por outro lado, é bom ressaltar que trabalhamos em salas de aula abarrotadas de alunos, e trabalhar um filme, um documentário, ou qualquer outro recurso, de acordo com a lógica que está imperando na educação, onde a quantidade supera em A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

127


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

128

muito a qualidade, não é tão simples como muitos alardeiam. Diante desse quadro, a educação das massas é exaltada em prosa e verso, mas é fundamental uma olhar crítico para as novas tecnologias, no sentido de interrogarmos: se, por um lado, elas contêm um potencial para democratizar, humanizar e transformar as desigualdades em relação às classes sociais, raça, gênero, elas podem ser usadas para explorar, dominar e fortalecer ainda mais o poder dos fortes sobre os fracos? Nessa linha de pensamento, Theodor Adorno e Max Horkeimer, fundadores da Escola de Frankfurt, na Alemanha, (Teoria Crítica) colocam: “O terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada em si mesma”. Então, podemos concluir que devemos fazer a crítica da razão instrumental, na qual os fins justificam os meios, usá-la a nosso favor para formarmos cidadãos críticos, atuantes e com consciência planetária, pois é necessário conservar o planeta Terra, nossa casa comum, a partir de um desenvolvimento sustentável que beneficie a todos e não apenas a grupos privilegiados. Em relação à educação, Edgar Morin, filósofo francês, diz: “Hoje é preciso inventar um novo modelo de educação, já que estamos numa época que favorece a oportunidade de disseminar outro modo de pensamento”. E completa: “Mais do que formar ´cabeças cheias`, importa formar ´cabeças bem feitas`”. Ou seja, uma “cabeça bem feita” é a que é capaz de transformar a informação em conhecimento pertinente, isto é, situar a informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está inscrita. Ainda com essa preocupação do uso crítico das novas tecnologias, é oportuno concluir o tema me reportando à fala do professor Raposo, ao ensejo da abertura das aulas na Universidade de Coimbra, Portugal, em 2001, quando afirma: “Contendo insuspeitas potencialidades de utilização, as Tecnologias da Informação e da Comunicação, aparentemente neutras em si mesmas, podem ser fonte de libertação, de progresso científico, A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

geradoras de solidariedade ou, ao invés, instrumento de controle e de manipulação. Ao homem compete discernir, no recurso às Tecnologias da Informação, o que constitui fator de valorização do conhecimento, da liberdade, da solidariedade do que é alienação, manipulação, opressão ou injustiça”. Portanto, devemos escolher qual o caminho a seguir perante esse desafio que está posto frente às novas tecnologias e seu uso.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

129


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

As tramas do poder “Vivemos em uma sociedade que em grande parte marcha ‘ao compasso da verdade’- ou seja, que produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que detém, por esse motivo, poderes específicos.” (Michel Foucault, filósofo francês, 1926-1984)

130

Esse pensador, ao analisar as relações de poder que perpassam a vida dos indivíduos no seio das sociedades, principalmente a partir do século XVIII, desloca o foco de sua análise das instâncias do setor político e de suas formas de repressão para mostrar que o poder está disseminado pelos vários âmbitos da vida social. Para analisar os micropoderes, Michel Foucault tem, como objeto de estudo, práticas discursivas, gramaticais, jurídicas, sexuais, religiosas, médicas e outras. Tomando como linha de análise, que ficou conhecida como microfísica do poder, o filósofo atesta que o poder está por toda parte, não no sentido de englobar tudo, mas sim porque ele provém de todos os lugares na trama social. Em decorrência disso, a linha de investigação desse pensador procura colocar em evidência as estruturas veladas de poder, para mostrar “que vivemos em uma sociedade que marcha ao compasso da verdade”, tendo, como pano de fundo, discursos que se justificam e permitem que o poder seja exercido de maneira específica. Entre as várias questões que Foucault trabalha em seus escritos, aqui, me aterei a apenas um aspecto fundamental da análise foucaultiana, a saber: os mecanismos de controle social. A sociedade contemporânea é vista como uma sociedade disciplinar, em que se acentua cada vez mais a produção de mecanismos voltados para as práticas disciplinares de vigilância e controles frequentes, que abrangem os variados setores por onde transitam os indivíduos. E esses mecanismos de vigilância e controle se A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

