DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012
PAULO GERMANO e FRANCISCO AMORIM
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o ignorar as ordens da Justiça, torcedores envolvidos em pancadarias desmoralizam as autoridades e os dois maiores clubes gaúchos. Eles estão proibidos de entrar nos estádios – e deveriam se apresentar em uma delegacia toda vez que o Grêmio ou o Inter jogassem em Porto Alegre. Não é o que ocorre. Nenhum entre sete jovens atualmente banidos das arquibancadas
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cumpre a medida. Dois deles, um gremista e um colorado, foram flagrados por Zero Hora dentro do Olímpico e do Beira-Rio, incólumes a qualquer fiscalização. Na prática,a lei se mostra um faz de conta.A polícia empurra a culpa para a Justiça, que empurra a culpa para a polícia, que empurra a culpa para os clubes, que empurram a culpa para a Justiça e para a polícia. E o caminho acaba livre para os infratores.
Nesta série de reportagens, que começa neste domingo e se estende até terça-feira, ZH mostra por que uma legislação considerada um sucesso em países como a Espanha e a Inglaterra – onde a fúria das torcidas foi amenizada com uma repressão vigorosa do Estado – por aqui ainda é uma fantasia.
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ZERO HORA DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012
IMPUNIDADE NOS
ESTÁDIOS
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om a mão direita indo e vindo em frente à testa,Jeferson Rodrigo Kuchinski,23 anos, é o retrato da liberdade enquanto pula e canta “dá-lhe ô, dá-lhe ô, dá-lhe Grêmio,dá-lhe ô”. O Grêmio perderia aquela partida por 1 a 0 contra o Atlético-MG, em pleno Olímpico. Mesmo assim, sem nenhum constrangimento, Jeferson postaria no dia seguinte, no Facebook, fotos do seu entusiasmo em meio à Geral, a principal torcida organizada do clube. Não havia motivos para se esconder: as autoridades nunca deram sinais de que cobrariam sua presença na 2ª Delegacia de Polícia da Capital, onde ele deveria estar naquela tarde de 1º de julho. Uma semana depois, Gabriel Maidana Bassani, 23 anos,prefere a discrição enquanto assiste à vitória do Inter sobre o Cruzeiro por 2 a 1, no Beira-Rio. Não veste a camisa do time. Não acompanha a cantoria da Super Fico, a torcida da qual faz parte. E demonstra desconforto quando uma máquina fotográfica parece apontar em sua direção. – Sem foto, sem foto! – grita ele para um torcedor de câmera em punho. Gabriel sabe que seu destino correto, naquele dia, seria a 20ª Delegacia de Polícia – situada a sete quarteirões dali. A presença dele no Beira-Rio – e a de Jeferson no Olímpico, ambas flagradas por ZH – revela como uma legislação bem-intencionada, cujo princípio seria impedir arruaceiros de ingressar nos estádios, sucumbe à frouxidão do poder público e dos próprios clubes. Desde fevereiro, quando se envolveram em uma pancadaria antes de um Gre-Nal (leia mais na página ao lado),Jeferson e Gabriel estão proibidos por seis meses de torcer nas arquibancadas.
Outros dois rapazes detidos no mesmo tumulto, o gremista Thiago Araújo da Rosa e o colorado Antonio Flávio Valadão de Almeida, também ignoram a ordem judicial: jamais se apresentaram à polícia em dias de jogos. E a polícia nunca alertou a Justiça sobre suas ausências. – Não fui nenhuma vez à delegacia. Não me cobraram nada até agora, ninguém me ligou. Parei de ir ao estádio por questões pessoais, mas se quisesse poderia ter ido – avalia Thiago, 29 anos, para em seguida expor sua conduta como “torcedor”. – Já me meti em muita briga de torcida. Se tiver que brigar, brigo sim. Tenho que defender meus amigos, defender meu clube. Em 26 de março, o Grêmio recebeu um ofício do juiz Amadeo Ramella Buttelli, do 2º Juizado Especial Criminal (Jecrim), pedindo que fiscalizasse a entrada de Thiago e Jeferson no Olímpico. Três dias depois,sem qualquer empecilho,Jeferson já ingressava no estádio para assistir à partida contra o Avenida, vencida pelo Grêmio por 4 a 0. Ele mesmo publicou no Facebook uma foto fazendo pose dentro do Olímpico. A mesma inação se repete no Inter: jamais o clube tomou providências para barrar a entrada dos colorados infratores, como o juiz Buttelli solicitou em 21 de março. Na 20ª DP, onde Gabriel e Antonio deveriam se apresentar no último dia 8, enquanto o Inter vencia o Cruzeiro no Beira-Rio, a funcionária de plantão informou que um deles chegou a comparecer uma vez,mas“isso já faz tempo”: – Sei lá, acho que faz uns quatro meses. Nem lembro o nome dele. Não é o que apontam os registros da delegacia.Nenhum torcedor cumpriu a medida um dia sequer.
