Almanaque Brasil - Outubro 2009

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Outubro de 1958

U

Elifas Andreato

Os nossos sonhos constituem a melhor e mais doce parte da nossa vida.

ARMAZÉM DA M E MÓRIA NAC IONAL Diretor editorial Elifas Andreato Diretor executivo Bento Huzak Andreato Editor João Rocha Rodrigues Editor de arte Dennis Vecchione Editora de imagens Laura Huzak Andreato Editor contribuinte Mylton Severiano Redatores Bruno Hoffmann e Natália Pesciotta Revisor Lucas Puntel Carrasco Assistentes de arte Guilherme Resende e Paula Chiuratto Assistente administrativa Eliana Freitas Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP) Impressão Gráfica Oceano PUBLICIDADE Belo Horizonte: (31) 3281-0283 Marco Aurélio Maia • mam@alol.com.br Brasília: (61) 3321-0305 Charles Marar • cmarar@uol.com.br Charles Marar Filho • chmfilho@uol.com.br Rio de Janeiro: (21) 2245-8660 Fernando Silva • fernando@gestaodenegocios.com.br Enio Santiago • enio@gestaodenegocios.com.br Vitória: (27) 3389.3452 Flávio Castro • flavio@gestaodenegocios.com.br São Paulo: (11) 3873-9115 Maria Fernanda Santos • comercial@almanaquebrasil.com.br Distribuição em voos nacionais e internacionais:

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Ernest Renan (1823-1892), filósofo francês

nossa capa

Aumente seu nível de brasilidade E ainda ganhe pontos para viajar

Zélio

DIVULGAÇÃO

m dos meus sonhos de criança era conhecer a cidade grande que via nas fotos das revistas trazidas por meus tios do comércio, junto com as compras do mês. Como não sabia ler, eram as fotografias que me assombravam de encantamento. Nelas havia um mundo extraordinariamente grande, com altos e belos edifícios, automóveis, praias, lindas mulheres quase despidas e muita gente no mesmo espaço. À noite, eu deitava no assoalho para contemplar aquelas imagens, tingidas de sépia pela luz do lampião a querosene. Para mim, porém, elas eram coloridas. Gastava horas imaginando as cores dos automóveis, das roupas, dos edifícios, e adormecia sobre as fotografias de um mundo que parecia impossível conhecer um dia. Sempre que os tios voltavam de viagem, eu ouvia atento, sem piscar, os relatos daquele universo distante. E de todos escondia meu segredo: um dia eu conheceria a cidade grande. Quis o destino que meu pai adoecesse e se mudasse para São Paulo. Os quatro filhos mais novos o acompanharam. Eu e Eurípides chegamos um ano depois. Pensava na doença do pai, mas era mais forte a ansiedade por conhecer finalmente a grande cidade. Na chegada, ela já dava os primeiros sinais de existência. Pela janela do trem, eu via na paisagem algumas casas correndo na direção contrária, mas ainda não era a grande cidade. Não lembro em que estação o trem parou. Lembro-me apenas que quando a porta abriu, fiquei paralisado ao lado de meu irmão, que tremia de medo. Tudo era tão grande, tão assustador, tão diferente das fotografias que me fascinavam. Naquele momento, intuí que as imagens dos meus sonhos eram de outra cidade. Resgatado da paralisia por um amigo de meu pai, eu só conseguia caminhar olhando para o chão. Meus olhos não estavam prontos para ver o céu, como fazia no interior, sonhando outro futuro. Assim, vestindo calça curta, suspensório cruzado e calçando uma velha alpargata de lona com sola de cordas, cheguei a São Paulo em outubro de 1958. Desde que encarei pela primeira vez a grande cidade, mesmo sabendo que sonhos podem ser também pesadelos, nunca mais parei de sonhar.

Pintor, artista gráfico, cartunista e escritor, Zélio Alves Pinto estudou pintura na Academie La Grande Chaumière, em Paris, cidade em que apresentou sua primeira mostra individual, enquanto trabalhava como correspondente da revista O Cruzeiro. Ao longo da carreira, desenvolveu trabalhos para publicações como A Cigarra, Revista da Semana, Jornal do Brasil, Senhor e O Pasquim. Foi também produtor de tevê, diretor de museu e secretário adjunto de cultura do estado de São Paulo. Irmão de Ziraldo, outro grande artista gráfico, Zélio é o criador do Salão de Humor de Piracicaba, considerado o mais importante do País. Para ele, o chargista tem o poder de, a partir de um ponto de vista irônico, retratar o momento político e social do País. “Chargista e humorista têm muito de arauto”, afirma.

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Ilustrações: GUILHERME RESENDE

Solução na p. 26

O sucesso faz aparecer muita gente em volta. Mas me sinto só.” A frase, dita meses antes da morte, desnuda a personalidade melancólica desse personagem. A mesma melancolia que, transposta para letras de música, fez dele um dos artistas mais respeitados dos anos 1980. Ele nasceu no Rio de Janeiro em 1960. Acompanhando o pai, funcionário do Banco do Brasil, foi viver em Nova Iorque. Aos 11 anos, nova mudança, dessa vez para Brasília. Na cidade, começou a criar sua personalidade musical. Em meados dos anos 1970, eclode o punk. Brasília torna-se importante polo do movimento no Brasil. Com amigos, o adolescente forma a banda Aborto Elétrico. Entre os acordes simples, surgem letras de surpreendente qualidade. O conjunto dura menos de três anos.

Logo depois forma uma nova banda, que passa por diversas formações até se estabelecer como um trio, que contava com um sobrinho-neto de Heitor Villa-Lobos. As letras impactantes, unidas ao carisma ao cantar, fazem dele porta-voz de uma geração. Evitava programas de tevê, criticava a mídia, desdenhava dos políticos. Em 1989, consegue um feito raro: todas as músicas do novo disco se tornam sucesso. Na mesma época, assume a homossexualidade e a doença. Estava com Aids. Durante os anos 1990, lança dois discos solo – um em inglês e outro em italiano. A doença o enfraquece. Cada vez mais se afasta dos amigos, até morrer, em 11 de outubro de 1996. Os fãs não o esquecem. Onde houver uma rodinha de violão país afora, suas músicas continuarão a ser tocadas. (BH)

Uma brincadeira comum entre os jovens paulistanos de classe média nos anos 1960 era furtar carros, dar voltas até a gasolina acabar e abandoná-los em algum lugar da cidade. Numa noite dessas, dois amigos aprontaram mais uma vez. Provavelmente sem se lembrar, acabaram embarcando num carro que já tinham levado para passear. Precavido, o dono tirou o cachimbo do dupla passou a noite numa cela. O jornal Última Hora registrou o acontecimento, com tarjas nos olhos dos menores O. J. e F. B. H. – iniciais de Francisco Buarque de Hollanda, em sua primeira aparição na imprensa. Na foto, reproduzida ao lado, Chico aparece de perfil.

REPRODUçÃO/AB

motor, impedindo a molecagem. Para completar, os meninos foram flagrados pela polícia. A

Outubro 2009


27/10/1912

INAUGUR ADO O TRECHO INICIAL DO BONDINHO DO PÃO DE AÇÚCAR, NO RIO DE JANEIRO, O TERCEIRO DO MUNDO E O PRIMEIRO DAS AMÉRICAS.

12/10/1931

INAUGURAÇÃO DE OUTRO PONTO TURÍSTICO CARIOCA: A ESTÁTUA DO CRISTO REDENTOR. AS LUZES DEVERIAM SER ATIVADAS DE ROMA, VIA ONDAS DE RÁDIO.

O U T U B R O

de quem são estes olhos?

CORRIDA MALUCA NACIONAL

Trampolim do Diabo nos lançou no automobilismo

Ela é cantora e estudou balé por 10 anos. Apesar disso, a dona destes olhos, nascida em 21 de outubro de 1963, fez fama com outra arte. Depois de formada por bons colégios paulistanos, cursou Psicologia e Dramaturgia. Começou a atuar nos palcos e seguiu para cinema e tevê. É sempre lembrada por papeis cômicos, principalmente o de madame, representado em Sai de Baixo, nos anos 1990.

25/10

Na ditadura, Corinthians levanta a bandeira da democracia

N

Chico Landi, um dos pilotos que disputou o Circuito da Gávea.

o começo dos anos 1980, o Corinthians tinha três jogadores que pouco se assemelhavam ao perfil típico de boleiros. Sócrates era um meio-campista formado em Medicina; Wladimir, lateralesquerdo, comunista; e Casagrande, centroavante, amante de rock e teatro. Juntos, encabeçaram um movimento que entrou para a história do futebol e da política brasileira: a Democracia Corintiana. VaLendo-se da saída do presidente Vicente Matheus, os jogadores propuserem aos novos dirigentes uma nova forma de gerir o clube. Todas as decisões passariam a ser tomadas por voto – desde o horário de treinamento até a escalação da equipe. E o voto do presidente teria o mesmo peso do que o de qualquer reserva. A concentração – ou “campo de concentração”, como definia Sócrates – foi praticamente abolida. Os jogadores entravam com faixas alusivas à política nacional, como “Ganhar ou perder, mas sempre com democracia” e “Quero votar pra presidente do Brasil”.

O ANTÔNIO LÚCIO/A.E

dia da democracia

ARQUIVO GERAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Confira a resposta na página 26

“Dia 15, vote”: Corinthians entra em campo no Paulista de 1982.

Havia quem não gostasse nada daquele papo. As maiores resistências vieram do goleiro Leão, que se recusava a votar, e de Vicente Matheus, que queria voltar ao poder. Mas o bicampeonato paulista de 1982 e 1983 dava poucos argumentos aos desafetos. A história acabou em 1985, com a volta da chapa favorável a Matheus à presidência. Ironicamente, no mesmo ano em que o Brasil via-se livre dos militares. Mas, para os jogadores da época, o episódio serviu de ensinamento para toda a vida. “Depois de ter passado pela Democracia Corintiana, nunca mais tive medo de falar a verdade, de defender o que acredito”, afirmou o zagueiro Juninho. (BH)

Assista no site do A lmanaque a uma reportagem sobre a Democracia Corintiana. www.almanaquebrasil.com.br

Brasil entrou para o calendário internacional do automobilismo em 8 de outubro de 1933, com o Primeiro Prêmio Cidade do Rio de Janeiro. A prova era no Circuito da Gávea, mais conhecido como Trampolim do Diabo. O apelido deve-se ao fato de o percurso urbano de 11 quilômetros, brindado com mais de 100 curvas, mesclar paralelepípedo, cimento, areia e outras sortes de piso. Além disso, os carros passavam por um escorregadio trilho de bonde. As baratinhas, como são chamados os carros de corrida da época, ao lado de automóveis improvisados em oficinas, contornavam o morro Dois Irmãos e passavam pela Estrada da Gávea, onde hoje fica a favela da Rocinha. A primeira corrida teve a participação do piloto Chico Landi, mas ele ainda não seria o vencedor. Quem ganhou a primeira edição da prova foi outro corredor da Alfa Romeu, Manoel de Teffé, um dos (NP) agitadores do evento. No site do Almanaque, veja fotos do Circuito da Gávea e assista a uma corrida no percurso.


