Almanaque Brasil 120 - abril de 2009

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Vem aí muitas outras histórias de almanaque

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rasil. É isso que divulgamos obstinadamente nas páginas do Almanaque desde sua primeira edição, lançada em abril de 1999. Este é o nosso principal ofício: buscar na história brasileira fatos relevantes e personagens que são exemplos de que é, sim, possível fazer um País melhor. Nestes 10 anos, o resultado desse trabalho chegou às mãos de mais de 12 milhões de leitores. E eles carinhosamente retribuíram, nos estimulando a persistir quando, muitas vezes, aqui neste mesmo espaço, confessei o desânimo frente às dificuldades. Se algumas vezes pensei em desistir, fui dissuadido pelo apoio de leitores e parceiros solidários com a nossa causa. E seguimos adiante. Esta edição comemorativa de 10 anos, remodelada pelo olhar de jovens com quem divido a lida diária, me deu enorme satisfação. São eles, com seu entusiasmo e talento, os responsáveis pela longa vida que sempre desejei para este Almanaque. É preciso dizer também que as comemorações trazem novidades. A revista salta do papel para a televisão, num projeto de que em breve darei notícias. Chega também diferente no novo site do Almanaque, cheia de novidades, com arquivos de vídeo e áudio, interação com os leitores e um acervo que nos coloca como o maior vulgarizador da memória nacional da internet. Outra novidade é a publicação de três filhotes da revista em formato de livro: Almanaque Brasil: Todo Dia É Dia (Ediouro), com algumas das melhores histórias publicadas na revista, e Viva o Brasil e Em Se Plantando Tudo Dá (ambos pela Editora Leitura), com uma seleção de matérias publicadas nessas seções. E tem também muitas outras novidades que ainda é cedo para revelar. Por isso tudo, posso dizer que continuaremos zelando pela memória brasileira. Em qualquer formato, é essa a nossa missão: lembrar aos brasileiros que, sem a memória do passado, estaremos cegos para construir o País que desejamos para as futuras gerações. Elifas Andreato

ARMAZÉM DA M E MÓRIA NAC IONAL Elifas Andreato Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann e Natália Pesciotta Revisor Lucas Puntel Carrasco Assistentes de arte Guilherme Resende e Paula Chiuratto Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP) Impressão Posigraf Diretor editorial

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Cmte. David Barioni Neto Manoela Amaro Mugnaini Diretor de Assuntos Corporativos Marcelo Xavier de Mendonça Presidente

Diretora de Marketing

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Correspondências

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nossa capa

Aumente seu nível de brasilidade E ainda ganhe pontos para viajar

Durante as comemorações de 10 anos, um convidado especial assina a capa do Almanaque.

Gustavo Rosa

O paulistano Gustavo Rosa é uma das figuras mais destacadas no campo das artes visuais brasileiras. Passou a se dedicar exclusivamente à pintura em 1967, quando abandonou a atividade publicitária. Realizou a primeira exposição individual em 1970. De lá para cá, se destacou por uma pintura lúdica, irônica, agressiva, em que desmascara o ridículo da vida humana. Para Theon Spanudis, o desenho de Rosa é “exato, frio, matemático, singelo, agressivo e irônico”. “A emotividade está no belo e puro colorido, embora contido e controlado. Gustavo não é romântico, tampouco um revoltado e acusador. Ele brinca com nossas debilidades e insuficiências”, afirma o colecionador e crítico de arte. Rosa já percorreu diversos países para expor seu trabalho. Em 1994, lançou uma grife com seu nome em Nova Iorque. Conheça mais sobre o capista de abril em www.gustavorosa.com.br. www.almanaquebrasil.com.br

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Ilustrações paula chiuratto

Solução na p. 32

Em 1936, Ary Barroso se tornou locutor esportivo da Rádio Cruzeiro do Sul – ou speaker esportivo, como se dizia à época. Logo encantou os ouvintes com precisas descrições dos lanc Es, comentários irreverentes e frases de efeito. Mas não escondia sua grande paixão: o Flamengo. Se o time adversário fosse cobrar uma falta na entrada da área, falava, na maior a principal característica era a gaitinha que tocava alegremente quando a equipe do coração fazia o gol, para irritação dos torcedores adversários.

reprodução/AB

cara-de-pau: “Falta perigosíssima contra o Flamengo! Não vou olhar, não vou olhar”. Mas

Abril 2009


A REVOLUÇÃO DO PORTO, FEITA POR LIBERAIS EM PORTUGAL, OBRIGA DOM JOÃO VI A DEIXAR O BRASIL E VOLTAR PARA A TERRA NATAL.

VOCÊ SABIA? A

PEDIDO PARA O PRESIDENTE

dia do amor

só queria uma bolsa

para carregar os livros

N HÉLIA SCHEPPA/JC IMAGEM

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A pedagoga, em Angicos.

m convidado especial ocupou o lugar de professor em Angicos, no sertão do Rio Grande do Norte, em 2 de abril de 1963. O presidente João Goulart fora convocado para fiNalizar um dos primeiros cursos de Paulo Freire, que revolucionava os métodos de alfabetização no País. Jango observou, entre os 300 adultos, uma pequena de 6 anos que acompanhava os pais. Duvidou que tivesse aprendido também. A menina leu para ele uma página do jornal e, como prêmio, pediu uma bolsa para carregar os livros. No ano seguinte, o golpe militar depôs Jango e proibiu as aulas de Paulo Freire. Mas a menina, hoje com 56 anos, seguiu em frente. Maria Eneida de Araújo formou-se em pedagogia e tem especialização em educação inclusiva. Com experiência nas redes estadual e municipal de Angicos, fundou na cidade um educandário usando os ensinamentos de Paulo Freire, o mesmo que lhe abriu os olhos para o abecê. (NP) Saiba mais Leia sobre Paulo Freire e seu método de alfabetização no novo site do A lmanaque : www.almanaquebrasil.com.br/saibamais www.almanaquebrasil.com.br

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Maria Eneida

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25/4/1974

A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS, FEITA POR ESQUERDISTAS EM PORTUGAL, OBRIGA SALAZARISTAS A DEIXAREM A TERRA NATAL E SE EXILAR NO BRASIL.

UMA MARGARIDA PARA UMA MULHER

Rosana, nome de flor

os tempos da faculdade de biologia no interior de São Paulo, Jimi Nakajima encontrou duas paixões: a família das margaridas e a estudante Rosana Romero. Porém, o namoro com a flor e a mulher só se deu quando ele foi fazer o mestrado em botânica. Jimi trocou alianças com Rosana e com as margaridas. Em busca de novas espécies, mudaram-se para Minas Gerais. Entre uma pesquisa e outra, fincaram sementes ainda mais profundas no cerrado mineiro. Nasceu Noah, o primeiro filho do casal. Aos 6 meses, o menino de olhinhos puxados e sorriso fácil já acompanhava os pais nos trabalhos de campo. Estava ao lado deles, perambulando entre montanhas e vales, quando o pai descobriu na Serra da Canastra, berço do rio São Francisco, no centro-oeste de Minas, uma flor miúda e clara. Nunca vira nada parecido. Curioso, Jimi colheu amostras, levou para os laboratórios da Universidade Federal de Uberlândia. Soube que aquela planta não existe

FOTOS ACERVO JIMI NAKAJIMA

26/4/1821

A rara margarida e a família Nakajima.

em nenhum outro lugar do planeta. E que até então era desconhecida pela ciência. A florzinha discreta e especial encheu de orgulho o cientista. Quando a descoberta for publicada, o mundo todo conhecerá a margaridinha pelo nome científico Pseudobrikelia rosanae. A primeira parte vem da família das margaridas, a segunda, uma homenagem à mulher, Rosana. Ela retribuiu à altura. Trouxe ao mundo Laura, a filha mais nova dos pesquisadores, tão rara quanto a flor. (Laís Duarte)

Saiba Mais Assista a uma edição do Globo Repórter dedicada à Serra da Canastra. Entre no novo site do Almanaque www.almanaquebrasil.com.br e acesse o link na seção Saiba Mais.

de quem são estes olhos?

Olhos sempre voltados à periferia de São Paulo, onde nasceu, em 22 de abril de 1970. Seus shows quase sempre são ali, e por um bom tempo boicotou a imprensa, que costumava retratá-lo de forma polêmica. Pedro Paulo Soares Pereira compara seus versos a tiros de revólver. O disco Sobrevivendo no Inferno, com 500 mil cópias vendidas, consagrou seu grupo como a voz da periferia. Confira a resposta na página 32.


OSSOS DO OFÍCIO

Rei sai vaiado, mas restos mortais voltam aplaudidos

LAURA HA

Túmulo de dom Pedro I.

viões da FAB dançavam no céu da Guanabara. A urna com os restos mortais de Pedro I, doada por Portugal, chegava ao Brasil naquele 22 de abril de 1972, em meio às comemorações dos 150 anos da Independência. Seguiu em carro do exército para uma cerimônia com os presidentes dos dois países, Médici e Tomás Américo. Uma multidão aplaudia. Era hora de preencher o túmulo do imperador “emancipador” com os respectivos despojos. A cripta fica em São Paulo, no Monumento do Ipiranga, bem no local onde ele teria bradado “Independência ou Morte”. Vivo, Pedro I viu-se obrigado a abdicar em 1831. Foi para a terrinha e, quando morreu, recebeu honras apenas de general. Mas Médici achava importante tê-lo como herói e, mais ainda, aliar-se à ditadura portuguesa. Antes de dormir em paz no monumento, porém, os restos reais tiveram que cumprir peregrinação por todas as (NP) capitais brasileiras.

Saiba Mais Leia notícia publicada em jornal da época no novo site do Almanaque: www.almanaquebrasil.com.br/saibamais

REPORTAGEM HISTÓRICA

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dia nacion jornal al do ista

Reprodução/ab

Matéria de Freire só saiu no leito do hospital Abertura da reportagem.

– O que foi, Mori? – Você está morrendo. – Por que você me carrega? – Não consegui nenhum médico. Jornalista não morre na cama. Vou te deitar no meio da rua, pra você morrer lá, seu filho da puta. A cena é real, transcorrida nos bastidores de uma das mais importantes passagens da imprensa brasileira. Publicada em 1967 pela revista Realidade, mostrava o cotidiano de garotos de 8 a 12 anos que moravam nas ruas de Recife. Foi escrita pelo psiquiatra e escritor Roberto Freire (que estava morrendo na abertura deste texto) e fotografada por Geraldo Mori.

Para ganhar a confiança dos menores, a dupla passou a viver pelas ruas da cidade. O ambiente era duro. Varavam noites com traficantes, prostitutas, cafetões. Chegaram a participar de assaltos a padarias e assistir ao espancamento de um garoto até a morte, sem nada poderem fazer. Mas o fato que quase fez Freire morrer do coração foi ver meninas de 10 anos sendo entregues por pais humildes, camponeses, à proprietária de uma casa de prostituição recifense. Lembrou da cena na cama do hotel e por pouco não teve um infarte. Foi levado para a calçada – com Mori apertando sua mão e chorando muito –, até que uma ambulância o encaminhasse para o hospital. Com a ajuda do fotógrafo, parte dos meninos conseguiu entrar no hospital para um último encontro. Conversaram a noite toda e, com as entrevistas completas, Freire pôde fechar a matéria, com a qual ganhou o Prêmio Esso de (BH) Reportagem em 1967.

Saiba Mais Ame e Dê Vexame, de Roberto Freire (Novo Paradigma, 2003).

REPRODUÇÃO/AB

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Capa do livro.