O que disse
Jeferson Rodrigo Kuchinski gremista proibido de entrar no Olímpico
Tá, tá, fui ao jogo Zero Hora – Você está proibido pela Justiça desde fevereiro de frequentar o Olímpico. Que postura está adotando? Jeferson Rodrigo Kuchinski – Estou cumprindo. Até porque (o prazo de seis meses) está terminando,falta menos de um mês.Quando terminar,quero voltar ao Olímpico. ZH – Você diz que está cumprindo a ordem judicial? Jeferson – Estou. ZH – Mas está se apresentando à delegacia no horário dos jogos? Jeferson – Não,aí não dá,porque eu trabalho.Nem teria como.
O FÉLIX ZUCC
ZH – Apenas parou de ir aos jogos do Grêmio? Jeferson – Isso.Até porque estou trabalhando,né? ZH – Mas temos fotos suas dentro do Olímpico, no jogo do Grêmio contra o Atlético-MG, em 1º de julho. Jeferson – Não.Fui (ao Olímpico) uma vez só,mas faz tempo. ZH – Quando? Jeferson – Fui em uma quarta. Ou em uma quinta. ZH – Mas e no jogo contra o Atlético-MG, em 1º de julho, um domingo,você estava ou não? Jeferson – Sim. Mas só nesse aí, nos outros não. ZH – No Facebook,há fotos suas em outro jogo: Grêmio e Avenida,em 29 de março. Jeferson – Não. Nesse do Aveni-
da,não fui.Não fui ao jogo,não. ZH – Mas tem fotos suas. Não foi mesmo? Jeferson – Não. ZH – Tem certeza? Tem fotos no Facebook. Jeferson – Tá,tá,fui,fui. ZH – Mais algum jogo? Jeferson – Contra os gambás (em referência ao Corinthians, que jogou com o Grêmio no Olímpico em 10 de junho).Mas foram só esses. ZH – Antes da primeira partida da semifinal da Copa do Brasil, quando o Grêmio enfrentou o Palmeiras no Olímpico, em 13 de junho, você postou no Facebook que havia comprado seu ingresso.Não foi a esse jogo? Jeferson – Fui. ZH – Foram só esses? Jeferson – E mais alguns já... ZH – Por que você está descumprindo a ordem da Justiça? Jeferson – Ah, sei lá... Nem sei te dizer. ZH – Você foi proibido de entrar no Olímpico após se envolver em um tumulto antes do Gre-Nal de 5 de fevereiro.O que houve naquele dia? Jeferson – Eu estava tomando cerveja em um barzinho. Começou a briga, todo mundo começou a correr e, de repente, chegou o brigadiano e disse que eu estava no meio do tumulto. Mas eu não estava. Daí me levaram.
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Delegados receberam ofícios comunicando que torcedores proibidos de ir aos estádios deveriam se apresentar nas DPs
O que disse
Gabriel Maidana Bassani colorado proibido de entrar no Beira-Rio
Estou indo normal aos jogos Zero Hora – Você está proibido pela Justiça desde fevereiro de frequentar o Beira-Rio. Que postura está adotando? Gabriel Maidana Bassani – Não estou cumprindo. Todo jogo tem que ir à delegacia. Nem fiz nada naquele dia (do Gre-Nal de 5 de fevereiro, quando houve o tumulto). O brigadiano se encarnou na minha e me prendeu.