COISA DO PASSADO?

enigma figurado

Radioamador teima em não sair de moda

A os 13 anos, tocava canções da Jovem Guarda em bailes. Mais tarde criaria estilo único, regional e universal ao mesmo tempo. Ele nasceu em Brejo do Cruz, Paraíba, em 3 de outubro de 1949. Quando tinha dois anos, o pai afogou-se num açude. O avô, que acumulou a função paterna, foi homenageado no disco de estreia com a música Avôhai. Em 1997, emplacou um grande sucesso na Álbum de Família

abertura da novela O Rei do Gado. Quem é essa figura?

R.:

5/10

dia mundial o da habitaçã

REPRODUÇÃO/AB

Confira a resposta na página 26

Moradia popular com

piscina e mercearia? N

Existe!

partamentos modelados, piscina, quadras, escola, lavanderia coletiva, mercearia. É difícil acreditar, mas a ideia de um complexo assim para moradia popular saiu do papel no Rio de Janeiro. E ainda ganhou painel de Portinari e paisagismo de Burle Marx. Quem for à zona Norte da cidade ainda pode conhecer o Conjunto Habitacional Pedregulho. Foi a primeira coisa que fez o franco-suíço Le Corbusier, um dos maiores arquitetos do século passado, quando visitou o Rio. O projeto ergueu-se no fim dos Pedregulho: conjunto habitacional com painel de Portinari e jardins de Burle Marx. anos 1940, quando Carmen O projeto leva em conta ainda detalhes como Portinho, a primeira urbanista brasileira, dirigia circulação de ar e incidência de luz. o Departamento de Habitação Popular do Rio Os apartamentos – quitinetes ou duplex com de Janeiro. Os traços ondulantes são do seu dois, três e até quatro quartos – foram alugados namorado Reidy, arquiteto-chefe da então capital por custos modestos a funcionários públicos de da República. Grande nome do Modernismo baixa renda. Para o casal de arquitetos, moradia brasileiro, ele completaria cem anos neste mês. deveria ser um serviço público. Seguiam um Reidy planejou o prédio principal sobre colunas pensamento da época que valorizava a vida para que os moradores do morro do Pedregulho comunitária como forma de melhorar as relações tivessem a vista do mar. Em forma de onda, sociais. E imaginavam uma cidade formada por o edifício acompanha os declives naturais do unidades de vizinhança, como o Pedregulho. (NP) terreno – é a chamada “arquitetura racional”. Saiba Mais Carmen Portinho: O moderno em construção, de Ana Luiza Nobre (Relume Dumará, 1996).

MARIZILDA CRUPPE/AG. O GLOBO

A

otícia ruim chega depressa. Hoje temos eficientes instrumentos para isso: celular, mensagens instantâneas, twitter, radioamador... Não, esta última palavra não errou de frase, nem de década. Saiba que a Rede Nacional de Emergência de Radioamadores foi fundada em pleno século 21, no dia 24 de outubro de 2001. Conhecida como Rener, é uma força-tarefa submetida à Defesa Civil nacional, pronta para agir em situações de emergência ou calamidade, quando os meios de comunicação usuais não puderem ser acionados. Seja em inundação, incêndio ou seca, epidemia ou deslizamentos, a rede conta com quase dois mil radioamadores conectados pelo País. São pessoas que possuem os transmissores autorizados pela Anatel, se inscreveram na entidade e estão cientes de algumas orientações básicas. Ter sempre à mão caneta e canivete é uma delas. Outra: “Não enfatizar emoção na transmissão dos fatos”. Recentemente, a rede entrou em ação em grandes enchentes no Nordeste e Santa Catarina. (NP) Confira outras informações sobre a Rener no site do A lmanaque .

o baú do Barão “Há um meio honesto e limpo de você deixar de pagar as contas no fim do mês. É pagá-las no princípio.” Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.

Outubro 2009


/10 20 a do

RODRIGO DAI/DIVULGAçÃO

a di ional d profiss ática m r o f n i

Jequitinhonha também sabe fazer software

S

Oficina de informática promovida na Fabriqueta de Software, em Araçuaí.

e os jovens da pequena Araçuaí são capazes de fazer artesanato, por que não produtos tecnológicos? O pensamento inquietou Tião Rocha, à frente do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (cpcd). A ong instalou na cidade mineira, em pleno Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres do Brasil, a Fabriqueta de Software. Desde o ano passado a equipe de 16 jovens, com idades entre 17 e 23 anos, aprende linguagens da informática. Já desenvolve bancos de dados, sites e jogos eletrônicos. Está inserida no Arassussa, um projeto maior que busca o desenvolvimento sustentável do município – e livrar, enfim, a população da velha sina de imigrante em busca e trabalho, principalmente no corte de cana. Além de mostrar que é possível fornecer serviço qualificado para fora sem deixar a região, os meninos e meninas da Fabriqueta atendem a demandas locais. Fizeram, por exemplo, um sistema de monitoramento dos ingressos para o cinema da cidade e sites para projetos de lá. Também criam formatos eletrônicos para os jogos educacionais do cpcd. A ideia é formar profissionais “com uma visão mais ampla de seu papel na www.almanaquebrasil.com.br

comunidade”, diz o coordenador Washington Rodrigues. Eliandro Nascimento, 17 anos, um dos “agentes comunitários de software”, explica: “Temos que fazer a conexão com o mundo tecnológico e trazer esse conhecimento para a nossa realidade, além de fazer também o sentido inverso: levar a nossa realidade para o mundo tecnológico”. (NP) SAIBA Mais Conheça o portfólio da Fabriqueta e animações que os meninos fizeram deles mesmos: www.fabriquetadesoftware.com.br

pressão

Origem da ex

CHORAR AS PITANGAS

, os Quando a lamentação é grande imas lágr lusitanos dizem que choram s vra pala de sangue. Por aqui, outras o ar ress prevaleceram para exp até bem mesmo sentido, com imagem ear nom de além , nga próxima. Pita ”, em lho rme “ve r dize r que uma fruta, s” nga tupi. A expressão “chorar as pita ou sugere que, para nos queixar os lamuriar, vertemos lágrimas até os. lhad olhos ficarem averme

ACERVO CLUBE SÍRIO

Oscar e Marcel deram o primeiro mundial ao Sírio

MUNDO CONECTADO

Os campeões: Oscar, de pé, ao centro; e Marcel, agachado à frente.

E

m 1987, Oscar e Marcel colocaram o Brasil na história do basquete mundial ao derrotar os norte-americanos em Indianápolis, trazendo para o País a medalha de ouro dos Jogos Pan-Americanos. Oito anos antes, em 8 de outubro de 1979, a mesma dupla colocou o paulista Sírio no posto mais alto do planeta, ao conquistar o campeonato mundial de clubes. O Sírio já vinha de dois vice-campeonatos mundiais, e preparou-se fortemente para a competição. Aproveitou que o Palmeiras tinha encerrado as atividades no esporte e, do clube, trouxe o promissor Oscar, então com 21 anos, para fazer parceria com Marcel. Após três partidas, a final foi disputada contra a fortíssima Bosna Sarajevo, da Iugoslávia. As 15 mil pessoas que lotavam o Ginásio do Ibirapuera viram um jogo vibrante, disputado ponto a ponto. A seis segundos do fim, perdendo por 88 a 86, Oscar sofreu falta e teve direito a três lances livres. Houve um segundo de silêncio no ginásio quando o cestinha errou o primeiro arremesso. Mas logo a apreensão transformou-se em festa quando Oscar converteu os outros dois, levando a partida para a prorrogação. No tempo extra, de acordo com um jornal da época, “o Sírio passou a jogar com perfeição incrível. Não errava nada”. Placar final: 100 a 98. O Brasil começava a conhecer o talento de Marcel e a mão santa de Oscar. (BH) Assista a imagens da final no site do Almanaque.


o u tu b r o ta mb é m te m 1 Dia Mundial da Música 2 Dia Mundial da Juventude 3 Dia do Petróleo Brasileiro 4 Dia do Prefeito 5 Dia do Massagista 6 Dia do Tecnólogo 7 Dia Nacional do Compositor 8 Dia do Direito à Vida 9 Dia do Atletismo 10 Dia da Honestidade 11 Dia da Revolução 12 Dia do Mar 13 Dia Mundial do Escritor 14 Dia Nacional da Pecuária 15 Dia do Professor 16 Dia do Anestesista 17 Dia do Eletricista 18 Dia do Médico 19 Dia do Guarda Noturno 20 Dia do Poeta 21 Dia do Lixeiro 22 Dia da Praça 23 Dia da Aviação 24 Dia Mundial do Desenvolvimento 25 Dia do Dentista Brasileiro 26 Dia da Cruz Vermelha 27 Dia Oficial do Músico 28 Dia da Engenharia Aeronáutica 29 Dia das Flores 30 Dia do Atendente 31 Dia do Ferroviário

13/10

RECEITA INDIGESTA

dia da vida

estação colheita O que se colhe em OUTUBRO

Abacaxi, manga, jabuticaba, caju, mamão, melancia, mexerica, maçã, laranja.

epare os ingredientes: fígado cru e gordura de galinha recém-abatida. Ovos quentes, café, vinho do porto, cebola e cachaça. Leve tudo para um quarto, junto com panos limpos e água fervente. Conte com a ajuda de quatro mulheres experientes para a realização desta receita um tanto indigesta: um parto no Brasil Colônia. Cercado de misticismo, o nascimento de uma criança era tenso. O risco de morte da mãe e do bebê era alto e se acreditava que com amuletos e alimentos específicos o dano seria menor. Durante o trabalho de parto, a mulher se agarrava a escapulários e a uma pedra, chamada mombaza, que, segundo a historiadora Mary Del Priori, tinha a função mágica de atrair a criança para fora. Um cordão de santo Antônio era colocado

em volta da barriga. Nossa Senhora do Bom Parto, Nossa Senhora do Leite e santa Margarida eram algumas das invocações da futura mãe. Enquanto isso, as parteiras untavam suas partes íntimas com gordura de galinha e óleo de açucena. Ou, ainda, vinho quente. A placenta era rompida com a unha do dedo mínimo da parteira. Quando começava a perder líquido, a parturiente ingeria ovos quentes, café e vinho do porto. Para espantar a dor, o indicado era mastigar cebola, tomar goles de cachaça e amarrar fígado de galinha na coxa. Ao nascer, a criança era banhada com cachaça e estopada – uma mistura de ovos com vinho. Depois, era enrolada com uma faixa. Acreditava-se que a sujeira protegia. Estima-se que 30% dos bebês não sobreviviam (Mariana Albanese) ao primeiro ano de vida.

SAIBA Mais História das Crianças no Brasil, organizado por Mary Del Priori (Contexto, 2006).

4/10o dia do cã

Doutor Joe receita alegria aos pacientes

batente começa cedo: às 5 da manhã. Doutor Joe Spencer Wood Gold chega ao hospital com crachá e tudo. De leito em leito, visita todos os pacientes. E quando entra no setor de pediatria é uma festa só. A criançada sai pelos corredores para brincar com o terapeuta. Joe tem apenas 5 anos e é um cão da raça Golden Retriever que trabalha como voluntário em três hospitais de São Paulo. Sua função é divertir crianças e adultos doentes. Quando as irmãs Luci e Ângela conheceram Joe, em 2004, logo perceberam que a doçura do cão poderia ser um santo remédio para a rotina triste dos hospitais. O animal foi adestrado e conseguiu o primeiro emprego em um asilo. Fez tanto sucesso que hoje há fila de espera por ele. Com a procura pelos atendimentos, as donas trataram de ampliar a equipe. Nasceu assim o projeto Joe, o Amicão, e os Cãopanheiros.

laura huzak andreato

O

Santo remédio: Luci, Joe e a pequena Vivian.