PESOS PESADOS

Chico, Salgado e Saramago se unem pelos sem-terra

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massacre de Eldorado dos Carajás completava um ano. Dezenove integrantes do mst haviam sido brutalmente assassinados pela polícia. Em 14 de abril de 1997, o fotógrafo Sebastião Salgado, o escritor português José Saramago e o compositor Chico Buarque lançam um livro/cd para relembrar o fato e marcar a importância da luta pelo chão: Terra (Companhia das Letras, 1999). As fotos de Salgado retratam de forma realista os assentamentos e a vida dos trabalhadores rurais. A introdução, a cargo de Saramago, é dura. Lembra das promessas não-cumpridas do governo brasileiro pela reforma agrária. Entre as canções de Chico, duas exclusivas: Levantados do Chão (com Milton Nascimento) e Assentamento, que narra o sentimento de um migranTe ao perceber que a cidade grande “não mora” mais nele. O personagem decide, então, voltar para o seu lugar: Ver o capim / Ver o baobá / Vamos ver a campina quando flora / A piracema, rios contravim / Binho, Bel, Bia, Quim / Vamos embora... O dinheiro arrecadado foi revertido para o mst. (BH) Saiba Mais Veja no novo site do Almanaque um especial publicado no New York Times sobre o livro Terra: www.almanaquebrasil.com.br/saibamais

estação colheita O que se colhe em ABRIL

Algodão, arroz, banana, café, feijão, mandioca, milho, soja, tomate. Abril 2009


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300 RÉIS POR ROEDOR

Vendedores de rato faturaram com combate à peste bubônica

di l da mundia saúde

começo do século 20 foi marcado por graves doenças que assolaram as capitais brasileiras. Terror da população, as enfermidades encontraram no médico sanitarista Oswaldo Cruz um bravo combatente. Ocupando um cargo que hoje corresponderia ao de Ministro da Saúde, ele foi o mentor de diversas campanhas de controle de epidemias, na época polêmicas, como a da vacina obrigatória contra a febre amarela e outra menos conhecida: a da caça aos ratos. Na realidade, os roedores eram apenas coadjuvantes. O objetivo mesmo era exterminar as pulgas que viviam neles, causadoras da peste bubônica. Em 1902, Cruz nomeou 50 funcionários vacinados para o cargo de “caçadores de ratos”. Eles saíam pelo Rio de Janeiro em busca dos roedores. Passavam pelas ruas jogando

acervo casa de oswaldo cruz

Nas ilustrações, Oswaldo Cruz e um “pescador” de ratos.

www.almanaquebrasil.com.br

acervo casa de oswaldo cruz

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veneno e gritando: “Rato, rato, rato!”. Recebiam 300 réis por cada um. É evidente que logo apareceRam espertalhões, que buscavam animais em outras cidades ou criavam seus próprios bichinhos para venda. Como não poderia deixar de ser, foram diversas as canções que ironizavam as ações do período. Entre elas, uma interpretada pelo ator Alfredo Silva em 1904, que terminava assim: Rato velho, como tu faz horror / Nada valerá teu qui-qui / Morrerás e não terás quem chore por ti / Vou provar-te que sou mau / Meu tostão é garantido / Não te solto nem a pau. O resultado da campanha foi além de alguns tostões a mais no bolso da população. Fala-se em até um milhão de roedores exterminados e uma diminuição quase completa dos casos de peste bubônica. (Mariana Albanese) Saiba mais Ouça gravações da época sobre a caça aos ratos, em pesquisa do jornalista Franklin Martins. Visite a seção Saiba Mais do novo site do Almanaque para acessar os arquivos: www.almanaquebrasil.com.br

quarta quinta sexta sábado domingo segunda terça quarta quinta sexta sábado domingo segunda terça quarta quinta sexta sábado domingo segunda terça quarta quinta sexta sábado domingo segunda terça quarta quinta

Hugo Francisco de Paula Ricardo de Chichester Isidoro Vicente Ferrer Marcelino de Cartago João Batista de la Salle Guálter Valdetrudes Terêncio Estanislau Julio I* Martinho I Liduína Cesar de Bus Clemêncio Márcia Apolônio Expedito Teodoro Sílvio Caio Jorge Honório Marcos Exuperância Zita Luquésio Pedro de Verona Sofia

Como papa, dirigiu a Igreja de 337 a 352. Foi quem adotou 25 de dezembro como data de nascimento de Cristo, para substituir a festa pagã em homenagem a Saturno. Lutou contra o arianismo (negação de Cristo como Deus) e é considerado o fundador do arquivo da Santa Sé, pois ordenou a conservação de documentos religiosos.


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dia gra da so

FAMÍLIA DE CANGACEIRO

Com a sogra,

Lampião não criava caso em precisa ser muito macho pra sair por aí falando mal da sogra. Mas Lampião, que é Lampião não podia reclamar da sua. Pra começar, foi ela quem estimulou a filha a ter um romance com o rei do cangaço. Os bandoleiros passaram pela fazenda da família e dona Déa imaginou que Maria Bonita, então aos 18 anos, seria feliz ao lado da lenda viva. Detalhe: a jovem já era casada com um sapateiro. Há quem diga que a sogra ainda quebrou outro galho para o cabra: assumiu um filho do casal de cangaceiros. Maria Bonita tinha dois irmãos gêmeos mais novos – Ananias e Arlindo. Mas apenas um deles seria realmente seu irmão. O outro era cria sua, assumida pela avó depois que as duas embarrigaram ao mesmo tempo. Os rebentos de grupos de cangaceiros costumavam ser deixados com fazendeiros ou padres, e essa teria sido uma

solução para não entregar o bebê do casal mais famosos do cangaço a qualquer um. Ananias, 79 anos, mora hoje em São Paulo. Em visita a Bahia três anos atrás, os familiares lhe falaram sobre o grau de parentesco trocado. Ainda não se tem prova porque a única descendente direta reconhecida por Virgulino, Expedita, não fez o exame de dna . Outro genro de dona Déa revela na sua biografia, Reminiscências de um Ex-Combatente de Volante, o segredo da sogra. Segundo José Mutti, com muita insistência, Déa confessou, sobre o gêmeo de pele mais escura: “É filho do homem”. (NP) benjamin abrahão, 1936

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Maria Bonita e Lampião.

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Origem da ex

Conto-do-vigário

Duas paróquias de Ouro Preto disputavam uma mesma imagem , sagrada. Um dos vigários sugeriu bo ardilosamente, colocá-la no lom Deu . idir dec á-lo deix de um burro e Pilar paróquia de Nossa Senhora do e dali porque, dizem, o burro era ão, cair conhecia o caminho. Desde ent ificar no conto-do-vigário passou a sign ntira. me ou ção ana acreditar em uma eng

Saiba mais Leia na seção Saiba Mais do site do A lmanaque Os Filhos do Rei do Cangaço, novo texto de João de Souza Lima. Acesse www.almanaquebrasil.com.br

ANTES DO FLAGRA

Sem pesquisa de audiência,

até tevê desligada dava ibope

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uando o Ibope começou a realizar a pesquisa de “assistência” da televisão, em 5 de abril de 1954, só existiam quatro emissoras no País e os lares com receptores não chegavam a 1% do que somam hoje. Eram os próprios canais que diziam aos anunciantes quantas pessoas os assistiam. Bastava verificar o número de tevês vendidas e multiplicar por 15 – suposta quantidade de telespectadores por aparelho. Ou seja, além de não considerar o canal escolhido, também não importava ao cálculo que o

aparelho estivesse desligado. Em 1954, o Ibope inseriu na medição o “flagrante domiciliar”. Apesar do nome ameaçador, o método é inofensivo: pesquisadores batem na porta da casa e perguntam o que os moradores estão assistindo. O flagrante durou até os anos 1980. Hoje a estrela é o People Meter,que repassa as informações da tevê para o instituto de pesquisa em tempo real. Arma eficaz para as constantes batalhas de audiência. “O Ibope é meu sAnto padroeiro”, dizia Chacrinha. (NP)

Saiba mais Almanaque da TV, de Ricardo Xavier e Rogério Sacchi (Objetiva, 2000). Abril 2009


Fases da Lua

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Menino Prodígio

Chuva impediu tira-teima histórico no Carnaval carioca O

Autor do Grito do Ipiranga era profissional aos 10 anos

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Autorretrato de Pedro Américo, aos 11 anos.

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do paraibano Pedro Américo o famoso quadro Proclamação da Independência, de 1888 – mais conhecido como Grito do Ipiranga. Pedro era respeitado na Europa, considerado um dos nossos pintores de maior prestígio. A carreira começou em 1853, quando, com apenas 10 anos, integrou uma comitiva com a incumbência de retratar a fauna e a flora do Nordeste braSileiro. O naturalista francês Louis Jacques Brunet havia sido contratado pelo presidente da província da Parahyba do Norte para pesquisar a região. Estava de passagem pela pequena cidade de Areia, na Paraíba, quando ouviu falar que lá morava um pequeno gênio dos desenhos. Quis conhecê-lo. Após conversarem, mostrou ao garoto um chapéu e uma espingarda, para que desenhasse a partir de um objeto real. A reprodução foi perfeita. Pediu permissão aos pais para levá-lo como auxiliar na expedição. Passaram cinco meses em viagem. A missão principal de Américo era desenhar as plantas que via, da forma mais precisa possível. E assim o fez, para admiração de todos. Com o fim do projeto, mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar artes plásticas. Com o curso concluído, recebeu uma bolsa de estudos de Pedro II e foi para a Escola de Belas Artes de Paris, onde ganhou projeção mundial. Lá fez pinturas célebres, boa parte históricas, como Batalha do Avaí, Batalha de Campo Grande e Tiradentes Esquartejado. (BH) Saiba mais Imprensa e História no Rio de Janeiro dos Anos 50, de Ana Paula Goulart Ribeiro (E-papers, 2007). www.almanaquebrasil.com.br

ESPERARAM MAIS UM ANO

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aCERVO CPDOC JB

Pedro Américo, 1854

dia l do do mundia desenhista

Carnaval de 1952 era esperado com grande expectativa. Desde 1949, devido a desentendimentos políticos, as três grandes escolas de samba cariocas não se enfrentavam. Mangueira e Portela estavam na União das Escolas de Samba; o Império Serrano, na Federação das Escolas de Samba. Houve a fusão, e elas finalmente desfilariam juntas na avenida novamente. Jornal do Brasil noticia o incidente. Foi montado um grande aparato para o acontecimento. A avenida Presidente Vargas recebeu um tablado de 60 metros de comprimento e 20 de largura. Pela primeira vez houve arquibancada e palanque de autoridades. Populares se acotovelavam ao longo da passarela. Ninguém queria perder a festa. Os desfiles da Portela e da Mangueira foram empolgantes. Difícil dizer qual o melhor. Mas ainda havia o Império. Quando a escola se preparava para entrar na avenida, entretanto, o céu desabou. Começou um temporal poucas vezes visto no centro do Rio. Os imperianos, valentes, não desistiram da apresentação. Passaram de ponta a ponta do tablado para a avaliação dos jurados. Mas que jurados? Debaixo da chuva, a comissão julgadora se retirou e não viu a apresentação do local que as regras determinavam. Protestos do Império. No dia da apuração, após muitas discussões, valeu o apelo da escola. O desfile foi anulado sem sequer os envelopes serem abertos. E o público teve de esperar mais um ano para o tima-teima entre as três grandes. Surgiu até uma canção que ironizava o fato. Pela rima, sugeria quem impediu a apuração: Não foi Portela quem anulou / Não foi Mangueira, também não foi, não sinhô / Essa escola para mim é um mistério / Não digo o nome, deixo isso a seu critério. Em 1953, com o júri coberto para se proteger da chuva, a Portela (BH) rompeu o impasse e sagrou-se campeã. Saiba mais Almanaque do Carnaval, de André Diniz (Zahar, 2008).