ZH – Com que frequência você tem ido aos jogos do Inter no Beira-Rio? Gabriel – Estou indo normal aos jogos. ZH – E costuma se envolver em brigas? Gabriel – Estou evitando brigar.
O tamanho da violência
180
é a média anual de ocorrências em dias de jogos no entorno dos estádios Beira-Rio e Olímpico
ZH – Por que você não comparece à delegacia no horário dos jogos,como ordenou a Justiça? Gabriel – É muito difícil cumprir essa pena. Não é todo jogo que o cara pode ir à delegacia. Muitas vezes, o cara não tem como ir. Como é que vai fazer? ZH – Mas você consegue ir sempre ao Beira-Rio. Por que não conseguiria ir à delegacia? Gabriel – Sim, mas não é todo jogo que eu vou. Procuro ir em todos, mas às vezes ocorre um imprevisto. ZH – Por isso decidiu descumprir a ordem judicial? Gabriel – Não é que eu decidi descumprir a ordem. Fui levando, levando, mas agora tenho que ir lá.Vou à delegacia me informar. O tempo vai passando, passando e, quando vê...
33%
delas envolvem brigas, lesões corporais e desobediência
Enquanto o Olímpico trepidava com o Gre-Nal na noite de 5 de fevereiro, o ambiente era carrancudo em uma pequena sala do estádio.No posto do Juizado Especial Criminal (Jecrim), o juiz Marco Aurélio Martins Xavier interrogava os torcedores envolvidos no tumulto horas antes do jogo. Os gremistas, segundo o boletim de ocorrência, haviam promovido uma chuva de pedras, garrafas e pedaços de pau contra os PMs que escoltavam a torcida do Inter. Para piorar, no meio da escolta colorados iniciaram uma briga entre si. – Alguns queriam revidar o ataque dos gremistas, mas outros tentavam impedi-los. Prendemos quem defendia o revide – recorda o sargento Cristiano Bildhauer,ferido com uma pedrada naquele dia. Dois torcedores do Grêmio, Jeferson Rodrigo Kuchinski e Thiago Araújo da Rosa, aceitaram uma transação penal: estariam livres de responder a um processo na Justiça desde que ficassem longe do Olímpico por seis meses, apresentando-se à 2ª Delegacia de Polícia no horário das partidas. Ou seja, es-
Vídeo revela o descompasso entre o pedido da Justiça e a ação da polícia na fiscalização dos brigões.
tavam impedidos de retornar às arquibancadas até 5 de agosto de 2012. No caso dos colorados, a medida foi idêntica, alterando-se os locais: Antonio Flávio Valadão de Almeida e Gabriel Maidana Bassani deveriam se afastar do Beira-Rio pelo mesmo período, apresentando-se à 20ª Delegacia de Polícia sempre que o Inter jogasse em seu estádio. Trata-se de uma sanção prevista no Estatuto do Torcedor. Elogiada por especialistas, a ideia é impor aos torcedores arruaceiros uma punição educativa, evitando entupir o Judiciário com novos processos. A lei só vale para réus primários. Mesmo aceitando o acordo com a Justiça,os quatro detidos naquele dia negaram participação no motim antes do Gre-Nal. Mas, quando o juiz encerrou a audiência, lembra o sargento Bildhauer, os gremistas decidiram aguardar os colorados na saída. – Deu um bolo mesmo. Eles (os colorados) tinham xingado a gente lá no Jecrim. Aí, fomos para cima deles – relembra Thiago.
RICARDO DUARTE
ZH – Por que ele decidiu prender você? Gabriel – Eu só olhei para o brigadiano, e ele se encarnou em mim. Eu só olhei para a cara dele e dei um cuspe no chão. Ele achou que eu o estava desacatando, mas não foi nada disso.
Olha, é difícil eu me meter em briga. Fui em todos os jogos e nunca me meti em bronca nem rolo nenhum.