Se o paciente está quieto, os cães apenas se sentam ao lado da cama. Sem latir, esperam. Os sorrisos e toques não demoram a aparecer. São o pagamento certo para cada consulta. Para os médicos, a presença dos animais é uma injeção de alegria que ajuda na recuperação dos doentes. Um dos pacientes de Joe era um menino que operou os olhos e se recusava a abri-los após a cirurgia. “Foi só o Joe aparecer, ele arregalou os olhinhos e correu para abraçá-lo. Por isso o trabalho vale tanto a pena”, conta Luci. (Laís Duarte)

No site do A lmanaque , confira um vídeo publicitário do graac estrelado por Joe.

Outubro 2009


23/10 dia da natureza

Para profetas da chuva, natureza é bola de cristal

10

No site do A lmanaque , assista a uma reportagem sobre o encontro deste ano.

iãoa 22-11 escorp23-10

Os indivíduos nascidos sob o signo de Escorpião são apaixonados – por entes queridos, ideias e projetos –, além de profundos e misteriosos. Gostam de amores platônicos e, com boa dose de sensibilidade, sabem decifrar as pessoas ao redor. Persistência e lealdade são marcas do escorpiano. Se gosta de um deles, nem pense em brincar com a confiança que ele te depositou.

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francisco fontenele/o povo

A

pesar do termo sugerir, os profetas da chuva não são adivinhos nem místicos. Suas profecias, na verdade, baseiam-se no que há de mais natural. Exatamente por isso chamam atenção. Num mundo regido pela tecnologia, esses homens espalhados pelo Sertão Antônio Lima, um dos profetas: para prever o tempo, cada um tem seus métodos. Central cearense sabem profetas costumam comparecer. A maioria entender o que a natureza diz. são de agricultores. Raros são acadêmicos. Analisam os sinais do céu, das matas e Somente uma mulher. Cada um tem suas dos bichos, para saber como será o táticas, aprendidas com os pais e avôs por tempo. Atraem imprensa, pesquisadores muitas gerações. Os filhos e netos já americanos, canadenses e universitários começam a participar dos encontros, paulistas para Quixadá, no Ceará. É a garantindo a continuidade das profecias. cidade onde se encontram, no segundo Elas não têm a precisão dos laudos domingo do ano, para dividir opiniões e meteorológicos, mas são mais poéticas. Os anunciar ao povo da região as profecias sertanejos acostumaram-se a controlar a sobre o inverno. Ou seja, se as chuvas, tão ansiedade em relação ao tempo ouvindo os esperadas para a quadra de fevereiro a astutos. Por muito tempo, os profetas maio, virão fertilizar a terra dos foram a única orientação dos lavradores, pequenos agricultores. que iam escutar as previsões na praça, para Tem profeta que começa a colher então decidir quando gastar suas sementes. observações – ou experiências, como eles Nos anos 1950, a meteorologia entrou em chamam – em junho, na festa de São João. cena, mas a tradição não perdeu espaço. Prestam atenção para onde vai a fumaça da Por causa da posição em relação à linha do fogueira. Pode ser útil também saber em Equador, o Ceará é o único estado com que época “fulora” o juazeiro, o pau d’água, apenas uma estação, o verão, durante o ano a oiticica. Atentar para quando o cupim todo. Não se encaixa direito nas perde as asas, para que direção andam as classificações climáticas preestabelecidas formigas, como está o brilho do sol, como pela meteorologia. O clima muitas vezes cantam os pássaros. Aves e tatu na toca castiga os caboclos, mas eles não brigam esperam água. O enxu, espécie de vespeiro, com a natureza. Aprendem a lidar com ela. também anuncia precipitações se está Acertos dão credibilidade para a previsão cheio de mel. Já a estrela-dalva, envolta por sem base tecnológica. No início deste ano, neblina, revela “inverno pouco” – ou seja, por exemplo, os profetas apontaram 60% pouca chuva . de chances de bom inverno a partir de O Encontro de Profetas Populares da março (pela primeira vez um estatístico Chuva, reunião anual, começou a ser transformou os palpites em número). E as promovido em 1996 pela Câmara de (NP) Diretores Lojistas de Quixadá. Cerca de 30 chuvas realmente vieram com tudo.

1 quinta 2 sexta 3 sábado 4 domingo 5 segunda 6 terça 7 quarta 8 quinta 9 sexta 10 sábado 11 domingo 12 segunda 13 terça 14 quarta 15 quinta 16 sexta 17 sábado 18 domingo 19 segunda 20 terça 21 quarta 22 quinta 23 sexta 24 sábado 25 domingo 26 segunda 27 terça 28 quarta 29 quinta 30 sexta 31 sábado

Romano Modesto Francisco de Borja Francisco de Assis Benedito Bruno Justina Taís Dionísio Paulino de York Jaime Serafim Eduardo Calisto Tereza de Ávila Margarida Maria Susana Lucas Paulo da Cruz Pedro de Alcântara Úrsula Maria Salomé João de Capistrano Félix de Tibiúca Frei Galvão Evaristo Frumêncio Judas Tadeu Narciso Germano Afonso Rodrigues

São Frei Galvão Frei Galvão é o único santo nato do Brasil. Nasceu em 1739 na paulista Guaratinguetá. Fundou e construiu o Mosteiro da Luz, em São Paulo. Franciscano, viajava por toda a capitania a pé, reunindo multidões. Suas pílulas curadoras são feitas até hoje pelas religiosas da Luz.


Fases da Lua

1 . 2 . 3 . 4 . 5 . 6 . 7 . 8 . 9 . 10 . 11 . 12 . 13 . 14 . 15 . 16 . 17 . 18 . 19 . 20 . 21 . 22 . 23 . 24 . 25 . 26 . 27 . 28 . 29 . 30 . 31 cheia

minguante

4/10

nova

crescente

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DOR, COR, AMOR

Geraldo Espíndola, Cooperifa é o menestrel do Pantanal palco para arte c dia na tura da lei

RODRIGO OSTEMBERG/FCMS

e indignação da periferia

G

eraldo Espíndola é o compositor-símbolo do Centro Oeste brasileiro. Ele fala “porta” e “porteira” com o sotaque típico do povo que nasceu nestas bandas do Brasil de dentro. Não gosta de cidade grande, sustenta um afinado discurso ecológico e tem um jeito carinhoso que cativa todo mundo. O modo geraldiano de compor, aliás, mudou o rumo da música feita nestes confins do Brasil e fundou uma linha na música popular que até hoje não foi analisada devidamente. “A arte de Campo Grande, Cuiabá e Goiânia ainda será descoberta. Vai chegar o momento do Centro Oeste”, prevê, com sua voz gravíssima. Com centenas de composições, Geraldo convive sem conflito com o fato de a maioria dos artistas de fora de Mato Grosso do Sul pedir sempre a mesma música para gravar: Vida Cigana. A maior intérprete do compositor continua sendo a irmã Tetê Espíndola, que gravou pela primeira vez a música em 1980. Considerado fundador da cena roqueira de Campo Grande, Geraldo é também personagem de muitas histórias. Nos anos 1970, quando morava no Rio de Janeiro e cantava no grupo Lodo, apareceu careca. “Comecei minha carreira no Rio totalmente sem cabelo e tocando craviola de 12 cordas no tempo áureo dos cabeludos e da guitarra elétrica.” Sem viver só das glórias do passado, o compositor, que já fez grande sucesso na Europa, gosta mesmo de seguir, como diz, o ritmo do rio. “Vivo todo dia como se fosse o último da minha vida”, filosofa. (Rodrigo Teixeira, de Campo Grande-MS – OVERMUNDO) Saiba mais Confira músicas e uma entrevista com Geraldo em www.overmundo.com.br

FOTOS: DIVLUGAÇÃO/ MONICA CARDIM

dia do pantaneiro

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m 2000, ao ver uma fábrica abandonada em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, Sérgio Vaz decidiu que ali seria um espaço para encontros culturais. Filho de uma família pobre, mas “que não deixava faltar o básico: comida e livros”, há tempos ele procurava formas de unir a periferia pela arte. Lá nasceu a Cooperativa Cultural da Periferia, Cooperifa, um dos movimentos artísticos mais ativos de São Paulo. Os primeiros encontros reuniram diversas atividades, mas o ponto forte eram os saraus de poesia. Neles, a indignação de quem vive na periferia surgia em forma de arte. O povo oprimido encontrava um espaço de liberdade ali, do ladinho de casa. “O poder público não nos deu nada? Então fizemos algo onde não tinha nada”, explica Sérgio. Hoje os saraus ocorrem semanalmente no bar Zé Batidão, na zona sul de São Paulo. O microfone está aberto para qualquer um. É só chegar. O evento costuma reunir 150, 200 pessoas. Já chegou a 500. A Cooperifa também promove ações como o Cinema na Laje, que exibe filmes e documentários feitos por artistas da periferia. E ainda leva os saraus para escolas e para a Fundação Casa (ex-Febem). Pelo trabalho inovador, a instituição ganhou o prêmio Educador Inventor, concedido pela Unesco. Em quase 10 anos, 40 livros já foram publicados pelo pessoal da Cooperifa. Só de Sérgio são seis, todos elogiados pela crítica. Neste ano, o agitador cultural lançou um cd com 25 poetas, apenas com a força das palavras. E, claro, pelo que os faz estar juntos. “A periferia nos une pela dor, pela cor e pelo amor”, declara. (BH) Assista no site do A lmanaque a uma reportagem sobre a Cooperifa.

Outubro 2009


Por João Rocha Rodrigues

KAREN WORCMAN

O Brasil precisa saber que tem memória. Ela zombou das convenções e lançou a pedra fundamental de um museu invisível. Um museu virtual, construído em rede por milhares de brasileiros. Aqui não há obras de artistas, versões oficiais ou objetos históricos. O acervo é todo constituído de histórias de vida. Ou seja, uma instituição que coleciona pessoas: o Museu da Pessoa. Ao longo de 17 anos, Karen Worcman e sua equipe reuniram mais de 11 mil relatos em áudio, vídeo e escritos, colhidos nos quatro cantos do País. Romperam fronteiras e criaram museus nos Estados Unidos, Portugal e Canadá. Desbravaram o mundo empresarial, experimentaram o institucional, invadiram as escolas – sempre com o objetivo de reconstruir diferentes universos a partir do ponto de vista das pessoas. Aos que repetem que o Brasil é um país sem memória, ela retruca: “Somos o país mais rico em memória que conheço, só que as memórias estão no cotidiano. Os museus é que estão vazios”.

