MINHA VIDA DE GARIMPEIRO

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MINHA VIDA DE GARIMPEIRO ________________________________________

JOÃO HOLANDA CHAVES Redenção - Pará 2021 3


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A extração mineral do ouro, em sua forma mais rudimentar e precária, a extração do garimpo manual, tem relevante história em nosso país, pois esteve presente ainda em nossa época colonial, quando os escravos, por meio da técnica do aluvião ou da grupiava, agachados na beira de algum rio, usavam as suas técnicas para extrair o ouro por meio de bateias de metal ou madeira. Este cordel, escrito na mais tradicional forma poética conhecida, a sextilha, que também é uma das mais usadas em literatura de cordel, aborda, em pequenas nuances alguns relatos de minha vida de garimpeiro por estes garimpos brasileiros.Relata também a minha chegada a este belo estado do Pará e minhas andanças atrás de extrair, com bateias, mercúrios, azougue e sonhos, o reluzente ouro, quando a corrida pelo ouro, com suas aventuras, sonhos e dificuldades, era o que movia a vida de todos os garimpeiros em busca do bamburro, nem sempre conseguido, e que o levava a passar por momentos difíceis e perigosos na vida, levando em seu peito o sonho de bamburrar. 8


Se para vencermos nesta vida Não corremos o mundo inteiro É só trabalharmos com honestidade Para ganharmos o nosso dinheiro Esse cordel é mais uma história Dessa figura chamada garimpeiro. Em nome do Grande Criador Que nos sustém em sua guarida, Inicio estes pequenos versos Com a alma feliz e favorecida Narrando, daqui em diante, Sobre os garimpos de minha vida. A vida do garimpeiro é um romance Que agora a todos eu vou contar Sou um cara nascido no nordeste E que vim para este Sul do Pará Atrás de ouro, diamante, cassiterita Buscando a minha vida melhorar. 9


Daqueles tempos bem corridos Muitas coisas ficaram pra trás, De algumas, eu bem me lembro, De outras, não mais me apraz, Conheci muitos estes garimpos, De serra pelada, cumaru a apiacáz. Em setenta e cinco começava Aqui uma grande exploração, Hoje, onde é o banco Bradesco Era uma grande pista de avião Foi bonança do ouro e madeira Que deu vida a nossa Redenção. Quando surgiram os garimpos Tinha gente igual a papangu, Grandes eram todas as fofocas Da Maria Bonita e do Cumaru Muitos chegavam passando fome Comendo farofa, mingau e angu. 10


Muitos vinham do nordeste Pensando em um grande tesouro Diziam: vou deixar esta juquira E correr atrás do rico ouro, Muitos morriam de malária E outros, de simples desaforo. Uns, morriam soterrados Por falta de pouca atenção, Outros morriam de malária Sem ter uma única medicação, Alguns, morriam na currutela Se achando um valentão. A vida do garimpeiro é assim E você já sabe como é que é, Passam o dia dentro da lama Feito um pato ou um jacaré, E a noite, vão para a currutela Gastando o dinheiro com muié. 11


Muitos chegavam no baixão E começavam a trabalhar Quando pegavam o primeiro ouro Diziam, esse daqui vou segurar Quando chegar na minha terra Com a minha família eu vou gastar. A nossa vida é só mesmo uma E rapidinho se desmantela Quando eu via mulher bonita Queria furar o inchaço dela Quando eu pegava o primeiro ouro Corria a gastar na curretela. Quando chegava na curretela E o ouro começava a gostar A mulherada caia em cima Com mil abraços a me beijar, Diziam, essa noite não se dorme Pois contigo eu quero amar. 12


E eu logo dizia para a mulher: Venha logo e deixe de brincadeira Vai sentando aqui ao meu lado Puxe depressa alguma cadeira Vamos tomar whisky e cerveja gelada Nos amando a noitinha inteira. No garimpo tinha quase nada Nem água gelada ou televisão, O telefone era apenas um grito Acordando cedo todo o baixão Ou então, era os tiros de vinte Para chamar toda a atenção. O charme do garimpeiro Era a doze o seu treioitão, O grande poder da vinte Fazia tremer todo o baixão, Quando a gente ouvia o tiro Mais um parava de comer feijão. 13