DUAS BRIGAS NO MESMO DIA
ZEROHORA.COM
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JOGO DE EMPURRA
QUEM FALHOU
ENTREVISTA Marco Aurélio Martins Xavier Juiz responsável pelo projeto Jecrim nos Estádios
“OS DELEGADOS TÊM OBRIGAÇÃO DE DAR EXPLICAÇÕES”
Quem descumpre a medida pode estar foragido, cometendo outros delitos. A polícia tem responsabilidade grande.
Zero Hora – Torcedores proibidos pelo senhor de ingressar nos estádios nunca compareceram às delegacias no horário dos jogos. Onde está a falha? Marco Aurélio Martins Xavier – As delegacias, que recebem o ofício para fiscalizar o cumprimento da medida, devem comunicar o Jecrim na primeira falta, imediatamente. Esses torcedores, que resolveram descumprir a transação penal, serão processados pelo crime de violência nos estádios,previsto no Estatuto do Torcedor. ZH – Na sua avaliação, por que as delegacias não comunicam a Justiça? Marco Aurélio – Essa pergunta deve ser endereçada aos delegados de polícia, que, até onde sei,se comprometeram em realizar a fiscalização. Se houve algum desvio de conduta ou alguma desídia na fiscalização desses indivíduos, eles têm a obrigação de dar explicações ao juiz titular do processo (Amadeo Ramella Buttelli, do 2º Jecrim do Foro Central). ZH – No documento assinado pelo senhor e no ofício do juiz Buttelli às delegacias, vocês solicitam que a polícia envie um relatório à Justiça ao final do prazo. Os delegados argumentam que não têm obrigação de avisar jogo a jogo. MarcoAurélio – Existem coisas que precisam ser interpretadas. É evidente que, se for aguardado o final do prazo, o cumprimento da medida será prejudicado. Talvez, de fato, isso revele uma incorreção na comunicação (da Justiça) à polícia. Mas há algo que precisa ser refletido: as instituições não podem funcionar de maneira ilhada. ZH – Deveriam funcionar como? Marco Aurélio – Se há alguma pendência de esclarecimento, o mínimo que se deve fazer é buscar esse esclarecimento sobre qual conduta adotar quando o acusado descumpre a determinação. Então, respeitando a boa vontade dos delegados, não me parece uma atitude correta essa. O indivíduo que descumpre a medida pode estar foragido e, inclusive, cometendo outros delitos.A polícia tem uma responsabilidade grande.
É visível o problema de comunicação entre a Justiça e a polícia — o resultado é que a fiscalização aos torcedores proibidos de entrar nos estádios não existe. Os juízes sugerem certa inércia da parte dos delegados. Dizem que, quando um infrator se ausenta da delegacia onde deveria se apresentar no horário dos jogos, o Judiciário precisa ser avisado prontamente. Mas a polícia não avisa. O argumento dos delegados é que, nas notificações que receberam da Justiça, o texto dizia: “(...) solicitolhe que monitore o cumprimento, enviando relatório ao final do prazo.” — No final, vamos enviar o relatório. Se o juiz queria mais, deveria ter colocado ali — defende-se a delegada Sílvia Coccaro, da 20ª DP, responsável por recepcionar os colorados infratores. Quem enviou os ofícios foi o juiz Amadeo Ramella Buttelli: — Pedi que monitorassem. Seria interessante que a pessoa pensasse: “Estou monitorando, o indivíduo se ausentou, vou alertar o juiz”. Mas, nos próximos ofícios, vou procurar melhorar a redação.
ENTREVISTA Cesar Carrion Titular da 2ª Delegacia da Polícia Civil da Capital
“A FISCALIZAÇÃO TEM DE VIR DO PRÓPRIO JUIZADO” Zero Hora – Os torcedores gremistas impedidos de entrar no Olímpico estão comparecendo à delegacia? Cesar Carrion – Não, nenhuma vez, pelo que vi aqui no relatório do plantão policial.
Não tenho como obrigar o cara a vir para cá (delegacia). Não vou mandar um policial ir atrás deles.
ZH – Mas como a comunicação entre a Justiça e a polícia poderia melhorar? Marco Aurélio – Se esta é uma falha, a comunicação vai melhorar.Sempre que houver ausência do acusado, o Jecrim deverá ser informado, e os documentos do Judiciário serão mais específicos.