FOTOS: LAURA HUZAK ANDREATO

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Como surgiu a ideia do Museu da Pessoa? Comecei a me envolver com a história oral quando ainda estudava História, no Rio de Janeiro. Ao fazer alguns trabalhos – primeiro sobre o fotógrafo José Medeiros, depois sobre a imigração de judeus para o Rio de Janeiro –, me vinham algumas questões sobre a função social da história. Um dia, descendo a ladeira em que eu morava, me deu um estalo: deveria haver um lugar onde a alma das pessoas pudesse ser preservada, um museu da pessoa. Um museu não de coisas ou fatos, mas de histórias de gente.

não entendiam como uma exposição sobre a vida de anônimos poderia atrair alguém. Ou por que as pessoas se interessariam em deixar seus depoimentos. Achavam tudo muito estranho. Mas foi um sucesso. Naquele momento, o grupo de fundadores começou a pensar como o Museu da Pessoa deveria ser. Já com a ideia de que uma história pode mudar seu jeito de ver o mundo. Isso para mim é muito transformador. Transformador no sentido social, cultural, emocional. Aprender a ouvir os outros talvez seja o maior desafio que a gente – como cultura ou como indivíduo – tem a enfrentar.

Como a ideia se transformou no Museu? Foi quando vim para São Paulo. No fim de 1991, trouxemos para cá a exposição sobre os imigrantes judeus, adicionando cabines de coleta de depoimentos para que os visitantes registrassem suas histórias. Os jornalistas que me entrevistavam

Havia algum modelo a seguir? Não, o que havia eram arquivos de história oral. E a maior parte temáticos: histórias dos negros, dos imigrantes, dos sobreviventes do Holocausto. A ideia de um lugar que reúne histórias de todas as pessoas foi inovadora. Assim como o uso

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da internet. O Museu já nasceu virtual, com a consciência de que nosso acervo não é físico. Os arquivos de história oral costumam ser acadêmicos, ou estão em espaços como bibliotecas públicas. Essa cadeia do museu, aberta a qualquer pessoa que pode visitar esse espaço e registrar sua história pela internet, faz dele uma experiência inovadora. Acho que o salto do Museu da Pessoa se deu por uma combinação de fatores: a ideia de ampliar a participação das pessoas como construtoras do acervo, de fazer uma coisa muito colaborativa bem antes da web 2.0 e de tentar não concentrar os produtos, mas disseminá-los. Já fizemos exposições ambulantes, cabines no metrô, exposições virtuais. Mudar a concepção do que é um museu e lançar luz sobre a vida de anônimos não dificultou a viabilização do projeto? Quando começamos, em 1991, vender o modelo cultural ou de memória era inviável. Estávamos na Era Collor, fim das produções cinematográficas... Mas acreditávamos que, se realmente o projeto era bom, ele iria se viabilizar, independente de qualquer coisa. Víamos que a sociedade valorizava o que queríamos fazer. As pessoas compram revistas sobre pessoas, leem sobre pessoas... As pessoas gostam de pessoas. Apostando nisso, começamos a criar mil projetos. Sempre fomos autossustentáveis. E só começamos a trabalhar com patrocínios há três anos. Até então, vendíamos projetos, e essas vendas garantiam o desenvolvimento do Museu. Eu diria que criamos um modelo de negócio.

abstracionistas. Também fizemos muitos produtos. São cerca de 30 livros, documentários, intranet, museus temáticos... A ideia inspirou museus similares? Depois que o projeto inicial ficou de pé, o Museu passou a inspirar a criação de vários outros Museus da Pessoa pelo mundo: o Musée de la Personne, no Canadá, o Museum of the Person, nos Estados Unidos, o Museu da Pessoa de Portugal – todos com uma cor local, mas com uma visão e uma metodologia do Museu da Pessoa. Aí percebemos o valor do que havíamos criado. Montamos uma área de formação, que trabalha com a mesma metodologia nas escolas, ensinando professores e alunos a construir a trajetória de seus lugares a partir da história das pessoas. Depois percebemos como o Brasil estava explodindo de iniciativas de redescoberta de seus tesouros locais, e começamos o Brasil Memória em Rede, que junta iniciativas para desenvolver um novo jeito de pensar a história do Brasil. E, a cada passo que dávamos, encontrávamos mais passos a dar. É incrível, não para nunca.

“Sabemos que o País é múltiplo, mas quando o reconstruímos desse jeito fica ainda mais claro.”

Como é uma entrevista do Museu da Pessoa? Preparamos a entrevista para garantir um momento sagrado. Sabe aquelas fotografias de nossos avós ou bisavós, em que aparecem todos arrumadinhos? É algo assim. Temos todo um rito, um método. A pessoa vai lá para tirar a sua foto de marinheiro, ou a sua foto de casamento, ou a foto de quando o filho nasceu – que era quando os antigos eram fotografados. Muitas vezes me perguntam sobre o que as pessoas não contam, ou sobre a veracidade das histórias. O que interessa é o dado pela pessoa, como ela quer se deixar “fotografar”. É como ela vê o mundo, ou como ela quer que o mundo seja visto. Como possibilitar a atratividade desse acervo? Hoje criamos coleções na internet, juntando histórias que têm alguma relação: histórias de mulheres, histórias de pessoas que mudam o mundo – mudanças sociais, culturais, pessoais. Ou coleções por afinidades: catadores de papel, profissionais da indústria. Isso proporciona acesso ao acervo. É como chegar a um museu e encontrar uma exposição de artistas modernistas,

Quais histórias mais te marcaram? A entrevista que fiz com o educador Paulo Freire foi lindíssima. Ele falou sobre como pensava a educação, mas também sobre a família, o amor, a primeira mulher. Resultou num material único sobre ele. Outro sujeito muito legal de entrevistar foi o Mestre Alagoas. Ele aprendeu a ler com a irmã, lá no sertãozão. Adolescente, pegou o pau-de-arara para São Paulo, virou faxineiro de um prédio e foi morar na casa de máquinas do edifício. Mas detestava fazer faxina. Gostava mesmo era de ler. Então foi seguindo o sonho. Andando pelo centro da cidade, encontrou um daqueles sujeitos que anunciam cursos em cartazes. O cara era paraplégico e dava cursos de auxiliar de contabilidade, inglês, francês e latim! Ele acabou fazendo todos eles. Deixava o salário todo... E, tanto que fez, entrou no curso de Chinês da usp. Virou doutor em Desenvolvimento Rural. Mais tarde, criou uma biblioteca com mais de 60 mil livros em Paiaiá, na Bahia. É a maior biblioteca rural do mundo! Se fosse ficção, diriam que é inverossímil... Uma vez perguntaram ao Gabriel García Márquez de onde ele tirava sua visão mágica do mundo. “De lugar nenhum. É só olhar pela janela.” A magia está no mundo. É tão bonita a história de cada um. Ao longo da vida, fui descobrindo o poder transformador dessas histórias. Nas instituições, nas escolas... O Museu foi absorvendo meus sonhos particulares, e hoje sou parte disso. Ele já não é parte de mim. Eu é que sou parte do Museu. Outubro 2009

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Como acontece o trabalho nas escolas? Esse trabalho existe há 10 anos. É um trabalho longo, de um a dois anos. Turmas de alunos escolhem personagens da cidade, se preparam, aprendem a fazer entrevistas. Um grupo tira fotos, outro desenha, outro entrevista. De lá saem materiais lindíssimos. As crianças aprendem a construir um texto coletivo, a reler, a reouvir. Os resultados são incríveis, como a valorização da memória local, o diálogo entre diferentes gerações, a aproximação entre a escola e a comunidade, a percepção da importância do saber das famílias por parte dos professores. Ao longo desses anos, descobrimos o poder da memória como ferramenta.

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As particularidades do País contribuíram para a criação do Museu? O Museu da Pessoa só podia ter nascido no Brasil. Este é um país que está na fronteira entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento. Na Europa, por exemplo, a história está superinstitucionalizada. Em outros países, porém, há só a tradição oral. O Brasil mistura esses dois cenários. É também um país que vive entre o mundo rural e o urbano; o industrial e o artesanal. Somos muito ricos culturalmente. Sempre dizem por aí que o Brasil é um país sem memória. Mas o fato é que somos o povo mais rico em memória que eu conheço, só que ela está no cotidiano. Os museus é que estão vazios. As memórias estão em exercício o tempo todo. Sobretudo nos meios rurais. O Brasil tem esse desafio a superar, porque nos últimos 50 anos surgiram as grandes metrópoles e nelas um certo esquecimento, uma certa amnésia. As famílias vêm do interior com muita informação e aqui, com as novas gerações, há uma ruptura. Esse movimento cria outras culturas, mas também um limbo cultural. O problema da amnésia cultural é o sujeito virar uma tábula rasa, que aceita qualquer coisa que o mundo lhe ofereça. Um país com tanta qualidade cultural não pode admitir isso. Por isso estamos cada vez mais empenhados em disseminar o conteúdo que produzimos. Contamos histórias de um jeito diferente? Dizer que somos os únicos a sentar e contar histórias não é verdade. Isso é humano. A relação entre os seres humanos por meio de histórias é poderosa em qualquer lugar do mundo. Mas aqui isso é mais natural. Aqui, montamos uma cabine de depoimentos e o sujeito entra e conta sua história sem nem saber pra quê. Me parece que a noção de público e privado é mais ambígua. Compartilhamos a esfera privada com mais facilidade – seja o interior da nossa casa ou o interior da nossa vida.

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O Museu é capaz de conquistar também os jovens das grandes cidades, sempre tão estimulados? Cada vez mais o desafio é lidar com as novas mídias, e também com as mídias convencionais. De certo modo, foram surgindo na internet ferramentas que possibilitam caminhos parecidos com os do Museu: blogs, microblogs, redes sociais. O que, na verdade, só demonstra que as pessoas querem falar de suas vidas e ouvir sobre a vida dos outros. Em 2006, em parceria com outras instituições, demos início a um movimento chamado Um Milhão de Histórias de Vida de Jovens, que articula e incentiva jovens a construir suas histórias, transformadas em arquivos de áudio, vídeo e outras manifestações. Aqui em São Paulo, um dos jovens que participou das atividades saiu muito inspirado pela experiência. Voltou para seu bairro, o Parque Residencial Cocaia – uma ocupação às margens da represa Billings – e resolveu mobilizar os grafiteiros do lugar. Eles começaram a entrevistar os moradores, escolheram uma rua e pintaram nos muros das casas a trajetória daquela gente – de um lado da rua desenharam as histórias; do outro, reproduziram as frases que colheram. É emocionante. O que você diria que aprendeu sobre o Brasil nesses 17 anos de Museu? Acho que aprendi os Brasis. Os mil Brasis que existem. Sabemos que o País é múltiplo, mas quando reconstruímos o Brasil a partir do relato das pessoas isso fica ainda mais claro. Aprendi a valorizar não apenas o tradicional, mas também a reinvenção das culturas, porque estamos sempre reconstruindo nossas identidades. Aprendi a valorizar a periferia, notar como, em lugares aparentemente tão ruins, nasce uma convivência bacana com o espaço, motivada pelas relações entre as pessoas e pela relação com a memória. E isso acontece independentemente do nosso trabalho. Entretanto, acredito que seja fundamental o trabalho de vocês do almanaque, do Museu e de outras pessoas e instituições que batalham pela valorização de alguns aspectos do Brasil que permanecem escondidos. A gente sabe que haverá sempre uma cultura dominante. Se conseguirmos garantir um espaço adequado para a história dos lugares, para os saberes das pessoas, teremos cumprido o nosso papel. Ou melhor: estaremos cumprindo o nosso papel, porque esse é um trabalho que não termina. O Brasil precisa saber que tem memória. E que essa memória tem valor. SAIBA MAIS Site do Museu da Pessoa: www.museudapessoa.net Memórias de Brasileiros – Uma história em todo canto, organizado por José Santos (Museu da Pessoa / Peirópolis, 2008).