Se o garimpeiro caia no baixão E uma vaga começava a procurar Ele dizia, eu cheguei rodado Muitos dias eu não posso passar Ficava logo com medo da malária Antes mesmo dela lhe pegar. Se o garimpeiro pegava malária Ficava tremendo e com frio Deitava logo em uma rede E dizia, meu Deus, não me viu? Porque a malária era tão forte Que o cabra ficava com calafrio. Era falciforme e a vírus Que comandava no baixão O garimpeiro gastava o seu ouro E no bolso não tinha um tostão Ai tinha que correr pra sucam Em busca da medicação. 14


Quando chegava na sucam Todos tinha que furar o dedo Uns tremendo de malária Outros tremendo de medo Quando saia o resultado A sucam não guardava segredo. Quando saia o resultado Dava na gente um calafrio, Você está com meia cruz de vírus Por isto este dando este frio, Cuida-te, ou tu morre cedo, Com a mente em desvario. Ai dava uma dose única Que o garimpeiro tinha que tomar Ele se deitava em uma rede E logo começava a chorar Os outros diziam para ele Quero ver o que vai arrumar. 15


Quando pegava a falciforme A vírus e a caladinha O garimpeiro ficava com medo Com a sua vida toda quebradinha A fome passava de longe Não comia nem uma sardinha. E para completar o seu azar Aparecia a hepatite C Os outros, para avacalhar diziam E agora, o que tu vai fazer? As mulheres da currutela É nós que vamos comer. Quando falava na mulher Que pra ele era considerada Ele dizia, tenho outra no Trinta E mais uma na Serra Pelada Quando eu sarar dessa malária Nós vamos tomar uma gelada. 16


E logo levantava tremendo Pois não se aguentava em pé, Ficava batendo o queixo Parecendo porcão ou jacaré Logo um dizia: fique com a malária Que eu vou dormir com tua mulher. Vamos chegar na currutela E contar o que aconteceu, Que você pegou malária forte E não aguentou e já morreu, Ontem, ela dormia contigo, Hoje, o amor dela sou eu. Quando estava melhorando Tinha que voltar a trabalhar, Mesmo estando ainda fraco No barraco não podia ficar, Os amigos diziam, fique na boa Procure uma sombra pra sentar. 17


Todos trabalhavam descalços Pois essa era nossa única rotina, No barranco não se calçava chinela E muito menos alguma botina, Às oito, nos chamava do barranco Para comermos café com milharina. A gente olhava para a cara do cuca E o estomago começava a embrulhar O bicho estava todo sujo de carvão Não tinha nem mesmo ido se banhar Passava três dias com a mesma cueca Só com preguiça de ir lavar. Nós chegávamos todos sujos Pegando qualquer „vazia‟, Com a mão suja pegava no copo Colocava a água e logo bebia, E chegava na curretela mentindo Dizendo: no baixão temos mordomia. 18


Era feijão trepa pau sem tempero E o arroz parecendo um mingau A carne de caititu bem seca Ninguém aguentava de tanto sal E ainda colocava pimenta do reino Que quase todos passavam mal. No garimpo do goiaba Do babaçu e do mamão No garimpo da abelha e do mandi Dava malária até em cão No garimpo do carrapato e do riozinho Muitos foram para debaixo do chão. Para chegar no cumaru Tinha que passar em Redenção A gente passava três dias na fila Com a nossa boroquinha no chão Até aparecer uma vaga Para a gente seguir de caminhão. 19


E, quando saia de Redenção O destino era a mata geral Chegava lá bem vermelhinho Era uma poeira infernal Todos fedendo igual macaco Começavam a passar mal. Quando chegava no cumaru E você pulava do caminhão Já tinha um apontando pra nós Mostrando-nos a coordenação A Federal abria as borocas E jogava tudinho pelo chão. Todo mundo ficava sério Ninguém ficava logo sorrindo Ia logo abaixando as calça E o “botão” já ia abrindo Seu „federa‟, eu não levo nada Pois tou chegando e não saindo. 20


Quando cheguei no garimpo E não sabia nem trabalhar, Arrumei vaga de catarino Que era para poder escapar, Tudo o que mandava eu fazer Eu, brabinho, estava por lá! Tinha um compadre no garimpo Que logo começou a trabalhar, Pegava o seu ouro e segurava Nem uma bolacha podia comprar Um dia, ele pegou a malária E todo o seu ouro teve que gastar. E passando-se noventa dias Chegou a hora de eu voltar, O compadre mostrou o ouro E disse, também quero viajar, Mas vá com Deus e boa viagem Estou com „marlene‟ e vou ficar. 21