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(21-4 a 20-5)

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84,5 KM DE ENGANO

O Brasil não começa nem termina no Oiapoque

preciso ser forte para receber a notícia: o Brasil não vai mais do Oiapoque ao Chuí. E já faz tempo. Em 1931, uma expedição demarcadora de fronteiras concluiu que o ponto mais ao norte do nosso território é o Monte Caburaí, em Roraima. No entanto, demorou mais de 70 anos para que o Ministério da Educação corrigisse os livros escolares. E só após um longo processo iniciado com a criação do município de Uiramutã, em 1996. Foi este o marco para a movimentação que levou uma expedição ao Monte em 1998, chefiada pelo jornalista e secretário de turismo da cidade, Platão Arantes, que confirmou: são 84,5 quilômetros mais à frente que a antiga referência, o Cabo Orange, no Oiapoque, Amapá. Somente quatro anos depois os livros de geografia passaram a informar: o Brasil vai do Caburaí ao Chuí, no Rio Grande do Sul. Apesar de sonora, a nova expressão levanta a dúvida: por que os amapaenses continuam a informar que o marco zero tupiniquim está por lá? Pedro Costa, co-autor do livro Amapá – A

Representação dos quilômetros da discórdia.

terra onde o Brasil começa (também assinado pelo presidente do Senado Federal, José Sarney), explica. “Ao longo da história, se considera que um país começa e acaba nos seus limites marítimos. Assim, são informações distintas o extremo geográfico do País e o lugar onde ele começa”. E para não restar dúvidas, afirma: “O presidente Sarney e eu tínhamos conhecimento de que o Oiapoque não é o limite Norte do Brasil. Isto não quer dizer que não seja a terra onde o Brasil comeCa”. (MA)

Saiba Mais Página oficial da Prefeitura de Uiramutã: www.uiramuta.rr.gov.br

enigma figurado

ACERVO PESSOAL

D epois de barzinhos, festivais e peças de Ziraldo e Ruth Rocha, aos 31 anos o maranhense ao lado ganhou o Brasil com sua mistura. Um lançamento de 1997 rendeu-lhe o primeiro dos cinco discos de ouro. Ao vir ao mundo, em 11 de abril de 1966, recebeu nome de santo por causa de uma promessa. A alcunha famosa foi atribuída mais tarde, na faculdade de agronomia, onde andava sempre munido de doces.

R.:

1 Dia do Tomate 2 Dia Nacional da Radiopatrulha 3 Dia da Verdade 4 Dia Nacional do Caratê 5 Dia Nacional dos Doentes com Artrite 6 Dia do Patriarca 7 Dia do Médico Legista 8 Dia Nacional do Braille 9 Dia Nacional do Aço 10 Dia da Engenharia 11 Dia do Exército da Salvação 12 Dia da Parteira 13 Dia Mundial da Imprensa 14 Dia das Américas 15 Dia Mundial da Conservação do Solo 16 Dia Nacional da Voz 17 Dia Mundial do Hemofílico 18 Dia do Editor 19 Dia do Exército do Brasil 20 Dia do Disco 21 Dia do Metalúrgico 22 Dia do Planeta Terra 23 Dia do Clero Indígena 24 Dia do Talento 25 Dia do Contador 26 Dia do Goleiro 27 Dia da Empregada Doméstica 28 Dia da Travessia do Atlântico 29 Dia da Juventude Operária Católica 30 Dia da Baixada Fluminense

LAURA HA

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dia da onal união naci

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O taurino é aquele que vai tomar café enquanto todos se descabelam para acabar um trabalho. Apesar das aparências, determinação é uma de suas características. Mas também paciência, calma e muito valor às coisas boas da vida. Os nascidos em touro são extremamente prudentes com gastos financeiros. Sem pressa, sempre materializam as ideias. Contam com boa dose de sensualidade.

o baú do Barão As visitas, meu bem, Alegrias me dão... Umas quando vêm Outras quando vão Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

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PELÉ

É preciso ter orgulho de ser brasileiro. Ele dispensa apresentações – e estamos falando de todo o planeta. Apesar de ter encerrado a carreira há mais de 30 anos, em qualquer lugar do mundo em que pisar, sua presença será notada. É, provavelmente, a personalidade brasileira mais conhecida de todos os tempos. Não à toa. Seus gols desconcertaram adversários mundo afora. Seus dribles, passes e chutes giraram o planeta num tempo em que a tevê dava os primeiros passos. Mas, além do mito, o que impressiona em Pelé é sua capacidade de mostrar-se

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fotos: Edi pereira

humano, ainda que o mundo todo o veja como sobre-humano. Nesta edição de 10 anos do Almanaque, ninguém melhor que ele, que transformou o número 10 em símbolo, para representar o orgulho de ser brasileiro.

Na sua infância em Bauru, antes de ir para o Santos, você recebeu propostas de outros times? Qual equipe poderia ter tido Pelé? Propostas, não. Mas o técnico do Bangu, Tim, disse ao técnico do Baquinho [equipe júnior do Bauru Atlético Clube], Waldemar de Brito, que procurava novos garotos para jogar na equipe carioca. O Waldemar respondeu: “Tem um crioulinho aí, filho do Dondinho, que é bom de bola”. Quase acertaram de eu ir pro Bangu. Mas foram três em meu lugar: Dufi, Canjerê e o ponta-direita, Picao. Esse Dufi, inclusive, era muito bom jogador. Até tentei levá-lo para o Santos mais tarde.

tória. Fizeram até bolo. Meus amiguinhos estavam lá, correndo pela casa. A gente, garoto, nem ligava muito pra Copa. Quando acabou, todo mundo ficou quieto, e meu pai começou a chorar. Foi quando eu disse, com a mão em seu ombro, de um jeito descompromissado: “Chora, não, Dondinho. Eu vou ganhar uma Copa para o senhor”. Oito anos depois, no mesmo rádio em que Dondinho ouviu essa derrota no estádio do Maracanã, ele me ouviu ser campeão na Suécia, em 1958. Tenho esse aparelho de rádio até hoje.

Seu pai foi importante para a sua carreira? Desde pequeno você era muito melhor que seus amigos? Sim, tanto que eu jogava com atletas mais velhos. Entrei no Baquinho com uns 12, 13 anos. Quando teve o primeiro campeonato de futebol de salão, meu pai falou: “Você vai se machucar, só tem gente mais velha. Tem até profissional!”. Fui artilheiro do campeonato com cerca de 15 gols. Também jogava aos sábados, na várzea, pelo São Paulinho de Curuçá. Hoje vejo as fotos e me assusto. Jogava com uns barbados... O impressionante é que eu não tinha medo. Talvez seja esse o motivo de não ter me assustado ao chegar ao Santos.

Dizem que, ao ver seu pai sofrer pela derrota do Brasil na Copa de 1950, você teria prometido que ganharia uma Copa para ele. É verdade? Em 1950 eu tinha apenas 10 anos. Meu pai, ao lado dos amigo de time, estava ouvindo a partida pelo rádio. Todos com a certeza da viwww.almanaquebrasil.com.br

Muito. Primeiro por corrigir vários dos meus defeitos. Teve uma época em que fui gandula. Quando chutava uma bola para reposição, ele falava: “Pô, você não sabe que não pode chutar assim, com o corpo pra trás?”. Ele me obrigava a cabecear de olho aberto. Para aprender, me fazia cabecear a bola 10 vezes na parede. Me ensinou também a respeitar o adversário: “Quer menosprezar? Então vai lá e faz cinco gols neles. Não fica com drible à toa!”. Dondinho sempre me lembrava que ser melhor do que os outros era um presente de Deus, e que eu tinha que cuidar desse dom, não podia esnobar ninguém. Ele também foi um grande jogador. Era centroavante, fazia gols pra chuchu. Os jornalistas o chamavam de “o Baltazar do interior”, em referência ao goleador do Corinthians, também um grande cabeceador. Quando comecei a aparecer, ele dizia pra mim: há um tempo, você era o filho do Dondinho; agora eu é que sou o pai do Pelé.


Como você foi parar no Santos? O Santos estava dando oportunidade a jovens jogadores e eu fui, depois de meu pai convencer minha mãe. Ela não queria que eu saísse de Bauru... A linha de ataque que depois ficou célebre – Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe – era reserva. Só que a gente não perdia uma partida no treino. A Vila Belmiro ficava cheia às quartas e quintas para ver a gente treinar. E todos foram ganhando confiança nas partidas de aspirantes, que eram as preliminares dos jogos principais. Uma coisa que não entendo é por que a CBF deixou de promover os jogos de aspirantes antes das partidas. Era esse o momento que jovens jogadores se expunham, eram experimentados, ficavam frente a frente com a torcida. O jogador chegava mais maduro ao profissional. Quando comecei, já tinha mais experiência.

Logo em sua estreia você marcou um gol, né? Sim, contra o Corinthians de Santo André. Tinha que ser contra um Corinthians...

Da onde vinha essa birra contra o Corinthians? No seu período, o time não ganhou nada... Que é isso? Eu adorava o Corinthians. Tem garoto aí que diz: “Pô, meu pai falou que você tinha raiva do Timão!”. Eu respondo: “Seu pai está errado. É mentira. Eu adorava o Corinthians. Foram 18 anos me deixando ganhar, me deixando fazer gol, nunca me tratando mal...”. Não dá pra explicar. Dava tudo certo. Eles vinham com tudo, mas a bola batia na trave, o nosso goleiro pegava pênalti... A bola não entrava de jeito nenhum. Aí, no finzinho do jogo, a gente ia lá e marcava: 1 a 0.

jogado finais pelo Santos, torneios no Maracanã. Isso me dava mais confiança. Mas claro que entrava em campo com frio na barriga. Até mesmo em 1970 foi assim. Mas, logo que o hino acabava, a preocupação ia embora.

Como foi o episódio de ter de jogar a final de 1958 de azul? É verdade que os jogadores, por superstição, ficaram preocupados? Não pudemos jogar de amarelo porque a Suécia tinha a mesma cor, e um sorteio definiu que eles entrariam com a camisa principal. Teve jogador que ficou preocupado. Mas é sempre assim. Pouca gente percebeu, mas na final de 1970 jogamos de meias azuis, e teve atleta que reclamou. Azul é a minha cor preferida. Todo lugar que passo peço pra pintar de azul. O nome da minha mãe é Celeste, o da minha filha é Celeste. Outra grande coincidência da Copa de 1958 é que os números dos jogadores foram escolhidos aleatoriamente. E eu fiquei com a camisa 10. Outro dia, em Santos, me fizeram uma homenagem e escreveram: “Antes dele, o 10 era apenas um número”.

No mesmo rádio em que meu pai chorou ouvindo a derrota da Copa de 1950, me ouviu ser campeão em 1958.

Mas dizem que você era corintiano na infância... É uma lenda que se criou. Minha tia, irmã do meu pai, morava em São Paulo. Todos os feriados ia para Bauru. Ela era meio bem de vida e levava presentes pra gente, como bolas de capotão. Na época, saiu uma série de times de botão das grandes equipes da capital. Ela levou dois: um do Palmeiras e outro do Corinthians. Como meu irmão tinha simpatia pelo Palmeiras, escolheu primeiro. E qual time sobrou pra mim? Justamente o Corinthians. Por isso começaram a falar que eu era corintiano.

Você é considerado um jogador completo. Tinha algum ponto fraco? Ponto fraco, diria que não. Mas eu era perfeccionista. Gostava de melhorar o cabeceio. Eu treinava com a bola pendurada numa forca. Cada vez ia apurando a impulsão e o tempo da bola.

Também era conhecido por artimanhas além-bola. Que malandragens era capaz de fazer para ganhar?

Inúmeras. Os beques do interior batiam demais. Eu chegava no ouvido de um deles e falava: “Pô, agora que o Santos tá querendo te contratar, você fica aí me dando pancada?”. Aí eles aliviavam. Na hora do tiro-de-meta, o goleiro tinha a mania de rolar pro beque, que devolvia para o goleiro pegar com a mão. Eu perdi a conta das vezes que, quando o goleiro rolava a bola para o zagueiro, eu corria gritando: “Falta, falta! Para, para!”. O beque se assustava, eu roubava a bola e fazia o gol. Outra que gostava de fazer é trançar o braço com o braço do zagueiro e cair. Em geral, o juiz dava pênalti. Às vezes eu fingia estar machucado para, de repente, dar um arranque e fazer o gol.

Falta esse tipo de esperteza para os jogadores atuais? Há ainda quem diga que foi recusado numa peneira corintiana. No Baquinho tinha um garoto que se parecia muito comigo, que se chamava Tiãozinho. Como éramos campeões infanto-juvenis do interior, fomos jogar contra o Juventus, campeão da capital na categoria. Goleamos o Moleque TravessO. O Corinthians pediu um jogador emprestado, e o Waldemar recomendou o Tiãozinho. Treinou um tempo lá e voltou. Além da semelhança, ele jogava com a 10. Aí criou-se a lenda que treinei no Parque São Jorge, fui mandado embora e peguei raiva do Corinthians.