fundamentam através de discursos científicos, que realizam um controle detalhado do corpo – gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos. Assim, o poder é produtor de individualidade. E o indivíduo é produção do poder e do saber. Para clarificar como esse mecanismo de controle social se faz presente na sociedade, tomemos como exemplo campanhas que o Estado promove, como programas de previdência social, de controle de natalidade, de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis e assim por diante. Isso ocorre porque, consolidadas as sociedades disciplinares, começa a se delinear um tipo de poder voltado não mais para o indivíduo, mas para um novo corpo político: a população. Agora, trata-se de fazer viver e deixar morrer, ou seja, a hegemonia das relações começa a ser definida pelo biopoder: uma tecnologia de poder que afirma a vida e que consiste no controle do Estado sobre a qualidade de vida de sua população. Nesse sentido, a palavra final é das autoridades competentes, representando o papel do Estado, que, por sua vez, deve manter sob controle situações que são de sua responsabilidade. Ao mesmo tempo que exerce um poder, produz um saber. Em suma, o poder para Foucault é algo que se exerce. Isto é, o poder é ato; é algo que se pratica ou se sofre, não algo que se possui ou não, podendo ser transferido. Sendo assim, não podemos compreender os mecanismos do poder pela ótica simplista da relação dominador-dominado. Por isso, o poder é intrínseco às relações humanas, mas como a toda ação corresponde uma reação, o poder não se exerce impunemente. Se há poder, há resistência, e ninguém é apenas passivo nas relações de poder. Por fim, para concluir com palavras do próprio autor: “Por dominação eu não entendo o fato de uma dominação global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre o outro, mas as múltiplas formas de dominação que se podem exercer na sociedade”.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

131


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

O homem e a evolução “Entre a moral (deveres, civilidade, regras) e a ética, acho que é urgente a escola ser um lugar de repercussão, ou melhor, espaço de reflexão sobre essa questão da vida que se quer viver, porque é essa falta de resposta que, no fundo, leva à incivilidade e à violência, entre outras coisas.” (Ives de La Taille, psicólogo da USP)

132

Às vezes, fico me perguntando o que está acontecendo com o ser humano, principalmente numa época em que a humanidade galgou importantes conquistas científicas em várias áreas do conhecimento. Se tomarmos o setor da comunicação, por exemplo, entre outros inventos fantásticos, podemos citar o celular. No início, havia aqueles aparelhos que pareciam um trabuco na cintura, tão pesados que deixavam o usuário até andando de lado. Com o passar do tempo, a evolução científica encarregou-se de modificar os modelos de aparelho celular: há uma variedade de tamanhos, bem menores, mais bonitos e com muitas opções. Mas como o ser humano anda utilizando esse aparelho no seu dia a dia? Em sala de aula, por exemplo, ouvindo música no lugar errado, na hora errada, sendo petulante, quando o educador e mesmo os colegas chamam a atenção. Isso atrapalha demais o andamento das aulas, comprometendo as explicações, as discussões, a realização das atividades e, consequentemente, o aprendizado. No coletivo – ônibus – com ele ligado alto e, muitas vezes, em músicas que desfilam um repertório de palavrões que deixa os usuários horrorizados com tamanha falta de respeito e de desconfiômetro. Se os passageiros, o cobrador ou mesmo o motorista, pedem para o cidadão ler o aviso fixado no ônibus “Proibido o uso de aparelhos eletrônicos”, são tratados com ignorância e, quando não, com agressões verbais ou físicas. Diante dessa situação, e de muitas outras, fica aqui uma sugestão para as operadoras de aparelhos celulares: quando venderem um aparelho A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