UTR AN PAULO A

Uma viodsa palcos n Por Natália Pesciotta

Ele foi dos raros atores que se tornou conhecido pelo teatro, não pela televisão. Sabia dirigir, mas preferia interpretar. Era mesmo uma exceção: não encontrou dificuldades para se estabelecer nas artes cênicas ou realizar as peças que quis. Sorte? Sim. Mas não mais que talento e

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VIDAL CAVALCANTE/AE

paixão. Aclamado por crítica e público,

Como é que eu faço pra sair dessa?”, perguntou Paulo Autran para Abílio Pereira de Almeida, dramaturgo e amigo. “Paulo, não saia dessa. Você é um ator, tem talento para fazer teatro, gosta de fazer teatro. Continue.” O jovem advogado, dono de um próspero escritório e ensaiando sua primeira peça profissional, seguiu o conselho. Entregou-se à paixão pelas artes cênicas, que o realizaria por toda a vida e o consagraria como “senhor dos palcos”. Apesar de ter tentado escapar, argumentando não entender de teatro, Paulo assistia a encenações desde os 8 anos. O pai era delegado e ganhava ingressos para o Teatro Municipal. O garoto pegou gosto e aos 11 anos já não perdia nenhuma peça em cartaz na cidade. Nascido no Rio de Janeiro em 1922, ele morou no interior de São Paulo. Mudou-se com a família para a capital quando tinha 6 anos, mesma época em que, precocemente, perdeu a mãe. Além do teatro e recitais de piano, a grande diversão era a biblioteca da vizinha. Devorava Eça de Queiroz, Machado

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só deixou os palcos quando morreu, após 57 anos de profissão.

de Assis, franceses e russos, trepado na árvore do quintal. Achava bobos os versinhos do primário e não agradava os professores com suas redações complexas. Foi estudar Direito para ser diplomata, mas enveredou pela advocacia. A comunidade do teatro, Paulo dizia, foi a primeira da qual sentiu-se parte. Começou de forma despretensiosa, num curso de um instituto cultural. Com colegas de lá, fundou uma trupe amadora. Atuou em algumas montagens e foi para o Grupo de Teatro Experimental. Quando a atriz Tônia Carreiro o viu encenando, em 1949, insistiu para que ele entrasse em sua companhia. Só então o teatro viraria profissão.

Sem nem alterar a voz

Paulo teve uma carreira completamente atípica: já estreou no topo. Calculou os ganhos que tinha no escritório, os gastos da mudança para o Rio de Janeiro, e pediu um ordenado altíssimo. O sócio de Tônia aceitou, e só depois ela soube que o ator ga-


Já estreou no topo. Calculou os ganhos do escritório, os gastos da mudança e pediu um ordenado altíssimo. Só depois souberam que ganhava mais do que os donos da companhia. nhava mais do que os donos da companhia. Com o sucesso de Um Deus Dormiu Lá em Casa, contudo, o saldo foi positivo para todos. O ator estreante ganhou os principais prêmios daquele ano – os primeiros de uma extensa coleção. Paulo e Tônia foram convidados para o Teatro Brasileiro de Comédia (tbc), aspiração máxima de qualquer ator na época. Lá Autran contracenou com outros grandes, como Cacilda Becker e Sérgio Cardoso. Em 1955, formou-se a companhia Tônia-Celi-Autran, de Paulo, Tônia e o marido, o diretor Adolfo Celi, a quem Paulo creditava sua formação técnica e teórica. Logo de cara Otelo, de Shakespeare. Ficam um ano em cartaz. O crítico Décio de Almeida Prado escreveu que, para passar toda a autoridade, força e dor do general, Autran não precisava nem alterar a voz. Mais tarde, Paulo fundou a companhia com seu nome. Produziu montagens, sempre atuando nelas. Chegou a dirigir também, mas gostava mesmo era de interpretar. Ao longo da vida, participou de 90 peças. Encenou cinco textos de Shakespeare, além de uma lista invejável de grandes autores. Pirandello, Dickens, Sartre, Millôr, João Cabral. My Fair Lady (1962) e Rei Lear (1996) são os dois maiores sucessos. Liberdade, Liberdade (1965) marca a participação política. Paulo não gostava muito do assunto, mas, no começo da ditadura militar, achou que “não se posicionar já era um posicionamento”.

Tevê e cinema

Paulo nunca teve dificuldades para realizar as peças que quis. Sorte? Quando o crítico Alberto Guzik lhe fez a pergunta, respondeu: “Por sorte e amor ao teatro”. Exigente, só participava do que julgava bom. Chegou a deixar um espetáculo em Portugal, com os ingressos já vendidos, por-

que achara o texto péssimo. Noutra vez, foi assinar o contrato para participar de uma novela, o diretor deixou cair tinta no papel e a assinatura ficou para a semana seguinte. Enquanto isso, Paulo leu os primeiros capítulos. Mesmo com o nome anunciado, disse que não faria a novela “em hipótese alguma”. Na verdade, o ator nunca gostou muito de televisão, apesar de ter participado dela desde o início, em quadros de programas como Alô Doçura e Noite de Gala. Torcia o nariz para as histórias arrastadas em novelas e para a interpretação pouco apurada. Experimentou atuar em Pai Herói (1979). Fez ainda Guerra dos Sexos e Sassaricando, nos anos 1980. Se comparado ao teatro, no cinema também não integrou muitos elencos. Depois de Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, ficou 18 anos sem ir para a telona. Dos palcos era difícil se afastar. Em 1983, quando o médico diagnosticou um problema cardíaco que exigia cirurgia imediata (“Fiz um exame e descobriram um entupimento de 95% das veias do coração”), pediu para adiar a operação por mais um fim de semana. Queria cumprir a agenda de espetáculos. Quando subiu no palco e prestou atenção ao teatro lotado, ficou tão emocionado que achou que teria um enfarte. Resistiu. A morte ainda lhe daria tempo. Mas chegou em 12 de outubro de 2007, aos 85 anos. Fumante incorrigível, tratava um câncer no pulmão havia um ano. Ficou em cartaz até um mês antes de morrer. SAIBA MAIS Um Homem no Palco, entrevista de Alberto Guzik (Boitempo, 1998). Paulo Autran – Sem comentários, de Paulo Autran (Cosac Naify, 2005) No site do Almanaque, assista a trechos de encenações do ator.

O melhor produto do Brasil é o brasileiro CÂMAR A CASCUDO

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e s pe c i a l texto Bruno Hoffmann arte Paula Chiuratto

B razil , B resil , B rasile , B rasilien ... De Pero Vaz de Caminha a Albert Einstein, não houve quem ficasse indiferente a esta terra. Uns se apaixonaram, armaram mudança, viraram brasileiros; outros nunca mais quiseram pôr os pés aqui. Neste Especial, confira as impressões de estrangeiros que povoaram nossa história e imaginação.

“Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas”, escreve Pero Vaz de Caminha, naquele que seria o primeiro relato sobre o Brasil e seus habitantes. O escriba da frota de Cabral se impressionou com os nativos, a naturalidade ao andar nus (“nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto”) e com a beleza estonteante da natureza. Durante os 509 anos seguintes, gente de todas as partes também se mandaram pra cá. Para alguns, continuamos a ser o país do futebol e Carnaval (ou, numa versão anterior ao século 20, dos índios e dos papagaios). Outros, com olhares mais sensíveis, resolveram entendê-lo de fato. Não faltaram ilustres estrangeiros que se meteram nas cidades e florestas para captar a alma brasileira. Ao saírem, deixaram registros valiosos, uma forma de entender o País por meio de uma visão estrangeira – documentos primordiais para o conhecimento de nossa terra. Há quem, por chegar muito novo ou por dedicar a

vida a este lugar, se tornou brasileiro de fato. É o caso do argentino Carybé, da ucraniana Clarice Lispector, dos italianos Gianfrancesco Guarnieri e Alfredo Volpi. Lina Bo Bardi, também nascida na Itália, dizia: “Eu não nasci aqui, escolhi este lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, é minha pátria de escolha, e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri ao Triângulo Mineiro, às cidades do interior e às da fronteira”. Outros vieram só de passagem. Um dos destinos preferidos era a mítica floresta Amazônica. Presidentes, estudiosos e aventureiros estiveram por lá. As cenas urbanas também deixaram os gringos de cabelo em pé. Para Albert Einstein, ver o mar do Rio de Janeiro foi uma das maiores emoções da vida. Nas próximas páginas, conheça histórias de estrangeiros que arriscaram a vida para nos conhecer, que se emocionaram ao pisar nesta terra e, também, que prometeram nunca mais pôr os pés aqui. Todos saíram um pouco brasileiros.


Verdadeiro Indiana Jones aventurou-se na Amazônia O coronel Percy Harrison Fawcett foi contratado em 1908 pelo governo boliviano para traçar as fronteiras com o Peru. Seu espírito aventureiro o levou até o Brasil, onde passou por maus bocados. Topou com índios canibais, recebeu uma chuva de flechas ao se aproximar de uma tribo e quase foi morto por uma anaconda de 20 metros. Fawcett estava convencido de que o Brasil escondia uma civilização origi-

nária da Atlântida, localizada entre o Xingu e o Araguaia, na Serra do Roncador. “Os índios brasileiros são remanescentes de uma raça superior, oriunda de uma civilização desaparecida há milhares de anos”, garantia. Em 1925, o aventureiro partiu em busca da civilização perdida e nunca mais voltou. Durante décadas, dezenas de expedições foram em seu encalço – dizem que até hoje o jornal inglês The Times oferece prêmio a quem prestar informações confiáveis sobre seu paradeiro. O coronel inspirou escritores como Arthur Conan Doyle (O Mundo Perdido) e H. Rider Haggard (As Minas do Rei Salomão). A partir dele, os cineastas Steven Spielberg e George Lucas teriam criado Indiana Jones.

Em 1925, numa rápida viagem ao Rio, Albert Einstein comentou: “A vista do mar no caminho do porto até o Copacabana Palace foi uma das maiores emoções da minha vida”. Mas passou apuros ao experimentar vatapá com pimenta. Saiu com a língua queimada.

Langsdorff não esqueceria o Brasil, mas esqueceu

ARQUIVO/AE

1824. Numa aventura que começa em Minas e termina na Amazônia, o naturalista alemão George Von Langsdorff promoveu aquela que seria a maior viagem de exploração já ocorrida no Brasil. Ao lado de astrônomos, botânicos, zoólogos e ilustradores, vai de povoado em povoado. Registra a vida cotidiana, elabora mapas e cataloga animais e plantas. Mais de 12 mil espécies vegetais são descobertas. “É um país dos mais admiráveis. A lembrança de minha permanência ali ficará indelével por toda a vida”, afirma. Mas a expedição também passou por apuros. Os viajantes enfrentaram ataques de mosquitos, brigas, malária, febre amarela, afogamentos. Em uma das paradas, acometido por febre, Langsdorff apaga. Fica inconsciente por dias. Sua última anotação da viagem é de maio de 1828: “Nossas provisões minguam a olhos vistos. Precisamos apressar nossa marcha”. A doença agrava-se. Um dia Langsdorff acorda sem saber onde está, nem como chegou ali. A última lembrança data de 1825, três anos antes, ainda no Porto de Santos.