Para qual time, afinal, você torcia na infância?

Falta, e muito. Veja só na hora que alguém vai bater uma falta na intermediária. Fica aquele agarra-agarra na área. Eu chamo aquilo de besteirol coletivo. Ninguém olha para a bola, ninguém finge que está amarrando a chuteira para sair no impulso, ninguém fica no bico da área para esperar um toque rápido. O Waldemar de Brito já me ensinava: “Finja que não está vendo a bola, olhe para o nada, porque, se olhar pra bola, o marcador prestará atenção em você. Deixa a bola sair primeiro e aja com inteligência”. Eu não vejo ninguém fazer isso. Eu já falei para o Robinho pra fazer algo diferente. Porque habilidade todo brasileiro tem, mas tem que saber fazer coisas fora do esperado.

Torcia para o Atlético Mineiro. Meu pai jogou lá...

Você conversou com Ronaldo após a volta aos gramados? Você tremeu antes dos jogos da Copa de 1958? Só tinha 17 anos... Era uma responsabilidade grande, mas já tinha maturidade como jogador. Pela própria seleção eu já tinha jogado a Copa Rocca, já tinha

Sim. Fiz um pedido, de brincadeira: “Ronaldo, tem uns 10 anos que você não faz um gol de cabeça. Vê se faz um pra mim agora”. E não é que o primeiro gol dele foi numa cabeçada? Abril 2009

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Você fala com Ronaldo sempre? A gente procura dar uma força. Tem outra história curiosa. Eu estava falando com Ronaldo pelo celular, quando ele disse: “Tem um jogador do Corinthians aqui que disse que você não era nada disso que se fala por aí”, e passou o telefone para o rapaz. Quando ouviu a minha voz, coitado... Ficou nervoso pra caramba: “Pô, Pelé, é mentira dele! Eu não falei nada disso, não!”.

Você sente falta de jogar futebol? Sonha que está em campo?

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passaria pelo marcador. Aí, quando chegava em cima da linha, com todo o time esperando o lançamento, ele puxava a bola pra trás. Só faltava o time inteiro se enrolar nas redes de dentro do gol... A gente xingava ele de tudo que era nome. Mas como o Brasil só ganhava, tudo virava graça.

Você acaba de lançar um cd e já gravou com importantes músicos. Se não fosse jogador, seria músico?

Se sonho com isso? Dou até bicicletas na cama! Às vezes até grito gol. Mas agora eu, com outros companheiros, assumi a direção do Jabaquara, de Santos. Duas vezes por semana apareço lá e dá pra matar a saudade de estar em campo. Mas ainda sofro pra caramba ao ver jogos, principalmente os da seleção.

Poderia ser. Sempre gostei de música. Vivia tocando violão nas concentrações. Tenho até um violão dado pelo Baden Powell. Não sou bom no instrumento, mas gosto muito. Porque saber tocar mesmo é com o Toquinho, o Paulinho da Viola. O cd que fiz tem 12 músicas, todas com letra e melodia minhas. O arranjo ficou a cargo do maestro Ruriá Duprat, que, inclusive, já ganhou um prêmio Grammy.

Qual foi o seu melhor marcador?

Você conhece muitos músicos? Tem boa relação com eles?

Houve muitos marcadores competentes. Mas, em geral, felizmente, o time deles perdia no fim. Entre os estrangeiros, o melhor foi Beckenbauer. Ele não era exatamente meu marcador, pois jogava na armação, como terceiro homem. Mas, nos jogos contra a seleção brasileira, costumava desempenhar esse papel. Ele era chato pra caramba: jogava bem, não dava pontapé e era muito inteligente. Outro que destaco era o inglês Bobby Moore. Entre os brasileiros, dois marcadores chatos e inteligentes eram o Roberto Dias, do São Paulo, e o Dudu, do Palmeiras. Ainda tinha um quarto-zagueiro do Sorocaba que era bom marcador pra chuchu. Mas não era muito lembrado porque o Santos sempre ganhava deles.

Há uma lenda na Itália de que o Trapattoni, ex-técnico da seleção italiana, teria sido o seu melhor marcador. Que história é essa? Sabe quantas vezes joguei contra o Trapattoni? Uma. A seleção brasileira estava fazendo amistosos pela Europa e enfrentamos os italianos. Passei em branco, não marquei nenhum gol. E aí surgiu esse mito meio sem sentido. Depois nos tornamos amigos.

Tenho. E boa parte deles fala que é craque: Chico Buarque, Jair Rodrigues, Toquinho, Chitãozinho, Alexandre Pires, Leonardo... Um dia fui ao campo do Chico e disse: “Só jogo se for no gol”. Não deixaram. O Chico é fogo, rapaz. Se não jogar ao lado dele, não tem como ganhar. O juiz rouba e o escambau. Ninguém ganha dele por isso. Aí preferi ficar de fora e esperar pela hora da música...

Costuma dizer que seu gol mais bonito foi contra o Juventus, da Mooca. E o mais importante? Não acho justo escolher um só. Destaco alguns: contra o Corinthians de Santo André, na minha estreia; o da Copa de 1958 contra o País de Gales; o milésimo gol. Esse falam que não foi tão importante por ser de pênalti. Pô, quero ver bater um pênalti naquela situação. Foi a única vez na vida que tremi em campo. Uma coisa que pouca gente percebeu é que, na hora do pênalti, os jogadores do Santos foram para o meio de campo. E se a bola batesse na trave? E se o goleiro rebatesse? Ainda chamei o Carlos Alberto pra bater. Ele respondeu: “Não, não”, e virou as costas. Foi bem complicado. Vale a máxima: pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube.

Há uma nova leva de jogadores habilidosos surgindo. Como você vê as novas promessas do futebol brasileiro?

A pergunta inevitável: quem ganha a Copa de 2010?

Se o cara é bom de bola mesmo, acho ótimo. Mas há jogadores que passam o pé em cima da bola, não fazem mais nada e se tornam famosos. Eu apostei com um amigo há uns anos quando iríamos ver um lançamento da intermediár a que alguém faça o gol. Antigamente tinha o Didi, o Rivellino, o Gérson... Não se vê mais isso. E boa parte dos lances não são objetivos. Naquele tempo, eu dava dribles, o Rivellino gostava de dar elásticos, mas sempre em busca do gol. O próprio Garrincha era driblador, fazia lances inusitados, mas fazia gols.

Muita gente pode estranhar, mas acho que serão ou os Estados Unidos ou uma seleção africana. Desde os tempos do Cosmos eu dizia que os Estados Unidos estavam evoluindo, que iríamos vê-los na Copa. E estiveram nas três últimas. Em 2002, só não foram para final porque meteram a mão na semifinal contra a Alemanha: não deram dois pênaltis e teve um gol anulado. Já os jogadores africanos têm boas participações na Europa nos últimos anos. Acredito que, com boa administração interna, as seleções podem ir longe.

Vocês nunca perderam jogando juntos?

E pra finalizar: o que é brasilidade para você?

Ficamos 12 anos jogando pela seleção sem perder pra ninguém. O Garrincha era objetivo, mas tinha vezes que matava a gente. Quando o Didi fazia um lançamento e caía certinho no pé do Mané na ponta-direita, já íamos correndo para a área, pois era certeza que

Em primeiro lugar, tenho que agradecer a Deus por ter nascido no Brasil. Na minha opinião, brasilidade é acreditar que, sem dúvida nenhuma, este é o país do futuro. É acreditar neste país, trabalhar por ele e ter orgulho de ser brasileiro.

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CAYMMI DORIVAL

O q ue o ? m e t o n a i a b

Por Bruno Hoffmann

Ele teve papel importante nos dois

principais momentos de internacionalização da música brasileira. Seu estilo único impressionou desde as primeiras canções. Com composições originalíssimas, colocou a Bahia no imaginário coletivo dos brasileiros a partir de seu ponto de vista. Era famoso pela “preguiça”, pela LUCIANA WHITAKER/FOLHA IMAGEM

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á um mistério na música brasileira: de onde surgiu o estilo singular de Dorival Caymmi? Desde as primeiras composições a questão perdura, sem ser devidamente elucidada. Ao ser perguntado se era influenciado pelo baiano, o compositor Chico Buarque respondeu: “Caymmi para mim é um caso à parte na música nacional. Ele é de tal modo despojado que é difícil imitá-lo, copiá-lo, fazer uma música a la Caymmi”. Nascido a 30 de abril de 1914 em Salvador, Dorival passou a infância de olho no violão do pai, um músico amador. Aprendeu a tocar o instrumento sozinho, e com apenas 15 anos já tinha as primeiras composições. Logo passaria a se apresentar em programas da Rádio CluBe da Bahia. Para descolar uns trocados, trabalhava no jornal O Imparcial. Em 1937 embarcou em um ita rumo ao Rio de Janeiro, onde assumiu uma vaga de jornalista nos Diários Associados e se ins-

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vida devagar, sem aceitar a pressão da indústria fonográfica. Fez apenas cem canções, mas tornou-se um mito em vida.

creveu num curso preparatório para a faculdade de Direito. Sem esquecer a música, que continuava cultivando para enfrentar os programas de calouro. Precisou de apenas um ano para conhecer o sucesso. A equipe de Banana da Terra já havia rodado as cenas iniciais do filme quando chegou a notícia. Por razões financeiras, Na Baixa do Sapateiro, de Ary Barroso, não poderia ser usada. A produção tinha que providenciar nova música para Carmen Miranda.Envolvido com o musical, o radialista Almirante lembrou do rapaz recém-chegado da Bahia. Dias depois o compositor de 24 anos apresentou O Que É Que a Baiana Tem? para Carmen. E ainda sugeriu que a Pequena Notável imitasse os trejeitos das baianas, gesto que se tornaria sua marca registrada. Com o sucesso, Caymmi passou a atuar na Rádio Nacional. Na emissora conheceu a cantora Stella Maris, com que se casaria. A companheira estaria a seu lado por toda a vida.


Perguntado a que creditava ter participado dos dois grandes momentos internacionais da música brasileira, respondeu: “É questão de ser baiano”. Baianos em seu caminho

A partir de 1939, Caymmi construiu uma longa lista de músicas tendo o mar como inspiração. Os ouvintes se impressionavam com a naturalidade com a qual os versos entravam na melodia. Alguns exemplos são Rainha do Mar, Promessa de Pescador, A Jangada Voltou Só. Os temas praieiros não se limitavam à música. Passou a se dedicar à pintura e ao desenho. Os cenários baianos eram a inspiração: pescadores, comunidades a beira-mar, tradições populares. Compõe também sambas-canção. Marina (...morena / Marina, você se pintou...) foi uma das mais famosas. Durante os anos 1940, torna-se grande amigo do conterrâneo Jorge Amado. Inspirado em sua obra literária, cria Modinha para Gabriela e É Doce Morrer no Mar. Carmen havia sido responsável por levar a música de Caymmi para o mundo. A partir de 1959, porém, um baiano toma esse papel: João Gilberto. Fã confesso de Caymmi, João grava Rosa Morena logo em seu disco de estreia. Era apenas o começo. Na fileira vieram Doralice, Você Não Sabe Amar, Acontece que Eu Sou Baiano. Parecia que as canções de Dorival haviam nascido sob o signo da bossa nova. “O grande esforço de modernização de João se apoiou na modernização sem esforço de Caymmi”, observou Caetano Veloso. Tornou-se também amigo de Tom Jobim, que exaltava sua inventividade. Para Tom, Caymmi usava soluções harmônicas poucas vezes vistas antes da bossa. Juntos lançaram um disco nos anos 1960: Caymmi Visita Tom. Com direito a um magistral dueto em Saudade da Bahia: Ai, que saudade eu tenho da Bahia / Ai, se eu escutasse o que mamãe dizia...