Como não existia um telefone Para fazer a comunicação Vou fazer um pequeno bilhete Contando toda a minha situação, Entregue ele pra minha mulher Pois não tenho forças para ir não. O compadre fez logo o bilhete E foi assim a sua narração: Minha esposa, amada querida Minha vida e minha paixão Eu estou com a „marlene‟ E tenho que ficar aqui no baixão. O meu fígado está inflamado Que não posso nem piscar O meu baço está todo inchado Que eu não dou conta de respirar Todo o dia eu rezo e peço a Deus Para essa “Marlene” me deixar. 22


Eu estou em fraqueza danada Que não dou conta nem de andar Quando chega ao meio dia Que é a hora de almoçar Eu ponho a comida no prato Mas não dou conta de alimentar. Por isso o compadre está indo E eu estou ficando por aqui A “Marlene” é um causo sério Não é coisa de sorrir Se Deus quiser no final do ano Se ela me deixar eu estarei ai. Quando na cidade eu cheguei Fui, depressa, o bilhete levar, Antes mesmo do nascer do sol Só tive o tempo de me escovar, Calcei o short e a chinela velha E o bilhetinho eu fui entregar. 23


Quando eu bati na porta A mulher disse: pode entrar, O meu marido está no garimpo E não sei quando vai voltar, Eu estava em uma „seca‟ danada Quase não pude me controlar. Quando a mulher abriu a porta E me viu, todo na tranqueira, Disse: o que foi meu compadre Fale logo, estou em coceira, Ontem, passei a noite sonhando Pensando em mil e uma besteira. A mulher leu todo o bilhete E aumentou mais a confusão, Perguntou pelo seu marido E eu disse: ficou lá no baixão, Bem casado com a “marlene” Dona de seu corpo e coração. 24


Quando eu falei na “marlene” A mulher ficou toda enfezada, Disse: se eu pegar essa “marlene” Dou logo nela boas pancadas, É mais uma piriguete de cabaré Daquelas que não vale nada. Eu vou fazer um bilhetinho E peço a ele para entregar, Vou contar toda a minha vida Como estou passando por cá, Pode esperar, meu amigo, Ele vai ler e logo vai chorar. Tem mulheres que pensa Que o homem vai garimpar, Lá, se esborracha em cabaré E com as outras vai gastar, Do que a mulher escreveu Agora mesmo eu vou contar: 25


“Todo dia me levanto cedo E vou na padaria comprar pão, Não tenho dinheiro para a carne Pra ossadinha ou para o feijão, E você ai, com a sua „marlene‟ Gastando com ela no baixão. Pois fique todinho com ela E tomara que seja um traveco, Pode vim buscar suas panelas Os seus pratos e o seu caneco, Fique aí com a sua „marlene‟ Que eu fico com o Zé do buteco! Ele é um sujeito esforçado E não amanhece o dia dormindo Dá o dinheiro para o pão E compra leite para os meninos, No final de semana temos festa E passamos a noite nos divertindo. 26


Eu amo o meu zé do boteco E durmo quase até o meio dia Ele levanta cedo e vai para a rua Para a conta da agua e da energia Esse é o tipo de homem Que toda mulher sonha e queria. Tu diz que vem no fim do ano Mas eu não quero mais esperar, Fique aí com a sua „marlene‟ E que eu vou ficando por cá, Mas os 8 filhos que você deixou Tu tem a obrigação de ajudar.” Ela assinou o bilhetinho E entregou em minha mão, „E quando ver o desgraçado Diga que não volte mais não‟, Passando-se pouquíssimo dia Peguei de volta o meu avião. 27


Você que é garimpeiro De qualquer que seja a região Mande ouro para a sua mulher Para ela suprir a sua precisão, Eu também já fui garimpeiro E esse é o conselho do João. Quando cheguei no garimpo Entreguei o bilhete em mão, O compadre começou a ler Desmaiou duro e caiu no chão, Logo os garimpeiros gritaram: „Seu Maneco atacou o coração.‟ Quando comecei no garimpo Todos tinham que trabalhar Carregando motor nos ombros E rancho para se alimentar, E se algum trecho fosse seco Dias depois tinha que mudar. 28