Em 1970, a cantora Janis Joplin veio ao Brasil com o intuito de se afastar das drogas. Era Carnaval, não deu muito certo. Bebeu feito louca, fez topless na praia e deu canjas em inferninhos. Na volta, declarou: “Se você tem cabelo comprido, te expulsam de um lugar e nunca deixam entrar. O melhor mesmo foram umas noites em que cantei com uns amigos num bordel”.

A atriz Brigitte Bardot dizia que tinha redescoberto em Búzios a alegria de viver, e lá passava longas temporadas. Ela chegou a fazer um trato com os paparazzi. Prometia fotos exclusivas, desde que deixassem a cidade.

Outubro 2009


Roosevelt quase morre na Amazônia Theodore Roosevelt perdeu as eleições para o terceiro mandato de presidente dos Estados Unidos em 1912. Desiludido, resolveu se embrenhar na Amazônia ao lado do Marechal Rondon, com quem promoveu a Expedição Roosevelt–Rondon. O objetivo era mapear o rio da Dúvida, principal afluente do Madeira. Tudo começou tranquilo, mas a situação se complicou quando atravessaram por terra o chapadão e o cerrado mato-grossense rumo à floresta. Tribos hostis, como os nhambiquaras, assustaram o ex-presidente, que os descreveu como Um episódio do desenho animado Os Simpsons revoltou a Prefeitura do Rio. A família vai à cidade, é assaltada por um bando de crianças, depara-se com ratos coloridos para “agradar turistas” e, sequestrada, é levada à Amazônia – que, por sinal, ficava logo ali, a uns cinco minutos de barco do Redentor. “Aqui tudo é uma surpresa”, afirma Margie, a mãe da família.

“ladrões e assassinos despreocupados”. Em certo momento da viagem, Roosevelt contrai malária. À beira da morte, pede para ser deixado pra trás. Rondon não atende. Ao fim da expedição, descobre-se que o rio da Dúvida possui impressionantes 1.600 quilômetros. São coletados 2.500 aves e 500 mamíferos. Em homenagem ao ex-presidente americano, hoje se chama rio Roosevelt. O estadista volta aos Estados Unidos abatido, com profundas rugas. Sobre seu estado, um jornalista escreve: “Acho que o coronel nunca mais vai fazer uma viagem como essa”.

Criador da antropologia estruturalista, Lévi-Strauss esteve no Brasil entre 1935 e 1939. Era professor da USP, mas gostava mesmo era de viajar território adentro. Tinha grande fascinação pelos índios. Em Tristes Trópicos, afirma: “A vocação de antropólogo começou nessas viagens”.

Em 1941, o austríaco Stefan Zweig mudou-se para Petrópolis, fugindo dos horrores da 2ª Guerra. Aqui lançou o livro Brasil, País do Futuro, um tratado de amor à terra que o recebeu. Sobre a chegada ao Rio de Janeiro, registrou: “Uma das mais fortes impressões da minha vida [...] nesta combinação sem igual de mar e montanha, cidade e natureza”. Para ele, estávamos destinados a ser “um dos mais importantes fatores do desenvolvimento futuro do mundo”, éramos “um país cuja importância para as gerações vindouras não podemos calcular, mesmo fazendo as mais ousadas combinações”. No entanto, Zweig nunca superou o trauma da guerra. Em fevereiro de 1942, seguido da mulher, ingeriu barbitúricos e morreu, deixando uma carta: “Sinto-me impelido a cumprir um último dever: fazer um profundo agradecimento ao Brasil, país maravilhoso que proporcionou a mim e ao meu trabalho repouso tão generoso e hospitaleiro”.


Um canibal vai te comer? Comece a chorar

Em 1554, o aventureiro alemão Hans Staden foi aprisionado por índios canibais no litoral fluminense. Só que, sempre que ia ser devorado, chorava copiosamente. O jantar então era suspenso – os índios não comiam gente covarde. Assim foi durante meses. Staden era levado a tribos vizinhas para que visse cenas antropofágicas. “Olha lá, seu português, como vamos te devorar”, ameaçavam. “Mas eu não sou português! Eu sou alemão!” “Ah, é? Os últimos cinco portugueses que comemos diziam a mesma coisa.”

Certo dia, o aventureiro conseguiu ser resgatado por uma embarcação francesa. Na Europa, escreveu o livro Duas Viagens ao Brasil, uma das primeiras publicações sobre o País. Fala da fauna, da flora e lembra, com boas doses de exagero, das agruras que passou por estas terras. Sobre a prática canibal dos índios, explica: “Considera um homem sua maior honra capturar e matar muitos inimigos, o que entre eles é habitual. Traz tantos nomes quantos inimigos matou”.

O português Silvino Santos é um dos precursores em filmar longas-metragens na Amazônia. Destaca-se No Paiz das Amazonas (1921), sucesso em toda a Europa.

“O Brasil não é um país sério.” A frase, atribuída ao presidente francês Charles De Gaulle, na verdade foi dita por um embaixador brasileiro na França. Um repórter entendeu mal a história e mandou a notícia como se a sentença fosse do presidente. Crise diplomática. No Rio, um aposentado pichou a embaixada do país europeu. E se justificou: “Nossas autoridades não se pronunciaram a respeito. Resolvi, eu próprio, exteriorizar a repulsa do povo brasileiro contra a desfaçatez francesa”. O pintor holandês Frans Post foi o primeiro grande artista europeu a registrar o Brasil. Convidado por Maurício de Nassau, desembarcou em Recife em 1644. Durante sua permanência, pintou cerca de 20 telas que mostram imagens realistas dos territórios holandeses no Nordeste, a mistura entre as três raças e paisagens bucólicas.

Como parte da Política de Boa-Vizinhança, Orson Welles veio ao País para gravar o documentário É Tudo Verdade. Os temas abordados seriam o Carnaval carioca e jangadeiros cearenses. Num passeio com Vinicius de Moraes pelo Rio, o cineasta encarou uma favela: “É um Frankenstein, um monstro que vai se voltar contra vocês”. O documentário estava quase concluído quando, numa das últimas tomadas, um jangadeiro morreu no mar. O filme ficou inacabado.

SAIBA MAIS Coronel Fawcett – A verdadeira história de Indiana Jones, de Hermes Leal (Geração Editorial, 2000). O Rio da Dúvida, de Candice Millard (Companhia das Letras, 2007). No site do Almanaque, assista a vídeos sobre outros personagens citados no Especial.

Outubro 2009


Daniel Taubkin apresenta o intrigante Sertão Negro

Só na Canção

Em seu disco de estreia como compositora, Ana de Hollanda passeia por 14 belas (e inéditas) canções. Os vocais contam com a ajuda das irmãs Cristina Buarque e Pii.

Agora O cantor e compositor Daniel Taubkin caracteriza-se pela inventividade artística. Em Sertão Negro, quinto disco da carreira, ele reúne cerca de 100 artistas para criar um cd surpreendente. O álbum apresenta uma bela mistura de gêneros musicais, com uma declarada inspiração na cultura africana. Tudo cabe em Sertão Negro. Ora as músicas passeiam pelo samba, ora vão a caminhos quase indefiníveis. Destacam-se os arranjos sofisticados, executados por músicos como Gigante Brazil, José Roberto Branco

e Orquestra Tom Jobim. As letras são assinadas pelo próprio Daniel Taubkin e por mais uma dezena de compositores e poetas. Também há regravações, como Tem Mais Samba, de Chico Buarque, e O Dengo que A Nega Tem, de Dorival Caymmi. O resultado é um álbum intrigante, que busca as tradições por caminhos que se desviam dos lugares-comuns. O cd merece mergulhos mais profundos. Como diz a canção Folia: Rezo para que um dia / Tu tropeces (BH) neste samba / E mereças esta folia.

A cantora Dani Gurgel reuniu em estúdio 23 jovens compositores. Como resultado, uma amostra do que se está produzindo em samba, pop e jazz.

Choro das 3

As talentosas irmãs Corina (flauta), Lia (violão de sete cordas) e Elisa (bandolim) recriam clássicos do choro, como Odeon, Carinhoso e Brejeiro.

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Notas de Elomar na partitura; notas sobre Elomar em livro Excepcionalmente, esta seção poderia se chamar Letras e Notas do Brasil. Só para abrigar Elomar: Cancioneiro. Uma equipe de músicos, coordenada por Letícia Bertelli, levou dois anos transcrevendo para pauta de voz e violão 49 canções de Elomar Figueira de Mello, com o desafio de traduzir uma linguagem que às vezes ultrapassa convenções. Além da importância do registro, o trabalho primoroso contribui para a divulgação da obra do violeiro baiano, constantemente estudada em teses de mestrado e doutorado. Ela abarca tanto canções populares quanto www.almanaquebrasil.com.br

composições eruditas. De família de fazendeiros, filho de sanfoneiro, Elomar dialoga perfeitamente com Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa. Ao versar a seca, a situação sertaneja, trabalha temas metafísicos como a luta, a honestidade, a crença. O cancioneiro, arcaico e vital, tão regional e ao mesmo tempo universal, é analisado em livro do jornalista João Paulo Cunha. Ele acompanha um caderno de letras e os (NP) 14 de partitura. Duo, R$ 150

Anita Malfati – A festa da cor

Ani Perri Camargo Agradável passeio pela vida da mulher firme e artista irreverente. Terceiro Nome, 184 p., R$ 68

Origem – Retratos de família no Brasil

Fifi Tong As diferentes formações, etnias e histórias da família brasileira em 50 imagens expressivas. Auana, 134 p., R$ 60

Uma Bola, um Martelo e um Bisturi

Edinir Sápia A saga do autor, de operário a médico, com inusitadas situações na medicina do interior. Conecta Brasil, 296 p., R$ 42



O Calculista das Arábias

ligue os pontos

Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan

a Nasceu na China, como meio de comunicação, para depois inspirar brincadeiras e competições. Dependendo do formato, pode ser águia, estrela, maranhão.

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b Quando feito artesanalmente, pode ter tecido,

c Brinquedo fácil de se improvisar, era feito de osso na Antiguidade. Já teve utilidade em eleições, distribuição de herança ou como oráculo.

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d Estrela de diversos jogos. A língua do pirarucu é muito útil para a fabricação, na Amazônia. Existe desde a pré-história, feito de argila.

4

acervo da família

espuma ou telha, por exemplo. É invenção indígena. O nome significa “tapear”, em tupi.