ao cliente, ofereçam junto um “Manual de etiqueta do celular”. Quem sabe, assim, muitas pessoas tomarão conhecimento da importância de usar o aparelho adequadamente e, principalmente, levarão em conta o outro que está ao seu lado, aliando tecnologia e respeito para com seus semelhantes. Recentemente, uma repórter de um canal de televisão de abrangência nacional perguntou a um adolescente: “O que você acha de ficar com o celular ligado alto em locais inadequados?” Veja o que ele respondeu: “Antes que as pessoas me incomodem, eu as incomodo”. Isso mostra como muitas pessoas estão pensando e agindo no espaço coletivo, ou seja, os outros não contam, porque, em primeiro lugar, está a satisfação dos próprios caprichos, mesmo caindo no ridículo. Se, por um lado, podemos nos beneficiar dos avanços da ciência, por outro, o despreparo no manuseio deles e a falta de consciência das pessoas acabam causando muitos transtornos à sociedade, pois o que está prevalecendo com essas atitudes infelizes é a falta de educação, de respeito ao próximo, numa demonstração de falta de bom senso que causa indignação. E o resultado disso, entre outras consequências, é a violência. Mas o que fazer para alterar esse quadro, além de ratificar a sugestão da organização, por parte das operadoras, de um “Manual de etiqueta do celular”? Que as pessoas passem a perceber que não podem se comportar como se estivessem numa ilha, isoladas; que saibam que suas pequenas ou grandes ações refletem para o bem ou para o mal delas e dos outros. Além disso, seria muito importante que levassem a sério a regra de ouro: “Não faça aos outros aquilo que não quer que façam a você”. Praticar isso não é algo simples, mas não custa nada procurar fazer a sua parte, para que tenhamos uma sociedade melhor, a partir de bases fundamentais, como educação, respeito, ética, justiça social, cuidado com o meio ambiente, cultivo da dimensão espiritual, entre outros requisitos. É mais fácil só reclamar e dizer que o mundo está perdido, que não há mais solução...

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

133


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

Dialética virtual “Internet deve ser um meio de comunicação entre os povos que contribua à paz mundial e que o principal objetiva da alta tecnologia seja melhorar o nível de vida das pessoas”. (Larry Ellison, empresário americano)

134

Ao pesquisar a história da Internet, vemos que a rede mundial de computadores, tal como a conhecemos hoje, surgiu no cenário da Guerra Fria. Foi criada com objetivos militares, como forma de as forças armadas norte-americanas manterem as comunicações e se prevenirem de ataques inimigos contra os meios de comunicação convencionais. Embora a Internet, inicialmente, possuísse um propósito claramente militar, nas décadas de 1970 e 1980, foi um importante meio de comunicação acadêmico, possibilitando a estudantes e professores universitários, principalmente nos Estados Unidos, trocar informações, intercambiar ideias, conhecimentos, mensagens e descobertas através das linhas dessa invenção. Mas, foi somente a partir do ano de 1990, que a Internet começou a alcançar a população em geral. Foi nesse ano que o engenheiro inglês Tim Bernes-Lee desenvolveu a Word Wide Web – o conhecido “WWW”. Com as facilidades desse sistema, a rede deixou de ser uma ferramenta restrita apenas a cientistas e militares. Através do “mecanismo” de endereços e links (do inglês: ligação), praticamente qualquer pessoa passou a ter a possibilidade de utilizar a internet e saltar de uma página à outra. A web permite que um usuário, com um mínimo de recursos econômicos, monte diversos perfis no Orkut, blogs, no Facebook, no MySpace, no Twitter e, com isso, se comunique com milhões de pessoas em todo o mundo. Na rede, o indivíduo comum não é apenas um mero receptor – como no rádio e na TV – mas é um emissor e agente efetivo no processo comunicativo. Os blogs (diário pessoal ou informativo eletrônico interativo) proporcionam o debate entre autor e leitor, favorecendo uma maior paridade comunicativa A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

entre emissor e receptor, permitindo, inclusive, que o indivíduo comum possa ser atuante na participação da Rede. Mas é preciso observar que essa expressão se dá, muitas vezes, de uma maneira padronizada, ou seja, o “eu”, na grande maioria das vezes, já é um “eu” adequado a uma linguagem comportamental homogeneizada. Com isso, não estamos desmerecendo o valor dos sites de relacionamentos, mas chamando a atenção para não tomarmos a Internet como uma ferramenta totalmente libertadora e promotora da emancipação do indivíduo. Isso quer dizer que a rede apresenta duas situações: de um lado, é um mecanismo de controle das massas; e, de outro, parece se colocar na oposição da ordem estabelecida. Assim, podemos levantar as seguintes questões: como lidar, então, com a Internet, de forma que ela possa ser uma ferramenta de conquistas importantes no avanço das novas tecnologias, das relações humanas, da qualidade de vida, preservação do meio ambiente, criação de políticas públicas, para a construção da cidadania? E, ainda, diante de seu caráter padronizador, os riscos que ela oferece, quando usada para invadir a privacidade dos cidadãos, dos órgãos públicos, causando transtornos, prejuízos incalculáveis, como devemos proceder? O Critical Art Ensemble (formado por artistas e pensadores de esquerda) sugere uma interseção entre Arte, Teoria Crítica, tecnologia e política radical, pois para ele, “a nova geografia é uma geografia política e cultural que deve se firmar nesse espaço eletrônico”. (Distúrbio eletrônico, p. 11). E, para que esse enfrentamento obtenha êxito, propõe o uso subversivo das novas tecnologias, ao afirmar: “A autoridade que se localiza no campo eletrônico deve ser combatida através da resistência eletrônica [...] A resistência ao poder nômade deve se dar no ciberespaço e não no espaço físico”. E conclui: “O mundo eletrônico [...] não está de forma alguma estabelecido, e está na hora de tirar vantagem desta fluidez através da criação. Antes que nos reste apenas a crítica como arma”. (Distúrbio eletrônico, p. 33). Portanto, se nos dias atuais, é impossível pensar em viver A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