“Queria ser um preguiçoso assim”

Ao longo da carreira, Caymmi gravou cerca de cem canções – pouco para tantos anos dedicados à música. Resultado: ga-

nhou fama de preguiçoso. Negava-se a escrever sob pressão de gravadoras. Só uma vez assinou contrato, com a Odeon, em 1939. Pelo acordo, deveria gravar seis discos em dois anos. Não cumpriu. “É verdade que Caymmi compôs pouco mais de cem músicas, mas todas são obras-primas. Quem é o compositor que pode se dar a esse luxo? Eu queria ser um preguiçoso assim”, defendeu Caetano. É célebre a história da obra-prima João Valentão, que levou nove anos para concluir. O desfecho beira o sublime: E assim adormece este homem / Que nunca precisa dormir pra sonhar / Porque não há sonho mais lindo / Do que sua terra, não há. Outro caso que ilustra o ritmo de sua produção é o da música Adalgisa. Sempre mostrava a um amigo os primeiros versos (Adalgisa mandou dizer / Que a Bahia tá viva ainda lá / Que a Bahia tá viva ainda lá). Ao ser questionado quando iria gravar, respondia: “Quando ficar pronta, quando ficar pronta...”. E assim foi durante anos. Até que um dia anunciou: “Terminei!”. Pegou o violão, empostou a voz e apresentou o resto da obra: Com a graça de Deus, inda lá / Que a Bahia tá viva ainda lá / Que a Bahia tá viva ainda lá... As canções rareavam ainda mais com o passar dos anos. Mas os filhos Dori, Nana e Danilo – além dos inúmeros amigos e admiradores – mantiveram a divulgação de sua obra. Em agosto de 2008, seu coração baiano parou de bater. Homenagens em todo o País. O Brasil percebeu que perdia um compositor inigualável. E inimitável. Alguns anos antes, perguntado a que creditava ter participado dos dois grandes momentos internacionais da Música brasileira – a era Carmen Miranda e a bossa nova –, respondeu: “É questão de ser baiano”. SAIBA MAIS Dorival Caymmi: O mar e o tempo, de Stella Caymmi (Editora 34, 2001).

O melhor produto do Brasil é o brasileiro CÂMAR A CASCUDO

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s o n a 0 1 m e O Brasil e u q a n a m l A de Com esta revista que você tem em mãos, o Almanaque completa 10 anos. Ao longo de 120 edições passearam por suas páginas as figuras mais interessantes, polêmicas ou louváveis da cultura brasileira. Também desfilaram trapalhadas memoráveis, nobres momentos do esporte, curiosidades e figuras impagáveis. Que tal lembrar de algumas dessas histórias?

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udo começou em abril de 1999. A capa registrava uma outra “estreia”: o dia em que a frota de Cabral deixou Portugal para, em 22 de abril de 1500, avistar “o cume de um monte mui alto”. Desde então, o Almanaque revisita mensalmente grandes histórias. O período colonial, os amargos tempos da escravidão, a República, a criação da música popular, a força no esporte, as artes, os bons e os maus momentos da política. E, acima de tudo, personagens. São eles, afinal, a cara da nação. Neste mês em que a revista completa a primeira década, escarafunchamos nossos arquivos para trazer algumas das melhores histórias contadas por aqui. E histórias divertidas não faltaram, assim como intrigas, mal-entendidos, chutes, pontapés e safanões. Também houve momentos de glória, cruzadas cívi-

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cas e heróis sem capa ou máscara; descobertas da ciência, avanços da medicina e iniciativas de tirar o chapéu. Fomos da luta de Betinho à invenção do rádio. Das bananadas de um juiz em final de campeonato ao triunfo da seleção em 1958. Do primeiro encontro entre Vinicius e Tom à iniciativa do embaixador brasileiro que salvou mil judeus do extermínio. Dividimos os melhores momentos do Almanaque em música, política, esporte, ciências, figuras, grandes iniciativas e curiosidades históricas. E, de lambuja, levantamos quem são os personagens mais citados na revista e botamos em eleição as 10 melhores capas do Almanaque. Tudo para lembrar e celebrar. Afinal, lembrar e celebrar é o que o Almanaque não parou de fazer ao longo dos últimos 10 anos, tornando-se a revista mais tendenciosa da nação. A favor do Brasil, é claro.


1m0omentos do esporte

eio de Wimbledon, primeiro de Esther Bueno conquistou o torn Com apenas 19 anos, Maria . dez. 99 sileira mais vitoriosa do esporte muitos. É até hoje a tenista bra o suficiente para ser escolhido da final da Copa de 1958. Foi nas ape ou ticip par tos San Djalma petição. fev. 05 o melhor lateral-direito da com

ogo nunca comemorava

Maior artilheiro do Botaf

os gols

as contaram com da seleção portuguesa em Cop As duas melhores colocações 6, e Felipão, ria, terceiro colocado em 196 treinadores brasileiros: Otto Gló quarto em 2006. jan. 07 pênaltis e o Campeonato nou nas contas da decisão por Armando Marques se embana uesa. set. 08 dois campeões: Santos e Portug Paulista de 1973 terminou com no Vicente Sócrates, o presidente corintia Ao receber uma proposta por fev. 07 l”. áve rest é invendável e imp Matheus rebateu: “O Sócrates se o primeiro mexicanos, Éder Jofre tornouEm 1960, após derrotar dois nov. 08 l. ndia mu o peã cam boxeador brasileiro a sagrar-se O nome izou o filho de Tospericagerja. Um fã da seleção canarinho bat e Jairzinho, son Gér , erto Alb , Rivellino, Carlos une as iniciais de Tostão, Peléset. 03 craques da Copa de 1970. s um gol na ians de Santo André tomou mai Em 1956, o goleiro do Corinth tas: visi de ão cart o so, costumava sacar carreira. Anos depois, orgulho abr. 99 ”. Pelé de gol o primeiro “Zaluar – O goleiro que levou um Grande Prêmio o primeiro brasileiro a ganhar O ex-mecânico Chico Landi foi jun . 02 no GP de Bari, na Itália. na Fórmula 1. Foi em 1948,

O atacante Quarentinha é o maior artilheiro do Botafogo, com 313 gols. Mas uma outra característica o colocou na história do futebol brasileiro: nunca comemorava os tentos. Podia ser em amistoso, meio do campeonato ou grandes finais. Marcava, virava-se e seguia indiferente até seu campo. “Sou pago pra isso. É a minha obrigação”, resumia. fev. 09

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Após a Proclamação da República, Pedro II e família foram obrigados a se mudar para a Europa. Já estavam próximos a Fernando de Noronha quando o neto do ex-imperador decidiu soltar um pombo branco com a inscrição na pata da ave: “Saudades do Brasil”. Todos assinaram o papel, emocionados. O pombo foi jogado ao céu, deu uma pirueta no ar e caiu na água, afogando-se em segundos. Esqueceram que os pássaros, Levados para serem servidos nas refeições, tinham as asas cortadas para evitar que fugissem. nov. 00

trapalhadas 10 políticas Barreto Pinto foi o primeiro deputado federal a ser cassado por quebra de decoro parlamentar, após posar de fraque e cueca para o fotógrafo Jean Manzon, em 1946. set. 04 Para comemorar o tricampeonato mundial, o prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, deu um fusca para cada jogador da seleção brasileira de 1970. Tudo com dinheiro público. jan. 09 Durante os anos 1960, um deputado apresentou dois projetos de lei: anexar as Guianas ao território nacional e “importar” um milhão de portugueses para colonizar a Amazôn ia. jul. 06 Jânio Quadros ficou apenas sete meses no poder. Condecorou Che Guevara (“Fi-lo porque qui-lo”) e renunciou, esperando ser reconduzido à Presidência. Acabou desemp regado. ago. 01

O triste fim do imperador

O presidente Collor conclamou: “No próximo domingo saiam com as cores da nossa bandeira”. Nas maiores manifestações desde as Diretas Já!, o povo se vestiu de negro. ago. 04 Walt Disney “homenageou” o Brasil com a criação de Zé Carioca. O persona gem é folgado e preguiçoso, misto de malandro, caloteiro e vagabundo. jan. 07 Em 1893, o prefeito carioca Barata Ribeiro exigiu que se implodisse o maior cortiço da cidade. Sem saber, inaugurava a era das favelas. jan. 08 Em 1993, o prefeito César Maia decidiu manter o horário de verão no Rio. Defendia que quanto mais horas de sol houver, mais dinheiro entra na Cidade Maravilhosa. out. 08 Nas eleições paulistanas de 1959, o candidato a vereador mais votado foi Cacareco. Apesar dos quase 100 mil votos, não pôde assumir. Tratava-se de um rinoceronte. out. 01

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e s hi stór ica s d a d i s o i r u C 10

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em 1908. O francês Pierre Lesdain foi recebido como herói em São Paulo, durou viagem A . paulista capital à Rio o unia carro um vez a Pela primeir 36 dias. mar. 01 O poeta Gregório de Matos pediu que dois padres visitassem seu , tal leito de morte. E sapecou: “Estou morrendo entre dois ladrões 08 como Cristo ao ser crucificado”. dez. Em 1840, o francês Louis Compte fez as primeiras fotos do Brasil. O adolescente dom Pedro II se impressionou e logo tratou de encomendar uma máquina. jan. 00 O capitão inglês James Cook não teve boa impressão das mulheres cariocas em 1768. “Na cidade não há uma única mulher honesta”. nov. 06 A palavra bonde surgiu de bonds (bônus em inglês), bilhetes que davam direito a cinco viagens. Mas há quem diga que derivou do nome de um empresário de Belém: James Bond. jan. 07 A primeira versão da letra do Hino Nacional surgiu em 1831. Mas, entre polêmicas políticas, só foi finalizada em 1916. abr. 01 Seria oficializada apenas em 1922, quase cem anos depois. mente O primeiro Código Civil, de 1916, determinava: “A mulher é relativa ) (marido “chefe” do ção autoriza de vam incapaz”. Além disso, elas precisa 02 . jan ar. para trabalh da A abolição da escravidão teve apenas dois artigos: art. 1°: É declara m-se Revoga 2°: art. Brasil; no ão extinta desde a data desta lei a escravid 03 . mai o. contrári as disposições em quisesse se Em 1864, foram criados os Voluntários da Pátria para Quem imperou ragem maland A quis. alistar na Guerra do Paraguai. Pouca gente 09 s. . para fugir das batalha jan

Francês sequestra o Rio e só devolve após receber resgate

O ano era 1711. O corsário francês René Duguay-Trouin chegou ao Rio com um plano de sequestro, digamos, ambicioso: queria a cidade toda. Na missão, a serviço da coroa francesa, 18 navios com 700 canhões, além de seis mil homens. A população fugiu em disparada. Os franceses levaram tudo o que encontraram. Só devolveriam dois meses depois, após receber uma alta quantia em dinheiro e objetos valiosos. O povo teve que se unir para pagar o resgate. out. 06

Ao longo de 10 anos, foram 120 capas. Muitas delas, obras do diretor editorial do A lmanaque, Elifas Andreato, e da equipe de arte. Mas também colaboraram artistas como Aldemir Martins, Paulo Caruso, Debret, J. Carlos, Mauricio de Souza, Nássara, Ariano Suassuna. Fizemos uma seleção. E que os leitores nos ajudem a decidir qual é a melhor. Entre no novo site do A lmanaque (www.almanaquebrasil.com.br) e vote. Você concorre ao livro comemorativo dos 10 anos da revista: Almanaque Brasil, Todo Dia É Dia (Ediouro, 2009), uma publicação de 256 páginas com alguns dos melhores momentos deste armazém da memória nacional.