A maquina era uma três polegadas Mais conhecida como a treizinha O motor Yamaha, cabeça quente, Lá no garimpo quase não tinha Na minha época o motor campeão Era o noventa e três e o noventinha. Se quebrava o motor no barranco Aquela coisa era de amargar Pegava o pau de reque e uma escada Nas costas o levava para arrumar As vezes o trem não ficava bom E com dois dias tornava quebrar. Quem trabalhava no jato Era conhecido como jateiro Quem trabalhava na maraca Era conhecido por maraqueiro E quem ficava no bico da caixa Você sabe, era o curumanzeiro. 29


De catarino ou de raleiro Valia a pena trabalhar A porcentagem era 8 por cento E todos davam para escapar Hoje, a porcentagem é de 2% E pelo jeito, vai só amargar. No meu tempo não tinha brefo, Andávamos com o ouro na mão, A gente entrava varando o garimpo E quando saía, era só de avião, Pilotos, era o „buguinha‟ e o „cabano‟ Os dois melhores pilotos da região. Esses pilotos não tinham medo Sua casa era o seu próprio avião Quando falavam do „manim‟ e do „louro‟ O garimpeiro dizia, nesses vou não, Eu estou querendo ir é para casa E não para debaixo do chão. 30


Naquela época antiga do garimpo Quando se podia bamburrar Era no cigarro manso e no whisky Nada de 51 ou de fumo maratá Quando brefava, baixava a cabeça Procurando bagana para fumar. No barraco que dava ouro Era fácil da gente conhecer A curaria era limpa e organizada E no jirau tinha fartura para se comer O cuca dizia: apontando a garrafa Pega um café com leite para beber. Quando o barraco não dava ouro Qualquer um ia cozinhar, A comida era ruim e salgada Porque não tinha tempero para temperar O Cuca acendia o fogo e botava a panela E baixava a rede e ia se deitar. 31


Se o barranco dava o ouro Tudo era diferente por lá A gente botava a boroca no chão e pegava cadeira pra sentar Ia na garrafa e botava café E com o cuca ia conversar. Se o barranco não dava ouro Não tinha tempo para conversar O cuca olhava pra gente com cara ruim Não mandava nem a gente sentar, O short era sujo e o coz todo enrolado Que era para poder segurar. Em um barranco eu fiz de tudo Eu fui catarino e já fui jateiro, Trabalhei na maraca e na caixa Como maraqueiro e raleiro, Na última opção do garimpo Eu trabalhei de curamanzeiro. 32


Se fosse para fazer reque Eu também requeava demais, Houve um reque que fizemos No garimpo do apiacás Foi um ouro que ganhei rápido E que eu nunca esqueço, jamais. Estávamos na base de cinquenta Mais não podia fazer fofoca Anoiteci sem um décimo no vidro E amanheci com 390 gramas na boroca No outro dia, foi surra feia na fila Que pulávamos igual fosse pipoca. Hoje, os garimpos estão diferente Tem agua gelada, wi fi e televisão, A cozinheira tem que ser bonita E saber fazer bem o „boião‟, Se a comida não estiver gostosa O garimpeiro não come não. 33


Hoje, tudo é no maquinário Tem pouco trabalho para fazer, Se o motor quebra no barranco Todos diz: não vi aqui pra morrer, Se o mecânico não vem arrumar Então pode chamar logo o PC. A porcentagem é dois por cento E pro garimpeiro tá bom demais, Porque tem água gelada e televisão Tem cama boa, internet e wi fi, Óleo, rancho e motor nas costas O garimpeiro não carrega mais. Nos garimpos do mato grosso Eu também passei por lá Peixoto de Azevedo e Paranaíta Alta Floresta e Piacás Novo Planeta e Satelite O ouro foi bom demais. 34


Juruema e Queixadinha Novo Astro e Aparicidão Santa Rosa e Ji Maria O ouro era de montão Braço Norte e Flor da Serra A noite era só confusão. Na currutela do Juruema Eu tinha uma mulher por dia Aquelas mulheres eram bonitas Era só que o garimpeiro queria Mas se metesse a beber cachaça Ele dava bobeira e logo morria. No garimpo do Novo Planeta Em oitenta e cinco trabalhei lá Tinha a currutela do Mutum Se não quisesse ir para o Piacáis Só na boate da Chanel tinha 25 E se chegasse, cabia sempre mais. 35