135


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

sem a Internet, porque ela tomou parte dos lares de pessoas do mundo todo, fazendo-se presente também nas escolas, faculdades, empresas e diversos locais, possibilitando acesso às informações, é extremamente importante o seu uso com responsabilidade social e compromisso com a nova ordem mundial para a construção da paz, da justiça e do bem viver.

136

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

A direção da vida “O preço da dominação não é meramente a alienação dos homens com relação aos objetos dominados; com a coisificação do espírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada indivíduo consigo mesmo”. (Theodor W. Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (18951973) Dialética do esclarecimento, p. 35)

Quando completamos 18 anos, tirar a carteira de habilitação é uma dentre tantas coisas importantes a fazer. Vamos até uma autoescola para fazermos o curso de formação de condutores (CFC), que nos prepara e habilita a conduzir um veículo. Fazer esse curso é imprescindível, embora muitos cidadãos insistam em dirigir sem passar pelo crivo da formação de condutores, conforme o ditame da lei. Mesmo com todas as exigências da legislação de trânsito, no dia a dia assistimos a um festival de barbeiragens, imprudências, motoristas alcoolizados – apesar da Lei Seca –, matando-se a si mesmos e destruindo o que está pela frente. Esse cenário coloca o Brasil em destaque no quesito acidente de trânsito com vítimas fatais. Logicamente que não podemos nos esquecer de que as péssimas condições de muitas estradas estaduais e federais têm contribuído bastante para a sucessão dos acidentes pelo país afora, mesmo que as peças publicitárias oficiais tentem nos convencer do contrário, e aí respondemos com o velho ditado popular: “O pior cego é aquele que não quer ver” e ainda pretende-se induzir os outros a tornar-se cegos também, diante da realidade estampada à sua frente. Agora, fazendo um paralelo com a direção de nossa vida, podemos pensar em muitas questões que deveriam nos preparar cada vez melhor para uma viagem pela Terra com mais êxito e felicidade. Quando chegamos ao mundo, adentramos um lar onde nossos pais nos acolhem, e aí damos nosso primeiro grito de vida, A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

137


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

138

como se estivéssemos dizendo: “Cheguei, papai e mamãe!”. Mas alguém pode nos lembrar: muitas crianças não têm a mesma sorte, porque quando vêm a este mundo, são jogadas na lata de lixo e abandonadas pelos próprios pais. Isso é muito triste, mas, infelizmente, é o que ocorre. Com o passar do tempo, vamos crescendo e colocamos os pés nos degraus da escolinha infantil, começando nossa trajetória na trilha da educação formal. Nesse processo que envolve a educação, outro fator que é fundamental para a nossa vida é a informação, que, ao ser processada devidamente, torna-se conhecimento. A partir dele, vamos tomando contato com as diversas descobertas que a humanidade vem acumulando ao longo da História. Sendo assim, família, escola, educação, informação, conhecimento, igreja – para quem tem uma opção religiosa – e o convívio em sociedade tornam-se pilares sobre os quais assentamos o edifício de nossa vida. Observando os péssimos motoristas, que dirigem sem habilitação, ou com ela vencida, com a cuca cheia de álcool, droga, que fazem das ruas uma pista de corrida e, muitas vezes, provocam tragédias, a condução da vida pode também não ser menos dramática, dependendo de como trafegamos pela existência... Durante sua evolução, a humanidade foi criando, cada vez mais, instrumentos para facilitar a vida, mas os efeitos colaterais estão estampados por todos os lados: aquecimento global; desigualdade social, que cria abismos entre as pessoas; desfrute das mordomias que o poder proporciona, quando é exercido em causa própria; e o uso da razão na “ótica instrumental”, criando, alimentando e difundindo as loucuras que a razão é capaz de fazer. Mas é possível construir um mundo diferente, dirigindo o próprio carro com habilidade e respeito às normas estabelecidas pelas leis de trânsito, mas principalmente nos preocupar em conduzir a vida com sensatez. Para que isso ocorra, é preciso não abrir mão daquilo que nos diferencia dos animais: o uso da razão, A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