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episódios musicais Vinicius de Moraes, que procurava um parceiro para Orfeu da Conceição, foi apresentado a Tom Jobim. “Tem um dinheirinho nisso?”, perguntou o iniciante Tom. jul. 05 Noel Rosa dedicou Último Desejo a Ceci. O parceiro na música, Vadico, mostrou a canção para a moça e avisou: “Acho que ele te castiga um pouco nesse samba, Ceci”. ago. 08

Habitante do planeta Fome deixa Ary de boca aberta

Ainda adolescente, Elza Soares foi tentar a sorte no programa de calouros de Ary Barroso – uma chance de abrandar as dificuldades da vida de moça miserável. Disseram que deveria ir bonita. Pegou uma saia da mãe e u ma camisa larga. Não pesava mais do que 40 quilos. Fez duas marias-chiquinhas. Ao entrar no palco, Ary gracejou, impiedoso: “De que planeta você veio, minha filha?”. Gargalhada na plateia. E a resposta veio seca: “Do planeta Fome, seu Ary”. abr. 04

“Se não tem mancada não tem samba.” Era Adoniran Barbosa justificando a fama de “furão” que colocou sobre Ernesto Paulelli, inspirador do Samba do Arnesto. out. 05 Em 1899, Chiquinha Gonzaga compôs a primeira música feita especialmente para o Carnaval: Ô abre alas / Que eu quero passar... mar. 03 Em uma gravação, João Gilberto se irritou com as dificuldades de Stan Getz. “Tom, diga a esse gringo que ele é um burro”, disse João. “Stan, o João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você”, traduziu Tom Jobim. mar. 08 Policiais de Caieiras, interior de São Paulo, prendem e agridem Raul Seixas durante um show em 1982. Achavam que era um impostor. mai. 01 Em seu programa de tevê, Carlos Imperial anunciou: “Os Beatles gravaram versão de Asa Branca: Blackbird”. Mentira das boas, inventada para alavancar a carreira de Luiz Gonzaga. jul. 07 Ao apresentar Aquarela do Brasil pela primeira vez, Ary Barroso ouviu do cunhado: “Coqueiro que dá coco? O que você queria que ele desse?”. nov. 99

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Notório malandro, Wilson Batista fez samba trabalhista para agradar Getúlio Vargas: Quem trabalha é que tem razão / Eu digo e não tenho medo de errar... dez. 08

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10momentos da ciência e da saúde antigo fóssil humano das Américas. Batizada Um crânio encontrado perto de Belo Horizonte é o mais dos índios. out. 99 como Luzia, a mulher chegou aqui três mil anos antes

Brasileiro inventa rádio e italiano leva a fama

epidemias do nosso tempo”, disse o médico e “O sedentarismo é a maior e mais grave de todas as . mar. 07 escritor Drauzio Varella, em entrevista ao Almanaque a do veneno da jararaca poderia ser usada em O médico Maurício Rocha e Silva descobriu que a enzim set. 03 inina. tratamento de hipertensão. Estava inventada a bradic de 1950. A honraria acabou indo para o colega César Lattes era o favorito a ganhar o Prêmio Nobel nov. 06 inglês Cecil Powell, por fatores mal-explicados. a máquina de escrever em O padre paraibano Francisco João de Azevedo inventou 01 . nov 1861. A fama, porém, foi para os norte-americanos.

Em 1893, um ano antes de o italia no Guglielmo Marconi inventar oficia lmente o rádio, o padre gaúcho Landell de Moura transmitiu sua própria fala da avenida Paulista para o Alto de Sant ana, a oito quilômetros dali. Chamaram-no de impostor, bruxo. Desiludido, abandonou os experimentos. Deixou para trás as patentes do transmissor de sons (ondas hertziana s), do telefone e do telégrafo sem fio.

set. 04

pela Vista com desconfiança pela população, a campanha -quebra quebra em u acabo Cruz do vacinação antivariólica de Oswal 05 . nov Rio. no generalizado no Rio a Em 1900, o médico Eduardo Chapot Prevóst realizou . mai. 06 mundo do sas siame irmãs primeira cirurgia de separação de um incansável Durante 30 anos, o médico ucraniano Noel Nutels foi deles, lado ao tempo do parte boa Viveu . índios amigo dos abr. 02 combatendo malária, tuberculose e outras doenças. e a dom Pedro Numa feira na Filadélfia, Graham Bell demonstra o telefon u importar o decidi que dor, impera o ou exclam fala!”, II. “Meu Deus, isso aparelho no ato. mar. 05

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Ele foi atacante do Íbis, o pior time do mundo, durante 10 anos. A marca impressiona: um gol na carreira. Detalhe: numa derrota por 8 a 1. Abandonou os gramados e abriu um salão de cabeleireiro. Mas faz questão de afirmar a masculinidade. Criou até uma forma própria de atender ao telefone: “Jogador do Íbis, cabeleireiro e homem: Mauro Shampoo, às suas ordens”. set. 07

www.almanaquebrasil.com.br

Descoberta por Luis Fernando Verissimo , a senhora conhecida como Velhinha de Taubaté acreditava em tudo que os políticos falav am na tevê. Sem exceção. fev. 08 O vendedor José Luís Pereira da Silva se sentiu discriminado em uma agên cia bancária de São Paulo. A resposta: voltou ao banc o para depositar 4 mil reais. Em moe das. ago. 05 Para pregar uma peça em Toquinho, Chic o Buarque inventou que Caetano Velo so havia ficado louco. Ao receber a visita de Maria Beth ânia, teria berrado: “Sai, carcará!”. . 08 abr

Camisa 10 do pior time do mundo

fez um gol em 10 anos

O italiano Meneghetti só furtava de ricos e nunca ameaçou ninguém. Sua últim a ação foi uma tentativa de arrombamento de uma casa em São Paulo. Tinha 92 anos. jan. 04 Hugo Bidet criou a Banda de Ipanema . Era ator e artista plástico. Quando perg untavam sua profissão, no entanto, respondia com pesar: “Não sou músico”. mar. 09 No enterro de um amigo, Roniquito de Chevalier entrou na capela ao lado e exclamou: “O defunto de vocês é uma merda. O nosso é muito mais bonito!”. . 09 jan “Pavoroso incêndio no Rio”. O fogo, na verdade, mal chamuscara as paredes. O sensacionalismo era uma das arma s do pequeno jornaleiro José Bento. Hoje há uma estátua em sua homenag em. set. 08 Aparício Torelly, o Barão de Itararé, des contava 15 anos de sua idade. E justificava: “Passei três anos perseguindo mulheres, dois no xilindró e dez na segunda série de Medicina, reprovado em anatomia descritiva.” nov. 06 Durante uma noite de bebedeira na Lapa , o editor carioca Augusto Frederico Schmidt perdeu os originais de Caetés, primeiro romance de Graciliano Ramos. Só o encontrou um ano e meio depois. abr. 08


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iniciativas louvaveis

Salvador, Bahia. Maio de 2003. Uma empresa convocou o operador de escavadeira Hamilton dos Santos para mais um serviço. Deveria por abaixo as duas casas de Telma Sueli dos Santos Sena, após um pedido de reintegração de posse. A mulher, que vivia com o marido, sete filhos e cinco parentes, sentou na calçada e começou a chorar. Ao ver a cena, Hamilton não conseguiu avançar e também chorou. “Endureça seu coração”, exigiu um policial. Continuou imóvel. Recebeu ordem de prisão. Duas semanas depois, a Prefeitura anunciava que regularizaria o lote de Telma. out. 03

Sua ialmente por denunciar a destruição da Amazônia.. 03 O líder seringueiro Chico Mendes ficou famoso mund mar . 1988 em o sinad assas Foi tática: não violência e resistência pacífica. imental do Negro. Os atores eram recrutados Em 1944, Abdias do Nascimento cria o Teatro Exper . 08 domésticas e moradores de favela. nov gadas empre entre operários, ira publicação dedicada às mulheres. O Jornal das Senhoras, de 1852, torna-se a prime suas propriedades”. jan. 05 Com um apelo aos homens: “Não nos considere s no Programa Nacional de Alfabetização. Em 1962, Paulo Freire alfabetiza 300 camponese . 03 as. O golpe de 1964 impediu. set pesso de es milhõ 5 Pretendia alcançar . 07 quatro anos antes da Lei Áurea. mar Em 1884, o Ceará abole oficialmente a escravidão,

Lágrimas vencem justiça

Mangue, rtável apartamento no Rio para a favela de Beira A educadora Vera Lazzarotto mudou-se de um confo mar. 05 4%. para 74% de o betism analfa o iu reduz em Salvador. Entre diversas ações, seu projeto social da Zona da agem “Eles estão com fome”, sobre a população fev. 06 Ditadura militar, 1968. Eurico Andrade faz a report ia. matér na da o dinheiro para a população retrata Mata. Ganha Prêmio Esso e 2 mil dólares, mas doa ia e pela Vida, Betinho lança a Ação da Cidadania contra a Misér . nov. 04 Brasil do ia histór da s sociai entos um dos mais importantes movim ação cratiz io cria o Comitê para a Demo Para promover a inclusão digital, Rodrigo Bagg . 05 o. mar mund do redor çava 946 escolas ao da Informática (CDI). Em 2005, o programa alcan eiro ge a entrada de judeus no País. O embaixador brasil Durante a 2ª Guerra Mundial, o Estado Novo restrin s. 04 . judeu mil abr salva e o inaçã determ a na França, Souza Dantas, desobedece

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Os 10 personagens mais citados pelo Almanaque

Tom Jobim Câmara Cascudo João Gilberto Juscelino Kubitschek Chico Buarque Pelé Vinicius de Moraes Manuel Bandeira Mário de Andrade Dom Pedro II

determinado momento, A cada reunião de paut a do A lmanaque, em um dos nomes mais alguém excla ma: “Chega de Chico!”. Ele é vezes, devemos dizer, de publicados nos 10 anos da revista – algumas as do A lmanaque Chico já maneira levemente debochada. Nas págin do e teve carta s deva ssada s. venceu concurso de mentiras, foi entrevista a, como trapaceava em Já cont amos sobre sua relaç ão com Garrinch is manobra s para driblar concursos televisivos musicais e as impa gáve nova mente, Chico. Mas aqui a censura dura nte a ditadura. Perdoe-nos está você outra vez. s éria mat no s l a ecia e: das p o s t E L ei a ste n a q u .b r s n e o Alma a m d a d l.co cit site rasi b o e v u no a naq .al m w w w Abril 2009


É tempo de festa Para celebrar os 10 anos do Almanaque, tomamos de empréstimo festanças, folguedos, tradições e bailados que sacodem poeira País afora. Em ruas, praças e estradas de chão. De Santa Catarina ao Pará; da Paraíba a Goiás. Tudo coisa nossa. E viva o Brasil!

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empo de vivas! Do lado de cá, festejos no Almanaque; do lado de lá, festanças, folguedos, bailados e saudações de um Brasil brincante. Daqui prali e de lá pracolá, a mesma alegria pura, cheia de vida. Para despregar os pés do chão, sons de chocalho, reco-reco, cuíca, flauta, cavaquinho, tamborim e pandeiros. É hora de se embelezar – ou se empavesar, como também se diz – com muita lantejoula, fita, máscara, cocares, penduricalhos, cores e brilhos. Comemorações para lembrar ou só pra fazer traquinagens. São heranças de índios, africanos e europeus. Mas em versão nossa. Pra virar rei, marujo, boi ou cavaleiro. De foliões solitários a blocos; de cordões e cortejos a escolas. Em nova e delirante ordem/desordem, como definiu o etnofotógrafo Pierre Verger. Tudo para arrebatar, instaurando o sonho. E um pouco mais.

Iê, iê, iêraqui Jô sadu, canari Ahn Canto mágico dos índios Tapirapê

Com reiban no rosto, caboclada treme a terra Uma das mais originais manifestações da cultura pernambucana explode durante o Carnaval nas áreas das plantações de cana-de-açúcar, em Nazaré da Mata, a 55 quilômetros de Recife. É o maracatu de baque solto, tradição herdada dos antepassados índios e negros. Seu personagem principal é o caboclo de lança, com seu extravagante manto bordado de lantejoulas e vidrilhos, costurado de tal maneira que não passa nenhum ventinho. Nas mãos, a lança com fitas listadas; na cabeça, rebrilhando ao sol, uma imensa cabeleira de papel celofane. Pra completar o figurino, uma rosa na boca e um óculos tipo reiban – ou Ray-Ban, para os mais versados. Acompanhando a pisada dos caboclos, instrumentos de sopro, agogôs, surdos, taróis e triângulos. www.almanaquebrasil.com.br


Caipiras bailam em Aracaju e em todo o Brasil Desde o século 4 acendiam-se fogueiras em junho para saudar o verão europeu. O catolicismo associou a celebração ao aniversário de são João. No século 12, os portugueses passaram a incluir na festa junina são Pedro e santo Antônio. E nós também. Por aqui a festança ganhou viço. No arraial de Aracaju, por exemplo, não pode faltar milho, batata doce, canjica, cuscuz, pamonha, arroz doce, pinhão, pé-de-moleque e pipoca. Comilança regada a vinho quente e quentão. No terreiro enfeitado com bandeirinhas coloridas, sempre em torno da fogueira, acontece o casamento da roça, pipocam fogos de artifício e casais dançam ornados com retalhos, babados e chapéus de palha. Em Aracaju e em todo o Brasil.