Nos garimpos de Roraima Eu também trabalhei ali Na pista do Franco e do Quarelha Eu já vinha do Cricoli Ali eu quase enrolei a vida Nos braços de uma Mucoxi. Sai de Roraima e fui pra Rondonia Garimpo para mim era brincadeira Deixei de trabalhar em barranco Para mergulhar no Rio Madeira Quatro horas no fundo da agua A vinte metros nessa zoeira. Descia as seis e subia as dez Tirava a roupa e ia banhar Deitava em uma rede E esperava a hora de almoçar Terminava e ia para currutela Com os meus 10% farrear. 36


Nos garimpos de Itaituba Eu também trabalhei ali Jardim do ouro e do Patrocinio Ametituba e do Zezão do abacaxi Lá eu peguei uma malária E pensei que nunca ia resistir. No garimpo Jacareacanga Cripulizinho e Cripulizão Garimpeiro rolava em cima do ouro Dormia bêbado com o ouro na mão Naquele tempo a gente trabalhava Sem medo de nenhum ladrão. Já a malária e a falciforme Assolava feio no baixão Deixava-nos, logo rezando Pedindo a Deus sua proteção, Outras, deixava os pés inchados Sem poder pisar nem no chão. 37


Essa doença era o tal de roi roi Que para todos eu vou falar Ela não tirava o nosso apetite Nem para almoço e nem pro jantar Mas todos com roi roi ficava triste Quando chegava a hora de se deitar. Coçava os pés e coçava o saco Na mesma hora com as duas mãos O saco, que tinha a pele fina A gente coçava com atenção Tirava a cueca e os outros diziam: Cuidado, amigo, com seu „pilão‟. O remédio certo era a minâncora E a quaretela para passar, A minâncora era para os pés A quaretela, pro saco aliviar, Baixávamos a rede garimpeira Que era para gente poder deitar. 38


A gente pegava o lençolzinho E quando ia logo se embrulhar, Na mesma hora se levantava Com a coceirinha pra coçar, Agente falava, brincando: Essa coceira pro Maranhão vou levar. Ninguém se conhecia pelo nome Só se conhecia por apelido, Um, era chamado de „curitinho‟, E outro, era o „mais comprido‟, O meu, era „alessandro crécio‟, Um apelido bem conhecido. Ninguém se zangava de apelido Pois tudo era brincadeirinha Uns, era chamado de „cara de rato‟ Outros, chamados de „mucurinha‟, Alguns, de „labareda‟ e „manivela‟ E eu, me chamavam de „poloquinha‟. 39


Assim era a vida do garimpeiro Quando pisava em um baixão Passava o dia dentro do barranco Sujo e imundo igual a um barrão A noite estava na currutela Limpinho igual fosse um barão. A dengue, zika e chikungunha Naqueles tempos não existia, Mas tinhas as mulheres bonitas Que tirava o que ele produzia O garimpeiro rico amanhecia brefado Nos braços de sua linda maria. Quem já trabalhou em garimpo Tem muitas histórias pra contar, Ou do brefo e da malária que pegou Ou do roi roi e hepatite que viu pegar Antes de colocar o ouro na boroca Todos íamos pra currutela gastar. 40


Se eu ainda fosse garimpeiro Hoje eu saberia economizar Em currutela de um garimpo Eu nunca mais iriaa gastar Aquelas mulheres de garimpo Meus três décimos não iam ganhar. Na currutela daqueles garimpos Quem entrava sabia que ia gastar As mulheres eram treinadas Para o garimpeiro conquistar, A „maquina de dinheiro‟ elas tinham Não precisavam nem se preocupar. Quando eu chegava na currutela E via a porta aberta do puteiro, As mulheres, sorrindo na porta, Em busca do ouro ou do dinheiro, Eu dizia: acabou o brefo, putada, Pois chegou o „joaozinho garimpeiro‟. 41


Whisky, vodka e champanhe Eu sentava e mandava descer, Chamava a mulherada da boate E botada todas para beber, Eu amanhecia o dia todo brefado Sem ter dinheiro nem para comer. E quando a ressaca chegava Lá pelo sol do meio dia a correr, Eu ia procurando aquelas mulheres Pedindo algo para eu beber Elas me olhavam todo brefado E dizias: sai fora, não conheço você. Quando a quenga assim me dizia Me batia o maior desespero, Voltava correndo para o baixão Ao encontro dos amigos garimpeiros, Eles diziam: nossa, você voltou depressa Amanhã começa na vaga de maraqueiro. 42