O homem é aquilo que a e duc aç ão faz dele

da reflexão, a capacidade de criar coisas novas e transformar o que está errado em benefício nosso e da humanidade. Seria sonhar demais, num mundo que dá prova de estupidez a todo o momento? Talvez, mas dá para ficarmos conformados, apenas contemplando as tragédias que o homem realiza na Terra e ainda se acha o centro de tudo?

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

139


Indic aç õe s Bibliogr áf ic as

Indicações Bibliográficas

140

ADORNO, Theodor W., Max Horkheimer. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos; tradução, Guido Antonio de Almeida. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. ARENDT, Hannah. A condição humana; tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer. 10 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos; tradução Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. -------------------------. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos; tradução Carlos Alberto Medeiros.– Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2008. -------------------------. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria; tradução Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Zahar, 2008. -------------------------. A arte da vida; tradução Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. -------------------------. Vida em fragmentos – sobre a ética pósmoderna; tradução Alexandre Wernek. – Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2011. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: aventura da modernidade; tradução Carlos Felipe Moisés, Ana Maria L. Ioriatti. – São Paulo: Companhia das Letras, 2007. BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. --------------------. Ethos Mundial – Um consenso mínimo entre os humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. CORTELLA, Mario Sergio. Qual é a sua obra? inquietações sobre gestão, liderança e ética. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. -------------------------------. Não espere pelo epitáfio...; provocações filosóficas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. -------------------------------. Não nascemos prontos: provocações filosóficas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. -------------------------------. O que a vida me ensinou. São Paulo: Saraiva, Versar, 2009. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Indic aç õe s Bibliogr áf ic as

CORTELLA, Mario Sergio, Silmara Rascalha Casadei. O que é a pergunta? Ilustrações Rodrigo Abrahim - 4. Ed.- São Paulo: Cortez, 2011. CORTELLA, Mario Sergio, Renato Janine Ribeiro. Política: Para não ser idiota. Campinas, SP: Papirus 7 Mares, 2010. CORTELLA, Mario Sergio, Yves de La Taille. Nos labirintos da moral. Campinas, SP: Papirus 7 Mares, 2009. DÉBORA Gozzo, Wilson Ricardo Ligiera (Organizadores). Biolética e Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. DELEUZE, Gilles e Félix Guattari. O que é a filosofia? Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. – Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992. ELIOT, T. S. Notas para a definição de cultura; tradução de Eduardo Wolf. São Paulo: Realizações Editora, 2011. FERRY, Luc. Aprender a viver – a Filosofia para os novos tempos; tradução Vera Lucia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. FOUCAULT, Michel. História da loucura na Idade Clássica; tradução José Teixeira Coelho Neto. São Paulo: Perspectiva, 2007. ------------------------. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 34 ed. Petrópolis, RJ:Vozes, 2007. -------------------------. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado, - Rio de Janeiro, Edições Graal, 1979. -------------------------. O nascimento da clínica. Organização de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática pedagógica. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da filosofia; tradução de João Azenha Jr. – São Paulo: Companhia das Letras, 1995. GHIRALDELLI Júnior, Paulo. História da Filosofia: dos présocráticos a Santo Agostinho. São Paulo: Contexto, 2008. ------------------------------------. A aventura da Filosofia – de Parmênides a Nietzsche. Barueri, SP: Manole, 2010. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