Cavaleiros endiabrados roubam a cena em Pirenópolis A roqueira, um foguetão feito de pólvora e farinha de mandioca, acorda a tranquila Pirenópolis numa madrugada de maio. É a deixa para a Festa do Divino começar. A celebração, que inclui procissões, novenas, danças e a cavalhada, é para lembrar as batalhas entre católicos portugueses e mouros. Na arena de Pirê, 12 cavaleiros cristãos, vestidos de azul – cor do céu e do perdão – lutam contra mouros trajando vermelho – cor das “chamas do inferno” e das amarguras. Entre um combate e outro, estouvados cavaleiros roubam a cena. Faiscantes em suas fantasias de cetim, e protegidos por máscaras de cara de boi com chifres enfeitados de rosas, provocam a plateia, fazem troça e zombam de desafetos e políticos.

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O Divino também pede Um lugar no seu altar Que esta pomba verdadeira Está cansada de voar Folia do Divino, São Luís do Paraitinga-SP

À beira do Caeté, quem comanda a festa é a mulherada A marujada de Bragança em nada se assemelha ao auto para exaltar a Nau Catarineta. Nessa cidade às margens do rio Caeté, no Pará, a festa faz parte do culto a são Benedito, filho de escravos etíopes que, para resistir aos maus tratos de seus senhores, entregou-se com fervor à oração. Em 26 de dezembro acontece uma grande festa em homenagem ao santo negro. Apenas mulheres – as marujas – se apresentam, dançando com pés descalços. Vestem saia azul, rodada e longa, e blusa rendada branca. Na cabeça, um chapéu especial, enfeitado com penachos brancos com até meio metro, salpicado de lantejoulas e ornado com fitas multicoloridas. A dança é o retumbão, cadenciada pelo tambor. Abril 2009


Em Conde se festeja com a dança preferida de Lampião Dizem que o coco dançado em Conde, Alagoas, é criação dos negros do famoso Quilombo dos Palmares, mas são claros alguns traços da cultura indígena. O ritmo é sincopado, pontuado por passos laterais típicos da dança dos índios. Forma-se uma roda de homens e mulheres vestidas com saias rodadas e estampa florida. Os pares cantam acompanhados de batidas de mãos encovadas, cujo som se assemelha ao de cocos sendo quebrados. Daí o nome da dança. Podem também entrar na folia tamborins, zabumba e adufe, um tipo de pandeiro. Conta-se que era a dança preferida de Lampião e seu bando de cangaceiros.

Boi bordado é a estrela da festa em Entremontes

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O boi é motivo de cultos, festas e danças do Egito antigo à Índia. No Brasil, onde chegou com os colonizadores europeus, tem diferentes nomes. O bumba-meu-boi é do Maranhão, dividido em três categorias: boi-de-matraca, boi-de-ilha e boi-de-orquestra. O boi-de-mamão é catarinense. O boi-faceiro, de Odivelas, no Pará, é o único com quatro patas – as pernas dos “tripas”, jovens que dão vida ao boi. Na ilha de Marajó a cabeça é feita com a carcaça de um boi morto. Na alagoana Entremontes, vila de pescadores e bordadeiras banhada pelo São Francisco, o boi sai nos dias de Carnaval. Sua armação, feita de ripas de madeira ou taquara, é recoberta com tecido de chita. Por cima pousa um belo manto bordado em ponto de cruz e richelieu, arte das rendeiras e bordadeiras de lá.

Esta noite eu tive um sonho Eu tive das dez para as onze Sonhando com meu benzinho Que estava de mim tão longe Fandango, Cananeia-SP

No sul, a oferenda: proteção, fartura, amor e felicidade As jovens descendentes dos imigrantes ucranianos da cidade de Itaiópolis, Santa Catarina, preservam suas tradições. Apresentam-se com os cabelos amarrados em um coque, coroa de flores com longas e coloridas fitas, blusa bordada branca, saia xadrez, colete e botas vermelhas. Brindam os donos da casa num ritual tocante. Com mesuras e passos delicados, oferecem uma bandeja de onde pende uma toalha bordada com motivos florais e arabescos. Sobre a bandeja, o korovai – pão de massa doce, enfeitado com pássaros e flores. Ao lado, um copinho contendo sal. Estes são os símbolos de proteção, fartura, amor e felicidade. Tudo o que desejamos para o Almanaque nessa festa de 10 anos. E viva o Brasil! www.almanaquebrasil.com.br



O Calculista das Arábias

ligue os pontos

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

a Aos 10 anos, ensinou a mãe a colocar marcha à ré num carro hidramático. Criança agitada, gastava dois sapatos por mês e poucos minutos para fazer a lição.

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autor da redação “Autobiografia de um gavião”. Fazia e empinava pipas. Adorava o mar do Rio.

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c Fã de Júlio Verne, achava que as histórias podiam ser verdadeiras. Gostava de observar as máquinas da fazenda de café da família.

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d Chegou ao Brasil aos 10 meses. Dez anos depois, disputava “xixi à distancia”. As freiras da escola achavam que exagerava nos gestos.

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acervo da família

b Aos 10 anos, a professora duvidou que fosse

Três marinheiros ganharam um prêmio do capitão do navio. No desembarque, o almoxarife deveria partilhar entre eles uma caixa cheia de catis. As moedas, mais que 200, não chegavam a 300. Durante a noite, um dos marinheiros pensou que seria melhor tirar sua porção para depois não haver brigas. Dividiu o prêmio em três e pegou sua parte. Jogou ao mar uma moeda que sobrou. O segundo marinheiro teve a mesma ideia. Foi até o baú, dividiu o que havia em três, descartou uma moeda sobressalente e ficou com uma porção. Tudo repetiu-se com o último – pegou um terço do que encontrou no baú e descartou um cati. No dia seguinte, o almoxarife distribuiu o conteúdo da caixa igualmente entre os três e ficou com uma moeda. Quantos catis havia no total? Com quantos cada marinheiro ficou?

R O B R A S I L I Ô M E T R O S E teste o nível de sua brasilidade

Palavras Cruzadas

Elis ganhou o 1º Festival de Música Brasileira em 6/4/1965 com: (a) Disparada (b) Arrastão (c) Madalena (d) Sabiá Em 22/4/1500, Cabral chegou ao Brasil na caravela: (a) Nina (b) Pita (c) Maria (d) Nenhuma das alternativas anteriores Zuzu Angel, morta em 14/4/1976, perdeu um filho: (a) Traficante (b) Professor (c) Militante (d) Político Deu nome ao estádio do Pacaembu, inaugurado em 27/4/1940: (a) João Havelange (b) Paulo Machado de Carvalho (c) Zagallo (d) Pelé Grupo de Pixinguinha, que estreou em 7/4/1919: (a) Cinco Varinhas (b) Dois Regentes (c) Oito Batutas (d) Dez Sabidos Em 30/4/1946, o presidente Dutra proíbe: (a) Biquini (b) Cassinos (c) Lança-perfume (d) Carnaval

Respostas Mano Brown VIDAL CAVALCANTE/AE

O CALCULISTA DAS ARÁBIAS – Eram 241 moedas. O primeiro marinheiro pegou 80 e deixou 160 – sobrou 1. O segundo pegou 53 e deixou 106, descartou 1. O último pegou 35, deixou 70, descartou 1. O almoxarife dividiu 70 por 3. Sobrou 1 e cada marinheiro ganhou mais 23. A fórmula geral para resolução é: x=81k-2 (no caso, a variante k é o número de marinheiros). BRASILIÔMETRO – 1a; 2b; 3d; 4c; 5b; 6c; 7d; 8d.

Pseudômino da poetisa goiana Ana Lins, morta em 10/4/1985: (a) Nísia Floresta (b) Hilda Hilst (c) Florbela Espanca (d) Cora Coralina

3a (Ayrton Senna); 4c (Santos Dumont).

valiação

SE LIGA NA HISTÓRIA – 1b (Tom Jobim); 2d (Carmen Miranda); ENIGMA FIGURADO – Zeca Baleiro. O QUE É O QUE É? – Batata da perna. CARTA ENIGMÁTICA –Caros leitores, esta carta é dedicada a vocês, como sincero agradecimento pelo apoio que nos deram desde nossa primeira edição, em abril de 1999. Pelo carinho, nosso muito obrigado.

DE QUEM SÃO ESTES OLHOS?

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Na véspera da votação das Diretas Já!, 24/4/1984, em várias cidades o povo: (a) Bateu panela (b) Pintou a cara (c) Vestiu-se de preto (d) Usou nariz de palhaço

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Conte um ponto por resposta certa

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Nossa história começou em abril A alguém lançou o grito: “Terra à vista!”. Finalmente a

v iagem mar í t ima já dur av a 4 4 dias , quando

muitos índios não têm sequer barba? Logo os estrangeiros tentaram agradar os nativos. Para ganhar a confiança, ofereceram um gorro vermelho, um sombreiro preto e uma carapuça de linho. Os índios retribuíram com um cocar de penas de papagaio – mal sabiam que estavam prestes a entregar para os portugueses muito além do que a vista alcançava. Os olhos dos europeus devem ter se enchido. A mata intocada, os bichos exóticos, as praias de uma beleza nunca antes vista. E, claro, os tesouros naturais. Na Carta de Achamento do Brasil, Pero Vaz de Caminha explica ao rei de Portugal: “Até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro”. Logo fariam essas novas descobertas. Nossa história estava apenas começando.

tripulação comandada por Pedro Álvares Cabral poderia desembarcar. Era 22 de abril de 1500. Os portugueses avistaram um grande monte no litoral onde hoje é o sul da Bahia, e batizaram de Monte Pascoal. Os forasteiros decidiram que alguns tripulantes fariam contato com o novo lugar. Os nativos devem ter tomado um baita susto: de repente, surgiu dos mares um bando de brancos barbudos, vestidos da cabeça aos pés e um tanto mal-cheirosos – os portugueses não tomavam banho há quase dois meses. Os desbravadores também devem ter achado tudo muito estranho. Na praia os esperavam dezenas de índios pelados (sem roupa) e pelados (sem pelo) – você sabia que

Antes de haver Brasil havia os brasileiros

JÁ PENSOU NISSO?

As embarcações de Cabral demoraram 44 dias para chegar ao litoral da Bahia. Viajaram, portanto, numa velocidade média de 13 quilômetros por hora. Num transatlântico de hoje em dia, que pode cortar os mares a 60 quilômetros por hora, a viagem teria durado quatro dias e 17 horas. Já numa lancha, estariam no Novo Mundo em três dias. Azar o deles que não existia avião naquela época. Dentro de uma aeronave, iriam de Lisboa à Bahia em apenas oito horas. E com direito a serviço de bordo.

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O que os indios

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canibais vegetarianos comiam?

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Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do Almanaque. Descubra a letrinha colorida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.

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Já reparou que muitas vezes o sufixo “eiro” designa profissão? Pode conferir: barbeiro, costureiro, marceneiro, açougueiro, brasileiro... Opa. E brasileiro por acaso é profissão? Pois saiba que um dia foi. Na época do Descobrimento, os “brasileiros” eram os homens que exploravam o pau-brasil, desmatando florestas e vendendo a madeira na Europa. De tão importante – principalmente pela tinta vermelha que possui –, a árvore deu nome ao País. Mas não foi o único. Quando Cabral chegou, fomos batizados como Ilha de Vera Cruz. Um ano depois, Terra de Santa Cruz. Até que decidiu-se o nome definitivo destas terras: Brasil.