2

Depois de uma longa viagem pelo deserto, um admirador do calculista Beremiz Samir é aprisionado por um tirano persa. Ao modo dos desafios que seu ídolo enfrentava, vê-se na seguinte situação. Deveria escolher entre duas portas do palácio do tirano: uma o levaria à liberdade; a outra, à morte. Cada uma delas possui um guardião que conhece o destino por trás das portas. Um deles fala só a verdade; o outro, somente mentiras. O viajante sabe disso, mas não é capaz de distinguir quem pretende enganá-lo. E, pior: pode apenas fazer uma única pergunta. Qual a questão que o discípulo de Beremiz Samir deve lançar para escapar do impiedoso tirano persa?

teste o nível de sua brasilidade

Palavras Cruzadas

O Brasil entra na 1° Guerra Mundial, em 26/10/1917, ao lado da: (a) Itália (b) Alemanha (c) Inglaterra (d) URSS Em 2/10/1961, o Congresso aprova o regime: (a) Militar (b) Comunista (c) Monárquico (d) Parlamentarista Em 4/10/1991, Amyr Klink retorna da Antártica, para onde foi sozinho de: (a) Monomotor (b) Balão (c) Veleiro (d) Caiaque Encontraram imagem de Nossa Senhora Aparecida em 12/10/1717: (a) Pescadores (b) Mineradores (c) Arqueólogos (d) Bandeirantes Onde morreu o jornalista Vladimir Herzog, em 25/10/1975: (a) Barco (b) Avião (c) Exílio (d) Prisão Drummond (nascido em 21/10/1902) não escreveu: (a) Morte e Vida Severina (b) José (c) Quadrilha (d) No Meio do Caminho

Respostas Marisa Orth VALÉRIA GONÇALVEZ/AE

O CALCULISTA DAS ARÁBIAS O viajante deve perguntar a qualquer um dos guardiões: “Qual a porta que o outro guardião indicaria como sendo a da salvação?”. O que mente mostrará a porta da morte; o que fala a verdade também. Bastará, portanto, escolher a outra porta.

A revolução de 1930, iniciada em 3/10/1930, levaria à presidência: (a) Jango (b) Getúlio (c) Geisel (d) Juscelino

BRASILIÔMETRO 1b; 2c; 3d; 4c; 5a; 6d; 7a; 8b.

valiação

SE LIGA NA HISTÓRIA 1b (Peteca); 2c (Cinco-Marias); 3d (Pião); 4a (Pipa) ENIGMA FIGURADO Zé Ramalho. O QUE É O QUE É? Passar um trote.

2

CARTA ENIGMÁTICA Ele foi o porta-voz de sua geração. (Renato Russo)

DE QUEM SÃO ESTES OLHOS?

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Clube dono do estádio da Vila Belmiro, inaugurado em 22/10/1916: (a) Vitória (b) Santos (c) Cruzeiro (d) Flamengo

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Conte um ponto por resposta certa

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Vinicius: poeta de adultos e crianças

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e João Gilberto. Ao lado da dupla, criou a bossa nova. Ele também se apaixonava com uma facilidade danada. Sabe quantas vezes foi casado? “Apenas” nove. Não é à toa que escrevia sobre o amor com tanta beleza. Mas também sabia falar sobre outros temas. Havia letras dramáticas, de amizade, inspirada em religiões afro-brasileiras. E as músicas para crianças, que, afinal, é o assunto deste texto. Quer saber mais um clássico de Vinicius? Lá vem o pato / Pata aqui, pata acolá / Lá vem o pato / Para ver o que é que há. Um escritor disse que, por fazer tantas coisas, o poeta só podia ser várias pessoas. Se fosse uma só, seria Vinicio de Moral...

Bichos para ler e ouvir

JÁ PENSOU NISSO?

ua

Tra

ra uma casa muito engraçada / Não tinha teto / Não tinha nada... Sabe quem é o autor dessa música tão famosa? Vinicius de Moraes, um dos maiores poetas da língua portuguesa. Boa parte de suas poesias e canções era para adultos. Mas, em 1980, ele fez o disco A Arca de Noé, que continha A Casa e muitas outras músicas. Quase todas tem nome de bicho: A Foca, As Abelhas, Corujinha... Vinicius teve uma vida agitada. Depois de se formar como advogado, tornou-se diplomata. Foi morar em vários países para representar o Brasil. Mas gostava mesmo era de poesia. De música tambem. Sempre que podia, dava uma fugidinha para fazer canções com as dezenas de amigos (é, ele era bem popular). Um dia encontrou Tom Jobim

vo e r epe tir em

A aranha arranha a rã, a rã arranha a aranha.

A Bíblia afirma que a Arca de Noé realmente existiu. Ela foi construída para salvar um casal de cada animal existente no planeta, já que Deus provocaria um grande dilúvio no mundo. E se o Todo-Poderoso tivesse a mesma ideia nos dias de hoje? Certamente Noé teria muito mais trabalho. Ele precisaria construir uma embarcação para 47.200 animais. Fora os peixes e insetos, calcula-se que haja cerca de 23.600 espécies na Terra. Como cada um deve ser acompanhado por um bichinho do sexo oposto, é passageiro pra chuchu! O maior transatlântico do mundo abriga cerca de 5.700 viajantes. Portanto, se quisesse oferecer luxo à bicharada, Noé teria que providenciar nove navios como esse.

Sabe como começou essa história de Vinicius com os bichos? Foi em 1970, quando o escritor lançou o livro de poesias A Arca de Noé. Os bichinhos ficaram na cabeça do poeta até que, 10 anos depois, ele resolveu levar a fauna para as músicas, pela voz de grandes cantores. Não parou por aí. No ano seguinte, o poeta apresentaria o volume dois, com outros animais, além de forças da natureza. Algumas das músicas: O Porquinho, O Pinguim, O Vento. Tem até uma galinha d’angola muito louca. Portanto, é você quem decide se prefere ler ou ouvir Vinicius. Qualquer opção será muito bacana.

O que o cavalo foi fazer no orelhAo?

R Solução na p. 26

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Outubro 2009

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Florianópolis

Incas, bruxas e Zé Perri Uma viagem a Florianópolis revela um roteiro sem fim. É a natureza que participa de cada ação, escondendo e revelando histórias que se confundem com lendas. E lendas que fizeram história.

or que Florianópolis arrebata o coração dos visitantes que ali chegam pela primeira vez? Não foram poucos os turistas que, embalados pela paixão que a ilha desperta, fincaram pé ou criaram dependência. Sempre se ouve que é lugar de belas praias, de uma diversificada gastronomia, de esportes de aventura, de história farta e hospitalidade. E não é de hoje. Já em 1807, segundo o escritor Laurentino Gomes, em seu 1808, o comerciante John Mawe, vindo de Buenos Aires para o Rio, caiu de amores pela cidade. A descreveu como excelente para morar e ótima para investimentos. Outros dizem não saber explicar a atração, que é quase um mistério, e

fecham questão: a cidade é sedutora como um feitiço. Não é por menos que Floripa, como carinhosamente denominam a capital catarinense, também é conhecida como Ilha da Magia. Será o encantamento das paisagens que criam histórias? Ou o contrário?

Primeira parada 5.000 a.C. Aqui começa a verdadeira história de Florianópolis. Os primeiros a chegar foram os homens dos sambaquis. Pouco se sabe desses não-indígenas que deixaram 65 sítios arqueológicos com pinturas rupestres e monólitos – pedras orientadas para os pontos


cardeais e para as direções do nascer e pôr do Sol, da Lua e de certas estrelas. As mais impressionantes estão na Ilha do Campeche, já comparada à Ilha de Páscoa, no Atlântico. O mistério ganha mais contornos com o Caminho de Peabiru. Tido como sagrado, ele ligava a Ilha de Santa Catarina ao Pacífico, passando por Cuzco, a capital do Império Inca. Quem indica o caminho são os petróglifos. A memória e a ficção se confundem: a trilha é citada nos relatos do primeiro governador do Paraguai, Cabeza de Vaca, que, em 1555, narrou sua caminhada da Ilha de Santa Catarina até Assunção, usando “o caminho milenar feito pelos índios”. O trajeto voltou a ser mencionado muitas vezes em depoimentos de outros viajantes do século 17. O nome Peabiru, em tradução livre do tupi-guarani, pode significar “caminho que leva ao paraíso”, “caminho cheio de voltas”, “caminho que leva e trás”. Não seria por isso que Floripa sempre nos quer de volta?

Sabás sem o diabo Outra virada ocorreu pelos idos de 1750, quando açorianos colonizaram a ilha. Com eles desembarcaram as bruxas, já cansadas de tanta guerra na Europa. A história é boa, sobretudo quando contada por quem entende do riscado: o historiador e museólogo José Coelho, o Peninha. “Por alguma razão, quando as bruxas chegaram aqui, se modificaram. Não faziam maldades, só incomodavam os bêbados e vagabundos. Se revelaram morenas bonitas, de olhos verdes. Não vieram espalhar o pânico, e sim a alegria.” Segundo Peninha, as bruxas só pensavam em festas e diversão. Tanto é que nunca convidaram o diabo para os seus sabás. Um dia, porém, o capeta descobriu. Fulo da vida, não perdoou. Transformou as boas bruxas em pedras, as mais belas da ilha, as de Itaguaçu.

Zé Perri, o amigo de Deca Lá pelas tantas chegou do céu Saint-Exupéry. Antoine de SaintExupéry, autor de O Pequeno Príncipe. Entre 1927 e 1931, em suas viagens aéreas para a Patagônia como piloto do correio aéreo francês, onde é que o sujeito aterrissava? Na Praia do Campeche, em frente à ilha homônima. Casualidade? Dos 9.198 quilômetros do litoral brasileiro, algo existia ali para imanizar esse homem tão especial, atraindo-o exatamente para a ilha das pedras sagradas. Zé Perri, como os pescadores o chamavam, acabou batizando a praia onde chegava como Champ de Pêche – campo de pesca, em francês; ou Campeche, na língua de Deca, um pescador amigo. Dizem que Deca não subia por nada no avião do francês; e Exupéry não entrava no barco do manezinho de jeito nenhum. Mesmo assim, a amizade durou anos. Assim é Florianópolis. Quando o mistério e a magia invadem a vida, a realidade se apresenta de várias maneiras. É como se a sedutora cidade abrisse um leque de possibilidades para atrair o visitante, dando-lhe liberdade de escolher o que mais agrada para depois fisgá-lo definitivamente.

Floripa não se faz de doce quando se trata de gastronomia, principalmente aquela à base de peixes e frutos-do-mar. Não dá para deixar a cidade sem provar a sequência de 28 espécies de ostras e 14 tipos de preparo. Inicia o banquete: no bafo, à milanesa, gratinada, ao alho e óleo, com gengibre e mel, com dois a cinco queijos e, a especial, com leite de coco. Ao lado, um suco de frutas com uva ou morango, preparado com a melhor cachaça da ilha. É ou não é para ficar enfeitiçado?


Florianópolis tem mais

Bar do Arante

Mercado Público Municipal

De frente para o mar, na Praia do Pântano do Sul, fica o Bar do

Quer colher a essência de uma cidade em poucas horas? Converse

Arante. O que ele tem de especial? Nada. A não ser os quase 200

com um motorista de táxi ou passeie num mercado. Ambos

mil bilhetinhos que decoram todas as paredes, portas e janelas. São

oferecem ao viajante uma rara janela para a vida local. A segunda

recados para não sei quem, declarações de amor, convites, e por

alternativa, porém, é mais saborosa. O mercado de Floripa, de

aí vai. Tem até poemas. Tudo começou no início dos anos 1970,

características ecléticas, foi construído em 1889. Lá está um dos

quando jovens iam acampar na região e sempre passavam pelo bar

ícones da gastronomia florianopolitana, o Box 32, importante ponto

pra pegar uma cachacinha, que ali é de graça, e deixar um recado

de encontro dos manezinhos-da-ilha. No cardápio, pasteis de

para os amigos dizendo onde armariam suas barracas.

camarão, bolinhos de bacalhau e petiscos de presunto cru.