A SÉRIE
Domingo A IMPUNIDADE NOS ESTÁDIOS
ZH – E não há nada que se possa fazer quanto a isso? Carrion – A decisão do juiz é clara. Ele pede um relatório ao final (do prazo) de seis meses sobre as presenças dos torcedores. Ninguém me pediu um controle rígido. O juizado não cobra mais da gente. E os torcedores assinaram a transação penal, deveriam ter interesse em cumprir. Não tenho como mandar um policial atrás de cada torcedor assim. ZH – Mesmo que o ofício do juiz não seja tão específico, o senhor não poderia notificálo sobre essas ausências? Carrion – Sim.Vou fazer isso nesta semana. Fui alertado pela plantonista sobre as ausências no último jogo, após um colega teu ir à delegacia e perguntar pelos torcedores. ZH – Essa falta de fiscalização gera uma sensação de impunidade nos outros torcedores. Carrion – Acho que pode criar, sim. É importante que se diga que eles responderão pela desobediência. Mas a fiscalização é meio vulnerável,mesmo. ZH – E o que a Polícia Civil pode fazer para melhorá-la? Carrion – Não tenho como obrigar o cara a vir para cá (delegacia). Não vou mandar um policial ir atrás deles. A fiscalização tem de vir do próprio juizado. ZH – Como isso poderia ser feito? Carrion – O juiz poderia determinar, por exemplo,que a cada jogo o torcedor pegasse uma presença na delegacia e apresentasse ao fórum. Na primeira ausência,o juiz já teria conhecimento.Concordo que a presença desses torcedores no estádio cria uma sensação de“não dá nada”para outros torcedores. ZH – Os clubes também são responsáveis? Carrion – Sim. Eles têm de fiscalizar quem entra. Não é preciso mostrar identidade quando se compra ingressos? Eles poderiam até colocar fotos nos portões dos estádios, já que não são muitos torcedores impedidos.
Segunda-feira OS CLUBES: BONS ANFITRIÕES DAVIOLÊNCIA
Terça-feira COMO ENFRENTAR A IMPUNIDADE
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ZERO HORA SEGUNDA-FEIRA, 23 DE JULHO DE 2012
Reportagem Especial
DRIBLE NA
FOTOS DIEGO VARA
JUSTIÇA
O Olímpico (acima) e o Beira-Rio (à direita) contam com salas de videomonitoramento que permitem identificar pessoas em meio à multidão, mas as câmeras não são usadas para inibir a presença dos torcedores proibidos pela Justiça de entrar nos estádios
Portas abertas a
VÂNDALOS PAULO GERMANO e FRANCISCO AMORIM
O Grêmio e o Inter não dão bola para a Justiça. Quando um juiz envia ofício pedindo que fiscalizem a entrada de torcedores proibidos de ingressar em seus estádios, a reação beira o desdém. Para piorar, não cumprem o Estatuto do Torcedor – que manda afixarem a lista de infratores nos portões de acesso. O discurso é que o problema é da polícia e da Justiça.
ZEROHORA.COM Vídeo revela o descompasso entre o pedido da Justiça e a ação da polícia na fiscalização dos brigões.