Quando começou o garimpo Era aquela revolução Era tiro de vinte, doze e 38 Escopeta, carabina e garruchão E o garimpeiro ainda gritava Vamos acordando, baixão. Garimpeiro sofreu tanto Que não tem explicação Sofreu com malária e hepatite Muitos fazendo exploração Procurando grota que tinha ouro Para sair daquela situação. Muitos diziam: morro comido de onça Mas brefado não morro não Só eu sei o que eu passei Pra chegar nesse Parazão Ou eu pego o ouro da vida Ou não vou mais no Maranhão. 43


No garimpo do Peixoto Nos fins de semana tinha rela-buxo A gente via as paraguaias e bolivianas E dizia: faz que escorrega que te puxo Não existia vã ou moto-taxi para andar A gente pegava o espanta cão do gaúcho. Todo garimpeiro conhecia o gaúcho E falavam que ele era inteligente Mas se falava que jeriqueiro era corno O gaúcho amanhecia o dia doente E era só ele que levava o óleo Do Peixoto para o garimpo Pé Quente. Se com boroca e saco velho nas costas O garimpeiro se colocava a andar, O gaúcho parava o espanta cão e dizia: Suba, amigo, e se põe logo a sentar, Mas quando tiver umas gramas na mão Não te esqueças, amigo, de me pagar. 44


Quando o baixão estava fraco Era aquela difícil situação Nós comíamos carne de anta Arroz branco no sal e feijão As oito horas quando tinha merenda Era aquele saboroso quarentão. Hoje, se for falar do garimpo Para aqueles que ainda não viu Se chamar para fazer pesquisa No baixão, grota ou leito do rio Se mostrar uma pá e uma chibanca Ele diz logo: compre um piu-piu. Piu-Piu é um aparelho Que acusa onde tem ouro Eu não vou ficar cavando chão Não sou tatu, pega ou rabo de couro Não vou ficar cavando chão Eu não sei onde tem ouro. 45


Antes, vivíamos muito felizes Na precariedade de um baixão, No frio das quatro da madrugada Corríamos para tirar nosso tostão Não tínhamos medo da zoada De um simples rasante de avião. Hoje, o garimpeiro vive pensando Não tem tempo nem para comer Se ele ouve a zoada do avião Joga o prato fora e passa a correr Outros garimpeiros dizem: tá louco Ou está querendo mesmo é morrer? Em sua desembestada corrida Igual por medo de maribondo, Ele diz: não quero nem saber Eu sei do que dói no meu lombo, Talvez ainda tenho um tempinho E os motores e a PC eu escondo. 46


Trabalhei muito tempo no garimpo Mas não tinha esta perturbação Nunca vi Ibama e Forças Armadas Andando lá dentro do baixão Se quiséssemos falar com a Federal Saiamos do barraco pra coordenação. Hoje, o garimpeiro vive triste Não se vê mais garimpeiro contente O Ibama acabou com tudo E tirou a paz de toda a gente Vi o Ibama atrás de garimpeiro Que tinha colocado ouro no dente. Hoje o garimpeiro vive sofrendo Passando por toda humilhação Busca o ouro que Deus deixou Escondidinho debaixo do chão E logo vê o Ibama, tacando o fogo E o maquinário em cinzas no chão. 47


Mas o garimpeiro não reclama E vá seguindo atrás do seu sonho, Muitos ainda estão pelo garimpo Se ricos ou pobres, não suponho, De minha historia nos garimpos É coisa qu‟eu nunca envergonho. Os garimpeiros de hoje em dia São perseguidas diariamente, Dizem que eles destroem o solo E poluem o nosso meio ambiente, Só não dizem que os garimpeiros É teimoso e de coração valente. Que Deus abençoe os garimpeiros Dando-lhes ouro pra eles enricar, Que lhes dê muita paz e saúde, E nunca os deixem sem sonhar, Que os agentes da Federal e Ibama Deixem, cada um deles, trabalhar. 48


Com tantas estrelas do céu Brilhando o mundo inteiro, Deus cubra com seu santo manto Todos meus irmãos garimpeiro Que com tanta humilhação É um herói sempre guerreiro. Deus lhe dê alegria e riquezas E um peito em perseverança Saí do Maranhão e corri mundo Hoje sou velho, já fui criança, Deixo a cada amigo garimpeiro Um forte abraça de esperança. Agora, eu finalizo esta história Pedindo à Deus, a sua proteção, Que cubra esta nação garimpeira Com a destra de sua potente mão, Por muitos tempos fui garimpeiro Hoje, levo este sonho no coração. 49


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