Conjunto de fortalezas Um forte e quatro fortalezas formavam o sistema de defesa da ilha. Alguns, como a fortaleza de São José da Ponta Grossa, na praia de Jurerê, mostram por que os piratas não davam as caras por aqui. Construídos quase todos na mesma época, por volta de 1740, mostram-se à prova de qualquer ataque. Já na fortaleza de Santa Cruz, na ilha de Anhatorim, há detalhes de grande beleza, como o pórtico de acesso, de inspiração oriental, e a escadaria em lioz português.

Preste atenção

s e rviç o Como chegar A TAM oferece voos diários para Florianópolis, saindo das principais cidades brasileiras. Confira em www.tam.com.br

Onde ficar

Embora badalada, a cidade não perdeu seu jeitão provinciano. Lugares como Santo Antônio de Lisboa e Ribeirão da Ilha, principal ponto da colonização açoriana, guardam ainda uma atmosfera bucólica, com casario colonial preservado e as belas igrejas de Nossa Senhora da Lapa e Nossa Senhora das Necessidades. A região é hoje importante centro de maricultura – criação de frutos-do-mar.

Costão do Santinho Primeiro resort no Sul do País a harmonizar o turismo autossustentável com a integração à natureza e com a população local. Estrada Vereador Onildo Lemos, 2.505. Praia do Santinho. Tel.: 0800 48 1000. www.costao.com.br Pousada do Museu Assentada numa antiga propriedade rural com arquitetura do século 19, fica de frente para o mar. Ribeirão da Ilha. Tel.: (48) 3237-8148. www.pousadadomuseu.com.br

Onde comer Porto do Contrato Excelência na sequência de ostras. Rodovia Baldicero Filomeno, 5.544. Ribeirão da Ilha. Tel.: (48) 3337-1026. www.portodocontrato.com.br Ostradamus Magia pura. Rodovia Baldicero Filomeno, 7.640. Ribeirão da Ilha. Tel.: (48) 3337-5711. www.ostradamus.com.br



ERVA-MATE Ilex paraguariensis

Erva da boa Indígenas que tomavam a infusão das folhas impressionaram os europeus pelo vigor e vivacidade. O mate faz bem às funções hepáticas, digestivas, circulatórias. E, em forma de chimarrão, congrega pessoas, estimula a camaradagem e promove a saúde mental.

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N

ós dois gostamos de chimarrear enquanto escrevemos. Cultivamos o hábito milenar dos índios, que os espanhóis logo aprovaram. Em 1536, chegando ao lugar em que fundaram Asunción del Paraguay, notaram que o guarani era mais ativo que qualquer aborígine que já haviam conhecido. Chamou-lhes atenção a bebida que ele tomava o tempo todo, quente (chimarrão) ou fria (tereré), chupitando de uma cuia por um canudo de bambu. Era a caá-y, “água da planta”, à qual o guarani atribuía poderes mágicos. A espanholada, dada à embriaguez, viu que aquele chá em jejum depressa curava ressaca. Por sua origem, a planta recebeu do botânico francês SaintHillaire o nome de Ilex paraguariensis (em Câmara Cascudo, encontramos paraguaiensis). A árvore de 7 a 15 metros de altura espalhou-se pelo Uruguai, sul do Brasil e norte da Argentina, até as faldas dos Andes. Há manchas em São Paulo, Rio e Minas, pois a forma como as sementes se espalham é ornitócora – nome técnico da dispersão promovida por pássaros. Eles adoram as frutas da erva-mate, bagazinhas vermelhas de menos de um centímetro, cujas sementes expelem por aí.

Passagem para o século 17. Sete décadas depois dos espanhóis, jesuítas portugueses também notam que guarani não vive sem caá-y, e estudam a planta. Ensinam os índios a cultivar. E, por 150 anos, exploram o comércio interno e externo da erva. Já os bandeirantes chegam em 1628 ao Paraguai, de onde trazem prisioneiros guaranis e, com eles, o mate – negócio que, quatro séculos depois, envolverá um milhão de brasileiros. Mas partiu de dois gaúchos argentinos uma das mais belas homenagens que lhe prestaram: a rancheira Mate Amargo, de Francisco Brancatti e Carlos Bravo, que já tocou muito no rádio e bem merecia ser resgatada. Os guaranis a chamam caá-emi (planta querida), caá-eté (planta essencial), caá-yara (planta senhora). Ou apenas caá – a planta. Os andinos quíchuas e aymarás chamam a cuia de matty, nome que os espanhóis nos passaram, daí erva-mate. Os antigos incas dispunham ramos da erva nas sepulturas, a fim de “abrir caminho” no além para seus mortos. Como o clima e a altitude dos Andes não são propícios à planta, aqueles povos viajavam milhares de quilômetros levando bens que produziam e trocando-os pelas folhas. Veja que valor esses antepassados davam ao mate.


“Símbolo da paz, da concórdia, do completo entendimento”

REPRODUÇÃO/AB

Presente de Tupã

U

m guarani, cansado do nomadismo, recusou-se certo dia a partir. Sua filha Yariy ficou com ele para ampará-lo. Aparece um pajé, a quem oferecem de sua pouca comida. Agradecido, o curandeiro pergunta o que desejam. O pai pede forças para reencontrar a tribo. O pajé lhes dá uma muda e ensina: plantem, colham as folhas, sequem, triturem, ponham numa cuia e acrescentem água, quente ou fria. Bebam. Assim, reza a lenda, o velho, revigorado, partiu com Yariy ao encontro de sua gente, levando a planta mágica.

A

Opa! Até afrodisíaco?

O

s índios não mateavam só por prazer, mas para matar a sede e resistir ao cansaço. O mate é rico em cálcio, ferro, magnésio, sódio, potássio; vitaminas B, C, D e E. É energético. Diurético. Ajuda a digestão. Seus alcaloides têm ação anestésica, analgésica. Benéfico nas gripes, cólicas renais, fadiga cerebral, depressão. Reduz a pressão e tonifica o coração. Reforça o sistema imunológico. Sem contraindicações – mas, cá entre nós, sendo estimulante e afrodisíaco, não tome à noite, se quiser dormir.

s aspas são do médico alemão Ave-Lallemant, que visitou o Rio Grande do Sul em 1858 e participou de uma roda de chimarrão – aberta, naturalmente, pelo anfitrião. Surpreso, o alemão registrou que, a seguir, foi a vez de um mulato; depois ele, um soldado, um mameluco; e um português. Era “um comunismo moral, uma fraternização verdadeiramente nobre, espiritualizada!”, escreveu Lallemant. “Todos os homens se tornam irmãos, todos tomam o mate em comum.” E dizer que a Igreja tentou abolir o mate, acusado de afrodisíaco e erva do diabo. Graças a Deus não conseguiu. Chimarrão, companheiro também na solidão, se prepara com folhas e galhinhos da erva-mate secos e triturados ou socados. Água à beira da fervura, ao chiar, para não queimar a erva. Dos ancestrais, conservou-se a cuia de porongo, mas o canudo – a bomba – hoje é de metal; gente chique usa de prata e ouro. Mateador toma ao acordar, e depois do almoço, ao entardecer. Como um guarani urbano, não vive sem matear – verbo que ele criou e o dicionarista adotou.

Saiba maIS Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo (Global, 2000). Plantas Medicinais no Brasil, de Harri Lorenzi e Francisco José de Abreu Matos (Plantarum, 2008).

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Conselho de mãe Ao ver a filha saindo para uma festa, a mãe aconselha: – Divirta-se, filhinha. Mas comporte-se bem, ouviu? – Ora, mamãe. Uma coisa ou outra, né?

O bêbado e a lâmpada

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O bêbado cambaleava pela rua quando chutou uma lâmpada mágica. Na mesma hora, surgiu um gênio: – Meu amo, o senhor me libertou! Agora tem direito a três pedidos. – Bem... ic... seu gênio... Eu quero uma... garrafa de cachaça que não acabe nunca! Na mesma hora, para satisfação do bebum, o gênio faz aparecer uma garrafa infindável. – Ah, que maravilha! – E os dois outros pedidos, meu amo? – Ah, manda mais duas dessa...

Papo de louco Chega um novo paciente ao manicômio. Um louco puxa assunto: – Como é o seu nome? – Me esqueci. E o teu? – Também me esqueci... – Ah, então somos xarás!

Causos de

Rolando Boldrin

Ligações que custam caro Todo mês, aquele cidadão ficava indignado quando ia pagar a conta telefônica. Todo mês, a conta estava nas alturas, de tantas ligações interurbanas. Era ligação pro Japão, pra África, pras Orópa... Enfim, um despropósito, uma vez que naquela casa ninguém ligava pra fora. Houve desconfiança da empregada, mas logo descartada, uma vez que a dita cuja mal falava o caipirês, quinêm este que aqui escreve este causo. Pois muito bem: indignação daqui, desconfiança dali... E nada de matarem a tal charada. Naquela casa havia um papagaio que falava e cantava de tudo! Pois não é que um belo dia o dono da casa surpreende o tal louro a falar no telefone numa língua atrapalhada? Isso mesmo: as ligações interurbanas estavam sendo realizadas pelo nosso amigo verdinho. O dono da avezinha faladeira resolveu pregar-lhe um castigo: pega o louro pelas asas, dois pregos e um martelo e, numa parede da sala, prega o pobre falante com as asas bem abertas. “Isso é pra você aprender a não ligar mais pra ninguém, e muito menos pra lugares distantes. Você vai ficar aí pregado por uns três dias.” Passado alguns instantes, o louro percebe em sua frente, na outra parede da sala, um crucifixo com um Jesus ali... claro, crucificado. Ao ver nosso Senhor naquela parede, o tagarelador lhe dirige a palavra: Louro – Há quanto tempo você tá pregado aí? Cristo – Eu, meu filho, estou aqui pregado há dois mil anos... Louro (na bucha, indignado) – Você deve ter feito ligações pra longe mesmo, hein?! Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin (Nova Alexandria, 2001).

Relógio de família No leito de morte, o pão-duro chama o filho: – Você está vendo este relógio? Era do meu bisavô. Depois, passou para o meu avô, para o meu pai, que o passou para mim. Agora chegou a sua vez. – Puxa, papai. Que lindo – diz o filho, com lágrimas nos olhos. E o pai: – Quer comprar?

Quem deve paga O sujeito está prestes a entrar no chuveiro e sua mulher acaba de sair do banho. A campainha toca. Irritada com a falta de gentileza do marido, ela vai atender, ainda enrolada na toalha. É o vizinho. – Te dou 3 mil reais se você deixar a toalha cair... Depois de pensar por alguns segundos, a mulher deixa a toalha cair. O vizinho faz o cheque e vai embora satisfeito. – E aí, meu bem, quem era? – Nada, não... Era só o vizinho... – Ótimo, e ele pagou os 3 mil que estava me devendo?




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