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esinformados e despreocupados com os torcedores proibidos de frequentar seus estádios, os dois maiores clubes do Estado revelam-se bons anfitriões para a violência. Não faltam câmeras para barrar penetras – algumas, capazes de identificar uma ruga a 700 metros de distância – nem seguranças nas catracas de acesso ao público.As falhas são de gestão, bem mais profundas do que a desatenção de um vigia. Na edição dominical, no primeiro dia da série de reportagens Drible na Justiça, Zero Hora revelou como torcedores envolvidos em pancadarias ignoram as ordens da Justiça. Eles estão impedidos de entrar nos estádios – e deveriam se apresentar em uma delegacia no horário das partidas. Nenhum deles cumpre a medida. Dois foram flagrados por ZH dentro do Olímpico e do BeiraRio,livres de qualquer fiscalização. O presidente do Grêmio, Paulo Odone, e o do Inter, Giovanni Luigi, repassam a culpa para o poder público. Mas também descumprem a lei.No artigo quinto do Estatuto do Torcedor, o texto manda os clubes afixa-
rem em todas as entradas do estádio a relação dos torcedores proibidos de ingressar. O setor de segurança do Inter nem sequer conhece essa lista, embora o departamento jurídico do clube tenha recebido ofício do juiz Amadeo Ramella Buttelli pedindo a fiscalização dos infratores. – Temos dois vigiados atualmente: o Hierro (antigo líder da torcida Guarda Popular) e outro torcedor envolvido na mesma confusão (em dezembro). Mais ninguém – disse o vice-presidente Alexandre Mussoi na semana passada, desinformado sobre a proibição de Antonio Flávio Valadão de Almeida e Gabriel Maidana Bassani, este último fotografado pela reportagem nas arquibancadas do Beira-Rio. A delegada Sílvia Coccaro, titular da 20ª Delegacia de Polícia da Capital – onde Gabriel e Antonio deveriam comparecer na hora dos jogos, mas jamais se apresentaram –,acirra o jogo de empurra: – Não podem vender ingresso para eles. Essa lista de nomes precisa ser do conhecimento de quem controla a entrada (o Inter só pede documento de identidade para quem compra ingressos em jogos de grande porte).
No Grêmio, a ação limita-se a expulsar o infrator do quadro de sócios. O que, na prática, não adianta. Proibido pela Justiça de entrar no Olímpico,Jeferson Rodrigo Kuchinski era sócio do clube, mas foi flagrado por ZH torcendo em meio à Geral,principal torcida organizada do Grêmio. No estádio gremista, qualquer um compra ingresso sem apresentar documento. Segundo o assessor especial da presidência do clube, Luiz Moreira, as mais de cem câmeras que vigiam o Olímpico e seu entorno não têm como função procurar torcedores impedidos de entrar nos jogos. – Isso é coisa para ser resolvida na delegacia. Não há como achar na multidão – afirma Moreira. Já o vice-presidente Alexandre Mussoi, do Inter, reconhece que suas câmeras podem auxiliar na fiscalização dos infratores. O problema é que o olho eletrônico colorado, que nem sabe quais torcedores estão impedidos de ingressar no Beira-Rio, é tão cego quanto o gremista. paulo.germano@zerohora.com.br francisco.amorim@zerohora.com.br
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ZERO HORA SEGUNDA-FEIRA, 23 DE JULHO DE 2012
ENTREVISTA Paulo Odone presidente do Grêmio
“SE ELETEM INGRESSO, NÃO POSSO FAZER NADA”
ENTREVISTA
Isso quem tem de fazer é a Justiça. Determinar o cumprimento da medida.
Giovanni Luigi presidente do Inter
“A SEGURANÇATERIA DE OLHARTODOS.NÃO DÁ” ZH – Não se poderia adotar uma Zero Hora – O senhor sabe que torcedores proibidos de entrar no medida como a exigência da apresentação da carteira de identidaBeira-Rio continuam no estádio? Giovanni Luigi – Quais os no- de? Isso não inibiria os infratores? Luigi – Isso trancaria o acesso. mes? Operacionalmente é inviável. ZH – Um deles se chama Gabriel ZH – A segurança do Inter desBassani. Flagramos esse torcedor conhecia que o clube havia sido no jogo contra o Cruzeiro. Luigi – Eles devem estar entrando oficiado pela Justiça sobre dois com outra identidade, outro cartão torcedores proibidos de entrar. Luigi – Falaste com a segurança? de sócio,algo assim,deve ser.Eles podem estar entrando com ingressos. ZH – Sim,com Roberto. Luigi – Ele não sabia? ZH– O Estatuto do Torcedor manda os clubes afixarem a lista ZH – Não sabia. de torcedores impedidos em todas Luigi – Quase não estou acreditanas entradas do estádio. Por que isdo. Mas tu me ligas em duas horas, so não é feito? Luigi – Isso eu posso mandar fa- que eu vou falar com os advogados. zer hoje. É uma coisa simples. Só que (Duas horas depois, Luigi liga) pela quantidade de pessoas que entram no estádio, não tem como ficar ZH – O Inter foi avisado? conferindo a lista. Luigi – O que aconteceu: foi comuZH – Mas se é simples, por que nicado à tesouraria, que inseriu o nome deles no sistema.Assim, eles não já não é feito? Luigi – Tem certeza de que não é? podem comprar o ingresso, pois a bilheteria exige a apresentação de doZH – Sim, a reportagem consta- cumento. E a central de atendimento ao sócio também. tou isso. Luigi – Então, a partir do que tu ZH – Mas o torcedor impedido estás falando, vamos colocar. Mas essas coisas se evitam de duas formas. entrou da mesma forma. A seguCom tecnologia e com uma coisa rança não foi avisada? Luigi – Não, não foi. Tu pegas na muito importante: na hora do jogo, a exemplo do que acontece na Europa, entrada 200 seguranças e eles teriam de olhar todo mundo.Não dá. essa pessoa deve ficar na delegacia.