141


Indic aç õe s Bibliogr áf ic as

142

GIKOVATE, Flávio, Renato Janine Ribeiro. Nossa sorte, nosso norte: para onde vamos? Campinas: SP: Papirus 7 Mares, 2012 (Coleção Papirus Debates) GLUCKSMAN, André. O discurso do ódio; tradução Edgard de Assis Carvalho, Mariza Perassi Bosco. Rio de Janeiro: DIFEL, 2007. GOMES, Mércio Pereira. Antropologia: ciência do homem: filosofia da cultuara. São Paulo: Contexto, 2011. HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo; tradução de Rubens Eduardo Frias. – 2. Ed. rev. São Paulo: Centauro, 2005. LA TAILLE, Yves de. Limites: três dimensões educacionais. 3. Ed. – São Paulo: Ática, 2000. LORIERI, Marcos Antônio, Terezinha Azerêdo Rios. FILOSOFIA NA ESCOLA – O prazer da reflexão. São Paulo: Moderna, 2004. (Coleção cotidiano escolar / coordenador Ulisses F. Araújo) MATOS, Olgária C. F. Discretas esperanças. São Paulo: Editora Alexandria, 2006. --------------------------. Benjaminianas: cultura capitalista e fetichismo contemporâneo. São Paulo: Editora UNESP, 2010. --------------------------. Filosofia e polifonia da razão. São Paulo: Editora Scipione, 1997. MOSER, Antonio André Marcelo M. Soares. Bioética: do consenso ao bom senso. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro; tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; revisão técnica de Edgar de Assis Carvalho. – 10 ed. – São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2005. MOSÉ, Viviane. O homem que sabe: do homo sapiens à crise da razão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim falou Zaratustra. Texto Integral. São Paulo: Martin Claret, 2006. --------------------------------------. Humano, Demasiado Humano. São Paulo: Editora Escala, 2006. --------------------------------------. Para Além do Bem e do Mal. Texto Integral. São Paulo: Martin Claret, 2006. A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos


Indic aç õe s Bibliogr áf ic as

--------------------------------------. A Gaia ciência; tradução notas e posfácio Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. --------------------------------------. Da Utilidade e do Inconveniente da História para a Vida. São Paulo: Editora Escala, 2008. OLIVEIRA, Jelson, Wilton Borges. Ética de Gaia: ensaios de ética socioambiental. São Paulo: Paulus, 2008. SANTOS, Ivo Lima dos. O recheio que faltava em sua vida – Para agir com sabedoria e ser feliz. São Paulo: Physis Editora Ltda, 2008. SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é humanismo; a imaginação; questão de método; seleção de textos de José Américo Pessanha; tradução de Rita Correia Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. – Ed. – São Paulo: Nova Cultural, 1987. SAVATER, Fernando. O valor de educar; tradução Eduardo Brandão. – São Paulo: Martins Fontes, 2012. ---------------------------. Ética como amor próprio; tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins, 2000. ---------------------------. Ética para meu filho; tradução Monica Stahel. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2005. ---------------------------. Política para meu filho; tradução Monica Stahel. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2005. SÊNECA, Lúcio Aneu. A Vida Feliz. São Paulo: Editora Escala, 2006. --------------------------. A Tranquilidade da Alma – A retirada da vida. São Paulo: Editora Escala, 2006. SCHOPEMHAUER, Arthur. A Sabedoria da Vida; tradução Jeanne Rangel. – São Paulo: Golden Books, 2007. SPINOZA, Benedictus de. Ética [tradução de notas de Tomaz Tadeu]. Belo Horizonte – MG: Autêntica Editora, 2008. SPONVILLE-Comte, André. O amor; tradução Eduardo Brandão. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. WEISCHEDEL, Wilhelm. A escada dos Fundos da Filosofia. A vida Cotidiana e o Pensamento de 34 Grandes Filósofos. São Paulo: Editora Angra, 4. Ed., 2004.

A DIR EÇ ÃO DA V IDA: entr e c aminhos e de s c aminhos

143


IVO LIMA DOS SANTOS Formado em Filosofia pela Faculdade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Marília (SP), é professor na Rede Pública Estadual de Ensino. Além de seu trabalho como educador, é um dos colaboradores do Jornal Correio Popular, de Campinas (SP), onde publica textos com temas relacionados à educação, mercado de trabalho e recursos humanos. É autor do livro “O Recheio Que Faltava em Sua Vida - Para Agir com Sabedoria e Ser Feliz”.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.