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Em Portugal Pedro previu o pau-brasil

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Das ruas para os palcos, banda-bloco mantém a alegria

Vicente

Tudo começou num bloco de Carnaval do Rio, em 1998. O Bangalafumenga saía pelas ruas da cidade com marchinhas e canções improvisadas. Dali surgiu a ideia de montar uma banda. O nome não podia ser outro: Bangalafumenga (segundo o dicionário Houaiss, “indivíduo insignificante e inútil”), que acaba de lançar Barraco Dourado, o terceiro álbum da carreira. O disco é uma mistura de ritmos autenticamente brasileiros, como o samba, a ciranda e o maracatu, com batidas modernas de funk e rap. As dez faixas são envol-

Perto

ventes, com força percussiva e vocais limpos. As letras – boa parte assinada pelo vocalista Rodrigo Maranhão, que também tem canções gravadas por Fernanda Abreu, Maria Rita e Pedro Luís e a Parede – são criativas e bem elaboradas. Há ainda duas regravações: Trilhos Urbanos, de Caetano Veloso, e Loirinha Bombril, dos Paralamas do Sucesso. A música SextaFeira se destaca como uma síntese da energia musical da banda: Minha vida é sextafeira / Minha vida é virtual / Minha vida é (BH) forrozeira / Minha vida é Carnaval...

Parceiro de Tom Zé, Gonzaguinha e Alceu Valença (é autor de Morena Tropicana), Vicente Barreto propõe uma viagem por vários ritmos.

Apenas com voz e violão, Olivia Byington apresenta gravação sem retoques, como se fosse ao vivo. O repertório é múltiplo: bossa, rock e até música francesa.

O Último Dia de um Homem sem Juízo

Com letras espertas e inusitadas, o guitarrista e compositor Pélico lança o primeiro disco. Destaque para Naquela Casa e Senhor do Meu Fim.

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Orgulho verde-amarelo, bispo vermelho ganha biografia O fundador da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) era cearense. Acreditava na Igreja perto dos fiéis e conquistou o direito de rezar a missa em português, olhando para cada um. O “bispo vermelho” ou “irmão dos pobres” estaria completando 100 anos. Dom Helder Camara – O profeta da paz foi relançado para comemorar o centenário. Como o bispo era vivo na época da primeira edição da biografia, acrescentou-se um novo capítulo sobre a morte, em 1999. O caminho do arcebispo de Recife e Olinda divide-se por fases no livro de Nelson Piletti e Walter Praxedes. Começa com www.almanaquebrasil.com.br

Anos Verdes, quando o padre alia-se ao integralismo. Em Anos Dourados, abandona essa corrente e empenha-se em projetos de justiça social no Rio. Relaciona-se bem com o Vaticano, mas é malvisto pelos poderes conservadores do Brasil, que o rotulam comunista. A luta contra a ditadura militar marca Anos Vermelhos. Na introdução, os autores revelam como o regime brasileiro agiu às escondidas para que dom Helder não ganhasse nenhum dos quatro prêmios Nobel a que foi indicado nos anos 1970. (NP) Contexto, 400 p., R$ 50

As Meninas e o Poeta

Manuel Bandeira Uma seleção de dedicatórias em verso escritas pelo poeta para meninas do seu círculo de amizade. Ele não tinha filhos, mas levava jeito. Ilustrações sensíveis e divertidas de Graça Aranha. Nova Fronteira, 96 p., R$ 23

O Amor Fecunda o Universo

Frei Betto e Marcelo Barros No 55° livro de Frei Betto e 33° de Marcelo Barros, a dupla propõe a religação com a natureza, o cosmos e o espírito, grande desafio da atualidade. Agir, 246 p., R$ 35

Rio Além do Rio

Grupo de 34 fotógrafos mostra ângulos pouco convencionais da região metropolitana e das demais sete sub-regiões do estado fluminense. Foco para paisagens e atividades econômicas. Metalivros e Imprensa Oficial (RJ), 240 p., R$ 136



JABUTICABA Myrciaria cauliflora

A dadivosa Os tupis a chamaram iapoti’kaba: fruta em botão. Genuinamente brasileira, a árvore saiu da Mata Atlântica e ganhou quintais e pomares de norte a sul, graças à gostosura da frutinha que ela dá com fartura: um só pé pode produzir mil quilos num ano.

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omo certos vinhos, ou como muitas pessoas, a centenária jabuticabeira vai se aprimorando com o rolar do tempo. Demora até 10 anos para frutificar, mas quando começa não para mais e, quanto mais envelhece, mais frutas dá, e de melhor qualidade. Árvore da família das mirtáceas, pode atingir 15 metros de altura. Tem tronco claro e liso como a goiabeira, sua prima. Floresce em geral duas vezes ao ano, em julho-agosto e novembro-dezembro. A árvore se cobre de florzinhas brancas e perfumadas, que se transformarão em frutos maduros em agosto-setembro e dezembro-janeiro. A casca da jabuticaba, de um roxo quase preto brilhante, envolve até quatro sementes e uma polpa branca, docinha, sumarenta, que faz a delícia de toda gente, de insetos, aves e outros bichos, como o Marquês de Rabicó, “um leitão muito guloso”, conforme veremos adiante. A jabuticabeira é natural da Mata Atlântica, originalmente presente das Minas Gerais e do Espírito Santo até o Rio Grande do Sul. Hoje, brasileiros do extremo sul ao extremo norte a cultivam em pomares e quintais para regalar-se com a frutinha ao natural ou em forma de geleia, suco, vinho, vinagre, aguardente, compota feita da casca e um

licor que quem prova fica freguês. Até o meio do século 20, não se comprava jabuticaba. Era programa uma família visitar outra que tinha um pé no quintal. Naquele Brasil urbano-rural, a maioria das frutas ou você cultivava ou ganhava. Jabuticaba chegava em casa de baciada. Nossa mãe pedia à criançada para não esquecer de, depois de chupar, jogar as cascas numa tigelona. Deixava aquilo fermentar e fazia a bebida que guardava na cristaleira, numa licoreira de cristal. As visitas sorviam o licor vermelho-púrpura em cálices, estalando a língua. Dentre cerca de uma dúzia de variedades, a mais cultivada é a sabará, de fruta maior e mais doce. Aliás, a cidade histórica mineira de Sabará realiza, desde 1987, entre fim de outubro e começo de novembro, a Festa da Jabuticaba. Dentre as atrações, pode-se reviver o costume de “alugar” um pé: famílias abrem seus portões e você paga para se deleitar até se fartar. Essa mirtácea, no auge da produção, fica forrada de milhares de frutas, grudadinhas nos galhos e no tronco quase até o rés do chão. Umas, meio verdes; outras, meio maduras; mas a maioria no ponto. A safra dura pouco, se você não aproveitar em 15 dias, babau.


No ritmo do Sítio

Tloque! Plufe! Nhoque!

Iolanda huzak

Que lógica é essa?

E

la é tão nossa, que os cronistas criaram a expressão Teoria da Jabuticaba para ironizar toda ideia que fuja aos padrões dos gringos. “É a lógica da jabuticaba, só dá no Brasil”, explicou o jornalista Luis Nassif, atribuindo a metáfora ao economista Pérsio Arida, que participou dos planos Cruzado e Real. Mas, plano vai, plano vem, os economistas não conseguem tirar um país tão rico do pódio de pior distribuição de renda do mundo. Esta, sim, é uma bela “lógica da jabuticaba”: só mesmo no Brasil.

Tenha a sua no quintal M

ais até do que a uva tinta, a jabuticaba contém antocianina – antioxidante que combate os radicais livres, prevenindo câncer e retardando o envelhecimento. A casca contém pectina, que diminui o colesterol. A polpa tem ferro, para o sangue; fósforo, para o cérebro; e, dentre outras, vitamina C, antiinfecciosa. Mas atenção: três horas depois de colhida, ela começa a fermentar. Procure consumir no mesmo dia. Ou melhor, você tem um quintal? Plante. Jabuticaba se come mesmo é no pé.

F

eliz a criança que se inicia nas letras lendo Monteiro Lobato. Ele a toma pela mão e a leva pelo Sítio do Pica-Pau Amarelo, ou em visita à Grécia antiga, ou ao País da Gramática, e em cada lugar o pequeno leitor se mete em fantásticas aventuras, preparando a cabecinha para voos cada vez mais altos. Indeléveis episódios ficam na memória, como se a gente os tivesse vivido de verdade. Como aquela vez em que Pedrinho manda avisar que levará uma semana para chegar. E sua prima Lúcia, do narizinho arrebitado, não gosta de esperar. Ainda bem que é época de jabuticaba. Imagine um pomar com vários pés. Um paraíso para toda criança. Narizinho nem vê a semana passar, encarapitada que passa durante horas nas árvores, “que nem uma macaquinha”. A insuperável verve de Lobato introduz então na história “um leitão muito guloso”, o Marquês de Rabicó, e com isso compõe a “música da jabuticabeira”. O ritmo a gente nunca mais esquece, o tal de tloque-plufe-nhoque, tloqueplufe-nhoque – o tloque da dentada de Narizinho na jabuticaba, o plufe da casca jogada fora e o nhoque de Rabicó abocanhando lá embaixo.

Saiba maIS Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato (Brasiliense, 1962). Árvores Brasileiras - vol. 1, de Harri Lorenzi (Instituto Plantarum / Nova Odessa, 2002).

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Vendedor sortudo O vendedor estava numa dureza grande. Há meses não registrava um pedido no talão de notas. Um belo dia, porém, encontrou uma lâmpada no meio da rua. Esfregou-a e dela saiu um gênio. – Meu amo! O senhor tem direito a três pedidos! – Eba! Espera aí que vou buscar o meu talão.

Médico diferente Após a cirurgia: – Doutor, entendo que vocês médicos se vistam de branco. Mas por que essa luz tão forte? – Sou são Pedro, meu filho.

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Visões estranhas No consultório: – Doutor, todas as noites eu vejo crocodilos azuis. – Você já viu um psicólogo? – Não, não... Só crocodilos azuis mesmo.

Causos de

Rolando Boldrin

Causos de pescador Um cumpadi meu era daqueles pescadores teimosos. Assíduo freguês do rio Sapucaí. Um dia pegava lá uns peixinhos graúdos, noutros dias só molhava a minhoca. O engraçado é que o local onde ele pescava era o mesmo do Nakano, japonezinho conhecido lá na minha terra. E o mais engraçado de tudo é que Nakano enchia o embornal todo dia. Fosse lua pra peixe ou não. E o meu cumpadi sempre com aquela inveja no fim da tarde. A coisa foi indo de tal maneira que o meu cumpadi chegou a pensar que o tal japonês tinha pacto com gente do outro mundo, ou alguma mandinga. Lá um belo dia, o meu cumpadi não aguentou a curiosidade e perguntou pro japonês: Cumpadi – Ô Nakano! Me conta aí! Cumé que ocê faz pra pegar tanto peixe, se eu que sô pescadô antigo e dos bão num pesco nada? Nakano (com sotaque) – Simpatia japonesa, né? Cumpadi – Deixe de sê miseráve e me ensina um pouco dessa simpatia, uai! Nakano – Japon faz assim, non? Antes de saí cedo, passa mão na bunda da muiéro, né? Aí é só jogá o anzóro e pronto, né? Pexe vem corendo e eu fisga, né? Nosso cumpadi mal conseguia esperar o dia seguinte para encher o embornal de peixe. Mal o dia amanheceu, aproveitou que a esposa estava no tanque lá fora lavando uma roupinha. Como ela estava de costas, ele aproveitou e... zap! Passou a mão inteirinha na bunda dela. A cumadi, sem se virar, comentou naquele jeito de cabocla: “Ô Nakano! Já vai pra pescaria?”. Naquele dia, decerto, ele e o japonês faturaram peixe pra mirréis... Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).

ponto final

Político honesto O candidato a governador sobe ao palanque e diz: – Neste bolso nunca entrou dinheiro do povo! E um grito desponta na plateia: – Calça nova, hein, doutor!

Fruto proibido A serpente insistia: – Coma a maçã, Eva, e serás como os anjos. – Não! – Terás o conhecimento do bem e do mal. – De jeito nenhum. – Conquistarás a sapiência de Deus! – Não adianta insistir. A víbora já estava desesperada, sem saber como convencer a moça a comer o fruto proibido. Até que surgiu uma ideia: – Maçã emagrece!




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