A SÉRIE
Eles devem estar entrando com outra identidade, outro cartão de sócio, algo assim, deve ser.
Ontem A IMPUNIDADE NOS ESTÁDIOS
dores, conforme manda o Estatuto do Torcedor.O que o clube fez? Odone – A única maneira de cumprir a decisão judicial, tu ligas para o juiz e podes dizer:“Olha, o presidente do Grêmio diz que a maneira única de controlar é penalizar esse réu a comparecer todos os dias de jogos, ele querendo ou não ir aos jogos, na Brigada ou na polícia. E pede para ZH – Como a direção do clube a autoridade policial prestar contas desconhece que há pessoas proibi- ao juiz”. Se o cara não for lá, manda prender,bota na penitenciária. das pela Justiça de entrar? Odone – Isso quem tem de fazer é ZH – A lei determina que os clua Justiça. Determinar o cumprimento. O que se faz na Europa, e se fazia bes coloquem, em todos os poraqui, é penalizar um cara desses: tões de acesso ao estádio, a relação obrigá-lo em dias de jogos a se apre- dos torcedores proibidos de entrar. sentar e ficar em uma delegacia. Ou Por que o Grêmio ignora a lei? Odone – Aí tu vais ter de falar com na Brigada.É isso que se deve fazer. meu jurídico, eu não sei te responder ZH – Mas na Europa os clubes se isso é viável. também cumprem sua parte, fisZH – É viável, é o que manda a calizando o acesso dos torcedores lei. E as câmeras? O Grêmio tem aos estádios. Odone – Eu não tenho como im- um sistema de monitoramento pedir que um cara compre o ingresso que poderia ser usado. Por que ise entre aqui. Juridicamente não tem so não é feito? Odone – Todas essas câmeras escomo, pelo menos pelo que eu conheço. Quem pode fazer algo é o juiz, tão localizadas em um centro, que é que emite a pena alternativa. Proibir acompanhado pela Brigada Militar e por seis meses, um ano, o que o juiz está à disposição do juizado. É uma achar. E, pior, mandar o cara se apre- salinha onde as imagens passam ao vivo. Eles podem fazer a intervenção sentar em um ambiente policial. na hora. Agora, é impossível em um ZH – Temos cópia do documen- jogo com 30 mil, 40 mil pessoas ter to no qual o juiz ordena que o clu- funcionários do Grêmio olhando isso be fiscalize a entrada desses torce- na multidão.Não tenho como. Zero Hora – O senhor sabe que há torcedores proibidos de entrar no Olímpico? E que eles continuam indo ao estádio? Paulo Odone – Não.O que eu posso fazer é excluí-los aqui do quadro social, como eu tenho feito.Agora, se o cara compra o ingresso e entra lá, eu não posso fazer nada.
Hoje OS CLUBES: BONS ANFITRIÕES DAVIOLÊNCIA
Amanhã COMO ENFRENTAR A IMPUNIDADE
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ZERO HORA TERÇA-FEIRA, 24 DE JULHO DE 2012
DRIBLE NA
JUSTIÇA O documento ao lado é o primeiro passo para a tradicional sensação de impunidade acabar nos estádios. O juiz Amadeo Ramella Buttelli, do 2º Juizado Especial Criminal, admitiu as falhas das instituições gaúchas na fiscalização aos torcedores proibidos de entrar no Olímpico e no BeiraRio. Buttelli pede às delegacias que mudem a forma de monitorar o cumprimento da medida – e exige que os infratores lhe entreguem um atestado mensal.“A sistemática adotada não está servindo”, assumiu o magistrado em seu despacho. Enquanto isso, o Ministério do Esporte se prepara para sugerir um convênio ao Tribunal de Justiça do Estado – e, assim, entrar com uma verba entre R$ 200 mil e R$ 300 mil para instalar um juizado específico para delitos no futebol.
REAGINDO AO
FRACASSO PAULO GERMANO e FRANCISCO AMORIM
A
o reconhecer a inércia na fiscalização de torcedores proibidos de entrar nos estádios, o Judiciário adotou providências. O juiz Amadeo Ramella Butelli, responsável pelo caso do gremista e do colorado flagrados por Zero Hora nas arquibancadas, intensificou as exigências para garantir que os infratores cumpram suas ordens. Já o Ministério do Esporte anunciou que percorrerá uma série de Estados para instalar juizados especializados em violência no futebol. A ideia é justamente estreitar as relações entre os órgãos responsáveis por coibir a impunidade – algo que, como mostrou a série de reportagens Drible na Justiça,ainda engatinha por aqui. Nos últimos três dias, ZH revelou como torcedores envolvidos em pancadarias ignoram as determinações da Justiça. Impedidos de ingressar nos estádios, eles deveriam se apresentar em uma delegacia no horário das partidas. Nenhum deles cumpre a medida. O Grêmio e o Inter, que deveriam fiscalizar suas entradas, nem sequer sabiam das proibições. E os delegados de polícia, responsáveis por receber os in-
fratores nas DPs,culparam o Poder Judiciário. Isso porque, nos ofícios enviados pelo juiz Buttelli às delegacias, o magistrado pedia que os policiais monitorassem o cumprimento da decisão,“enviando relatório ao final do prazo”. Como os torcedores deveriam ficar seis meses afastados dos estádios, os delegados Cesar Carrion e Sílvia Coccaro, mesmo cientes da ausência dos torcedores nas DPs,só enviariam o relatório depois desse período. – Fiz um novo despacho, mais específico, que será adotado em todos os outros processos. A delegacia entregará um atestando de comparecimento ao indivíduo, que deverá entregá-los aqui no juizado, uma vez por mês – explicou, ontem, Butelli, titular do 2º Juizado Especial Criminal. O magistrado mandou intimar os gremistas Jeferson Rodrigo Kuchinski (flagrado no Olímpico por ZH) e Thiago Araújo da Rosa, além dos colorados Antonio Flávio Valadão de Almeida e Gabriel Maidana Bassani (flagrado pela reportagem no Beira-Rio). Em audiência no próximo dia 15, eles terão de explicar ao juiz por que ignoraram sua determinação. Dois dias antes, o diretor do Departamento de
Direitos do Torcedor do Ministério do Esporte, Paulo Castilho, deverá se reunir em Porto Alegre com o presidente do Tribunal de Justiça gaúcho, desembargador Marcelo Bandeira Pereira.Autorizado pelo ministro Aldo Rebelo, Castilho tem a missão de fechar convênios com TJs do Brasil inteiro para instaurar os chamados Juizados do Torcedor. – Esses juizados vão permitir que os órgãos atuem integrados, sem essas falhas de comunicação detectadas pela reportagem – garante Castilho,idealizador da lei que proíbe torcedores envolvidos em brigas de entrar nos estádios. No papel, o autor da legislação, considerada um sucesso em países como Espanha e Inglaterra, é o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), que expõe sua avaliação: – A aplicação burocrática da lei, sem um esforço de todos os poderes, sem o aparelho repressivo do Estado, acaba nessa aberração já comum no Brasil: a lei que não pega. paulo.germano@zerohora.com.br francisco.amorim@zerohora.com.br